A VIDEORREPORTAGEM NO CIBERESPAÇO

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Monografia de conclusão do curso de pós-graduação em Comunicação Jornalística pela faculdade Cásper Líbero. O trabalho mostra o momento importante para a produção audiovisual principalmente na web.

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FACULDADE CSPER LBERO

Antenor Thom de Souza Mariguella

A videorreportagem no ciberespao

SO PAULO 2011

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ANTENOR THOM DE SOUZA MARIGUELLA

A videorreportagem no ciberespao

Trabalho de concluso de curso de PsGraduao lato sensu apresentado Faculdade Csper Lbero como requisito parcial para a especializao em Comunicao Jornalstica. Orientador: Prof. Pedro Ortiz

SO PAULO 2011

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1.1.1.1

Mariguella, Antenor Thom de Souza Paulo, 2011. 72 f. ; 30 cm Orientador: Pedro Ortiz

A videorreportagem no ciberespao/ Antenor Thom de Souza Mariguella. So

Monografia (ps-graduaco lato sensu) Faculdade Csper Lbero Programa de Ps- graduao em Comunicao 1. Videorreportagem. 2. Ciberespao. 3. Reportagem multimdia

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ANTENOR THOM DE SOUZA MARIGUELLA

A videorreportagem no ciberespao

Trabalho de concluso de curso de PsGraduao lato sensu apresentado Faculdade Csper Lbero como requisito parcial para a especializao em Comunicao Jornalstica. Orientador: Prof. Pedro Ortiz

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Data da aprovao Banca examinadora: ____________________________ ____________________________

SO PAULO 2011

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RESUMOA videorreportagem um formato relativamente antigo na produo jornalstica em televiso, porm nunca figurou entre os formatos mais utilizados e sempre esteve na marginalidade. O Ministrio do Trabalho e sindicatos no reconhecem o videorreprter, nas faculdades pouco abordado sobre o assunto, mas com o atual cenrio da produo audiovisual no ciberespao esse profissional ganha uma nova perspectiva. A tecnologia facilita a atuao do videorreprter e a web oferece um campo de trabalho amplo, tanto dentro dos grandes grupos de comunicao quanto na iniciativa independente. Palavras-chave: videorreportagem, videojornalismo, jornalismo, ciberespao, audiovisual, web reportagem multimdia,

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ABSTRACT

Video Interview is a format realitively old in television production, but never figured among the most popular formats and has always been in marginality. The Ministry of Labour and the unions don't recognize the video reporter, too little is broached about the subject at colleges, but with the current scenario of audiovisual production in cyberspace, such professional gains a new perspective. Tecnology facilitates the performance of the video reporter and the web offers a wide work field, within large media groups as much as in independent initiative. Keywords: video interview, video jornalism, media interview, jornalism, cyberspace, audiovisual, web

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SUMRIO 1 INTRODUO 2 UMA HISTRIA DA VIDEORREPORTAGEM 2.1 NO BRASIL 3 A VIDEORREPORTAGEM NO CIBERESPAO 4 O IMPACTO DO YOUTUBE 5 ESTRUTURA E TECNOLOGIA 6 O PROFISSIONAL MULTIMDIA 7 AS RESISTNCIAS 8 OS POSSVEIS CAMINHOS DA VIDEORREPORTAGEM 8.1 A CULTURA DO REMIX, BLOGS E O PODER DE PUBLICAO 9 CONCLUSO APNDICES REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 8 9 10 13 18 21 25 29 32 34 39 40 70

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1 INTRODUO

Nos ltimos anos muitos avanos foram responsveis por uma nova proposta de produo audiovisual. Uma internet cada vez mais penetrante nos lares das pessoas; a tecnologia que barateou equipamentos; a criao de plataformas gratuitas de reposio e compartilhamento de contedos. Esses so alguns dos avanos, mas acima de tudo h a mudana no comportamento das pessoas que deixaram a passividade da mdia tradicional e se colocaram como produtores, experimentando novas possibilidades, conhecendo formatos e propondo solues interessantes para a prtica diria da produo de contedo, seja ele jornalstico ou no. O jornalista ainda no encontrou bem a sua posio nessa brusca mudana que vem ocorrendo. Uma parcela se divide entre negar as mudanas e enxerg-las como prejudiciais a prtica da profisso ou abra-las e tentar se encaixar nesse novo alinhamento profissional que vai tomando forma. No meio dessas incertezas aparece a videorreportagem, objeto do estudo dessa monografia. O formato no novo, porm se encaixa perfeitamente nesse contexto de criao e produo de contedo, principalmente na web. Quais so os limites da produo individual de contedo? Porque ainda pouco se explora o formato na web? Surge a necessidade de um novo profissional multimdia? Onde o jornalista se encaixa diante de tantas possibilidades?

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2 UMA HISTRIA DA VIDEORREPORTAGEM

Videorreportagem um formato de produo de contedo jornalstico no qual o jornalista (tambm chamado de videorreprter ou videojornalista) concentra toda a cadeia de produo de uma reportagem. O videorreprter normalmente trabalha sozinho e o responsvel por executar todos os processos necessrios para a realizao de uma reportagem, ou seja, um profissional capaz de pautar, produzir, gravar as imagens, fazer entrevistas, fechar o texto, editar o contedo e dependendo do veculo ou plataforma colocar isso no ar. Muito se especula sobre a origem da videorreportagem, principalmente os motivos que levaram a sua criao. Para alguns ela nasceu como uma alternativa de produo independente de custo mais baixo. Outros encontram no cinema e no documentrio o caminho mais natural para a chegada desse formato j que os avanos tcnicos permitiram que muitos cineastas e documentaristas experimentassem essa forma mais individual de criao. As primeiras experincias que se tem notcia da realizao de uma videorreportagem ocorreram na dcada de 70 nos Estados Unidos e no Canad. O americano Jon Alpert foi o precursor na produo de documentrios jornalsticos realizados pro uma s pessoa. O ano era 1972 quando ele e a mulher, Keiko Tsuno, comearam uma experincia inovadora e interessante dentro do bairro chins Chinatown, em Nova York. Eles criaram a Downtown Community Center Television (DCTV) que nesse incio se resumia a um veculo estacionado pelas esquinas do bairro onde eram exibidos vdeos. A cmera sendo utilizada com a extenso do olhar, uma parte integrante do corpo e que servia de instrumento de pesquisa e entendimento do mundo ao redor. Em 1974, Alpert comeou a produzir documentrio sozinho e de forma independente para grupos de comunicao como a NBC. Eram apenas ele e a cmera em uma inspirao ntida da produo do cineasta russo Dziga Vertov em O homem com uma cmera. Os trabalhos de Jon Alpert sempre foram muito elogiados e receberam diversos prmios e condecoraes. Dono de vrias entrevistas exclusivas e de

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coberturas especiais at em guerras, ele uma referncia mundial e influenciou e inspirou bastante a produo atual da videorreportagem. No Canad a experincia teve incio no mesmo ano de 1972, mas l ela comeou muito semelhante ao que ainda desenvolvido pelas televises hoje e tambm na internet. O empresrio Moses Znaimer, proprietrio da emissora CityTV, resolveu mudar o esquema tradicional de gravao de externas em que um grupo de profissionais, normalmente quatro pessoas, iam as ruas fazer a reportagem. Ao invs de toda a equipe a emissora passou a enviar o jornalista sozinho com todos os equipamentos para produzir a reportagem. Isso era uma revoluo para a produo de contedo jornalstico para a poca. Com isso os profissionais foram criando novas maneiras de produzir esse material, buscando novos formatos e inovando na linguagem.

2.1

NO BRASIL

Aqui no Brasil, a primeira experincia de videorreportagem aconteceu em 1987 na TV Gazeta de So Paulo. A emissora tinha poucos recursos e a necessidade de preencher a grade de programao, nasceu ento o programa TV MIX, um programa jornalstico com cara de revista eletrnica que ocupava quase que a grade toda da emissora, o programa era dirigido pelo cineasta Fernando Meirelles1. Para preencher essa grade estudantes saiam s ruas com cmeras VHS2 para registrar momentos da cidade, cenas inusitadas e flagrantes. Todo material ia ao ar sem passar pela edio e quando o assunto retratado era complexo os estudantes eram entrevistados no estdio para explicar as imagens. Foi ento que surgiu o termo reprter-abelha, pensado pelo ento diretor da TV Gazeta, Jorge da Cunha Lima:O fundamental do videorreprter na poca e no programa que ele tinha uma pauta genrica, uma intelectualizao da pauta na cabea. Ele precisava ser inteligente, ter uma cabea de editor porque muitas vezes a matria ia para o ar sem edio. Os temas geralmente eram a cidade ou aquilo que repercutia

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Fernando Meirelles hoje conhecido mundialmente por seu trabalho no cinema. Entre vrios longas de sucesso dirigiu Cidade de Deus e Ensaio sobre a cegueira. 2 Sigla em ingls que significa de Vdeo Home System, sistema de vdeo utilizado como padro no mercado domstico entre as dcadas de 80 e 90.

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na cidade. O nome reprter-abelha porque a abelha um smbolo de gente trabalhadora que est sempre por a de um lado para o outro, ento o abelha 3 foi um nome que surgiu do nada. (APNDICE A)

Com a necessidade de dar um tratamento mais jornalstico ao material, jornalistas foram contratados para assumir a funo at ento realizada por estudantes, videomakers. Apesar de obedecer a estrutura tradicional das reportagens para a televiso, a videorreportagem era mais solta, ainda mantendo um carter experimental e buscando novas formas de se fazer a matria como fazer novos planos de imagem e a narrao mais solta, como conta um dos primeiros videorreprteres do programa, Marcelo Guedes.O diretor de jornalismo da TV Gazeta percebeu que aquele material poderia melhorar e ento comeou a pensar em formar uma nova turma de abelhas com a preocupao do lead, ao invs de videomakers, videojornalistas. Eu entrei exatamente nessa poca, fim de 87 comeo de 88. Utilizvamos cmeras VHS e a matria era feita totalmente em plano sequncia. 4 (APNDICE B)

Em 1990 o programa chegou ao fim, mas ficou marcado na histria da televiso brasileira como um projeto inovador e criativo. Trs anos depois a experincia chegou em uma televiso pblica, a TV Cultura de So Paulo. Comandada pelo diretor de jornalismo da emissora, Marco Nascimento, a videorreportagem teve seu espao em vrios programas do canal. Um dos responsveis por esse princpio da videorreportagem na TV Cultura era o produtor de vdeo e professor da PUC-SP, Jlio Wainer. Ele ressalta que o formato nunca entrou para substituir outro ou ter um espao s dele:Eu comecei a fazer videorreportagem na TV Cultura em um projeto do Marco Nascimento que era o diretor de jornalismo do canal. A ideia dele e que eu ainda acho muito atual era que a videorreportagem no fosse o produto principal, mas fosse um borro na programao, uma outra pegada no meio da programao tradicional, com a cmera mais gil, mais intimista, mais 5 pessoal. (APNDICE C)

Jlio Wainer deixou a emissora para estudar no Canad e o projeto teve dificuldades de se manter e principalmente encontrar profissionais dispostos a continuar com a proposta de linguagem. Entre videorreprteres que se destacam 3 Apndice A Entrevista realizada pelo autor com o escritor Jorge da Cunha Lima. 5 Apndice C Entrevista realizada pelo autor com o jornalista Jlio Wainer. 4 Apndice B Entrevista realizada pelo autor com o videorreprter Marcelo Guedes.

