ABRIL 2011

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, ABRIL/2011 - ANO XIV - N o 171 O ESTAFETA Foto arquivo Pro-Memória Nada mais oportuno e providencial do que a proposta da CNBB de trabalhar a questão ambiental neste ano de 2011, que a ONU declarou como “Ano Inter- nacional das Florestas”. Todos os anos a Campanha da Fraternidade propõe reflexões e ações concretas em torno de temas relevantes para diminuir injustiças, educar para a vida em sociedade e evangelizar para o amor. Neste 2011 discute a preocupante situação do planeta Terra, nossa casa, que sofre os efeitos da exploração predatória de seus recursos naturais. A CF tem o poder de movimentar milhões de pessoas em todo o país em torno de discussões atuais como a deste ano. Promove a dignidade humana, cria uma agenda positiva para o país e humaniza problemas na pauta do dia-a- dia da população, como este de meio ambiente. O planeta vive atualmente em agonia pela devastação causada, principalmente, por um modelo de desenvolvimento que prioriza o capital em detrimento da vida. É tempo de conversão, mas conversão profunda, que mude os costumes e gere políticas globais de defesa da vida em todas suas dimensões. É tempo de oração e de tomada de posição diante de uma cultura em que o consumismo desen- freado sustenta a ganância do lucro que, a longo prazo, se transformará em irreparável prejuízo para toda a huma- nidade. Não que o mundo tenha que viver no obscurantismo, sem tecnolo- gia ou desenvolvimento econômico. Não se trata disso. O que falta são discussões sobre um modelo alter- nativo em que haja equilíbrio entre os avanços científicos e tecnológicos e a vida no planeta. A maioria dos cientistas concorda que a Terra não suporta por muito mais tempo o atual ritmo de degradação am- biental, tal a poluição que o desenvol- vimento predatório vem causando às florestas, à vida animal, aos rios, mares e oceanos. Daí a importância da CNBB e desta Campanha da Fraternidade. Que ela consiga provocar compromissos de ações socioambientais visando à pro- teção do meio-ambiente! Por manter em seu território um frag- mento de Mata Atlântica de aproxima- damente 3.000 hectares preservado pela FPV/IMBEL, Piquete torna-se privilegiado no contexto das cidades valeparaibanas. Renomados cientistas que estudaram esse fragmento atestaram sua riqueza singular. Ao longo da Mantiqueira, outros frag- mentos de igual importância precisam ser preservados e interligados formando um corredor ecológico, de maneira a manter o fluxo gênico das espécies aí existentes, garantindo para o futuro a riqueza dessa biodiversidade. A Mata Atlântica é o segundo bioma mais ameaçado de extinção do planeta. Apesar disso, mantém índices altíssimos de biodiversidade que a classificam como um “hotspot”, ou seja, um lugar onde existe grande riqueza de diversidade biológica, mas que sofre grande ameaça. Considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, restam pouco mais de 7% da Mata Atlântica original. Conservar e promover o uso sustentável desse patri- mônio é um imenso desafio que exige trabalho conjunto das cidades, instituições públicas, academias, organizações não- governamentais, setores empresariais e meios de comunicação. Exige, sobretudo, geração e difusão de conhecimentos. Há mais de uma década, em Piquete, a Fundação Christiano Rosa vem trabalhando para a preservação desse bioma, buscando, por meio de ações educativas e de elabora- ção e execução de projetos de revegetação de mata ciliar, recompor com espécies nativas as margens de ribeirões do município. Pela importância das florestas para o planeta, a ONU declarou 2011 como “Ano Internacional da Floresta”. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), as florestas representam 31% da cobertura terrestre do planeta. Servem de abrigo para 30 milhões de pessoas em todo o mundo e garantem, ainda, de forma direta, a sobrevivência de 1,6 bilhões de seres humanos e de 80% da biodiversidade terrestre. Infelizmente, porém, as atividades baseadas na derrubada das matas ainda são bastante comuns. No Brasil, mais de 100 milhões de pessoas beneficiam-se de águas que nascem na mata atlântica e formam rios que abas- tecem metrópoles e cidades brasileiras. Além disso, existem milhares de nascentes e pequenos cursos d’água que afloram no interior de seus remanescentes. O ano internacional da floresta é um momento não somente para reflexão sobre nossos pro- blemas ambientais, mas também para tomada de atitudes em prol de nossas matas, por sua importância para a nossa sobrevivência e a do planeta. 2011 – Ano Internacional da Floresta O ano internacional da floresta é um momento não somente para reflexão sobre nossos problemas ambientais, mas também para tomada de atitudes em prol de nossas matas, por sua importância para a nossa sobrevivência e a do planeta.

