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A UNIVERSIDADE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPACTOS DAS AÇÕES FORMATIVAS NO TRABALHO DOCENTE. RESUMO O texto que ora apresentamos para o debate é fruto de uma pesquisa sobre a temática da formação continuada de professores numa região do Estado de Minas Gerais. O objeto da pesquisa são os cursos de formação desenvolvidos pelo programa - UFOP com a ESCOLA, destinados à formação continuada de educadores que atuam no Ensino Básico das redes de ensino, Estadual e Municipal nos municípios que compõem a Região dos Inconfidentes (Itabirito, Ouro Preto, Mariana, Acaíaca Diogo Vasconcelos). Tem como objetivo principal analisar o impacto das ações formadoras no trabalho dos professores envolvidos. Os interesses desta pesquisa coadunam-se com as recentes investigações da área, que têm enfocado, de maneira geral, a formação do professor e suas respectivas instituições e agências formadoras, e, de maneira específica, a Educação Continuada no bojo das reformas educacionais dos anos 90. Nesse painel apresentamos o programa acima referido e os dados parciais que indicam o esforço da Universidade em contribuir para a melhoria da prática do professor na região. O programa analisando vem tornando-se uma ponte interessante entre Universidade e Escola, alterando positivamente a relação nas parcerias tanto de pesquisa como de extensão entre os sujeitos envolvidos (professores e alunos) e instituições (Universidade, Municípios). Palavras-chave: Formação de Professores, Formação Docente, Instituição Escolar Introdução O texto que ora apresentamos para o debate se articula com as investigações que vêm sendo realizadas no Grupo de Pesquisa Formação e Profissão Docente FOPROFI/PPGE-UFOP - a respeito da temática relacionada à formação de professores e ao trabalho docente, de maneira geral, e, em especial, à formação continuada. Enfocamos aqui os cursos de formação desenvolvidos pelo programa UFOP com a ESCOLA, destinados à formação continuada de educadores que atuam no Ensino Básico das redes de ensino Estadual e Municipal nos municípios que compõem a Região dos Inconfidentes (Itabirito, Ouro Preto, Mariana, Acaíaca Diogo Vasconcelos). As pesquisas desenvolvidas pelo grupo buscam analisar o impacto dessas ações formadoras no trabalho dos professores envolvidos. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.005138 José Rubens Lima Jardilino Célia Maria Fernandes Nunes Regina Magna Bonifácio De Araújo

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A UNIVERSIDADE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPACTOS DAS

AÇÕES FORMATIVAS NO TRABALHO DOCENTE.

RESUMO

O texto que ora apresentamos para o debate é fruto de uma pesquisa sobre a temática da

formação continuada de professores numa região do Estado de Minas Gerais. O objeto

da pesquisa são os cursos de formação desenvolvidos pelo programa - UFOP com a

ESCOLA, destinados à formação continuada de educadores que atuam no Ensino Básico

das redes de ensino, Estadual e Municipal nos municípios que compõem a Região dos

Inconfidentes (Itabirito, Ouro Preto, Mariana, Acaíaca Diogo Vasconcelos). Tem como

objetivo principal analisar o impacto das ações formadoras no trabalho dos professores

envolvidos. Os interesses desta pesquisa coadunam-se com as recentes investigações da

área, que têm enfocado, de maneira geral, a formação do professor e suas respectivas

instituições e agências formadoras, e, de maneira específica, a Educação Continuada no

bojo das reformas educacionais dos anos 90. Nesse painel apresentamos o programa

acima referido e os dados parciais que indicam o esforço da Universidade em contribuir

para a melhoria da prática do professor na região. O programa analisando vem

tornando-se uma ponte interessante entre Universidade e Escola, alterando

positivamente a relação nas parcerias tanto de pesquisa como de extensão entre os

sujeitos envolvidos (professores e alunos) e instituições (Universidade, Municípios).

Palavras-chave: Formação de Professores, Formação Docente, Instituição Escolar

Introdução

O texto que ora apresentamos para o debate se articula com as investigações que

vêm sendo realizadas no Grupo de Pesquisa Formação e Profissão Docente –

FOPROFI/PPGE-UFOP - a respeito da temática relacionada à formação de professores

e ao trabalho docente, de maneira geral, e, em especial, à formação continuada.