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nesse perodo podemos citar nomes como Aldo Quiroga, Paulo Castilho e Marcelo Guedes, que ressalta o respeito que a emissora pblica tinha diante dos outros profissionais da rea: A TV Cultura tem uma vantagem, ela muito respeitada. Onde quer que um abelha da TV se manifestasse era bem recebido, at porque as nossas pautas eram diferentes das pautas dos colegas de outras emissoras. (APNDICE B) At hoje a TV Cultura mantm alguns videorreprteres, nmero que varia conforme as mudanas no departamento de jornalismo da emissora e na direo da Fundao Padre Anchieta, mantenedora da TV. No final da dcada de 90 o Grupo Bandeirantes de Rdio e Televiso colocou no ar o Canal 21. A ideia era ter uma televiso mais gil, regional, que pudesse ser um espao para experimentos de linguagem e tcnica. Em 1998 a fotgrafa e jornalista Renata Falzoni foi a responsvel por fazer o primeiro programa da TV brasileira exclusivo com videorreportagens. A experincia inovadora do Canal 21 durou pouco e hoje o espao quase que totalmente vendido para programao religiosa. A videorreportagem j esteve presente em quase todos os canais de televiso, mas na maioria dos casos nunca de forma continua ou assumida. Luiz Nachbin realizou videorreportagens para o Globo Reprter, da Rede Globo, depois disso ele criou o programa Passagem para..., no Canal Futura com o mesmo processo de produo; a TV Cultura ainda mantm videorreprteres produzindo para os telejornais da emissora; a Band tambm utiliza o formato e o SBT conta com alguns correspondentes internacionais trabalhando como videorreprteres; a ESPN Brasil uma das emissoras que mais acredita no formato em sua programao. No h como deixar de citar aqui os profissionais que cobrem guerras e eventos internacionais, que muitas vezes vo sozinhos at esses locais e com a facilidade que os equipamentos permitem hoje so capazes de fazer entradas ao vivo sem depender de uma equipe. A agncia internacional de notcias Associated Press (AP) batizou esses profissionais de Backpack Journalists (jornalistas de mochila). Em 2009 a RedeTV! tambm resolveu apostar na videorreportagem, mas j com o pensamento multimdia do formato. A emissora criou o projeto Web Reprter, em que jornalistas munidos com equipamentos leves e prticos ficam disposio da emissora para a produo de contedo para os programas do canal e tambm para o portal na internet. O projeto ser discutido nos captulos que seguem.

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3 A VIDEORREPORTAGEM NO CIBERESPAO

Quando falamos em internet, evoluo tecnolgica e novas formas de comunicao temos que compreender o que esse espao e o que ele significa. Estamos falando do Ciberespao, termo que foi criado pelo escritor Willian Gibson em 1984. Para ele esse espao no fsico e nem territorial e composto por um conjunto de redes de computadores por onde as informaes circulam. O terico Pierre Lvy explica o termo:O ciberespao (que tambm chamarei de rede) o novo meio de comunicao que surge da interconexo mundial dos computadores. O termo especifica no apenas a infra-estrutura material da comunicao digital, mas tambm o universo ocenico de informaes que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (LVY, 1999, p. 17).

A infinidade de ferramentas que podemos encontrar no ciberespao apenas uma das vantagens e atrativos que esse espao infinito pode oferecer para que a linguagem da videorreportagem ganhe adeptos e seja produzida, reproduzida e mixada.O ciberespao a conexo dos diversos sites, blogs, e outros tipos de aplicaes na rede informacional, como, por exemplo, chats (salas de conversao virtual), listas de discusso, servios de mensagens instantneas (por exemplo, Gtalk, MSN ou ICQ), ao lado de um mundo de outras possibilidades. A internet uma gigantesca construo coletiva que caminha para formar um enorme hipertexto (AMADEU; KUNSCH, 2008, p. 27).

Pierre Lvy chama essa nova cultura que se desenvolve dentro desse espao com a transformao do relacionamento e comunicao das pessoas de cibercultura. Quanto ao neologismo cibercultura, especifica aqui o conjunto de tcnicas (materiais e intelectuais), de prticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespao (LVY, 1999, p. 17). Sem dvida o ciberespao um ambiente importante para a videorreportagem, para a experimentao de novas tcnicas, formatos e linguagens. Nele a videorreportagem se encontra diante de um grande dilema: reproduzir aquilo que se

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faz tradicionalmente na televiso ou apostar no novo, correr o risco e arrebatar novos adeptos. Parece uma escolha fcil, porm encontra ainda algumas dificuldades. A tendncia que cada vez mais a utilizao de vdeos no jornalismo online acontea e isso j comea a refletir na demanda de mo de obra qualificada. Para entender esse crescimento e interesse por esse profissional precisamos pontuar algumas mudanas significativas nos ltimos anos. Tecnologia, processos de produo, estrutura dos veculos e o interesse do pblico. Essas mudanas tm sido cada vez mais rpidas e surpreendentes. Fica difcil fazer um retrato do momento, pois a cada instante as transformaes vo modificando aspectos importantes e que refletem tanto na atuao do profissional, quanto na atuao do consumidor de contedo audiovisual. Desde que comecei a fazer pesquisas para esta monografia no incio de 2011 at este momento de sintetizar as informaes algumas transformaes j aconteceram, tudo muito efmero e dinmico. Sem dvida podemos dividir a produo audiovisual na web em dois momentos: antes e depois do YouTube, portanto o ano crucial dessa diviso 2005. Antes da criao do site que uma mistura de repositrio de vdeos, rede social e de compartilhamento de contedo, a produo de vdeos na internet era muito restrita aos veculos de comunicao ou empresas capazes de arcar com custos de produo (valores que sempre tiveram como parmetro a produo para televiso). Fazer vdeos para a web alm de caro era tambm um grande esforo tecnolgico. A conexo de um modo geral era muito lenta, com base na conexo discada. A banda larga vem crescendo a cada dia, mas at pouco tempo ainda no atingia muitos locais e tinha o valor bem elevado. Isso era uma barreira tanto para quem produzia o contedo quanto para quem iria assisti-lo. Mesmo assim os principais portais brasileiros apostaram na videorreportagem como uma forma barata e prtica para produzir esse contedo. O Universo On Line (UOL), por exemplo, contava com dois videorreprteres na equipe do UOL News, que era comandado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim em 2004. J a Amrica On Line (AOL) apostou no formato desde o incio de suas operaes no Brasil. Antes de 2004 existiram experincias em portais e sites, mas neste ano precisamente a videorreportagem foi encarada de maneira mais clara como um formato de produo interessante para a web. Antes disso muita coisa era feita no formato padro de televiso, tanto na tcnica quanto na linguagem. A videorreprter Carol Thom fez

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parte da equipe dos dois portais e fala sobre a experincia de produzir exclusivamente para a web nesse primeiro momento.Eu trabalhei na AOL e no UOL como videorreprter e tive uma experincia boa e ruim. Foi boa pois estava entre os pioneiros do mercado na videorreportagem para portais e foi ruim porque no era a minha pegada fazer hard news. (...) As pessoas no entendiam a videorreportagem como forma de produo autoral, eu sentia muito que naquele momento de fato a contratao era porque se queria reduzir o oramento dentro da produo audiovisual do portal. Vo te contratar porque voc faz duas coisas e vo te 6 pagar um pouco menos por isso. (APNDICE D)

O vdeo sempre chamou muita ateno, at pela forte ligao que o brasileiro tem com a televiso, por isso a necessidade de aproveitar esse recurso nos portais era grande, porm muito dificultada pelo gargalo tecnolgico. Para um vdeo ficar com um tamanho possvel de ser visualizado na web precisava ser muito compactado e isso diminua drasticamente a qualidade de imagem e som. Essa diferena de qualidade refletia at na forma de produo do material. Fazer vdeos para a web exigia que as imagens tivessem pouco movimento, por exemplo, para no travar na exibio como conta o videorreprter Paulo Castilho.A gente no tinha uma banda larga desenvolvida e os vdeos paravam muito, ento voc no podia fazer movimentos rpidos de panormica porque ficavam todos segmentados, serrilhados. Chegamos a fazer muitos testes para poder chegar num formato ideal que era quase um formato parado de 7 uma imagem com udio. (APNDICE E)

Os videorreprteres Paulo Castilho e Marcelo Guedes perceberam no comeo dos anos 2000 que o crescimento das mdias digitais era um terreno frtil para o videorreprter e criaram a R2Digital, uma empresa que pretendia enfrentar esse mercado e tambm criar mo de obra qualificada para atuar nele.Pensamos em pegar esse know-how que a gente tem de produzir contedo de forma rpida, barata e com qualidade jornalstica e vamos transferir isso do ambiente da televiso para as mdias digitais. Comeamos a produzir principalmente em DVDs para o mercado coorporativo, fazendo cobertura de eventos e vdeos institucionais. Paralelamente tambm comeamos a desenvolver vdeos para portais e sites de empresas, s que a internet ainda no estava amadurecida em 2000 e 2001 para o uso de vdeo. (APNDICE E)

6 Apndice D - Entrevista realizada pelo autor com a videorreprter Carol Thom.

7 Apndice E - Entrevista realizada pelo autor com o videorreprter Paulo Castilho.

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Guedes fala sobre quais foram as principais razes para que essa ideia no tivesse prosseguimento:Em informtica tudo muda de uma hora para outra e quando a gente estava no ritmo, conseguindo realizar alguns sonhos, de uma hora para outra a gente viu algo no computador chamado YouTube. Ai percebemos que tinha algum do outro lado do mundo fazendo algo em termo de compresso de vdeo acima daquilo que a gente oferecia. (APNDICE B)

Todas essas iniciativas, principalmente dos portais ligados a empresas de comunicao, foram importantes para descobrir a potencialidade das plataformas online para o webjornalismo. Nessa evoluo da produo audiovisual na web a videorreportagem teve altos e baixos, apareceu como grande alternativa, foi deixada de lado e hoje volta a ser o centro das atenes. Ainda falando desse primeiro perodo da produo audiovisual da web, principalmente entre 2002 e 2005, vale lembrar que o poder de produo de contedo jornalstico ainda estava fortemente centrado nas mos das grandes empresas de comunicao, a participao do internauta, sua colaborao alguns fatores, principalmente na incluso digital. Por essa dependncia dos grandes grupos de comunicao o videorreprter se via refm dos investimentos dessas empresas e tambm no meio de um mercado instvel que estava em plena evoluo e transformao. Esses grandes grupos com suas vises mercadolgicas no ousaram tanto neste primeiro momento, principalmente no que diz respeito linguagem. As videorreportagens seguiam o padro tradicional do telejornalismo e a caracterstica da reportagem mais autoral e intimista no foi to explorada no hard news da web. At mesmo por essa caracterstica e tambm com o impacto do YouTube a partir de 2005, muitos portais deixaram de lado, ou reduziram bastante, a produo prpria de jornalismo audiovisual, passando ento a comprar esse contedo de agncias de notcias e at mesmo fazendo parcerias com emissoras de televiso. O custo da operao era cara demais como explica Felipe Harazim, coordenador tcnico da TV IG:O primeira coisa que fez com que as reportagens em vdeo para a web dessem uma diminuda foi o custo. Uma das coisas mais caras que existem na televiso o hard news, ento o primeiro motivo de ter diminudo os

ainda esbarrava em

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ndices de reportagem nos portais da web provavelmente foi o custo 8 financeiro. (APNDICE F)

Com isso a participao da videorreportagem teve uma relativa queda nessa produo e passou a contar com trabalhos bem especficos e espordicos.

