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    Psicologia: Teoria e Pesquisa Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 017-024

    mentao narcsica3 da me (Baranger, 1994; Bleichmar,1983; Freud, 1914).

    Freud (1914), no artigoSobre o Narcisismo: uma introdu-o, refere-se atitude afetuosa dos pais como revivescnce reproduo do prprio narcisismo; ao lho so atribudasperfeies e ocultadas ou esquecidas as decincias:

    (...) sentem-se inclinados a suspender em favor da criana funcionamento de todas as aquisies culturais que seu prpr

    O beb nasce absolutamente dependente. A me iden-ticada com esse beb capaz de colocar-se no seu lugare adaptar-se s suas necessidades (Winnicott, 1956/1993).Em nome da iluso de completude na relao com seu lho capaz de suspender seus outros interesses no mundo afavor de seu beb, que est colocado, portanto, na comple-

    1 Artigo baseado em Dissertao de mestrado da primeira autora, de-senvolvida na Disciplina de Pediatria Neonatal do Departamento dePediatria da Universidade Federal de So Paulo Escola Paulista deMedicina, sob co-orientao da segunda autora e sob orientao doterceiro autor. A coleta dos dados foi efetuada no Hospital So Pauloe Hospital e Maternidade So Camilo Pompia. A dissertao foidefendida em novembro de 2003.

    2 Endereo: Rua Chilon 256, Vila Olmpia, So Paulo, SP, Brasil 04552-030.E-mail: [email protected]

    As Representaes Maternas acerca do Beb que Nasce com DoenasOrgnicas Graves1

    Ethel Cukierkorn Battikha2

    Universidade Federal de So PauloMaria Ceclia Correa de FariaPontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Benjamin Israel KopelmanUniversidade Federal de So Paulo

    RESUMO O nascimento de um beb com doenas orgnicas graves tem profundas implicaes na constituio do vncuinicial me-beb. O objetivo desta pesquisa a investigao das representaes psquicas maternas acerca desse nascimenEste estudo qualitativo est fundamentado no campo terico-psicanaltico. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadindividuais, com 11 mes no perodo de internao do beb na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Os dados obtidforam submetidos ao mtodo de anlise de contedo e revelaram que o nascimento do beb com alteraes orgnicas afa funo materna j que desorganiza as representaes que eram antes dirigidas ao beb sadio imaginado, marcando umtendncia recorrente equivalncia desse beb ao diagnstico de sua doena. Este nascimento implica, portanto, o luto plho desejado e o decrscimo da auto-estima materna. A participao nas entrevistas teve efeitos teraputicos, sugerindnecessidade de uma escuta analtica dessas mes durante o perodo de permanncia do beb na instituio hospitalar.

    Palavras-chave: Psicanlise; terapia intensiva neonatal; relaes me-lho; bebs com problemas.

    The Maternal Representations about a Baby who is Born with SeriousOrganic Diseases

    ABSTRACT The birth of a baby with serious organic diseases has deep implications in the constitution of the initial linmother-baby. This research aims at investigating the maternal psychic representations about this birth. This qualitative studybased on the psychoanalytic-theoretical eld. Semi- structured individual interviews with 11 mothers were carried out durthe period of the baby hospitalization in the neonatal ICU. The obtained data were submitted to the content analysis methand showed that the birth of the baby with organic disturbances affects the maternal role, as it disorganizes the representatiothat were directed before to the idealized healthy baby, marking a recurrent tendency to the equivalence of this baby wihis/her disease diagnosis. This birth implies, therefore, in the mourning of the desired child and in the decrease of the materself-esteem. The participation in the interviews had therapeutical effects, suggesting the need of an analytycal listening of thmothers during the period the baby remains in the hospital.

    Key words: Psychoanalysis; intensive neonatal therapy; mother-child relations; babies with problems.

    3 O enfoque neste artigo remete ao narcisismo, entendido segunBleichmar (1983), como a valorizao que o sujeito faz de si mesmcomo a signicao que o ego como representao de si toma parasujeito quer dizer, como que se situa numa escala de preferncias,valores. A denominao ferida narcsica refere-se a tudo que venhdiminuir a auto-estima da pessoa ou seu sentimento de ser amada pobjetos valorizados.

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    narcisismo foi forado a respeitar e a renovar em nome delasas reivindicaes aos privilgios de h muito por eles prpriosabandonados(...) ela ser mais uma vez realmente o centro e omago da criao. Sua majestade, o beb(p.108).

    O nascimento de um beb porta o futuro da linhagemparental. Reconhecer-se no lho sustenta a fantasia dos pais

    de continuidade e de imortalidade e isso faz o nascimento sercelebrado. Quando algum olha um beb e comenta sobresua beleza, ou quando se refere a qualquer outro atributopositivamente valorizado, a me comumente agradece. Esseelogio tomado como a conrmao de sua potncia-com-petncia. Seu olhar de admirao, o beb seu cetro e ela,sua majestade, a me deste beb.

