A TV e o Instagram: como os jornalistas usam a rede social...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 A TV e o Instagram: como os jornalistas usam a rede social para ampliar a visibilidade e seduzir o público 1 Christina Ferraz MUSSE 2 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG Mariana Ferraz MUSSE 3 Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha Resumo: A necessidade de estabelecer maiores vínculos com o público e diminuir a concorrência estabelecida pelas redes sociais têm mobilizado profissionais da televisão. Não mais apenas as emissoras compartilham o seu conteúdo na web, mas os profissionais utilizam a rede para se aproximar de sua audiência, criando uma relação, que vai muito além da notícia. Investigar o por quê e a forma utilizada para alcançar este vínculo, é o objetivo deste artigo. Para tanto, utilizam-se os conceitos de autorrepresentação de Goffman, e performance, de Paula Sibilia, dentre outros, que tentam explicar como são tecidas as novas relações entre repórteres e apresentadores de TV e seu público. Palavras-chave: Telejornalismo; Instagram; GloboNews; autorrepresentação; performance Introdução Houve um tempo em que jornalista de TV que se prezasse tinha que manter distância das revistas de fofocas, deixar a vida pessoal sempre longe dos holofotes e jamais ofuscar a notícia, chamando a atenção para si próprio. Pouquíssimos dentre nós descobririam alguma particularidade da existência de Gontijo Teodoro, a “cara” do “Repórter Esso”, ou um detalhe mais picante da vida de Luiz Jatobá, apresentador do “Primeiro Plano”, ao lado de Cid Moreira, na antiga TV Tupi. Mas a evolução da linguagem televisiva, o intenso aprimoramento tecnológico, e a centralidade da TV na vida do brasileiro mudariam para sempre a relação da audiência com os telejornalistas. Aos poucos, foram caindo as barreiras entre os noticiários e os programas de entretenimento, e, assim, apresentadores e repórteres passaram a ser valorizados por atributos que iriam além do bom texto e da boa voz. Nos anos 1980, locutores como Cid Moreira e Sérgio Chapelin, da Rede Globo, já tinham virado celebridades e, nas campanhas para a primeira eleição 1 Trabalho apresentado no GP de Telejornalismo, no XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa da Intercom, evento integrante do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Christina Ferraz Musse é jornalista, mestre e doutora em Comunicação e Cultura, pela UFRJ, professora do PPGCOM/UFJF e líder do Grupo de Pesquisa/CNPq Comunicação, Cidade e Memória. E-mail: [email protected]. 3 Mariana Ferraz Musse é jornalista, mestre em Comunicação e Sociedade pela UFJF e doutoranda da UPF, Barcelona, Espanha. E-mail: [email protected].

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A TV e o Instagram: como os jornalistas usam a rede social para ampliar a

visibilidade e seduzir o público1

Christina Ferraz MUSSE2

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Mariana Ferraz MUSSE3

Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha

Resumo: A necessidade de estabelecer maiores vínculos com o público e diminuir a

concorrência estabelecida pelas redes sociais têm mobilizado profissionais da televisão.

Não mais apenas as emissoras compartilham o seu conteúdo na web, mas os profissionais

utilizam a rede para se aproximar de sua audiência, criando uma relação, que vai muito

além da notícia. Investigar o por quê e a forma utilizada para alcançar este vínculo, é o

objetivo deste artigo. Para tanto, utilizam-se os conceitos de autorrepresentação de

Goffman, e performance, de Paula Sibilia, dentre outros, que tentam explicar como são

tecidas as novas relações entre repórteres e apresentadores de TV e seu público.

Palavras-chave: Telejornalismo; Instagram; GloboNews; autorrepresentação; performance

Introdução

Houve um tempo em que jornalista de TV que se prezasse tinha que manter

distância das revistas de fofocas, deixar a vida pessoal sempre longe dos holofotes e jamais

ofuscar a notícia, chamando a atenção para si próprio. Pouquíssimos dentre nós

descobririam alguma particularidade da existência de Gontijo Teodoro, a “cara” do

“Repórter Esso”, ou um detalhe mais picante da vida de Luiz Jatobá, apresentador do

“Primeiro Plano”, ao lado de Cid Moreira, na antiga TV Tupi. Mas a evolução da

linguagem televisiva, o intenso aprimoramento tecnológico, e a centralidade da TV na vida

do brasileiro mudariam para sempre a relação da audiência com os telejornalistas. Aos

poucos, foram caindo as barreiras entre os noticiários e os programas de entretenimento, e,

assim, apresentadores e repórteres passaram a ser valorizados por atributos que iriam além

do bom texto e da boa voz. Nos anos 1980, locutores como Cid Moreira e Sérgio Chapelin,

da Rede Globo, já tinham virado celebridades e, nas campanhas para a primeira eleição

1 Trabalho apresentado no GP de Telejornalismo, no XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa da Intercom, evento integrante

do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Christina Ferraz Musse é jornalista, mestre e doutora em Comunicação e Cultura, pela UFRJ, professora do

PPGCOM/UFJF e líder do Grupo de Pesquisa/CNPq Comunicação, Cidade e Memória. E-mail: [email protected]. 3 Mariana Ferraz Musse é jornalista, mestre em Comunicação e Sociedade pela UFJF e doutoranda da UPF, Barcelona,

Espanha. E-mail: [email protected].

