ABORDAGEM PSICOLOGICA EM OBSTETRICIA

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    ASPECTOS PSICO L G ICO S NO PERO DO G RV IDA PUERPERAL

    Rev. Cinc. M d., C am pinas, 12(3):261-268, jul./set., 2003

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    1 Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Cincias Mdicas, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6030,13081-970, Campinas, SP, Brasil. Correspondncia para/ Correspondence to : R. SARMENTO. E-mail : [email protected]

    2

    Servio de Psicologia, Centro de Ateno Integral Sade da Mulher (CAISM), Universidade Estadual de Campinas.

    A BO RD A G EM PSIC O L G IC A EM O BSTETRC IA : A SPEC TO S

    EM O C IO N A IS D A G RAVID EZ, PA RTO E PU ERPRIO

    PSYCOLOGICAL APPROA CH IN OBSTETRICS : EM OTIONAL ASPECTS

    OF PREGNANCY, CHILDBIRTH AND PUERPERIUM

    Regina SA RM ENTO1

    M aria Silvia Vellutini SET BA L 2

    R E S U M O

    A necessidade de com preender os aspectos psicolgicos que perm eiam o perod o

    grvido-puerperal torna-se cada vez m ais reconhecida no m bito do atendim ento

    sad e rep rodutiva d a m ulher, tendo-se em vista, principalm en te, os esforos

    no Brasil relacionados h um anizao do parto. A o se pensar nesses term os

    psicolgicos e contextualiz-los a um a prtica de atendim en to clnico, contri--se u m a referncia q ue perm ite a reflexo e a recon struo do conhecim ento

    para os profissionais da rea. O objetivo deste artigo apresen tar um a reviso

    sucinta dos aspectos em ocionais m ais observados no pr-natal, parto e puerpro,

    e em situa es de intercorrn cias gestacionais. So sug eridas form as possveis

    de abo rdagem dessas situaes que favoream a elaboraco dos prob lem as

    m ais em ergentes dessa fase d e vida da gestan te e d e seu com pan he iro,

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    oferecendo equipe d e sade a possibilidad e de um a abo rdagem m ais am pla,integ rad a e gratificante.

    Termos de indexao : psicologia, gravidez, hum an izao do parto, puerprio.

    A B S T R A C T

    The need to understand the psychological aspects of pregnancy, labor, delivery and post-part um is increasingly recognized as being an impo rtant compo nent of reprodu ctive health , especially at a time w hen eff ort s are being made in Brazil to h umanize delivery. W hen one can int egrate th ese psychological terms w ith t heir clinical practice, a reference fo r the expansion of health w orkers kno w ledge is created. This article aims to p resent a brief review o f t he

    emot ional characteristics associated w ith pregnancy, labor, delivery and po st- partum, as w ell as the main complications that m ight occur during gestation.Some p ossible appro aches to th ese situ ation s are sugg ested i n or der t o contemplate the mo st p ressing emot ional needs of the pregnant w oman and her partner, offering t o the health care team th e opportu nity for a more encompassing, integrat ed and rew arding approach.

    I n d e x t e r m s : p sychology, p regnancy, h umanizing delivery, pu erperium.

    I N T R O D U O

    O avano do conhecim ento cientfico dosfenm enos fsicos em O bstetrcia tem proporcionadohabilidades fundam entais ao m dico, perm itindo-lhea prtica de um atendim ento que gera, realm ente,um estado de con fiana m aior na paciente. N oentanto, as condutas m dicas baseadas som ente nashab ilidades tcnicas no so suficientes, pois elasnecessitam ser potencializadas, especialm ente, porum a com preenso dos processos psicolg icos que

    perm eiam o perodo grvido-puerperal. O m dicodeve, portan to, acrescentar sua h ab ilidad eessencial, algum a avaliao de sua paciente com opessoa, com sua h istria de vida, seus sentim entose suas ansiedades.