    Em torno do beb que acaba de nascer tece-se, conscientee inconscientemente, uma rede de expectativas e desejos: asmarcas fundantes da subjetividade dessa criana, sustentadasnesse vnculo inicial me-beb.

    Todo nascimento mobiliza um certo grau de angstia nospais e um remanejamento psquico profundo; quando se tratade um nascimento prematuro uma tempestade psquicaque se abate sobre o casal (Druon, 1999). E quando o bebnasce com, ou muito precocemente apresenta alteraesorgnicas graves que deixam seqelas? No nascimento or-dinrio referimos sua majestade, o beb (Freud, 1914). Nonascimento prematuro, a aposta sustentada: Ser ele um rei?E no nascimento de uma criana com alteraes orgnicasgraves? Qual a fantasia materna diante dele? (Mathelin, 1999;Wanderley, 1999). O objetivo desta pesquisa o de investigaras representaes maternas acerca do nascimento de um bebcom doenas orgnicas graves que pressupem seqelas.

    Mtodo

    Participantes

    No perodo de fevereiro a outubro de 2002 foram inclu-das no estudo 11 mes de bebs com doenas orgnicasgraves nascidos no Hospital So Paulo e no Hospital eMaternidade So Camilo. Foi considerada doena orgnica

    grave qualquer patologia que ocasionasse risco de seqelasmaiores. A composio da amostra deu-se na medida daocorrncia dos nascimentos consecutivos de bebs com taisalteraes, nos dois centros de referncia.

    As informaes sobre o beb e a famlia foram obtidasdo pronturio hospitalar e incluram: nome do beb e datade nascimento; nome, idade e escolaridade dos pais; nmero

    de gestaes, durao da gestao e tipo de parto; diagns-tico do beb. Consideramos serem esses dados sucientespara o propsito desta pesquisa, e procuramos assim evitaro excesso de informaes preexistentes, objetivando a nocontaminao e o no direcionamento das entrevistas. Como objetivo de manter sigilo sobre as entrevistadas, os bebsforam identicados por iniciais.

    O projeto foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisada Universidade Federal de So Paulo (UNIFESP) e todas asmes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclare-cido para participao voluntria no estudo.

    Delineamento

    Foi realizado um estudo qualitativo (Buston, Parry-Jones, Livingston & Wood, 1988; Demo, 2000; Minerbo,2000; Patton, 1990) fundamentado no campo terico-psi-canaltico (Silva, 1993). O objetivo deste estudo implicaum trabalho com fenmenos no-lineares e variveiscomplexas. Demo (2000) esclarece que, no aspecto linear,apanhamos a extenso, ao passo que, no no-linear, reve-la-se a intensidade do fenmeno. Portanto, para fazermosisto, temos de trabalhar com pequenos grupos que jamaissero representativos da sociedade inteira mas que podemser exemplares.

    (...) se estamos estudando um grupo de 10 pessoas em profun-didade, torna-se esquisito aplicar percentagens, no porqueno fosse possvel ao nal das contas, mas porque transmite aidia falsa de que as propriedades distribuem-se linearmente.Por exemplo, se quatro pessoas conectam felicidade comreligio, no se poderia dizer que 40% das pessoas assim o fazem(p.156).

    No Identicaodo RNInformaes Maternas Informaes do Recm-nascido

    Idade(anos) Escolaridade Paridade Classicao Diagnstico

    1 RA 20 Fundamental Completo 1 Termo Mielomeningocele

    2 MS 15 Fundamental Incompleto 1 Pr-termo Sndrome Gentica a esclarecer3 B 29 Alfabetizada 3 Pr-termo Meningocele

    4 D 23 Fundamental 2 Termo Mielomeningocele

    5 G 26 Superior 1 Termo Gastrosquise

    6 R 40 Analfabeta 4 Pr-termo Cardiopatia congnita complexa

    7 J 29 Mdio Completo 1 Pr-termo Encefalopatia Hipxico-isqumica

    8 F 21 Mdio Incompleto 1 Pr-termo Malformao anorretal e genitlia ambgua.

    9 R 30 Superior 1 Termo Cardiopatia congnita (atresia pulmonar)

    10 R 31 Mdio 1 Pr-termo Malformao cerebral (paquigiria)

    11 G 23 Mdio 2 Pr-termo Perfurao e resseco intestinal

    Tabela 1. Dados de identicao das entrevistadas

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    Representaes Maternas

    Neste estudo, como no h uma amostra controlada desujeitos com representatividade estatstica, os depoimentosremetem representatividade simblica, possibilitando assimcategorias de anlise e a formulao de hipteses abrangentessobre o contedo do material pesquisado.

    Instrumentos

    O instrumento utilizado na obteno dos dados constituiu-se de uma entrevista semi-estruturada individual (Mannoni,1993; Trivios, 1987). Tal opo est fundamentada nointeresse de interferir o mnimo possvel na formulao dodiscurso das entrevistadas, propiciando a livre associao deidias, garantindo a continuidade do uxo da entrevista e oacesso, a partir do roteiro comum de perguntas, ao contedoprivilegiado pela pesquisa.