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presidencial pós-ditadura, políticos procuravam jornalistas de TV para ancorarem a

propaganda eleitoral. Na Bandeirantes, Joelmir Betting e Marília Gabriela; no SBT, Boris

Casoy; na TV Cultura, Carlos Nascimento, cada vez mais valorizados, os apresentadores

que davam palpites inauguraram um novo formato de telejornal. Repórteres

“participativos”, como Glória Maria e Francisco Dornelles, na Rede Globo, viraram

personagens de suas histórias. E a vida privada invadiu a telinha, quando Leila Cordeiro e

Eliakim Araújo se tornaram apresentadores do “Jornal da Globo” e inspiração para o quadro

“Casal Telejornal”, atração do humorístico “TV Pirata” da mesma emissora. Mas nada se

assemelharia ao cenário atual, em que repórteres e apresentadores de televisão têm trocado

com frequência o telejornalismo pelos programas de auditório, e a liberdade de atuarem em

publicidade, comercializarem produtos e se tornarem figurinhas fáceis nas revistas de

celebridades. A discrição deu lugar à espetacularização. Os limites entre a vida

profissional e a vida privada tornaram-se tênues. Com a invasão da internet, dos

dispositivos móveis e dos aplicativos para as redes sociais, jornalistas celebrizados por atuar

na TV começam a compartilhar com o público aspectos da vida privada, ao mesmo tempo,

em que utilizam as redes sociais para mostrar os bastidores de seu trabalho profissional, ou

convidar os espectadores a ver a próxima edição do telejornal. Neste artigo, procuramos

discutir essas novas formas de autorrepresentação e como elas modificam as relações entre

telejornalistas e seu público.

As redes sociais e o telejornalismo

A partir de 2003, surgiram as chamadas redes sociais ou redes sociais na internet

com diferentes propostas e ferramentas personalizadas para o funcionamento de cada rede

em específico. Essa nova forma de conexão e interação entre indivíduos culminou também

em novas formas de representação de si, outros modos de relacionar-se entre indivíduos,

novos meios de produzir e guardar memórias, de mobilizar-se e socializar. “La herencia

arquitectónica de Internet y nuevos códigos han permitido que la comunicación

interpersonal colectiva se reorganice y conforme dando lugar a los medios sociales como

‘una nueva forma de comunicación interactiva - la autocomunicación de masas’”

(CASTELLS apud GARCIA, 2014, p. 166).

A partir desse “novo” contexto das relações humanas, das formas de comunicação

em rede e das diferentes estratégias de representação de si, compreendemos a construção

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das identidades dos sujeitos no ambiente virtual como um novo espaço que deu autonomia

para o indivíduo gerir sua própria imagem e publicizar seus discursos. Esses sujeitos não

mais atendem unicamente à lógica da cultura de massa dentro da qual as diferentes vozes

deveriam fazer parte de uma massa unívoca, talvez maior que a própria individualidade.

Acreditamos que a web e em especial a web 2.0 (responsável por uma maior interatividade

on-line entre os sujeitos) colocou o indivíduo comum, que antes ocupava apenas o papel de

receptor na lógica comunicacional baseada em emissores de um lado e receptores de outro,

em um novo lugar onde ele ocupa ao mesmo tempo as duas posições: emissor e receptor,

revezando constantemente seu papel. As consequências no ambiente televisivo são

notáveis:

Hoje em dia, como as relações de comunicação e interação social estão

cada vez mais pautadas dentro da lógica da internet, há uma remodelação

das estratégias de produção na televisão, e mais especificamente, nos

telejornais. Com o público extremamente vinculado e familiarizado com

os espaços virtuais, o jornalismo passou por um processo de hibridação ao

lançar em cibermeios as extensões de seus produtos na TV. Desta forma,

sites, fanpages no Facebook, perfis no Twitter e Instagram e até mesmo

aplicações para os sistemas Android e Ios levam ao público informações

por meio de múltiplos formatos e telas (CAJAZEIRA, 2015, 201).

A produção colaborativa de conteúdo muda a lógica de confecção dos produtos

televisivos, da mesma forma que o consumo dos mesmos não obedece mais ao padrão da

hora e lugar marcados, antes justificados pela adoção de uma engessada “grade” de

programação e pelo uso de equipamentos analógicos, que impediam a recepção em

movimento ou deslocamento. Hoje, a TV e seus personagens fazem parte da vida da

audiência, em qualquer lugar e a qualquer horário, criando uma relação muito mais íntima

com cada telespectador.