Enfocamos aqui os cursos de formação desenvolvidos pelo programa UFOP com a

ESCOLA, destinados à formação continuada de educadores que atuam no Ensino Básico

das redes de ensino Estadual e Municipal nos municípios que compõem a Região dos

Inconfidentes (Itabirito, Ouro Preto, Mariana, Acaíaca Diogo Vasconcelos). As

pesquisas desenvolvidas pelo grupo buscam analisar o impacto dessas ações formadoras

no trabalho dos professores envolvidos.

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José Rubens Lima Jardilino Célia Maria Fernandes Nunes

Regina Magna Bonifácio De Araújo

Os interesses das investigações desse grupo coadunam-se com as recentes

investigações da área que têm enfocado, de maneira geral, a formação do professor e suas

respectivas instituições e agências formadoras, e, de maneira específica, a Educação

Continuada no bojo das reformas educacionais dos anos 90. Os estudos, que têm merecido

destaque, tanto no contexto dos sistemas públicos de ensino - em virtude, principalmente, da

luta pela superação dos problemas enfrentados pela Escola Básica (GATTI, 2008) - como no

contexto da academia, procuram compreender o fenômeno e contribuir para a formulação de

políticas para a formação dos educadores. Ademais, sabemos que essa problemática não é

específica da sociedade brasileira, mas tem sido discutida e enfrentada em vários países, desde

o final do século XX, conforme nos esclarecem Tardif (1998).

Assim, partindo da convicção de que um programa de educação continuada altera

significativamente a prática docente e a vida do professor, apresentamos, neste painel,

dados parciais que possibilitam analisar algumas transformações na prática do professor

da região, a partir das ações desenvolvidas pelo Programa aqui assinalado. As

experiências de formação continuada expostas neste texto demonstram que é possível

edificar uma ponte entre Universidade e Escola e, alterar, positivamente, a relação nas

parcerias - tanto de pesquisa como de extensão - entre sujeitos e instituições envolvidas.

1. O contexto da educação continuada de professores

O quadro socioeconômico brasileiro, nas duas últimas décadas do século XX,

passou por profundas modificações por meio de processos de institucionalização e de

organização da sociabilidade. Nos anos 90 do século XX, não somente a educação foi

objeto de reforma; um amplo conjunto de reformas foi posto em marcha, até mesmo

como condição sine qua non para as mudanças sociais pretendidas pelo Estado na

social-democracia que se instalava na política brasileira (SILVA JR., 1999). Exemplos

dessas investidas não faltam: elas vão desde os organismos multilaterais do norte e o

seu exercício de influência constante nos rumos da educação brasileira (HADDAD,

2003; 2008) até os mais próximos do sul. Referimo-nos a CEPAL, que, nos anos 1990,

reelaborou, com nuances contextualizadas, seu documento sobre Educação e

Desenvolvimento Econômico e Social na América Latina (1962), em parceria com a

UNESCO: Educación y Conocimiento: ejes de La transformación productiva com

equidad. Conforme Oliveira (1997, p.83) “a CEPAL irá reforçar a centralidade atribuída

à educação nas suas recomendações econômicas de 1990”.

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Esse contexto de reformas resultou de ações anteriores, de maior vulto espaço-

temporal, motivadas pela crise de acumulação do capital dos anos 1970, associada à

passagem do fordismo para a acumulação flexível do capital e à crise do capitalismo

(CHESNAIS, 2003; HARVEY 1992). Embora seja orquestrado pelo centro do

capitalismo (G8), esse processo reverbera nas periferias do capital (G5). Talvez, por

isso, seja possível falar de mundialização da crise, que atinge com maior rigor as

sociedades mais desprotegidas do capital.

É nesse contexto político que a Educação é chamada para reformular sua

estratégia de ação, em especial na formação dos educadores. A ela caberá a formação do

novo cidadão para uma “nova” república – neoliberal – sendo, portanto, um de seus

pilares mais importantes.