    O tema indicado inicialmente foi: Conte-me sobre seulho. Essa proposta no-diretiva indagava a respeito darepresentao da me acerca desse beb, representao aquientendida como uma construo subjetiva.

    Conforme refere Bleichmar (1983):

    O termo representao possui um enraizamento que o torna perigoso. Se como representar se estivesse sustentando atese de que o psiquismo copia o mundo real, voltando aapresent-lo em forma de elementos mentais, ter-se-ia produzido o deslizamento ao empirismo. Quando emprega-mos o termo deve-se entender que no subscrevemos essaconcepo, seno que consideramos a representao comouma construo(p. 17).

    Os demais temas privilegiados no roteiro foram: A constituio da famlia. A insero do beb na constelao familiar. O transcurso da gravidez. O imaginrio em torno da criana. Os projetos feitos para o beb. Como foi o momento da comunicao do diagnstico.

    Estes pontos foram denidos a partir da experincia dapesquisadora, em UTIN, na observao, escuta e atendimen-to a mes de bebs que nasceram com doenas orgnicasgraves.

    Todas as entrevistas foram gravadas em ta cassete etranscritas integralmente.

    Procedimentos

    As mes foram informadas a respeito do trabalho de pes-quisa em andamento antes do contato com a pesquisadora.Aps o seu consentimento, a pesquisadora se apresentava,esclarecia os propsitos da pesquisa, indagava a respeito dadisponibilidade da me para participar e ento um horrioera agendado. Este intervalo visou possibilitar entrevistadapensar a respeito do seu desejo de participar do estudo. Todasas mes contatadas aceitaram o convite. No incio da entre-vista, a me era novamente esclarecida a respeito do objetivoda pesquisa em andamento, dos procedimentos, da gravao,bem como do contedo do termo de livre consentimento. Asentrevistas tiveram durao de 35 minutos a uma hora.

    Anlise de dados

    As entrevistas foram analisadas por meio do mtodqualitativo de anlise de contedo de Bardin (1977) e foraorganizadas em trs etapas cronolgicas. A pr-anlise,explorao do material e o tratamento dos resultados a parde sua interpretao. Na primeira etapa travamos contato co

    o contedo das 11 entrevistas, contando com diversas leiturEsta fase chamada de leitura utuante, em analogia coa atitude do psicanalista (Bardin, 1977). Procedemos postriormente ao recorte a separao das partes do todo dtextos em unidades comparveis de categorizao (Patto1990) e as agregamos o agrupamento das partes separad em quatro categorias. Houve, portanto, uma reduo dcontedo das diversas entrevistas em unidades de sentidoa sntese dessas partes em categorias de anlise. Realizamento a anlise propriamente dita. O acesso gama de sinicados possveis que se anunciaram a partir do contedas entrevistas s pde ser revelado pela anlise interprettiva. Como sugere Herrmann (1979): como na msica, ossentidos possveis do discurso tm uma existncia apena potencial, at que sejam interpretados (p.26).

    Resultados

    Anlise e discusso das entrevistas

    Apresentaremos nesta seo as categorias emergenteA fala inicial materna sobre o beb; O beb do desejo ebeb com alteraes; procura da causa; A repercusso participao na entrevista. Iniciaremos cada uma das quatcategorias com trechos das falas das mes transcritos eitlico, para ento procedermos anlise e discusso desmaterial. As idias que no estiverem apresentadas com referncias de seus autores so compreenses sustentadpelos autores deste artigo com base em suas referncitericas.

    A fala inicial materna sobre o beb

    A associao inicial ao tema da entrevista_ Conte-mesobre seu lho_ reveladora de como a me est representando este beb.

    Ah! (longo silncio) Eu nem tenho muito a dizer, entendeu?.(entrev. 4).

    Hum, o que voc quer saber? (entrev. 2).

    Ah! Ele? Conta assim o que est acontecendo?(...) Bom,quando eu estava grvida eu no sabia que ele ia nascer comesse problema... Quando ele nasceu, ele no chorou at... Ocorao dele nasceu parado. A foi direto para UTI, n? E elnasceu com m-formao, esse problema, que ele est at sendinternado aqui. J passou por uma cirurgia.(...) nasceu junto bexiga e o intestino(...) ele no tem nus. A zeram umacolostomia para sair o coc. Sabe, at fazer a cirurgia que va perfurar o nus dele(...) e ele tambm tem um carocinho assimnas costas, bem aqui assim embaixo(...) S isso que eu tenho pra falar dele... (entrev. 8).

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    Contar da R., (...) eu descobri que ela tinha um probleminhacom 4 meses de gestao.(...) Coluna aberta, um cisto na ca-bea e a hidrocefalia, isso que ela tem. Que eu lembre maisisso, isso s(...) s o que eu tenho pra falar(entrev.1). Vrias das entrevistadas pareceram surpreendidas com o

    tema proposto. Nos trechos citados, observamos que a fala

    sobre os bebs se d a partir do seu problema, podendo-sepressupor uma equivalncia entre a doena do beb e o beb,como se o real desse corpo marcado impedisse qualquerpossibilidade de simbolizao a respeito dele (Jerusalinsky& cols., 1999). As mes, portanto, no teriam mais nada adizer para alm do seu problema.

