ABailarina

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Ano letivo 2012-13 Português – 7.º ano Ficha de trabalho A BAILARINA Era uma vez uma bailarina, mas uma bailarina de papelão, daquelas que mexem simultaneamente os braços e as pernas. Nunca se cansava, e era bonita, bonita a valer. Tinha saias de papel frisado. Um dia penduraram-na numa parede. O rapazito (como se chamava ele?) Gustavo, que costumava ir àquela casa, adorava-a, mas ninguém o sabia. Nem a tia mais velha nem a mais nova. Julgava-o ele. Entrava na sala, dizia duas palavras aos gatos de veludo que estavam, um de cada lado do espelho, com belos olhos de contas de vidro a olhar para ele, dava mais uns passos e levantava o braço. Anda cá tu, minha beleza! Tirava a bailarina do prego e zás-que-zás, zás-que-zás... Ela dançava, levantava as pernas de lado, dava aos braços... Que tentação! Gustavo puxava-lhe freneticamente pelo cordel. Dança, minha menina, dança! mais, mais, mais! Gustavo foi crescendo e a bailarina sempre na parede. Coitadita, mas não se sabe como, envelhecia... Desbotaram-lhe as saias, encheu-se de riscos. E esqueceu, tornou-se esquecida. Nem alegre nem triste, porém sempre de braços no ar e de pernas penduradas. Lá veio um dia mais tarde em que Gustavo tornou a reparar nela. Já ele era um tamanhão. Como a bailarina das tias o tinha entretido! E riu-se desdenhoso. Antigamente tinha uma saia cor de rosa. A carinha dela é que ainda era bonita. Até lhe lembrava a da bailarina do Salão Foz. Que bailarina! Como ela dançava! Dava às pernas e aos braços quase como aquela. Ele ia tornar a experimentar. Não estava ninguém, a porta encostada... tirou a boneca para baixo e, como antigamente, sentou-se no chão. 5 10 15 20 25 30

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Ano letivo 2012-13

Portugus 7. ano

Ficha de trabalho

A BAILARINA

Era uma vez uma bailarina, mas uma bailarina de papelo, daquelas que mexem simultaneamente os braos e as pernas. Nunca se cansava, e era bonita, bonita a valer. Tinha saias de papel frisado.

Um dia penduraram-na numa parede.

O rapazito (como se chamava ele?) Gustavo, que costumava ir quela casa, adorava-a, mas ningum o sabia. Nem a tia mais velha nem a mais nova. Julgava-o ele.

Entrava na sala, dizia duas palavras aos gatos de veludo que estavam, um de cada lado do espelho, com belos olhos de contas de vidro a olhar para ele, dava mais uns passos e levantava o brao. Anda c tu, minha beleza! Tirava a bailarina do prego e zs-que-zs, zs-que-zs...

Ela danava, levantava as pernas de lado, dava aos braos... Que tentao! Gustavo puxava-lhe freneticamente pelo cordel. Dana, minha menina, dana! mais, mais, mais!

Gustavo foi crescendo e a bailarina sempre na parede. Coitadita, mas no se sabe como, envelhecia... Desbotaram-lhe as saias, encheu-se de riscos. E esqueceu, tornou-se esquecida. Nem alegre nem triste, porm sempre de braos no ar e de pernas penduradas.

L veio um dia mais tarde em que Gustavo tornou a reparar nela. J ele era um tamanho.

Como a bailarina das tias o tinha entretido! E riu-se desdenhoso. Antigamente tinha uma saia cor de rosa. A carinha dela que ainda era bonita. At lhe lembrava a da bailarina do Salo Foz.

Que bailarina! Como ela danava! Dava s pernas e aos braos quase como aquela.

Ele ia tornar a experimentar. No estava ningum, a porta encostada... tirou a boneca para baixo e, como antigamente, sentou-se no cho.

J no tinha cordel para se puxar, bolas! Levantou-lhe um brao, depois o outro. Juntou-lhe as mos. A marota tinha graa! Como a outra... Mas a do Foz corria de c para l e dava umas palmadas e umas gargalhadas que alegravam toda a gente. Quando ela se ria riam-se todos. Havia de ir tornar a v-la.