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EDIÇÃO 171 - ANO XIV

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, ABRIL/2011 - ANO XIV - No 171

O ESTAFETAFoto arquivo Pro-Memória

Nada mais oportuno e providencialdo que a proposta da CNBB de trabalhara questão ambiental neste ano de 2011,que a ONU declarou como “Ano Inter-nacional das Florestas”.

Todos os anos a Campanha daFraternidade propõe reflexões e açõesconcretas em torno de temas relevantespara diminuir injustiças, educar para avida em sociedade e evangelizar para oamor. Neste 2011 discute a preocupantesituação do planeta Terra, nossa casa,que sofre os efeitos da exploraçãopredatória de seus recursos naturais.

A CF tem o poder de movimentarmilhões de pessoas em todo o país emtorno de discussões atuais como a desteano. Promove a dignidade humana, criauma agenda positiva para o país ehumaniza problemas na pauta do dia-a-dia da população, como este de meioambiente.

O planeta vive atualmente emagonia pela devastação causada,principalmente, por um modelo dedesenvolvimento que prioriza o capitalem detrimento da vida. É tempo deconversão, mas conversão profunda,que mude os costumes e gere políticasglobais de defesa da vida em todas suasdimensões. É tempo de oração e detomada de posição diante de umacultura em que o consumismo desen-freado sustenta a ganância do lucroque, a longo prazo, se transformará emirreparável prejuízo para toda a huma-nidade. Não que o mundo tenha queviver no obscurantismo, sem tecnolo-gia ou desenvolvimento econômico.Não se trata disso. O que falta sãodiscussões sobre um modelo alter-nativo em que haja equilíbrio entre osavanços científicos e tecnológicos e avida no planeta.

A maioria dos cientistas concordaque a Terra não suporta por muito maistempo o atual ritmo de degradação am-biental, tal a poluição que o desenvol-vimento predatório vem causando àsflorestas, à vida animal, aos rios, marese oceanos. Daí a importância da CNBB edesta Campanha da Fraternidade. Queela consiga provocar compromissos deações socioambientais visando à pro-teção do meio-ambiente!

Por manter em seu território um frag-mento de Mata Atlântica de aproxima-damente 3.000 hectares preservado pelaFPV/IMBEL, Piquete torna-se privilegiadono contexto das cidades valeparaibanas.Renomados cientistas que estudaram essefragmento atestaram sua riqueza singular.Ao longo da Mantiqueira, outros frag-mentos de igual importância precisam serpreservados e interligados formando umcorredor ecológico, de maneira a manter ofluxo gênico das espécies aí existentes,garantindo para o futuro a riqueza dessabiodiversidade.

A Mata Atlântica é o segundo biomamais ameaçado de extinção do planeta.Apesar disso, mantém índices altíssimos debiodiversidade que a classificam como um“hotspot”, ou seja, um lugar onde existegrande riqueza de diversidade biológica, masque sofre grande ameaça.