    No nascimento ordinrio de um beb percebe-se quemuitos projetos so sustentados. Inmeras so as projeesquanto ao que ele poder vir a ser, com quem se parece ouparecer, do que vir a ter. O futuro est sendo proferido(Cramer, 1993). No nascimento de um beb com patologiasas projees acerca de seu futuro podem car circunscritasa essa nomeao.

    Para Arias (1999):

    A gravidade da alterao(...) sofrida por uma criana podeser varivel, mas, em todos os casos, esta marca a afasta danormalidade (seja uma enfermidade j rotulada ou uma possvelenfermidade ainda sem diagnstico). Esta diferena a deno-mina: um paraltico, uma patologia gentica(p. 294).

    Outro aspecto a ser ressaltado nesta categoria diz respeito busca materna por uma inscrio deste beb:

    Ah! Eu queria saber como ele vai car, assim(...) queria veralguma criana com um caso assim, eu no vi ainda, nem seicomo , no tenho nem idia como que vai ser, a eu queriasaber como que ele vai car, se vai sofrer algum problema,assim... Por isso eu quero saber que tipo, s que eles nosabem explicar. Falou: - esperar, falou para mim. A, euqueria saber se teve outro caso assim, queria ver, se alguma pessoa com esse caso a, s que eu no vi ainda ento eu noimagino como vai ser.(...) S isso. A, voc no sabe assim,um caso assim? Voc no viu ainda igual a esse a que tem omeu lho?(entrev. 3).

    A estranheza materna diante de seu beb leva muitasvezes as mes tentativa de inscrev-lo em algum lugar depertinncia e reconhecimento a partir do seu diagnstico,como se assim pudessem dizer a que famlia pertence essebeb, com quem se parece, qual ser o seu futuro. O reco-nhecimento que se daria pela linhagem familiar pode nose sustentar diante desse beb diferente.

    Observamos que a maior parte das entrevistadas iniciouseus discursos pelo momento da comunicao diagnstica:foi quando essa criana passou a ser referida. Antes haviaoutro beb que foi perdido pela irrupo do problema. Se-gundo Arias (1999):

    Mas quando a criana que chega para ocupar esse espao:meu lho no normal, a criana sentida como um in-truso. No reconhecido como prprio.(...) A que famlia pertence este que distinto?(p. 295).

    O beb do desejo e o beb com alteraes

    Conforme discorremos na introduo deste trabalho, hum beb sadio desejado em torno do qual se tece uma redede projetos identicatrios. Esse beb motivo de prazer eregozijo. Nesta categoria abordaremos a perda desse bebimaginado pelo nascimento do beb com alteraes e suas

    implicaes na representao materna.Eu soube dos seis meses(...) Eu queria saber se ia ser meninoou menina para comprar roupinha, a que deu problema paramim. Falou que tinha gua na cabea, que era urgente(...) eu quei desesperada, porque eles falaram que o meu casoera muito grave. A, eu tinha que ir fazer um outro ultra-som,que eu pensei que podia ser que deu errado alguma coisa(...) deu o mesmo problema de novo. Depois eu falei, eu vou fazer de novo o ultra-som. A, veio de novo(...) eu vim e saiua mesma coisa de novo, que tinha gua na cabecinha dele(entrev. 3).

    (...) A quando no ultra-som de oito meses eu vim saber queera menina, mas a depois que(...) que seria uma crianaretardada, n(...) tudo isso eles me falaram. A pra mim, ela j ia vim com uma cabea enorme mesmo, igual que eles me falaram, sabe, ia vim, sei l, uma criana... entendeu, porque...nossa!(...) foi bom at os oito meses(...) depois que eu queisabendo que veio as preocupaes, tudo(...) eu no comiamais direito, sabe, eu queria s car saindo, se eu casse emcasa era s chorando, pensando, entendeu, s queria carsempre saindo, saindo, conversando com as pessoas, nossa, foi horrvel(...) (entrev. 4).

    Tudo de bom(...) ento foi uma gravidez planejada, ela foi esperada... Quando eu descobri que estava grvida foio melhor presente(...) ento assim at o stimo ms, tudo oque eu tinha de bom para passar para ele dentro da minhabarriga eu passei(...) mas assim... afetou muito a minhagravidez, ento do stimo ms para a frente eu quase noconversava com a minha barriga(...) eu entrei em deses- pero... Eu pensava que ele nasceria, faria a cirurgia e cor-resse um srio risco de no sobreviver, ento era assim; euno tinha mais planos, no tinha vontade de comprar nada para ele. (entrev.9).

    (...) eu imaginava assim(...) Ia nascer com sade, porcausa que eu sempre tive sade e o meu marido tambm,(...) e nasceu diferente nada que a gente quer, n, ento foi as-sim... de repente.(...) Eu assim no comeo chorava muito,muito mesmo, eu j estava entrando em depresso porqueeu s sabia chorar, no fazia nada na minha casa, nada,nada, nada... S cava deitada chorando... Sem comerat... (entrev.8).