    H oje, os aspectos em ocionais da gravidez,parto e puerprio so am plam ente reconhecidos;sendo que a m aioria dos estudos converge para aidia de ser esse perodo um tem po de grandestransform aes psquicas, de onde decorre um a

    im portan te transio existencial.

    Portanto, o objetivo desta reviso enum erar

    alguns desses aspectos em ocionais: ansiedades,m edos e m udanas nos vnculos afetivos e sugerirform as possveis de abord-los no espao de interaodo profissional com a gestan te, visando-se, princi-palm ente, a preven o, o alvio e a elaboraopsquica dos problem as m ais em ergentes. D essam aneira, espera-se que o texto possa trazer elem en-tos que favoream o contacto do m dico com essesconceitos, am pliando-se assim o seu potencial deprtica clnica, podendo tornar-se m ais atento e apto

    a lidar com ansiedades especficas desse perodo e,conseqentem ente, intensificando-se a hum anizaona relao com seus pacientes.

    O texto est organizado de acordo com osvrios perodos do ciclo grvido-puerperal, reunin-do-se m ateriais que com preendem as dem andas m aisfreqentem ente observadas na evoluo da gesta-o, parto e p uerprio, destacando-se algum asrecom endaes advindas e elaboradas a partir deum referencial terico e da prtica profissional dos

    autores. Reservou-se tam bm um espao para

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    reflexes sobre o im pacto das intercorrncias quepodem am eaar ou interferir no desenvolvim entonorm al e esperado desse ciclo.

    P R I M E I R A C O N S U L T A D OP R -N A T A L

    A o procurar o m dico para a prim eira consultade pr-natal, pressupe-se que a m ulher j pderealizar um a srie de elaboraes diante do im pactodo diagnstico da gravidez. N esse m om ento, decerta m an eira, j o correram decises m aisconscientes quanto a dar con tinuidade gestao.

    N o entanto, existem inseguranas e no prim eirocontato com o m dico a gestante busca: confirm arsua gravidez; am paro nas suas dvidas e ansiedades;certificar-se de que tem um bom corpo para gestar;certificar-se de que o beb est bem ; e apoio paraseguir nessa aventura 1.

    Sendo im portante nessa fase:

    - Reconhecer o estado norm al de am biva-lncia fren te gravidez. Toda gestan te quer estargrvida e no quer estar grvida. um m om entoem qu e m uitas ansiedades e m edos prim itivosafloram , da a necessidade de com preender essaam bivalncia sem julgam entos;

    - A colher as dvidas que surjam na gestantequanto sua capacidade de gerar um beb saudvel,de vir a ser m e e desem penhar esse novo papel deform a adequada;

    - Reconhecer as condies em ocionais dessagestao: se a gestante tem um com panheiro ou

    est sozinha, se tem outros filhos, se conta com oapoio da fam lia, se teve perdas gestacionais, sedesejou conscientem ente engravidar e se planejoua gravidez. Enfim , o con texto em que essa gravidezocorreu, e as repercusses dela na gestante;

    - Perceber esse estado de m aior vulnerabili-dade psquica da gestante e acolh-la, sem banalizarsuas queixas com o fam oso isso norm al; Perceberque a gestante encontra-se psiquicam ente regredida,buscando um a figura de apoio; assim , o m dico fica

    m uito idealizado e, por isso, passa a ser constan te-m ente procurado e s vezes por dvidas que possamser insignificantes para ele, m as terrivelm enteam eaadoras para ela;

    - Estabelecer um a relao de confiana erespeito m tuos para que a em patia necessria ocorrae favorea, por si s, a elaborao de m uitas dasfan tasias da gestan te;

    - Perm itir um espao para a participao doparceiro na consulta, para que ele possa tam bmen volver-se n o processo gravd ico-puerperalativam ente, favorecendo um equilbrio adequado nasnovas relaes estabelecidas com a vinda de um

    novo m em bro da fam lia.