Considerada Patrimônio Nacional pelaConstituição Federal, restam pouco mais de7% da Mata Atlântica original. Conservar epromover o uso sustentável desse patri-mônio é um imenso desafio que exigetrabalho conjunto das cidades, instituiçõespúblicas, academias, organizações não-governamentais, setores empresariais emeios de comunicação. Exige, sobretudo,geração e difusão de conhecimentos.

Há mais de uma década, em Piquete, a

Fundação Christiano Rosa vem trabalhandopara a preservação desse bioma, buscando,por meio de ações educativas e de elabora-ção e execução de projetos de revegetaçãode mata ciliar, recompor com espécies nativasas margens de ribeirões do município.

Pela importância das florestas para oplaneta, a ONU declarou 2011 como “AnoInternacional da Floresta”. Segundo dadosdo Programa das Nações Unidas para oMeio Ambiente (Pnuma), as florestasrepresentam 31% da cobertura terrestre doplaneta. Servem de abrigo para 30 milhõesde pessoas em todo o mundo e garantem,ainda, de forma direta, a sobrevivência de1,6 bilhões de seres humanos e de 80% dabiodiversidade terrestre. Infelizmente,porém, as atividades baseadas na derrubadadas matas ainda são bastante comuns.

No Brasil, mais de 100 milhões depessoas beneficiam-se de águas que nascemna mata atlântica e formam rios que abas-tecem metrópoles e cidades brasileiras. Alémdisso, existem milhares de nascentes epequenos cursos d’água que afloram nointerior de seus remanescentes. O anointernacional da floresta é um momento nãosomente para reflexão sobre nossos pro-blemas ambientais, mas também para tomadade atitudes em prol de nossas matas, porsua importância para a nossa sobrevivênciae a do planeta.

2011 – Ano Internacional da Floresta

O ano internacional da floresta é um momento não somente para reflexão sobre nossos problemasambientais, mas também para tomada de atitudes em prol de nossas matas, por sua importância paraa nossa sobrevivência e a do planeta.

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Imagem - MemóriaSexta-feira Santa: a matraca assinala a saída da

procissão, na frente um crucifixo ladeado de lumináriase castiçais, logo atrás uma grande massa de fiéis, umesquife todo ornamentado com a imagem do Senhormorto. Sobre o esquife, um dossel roxo. Assim que oesquife do Senhor chega à rua, à porta da matrizaparecem quatro vultos de preto, todas com véu etrês coroadas de espinhos. A quarta mulher sobe emuma banqueta e começa um canto triste desenrolandoum pedaço de pano onde está estampado o rosto deJesus. Findo o canto, a procissão inicia seu cortejo.Em alguns pontos a mulher de preto volta a cantar,tendo por coro os vultos coroados de espinhos, epor fim, antes que a imagem entre na igreja, faz suaúltima apresentação e se recolhe; é a Verônica que,acompanhada das Marias Beus, desaparece nointerior da igreja.

Mas quem é esta personagem que povoa aimaginação? O canto da Verônica vem por muitosanos fazendo parte da nossa tradição. Sabe-se quenos Evangelhos não aparece mencionada aVerônica. Entre as várias mulheres que acom-panhavam Jesus, o nome dela não é referido. Pensa-se, por isso, que o nome possa exprimir, sobretudo,o que a mulher fez. Segundo a tradição, no caminhopara o Calvário, uma mulher passou por entre ossoldados que escoltavam Jesus e com um véuenxugou-lhe o suor e o sangue do rosto. Aquelerosto ficou gravado no véu: um reflexo fiel, umaverdadeira imagem.

O canto triste da Verônica, na Sexta-Feira daPaixão, está presente na nossa região, onde criouforças e atravessou séculos de existência. Cantadoem latim o verseto 12 de Lamentações de Jeremias,esta curiosa personagem vestida de pretodesenrola o sudário com o rosto de Jesus emfrente ao esquife do Senhor na Sexta-Feira daPaixão: “Ó vós omnes, qui transitis per viam /Attendi-te et videte / Si est dolor, similis / Sicutdolor meus”.