    Esses relatos indicam um hiato entre o beb esperado/ sonhado e este outro que chega sem ter lugar esperado,no lugar de quem era aguardado , agora a criana dodiagnstico, marcada no seu corpo. Com freqncia asmes dizem de seu lho estas crianas (Arias, 1999),como podemos observar no depoimento da entrevistada n4. Esse que se anuncia to doente, frgil, decepcionante

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    Representaes Maternas

    para sua me, parece no sustentar um lugar de beb,visto que eles geralmente so imaginados como bonitos esaudveis. inegvel o comprometimento desse momentode extremo investimento no beb.

    Como sugere Bleichmar (1983):

    Quando se diz ento que o narcisismo da criana o narci-

    sismo dos pais, no se quer apenas dizer com esta armaoque os pais satisfazem sua prpria necessidade de estimahipervalorizando o lho, que seu produto, seno tambm quea vivncia do narcisismo satisfeito da criana tem sua origemnos pais(p. 38).

    A partir da notcia do diagnstico, as mes se deparamcom a perda/luto do beb desejado. Esta perda mobiliza inten-sos afetos e idias depressivas. No artigo Luto e Melancolia, Freud (1917/1976) deniu o luto como (...)de modo geral, a reao perda de um ente querido, perda de algumaabstrao que ocupou o lugar de um ente querido, como o pas, a liberdade ou o ideal de algum. (p. 275). Descreveuainda, entre os seus traos, um desnimo profundamente pe-noso, a cessao de interesse pelo mundo externo e destacoucomo distintivo da melancolia a perturbao da auto-estima.Nesse artigo Freud introduziu a expresso trabalho de luto,cuja noo se aproxima da noo mais geral de elaboraopsquica, concebida como uma necessidade para o aparelhopsquico de ligar as impresses traumatizantes (Laplanche& Pontalis,1983).

    Alm da perda do beb desejado, as mes confrontam-secom o decrscimo na sua auto-estima. Na introduo desteartigo, aludimos ao sentimento de regozijo materno sua ma- jestade, a me frente ao nascimento do beb normal desejado.A me sente-se orgulhosa pelo seu feito, a seus olhos ele asignica como boa por ter produzido esse beb. A me dobeb com alteraes, freqentemente, se sente incompleta,incapaz. Pode-se inferir que, se o beb cou marcado poraquilo que no tem, pelo que no , a me poder sentir-seigualmente marcada como deciente nessa posio.

    Outro aspecto a ser destacado nesta categoria diz respeitos perdas das refernciasmaternas.

    No sei, acho que no comeo vai ser meio difcil, tem que terum cuidado assim, s para ela, n?(...) s co imaginandocomo cuidar dela... vou ter que ser uma enfermeira, n?(...)(entrev. 11).

    Eu, pra mim, eu sei l, eu imagino assim, que ela vai pra casa,eu sei que vou ter sempre que t no mdico com ela, entendeu,mas a eu imagino ela como minha lha, entendeu? O mesmocarinho que eu der pra minha lha, pra ela vou dar o dobro,mais ainda tambm... Acho que a minha vida... vai ser bastantecorrida tambm, n, assim porque vai ser dividido o meu amorentre as duas, e a D. e mais ainda... eu sei que vou ter que tsempre correndo com ela assim, tambm com acompanhamentode mdico, essas coisas, n?... (entrev. 4).

    O saber que perpassa tantas geraes e remete a meaos cuidados que lhe foram reservados e transmitidos porsua prpria me ca, freqentemente, comprometido diante

    desse outro beb. Ao se sentir destituda do lugar de mate-nagem de seu beb sadio imaginado ela pode assumir, ano beb com problemas, um lugar de cuidadora do corp(Jerusalinsky, 1999).

    O ltimo aspecto a ser ressaltado nesta categoria refere- comunicao do problema durante a gestao:

    (...) Olha, horrvel, no via a hora de ganhar para ver, foi as-sim, contei nos dedos os dias, foi uma angstia muito grande Ah, que eu vi ela assim, eu falei meu Deus, minha lha ass(...) uma criana gordinha. Porque pra mim j ia nascer com acabea enorme(...) Pra mim ela seria igual quelas crianasde sei l, que no, aquelas crianas, no sei nem falar o nomdaquelas crianas, n? Uma criana parada, n, pra mim seriauma criana assim, no tivesse movimento de nada, pra miela seria uma criana assim, entendeu, com problema de n falar... (entrev.4).

    (...) Ah, eu imaginei que ele ia sair diferente, no pensei quele ia car assim bonzinho, que ele ia, o olhinho dele estdireitinho, a boquinha, o narizinho, eu pensei que ia ser pioassim. Eu pensei mesmo assim. Eu pensei que a cabecinha deia ser bem grande. No era a cabecinha dele que era grandetinha uma bolsinha atrs, era isso a que era muito grande(...) (entrev. 3).