    C O N S U L T A S S U B S E Q E N T E S

    D ando continuidade ao pr-natal, obser-vam -se ao longo da gestao, algum as ansiedadestpicas, ordenadas segundo um a diviso de trim estres.Ressalta-se, no en tan to, que essa d iviso paraefeito didtico , po is o aparecim en to dessas

    an sied ades - em bo ra m ais freqentes em determ i-nad os m om entos -, no esto necessariam enterestritos a eles 1,2 .

    A ssim , no prim eiro trim estre so freqentesa am bivalncia (querer e no querer a gravidez), om edo de abortar, as oscilaes do hum or (aum entoda irritabilidade), as prim eiras m odificaes corporaise alguns desconfortos: nuseas, sonolncia, alte-raes na m am a e cansao e os desejos e aversespor determ inados alim entos. N o segundo trim estrea ansiedade de carter quanto a introverso epassividade, a alterao do desejo e do desem penhosexual e a alterao do esquem a corporal, e apercepo dos m ovim entos fetais e seu im pacto(presena do filho concretam ente sentida). E oterceiro trim estre caracterizad o pelas ansiedadesque se intensificam com a proxim idade do parto, ostem ores do parto (m edo da d or e da m orte) econseqentem ente h um aum ento das queixas

    fsicas.

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    A ssim , neste m om ento im portante evitar oexcesso de tecnicism o, estando atento tam bm paraessas caractersticas com uns das diferentes etapasda g ravidez, criando condies para um a escutaacolhedora, continente, onde os sentim entos bons eruins possam aparecer. D eve-se observar e respeitara diferena de significado da ecografia para a m ee para o m dico. O s m dicos relacionam a ecografiacom a em briologia do feto e o s pa is com ascaractersticas e personalidade d o filho . Elesnecessitam ser gu iados e esclarecidos du rante oexam e pelo especialista e pelo obstetra. de extrem aim portncia fornecer orientaes antecipatrias sobrea evoluo da gestao e do parto: con traes,dilatao, perda do tam po m ucoso, rom pim entoda b olsa. D eve, no en tan to, evitar inform aesexcessivas, procurando transm itir orientaes sim plese claras e observar o seu im pacto em cada paciente,na sua individualidade. E por ltim o deve preparar apaciente para os procedim entos m dicos do pr-partopara aliviar as vivncias negativas que causam m aisim pacto.

    P A R T O

    um perodo curto em tem po, m as longoem vivncias e expectativas. A lgum as das fantasiasda gestante em relao ao parto incluem o receiode no reconhecer o trabalho de parto e de no sercapaz de saber quando procurar o m dico. A m ulhertem e a dor; tem e no suport-la, sucum bir a ela,perder o controle. A lm do m edo da m orte, existe om edo de ser dilacerada, de que o beb ao nascer a

    rasgue e a destrua na sua fem inilidade e genitali-dade3. A sensao de no ser capaz de fazer o bebnascer, ligada auto-estim a da m ulher e s suasexperincias pessoais ao longo de sua vida e dagestao u m a angstia m uito freqente nom om ento do parto, pois a paciente encontra-sem uito vulnervel. A parecem desejos e fantasias emrelao aos vrios tipos de parto, decorrentes da suahistria p essoal e d os fatores culturais. Tem eprocedim entos m dicos que possam lhe causar

    vivncias negativas (com o tricotom ia, lavagem ),

    alm do m edo do am biente hospitalar que lhe desconhecido e assustador, fora do seu contextohab itual. Existem exp ectativas quan to ao seudesem penho e sade do beb, no contexto d eum a experincia em ocionalm ente intensa em qu eperm eia um m isto de ansiedade e alegria 1,2,4 .

    im portante:

    - Ter claro que o desem penho da m ulher noparto est fortem ente ligado ao preparo dessagestante ao longo do pr-natal, bem com o a suaprpria histria de vida;

    - Saber que o m edo do parto sem pre vai existirdevido tenso ligada im previsibilidade de todo oprocesso e que isso repercute, necessariam ente,sobre a paciente e a equipe;

    - Evitar recorrer ao excesso de tecnicism o natentativa de obter o m xim o de controle da situao;

    - O rientar a gestante sobre as tcnicas decontrole da dor respirao e relaxam ento;