8 Apndice F Entrevista realizada pelo autor com o coordenador tcnico da TV IG, Felipe Harazim.

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4 O IMPACTO DO YOUTUBEEm 2005 surgiu um espao gratuito, sem censura e de forte apelo expositivo. O YouTube tirou a concentrao da publicao de vdeos na web das mos dos portais e colocou o internauta comum como o centro de produo. Voc faz, voc publica, voc aparece e sem o peso de ter compromisso com a esttica, com as normas jornalsticas e principalmente, sem ter um compromisso com linhas editoriais e superiores. O terico Henry Jenkins ressalta esse lado revolucionrio do Youtube.O que h de revolucionrio no Youtube que ele representa, nos termos de Levy, uma apropriao normal, calma e embasada do discurso, um site em que a mdia de massa citada e recombinada, em que a mdia caseira ganha acesso pblico e vrias subculturas produzem e compartilham mdia. (...) O Youtube tornou-se um porto seguro para dubladores, cantores de karaok, malas sem ala, observadores de pssaros, skatistas (...) e cada um desses grupos traz consigo um longo histrico de produo de mdia. Se o Youtube parece ter aparecido da noite para o dia, porque j havia uma mirade de grupos esperando por algo como o YouTube. (JENKINS, 2009, p.145)

Certamente o grupo dos videorreprteres era um desses grupos que aguardavam inconscientemente por esse espao. At pela caracterstica da videorreportagem, com sua linguagem mais intimista, mais prxima do cotidiano e das ruas, o YouTube seja um grande canal de exposio desse tipo de produo. Alm de ser um repositrio gratuito de material, a plataforma ainda oferece diversas formas de divulgao e de compartilhamento. A possibilidade de contar histrias (inerente do videorreprter) se torna mais fcil de colocar em prtica. Mesmo com essa ansiedade e necessidade de um espao como o YouTube, grande parte dos profissionais de audiovisual no assimilou tranquilamente o site. O tom amador das publicaes, a mistura entre produes caseiras, vdeos sem sentido, esquetes de humor, videoclipes causou certa resistncia para jornalistas e produtores de contedo. Muitos no estavam dispostos a vincular o material prprio, com cara broadcasting, na mesma plataforma do vdeo de aniversrio de uma pessoa comum. Como a natureza do YouTube compartilhar, reorganizar, mixar contedos, logo comearam a fazer sucesso vdeos da mdia tradicional postados por pessoas comuns. A repercusso desses vdeos, principalmente nos Estados Unidos, deixou em alerta os produtores. Alguns brigam pelos direitos autorais e tentam defender o

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contedo prprio, outros resolveram entrar no YouTube e aproveitar essa onda de acessos. Assim comearam a surgir nesse espao diversas experincias de publicaes. Alguns videorreprteres que atuam na televiso passaram a repor o material no site, contando assim com mais uma forma de exibio do trabalho. O que no primeiro momento foi aproveitado como um local de reposio de algo produzido para outras mdias, em pouco tempo foi encarado como uma mdia adicional e passou a instigar a produo prpria de contedo. Os nmeros atuais do YouTube so impressionantes e ao mesmo tempo abrem algumas discusses para quem produz contedo profissional na web. Entre 2010 e 2011 o site teve um aumento de 100% na quantidade de horas de vdeos recebidas por minuto. Para se ter uma ideia a cada minuto o site recebe mais de 48 horas de vdeo. Em 2007, por exemplo, eram oito horas de vdeos recebidos por minuto9. No so apenas as quantidades de material enviado que impressionam. A audincia do site gigantesca e isso desperta a ateno de quem pretende produzir. So 3 bilhes de views (visualizaes) por dia no site. Esses nmeros balanaram portais, emissoras de televiso e produtores de contedo esto sendo obrigados a se movimentarem, sarem da inrcia e do comodismo que pairava h alguns anos. O videorreprter est neste meio e com ferramentas interessantes para realizar o seu trabalho e divulgar esse formato de produo que se encaixa muito bem na web. Mas o videorreprter no est sozinho, h um crescente interesse na produo audiovisual de pessoas comuns, de outras reas e que precisam ter uma certa noo dessa produo, como comenta Julio Wainer. o momento de produzir, levar a pblico, trocar e de qualificar essa turma que t vindo a. Criando referncias, criando procedimentos, no regras, mas as referncias ticas, trocando material, trocando informao, vendo as coisas uns dos outros. Mas essa turma mais antiga tem que qualificar os que esto chegando e no perder p na produo, continuar fazendo. Ns no somos dinossauros em museus para ficar falando da dcada de 90. Ento hora de produzir, publicar e qualificar essa enorme massa de gente que est com uma cmera na mo e uma enorme vontade de fazer a coisa mas no sabe o que ou como, no sabe se isso, se ficou bom e que tem um monte de dvida. (APENDICE C)

9

Dados disponveis em http://youtube-global.blogspot.com/2011/05/thanks-youtube-community-fortwo-big.html (Acesso em 10/06/2011)

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Mas essa produo prpria no foi apenas impulsionada por essa possibilidade de publicao e divulgao, os avanos tecnolgicos e estruturais possibilitaram tal passo importante.

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5 ESTRUTURA E TECNOLOGIA

Para

essa

produo

crescente

de

vdeos

na

internet,

incluindo

a

videorreportagem nesse cenrio, temos que entender a evoluo estrutural da internet no Brasil, o crescimento do nmero de internautas e tambm o barateamento e facilidade de acesso a novos equipamentos. Segundo o Ibope/Nielsen o Brasil j conta com mais de 73 milhes de internautas acima dos 16 anos10. Entre outubro de 2009 e outubro de 2010 houve um crescimento de 13,2% chegando a mais de 41 milhes de usurios ativos. Somando casa, trabalho, faculdade e outros pontos de acesso, 87% dos internautas brasileiros acessam a internet semanalmente. Uma audincia que no pode ser ignorada, um pblico potencialmente consumidor de informao e tambm produtor dela. Com o crescimento de usurios cresce tambm o nmero de novidades audiovisuais na web. Muita gente acessando, muita gente querendo consumir e tambm querendo produzir. Lembrando que falando especificamente de contedo audiovisual o acesso no basta. Uma conexo mais rpida e estvel fundamental para o sucesso de sites como o YouTube. O internauta mais impaciente, sofre diversas interferncias enquanto assiste a um vdeo, portanto, quanto mais rpida for a conexo, menos tempo o vdeo demorar para carregar e maiores so as chances do internauta ter pacincia de assistir ao contedo. Ao mesmo tempo que estamos falando desse internauta consumidor de contedo, ele pode ser o produtor. Aquela pessoa que publica vdeos no YouTube, compartilha em blogs e envia para amigos. Uma conexo lenta pode ser um fator desestimulante da produo, pois demanda tempo para enviar material. Por isso o avano da banda larga tem sido outro fator importante nessa questo. Em junho de 2008 o pas atingiu 10,04 milhes de conexes de banda larga, nmero que era projetado para 2010 11 . O nmero de pessoas que utilizou uma

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Dados disponveis em http://info.abril.com.br/noticias/internet/brasil-atinge-73-9-milhoes-deinternautas-18032011-32.shl (Acesso em 15/05/2011) 11 Dados Disponveis em http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL730922-6174,00.html (Acesso em 15/05/2011)

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conexo com mais de 8Mb foi de 1,9 milho. J a participao das conexes mais lentas, de at 128Kb, caiu de 13,3% em maro de 2010 para 7% em maro de 201112. As condies se mostram cada vez mais favorveis para a utilizao da web. Aliado a esse crescimento temos ainda alguns planos em estudo e desenvolvimento que podem fazer esse bolo crescer ainda mais. O barateamento da banda larga, a implementao completa da TV Digital e a internet via rede eltrica so s algumas aes que vo beneficiar e atingir bruscamente a utilizao e a produo audiovisual na web. O YouTube j foi citado como exemplo de fenmeno nessa produo de contedo, a estrutura da internet tambm foi colocada como fator importante, mas no podemos nos esquecer das ferramentas, o barateamento da tecnologia dos equipamentos para a produo audiovisual. Para a produo de uma videorreportagem simples o jornalista (ou uma pessoa interessada na produo) h alguns anos gastaria muito dinheiro para ter todos os recursos necessrios para ter uma material finalizado com caractersticas broadcasting. Uma cmera com qualidade, equipamentos complementares como microfone, iluminao, trip, um computador e um local para a edio, so algumas das ferramentas necessrias. Se levarmos como base 2005, ano do surgimento do YouTube, a publicao desse material dependeria de um veculo broadcasting, portais de internet ou ento do investimento financeiro em um site prprio. Financeiramente era algo muito caro e inatingvel, poucos poderiam se aventurar e arcar com custos de equipamentos e produzir contedo sem ao menos ter uma mdia slida para a veiculao do material. O ciberespao tinha essa necessidade, mas ainda no estava estruturado. No estou falando de um passado distante, essa era uma realidade de muito pouco tempo atrs. O avano tecnolgico foi fundamental para que todo esse pacote necessrio para a publicao de uma videorreportagem na web ficasse extremamente acessvel e disponvel para uma gama imensa de profissionais ou no. As cmeras tiveram um avano incrvel nos ltimos anos e a cada novo lanamento somos surpreendidos. Existem milhares de modelos, daqueles voltados ao broadcasting at os mais populares e caseiros. O grande impacto est na 12

Dados disponveis em http://info.abril.com.br/noticias/internet/brasil-tem-43-mi-de-internautas-dizibope-04052011-25.shl

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diminuio de tamanho e peso e no aumento de capacidade e qualidade. Grande parte das cmeras comuns para uso domstico tem qualidade Full HD de definio. Para a gravao de um vdeo para a web, dependendo do objetivo e proposta, esses equipamentos so suficientes e atendem uma boa demanda. No podemos esquecer tambm o preo dessas cmeras. Os equipamentos mais profissionais tiveram queda, mas so as cmeras de bolso, portteis e compactas que tiveram seus valores em forte queda e isso possibilitou a mais pessoas o acesso a equipamentos de excelente qualidade. Paralelo a essa diminuio brusca nos preos, outros aparelhos passaram a integrar o modo de gravao de vdeos com qualidade. Hoje temos celulares que fazem vdeos Full HD como o caso do Iphone 4 e outros modelos que gravam imagens em alta definio e ainda aliam a rapidez para a publicao na web. Mas as mquinas fotogrficas esto revolucionado esse mercado. No mesmo passo do celular, os mais simples modelos de mquinas fotogrficas caseiras fazem vdeos de qualidade e so extremamente baratas, mas foram os equipamentos mais sofisticados que possibilitaram um movimento interessante na produo audiovisual atual. As cmeras HDSLR13 chegaram com forte impacto. O equipamento fotogrfico capaz de fazer vdeos em alta definio, mas com uma qualidade de imagem muito superior a muitas cmeras filmadoras profissionais. Esses equipamentos ainda so caros, mas h uma aceitao muito grande dos profissionais e at amadores para a utilizao desse equipamento. Com ele fotgrafos passaram a olhar com mais ateno para a produo de vdeos como ressalta Carol Thom:Com essa onda das HDSLR os fotgrafos viraram videorreprteres, a gente no tem como negar isso e eu acho isso muito bom. Eles vm com uma coisa que a gente tem uma certa deficincia, que o olhar fotogrfico. Eles tm o domnio de um equipamento que revolucionrio no modo de produzir audiovisual. (...) Eu no posso negar que esse fotgrafo que hoje sai com uma cmera Cannon ou Nikon HDSLR vai a campo para fotografar e volta com uma videorreportagem. Muitas vezes esse material surpreendente. (APNDICE D)

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A sigla em ingls significa High Definition Single Lens Reflex. Essas cmeras fotogrficas, principalmente da Cannon, conquistaram no s fotgrafos como tambm produtores de cinema, documentrios e jornalismo audiovisual.