As narrativas de si

Na nova ordem vigente em que é necessário estar e ser em diferentes ambientes (real

e virtual), o sujeito descobre que é possível assumir diferentes identidades em cada um

deles. Simultaneamente e paradoxalmente a essa liberdade de “ser muitos”, o sujeito passa a

buscar alguma característica que seja autêntica e própria de si mesmo para sentir-se único e

diferente dos demais. Por isso, entendemos que a contemporaneidade inaugura um

momento onde o “eu” importa mais que o “nós”. O sujeito, por conta própria, passa a falar

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sobre si, fazer imagens de si, escrever sobre si, criando narrativas e histórias que possam

dar sentido a sua própria existência. Ao mesmo tempo, o faz desesperadamente (vide a

quantidade de publicações sobre si nas redes sociais), pois é acometido por um vazio

avassalador quando percebe que ele é como “outros” dos quais tenta se diferenciar e,

portanto, busca dentro de si algo que possa ser esse diferencial criando formas de expressar

o que julga ser uma característica muito autêntica de sua personalidade.

A exposição da intimidade junto ao narcisismo e ao exibicionismo formam

atualmente a pauta da vez e nos parece que a internet e as novas configurações nas formas

de se comunicar vêm enaltecendo essas características nos sujeitos que necessitam expor a

si mesmos e a própria intimidade – aquilo que estaria mais arraigado a nós mesmos – como

uma tentativa de se diferenciar dos demais e em algum sentido criar uma autêntica forma de

mostrar-se para os interlocutores como ele é único e “especial”.

Lo que Narciso ve en el reflejo de sí mismo en el agua es el yo objeto, la

identidad reflejada en esa nueva tecnología, adaptada a las proporciones

que propone el nuevo medio. Así, en las redes sociales digitales el sujeto

queda fascinado al observar la propia imagen deformada que le devuelve

la herramienta, pensar que controla su creación y analizar cómo podría,

desde ella, modelar las impresiones sobre los otros, cómo traducir su

identidad en el nuevo entorno (CASTAÑO, 2012).

Se, para o sujeito comum, anônimo, o acesso às redes sociais significa

empoderamento, porque ele produz mensagens, e se individualiza, o que significa, para um

jornalista, que já é reconhecido como alguém que ocupa um lugar de referência na estrutura

social, criar histórias nas redes sociais? Para Musse, C. e Thomé: “[…]o telejornalismo

veicula também narrativas migrantes, que deslizam de um suporte a outro, e que não podem

ignorar as outras telas que convivem com a TV na era trans e crossmidiática, isto é, em que

a mesma informação é compartilhada em vários suportes” (2015, p. 108). Isto significa que

a TV se espraia por outros suportes, outras telas, e utiliza a interatividade que esses suportes

permitem, como a participação colaborativa da audiência na geração de conteúdos, mas

parece indicar também que a relação entre jornalista e espectador/usuário não prescinde

mais da humanização do relato e do recurso à emoção, à intimidade como elemento para

garantir o estabelecimento e a manutenção do contato. A conformação da web simula o

sentimento de uma nova relação, não mais de um para muitos, mas de um para um,

comunicação customizada, singular, que se assemelha àquela mantida em privacidade, torna

mais rápido e eficiente o intercâmbio entre os usuários e cria a ilusão de uma cumplicidade

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nem sempre inexistente. Antes, era a carta, a conversa telefônica, agora, compartilhando

instantaneamente, a qualquer tempo e lugar, conteúdos públicos e privados, parecemos estar

muito próximos de nossos ídolos e eles de nós.

O mis-en-scène nas telas e nas redes

Para obter “sucesso” nessa nova relação de exposição de si fomentada pelas redes

sociais o sujeito passou a pensar e a trabalhar a sua própria imagem não mais de forma

despretensiosa e natural, porém, de forma consciente e pensada. Por “imagem de si” nos

referimos às fotografias e aos vídeos postados, mas também aos textos, itens

compartilhados e comentários que são, na maior parte das vezes, pensados, antes de serem

publicados nas redes, afinal, hoje, para além do poder para se autorrepresentar, os sujeitos

têm consciência da força e da eficiência da construção de suas identidades nas redes.

Passaram, então (pela disponibilidade tecnológica e conhecimento de quem se quer ser), a

gestores das suas próprias imagens, cuidando para que cada texto e imagem digam algo

para seus seguidores e isso não passe despercebido.

Nas novas relações advindas do contato e da sociabilidade mediada pelas redes

sociais, o indivíduo ficou cada vez mais exposto ao olhar do outro em uma via de mão

dupla: pode-se mostrar o que se quer a quem se quer. Em algumas redes sociais como

Facebook e Instagram (ainda que de forma distinta), é possível se controlar a própria

privacidade dentro da rede, ou seja, o usuário pode escolher com quem compartilha seus

conteúdos. No caso do Facebook, para que os “amigos” vejam suas publicações, eles têm

que ser previamente aceitos pelo dono do perfil como amigo. No Instagram, o usuário pode

ter um perfil público ou privado.