    - Fortalecer a gestante, ao longo do pr-natal,quanto s suas capacidades de dar luz, preparando--a para o parto possvel, sem valorizar excessiva-m ente um tipo de parto, pois a frustrao da m epor no ter tido um parto idealpode interferir novnculo m e-beb;

    - Esclarecer m ulher a respeito de recu rsosm dicos disponveis para que se previnam e seevitem situaes de dor, desconforto, riscos para am e e o beb (Ex: analgesia, m onitoram ento fetal,etc.);

    - Escutar as fantasias da gestante quanto aos

    diversos tipos de parto, e num a linguagem apro-priada, orient-la sobre todos os processos, princi-palm ente quando existem distores a respeito darealidade (Ex: uso de frceps);

    - D eixar claro os lim ites quanto s decises arespeito da indicao de um tipo de parto ou outro;

    - D escrever a sala de parto, encorajando agestan te a visitar o C entro O bsttrico e, assim , oque era desconhecido e assustador passa a ser

    conhecido e m anejvel;

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    - A colher o desejo do casal de que o m aridopossa participar do parto avaliando e orientando essaparticipao;

    - A colher a criana que nasce: o m dicoobstetra o prim eiro a receber o beb, e que essaacolhida seja revestida de significado afetivo eexistencial.

    P U E R P R I O

    C orrespo nd e a um estado de alteraoem ocional essencial, provisria, no qual existe um am aior fragilidade psquica, tal com o no beb, e quepor certo grau de identificao, perm ite s m esligarem -se in ten sam en te ao recm -nascido ,adaptando-se ao contacto com ele e atendendos suas necessidad es bsicas. A relao inicialm e/beb aind a p ou co estruturada , com opredom nio de um a com unicao no verbal e porisso intensam ente em ocional e m obilizadora 5.

    O utra caracterstica do perodo que achegada do beb desperta m uitas ansiedades e os

    sintom as depressivos so com uns. A m ulher continuaa precisar de am paro e proteo, assim com o aolongo da gravidez, e m uitas vezes essa necessidade confundida com depresso patolg ica. Porm ,70% a 90% das purperas apresentam um estadodepressivo m ais brando, transitrio, que aparece emgeral no terceiro dia do ps-parto e tem duraoaproxim ada de duas sem anas, cham ado na literaturaam ericana de Baby blues . Este est associado sadaptaes e perdas vivenciados pela purpera aps

    o n ascim ento d o b eb 1. O s lutos vividos natransio gravidez-m aternidade podem incluir aperda do corpo gravdico; o no retorno im ediato docorpo original; a separao m e/beb; o beb deixade ser idealizado e passa a ser vivenciado com o umser real e diferente da m e; e as necessidades prpriasso postergadas em funo das necessidades dobeb 1,2,4 .

    A depresso ps-parto propriam ente dita - que

    se m anisfesta por sintom as tais com o: perturbao

    do apetite, do sono, decrscim o de energia, senti-m ento de desvalia ou culpa excessiva, pensam entosrecorrentes de m orte e ideao suicida, sentim entode inadequao e rejeio ao beb - um fenm em om uito m ais raro e, em geral, em m ulheres com algu-m a histria pessoal de frag ilidade psquica e podepersistir por vrias sem anas, necessitando acom -panham ento especializado

    C om relao am am entao pode aparecero m edo de ficar eternam ente ligada ao beb; apreocupao com a esttica das m am as; E se no conseguir atender as suas necessidades? O meu leit e ser bom e suf iciente? e dificuldades iniciais

    sentidas com o incapacitao1,3,6

    .D eve ser conh ecido aind a o cham ado

    Puerprio do com panheiro: ele pode se sen tirparticipante ativo ou com pletam ente excludo. Aajuda m tua e a com preenso desses estados podeser fonte de reintegrao e reorganizao para ocasal. Se o casal j tem outros filhos, bem possvelque aparea o cim e, a sensao de traio, m edodo abandono que se traduz em com portam entosagressivos por parte das ou tras crianas. H um anecessidad e de rearran jos na relao fam iliar.Tam bm no cam po da sexualidade, as alteraesso significativas, pois h um a necessidad e dereorganizao e redirecionam ento do desejo sexual,levando-se em conta as exigncias do beb, asm udan as fsicas deco rren tes do parto e daam am entao1.