Seu curto e lamentoso cântico somente pode ser apreciado neste dia esua intérprete orgulha-se de poder fazê-lo, chegando a exercer por décadas este honroso ofício.

De acordo com o pesquisador salesiano Pe. José Geraldo de Souza, em seu estudo intitulado “O Plangente Canto da Verônica no Valedo Paraíba”, os atos Apócrifos de Pilatos designavam este pano por Berônica, Bernice ou Berenice. Desta forma, originou-se “Verônica”,palavra derivada de “Vera Eicón”, ou seja, “Verdadeira Imagem”, sendo este termo de uso bizantino a partir da Idade Média. Portanto, o nomeVerônica foi também atribuído, por extensão, à mulher que acompanhou o sofrimento de Jesus Cristo.

Na Semana Santa de 2000, o Pe. José Geraldo de Souza aos 87 anos esteve em Piquete pesquisando. Com doutorado em Roma peloInstituto Pontifício de Música Sacra, pesquisador de nosso folclore, por anos estudou os vários aspectos desta tradição nas procissões deSexta-Feira da Paixão em diversas cidades da região. Na ocasião ficou hospedado no Hotel Brasil, na Praça da Bandeira. Veio para conhecer,analisar e detalhar o canto de Maria Beraldo Castanho, a Verônica que por mais de vinte e cinco anos emprestou sua voz para a personagem.Para Beraldo, era um privilégio interpretar o Canto da Verônica. Era uma oportunidade de mostrar sua devoção e a beleza de seu canto nasapresentações. Dizia ser este um momento muito importante e que cantava com sentimento. Na ocasião, Beraldo já se preocupava com acontinuidade desta tradição. Encontrou em Jovanir Andreia Santos quem a substituísse à altura. Em 2002 cantou pela última vez.

Na Paróquia de São Miguel, em Piquete, tivemos, ao longo dos anos, as seguintes Verônicas: Zezé do Carlos Vieira, Adília Guimarães, AidêEncarnação, Lídia Paulino, Heloísa Soares, Lavínia Oliveira, Doquinha, Clélia D’Amico, Maria Beraldo Castanho e Jovanir Andreia Santos.

Segundo o padre José Geraldo, Verônica é considerada a patrona dos fotógrafos, pois conseguiu moldar em uma chapa (lenço de linho)os traços fisionômicos de Jesus. A Verônica representa a compaixão, a piedade, a comoção, o amor para como o próximo.

Na foto de Dogmar Brasilino, Maria Beraldo Castanho como Verônica em 1957. O sudário foi pintado pelo artista Otávio Cândido.

O plangente canto da VerônicaFoto arquivo Pro-Memória

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O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Página 3Piquete, abril de 2011

Lia Chaves

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETAFundado em fevereiro / 1997

O humor é um estado de espírito, emuitas vezes é remédio para solução deproblemas e geração de ideias. Toda pessoabem-humorada é otimista e persistente,possui fé inabalável e acredita que tudo vaidar certo. Essa pessoa faz com que tudo dêcerto porque, sendo espirituosa, contagiaquem está ao seu redor.

Assim é Maria Aparecida Chaves deCarvalho, a Lia Chaves. Para ela não temtempo ruim, tudo está sempre bem. Nascidaem Pouso Alegre, Minas Gerais, em 10 deoutubro de 1932, é filha de BeneditoMonteiro Chaves e Eva de Oliveira Chaves.Veio para Piquete com sete anos de idade.Eram seis filhos que desceram a Serra. Aquinasceram outros dois. Conta que o paitrabalhava na Fábrica, era pedreiro e músico.A mãe trabalhava como costureira. A famíliaresidiu, até 1948, num casarão em frente àantiga Matriz de São Miguel, à rua Cel. JoséMariano. Eram seus vizinhos as famílias deSerafim Moreira, Leonor Guimarães e oPadre Septímio Arantes, além de Maria JoséSilva, Joaquim Sacristão, entre outros.Descendo a rua, havia o Hotel de MariaEufrázia; na Praça Marechal Mallet, a casade Armando de Castro Ferreira. Na rua debaixo, a Major Carlos Ribeiro, havia o CineGlória, a padaria do Benedito Elias, o bar doGeraldo Ferreira Pinto, o açougue doVidinho e a loja do Tomé Serafim. Lia cresceucom os filhos dessas famílias. Eram suasamigas do dia-a-dia: Dulcineia e AlaídeMoreira, Vilma Teixeira, Clélia de CastroFerreira, Ilma Encarnação... O Largo doCoreto, em frente à sua casa, era um localmovimentado: quermesses, circos, retretas,Páscoa dos Operários e procissões fazemparte de suas lembranças.