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Outros equipamentos complementares como microfones, trips, kits de iluminao acompanharam tal evoluo e da mesma forma tiveram seus valores em queda e qualidade cada vez mais alta. No adianta ter bons equipamentos para a captao de material se no tiver como trabalhar e editar essa demanda audiovisual. Nesse ponto o barateamento de computadores e o acesso a programas de edio profissionais tambm foram responsveis por esse nmero elevado e crescente de produes bem trabalhadas e finalizadas, com cara de produto broadcasting. Computadores com grande capacidade de processamento so facilmente encontrados em lojas populares. A maioria deles j vem com softwares de edio amadora, que possibilita um refinamento no produto final. Mesmo assim est cada vez mais acessvel e possvel utilizar softwares profissionais como os usados em emissoras de televiso e cinema. Outros equipamentos, computadores, upgrades e softwares ajudam a encorajar profissionais e amadores para uma produo prpria, sem a dependncia de grandes veculos de comunicao. O videorreprter foi um dos profissionais que mais se beneficiou desses avanos estruturais e tecnolgicos. Ter equipamentos mais compactos, leves e com qualidade facilitam a vida do profissional que tem por caracterstica fazer tudo de forma independente.

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6 O PROFISSIONAL MULTIMDIA

Se fizermos uma comparao simples o videorreprter o profissional multimdia na televiso, j que ele responsvel por executar vrias tarefas e funes sozinho. Por isso podemos dizer que dentro da mdia televiso ele , ou deveria ser, mais completo. Isso no significa que o videorreprter da televiso seja necessariamente o profissional multimdia que o mercado de hoje espera na web, mas ele certamente tem mais facilidade para ser. Esse acumulo de funes e atribuies j faz parte do dia a dia desse profissional e por isso a necessidade de conhecer e executar outras atribuies na web no deveria ser uma barreira, muito comum nos jornalistas. Ainda uma batalha muito difcil convencer o jornalista tradicional a trabalhar no jornalismo audiovisual. Os portais esto aproveitando muito o recurso da televiso que o reprter-abelha, complementa Felipe Harazim. A palavra chave do momento em que estamos vivendo convergncia. As principais plataformas esto entrando em fuso, televiso, rdio, veculos impressos e a prpria web esto cada vez mais prximas e o caminho natural que todas elas estejam disponveis em plataformas conjuntas e integradas. Seja no aparelho celular, nos tablets, na tela da televiso ou no monitor do computador, o consumidor de contedo audiovisual vai ter contato com essa mudana. Essas transformaes j esto em curso, talvez um pouco atrasadas ainda por causa das questes estruturais ditas anteriormente e pelas condies sociais, mesmo assim a curva de crescimento acentuada e a cada dia mais pessoas esto entrando em contato com essa nova realidade. Da mesma forma que o pblico entra em contato com uma nova forma de receber o contedo, o profissional responsvel por ele tambm se encontra em uma fase de transformao e descobertas. O jornalista encontra hoje uma gama de possibilidades e de atribuies em que ter o domnio de outras tcnicas se faz necessria. Hoje e cada vez mais, com os veculos ficando ainda mais integrados, o reprter ser o responsvel por escrever sua notcia para mdias diferentes dentro de um mesmo veculo.

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O mercado exige cada vez mais que esse jornalista no apenas apure os fatos, mas tambm seja capaz de registr-los em foto, udio, vdeo e texto. Com os equipamentos mais portteis, com as formas de compartilhamento mais velozes e acessveis o profissional tem que estar cada vez mais integrado e disposto a utilizar essas ferramentas. Alm de uma certa exigncia do meio, essa tambm uma forma de dar novas possibilidades para a realizao da reportagem. O grande problema enfrentado atualmente pelos portais e tambm por outros veculos que a maioria dos jornalistas que est nas redaes no tem essa formao mais tcnica, no tem o domnio dos equipamentos, ainda segundo Harazim esse um momento de adaptao e reciclagem desses profissionais.Principalmente os portais, mas tambm algumas emissoras de televiso tambm resolveram adotar isso, que foi a alternativa de formar o profissional tecnicamente. Ensinar para eles os conceitos bsicos de uma cmera, os conceitos bsicos de uma entrevista, plano, contra plano, uma srie de informaes tcnicas para que ele no se tornasse um cinegrafista ou produtor, mas que ele tivesse uma noo bsica. A grande ajuda que a conspirao tecnolgica teve para isso foi que hoje tudo muito fcil. Todo mundo tem uma cmera, todo mundo grava, faz um vdeo pelo celular, ento no era um universo to aversivo aos jornalistas. Mesmo assim ainda uma batalha muito difcil convencer o jornalista tradicional a trabalhar no jornalismo audiovisual. (APNDICE F)

Ser um reprter multimdia no implica apenas em produzir contedo para diferentes mdias digitais. Faz parte das caractersticas do profissional multimdia participar de todo processo de captao da notcia. So muitos exemplos que apontam nessa direo. A emissora inglesa British Broadcasting Corporation (BBC) j tem um histrico importante na utilizao de videorreprteres no seu processo de produo de notcias. Em abril de 2011 a companhia britnica informou que todos os seus jornalistas seriam equipados com iPhones 4 para que todos possam produzir udio, vdeo e fotos com qualidade e rapidez. Segundo Fran Unswort, chefe de apurao da emissora, os smartphones tm um papel importante nas coberturas jornalsticas hoje em dia. Alm disso os aparelhos esto equipados com um software que possibilita a entrada ao vivo do reprter tanto na televiso quanto nos portais. Com a tecnologia fica tambm muito mais gil o envio de material para a emissora. O chefe de operaes da BBC, Martin Turner, lembrou que esta no a primeira tentativa da utilizao dos smartphones pela emissora, mas a qualidade tcnica era ruim e hoje

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isso no mais um problema. Sempre quando houver uma histria, notcia e uma cobertura ao vivo ela poder ser feita atravs do iPhone sem perder qualidade. O jornal norte-americano The New York Times tambm comeou a equipar seus jornalistas com o iPhone 4 para que eles fizessem vdeos e enviassem rapidamente para a redao. A primeira experincia do jornal foi na cobertura do Frum Econmico Mundial de Davos. Aqui no Brasil ainda so tmidas as iniciativas nesse sentido, mas alguns portais e emissoras de televiso j comeam a se preparar para esse nova realidade. O Portal IG recentemente fez um grande investimento em equipamentos e no treinamento de seus jornalistas. Com a criao da TV IG e a possibilidade de insero dos vdeos e infogrficos os jornalistas so incentivados a recorrer, sempre que oportuno e relevante, aos recursos audiovisuais.Um equipamento simples e fcil de operar foi a primeira coisa que a gente pensou, para que o jornalista no se frustrasse. O segundo passo foram os workshops, sem aulas formais, um grande bate-papo para falar como fazer vdeo. Buscando sempre exemplos do cotidiano, do dia a dia, do YouTube, para mostrar para o jornalista que todo mundo pode gravar. Depois dessa fase ns sentimos quem estava mais interessado em se aprofundar no vdeo e ento individualmente a gente foi orientando as pessoas. (APNDICE F)

Esse jornalista, munido de um celular ou de uma cmera, treinado e conhecendo as tcnicas de gravao, aliando tudo isso a produo do contedo audiovisual para levar at seu pblico a informao e notcia, passa a ser um videorreprter, um reprter multimdia. nesse contexto tambm que comea a discutir a nomenclatura que ser atribuda a esse novo profissional. O nome videorreprter tende a caracterizar aquele profissional exclusivo da produo de vdeo, assim como videojornalista. No ciberespao esse profissional ainda mais completo porque ele no est apenas envolvido com a reportagem em vdeo, mas tambm faz o texto, infogrficos, fotos e ainda pode ser o responsvel por publicar o contedo. Muitos dos videorreprteres com quem conversei para esse trabalho e tambm jornalistas que no executam essa funo dizem que um bom nome seria Web Reprter. Nome esse que j utilizado pela RedeTV! em um ncleo que tem caractersticas interessantes desse novo formato de trabalho para o jornalista. O projeto j era uma ideia antiga da emissora, mas s foi colocado em prtica em 2009. A ideia consiste em ter diversos jovens jornalistas, espalhados pela cidade,

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com base nas suas residncias, munidos com um equipamento bsico para a produo de contedo audiovisual para as diversas produes da emissora, assim tambm como o jornalismo, esporte e o portal. O equipamento bem simples, porm com qualidade suficiente para ser exibido tanto na TV aberta quanto na web. Paulo Castilho foi o coordenador no princpio do projeto.O que existia de diferente logo no princpio eram as cmeras HD de bolso, que comeavam a ser lanadas no mercado. Elas so menores do que a palma da minha mo e tm qualidade de udio e vdeo, alm da mobilidade j que voc pode carregar no bolso da cala e ir para qualquer lugar com ela, ento onde voc esteja voc consegue contar uma histria. Os webs funcionavam como uma espcie de clientes, uma central de produo de vdeos dentro da emissora. (APNDICE E)

Eu fao parte do projeto, hoje ncleo web reprter, desde o comeo em 2009. De l at hoje algumas mudanas aconteceram na forma de produzir e de integrao com as demais produes e do portal da emissora. A aceitao interna era muito complicada no princpio, por ser um produto novo, que estava se descobrindo e tentando encontrar um caminho. Hoje o nmero de webs cresce no s em So Paulo mas tambm em outras cidades do pas como Rio de Janeiro, Braslia, Belo Horizonte e Recife. O material tem ganhado qualidade e assim sendo cada vez mais requisitado pelos programas e pelo portal. O profissional desse projeto tem que ser verstil e se adequar nas diferentes mdias e ser capaz de realizar todas as etapas no processo de produo de uma reportagem, ou seja, um profissional multimdia. Os problemas de aceitao interna so o reflexo de um preconceito e falta de informao do mercado de um modo geral.