    im portante estar atento a sintom as que seconfigurem com o m ais desestruturantes e que fogemda adaptao norm alcaracterstica do puerprio,e levar em conta a im portncia do acom panham entono ps-parto im ediato, na reviso de parto, quandoocorre um a m udana de foco: o beb passa a ser ocentro das atenes e a m ulher necessita ainda sercuidada. A participao do obstetra nesse m om ento,tratando das questes da retom ada do planejam entofam iliar, pode ser de m uito auxlio para a reorgani-zao psquica dessa m ulher, favorecendo inclusive

    sua vinculao com o beb.

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    I N T E R C O R R N C I A S

    Perda fetal

    A bo rto espo ntneo: correspond e a umacontecim en to significativo que no deve serm enosprezado, pois j existe a ligao afetiva dam ulher com o em brio, considerado um filho acam inho . O corre a interrupo de um processocriativo que tem repercusses im portantes a curto, am dio e a longo prazo no organism o fem inino e nopsiquism o da m ulher e do hom em . Pode existir osen tim ento de incapacidade, esvaziam ento e a

    necessidade de lidar com esses aspectos depressivos.A despeito dos possveis fatores etiolgicos quecausaram a perda, observa-se a p resena desentim entos de culpa na m ulher e, eventualm ente,tam bm no hom em . O casal fica ansioso po r sabera causa da perda.

    N esta fase o profissional deve com preendera dor existente na perda e no m enosprezar essesen tim ento, acolhendo-o; no con solar com apossibilidade do sucesso de um a nova gravidez; ficar

    atento para sinais de descom pensao psquica m aisgrave; o rien tar qu an to a p ossveis exam esdiagnsticos.

    A bo rto p rovocado : resultante de um aam bivalncia qu e, em bo ra com um a tod as asgestaes, torna-se m uito perturbadora, revestindoa gravidez de um carter to persecutrio (por fatoresinternos e/ou externos), que fica im possibilitada deser levada ad ian te 7. O corre o uso de m ecanism os dedefesa intensos para se proteger da dor psquica(ironia, indiferena). Sem pre corresponde a um adeciso difcil e dolorosa e o sentim ento de culpaest sem pre presente e em alguns casos fica ocultopelo m ecanism o de negao. Por isso, o profissionaldeve atender a paciente sem juzo m oral; reconheceras angstias e dvidas existen tes nessa deciso;orientar a paciente quanto aos m todos seguros deanticoncepo para evitar novos sofrim entos.

    A borto teraputico (em casos de estupro ou

    risco m aterno): Sem pre existe conflito nessa deciso,

    tanto por parte da gestante com o do m dico, e aperm isso jurdica para a interrupo no necessa-riam ente m inim iza o sentim ento de culpa. O correidealizao do aborto com o soluo para todos osconflitos e m edo de no ser capaz de engravidarnovam ente.

    N este m om ento im portante esclarecer sobreos riscos m aternos, respeitando a deciso da m ulherde interrom per ou no a gestao; ter cuidado parano reforar apenas um do s aspectos da am biva-lncia; respeitar suas lim itaes pessoais quanto aser aquele que executa os procedim entos tcnicos.