A intenção de tornar-se popular e famoso na internet é o que leva muitos usuários a

assumirem a própria vida como se fossem uma celebridade. Muitos buscam tornar-se uma,

já que atualmente as celebridades ocupam um lugar que vai muito além da simples aparição

nos veículos de comunicação. Elas hoje se tornaram referência de comportamento modelo

que deve ser seguido pelos indivíduos (possíveis fãs) na moda, na vida socia, nas opiniões.

Afinal, ser celebridade virou sinônimo de alguém bem sucedido em nossa sociedade.

The term celebrity is not simply a noun but an adjective that signifies that

someone possesses the quality of attracting attention. So we have celebrity

chefs, celebrity authors, celebrity fiction, celebrity diets, celebrity

workouts, celebrity psychiatrists, celebrity therapists and celebrity doctors.

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Success in virtually every profession is associated with a celebrity status

(FUREDI, 2010, p. 493).

Dessa forma, podemos também entender as celebridades jornalísticas, que ganham a

admiração e o carinho de milhares de seguidores. Essa admiração e projeção têm a ver com

o modelo de comunicação da internet que permitiu “humanizar” e tornar as celebridades

mais próximas da vida comum, ou seja, daquilo que também pode-se ser/ter. Muitos artistas

e jornalistas gerem suas próprias contas na internet e as utilizam para emitir suas visões

particulares sobre determinado assunto e se mostrar (a todo instante através de posts no

Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat) como uma pessoa comum que tem uma vida

“normal”.

Uma sociedade onde as celebridades se tornam modelos exemplares

porque são elas que aprenderam como roubar a cena, independentemente

do que tiveram de fazer para roubá-la. E, num nível mais pessoal, é uma

sociedade na qual os indivíduos aprenderam a valorizar habilidades

sociais que lhes permitem, como atores, assumir seja qual for o papel que

a ocasião exija “interpretar” sua vida, em vez de simplesmente vivê-la. O

resultado é que o Homo sapiens está se tornando rapidamente o Homo

scaenicus – o homem artista. (GABLER, 1999, p. 16).

A fama ou o status de celebridade estava, anteriormente, ligado à aparição do sujeito

na mídia já que se imagina que praticamente qualquer pessoa que seja noticiada, vira

celebridade, pois se sobressai da massa anônima ainda que a “fama” dure apenas alguns

segundos ou minutos. A televisão virou máquina de fazer celebridades que poderiam

desaparecer com a mesma rapidez com que surgiam, porém, todos desejavam ter seus dez

segundos de fama. De fato, o sujeito sentia-se visível para os outros, quando aparecia na

TV, pois teria algo a dizer para uma multidão que nem sequer o conhecia. Com a internet,

outros mecanismos foram se reinventando na lógica das celebridades, pois não é mais

necessário que a mídia tradicional determine quem pode ou não ter seus segundos de fama.

Os sujeitos por si só podem alcançar a fama por meio de seus discursos via texto, foto ou

vídeo publicados na rede, que podem agradar a muitos usuários, tornando-se um conteúdo

várias vezes divulgado e compartilhado nas redes sociais, ou seja, um conteúdo viral. Eles

podem inverter o processo, isto é, ganhar fama na rede e, daí, serem catapultados para a

televisão.

No ambiente digital e das redes sociais, essa necessidade de impressionar “os

outros” se torna cada vez maior já que, neste sentido da dinâmica dessas redes, a aceitação

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de si e de sua própria identidade, está diretamente ligada ao sucesso de suas publicações, o

que se daria pelo número de likes, compartilhamentos e comentários que determinada

publicação receberia. Ousamos dizer que no ambiente virtual as formas de o indivíduo se

expressar ganharam tantas recursos narrativos e uma incalculável possibilidade de alcance,

que ele acentua determinadas características de sua personalidade que julga serem

favoráveis para sua imagem na busca por aceitação, o que os leva a se comportarem como

se, não só “atuassem”, como propõe Goffman (1956), mas fizessem uma performance de si

no ambiente virtual como sugere a autora Paula Sibilia:

Então, se viver se assemelha a atuar ou encenar, se “ser alguém” equivale

a interpretar um personagem, e se a vida tende a se parecer cada vez mais

com uma narrativa midiática, isto ocorre porque costumamos sublinhar

nossos gestos e ações “para aqueles que assistem”, retomando as palavras

de Richard Schechner. Como se estivéssemos o tempo todo fazendo

performances (SIBILIA, 2014, p. 45).