Estudou no Grupo Antônio João, ondefoi aluna de Dona Milita, CelencinaGuimarães, Leonor Guimarães e PalmaFerrari. Muito católica, devota de SãoMiguel, foi preparada por Leonor Guimarãespara a Primeira Comunhão. Diz que estavizinha ajudou a mãe, Dona Eva, a criar osfilhos. Lia fez parte da Cruzada Eucarística e

da Pia União das Filhas de Maria. “Fui umamenina impossível”, diz, sorridente.

Em 1948, a família mudou-se para umacasa na rua Cel. Luiz Relvas, na subida daPraça da Bandeira, onde reside até hoje.Nessa época, cursava o Ginásio da FPV.Guarda excelentes lembranças do Depar-tamento Educacional e do rigor e organizaçãodas festas cívicas. Nessa época, conheceuFrancisco Roberto de Carvalho Filho, oBacalhau, que veio jogar no Estrela FutebolClube. Namoraram por uns tempos. Em 1951,o pai foi transferido para São Paulo, a fim detrabalhar numa obra da FPV. Por três anosresidiram na casa do padre Septímio RamosArantes, na rua Vergueiro, na Vila Mariana.Nesse período, trabalhou no aeroporto deCongonhas. Participou das comemoraçõesdos 400 anos de São Paulo. No dia 24 deagosto de 1954, retornou a Piquete. Reatouo namoro com Bacalhau e se casaram em 21de maio de 1955. Em 1974, enviuvou.

Como sempre gostou de música, estudouviolino quando menina. Vive cantando eassoviando... Entrou para o Coral Santa

Cecília, levada pelas irmãsMirthes e Márcia. Já são 37anos em que empresta suavoz de contralto para ascerimônias da Matriz. Tra-balhou na antiga telefô-nica de Piquete e no GrupoEscolar Guimarães Rosa,onde se aposentou. Re-side com a irmã caçula,Marina Cecília, cercadapelo carinho dos cincofilhos e sete netos. Con-versar com Lia Chaves éuma diversão. Lembraque sorrir é o melhorremédio, não dói e nãotem contra-indicação.

A Serra da Mantiqueira mantém extensasáreas de Mata Atlântica preservada, reservada biosfera eu são verdadeiraspreciosidades. Biosfera é a porção terrestre,aquática e aérea do nosso planeta onde avida se faz presente. Reservas da biosferasão reservas naturais criadas pelo programa“O Homem e a Biosfera” (MAB), sua siglaem inglês, da Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e aCultura – UNESCO. A ideia básica desteprograma é a criação de “museus vivos” doque de melhor existe em termos de naturezano planeta, como amostras dos principaisecossistemas de hoje a serem preservadospara as gerações futuras. Nessa categoriaestão incluídos não só belos cenáriosnaturais como também zonas ou paisagenstípicas, raras ou em perigo. São, na verdade,reservas biogenéticas. No Brasil, a Reservada Biosfera da Mata Atlântica é a pioneiradas reservas brasileiras. Essa floresta é amais rica em biodiversidade do mundo, ondevivem 15% de todas as espécies animais evegetais do planeta. No entanto, é tambéma mais ambientalmente agredida. Daí aimportância de preservá-la. Proteger a vidanão é somente uma premissa ética, mas umanecessidade essencial do ser humano. Ohomem depende da diversidade de animais,plantas e microorganismos para a produçãode alimentos e medicamentos, e para seuprazer estético. Essa biodiversidade éfundamental também para a estabilidadeclimática e ambiental do planeta. Assim, nosúltimos anos, a sociedade tem buscado ma-neiras de proteger o bioma Mata Atlântica.