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7 AS RESISTNCIAS

Desde o comeo da videorreportagem no Brasil muitas foram as barreiras e problemas enfrentados por esses profissionais, com a web no diferente. A primeira grande barreira e por consequncia a responsvel pelas outras a falta de informao e conhecimento. No falo apenas dos telespectadores e pessoas que consomem contedo audiovisual, na verdade essas pessoas no tm culpa porque muitas vezes difcil diferenciar um material realizado por um videorreprter de um material feito por uma equipe tradicional. O maior desconhecimento desta forma de produzir vem dos prprios jornalistas e produtores de contedo audiovisual. Quando h um desconhecimento existe a tendncia de marginalizar o tipo de produo, levando muitos a pensarem que um trabalho amador feito por pessoas despreparadas. Por outro lado tem aqueles profissionais, principalmente os mais ligados as reas tcnicas que encaram o videorreprter como um profissional que pode ameaar o mercado profissional, diminuindo vagas e acabando com empregos. possvel que haja preconceito por entenderem que a profisso no regulamentada por lei e por disseminarem questes negativistas quanto a utilizao da linguagem, como por exemplo, dizerem que o videorreprter rouba o cargo de um profissional especializado. (THOM, 2011, p. 17)

No raro ouvir de videorreprteres situaes de constrangimento e hostilidade em coberturas. Muitos colegas, por no entenderem as atribuies desse profissional acabam partindo para agresses verbais e at cusparadas. H tambm aqueles que tentam boicotar o trabalho, no dando espao e dificultando o posicionamento do videorreprter. Eu j vivi esse tipo de situao em algumas ocasies, o que demostra que mesmo nos dias de hoje ainda h muita falta de informao e de respeito. Ouvi muitas coisas, at porque utilizo um equipamento que visualmente no se parece com um equipamento tradicional de televiso. Minha cmera se parece mais com um celular e por isso ouo coisas como amador, f, inexperiente, estudante entre outras coisas. Por enquanto falei do desconhecimento por parte dos jornalistas que esto nas redaes, mas os profissionais de assessoria de imprensa e relaes pblicas

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tambm encontram dificuldade para aceitar e reconhecer o trabalho. Assim como os profissionais das redaes, o assessor normalmente se espanta quando um videorreprter chega para realizar alguma gravao. Perguntas frequentes feitas para um videorrepeorter so: Onde est o restante da equipe? O trabalho de qualidade? Vai ao ar mesmo assim? Precisa de uma ajuda? Voc consegue fazer tudo sozinho? Vindo de um leigo no haveria problema, mas quando as perguntas vm de profissionais da comunicao chega a incomodar. Depois da pauta realizada e exibida, se foi feita por um bom profissional, normalmente esses assessores entram em contato mostrando sempre apreo pela forma como a gravao foi conduzida. Claro que aqui vale fazer uma ressalva que outros fatores ajudam a formar essa boa viso como simpatia e boa conduo da pauta por exemplo. Mas porque h tanta falta de informao sobre o trabalho realizado pelo videorreprter? Podemos atribuir a dois fatores: a no oficializao desse profissional pelos rgos regulamentadores da profisso (ministrio e sindicatos) e a falta de aprofundamento da funo nas escolas de comunicao. Em sala de aula so poucas as instituies que preparam o profissional para ser um videorreprter. Os cursos de Comunicao Social basicamente esto baseados em jornalismo impresso (revistas e jornais), jornalismo eletrnico (rdio e televiso), jornalismo multimdia (internet) e assessoria de imprensa. Em um primeiro momento o formato deve ser abordado nas aulas de telejornalismo, porm os manuais deste assunto, na sua grande maioria, abordam a funo de videorreprter de modo muito superficial. Em sala de aula pouco desenvolvido e aprofundado. At pouco tempo poderamos atribuir essa falta de abordagem pela dificuldade de ter equipamentos e estrutura dentro das faculdades. Muitos defendem que a faculdade no tem essa caracterstica de formar tecnicamente o jornalista para o mercado, mas o tema merece ser um pouco mais aprofundado dentro do contexto acadmico, como ressalta Harazim.A faculdade est em um momento difcil porque ela precisa dar esse enfoque, o jornalista no sai preparado para o mercado de mdia eletrnica, esse mix de udio, vdeo e texto, mas a gente no pode pedir para que a faculdade crie uma nova profisso. (APNDICE F)

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Alguns cursos especficos de videorreportagem existem e so oferecidos por instituies srias, mas a reclamao de quem faz esses cursos sempre a estrutura. Os cursos no oferecem equipamentos em quantidade para a operao individual. Muitos desses cursos at exigem que o aluno tenha equipamento prprio para facilitar nos exerccios prticos, como afirma Guedes.Para se ter um curso srio de videojornalismo, assim como um curso srio de edio, o aluno tem que ter na sua frente a ilha, ter o equipamento na mo. Por isso um curso desses em uma universidade precisaria ter uma bela de uma logstica. Eu s daria um curso extenso e srio com a certeza de que cada aluno pudesse ter o equipamento nas mos. (APNDICE B)

No se pode tambm jogar nas costas das instituies de ensino superior esse peso pela falta de abordagem da funo j que o sindicato dos jornalistas tambm no reconhece esse profissional, sem dvida o maior problema enfrentado pelos videorreprteres. Sem esse respaldo oficial do sindicato e do ministrio do trabalho, a categoria fica desprotegida, sendo obrigada a agir conforme a vontade e necessidade dos empregadores, pouco podendo argumentar e exigir na relao de trabalho. Essa falta de amparo a responsvel pelos abusos cometidos nas relaes trabalhistas e o jornalista que opera o seu equipamento sempre acaba perdendo, pois no ter um salario justo pelas atividades que desenvolve. Muitas vezes o profissional acaba desistindo quando percebe que a empresa no acredita no formato da videorreportagem e sim que est com um profissional que acaba saindo mais barato e sabe desenvolver vrias funes. Jorge da Cunha Lima comenta.A videorreportagem hoje est muito fortemente destinada para a web. Evidentemente ela tem que ser um instrumento do jornalismo formal das emissoras de televiso e portais. Para isso, evidentemente, o Ministrio do Trabalho tem que acordar. Para a legislao brasileira de trabalho no existe ainda o fim do sculo XX. Ns j temos uma nova tecnologia de captao e no existe a figura do videorreprter no Ministrio, o que uma idiotice que no tem tamanho. Isso ainda no prejudica o universo da web porque ainda tem pouca coisa regulamentada, mas prejudica o universo formal do jornalismo e a web tambm faz parte dele. (APNDICE A)

Essa

falta

de

reconhecimento

oficial,

a

abordagem

superficial

nas

universidades e os abusos de alguns empregadores acabou levando muita gente para a produo independente e isso tem gerado resultados surpreendentes e importantes para que o tema seja discutido e pensado.

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8 OS POSSVEIS CAMINHOS DA VIDEORREPORTAGEM

Podemos dizer que 2011 um ano fundamental para o entendimento desse mercado que est sendo reconfigurado e ganhando novas possibilidades, seja no mercado de trabalho que tende a abrir mais oportunidades ou mesmo no campo individual com as possibilidades de produo independente para diversas plataformas, principalmente para a web. Os nmeros e o movimento do mercado esto se mostrando favorveis ao formato de produo da videorreportagem. Desde 2009 os portais voltaram a investir de forma lenta e gradual no formato e a cada ano o nmero de utilizao de videorreportagens tem crescido. Essa possibilidade real de utilizao do formato se deve muito a necessidade de utilizao de contedo audiovisual. Segundo pesquisa da D S Simon Web Influencers Survey14 85% dos sites de mdia norte-americanos usaram vdeos para ilustrar notcias em 2010, um aumento de 33% em relao a 2009. Esse aumento tambm visvel aqui no Brasil. H um esforo evidente dos portais de notcias aqui no Brasil para trazer cada vez mais vdeos, mesmo ainda com os problemas estruturais que enfrentamos. No seminrio TELETIME Broadband que foi realizado em junho de 2011, o diretor geral do Portal Terra no Brasil, Paulo Castro, o vdeo ainda o principal desafio s redes. Um cliente residencial hoje tem uma demanda maior do que uma agncia bancaria, por exemplo, afirmou Paulo. Ele ainda complementa: Cada vez mais as pessoas esto postando fotos e vdeos, e as redes no esto totalmente preparadas para o trfego nessa direo. Um aliado para essa disseminao no consumo de vdeos o celular. Segundo pesquisa realizada pela Alliot Communications os servios de vdeo streaming representam a maior parte do trfego em redes celulares do mundo, com 39% de todo o volume de dados. Dentro desse segmento o YouTube responde pela fatia de 52% dos acessos. Para se ter uma ideia do enorme crescimento tambm nesse segmento, comparando o volume de dados trafegados entre o segundo semestre de 2010 com o primeiro semestre de 2011 houve um crescimento de 77%. A Alliot reuniu informaes de operadoras do mundo inteiro somando mais de 250 milhes de assinantes. 14

Dados disponveis em http://news.dssimon.com/news+releases/2011webinfluencerssurvey.htm (Acesso em 17/05/2011)

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Esses nmeros s ajudam a comprovar que o mercado audiovisual est aquecido e cada vez mais precisando de profissionais capacitados para suprir essa necessidade gigante de consumo de informao em vdeo. O videorreprter tem ento uma oportunidade de colocao nesse cenrio. Um fato interessante e que mostra o quanto a produo de vdeo fundamental neste momento, no s jornalistas esto se capacitando para operar equipamentos e ter a possibilidade de produzir contedos completos para diferentes plataformas, os fotojornalistas enxergaram um grande mercado e esto se especializando e trazendo para essa produo um olhar diferente de quem apenas produz vdeos. As experincias mais evidentes do uso do fotojornalista tambm na produo de contedo em vdeo para portais aconteceram com no jornal O Globo e Folha de So Paulo. Os portais de jornais criaram reas exclusivas para vdeos e incentivaram seus fotojornalistas a produzirem vdeos para ilustrar certas notcias. Esse profissional acaba levando uma certa vantagem com essa onda de utilizao das cmeras HDSLR, j que esto acostumados com o equipamento e entendem de forma mais ntima a forma como eles se comportam e funcionam. Segundo o fotgrafo e professor Toni Martin em entrevista a revista FilmMaker (2011, p.41) todo fotojornalista quer ver o seu trabalho preservado. A cinefotografia no jornalismo deve ser pensada como uma mudana comportamental, que vai alm da revoluo tecnolgica. Tudo parte de uma grande revoluo na mdia que est em curso. O mais importante verificar que no necessrio estar atrelado a algum grande grupo de comunicao para ter sucesso com a produo de contedo audiovisual. Essa possibilidade de produo independente, que de forma equivocada muitas vezes caracterizada como uma produo amadora, hoje explorada fortemente por profissionais do mercado. Claro que a produo amadora se faz presente, extremamente importante e a tendncia que cresa a cada dia. Essa iniciativa de postagem tanto profissional quanto amadora nos faz entrar em um aspecto interessante dessa nova proposta de produo audiovisual: a produo independente de contedo.