    Interrupo legal (em casos de fetos com

    m alform aes graves incom patveis com a vidaextra-uterina): freqente que exista um a sensaode incredulidade diante do diagnstico. Freqen-tem ente aind a o corre u m a b usca in tensa d epossibilidades teraputicas, m gicas ou religiosas paraa reverso do quadro. Existem dificuldades decom preenso das caractersticas da m alform ao ede com o ela afeta o beb e a sensao de estarsendo castigada, de ressentim ento, raiva e revolta,enfim , um a sensao de fracasso por ter gerado um

    beb im perfeito8

    . im portante form ular um diagnstico preciso

    que eviden cie essa con dio e que este sejaapresentado com objetividade, tanto gestantequanto a sua fam lia; poder refletir sobre as duaspossibilidades, igualm ente difceis interrupo oulevar ad ian te a gestao; no induzir os pais doconcepto a qualquer um a das possibilidades. O casal,diante da inevitabilidade da m orte e im possibilidadede qualquer recurso teraputico que deve concluir

    sobre interrom per ou no a gestao ; orientar eesclarecer sobre todos os aspectos legais e sobre oprocesso de autorizao judicial, orien tan do apaciente quanto ao processo de induo de parto:internao, parto, ver ou no o beb, procedim entosps-m orte. O profissional deve falar abertam entesobre o ocorrido no ps-parto im ediato, avaliando acondio em que a paciente se encontra e quaisforam as repercusses de toda essa experincia emsua vida; encam inhar para um a avaliao de

    G entica Perinatal para o fecham ento do diagnstico

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    e aconselham ento gentico e antecipar o retornoda gestante na Reviso de Parto, visando ter um anoo m ais clara de com o est sendo elaborado oluto.

    Condies patolgicas maternas(diabetes, hipertenso, ICC, HIV,cardiopatias entre outras doenas)

    O corre um a sensao genrica de se estarfazendo m al ao beb: person ificao da m e m ,com vivncias de incapacidade de no ter um corpoadequado para gestar. C orresponderia confirm ao

    de fan tasias destrutivas fazer m al ao beb etam bm ser alvo dos ataques dele. A m ulher tem epor si e pelo beb 3. im portante poder orientar apaciente sistem aticam ente a respeito da doena;ressaltar o papel do auto-cuidado da gestante aolongo da gravidez, no sentido do controle da doena;contribuir para que a gestan te se torne participan teativa no controle da sua sade e da sade de seubeb; com preender os sentim entos am bivalentes dam e em relao a essa gestao difcil para que ela

    possa lidar com a realidad e d iferente daq ueladesejada.

    Prematuridade internao dorecm-nascido

    Todos so pegos de surpresa pelo nascim entoantecipado do beb (paciente, fam iliares e equipem dica). Para os pais, o beb m uito diferente dosonhado feio, fraco, inacabado. C onseqen-

    tem ente, surgem sentim entos de culpa por estaremassustados, distantes, com m edo e com dificuldadesem se aproxim ar do beb, culpa por no ter podidolevar a gestao adiante, de no ser um a m e capaz.Esse novo papel fica am eaado. O corre desorgani-zao em ocional em funo da separao precocee de um processo de gravidez incom pleta, que tevecom o resultado m uito sofrim ento para a m e e obeb 6. A m e percebe-se incapaz de cuidar de seubeb, sofre frustraes ao delegar aos ou tros essepapel e sente-se am eaada na sua m aternagem ao

    ter que postergar os cuidados com seu beb. Ainterao com ele nas form as possveis que perm itea elaborao da sua dor e frustrao .

    A instabilidade do beb prem aturo despertana m e m aior insegurana e acentua-se o m edo deperd-lo e de possveis seqelas. um a realidadem uito difcil. A fragilidade do recm -nascido m obilizanos pais sofrim ento, angstia e dor, levando-os aentrar em contato com sua prpria fragilidade eim potncia diante das adversidades. A lm disso, aaparelhagem vista com o causadora de sofrim entoe dor e no com o possibilidad e de facilitar aadaptao do beb ao m undo externo, ao m eio

    areo. O s sentim entos depressivos se acen tuam ,dadas as dificuldades reais, os ajustes necessrios ea m obilizao psquica intensa.