    (...) foi triste, mas agora eu j estou bem melhor... J quandse est grvida se espera outra coisa(...) mas agora, depois queela nasceu, eu j vi que era outra diferente, n?(...) esperavaque ela estivesse pior do que ela est... Com mais problemacom mais deformaes no corpo. Ela est bem melhor do queu imaginava, isso... Antes foi difcil, chorava bastante(...) Eu imaginava ela pior(...) com mais deformidade no corpo(...) mais perna torta. A gente sempre quer saber se tem todos odedinhos, se tem unha, cabelinho, isso. Eu vi ela do jeito qeu queria, com tudo o que ela tinha, tudo o que todo mundtem, n...(entrev.1).

    Quando uma mulher est grvida fantasia a aparncde seu lho, havendo um lugar de pertinncia familiar nesparecer-se antecipado. Nos trechos citados, as mes relatamhorror por no poder dar representao a seu beb em funda perda do reconhecimento pela similaridade. No entanto,projees feitas modicam-se a partir do momento em quemes vem seus lhos, demonstrando alvio no encontro coum beb reconhecido como portador de traos iguais aos dpais. Tem nariz, cabelinho, pezinhos e dedinhos.

    No transcorrer da maior parte dos relatos foi possvacompanhar como o beb, que inicialmente aparecia nentrevistas igualado a uma doena, foi ganhando nomeaoutras. Na nomeao h a possibilidade de um lugar dexistncia: anuncia-se um olhar para o beb, indicando umrede de representaes possveis, mesmo que incipienteGarcia-Roza (1986) refere que, frente ao indeterminadsurge o mito capaz de narrar a ordem primeira, concebidno como anterior ao caos, mas como efeito dele. O que nest inscrito tem que ser representado psiquicamente.

    As mes deparam-se com quadros diagnsticos gravespode-se compreender a recorrente diculdade delas paraescuta do diagnstico em questo, da uma dupla implica

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    se por um lado necessrio que os pais no se resignem aoproblema, garantindo as possibilidades de investimentos, poroutro lado, e paradoxalmente, necessrio que se resignemaos limites impostos por ele (Silva, 2000).

    procura da causa

    Esta categoria concernente a como as mes entendem aalterao do beb bem como s causas atribudas a ela. Dessaforma, temos como propsito acompanhar como as mes votentando dar sentido a esses nascimentos, de que maneira ofazem, alm de discutir suas implicaes.

    (...) eu penso se Deus mandou assim para mim, eu cuidodele, como vier, n?... Eu aqui planejava ter esse lho, no que eu no planejava nem nada. Eu queria saber tambm por que saiu assim... Eu perguntei para o mdico... Eu penseique , eu tomei muito , eu tomei oito anos comprimido.(...) Ele falou que no era por isso, no. Que ia, que ia nascer,ia acontecer mesmo... A, perguntou para mim se eu e o meumarido ramos parentes, mas tambm no . Perguntou se eutinha algum parente com problema assim; no tenho, nem meumarido tem nenhum parente assim parecido, assim com esse problema a, s isso... Eu pensei assim, l (pas de origem) nemno hospital eu fui quando estava grvida deles. S para nascermesmo que eu ia para o hospital e no deu nenhum problema. Agora que eu estou seguindo o tratamento direitinho, deu esse problema para o meu lho...(entrev. 3).

    (...) s vezes, eu falo assim:_ Nossa, meu Deus! Por que queeu tenho que passar por tudo isso? Se algum tem que sofrer,que seja eu e no ele... Ah, porque s vezes eu co pensando(...) a outra gravidez que eu perdi de repente, no era para eu car grvida de novo, e eu insisti...(entrev. 10).

    Ah! No sei, olha, muitas vezes eu falei; meu Deus do cu, por que comigo, eu falei; no sei se tenho foras para criaruma criana assim, entendeu?(...) Ser que eu z alguma coisaassim para merecer isso, n(...) Ah! Sei l, assim, as vezes as pessoas falam que eu sou muito egosta(...) ser que Deus estme mandando uma criana assim para mim ser mais humildecom as pessoas? (entrev. 4).

    Vinha na minha cabea que eu era uma pessoa incapaz deter, que talvez Deus esteja me castigando por alguma coisa...no me vinha nada, mas vinha s que era um castigo, tudoque os mdicos falavam, olha a J. pode ter isso, eu falava,ah, minha culpa. A J. pode no enxergar, aquilo para mim foi a morte. Eu cheguei at a falar que eu furaria meus olhosse isso acontecesse com ela.(...) eu que a J. veio com umamisso muito importante(...) at de unir a famlia(...) (entrev. 7).

    Eu entrei em desespero(...) deu a revolta com Deus, com tudo...Porque tanta gente abandona os lhos... gente que tira e euque esperava tanto, planejei tanto, de repente Deus estava metirando ele(...) ento eu comecei a tentar descobrir aonde eutinha errado, quais eram os meus pecados, porque eu deveriaestar pagando algum pecado muito srio, alguma coisa(...) uma punio... uma punio, e me bateu aquela revolta(...)