Essa forma de relacionar-se com o outro, que implica em encenar ou performatizar,

começou a ser instituída nas emissoras de televisão, na década de 1980. Equipamentos

mais leves e sensíveis, que permitiam acompanhar os movimentos do repórter, e a geração

de reportagens ao vivo, a partir das antenas de micro-ondas, aproximaram os jornalistas do

espectador. A gravação em plano-sequência e a narração mais coloquial humanizaram de

vez o repórter, que se aproximou do cidadão que, a partir de então, é caracterizado como

“personagem”, fonte indispensável à narrativa telejornalística. A partir dos anos 2000, as

mudanças se acentuam: caem as bancadas das redações, o infotenimento ganha espaço, a

emoção, a opinião, as narrativas de si invadem o espaço público da televisão. Não é só a

adoção da linguagem cada vez mais coloquial que ganha as redações, onde a expressão “a

gente” substitui o “nós”, mas é a confissão do estado de ânimo do repórter numa

transmissão ao vivo ou a discussão sobre o último corte de cabelo no Instagram. O

comportamento intimista, o detalhe da vida privada convergem para as múltiplas telas e se

misturam sem pudor às cenas do espaço público. Tudo numa grande performance.

A onipresença do celular

O acesso à mobilidade e à conectividade que oferecem os celulares hoje transformou

a relação dos sujeitos com os registros do cotidiano. A frequência com que eles são feitos e

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o imediatismo com que podem ser compartilhados configuram mudanças na perspectiva

sobre como narra-se a si mesmo e ao próprio cotidiano nas redes sociais e na internet. A

praticidade e a agilidade alcançadas com aplicativos para celular como é o caso do

Instagram – criado em 2010 e inicialmente dedicado somente à publicação de fotos e que

conta com mais de 200 milhões de usuários cadastrados – modificou a forma de narrar o dia

a dia e de sociabilizar com outros indivíduos.

Stephen Marche has argued that the ease of taking and disseminating

selfies prevents these images from entering the rarified field of art: “We

still think of photographs as if they require effort, as if they were

conscious works of creation. That's no longer true. Photographs have

become like talking. The rarity of imagery once made it a separate part of

life. Now it's just life. It is just part of the day (TIFENTALE, 2014, p. 14).

Apesar de o tempo de publicação de um vídeo no Instagram ser de um minuto, é

notório o êxito da ferramenta e a possibilidade de compartilhar ainda com mais factualidade

o momento que se está vivenciando. Há muitos tipos de usuários e nem todos “dominam”

as técnicas de filmagem ou de fotografia, mas este não parece ser empecilho para que um

vídeo não seja publicado na rede. Parece importar mais o “mostrar a experiência vivida no

momento”, do que a beleza ou a reflexão sobre o momento que está sendo vivido, ou a

qualidade técnica da captação do mesmo. “For the most part, however, our everyday photos

are not intended as art. They are a way of heightening our own daily experiences and

making them special to ourselves.” (RETTBERG, 2014, p. 26).

A possibilidade de fotografar com os aparelhos celulares modificou a forma de se

fazer fotografia, hoje, fotografa-se muito e fotografa-se de tudo um pouco. A foto em si

deixou de ser um evento ou necessariamente a captura de um momento extremamente

curioso, diferente ou mesmo programado e ensaiado pelo fotógrafo. Ao contrário, passou-

se, pela rapidez e facilidade de visualização do material registrado, a fotografar aquilo que

antes poderia ser considerado banal ou sem importância, como, por exemplo, fotografias da

comida do almoço. Houve, portanto, um deslocamento da temática daquilo que é

fotografado, e a fotografia atual feita por pessoas comuns passou a registrar e guardar os

momentos mais banais do dia-a-dia de qualquer um, graças à instantaneidade e rapidez da

fotografia feita por celulares.

O celular tornou-se objeto de desejo e um dos aparelhos tecnológicos que mais

funções conseguem exercer dentro de um único sistema: chamadas de voz, mensagens de

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texto, câmera fotográfica, câmera de vídeo, cartão de crédito, rádio, televisão, entre tantas

outras funções. Foi-se o tempo em que o celular era um aparelho exclusivamente usado para

realizar chamadas telefônicas. Ele se se tornou um objeto essencial da vida cotidiana, pois,

através dele, podemos olhar para nós mesmos e nos reconhecermos por meio de todos os

aplicativos e acessórios que usamos para identificá-lo e customizá-lo na tentativa de torná-

lo único, como também nos sentimos. Segundo Gerard Goggin (2004, p. 2) “the decoration

and modification of cell phones have become an important way that people express their

identity”.

[...] Nonetheless, it is safe to observe that in the more two and a half

decades since it was first market commercially, the cell phone has become

much more than a device for voice calls – it has become a central cultural

technology in its own right. Telecommunications has undergone a radical

shift from being about voice (or fax) communications to becoming:

mobile, flexible and customizable; associated with a person rather than a

household (at least in some societies and situations); and communications

and services hub (GOGGIN, 2004, p. 2).

A cultura do celular modificou e vem modificando as novas formas de sociabilidade,

as formas de estar no mundo de cada indivíduo, pois, de fato, a rápida conexão com outras

pessoas acabou privilegiando a troca de experiências e as diferentes formas de construir

identidades no mundo contemporâneo. Afinal, hoje, toda experiência é passível de ser

compartilhada, pois ela é única e inigualável, já que existe a possibilidade de individualizar

cada uma delas por meio do relato ou do registro visual ou audiovisual, através do ponto de

vista particular de cada indivíduo, que se torna singular.