E quando ela se sentava no cho a fingir que estava amuada? Parecia mesmo uma garota...

Gustavo sorria quelas ideias.

A porta, encostada, entreabre-se mansamente e a tia mais nova, j de cabelos grisalhos, pergunta-lhe, amvel:

Ainda gostas da bailarina, Gustavo? Foi os teus encantos. E eu no ta dei nunca com medo de que tu a rasgasses.

No, minha tia, j no gosto. Estava distrado.

No tenhas vergonha! Se quiseres dou-ta por recordao.

Muito obrigado, minha tia, no preciso.

Irene Lisboa, "A bailarina", Uma Mo Cheia de Nada, Outra de Coisa Nenhuma, 9. ed., Presena, 2005

Irene Lisboa (1892-1958) nasceu no Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos, e faleceu em Lisboa. Formou-se pela Escola Normal Primria de Lisboa e fez estudos de especializao pedaggica em Genebra. Tem uma vasta obra da qual se destacam: Um Dia e Outro Dia, Outono Havias de Vir, Solido I e II, Uma Mo Cheia de Nada, Outra de Coisa Nenhuma, 0 Pouco e o Muito, Queres Ouvir? Eu Conto, Crnicas da Serra, Esta Cidade!, entre outros.

1. Atravs do conto que acabaste de ler, viaja-se at ao tempo da infncia.

1.1. Identifica as personagens que intervm na ao. O Gustavo e a tia.1.2. Caracteriza a bailarina, apoiando a tua resposta em expresses do texto.

Era uma "bailarina de papelo", muito bonita, que mexia "simultaneamente os braos e as pernas", quando se puxava o cordel, e tinha saias de papel cor de rosa frisado.1.3. Qual era o segredo de infncia de Gustavo? Gustavo adorava brincar com a bailarina de papelo.1.3.1. Esse "segredo" era assim to secreto? Justifica a tua resposta. No, Gustavo pensava que era um segredo, mas a tia deu a conhecer que sabia do gosto do sobrinho ao dizer-lhe, um dia mais tarde, "Ainda gostas da bailarina, Gustavo? Foi os teus encantos." (I. 28).2. Delimita, no texto, a narrao do tempo passado e a narrao do tempo presente. Passado linhas: 1-17; Presente linhas: 18-33.2.1. Transcreve as marcas textuais que caracterizam os diferentes momentos temporais deste conto.

O passado (a infncia) enfatizado pelas formas verbais do pretrito perfeito ("penduraram-na"), do pretrito imperfeito ("costumava", "sabia", "dizia"...) e por algumas expresses como "Era uma vez", "Um dia" e "Antigamente". O presente (idade adulta) transmitido pelas formas verbais do presente do indicativo ("entreabre-se", "pergunta-lhe", "gostas"...).3. Os anos foram-se sucedendo.

3.1. Que efeitos teve a passagem do tempo: a) na bailarina? A bailarina envelheceu, ficou cheia de riscos, as saias desbotaram e perdeu o cordel.

b) no Gustavo? Gustavo cresceu e, como tal, deixou de brincar com a bailarina, porm gostava de recordar esses momentos felizes da infncia.3.2. Que sentimentos tomaram conta de Gustavo quando este reparou novamente na bailarina?

Simultaneamente, desdm e saudade.4. A partir de determinado momento, a recordao da bailarina sugere a Gustavo uma comparao.

4.1. Identifica os dois elementos por ele comparados. A bailarina de papelo e a do Salo Foz.5. Atenta nas linhas 28 a 32.

5.1. Atribui um ttulo a esta parte do texto. Presente nostlgico.5.2. Gustavo recusou a oferta da tia. Na tua opinio, qual poderia ter sido o motivo de tal recusa?

Gustavo sentiu-se envergonhado por j ser crescido e ainda se interessar pelo brinquedo.6. Assinala a frase que melhor resume a ideia que este texto nos transmite e justifica a tua opo.

a) A passagem do tempo gasta os afetos, mesmo os mais queridos.

b) Os adultos mantm sempre presentes e acarinham as lembranas das brincadeiras da infncia.

c) No h segredos que no se descubram.

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