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8.1 A CULTURA DO REMIX, BLOGS E O PODER DE PUBLICAORemixagem uma das prticas recombinantes que surgiu com a msica eletrnica e avanou com a msica tecno. Atualmente a remixagem, que se dava pela fuso de sons, passou a ser utilizada at como sinnimo de prticas de recombinao de textos, imagens e ideais. J a sampleagem vem da palavra inglesa sample, amostragem. Prtica recombinante em que a pessoa utiliza uma parte de uma msica, um pedao de uma foto, alguns quadros ou frames de um vdeo etc... retrabalhando-os em outra criao. (AMADEU; KUNSCH, 2008, p. 24)

Todos ns na web estamos de certa forma recombinando informaes, destacando e agrupando aquilo que nos interessa e chama mais ateno. Isso acontece muito no Youtube, onde inmeros vdeos so criados com base em produtos de terceiros j publicados na prpria rede. Recombinando imagens diversas e no conexas para a criao de um terceiro produto cheio de sentido e significado. O videorreprter deve ficar atento para esses movimentos pois ele tem em mo uma ferramenta interessante para a explorao do contedo que ele pretende abordar. Fazer uma reportagem multimdia, uma videorreportagem tanto para a televiso quanto para a web, no deixa de ser um exerccio dirio de remixagem. Texto, foto, vdeo, informao, conexes, infogrficos, uma infinidade de recursos que unidos nos do um produto nico. Tudo isso diante da tela do computador, no celular, na televiso, a plataforma o menos importante, vale a vontade e inteno de quem quer consumir e tambm produzir contedo.O remix era tratado com desconfiana no incio dos anos 1990 e hoje j uma prtica cultural dominante. Todos os dias agregadores e leitores de RSS embaralham notcias produzidas por jornais do mundo todo. Hoje, muito mais gente produz cultura, e tudo faz parte de uma grande nuvem de informaes. As pessoas escolhem pedaos de informao dessa nuvem e fazem suas prprias verses. O remix, que j foi tabu, hoje o padro. (MANOVICH, 2009, apud PRADO,2011, p.XVI)

Realmente a cada dia que passa muito mais gente produz cultura pelas inmeras facilidades que j foram abordadas anteriormente, principalmente quando falamos em produo de vdeos. Desta forma no podemos ficar de braos cruzados diante dessa onda gigante de produo de contedo, seja amadora ou profissional, seja por grandes grupos de comunicao ou por pessoas com iniciativa e vontade de expor aquilo que pensam e produzem.

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Foi nessa linha que em 2009 criei o blog Mural do Antena, um espao para a prtica de contedo multimdia. No princpio a ideia era experimentar e tentar entender o mundo da web e todas as suas possibilidades. Foi assim que comecei a utilizar a videorreportagem como um formato interessante e chamativo na produo dos contedos do blog. A primeira videorreportagem foi gravada com uma mquina fotogrfica simples, encontrada em qualquer loja de eletroeletrnicos. Ainda sem muito entender como aquilo poderia ser inserido no contexto das postagens apostei em uma linguagem simples, direta e sem muito choque com aquilo que as pessoas assistem na televiso. No momento em que a videorreportagem foi publicada o nmero de acessos cresceu mais de 50% e o interesse dos visitantes foi bem curioso, com envio de e-mails, comentrios, divulgao em outros blogs. Percebi ento que esse era um caminho interessante de contedo para a web. Percebi tambm que as pessoas ficavam espantadas com o fato de que eu produzia a reportagem sozinho e com um equipamento muito simples. Foi ento que comecei a pesquisar e ver como esse mercado estava sendo explorado. Na poca, abril de 2009, para a minha surpresa, eu encontrei na web pouca coisa com o rtulo de videorreportagem. O que se via eram produes da televiso republicadas em sites de emissoras ou mesmo no Youtube. Existiam algumas coisas feitas em blogs de humor, sites de notcias, mas que no assumiam aquele contedo como videorreportagem. Alguns videorreprteres mantinham blogs ou canais no Youtube com as suas publicaes da televiso, mas no havia nada especfico para a web com uma continuidade. No d para afirmar que esses blogs ou sites no existiam porque h uma infinidade de contedos no classificados dessa forma ou ento mal nomeados, o que dificulta encontrar tudo o que produzido. O que d para afirmar que havia uma carncia dessa produo de videorreportagem independente para a web. Entre abril de 2009 e agosto de 2011 foram produzidas 64 videorreportagens exclusivas para a web no blog Mural do Antena. Claro que h uma limitao de tempo, porque o blog no a minha nica atividade. Muita gente chegou a me questionar sobre essa investida na produo independente para o blog j que eu tinha uma posio confortvel na televiso. No foi fcil ter que enfrentar um preconceito forte de pessoas da rea, de colegas

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assessores e de possveis fontes de reportagens que ainda no entendiam como um blog estava solicitando uma entrevista em vdeo. Foi um caminho difcil no comeo, mas aos poucos o bom trabalho e o crescimento no nmero de acessos foi agregando mais credibilidade e hoje as videorreportagens do Mural do Antena so bem vindas em inmeros grandes eventos. Em 2010 veio o principal reconhecimento da importncia dessa produo que eu vinha batalhando na web. O blog foi indicado para concorrer na principal premiao mundial da blogosfera, organizado pelo grupo de comunicao da Alemanha, Deutsch Welle. Apenas um blog de cada idioma foi para a fase final e o Mural do Antena representou, na categoria videoblog, os blogs de lngua portuguesa. Foram 11 finalistas e na votao popular ocupei a segunda posio. Mas evidente por tudo que foi discutido nos captulos anteriores que no podemos fechar os olhos para tudo o que est acontecendo e por isso precisamos nos reciclar. Prova de que os jornalistas esto investindo nessas produes prprias est nas recentes videorreportagens realizadas pela experiente e respeitada jornalista Ana Paula Padro. Munida com sua cmera de bolso em viagem de frias, Padro encontrou boas histrias para contar. A primeira experincia postada no seu canal no Youtube foi a histria de uma mulher na Zmbia, ela se interessou pela histria da Petronela e no se intimidou por estar sozinha sem apoio de produo e cinegrafistas, e gravou o depoimento da mulher. Depois de voltar ao Brasil reuniu as imagens feitas por l, editou em casa e publicou.Eu acho que no ter uma equipe, a estrutura tradicional de televiso foi o meu menor problema porque eu j fazia isso, minha vida inteira eu levei cmera fotogrfica, quando as cmeras fotogrficas comearam a filmar eu sempre dava uma filmadinha (APNDICE G)

A outra iniciativa ocorreu em Nova York durante uma nevasca que parou a cidade e l estava ela em frias novamente. Da mesma forma Ana Paula registrou aquele momento curioso da cidade, fez o texto, editou e publicou.A dificuldade que eu tive nas videorreportagens l em Nova York e na Zmbia foi quando eu precisei ficar na frente das cmeras, fazer stand up, nos dois casos meu marido estava comigo e pedi para que ele segurasse a cmera. Outra coisa que senti falta foi um bom microfone, essa cmera que voc est me entrevistando tem entrada para microfone mas a minha no tinha, ento fiquei dependendo muito do som ambiente. Eu estou muito acostumada com

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udio de qualidade ento eu estranhei isso, mas agora com alguns ajustes eu acho que consigo fazer melhor das prximas vezes. (APNDICE G)

O que mais surpreendeu a jornalista foi a reao das pessoas por no imaginar que ela pudesse produzir contedo nesse formato mais solitrio. O incentivo das redes sociais e a no dependncia de um grande veculo de comunicao foram algumas das mudanas destacadas por ela.Na verdade eu acho que a nica mudana no meu caso foi ter o incentivo das redes sociais. Voc est em um lugar onde est acontecendo alguma coisa, pra voc publicar aquilo se estivesse de frias voc iria precisar do aparato da televiso, da estrutura das mdias convencionais e um esquema profissional porque voc precisa ter qualidade broadcasting pra colocar na televiso. As mdias sociais me incentivaram a fazer isso de uma maneira mais simples. (APNDICE G)

Assim como Ana Paula Padro outros jornalistas esto se aventurando na produo prpria de contedo audiovisual. Ter um canal prprio no Youtube, um blog e estar nas redes scias para a divulgao do contedo so requisitos bsicos, porm suficientes para ter sua produo espalhada pela web. O sucesso relativo, depende do objetivo de quem publica e do que significa sucesso para ele. Independente do objetivo o importante verificar que a cada dia os jornalistas vo deixando de lado o preconceito e percebendo que esse um caminho importante e amplo para se encaixar no mercado de trabalho ou no mnimo uma forma eficaz de satisfazer a vontade de contar histrias sem depender de outras pessoas e grandes aparatos. Essa iniciativa tem se espalhado nas salas de aula. Desde quando comecei a publicar as videorreportagens no blog fui convidado para dar palestras para alunos do curso de graduao e ps-graduao de inmeras faculdades de So Paulo e de outros estados tambm. Os contatos sempre citavam o fato dessa produo independente de cmera na mo e sem a dependncia de terceiros para ter o meu prprio canal. Essas palestras renderam vrios frutos de sucesso. Um dos principais exemplos grupo de alunos do curso de graduao das Faculdades Rio Branco, depois de acompanhar a palestra e tirar vrias dvidas, resolveu apostar em um blog sobre esportes. O F d Esportes nasceu com a inteno de produzir

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videorreportagens sobre os mais variados esportes possveis. Em pouco tempo os autores do blog foram ganhando espao, reconhecimento e prestgio no meio. Hoje eles esto com vrias parcerias, os vdeos tm um grande nmero de acessos e j concorrem a prmios. Eles esto concluindo o curso e j tem em mos um canal prprio de produo de contedo multimdia tendo como base as videorreportagens. Hoje j so inmeros blogs, sites e empresas que se utilizam do formato de produo da videorreportagem para a captao do contedo e disseminar suas ideias. H um movimento importante dos videorreprteres mais experientes para uma unio desses profissionais para batalhar por condies de trabalho, pelo reconhecimento do formato e tambm para a troca de informaes e ideias sobre tudo que cerca esse mercado pulsante da produo audiovisual, seja na web, na televiso ou em qualquer plataforma em que se possa disseminar contedos. Diversos grupos tm surgido nas redes sociais como o Facebook, o assunto tem ganhado espao nas faculdades e os estudantes tm descoberto a videorreportagem, encontros tm sido frequentemente programados para essa troca e isso um bom sinal para a solidificao desse jeito autoral e muito prximo do pblico.