O discurso da educação continuada ou permanente (DEMO, 2006) orientado

pelos documentos da UNESCO e dos organismos internacionais (HADDAD, 2003,

2008), constitui as bases da Reforma da Educação nos países do centro e emergentes.

As Reformas da Educação seguem a trilha que esse contexto indica. As ações

políticas e as reformas curriculares dos anos 1990 sobre formação de professores e dos

formadores em geral são orientadas para darem conta dessas exigências. Conforme Gatti

(2008, p. 62):

Documentos internacionais diversos enfatizam essa necessidade e essa direção. Dentre eles, destacamos três documentos do Banco Mundial (1995, 1999, 2002), em que essa questão é tratada como prioridade, e neles a educação continuada Promoção das Reformas Educativas na América Latina (PREAL 2004); e, como marcos amplos da Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI; visão e ação é o texto marco referencial de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento do ensino superior (UNESCO, 1998); a Declaração de Princípios da Cúpula das Américas (2001); e os documentos do Fórum Mundial de Educação (Dacar, 2000). Em todos esses documentos, mais ou menos claramente, está presente a idéia de preparar os professores para formar as novas gerações para a “nova” economia mundial e de que

a escola e os professores não estão preparados para isso”.

Após mais de uma década marcada pela ênfase à educação continuada, esse

contexto já inspira pesquisadores e formuladores de política a procederem a uma análise

mais apurada do processo. Os primeiros articulam novas hipóteses e tecem críticas

sobre os desdobramentos desse processo de formação, ainda que sejam cônscios de que

uma década não seja tempo suficiente para avaliações gerais sobre o impacto dessa

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política no processo formativo dos educadores (GATTI, 2008, p. 68); os segundos,

embora tenham em mãos muitos dados, ensaiam uma análise prospectiva mais acurada.

É fato que as pesquisas sobre o tema têm se ampliado sobremaneira. Os

levantamentos que ora mencionamos indicam essa tendência do campo. André (1999),

em estudo sobre o estado da arte da formação de professores no Brasil, no período de

1990-96, assinala que das 284 teses sobre o tema, 14,8% eram específicas sobre os

processos de educação continuada em vários programas propostos pelas Secretarias de

Educação, sobre cursos e programas de formação e sobre processos de formação em

serviço. Brzezinski (2007), por sua vez, apresenta a trajetória das pesquisas nos 25 anos

do GT8 da ANPED - Formação de Professores -, destacando que, de 1992 a 1998, 24%

das pesquisas apresentadas no referido GT nas Reuniões Anuais da ANPED

investigavam a Educação Continuada. No inicio da nova década, Brzezinski e Garrido

(2002, p. 308) apontam semelhante resultado.

Por fim, a referida temática, embora tenha sofrido nos últimos anos um pequeno

decréscimo no GT, vem mantendo-se como um dos temas privilegiados nas

investigações sobre formação de professores nos programas de mestrados e doutorados

no Brasil. Lima (2003) indica que 23,7% das pesquisas aprovadas para a apresentação

na RA (Reunião Anual) da ANPED estão investigando o fenômeno da educação

continuada.

Embora possamos constatar que, desde a década de 1990, os âmbitos federal,

estadual e municipal de administração pública têm alocado recursos financeiros e

humanos para promover a educação continuada dos professores da Escola Básica,

encontram-se, aqui e ali, indicações de que essa formação tem contribuído pouco para o

desenvolvimento profissional dos docentes, levando-se em conta suas necessidades

efetivas e o contexto em que atuam.

2. Com quem dialogamos - escolhas teóricas

Dadas as premências do contexto socioeconômico que vivenciamos hoje, pode-

se entender a elevada relevância que a temática sobre a Formação de Professores tem na

área da Educação. Tardif, Lessard e Gauthier (1998) analisam o inicio do movimento ao

redor do mundo ocidental. Segundo os autores, ¨é a partir dos anos 80 que a área da

educação começa a se interessar verdadeiramente sobre a Formação de Professores

como um campo autônomo e específico de pesquisa¨ (TARDIF, LESSAR E

GAUTHIER (1998, p. 25). Diniz-Pereira e Zeichner (2008) investigam, no contexto do

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movimento da Pesquisa dos Educadores - terminologia utilizada nos EUA -, os

modelos de formação em concorrência. Fazem-no demonstrando a sua pluralidade

terminológica e de concepção, comumente denominados de Pesquisa-Ação,

Investigação na Ação, Pesquisa Colaborativa e Práxis Emancipatória.