Essa necessidade atual de estar on-line e dividir suas próprias experiências foi

possível através do compartilhamento das redes de internet sem fio e das conexões

oferecidas para celular em 3G ou 4G. Busca-se e paga-se por uma internet nos celulares que

possibilite o maior acesso e o maior compartilhamento de dados por menores preços, o que

interessa é estar conectado independente do lugar onde se esteja. Quando a comunicação

entre pessoas distantes era feita pelo telefone fixo, era comum que a pessoa saísse de férias,

viajasse e optasse por ficar “desligada”. Hoje por mais distante que se esteja (e se de férias

ou não), o celular acompanha cada indivíduo que carrega um número pessoal, e não mais o

número coletivo do telefone fixo da residência, que era compartilhado por todos os

moradores daquele local. O celular individualizou, além do aparelho – cada um tem o seu –,

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os números de contato ou o que hoje virou quase o registro da identidade, afinal, cada um

deve ter sua própria conta de celular e seu próprio número.

Instagram e os registros do quotidiano

O Instagram foi lançado no dia 6 de outubro de 2010 como aplicativo exclusivo para

telefones com o sistema iOs – sistema operacional dos produtos da Apple – e foi concebido

pelo brasileiro Mike Krieger e pelo norte-americano Kevin Systrom. Antes de ganhar o

nome de Instagram, a dupla já havia desenvolvido um outro aplicativo chamado Burbn que,

na época, Kevin Systrom caracterizou como um aplicativo “muito complicado”. Nele era

possível fazer check-ins, fotos e planos para os finais de semana. Com uma análise mais

esmiuçada sobre o comportamento dos usuários do Burbn, ambos perceberam que “[...]

people weren't using Burbn's check-in features at all. What they were using, though, were

the app's photo-sharing features. They were posting and sharing photos like crazy”.

(GARBER, 2014).

Então, no dia 6 de outubro de 2010, foi postada a primeira imagem do aplicativo

Instagram pelo seu fundador Kevin Systrom. Uma foto que diz bastante sobre a proposta e

o significado dessa rede social: mostrar momentos cotidianos, comuns em que o usuário

narra detalhes do seu dia a dia através do seu próprio olhar e da sua câmera. Ele vira

fotógrafo e editor de suas próprias imagens e dá a ferramenta para que milhares de

indivíduos passem a se narrar através de sua subjetividade para aqueles com quem está

conectado. “The shift to the visual on the Internet and especially in social media has

increased a lot since then. Facebook was originally created to show photos of people’s

faces, and today shared images are central to most social media. Our bodies are no longer

hidden online”. (RETTBERG, 2014, p. 12-13)

Cada usuário do aplicativo tem uma página própria onde estão disponíveis todas as

fotografias que foram publicadas por ele ao longo do tempo em que utilizou o aplicativo.

Essas fotos ficam disponíveis em ordem cronológica sempre partindo da publicação mais

recente até a mais antiga. Neste perfil, o usuário coloca uma foto de si próprio para ser

identificado por outras pessoas. Além disso, qualquer outro internauta, que entre no perfil

do usuário, pode ter informações sobre quantas fotos já foram publicadas, quantos

seguidores ele tem e quantas pessoas ele segue. Há ainda, visível por todos que entrarem na

página, uma breve biografia escrita pelo usuário sobre o que ele achar relevante constar

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como informação sobre si em seu perfil, podendo, inclusive, conter links para outras

páginas ou sites da internet.

Enquanto todas as informações descritas ficam visíveis para qualquer usuário que

entre na página de outro (a não ser que ele esteja bloqueado), isso não funciona para as

fotografias. O usuário pode eleger se deseja ter um perfil público ou privado. Caso o perfil

seja público, as fotos postadas estarão passíveis de serem vistas por qualquer um que entre

em seu perfil, porém, se sua conta for privada, só terão acesso a suas fotos aqueles que

foram “aceitos” para entrar em sua rede. Isso serve, inclusive, para a página de perfil onde

nenhuma foto pode ser vista enquanto o dono do perfil “autoriza”, caso a opção seja de ter

um perfil privado.

Os jornalistas de TV e a autorrepresentação no Instagram

Neste artigo, procuramos acompanhar como os jornalistas de televisão, utilizam o

Instagram para se autorrepresentar, entendendo que existem formas diversas pelas quais

cada um deles pode usar a rede social. Para facilitar a abordagem, procuramos delimitar a

amostra apenas àqueles que aparecem no vídeo, sejam apresentadores e/ou repórteres, e

selecionar dez nomes que estejam atuando no telejornalismo diário do canal de notícias

GloboNews4. A amostra foi aleatória, e envolveu jornalistas de diferentes gêneros e

idades, que mantinham um perfil público; a outros jornalistas, foi pedida permissão para

seguir o perfil, mas não houve retorno ao pedido. Entre os jornalistas selecionados,

observamos dez perfis: Carolina Cimenti (@carolinacimenti), Christiane Pelajo

(@chrispelajooficial), Denise Barbosa (@denisebarbosa), Dony De Nuccio

(@donydenuccio), Guga Chacra (@gugachacra), Leila Steremberg (@leilasteremberg),

Leilane Neubarth (@leilaneneubarth), Mara Luquet (@maraluquet), Sérgio Aguiar

(@sergioaguiar07) e Thais Herédia (@thais.heredia). Para analisar estes usuários, levamos

em conta: i) foto e descrição do perfil; ii) número de publicações, seguidores e seguidos; iii)

formato das fotografias ou vídeos; iv) conteúdo das postagens.