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9 CONCLUSO

Diante de tantos nmeros, mas principalmente do movimento do mercado, pode-se afirmar que a videorreportagem j uma importante ferramenta nesta nova proposta de produo audiovisual. O futuro incerto e a cada dia uma novidade aparece e nos faz sentir perdidos diante de tantas mudanas e possibilidades. Amanh tudo pode estar completamente diferente, mas uma coisa certa, as plataformas estaro cada vez mais integradas. Produzir contedo multimdia est muito acessvel e cada vez mais fcil, porm essa facilidade s faz crescer a quantidade de pessoas, jornalistas ou no, dispostas a entrar nesse mercado e exibir a sua produo. O jornalista tem que entender essa nova proposta e se qualificar para assumir mais responsabilidades diante de uma tecnologia que possibilita ainda mais a produo individual (seja ela independente ou em grandes grupos). um grande momento para que surjam cursos especficos, para que as faculdades abordem ainda mais o formato e para que os sindicatos e o Ministrio do Trabalho reconheam esse profissional. Mas nada adianta se a classe de videorreprteres e pessoas que estejam interessadas em produzir desta forma no estiverem unidas e dispostas a lutar pelos direitos que ainda so atropelados por essa roda de novas formas de produzir. As ferramentas esto disponveis, as possibilidades se ampliam a cada dia, o poder de produzir est nas mos de todos, o jornalista no pode ficar de fora.

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APNDICESComo h pouco material publicado sobre o assunto, conversar com os profissionais envolvidos na histria da videorreportagem e tambm com pessoas que estejam na produo atual do formato foi fundamental. Por isso estive com algumas pessoas representativas dentro desse universo para embasar o trabalho. APNDICE A Entrevista com Jorge da Cunha Lima APNDICE B - Entrevista com Marcelo Guedes APNDICE C Entrevista com Jlio Wainer APNDICE D Entrevista com Carol Thom APNDICE E Entrevista com Paulo Castilho APNDICE F Entrevista com Felipe Harazim APNDICE G Entrevista com Ana Paula Padro

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APNDICE AJorge da Cunha Lima: Poeta, escritor, jornalista; Foi Secretrio da Cultura do governo do Estado de So Paulo; Presidente da TV Gazeta de So Paulo; Presidente da TV Cultura de So Paulo e atualmente Presidente do Conselho Curador da TV Cultura. O COMEO DA VIDEORREPORTAGEM NO BRASIL Ns tnhamos na Gazeta, como em todas as televises institucionais, um problema financeiro e um problema de inovao. Ns achvamos que precisvamos fazer um jornalismo diferente, um jornalismo que funcionasse como uma pizza. Um dia inteiro com horas seguidas de jornalismo com base na redao. Como ns no queramos fazer isso em um estdio normal, resolvemos fazer tudo na prpria redao. Era um programa que era ancorado durante horas por diversos segmentos e todas as matrias de rua eram feitas pelos videorreprteres que ns chamvamos de abelhas. Esse videorreprter ia para a rua sozinho com uma cmera camcorder. O fundamental do videorreprter na poca e no programa que ele tinha uma pauta genrica, uma intelectualizao da pauta na cabea. Ele precisava ser inteligente, ter uma cabea de editor porque muitas vezes a matria ia para o ar sem edio. Os temas geralmente eram a cidade ou aquilo que repercutia na cidade. O nome reprter-abelha porque a abelha um smbolo de gente trabalhadora que est sempre por a de um lado para o outro, ento o abelha foi um nome que surgiu do nada. Nunca a videorreportagem se restringia ao ato burocrtico do que estava sendo feito. Ela mais humana e mais prxima das consequncias e efeitos das coisas, das indagaes, o videorreprter vai buscar os antecedentes e a causa das coisas. TV CULTURA

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A causalidade ns utilizamos muito no jornalismo pblico da TV Cultura, em uma ideia que evoluiu da videorreportagem. No interessa o espetculo da notcia, mas a compreenso do conhecimento. A base do abelha essa, com a cmera, com a gravao e com a compreenso do que est acontecendo. Eu acho que ns temos um reflexo da videorreportagem espontnea, dos acontecimentos do cotidiano no Youtube. o cidado comum fazendo suas videorreportagens, com a facilidade da tecnologia qualquer cidado que est em uma situao inusitada e filma acaba fazendo uma reportagem e colocando no seu site, no twitter, ou ento vendida para alguma televiso. Hoje os melhores flashes de acontecimentos normalmente so enviados por annimos. SINDICATOS E WEB Houve muita reao dos sindicatos alegando que o reprter abelha tirava o emprego formal de diversos profissionais da unidade que vai para a rua fazer reportagens. Eu acho que uma grande reportagem exige equipamentos e equipes maiores, mas a videorreportagem do cotidiano fundamental que seja feita com essa espontaneidade. A videorreportagem hoje est fortemente destinada para a web. Evidentemente ela tem que ser um instrumento do jornalismo formal das emissoras de televiso e portais. Para isso, evidentemente, o Ministrio do Trabalho tem que acordar. Para a legislao brasileira de trabalho no existe ainda o fim do sculo XX. Ns j temos uma nova tecnologia de captao e no existe a figura do videorreprter no Ministrio, o que uma idiotice que no tem tamanho. Isso ainda no prejudica pouco o universo da web porque ainda tem pouca coisa regulamentada, mas prejudica o universo formal do jornalismo e a web tambm faz parte dele. As televises privadas ainda no tm uma fiscalizao to forte, mas televises pblicas tem um olhar forte dos sindicatos e do ministrio pblico e por isso no podem apostar nessas coisas. Essas televises que deveriam ser as televises de vanguarda so as mais castigadas com a dificuldade de usarem esses formatos. H uma parte do jornalismo que se apoia na instituio do sindicato e na legislao antiga para preservar a sua maneira de ser e a sua maneira de trabalhar.

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TECNOLOGIA A renovao tem que ser feita porque hoje h uma ilha de edio digital completamente diferente das analgicas, hoje voc tem cmeras digitais de todos os tamanhos e qualidades que dispensam ter do seu lado gravadores e evidente que o novo jornalista, o novo videorreprter tem que ter uma formao para isso. Eu volto ao que me dizia o Cludio Abramo: O tempo passou, a tecnologia mudou mas o problema continua o mesmo. Um grande jornalismo s acontece com pessoas que tm cultura, se no houver cultura, uma compreenso intelectual do tempo que voc est vivendo, da cidade que voc est vivendo, da antropologia, da sociologia, voc nunca ser um grande jornalista. O maior antdoto contra o preconceito a cultura. Eu acho que a videorreportagem deveria ser 50% do jornalismo. Eu fracassei um pouco nesse sentido aqui na Cultura. No havia uma tradio em jornalismo na Gazeta, ento ns poderamos criar. Eu trouxe pessoas como o Fernando Meirelles, Marcelo Machado, Serginho Groisman, Marcelo Tas, uma equipe de pessoas que estava ali para inovar. J a TV Cultura era um TV consagrada, uma programao infantil com 10 pontos de audincia, uma programao jornalstica com 6 pontos. Era uma das televises mais respeitadas no Brasil, embora fosse uma televiso pblica. Ento no era uma televiso fcil de adaptao do uso do abelha. Da veio aquela ideia do jornalismo que favorecia a compreenso do conhecimento e no o espetculo da notcia. Ns estamos vivendo um momento de muita contradio. A matria muito bem feita e muito careta, s pegando os elementos formais que a pauta exigiu ou voc est na web onde tudo possvel, bem ou mal feito. Eu tenho a impresso de que a grande espontaneidade no ser da televiso, ela ser da web. Quando houver maior interatividade na televiso, e a interatividade no for apenas o fulano votar no BBB ou comprar um tapete persa ou apostar em um cavalo, mas a interatividade for, por exemplo, o telespectador emitir uma opinio e mandar a sua verso dos fatos. Tenho a impresso que essa interatividade vir em breve e eu com uma cmera como a sua posso enviar minha matria sem ser o reprter da emissora.

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FUTURO Ns estamos em uma transio, no sabemos ainda o que vai ser, mas para que a imprensa tradicional mude preciso que o Ministrio do Trabalho acorde e que os sindicatos percebam que vai haver uma multiplicao de oportunidades muito grande. Na verdade o videorreprter vai salvar o jornalismo do desemprego ao invs de tirar empregos, voc pode multiplicar a quantidade, voc pode ter 20 abelhas na rua do que ter 5 equipes. A cidade quer ser coberta, ela quer ser revelada, como todos os acontecimentos. Eu sou otimista e acho que esse assunto vai se resolver por si porque a comporta est aberta e agora s falta navegar nesse rio.

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APNDICE BMarcelo Guedes: jornalista, videorreprter, esteve no comeo da videorreportagem no Brasil, passou pela TV Cultura, RedeTV! e produtoras. COMEO NO VIDEOJORNALISMO J no tempo de faculdade eu j lidava muito bem com esse tipo de linguagem. Quando eu pegava o microfone eu me indispunha com o colega da cmera porque ele no segurava a imagem e quando eu operava a cmera achava que o cara era um mau entrevistador. Um dia eu peguei essa cmera, a U-Matic15, e sa gravando sonoras com colegas na lanchonete, mostrei para o professor e ele deu uma risada e disse Marcelo, valeu o esforo mas no por a no. Uns quatro anos depois dessa situao com o professor eu me vi no projeto do programa TV Mix com os abelhas. Um projeto criado pelo Fernando Meirelles, Marcelo Machado, gente que na poca marcou presena e marca at hoje. No comeo quem manipulava o equipamento eram pessoas com formao de videomakers. Eles no tinham uma preocupao com o lead da matria, da informao objetiva e bem apurada. Os vdeos eram muito bem feitos, mas no final da exibio um olhava para o outro e dizia bonitinho, bem feito, mas pra que serve tudo isso?. O diretor de jornalismo da TV Gazeta percebeu que aquele material poderia melhorar e ento comeou a pensar em formar uma nova turma de abelhas com a preocupao do lead, ao invs de videomakers, videojornalistas. Eu entrei exatamente nessa poca, fim de 87 comeo de 88. Utilizvamos cmeras VHS e a matria era feita totalmente em plano sequncia. EQUIPAMENTO O equipamento era uma coisa nova eram as VHS e estavam comeando a chegar a S-VHS, mas o fato que a nossa maior dificuldade no era o equipamento e sim o preconceito do telespectador quanto aquele tipo de imagem e movimento 15

Sistema de equipamentos para gravao de vdeos criado pela Sony em 1969 e foi utilizado at o incio dos anos 90.