Há mais de três décadas, as discussões sobre o tema têm procurado refletir uma

mudança de orientação. Historicamente, podemos situar como marco dessa

transformação os anos 90, mais especialmente a partir da crítica elaborada pelos

intelectuais norte-americanos que buscavam formular propostas de reforma dos modelos

de formação de professores vigentes nos EUA e no Canadá. Esse debate reverbera em

várias partes da Europa - França, Bélgica, Suíça, Espanha, entre outros - e na América

Latina - Argentina, Brasil, Chile -, por meio das reformas nas políticas educacionais.

As pesquisas indicam uma ruptura com o modelo tradicional de formação de

professores, baseado na aprendizagem autônoma, orientando-se para uma perspectiva

crítico-reflexiva, que preconiza que o professor, no seu trabalho docente, não somente

mobiliza saberes e competências específicas, mas ele mesmo produz novos saberes, ao

interagir com os demais atores educacionais e envolver-se com o contexto institucional

da escola. Os ambientes de formação e da prática docente passam a ser assumidos

também como espaços de construção de saberes de novas competências. Assim, nesse

novo modelo de formação não há uma separação dos três âmbitos de ação do professor:

o espaço do trabalho, relativo à mobilização de saberes do professor; o espaço da

produção, como sendo aquele destinado à pesquisa dos temas associados ao trabalho

docente; e o espaço escolar, em que se intercambiam os saberes.

A formação deve levar em conta um processo formativo que esteja conformado a

esse quadro. A formação inicial não dá conta integralmente dessa demanda. O exercício

da profissão requer, portanto, um novo modelo de formação. Tardif, Lessard e Gauthier

(1998) propõem quatro caminhos possíveis. O primeiro refere-se à formação inicial -

saberes da docência - que visa preparar os estudantes para a atuação profissional de

ensinar, exercitando-os na prática reflexiva, contrariamente à prática alienante que os

leva tão somente a executar procedimentos pré-definidos em instâncias de concepção da

prática docente. Essa perspectiva elabora uma crítica contudente à universitarizaçao da

formação do professor, que dissociou os saberes da prática e da experiência dos saberes

da teoria. Para os autores, a formação deve pensar o ensino como atividade profissional

que está solidificada numa gramática dos conhecimentos. Os profissionais são

profissionais reflexivos (Schön, 1998), o que nos leva a pensar a prática como espaço de

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produção de saberes pelos próprios práticos. Todavia, isso não representa o desmérito

da formação teórica, conforme apontam Tardif, Lessar e Gauthier (1998, p.32):

Essa mudança do centro de gravidade da formação inicial não significa que a formação docente é um exemplo de reprodução de práticas existentes, nem que ela não comporte um forte componente teórico. Esta mudança significa mais do que inovação, um olhar crítico, a teoria deve colaborar com as condições reais do exercício da profissão e contribuir para a sua evolução e a sua transformação

A segunda alternativa elaborada pelos autores refere-se à noção da pesquisa

como instância formadora. Por essa perspectiva, a pesquisa em educação busca iluminar

e, potencialmente, melhorar a formação, proporcionando aos professores que os

conhecimentos construídos atuem como insumos de análise do trabalho em sala de aula

e na escola.

Essa discussão favoreceu a aproximação da pesquisa com a realidade da escola.

Houve, nesse incremento, uma onda de pesquisadores que se instalaram na escola para

recolher dados para sua pesquisa. Anuncia-se, assim, a possibilidade de se empreender

pesquisas de cunho colaborativo, nas quais ambos, pesquisador e professor, buscam

compreender o processo da produção conhecimento ali instalado.