O primeiro objetivo da análise foi saber se a foto e a descrição do perfil

contemplavam algum aspecto relacionado à profissão e à atuação na GloboNews ou outro

veículo. Quanto às fotos de perfil, identificamos que apenas 40% fazem menção explícita

ao local de trabalho, como aquelas de Carolina Cimenti, que aparece com o microfone da

4 A parte empírica desta pesquisa está sendo iniciada, e será destinada, em um segundo momento, à análise do uso do

Instagram pelos jornalistas de outras TVs pagas, e, em um terceiro momento, aos jornalistas das TVs abertas.

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emissora, e Dony De Nuccio, que mostra o estúdio. As outras fotos de perfis, geralmente

em primeiro plano, são da vida privada, e a de Leila Sterenberg, inclusive, dificulta a

identificação, porque é uma foto dela quando criança. Nas descrições dos perfis, 80%

identificam-se como jornalistas, mas apenas metade menciona a empresa para a qual

trabalha. Assim, Denise Barbosa, por exemplo, se identifica como apresentadora e repórter

da GloboNews e dá o link do site da emissora: www.globonews.com.br. Guga Chacra se

identifica como comentarista da GloboNews e blogueiro do portal do “Estado de São

Paulo”, em Nova York. Já Leilane Neubarth se apresenta apenas como jornalista brasileira

e diz que não tem Facebook, mas usa o Twitter: @leilaneneubarth. Apenas dois jornalistas

não fazem menção à vida profissional, são eles Leila Sterenberg e Dony De Nuccio, mas,

no caso deste último, a fotografia do perfil já revela onde ele trabalha.

O segundo objetivo da análise foi observar a quantidade de publicações, de

seguidores e quantas pessoas eram seguidas pelos jornalistas. Neste caso, escolhemos o

dia cinco de julho de 2016 para contabilizar os dados. Neste dia, o campeão de

publicações, feitas até a data, foi Guga Chacra, com 1741 publicações; Christiane Pelajo

teve o menor número de publicações, 185. Estes dados são influenciados não apenas pela

frequência de publicação, como também pela data em que o usuário começou a utilizar o

Instagram. Com relação ao número de seguidores, o mais seguido, até a data de 5 de julho,

foi também Guga Chacra5, contabilizando 39.500 seguidores, seguido por Christiane Pelajo,

com 22.700, e Mara Luquet, com 18.600. Aqueles que tinham menos seguidores, por

ordem crescente, foram Leila Sterenberg, com 938, Denise Barbosa, com 2.399, e Carolina

Cimenti, com 3.036. O fato do jornalista ser mais atuante em publicações no Instagram e

trabalhar em outros veículos pode afetar este resultado. Outro dado curioso é que o número

de seguidores aumenta muito de um dia para o outro. Por exemplo, uma semana depois,

Guga Chacra já tinha mais 500 seguidores. Com relação ao número de pessoas que eles

seguem, temos, em primeiro lugar, Guga Chacra, seguindo 886 pessoas, Denise Barbosa,

78, e Carolina Cimenti, 613. Aqueles que seguem menos pessoas, em ordem crescente, são

Sérgio Aguiar, 78, Leila Sterenberg, 210, e Thais Herédia, 265. O dono do perfil pode

seguir quem ele quiser, alguns são mais ativos, outros, menos. O interessante é que, se você

segue alguém, você pode ter acesso à lista de gente que esta pessoa segue, adicionando-os,

5 Para efeito de comparação, podemos citar a situação do pefil de um jornalista que atua na TV aberta, como é o caso de

Zeca Camargo (@zecacamargomundo); no dia 5 de julho de 2016, ele tinha 288 mil seguidores. Mesmo um jornalista que

não atue em São Paulo ou Rio de Janeiro, pode ter um número muito elevado de seguidores. Vejamos o caso de Bruno

Sakauê (@brunosakaue), da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo, na Paraíba, ele tinha, na mesma data, 78.500

seguidores.

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se lhe interessar, à sua própria lista. Jornalistas costumam seguir colegas de trabalho, além

de amigos e parentes. E, normalmente, têm perfil público, portanto, é fácil adicioná-los e

começar a segui-los6. Outro dado interessante é que o número de seguidores do jornalista é

muito maior do que o número de pessoas que ele segue. Vamos pensar no caso de Guga

Chacra: no dia 5 de julho, ele era seguido por 39.500 pessoas e ele próprio seguia 886, isto

é, o número de seguidores é 44,5 vezes maior que o de seguidos. Certamente, este dado

reflete o fato do jornalista ter notoriedade, ser praticamente uma celebridade, em

comparação com a maioria das pessoas comuns7.