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que fugiam dos padres daqueles tempos. Alm do preconceito do telespectador o nosso maior problema eram os nossos prprios colegas de televiso, reprteres mas principalmente cinegrafistas, que achavam que a figura do videojornalista recm criada ali poderia estrangular o mercado de trabalho. Ns ramos cinco videojornalistas que se adaptaram ao novo estatuto da abelhagem, com a preocupao de contar uma histria com comeo, meio e fim. ramos eu, David Molinari, Ana Muylaert, Wilson Ferreira Junior e Mario Resende. Ns no tnhamos nem acesso s ilhas de edio l na Gazeta foi quando eu tive a sacada de utilizar o plano sequncia editando no gatilho. Ns fazamos o plano e ligvamos a cmera s no outro local j na sequncia da reportagem. Mas ns sofremos demais com colegas que boicotavam na rua, fazendo contra luz, dando rasteira e at cusparadas nas nossas nucas mas devagar ns fomos conseguindo nosso espao. TV CULTURA Entre 1994 e 1995, o Marco Nascimento da Fundao Padre Anchieta, TV Cultura, resolveu acreditar novamente na figura dos videorreprteres. Ento os jornalistas no manipulavam mais cmeras VHS e sim cmeras High Eight, de nove quilos, muito pesadas. L estavam o Aldo Quirga e o Marcelo Novaes e eu no me adaptei por que as cmeras podavam muito a minha forma de trabalhar, mas depois o equipamento mudou e consegui me encaixar. Ns tnhamos que danar conforme a msica. Eu tinha a preocupao com a imagem, com o roteiro, mas ganhando apenas como reprter. No existia nenhum tipo de benefcio pelo fato de ns nos preocuparmos com outras coisas. Isso no impediu que fssemos felizes naquela poca. A TV Cultura tem uma vantagem, ela muito respeitada e querida. Onde quer que um abelha da TV se manifestasse era bem recebido, at porque as nossas pautas eram diferentes das pautas dos colegas de outras emissoras. Em uma reportagem tradicional se voc pega um entrevistado monossilbico, que fala mal, voc consegue construindo o seu texto, pegando algumas imagens de plano e contra plano, voc consegue poupar o cara e contar a histria. O grande barato da abelhagem a humanizao da informao, ento efetivamente o

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personagem tem que estar com a boca no trombone, tem que estar olhando para a cmera e falando alguma coisa. Nessa hora o abelha funciona muito bem. R2 DIGITAL A R2Digital foi pura paixo mesmo, naquela poca comeava a se falar em vdeo digital e a banda larga era uma coisa complicadssima. Basicamente a proposta dessa produtora independente de contedo era formatar tudo aquilo que rolava na cidade de So Paulo na linguagem da videorreportagem. Do factual at o vdeo corporativo, ns chegamos a ter clientes como a Editora Abril e fizemos vdeos que foram publicados nos sites. O processo era muito complicado por causa da compresso do vdeo, do encodamento do vdeo e hoje em dia tudo to fcil, qualquer criana publica um vdeo no YouTube, mas na poca ns tnhamos que fazer testes e mais testes que duravam horas. Em informtica tudo muda de uma hora para outra e quando a gente estava no ritmo, conseguindo realizar alguns sonhos, de uma hora para outra a gente viu algo no computador chamado YouTube. A percebemos que tinha algum do outro lado do mundo fazendo algo em termo de compresso de vdeo acima daquilo que a gente oferecia. Mas o YouTube muito bem vindo e uma bela ferramenta para os abelhas e a cada dia surgem novas possibilidades. WEB A videorreportagem est migrando literalmente para a web. Eu vejo que a televiso, em um futuro muito prximo, ter grandes mudanas principalmente no que se refere cobertura jornalstica. As pessoas vo ver menos televiso e vo ver mais internet. Nessa hora o papel dos videorreprteres, que eu prefiro chamar de web reprteres, vo ter uma grande importncia daqui para frente, principalmente no hard News. Fora da web os videorreprteres esto se encaminhando para o videodocumentrio. Hoje o jornalista tem condies de ter um equipamento barato em mos, equipamentos de qualidade e at as HDSLR que voc tendo um pouco de disciplina voc aprende a mexer em um equipamento desses e a pode viajar o Brasil e voltar com um longa-metragem muito bem fotografado e com um custo

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baixssimo. Uma pena que ainda so poucos os profissionais que se aventuram e conseguem material com qualidade. No fcil porque voc tem que assobiar e chupar cana ao mesmo tempo, ento o videojornalista, videorreprter, web reprter e o vdeo documentarista tm que ter a preocupao tambm de manipular o equipamento eletrnico como se fosse a extenso da sua retina, isso no pra muitos, para poucos... L na Europa isso j muito popular, est na hora dos sites, portais e tambm as televises no Brasil darem mais espao para essa turma de videorreprteres e seus equipamentos na mo. Alis hoje as pessoas tm o equipamento na mo, a ilha na mo, o transmissor na mo, o satlite na mo. Hoje o jornalista prioritariamente tem que saber escrever, mas tambm tem que conhecer um pouco de softwares. Hoje qualquer um pode fazer esse trabalho, mas eu acho fundamental que a produo de contedo seja feita por um jornalista. Por traz das imagens, h uma notcia que interessa as pessoas e isso precisa ser feito com responsabilidade. Para se ter um curso srio de videojornalismo, assim como um curso srio de edio, o aluno tem que ter na sua frente a ilha, ter o equipamento na mo. Por isso um curso desses em uma universidade precisaria ter uma bela de uma logstica. Eu s daria um curso extenso e srio com a certeza de que cada aluno pudesse ter o equipamento nas mos. Eu espero que essa linguagem um dia consiga o respaldo do sindicato dos jornalistas e que um dia surja uma cadeira de videojornalismo nas faculdades.

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APNDICE CJulio Wainer: esteve no principio da videorreportagem na TV Cultura; Trabalhou com Jon Alpert, precursor da videorreportagem no mundo; atualmente diretor da TV PUC em So Paulo. TV CULTURA E CANAD Eu comecei a fazer videorreportagem na TV Cultura, em um projeto especial do Marco Nascimento que era diretor de jornalismo da emissora. A idia dele, e que eu ainda acho muito atual, de que a videorreportagem no fosse o principal produto ou que fosse desbancar o formato tradicional, mas que ela fosse um borro na programao. Uma outra levada no meio da levada tradicional e formal, uma outra pegada com a cmera mais gil, mais intimista, mais pessoal. Eu acho interessante porque isso colore mais a televiso. Eu vejo ainda alguns videorreporteres, erroneamente, querendo um telejornal s de videorreprteres. No acho uma grande conquista, eu acho que todo telejornal deveria ter videorreportagem porque ns temos um pblico muito maior do que segmentar um telejornal tradicional e um telejornal s com videorreportagem. O bacana a mistura. Minha relao com a videorreportagem comeou assistindo, primeiro, ao Jon Alpert que fundou a DCTV e que est viva e ativa at hoje assim como ele. Me encantou a maneira pessoal dele usar uma cmera, usar a cmera como algum usa uma caneta. Ele fazia isso como faz at hoje. A caligrafia dele mudou porque os veculos onde ele exibia os programas mudaram, ele tambm mudou, o meio mudou. O que voc v dele de 40 anos atrs no o que voc v hoje, mas ele continua sendo um videorreprter e qualificando videorreprteres para fazerem esse trabalho. Na TV Cultura foi uma experincia muito interessante, um pouco traumtica, no era muito bem aceito por l, a no ser por poucas pessoas, mas o corpo tcnico, aquele mais parrudo no gostava, ameaava e se sentia ameaado na fragilidade e precariedade do emprego deles. Eu fiz algumas matrias, tinha colocado umas oito matrias no ar...

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ACMULO DE TAREFAS Outra coisa que s vezes eu discordo do videorreprter essa insistncia de que o prprio videorreprter tem que editar, acho que pode ser interessante que uma outra pessoa edite, por que no um olhar de fora? Se por um lado fica menos autoral, por outro lado fica mais coletivo e possivelmente menos cansativo. A gente que filmou, que estava l no meio, se envolve com as pessoas, gosta de um e gosta menos do outro. Uma outra pessoa olhando vai ter um olhar mais impessoal, mais tcnico. Mesmo assim no perde a caracterstica de videorreportagem, perde um pouco da autoria, mas no vamos ficar repetindo os mesmos erros que o cinema faz, o cinema de autor que ningum v, grandes gnios que ningum v. Temos que buscar o pblico e provavelmente esse pblico no vai estar na genialidade do criador solitrio, mas vai estar em um aspecto colaborativo. A videorreportagem no uma obra custeada pelo Estado, no cara, mas qual o significado da exigncia da autoria completa? Tem um pouco de ego dos nossos produtores, isso inteiramente meu, ento fica com ele. Eu acho que faz falta na nossa categoria das pessoas abrirem a brecha para outras pessoas contriburem e serem creditadas como tal. Continua sendo uma videorreportagem, com o ncleo central sendo a gravao em campo com um autor, um escritor audiovisual, mas que pode ser editada por outro, distribudo por um terceiro, uma rede colaborativa. A VIDEORREPORTAGEM NA TELEVISO A televiso no usa esse formato porque eu acho que ela no precisa. O telejornalismo uma coisa cara e que rende dinheiro e prestgio para a emissora. Eles no querem perder isso do jeito que est funcionando. Um cinegrafista a mais, um reprter a menos, isso no o problema para eles e o que a gente v por parte dos editores pouco abertura para a ousadia. As pessoas no querem arriscar, existe o Profisso Reprter que tem um parentesco com a videorreportagem, j outras emissoras tm seus espaos de ousadia fora do telejornal. O jornalista, o videorreprter, ele tem que buscar em pessoas e em situaes do cotidiano o rebatimento de grandes acontecimentos da economia, da poltica, do esporte, das cidades, do campo, enfim, o videorreprter pode ser um contraponto

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localizado, microscpico, porque a Dona Maria pode ser melhor alcanada pela ao do videorreprter. Alm disso tem a pauta prpria do videorreprter que ir para uma relao subjetiva com as pessoas, estar com as pessoas, permanecer at a matria ficar pronta, se deslocar com muito mais agilidade do que uma equipe tradicional, sofrer com as aes do entorno e deixar de falar sobre o outro e sentir na carne as dificuldades. O videorreprter um indivduo, ele reage, a cmera treme, ele anda, ele exclama, ele est vivo atrs da cmera. um formato que me agrada muito, no o nico formato, mas uma tendncia. O videorreprter antecipa essa tendncia do reprter que sofre a ao e isso traz uma empatia com o pblico. WEB A videorreportagem e a internet combinam muito bem. Alm de econmico, voc est em uma relao de um para um, voc pode assistir um material que no tem horrio, aquilo te afeta, voc acaba tendo outras influncias enquanto assiste. Independente de ns existe uma presena avassaladora de equipamentos muito bons e baratos com um monte de gente doida para por a mo neles. Os videorreprteres que se dizem como tal so uma pequena parte desse enorme fenmeno. Eu acho que o nosso grande desafio e nosso grande trunfo fazer essas pessoas falarem: eu sou um videorreprter ou eu quero ser um videorreprter. Enquanto elas falarem isso, ns vamos manter uma imantao da profisso, um ideal e um esprito coletivo. Isso sugere procedimento, tica, uma forma de agregao e enquanto eles tiverem falando isso eles vo estar se vinculando emocionalmente, simbolicamente a um grupo de pessoas pioneiras ou anteriores a eles que moldaram uma forma de fazer as coisas, isso eu acho o mais importante. Inversamente, na hora que eles olharem para gente, no admirarem o que ns fizemos, a sim isso vai ser um problema para ns. o momento de produzir, levar a pblico, trocar e de qualificar essa turma que est vindo a. Criando referncias, criando procedimentos, no regras, mas as referncias ticas, trocando ma