    A eu falei, ou para, sei l, tentar unir mais as famlias(...)(entrev. 9).

    No trecho da entrevista 3 observamos que, na busca porum saber que possa dar ordem s causas do nascimento dessebeb com problemas, a me recorre palavra do mdico, aum saber cientco. Todavia tal saber no oferece uma

    resposta a sua questo. Busca ento por uma ordem expli-cativa religiosa, na qual parece projetar um saber possvel.Depois rearma seu desejo pelo beb, subentendendo que,se o beb foi desejado, ento deveria nascer bem, mas essapremissa da ordem do psicolgico, sustentada na onipotnciado desejo, tambm fracassa.

    Na busca de ordenamento situa-se a possibilidade de re-historizao desse lho e da prpria subjetividade da me,como um mapeamento em que o afeto vai podendo ser ligado(trabalho de elaborao psquica).

    As explicaes via religiosidade podem indicar uma(re)tomada de sentido, mas tambm implicar uma crenaonipotente, na qual a onipotncia procurada na cincia nose sustenta. Um tema recorrente a atribuio de uma funoherica a esse beb, como uma forma de signicar o porqude seu nascimento com problemas. Ao mesmo tempo em quese observam as tentativas da me de dar representao aotraumtico, de rearticulao egica, necessrio que se possaconsiderar o risco implicado para o beb de car perpetuadonum mito religioso rgido, seja na sua funo herica ou namartirizante (Jerusalinsky ,1999).

    A formao de projetos identicatrios rgidos podeindicar riscos psquicos tanto para o beb como para a me.Jerusalinsky (1999) considera que:

    No real, esta criana no como os outros, e esta irrupo dolimite num lugar em que no se espera produz(...) um efeitosinistro(...) os pais podem fazer esforos explicativos parasuavizar este efeito(...) Tornar-se-o, ento, alternativamentemrtires ou vtimas de um castigo(...) missionrios repa-ratrios, talvez esticos e orgulhosamente guerreiros sociais por seus lhos(p. 102).

    A repercusso da participao na entrevista

    Nesta categoria, abordaremos a repercusso que a parti-cipao nas entrevistas teve na representao materna acercado beb.

    (...) gostei... pensei, de repente, se vo fazer um folheto parames que esto passando por problemas, eu no conheo algumque ta passando pelo mesmo problema, ser que eu sou a nica?(...) voc fez perguntas que ningum fez...(entrev. 10).

    (...) eu no tive auxlio nenhum assim, eu como me, a gente s falava da nenm, da nenm, n? E ento eu achei at um trabalholegal porque ningum instruiu assim; voc pode passar por isso,isso, isso,(...) ento voc vai cair de novo... Ento eu achei assim umtrabalho legal, porque pode ajudar outras mes que possa passar pelo que eu passei... Ento, s vezes, nem com a minha me. A genteconversa, mas no como eu posso falar, no tudo... S de falar, j muito bom... hoje eu falo que a parte do corpo que mais di emuma me o lho... S de falar, j muito bom...(entrev. 5).

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    23Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 017-024

    Representaes Maternas

    (...) Porque eu estava precisando desabafar um pouquinho. Depois eu co chorando sozinha, assim muito ruim. Igualum dia antes mesmo de eu vir para c, que eu no sei o queeu falei, que o meu marido... eu sei que eu falei do meu leitee ele falou, nem para dar leite voc no serve, a quei mesentindo meio invlida... (entrev. 11).

    (...) eu senti falta assim, de um apoio... Eu aceitei porque euachei bacana, porque eu acho que eu senti isso, eu senti essa falta... me senti bem desabafando, colocando uma histria para algum que eu no conheo, que eu nunca vi, mas queeu sei que est conseguindo compreender, absorvendo e atentender um pouquinho do que eu estou sentindo... porque para as pessoas que eu contei a histria so amigos e tal e muito fora da realidade deles... Ento colocar assim praalgum que talvez entenda tambm, est fazendo um trabalhoa respeito disso e tudo o mais, interessante... eu falei: porque no expor a histria, n?...(entrev. 7).

    Cramer (1993) considera que No encontro com um prossional que no julga, que est investido do poder dacincia e que sabe escutar, h um efeito revelador espan-toso: o efeito do encontro (p. 21).

    A partir desses relatos observamos que, para a maioriadas entrevistadas, falar a respeito do beb para alm doseu problema o que no incio da entrevista causou es-tranhamento pareceu propiciar alvio. As entrevistadasmostraram-se receptivas possibilidade de serem ouvidaspor algum de fora de suas relaes habituais, sem crticase com pouco direcionamento. A maior parte delas transfor-mou em demanda prpria o falar acerca desse nascimento,de modo que os temas do roteiro de entrevistas apareciamde forma espontnea. Decorre disso o nosso reconhecimentoda necessidade de uma escuta analtica no hospital, noperodo da internao do beb.

    Outro aspecto a ser destacado nessa categoria dizrespeito ao anncio materno de um lugar de similaridadefamiliar para esse beb.