Com relação aos tipos de postagem dos dez jornalistas que estamos seguindo, nosso

terceiro objetivo8, procuramos identificar o que eles tinham exibido, analisando-se uma

sequência de dez postagens, a partir de uma data pré-fixada. Nosso resultado mostrou que

40% postaram metade das fotos fazendo menção ao trabalho e a outra metade à vida

pessoal; 90% postaram pelo menos uma imagem que fazia menção ao trabalho, sendo que

esta imagem poderia ser de uma campanha institucional da emissora. Apenas uma

jornalista não dava pistas mais diretas sobre o que estava postando, apenas dava para se ver

que eram fotos de viagem, todas veiculadas com as hashtags #cartadebessarábia e

#documentario. Mais à frente, o mistério se desfaria: em foto de uma entrevista

(#philostv@globonews), confirmaríamos que Leila Staremberg estava a trabalho.

Nas postagens relativas ao mundo profissional, imperam as fotos, apenas duas eram

de vídeos: Mara Luquet nos bastidores, mostrando o cabelo, e Thais Herédia, gravando uma

chamada para o “Em Pauta”, ambas fora do estúdio. Nem sempre as fotos que têm relação

com o trabalho mostram o jornalista atuando. Três das fotos de Mara Luquet, por exemplo,

a mostram nos estúdios do “Programa do Jô”, isto é, na Rede Globo, mas não na redação da

GloboNews em São Paulo. Quando o jornalista está no local de trabalho, estúdio ou

redação da emissora, ele sempre aparece na imagem, que pode ter vários formatos (o total

de fotos tiradas em estúdio somou 16, um sexto do total): i) ele aparece sozinho - 3 ; ii) ele

aparece com a equipe - 2; iii) ele aparece com um convidado – 1; iv) ele tira a foto (selfie) -

6; v) alguém tira a foto - 1 ; vi) ele fotografa a equipe no estúdio – 1; vii) ele aparece em

algum telão do estúdio, durante a exibição do telejornal – 2; viii) ele aparece na tela de um

aparelho de TV– 4. Neste breve levantamento, concluímos que um terço das fotos são

6 Os perfis no Instagram podem ser públicos ou privados. Aqueles que são públicos podem ser seguidos por qualquer um;

aqueles que são privados, o “dono” do perfil tem que autorizar o seguidor. 7 A título de comparação, geralmente, pessoas comuns têm menos seguidores. O perfil @cfmusse, por exemplo, usado por

Christina Ferraz Musse, tinha, em 12 de julho de 2016, 270 seguidores e seguia 471 pessoas. 8 Neste artigo, não vamos analisar um quarto aspecto, que é aquele da interação com os seguidores, por não

haver espaço suficiente para incluirmos este quesito.

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selfies, tiradas pelo próprio jornalista; e é o jornalista quem também mais aparece em telas

de TV, correspondendo a um quarto das imagens.

Considerações finais

A redação deste artigo trouxe à tona várias questões que desafiam aqueles que

estudam o telejornalismo. É indiscutível a convergência entre os vários conteúdos

midiáticos, como também a crescente utilização dos dispositivos móveis, cada vez com

cardápio mais variado de opções de uso. O telejornalismo vive um momento de transição,

de mutação, mas que, certamente, não o enfraquece, ao contrário, parece lhe oferecer novas

chances de se configurar, em ambiente que privilegia a simultaneidade e a interatividade.

Novos conteúdos tomam contam das telas, com formatos inusitados. Os profissionais que

atuam em TV sabem disso e procuram estabelecer novos vínculos com o público, o que

pode resultar em maior e mais fiel audiência.

Ao estudar os perfis no Instagram de dez jornalistas da GloboNews, podemos

perceber como eles têm utilizado esse dispositivo como forma de reforçar os seus laços de

reconhecimento com os espectadores internautas. Os jornalistas de TV já são celebridades,

eles dominam o jogo de cena, mas, agora, eles oferecem ainda algo a mais à sua audiência.

Eles postam em seus perfis imagens do seu cotidiano, da casa, dos filhos, dos amigos, dos

cachorros, dos restaurantes, das férias... Histórias comuns que não apenas os

individualizam, como também promovem empatia imediata com a audiência. Assim, se

torna tão fácil estar perto, comentar alguma imagem, mandar um recado. As celebridades

instantaneamente estão a um clique de seu teclado, e elas passam a reconhecê-lo, a trocar

ideias com você. Pode-se argumentar que as cartas tinham a mesma função, ou mesmo as

conversas telefônicas, mas, nunca, os olimpianos estiveram tão “perto”, nunca

compartilhamos tantos detalhes pequenos da vida profissional ou doméstica, criando laços

afetivos que parecem anunciar o que poderá ser o futuro da televisão.

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