A Formação Continuada, centrada nas necessidades e nas situações vividas pelos

professores em suas diversas formas - formação por pares, realizada em serviço, em

meio ao seu trabalho e integrada a uma atividade de investigação colaborativa – é a

terceira via apresentada por Tardif, Lessar e Gauthier.

A formação continuada está ligada a uma concepção de formação de professor

na qual se assume as limitações da fase inicial. Com os recursos que lhe foram

propiciados nessa instância de formação, o profissional não consegue responder às

demandas da complexidade de seu trabalho. Entende-se por esse princípio que o

processo de formação do professor pressupõe a sua profissionalização no ambiente de

trabalho. Formação inicial e formação continuada estão intrinsecamente relacionadas e

se fundamentam na necessidade de se superarem as situações problemáticas vivenciadas

no cotidiano do trabalho docente.

Nesse caso, os professores em situação de formação continuada não são

considerados estudantes, mas colaboradores e autores de sua própria formação,

combinando os saberes da prática com a pesquisa sobre a sua própria atividade. Por

outro lado, os formadores, em geral da Universidade, têm outro papel: acompanhar a

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atuação dos profissionais, auxiliando-os na reflexão e na compreensão de suas

inquietações e possibilitando-lhes que elas se transformem em objetos da pesquisa.

Enfim, a concepção de educação continuada está centrada no princípio de alternância

entre formação inicial e o processo de profissionalização do professor (Contreras,

2002).

A quarta alternativa indicada por Tardif, Lessar e Gauthier (1998) toma a

formação continuada do professor na sua relação com a formação do professor-

pesquisador. Nesse caso, advoga-se que a pesquisa em educação estará obrigatoriamente

vinculada às necessidades e às situações vivenciadas e explicitadas pelos próprios

professores como objetos de pesquisa relevantes. Como consideram os autores: ¨Se a

contribuição da pesquisa à formação inicial é de dar aos futuros professores uma base de

conhecimento ( um referencial de competências) constituem elas mesmo o estudo de

práticas dos professores, a contribuição da pesquisa ao exercício da profissão e a

formação continuada dos professores será em função da capacidade de responder as

suas necessidades e ajudá-los a solucionar as situações-problemas que eles porventura

venham a enfrentar¨ (TARDIF, LESSARD E GAUTHIER, op.cit., p.35)

Essas perspectivas de formação, bem como as discussões acerca dos três

modelos apresentados por Diniz-Pereira e Zeichner (2008), orientam teoricamente nossa

reflexão sobre a formação inicial e continuada de professores.

3. O caminho percorrido

O caminho metodológico que percorremos considera os limites e as

possibilidades que se apresentam para uma investigação dessa natureza. As

possibilidades relacionam-se com a nossa compreensão de que é de fundamental

importância o desenvolvimento da capacidade do professor de gerir a própria formação,

no sentido de identificar suas necessidades de formação e as alternativas para atendê-

las, o que exige, dada a complexidade do trabalho docente, atualização permanente.

Considerando que a experiência pessoal se realiza também na alteridade com o conjunto

de professores – verdadeira comunidade de “aprendentes” e “ensinantes” –, concebemos

o professor como um sujeito que busca, por intermédio da formação continuada –

oferecida pelos sistemas educacionais e/ou outros -, compreender os seus processos

formativos e de trabalho.

Quanto aos limites, esses deverão ser atenuados, enfrentando-se a

pseudodicotomia, já apontada por Luna (1988), entre método qualitativo e método

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quantitativo. É nossa convicção que os fenômenos sociais e humanos podem ser

estudados utilizando-se os dois métodos de pesquisa. Ambos permitem uma melhor

compreensão do fenômeno a ser estudado e podem ser usados separadamente ou de

forma combinada, complementando-se, e permitindo ao pesquisador ampliar seu

entendimento sobre o fenômeno investigado.

Optamos, nesta pesquisa, por utilizar dois tipos de técnicas de coleta de dados

(ANDRÉ, 1998; JARDILINO, 2010). A primeira consiste: 1. no levantamento dos

programas de Educação Continuada direcionados aos professores e oferecidos pelos

Municípios e parceiros; 2. no levantamento do mapa de formação inicial e continuada,

por meio de questionários.