    (...)ela bonitinha... eu imaginava at que ela tinha problemana cabea(...) eu acho que ela parece com ele (referindo-se ao pai da R.), e ele gosta, n? Ele j queria ter uma lha mulher... z a vontade dele(entrev. 4).

    Ah, eu queria, eu estava curiosa para saber como ia ser (risos). Achei bom, voc estar perguntando essas coisas, achei bom. Nocomeo eu quei curiosa... que eu quei muito preocupadaquando eu soube, quando ele tinha esse problema a.(...) Seele fosse nascer normal, ia nascer hoje ou amanh que era dia2/5(...) sempre os meus lhos nascem antes do ms que marca(...) (entrev. 3).

    Nesse trecho (entrev.n 3) a me anuncia um lu-gar de similaridade com os seus demais filhos.Todosnascem antes do tempo. No incio de sua entrevista, ame indagava quanto a um lugar de reconhecimento paraum caso assim, a partir do saber de outros casos com omesmo diagnstico. Saber que, supunha, os mdicosdeveriam ter.

    Dolto (1983) sustenta :

    (...) a maioria das pessoas(...) acredita ainda que o psicanalistavai fazer isto ou aquilo, vai inuenciar, vai moralizar, vaestimular, aconselhar, em suma, agir com suas palavras comum medicamento por uma espcie de sugesto... O que mara especicidade do psicanalista a sua escuta, que permitentender em vrios nveis o sentido emocional subjacente adiscurso manifesto...(p. 10).

    Apesar de no ter havido no processo das entrevistaqualquer inteno teraputica, foram observados efeitoteraputicos. O pouco direcionamento dado no processda entrevista parece ter sido tomado pelas mes como uestmulo a sua fala, propiciando a possibilidade de atribusignicados a sua vivncia, na presena de algum que dmanda palavras e que est em possibilidade de escuta. Esntese, uma experincia organizadora para a me (Crame1993; Dolto, 1983; Jerusalinsky,1999).

    Segundo Druon (1999), referindo-se ao trabalho qudesenvolve no Centro de Medicina Neonatal de Port-Roy(Paris),

    Postulamos a hiptese de que evocar os elementos traumtcos na sua emergncia diminuir seus impactos no s-depo(aprs-coup). Ajudar os pais a falar desse nascimentodiferente dos outros partir da idia de que o no dito favorece a formao de um quisto que destila em seguida, diaps dia, o veneno que envenena a relao da criana comos pais(...) (p. 41).

    Consideraes Finais

    Emerge como reexo, a partir da anlise das entrevistaa necessidade de uma escuta analtica precoce dessa me, nperodo da internao do beb na UTIN. H um trauma qprecisa de palavras para ser enunciado; a palavra signicarearticula, deslizando do traumtico do no-representv(Bleichmar, 2000).

    Muitas so as aes urgentes no incio da vida de um bede risco orgnico. O diagnstico, ao ser igualado pelas ma um destino traado precocemente, do mesmo modo quenegao dos limites impostos por ele, pode indicar riscpsquicos na constituio desse vnculo me-beb (Druo1999; Jerusalinsky, 1999; Silva, 2000). Muitas vezes nprossionais envolvidos no atendimento ao beb e de seentorno, somos testemunhas desses indicadores, deparado-nos assim com um beb de risco e em risco, o que fnecessrio que se pense tanto na reanimao orgnica quannas questes psquicas a implicadas.

    Ao considerar que o comprometimento do beb da odem do orgnico e tem um determinado limite intransponvfaz-se importante pensar nas possibilidades simblicas qpodem se anunciar e que comportam muitas signicadiferentes.

    Silva (2000) sugere distines entre o que um sintompsquico e o que so as diculdades advindas do distrborgnico; o que resultado de um limite imposto pela lesoo que veio se somar a ela. Isto , procura-se distinguir o q necessrio e o que contingente. Os sentimentos e atituddos pais tm grande inuncia no tratamento de seus lhoCasos com quadros diagnsticos semelhantes podem t

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    24 Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Jan-Mar 2007, Vol. 23 n. 1, pp. 017-024

    E. C. Battikha e cols

    Recebido em 07.07.2005

    Primeira deciso editorial em 31.10.2005

    Verso fnal em 13.06.2006 Aceito em 13.12.2006

    desenvolvimentos diferentes, pelas inscries subjetivas queincidem sobre eles. Cada uma das entrevistadas representouo nascimento desse beb a partir de sua prpria singulari-dade histrica. Mas as questes fundamentais, estruturantesda experincia suscitada pelo anncio da doena do beb,foram similares.

    A partir do reposicionamento subjetivo da me e tambm

    do nosso posicionamento como prossionais envolvidos noatendimento ao beb e seu entorno, enquanto esto sob osnossos cuidados na UTIN, a histria desse vnculo me-beb,que est se constituindo, pode ter diferentes desdobramentos.Quanto antes se faa interveno, melhor ser para todos osenvolvidos. A interveno psicanaltica precoce aponta parauma proposta de preveno da psicopatologia da constituiodo vnculo me-beb (Battikha, 2001).

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