    Isto posto, o profissional dever estar atentopara perceber os m ecanism os psquicos pelos quaisa purpera est passan do , acen tuad os pelainternao do filho e que causam m uita angstiapara a fam lia com o um todo; para o rien tarclaram ente o casal, estim ulando-os a ver o beb,interagir com ele, toc-lo, falar com ele, reconhe-

    cendo-o com o filho e para acolher as oscilaesem ocionais do casal, propiciando m elhores condiespara form ao do vnculo afetivo com o beb, queficou am eaada pela separao precoce e ainternao.

    M alform ao fetal. Representa um go lpeesm agador para os pais, que atinge frontalm enteseus ideais narcsicos, pois o beb, que representavaa culm inao de todos os seus esforos, concre-tizando as suas esperanas para o futuro, vem m uitodiferente do esperado. Inicialm ente a dor intensa,e o m om ento de tristeza e descrena. Instala-seum a crise psquica, da a im portncia do acom -panham ento psicolg ico, com o um espao paraelaborao psquica de um a realidade m uito difcil,pois perm ite-lhes externar suas angstias, m edos,fantasias 8. im portan te - tornar o casal participan teativo do processo diagnstico, com suas etapasnecessrias para a com preenso plena do prob lem a.

    C onhecer ao m xim o o beb enquanto ele estiver

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    na b arriga p ara saber o que ele vai precisar aonascer.

    - N o m inim izar a seriedade da condio dofeto, perm itindo que os pais possam decidir a respeitodas questes ticas e jurdicas junto equipe.

    - Encam inhar o casal para interconsulta coma cirurgia peditrica, neurologia e outras. A colhersuas angstias, m edos, frag ilidades e orien t-los acom partilhar com a fam lia e o s ou tros filhos a suador.

    - Fornecer orientaes claras quanto ao parto:Via de parto: existe a fantasia de que sem pre acesrea seria a indicao, dado que faria m enos m al

    ao beb. Poder desm istificar essa idia, ob jetiva-m ente; Visita N eonatologia: colocar o casal deform a m ais concreta frente ao futuro im ediato dobeb, aliviando m uitas das suas ansiedades; D e umm odo geral, a idia de um beb m alform ado sem pre pior do que a realidade. D essa form a, ver obeb real logo aps o nascim ento sem pre um alviopara os pais que passam a poder lidar com arealidade e no com aquilo que im aginavam , e ficamem condies de valorizar os aspectos saudveis do

    seu beb. A fragilidade do beb e suas necessidadesde cuidados despertam nos pais sentim entos deproteo que estavam adorm ecidos pelo receio deque o beb no sobrevivesse.

    M orte Fetal: N orm alm ente representa um ador terrvel para a m e a e a fam lia, com sensaode incredulidade. Freqentem ente ocorre a tentativade buscar culpados: o m dico, um problem a fam iliar,suas prprias ansiedades e possveis sentim entos derejeio conscien tes e/ou inconscien tes. A parece

    tam bm o sentim ento de m edo por estar carregandoa m orte dentro de si e a sensao de persecuto-riedade, pelos riscos possveis e im ag inados 9. D eim ediato, aparece o desejo de livrar-se logo da m ortedentro de si, abreviando o parto. Por outro lado, aangstia de separao definitiva do beb podedificultar a induo do trabalho de parto, prolon-gando-o. Pode ocorrer revolta por ter que passar pelasdores do parto, quando j sofreu tanto. im portantepoder acolher a d or, o choro, a incredulidade,

    deixando a pacien te chorar e externalizar a dor;

    esclarecer o processo de internao, de induo, atcnica u tilizada, o tem po necessrio; incentivar aparticipao ativa da m e no parto, para que ela sesinta capaz de fazer nascer a criana m esm o nessascircunstn cias difceis, favorecendo que essaexperincia seja o m enos dolorida possvel; saber sea m ulher deseja ver o beb, encorajando-a a ver,peg-lo, poder se despedir da criana, para que sepossa iniciar o processo de luto pela m orte de algumm uito querido; sugerir um possvel acom panham entopsicolgico ao longo do processo de diagnstico,induo, nascim ento e ps-parto.

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    Recebido para pub licao em 29 de setem bro e aceito 5 em

    de ou tubro de 2003.