Na segunda parte da pesquisa, contamos com os recursos das metodologias

descritivas e de análise de conteúdo com dados coletados pela técnica do grupo focal

(GATTI, 2005), para proceder qualitativamente à análise dos dados da pesquisa. Essa

técnica de levantamento de dados, embora nova na educação, consiste em instrumento

factível, por pressupor um trabalho interativo e de coleta de dados

discursivos/expressivos. Consideramo-la também oportuna, porque os professores, de

maneira geral, possuem características e experiências comuns, exercem suas atividades

profissionais no mesmo contexto, passaram pelo mesmo processo de formação

continuada e, por isso, estão qualificados para a discussão sobre o tema.

As sessões dos grupos são chamadas de sessões reflexivas e realizadas durante

as horas de trabalho coletivo determinado pelo grupo. A técnica permitirá a

compreensão dos significados que o grupo de professores das escolas dos municípios

em foco atribui ao processo formativo que lhes tem sido oferecido pela UFOP com a

ESCOLA.

A escolha do campo deu-se por critério regional, considerando-se centros

importantes da região e um município menor próximo à zona rural.

4. Formação Continuada de Professores: diálogo entre Universidade e Escola

Data de 2003 o esforço da Universidade Federal de Ouro Preto de estabelecer o

diálogo com a Escola Básica da região na qual está inserida. Algumas ações, iniciadas

com um cunho extensionista, procuravam aproximar a Universidade da escola básica da

região a fim de se colocarem seu conhecimento e resultados da pesquisa à disposição da

melhoria da Escola Pública por meio de diferentes ações. É nesse quadro que hoje se

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insere o Programa UFOP com a Escola, atendendo a uma demanda de formação

continuada dos professores das redes Municipal e Estadual de ensino na região.

Animada pelas discussões de sua função social e de sua responsabilidade com a

formação para a cidadania, a Universidade reúne seus docentes em diferentes projetos

com objetivo de agregar projetos “isolados” num grande programa com propostas

integradas em prol da Escola Pública (NUNES, 2010).

Dentre os vários programas, que, de maneira dispersas, atendem às diversas áreas

temáticas, destacam-se as propostas para o desenvolvimento de ações direcionadas à

formação continuada de professores da Educação Básica nas escolas da Região dos

Inconfidentes. O Programa UFOP com a Escola nasce e permanece como ação

extensionista, hoje organicamente vinculado ao Departamento de Educação. Mantendo a

sintonia e o compromisso com a Escola Básica da referida região, o Programa vem

realizando em boa parte a formação continuada dos seus professores.

Conforme Nunes (2010), a partir 2006, num diálogo entre a Superintendência de

Ensino do Estado de Minas Gerais e a Pró-Reitoria de Extensão, constroem-se ações

que visam à promoção da Educação Básica na Região. Assim o Programa UFOP com a

Escola estrutura-se procurando promover a discussão de sua contribuição de Natureza

Acadêmica à Sociedade do entorno. A formação de professores é apenas um braço do

programa. São várias as ações extensionistas que têm a “Educação” como área temática

principal, dentre eles destacamos: Programa de Apoio à Educação Básica – PROBASE;

Programa de Inclusão Digital; Programa Educação Ambiental; Programa Educação em

Focos; Programa Integrado de Extensão para o Ensino e a Divulgação da Ciência - Pró-

Ciência, os quais estão integrados pelos eixos: Alfabetização, Leitura e Escrita; Artes

Integradas; Formação Docente; Gestão Institucional; Metodologias e Estratégias de

Ensino/Aprendizagem; Patrimônio Cultural, Histórico, Natural e Imaterial.

Na pesquisa, detemo-nos nas ações formativas do Programa, as quais são

apresentadas sucintamente abaixo. Antes de expô-las, gostaria de indicar que as fontes

documentais do Programa UFOP com a Escola, que serviram como base para a

primeira parte da pesquisa, foram-nos colocadas à disposição, de forma organizada, pelo

coordenador atual do Programa, Prof. Dr. Marco Mello, a quem publicamente

agradecemos.

Iniciamos a apresentação das ações formativas com o Programa Linguística

Aplicada: Ensino-Aprendizagem de Línguas Estrangeiras Modernas, que buscou

trabalhar a competência Linguística de Professores de Língua Inglesa, englobando

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atividades relativas ao uso/desenvolvimento de língua estrangeira, considerando-se as

habilidades orais e escritas. O Projeto teve como objetivos: 1. promover a integração

entre universidade e comunidade, por meio da atualização dos conhecimentos

linguísticos e metodológicos de professores de língua da região; 2. incentivar os

professores à prática reflexiva de sua própria atuação, por meio de discussões sobre suas

ações pedagógicas e as formas de melhorá-la.

Em 2009, o Curso de Formação Continuada de Especialistas de Educação

objetivou o aperfeiçoamento de pedagogos que atuam nas redes públicas de ensino dos

municípios de Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Itabirito, Mariana e Ouro Preto, por

intermédio de um grupo de estudos de caráter multidisciplinar, sobre a profissão do

pedagogo e as condições de seu trabalho, tendo em vista as normativas legais e sua

influência no cotidiano escolar. O curso propiciava reflexão sobre a qualidade do ensino

público e a descoberta de elementos da prática educativa dos pedagogos que melhor

representem as apropriações e ressignificações frente às novas demandas de formação

advindas das reorientações no panorama socioeconômico mundial.

O curso de aperfeiçoamento profissional “Resgatando o papel do pedagogo na

escola” orientou-se por quatro linhas temáticas, abordando Cultura e Diversidade,

Relações étnico-raciais, Educação Especial, Tecnologia da Informação e Comunicação.

Em 2010 aconteceram o curso sobre a Formação continuada de especialista da

Educação e o 2º Curso de Aperfeiçoamento de Pedagogos “Resgatando o Papel do

Especialista na Escola”.

O Curso de Descritores - Língua Portuguesa – 2011 teve como objetivo

auxiliar os professores de áreas diversas com o trabalho da leitura de textos, didáticos

ou não.

O Programa Educação do Campo procurou promover a formação continuada

de educadores que atuam na Educação Infantil e Fundamental I com crianças que vivem

no campo, visando à intervenção desses profissionais na organização do trabalho escolar

e pedagógico, com ênfase na cultura local pela necessidade de se reverter a histórica

desigualdade que sofrem os povos do campo.

Em sendo a educação de jovens e adultos uma de suas preocupações, a UFOP,

desenvolveu o Programa de Educação de Jovens e Adultos Capacitação de

professores/as para EJA – PEJA. Por seu intermédio tem afirmado, desde 1998, o

compromisso com a questão da alfabetização, leitura e escrita de jovens e adultos e,

agora, especialmente no campo da formação continuada de educadores/as de EJA.

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Nesse sentido, desenvolveu o curso de capacitação de professores/as para a EJA,

buscando refletir, juntamente com os educadores/as dessa modalidade de ensino, acerca

dos objetos de conhecimento ensinados e das melhores maneiras de ensinar. O curso

pretende, ainda, proporcionar espaços para atitudes reflexivas sobre a prática e os

saberes da docência.

Esses cursos e atividades de formação, realizados nas cinco cidades da região e

seus respectivos distritos, atingem parte considerável dos professores da Escola básica.

As primeiras impressões da pesquisa apontam, segundo os participantes, o Programa

UFOP com a Escola como um importante espaço de formação continuada, que

proporciona um diálogo frutífero entre os professores da Escola básica e os da

Universidade, em especial aqueles que atuam nas licenciaturas e nos programas de pós-

graduação em Educação, História, Letras e Educação Matemática. O intercâmbio de

ideias e a vinculação dos professores aos grupos de pesquisa e à própria inserção nos

programas de pós-graduação representam um aporte considerável da Universidade na

Formação Continuada dos docentes da rede pública da região dos Inconfidentes. E,

sobretudo, apontam para uma contribuição considerável da Universidade à Escola

básica, pública, ligando seus atores na construção de uma nova identidade docente.

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