A Fundação Christiano Rosa tem bus-cado nos últimos anos trabalhar na buscada conscientização da comunidade para aimportância de se preservar o bioma MataAtlântica.

A Reserva da Biosferada Mata Atlântica

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O ESTAFETA Piquete, abril de 2011Página 4

De suas bem-aventuranças, primo ChicoMáximo legou-me um belo livro dos poemasde Cora Coralina, e entre eles, dois parti-cularmente notáveis: “Estória do AparelhoAzul-Pombinho” e “O Prato Azul-Pombinho”. Neles, os relatos da preciosalouça chinesa pintada de azul – o chamado“azul-pombinho”. Referência não só à cor(azul-celeste, segundo o dicionário Aurélio),mas também ao tipo da louça e da represen-tação pictórico-narrativa em desenhosdelicados como filigramas, isto é, de traçosfinos e bem compostos. Louça em artefatoapreciado nas grandes famílias dos períodoscolonial e imperial, como régios presentesde casamento. Composição de chamadoaparelho de jantar completo, distribuído em92 peças, segundo o relato na forma dospoemas da autora goiana. Poeta, como sediz agora, “descoberta” tardiamente, é bemrecebida nas pesquisas da literatura. Éreferenciada pelos poemas narrativos cujaforça é dada nos registros do coloquial,descritivos de uma face regionalizada ehistórica do centro geográfico brasileiro emque viveu. “Estórias”, como diz ela, “estó-rias avoengas” minuciosas e detalhadas, e“estórias de saudades”, dos tempos dabisavó, lembrando um evento familiar dedestacado casamento para o qual foradestinado o tal aparelho. E o cuidado emdescrever o foco narrativo da lenda chinesaque envolvia um mandarim poderoso e afilha, a “princesinha Lui”, e o amor con-trariado pelo casamento com um plebeu.Esta lenda contada segundo seu depoimentono único prato que sobrara e que lhe dátestemunho. Na pungente narrativa dofamoso “prato azul-pombinho”, prato dehonra em que eram servidos os doces esalgados das festas familiares e que um diaapareceu quebrado. “Artes do salta-caminho”. Quem foi, quem não foi, restou-lhe a culpa e o castigo em ter um dos cacospendurados ao pescoço, como penitência,amarrado a um cordão “por tempo indeter-minado”, e os atributos de “inzoneira,buliçosa e malina”. O caco, em forma de meia-lua, enfim preso, pendurado a um “cordãode novelão” torcido no fuso. O fuso dasrocas de fiar, comuns nas áreas rurais dovelho Brasil. Servia-lhe de lição e aos outros, como nos autos-de-fé medievais.

Cora Coralina se estende na memóriafamiliar e da velha Vila de Goiás, surgida dostempos do ouro, quando os bandeirantes emineradores andavam à procura do metalprecioso, saindo de Minas e de São Paulo,tempos tão bem narrados por Zito Evange-lista no “Sertão das Aroeiras”, 1988, romance

O azul-pombinhode crônica histórica bem fundamentada.Assim também os versos de Cora para falardo “aparelho de jantar – 92 peças”, dadocomo “enorme, pesado, lendário”. Além de“pintado, estoriado, versejado de loiça azul-pombinho”. E que chegado ao Brasil foitransportado em carro-de-boi, com 15 juntase 30 bois, “ano e meio quase”, que “rodou,sulcou, cantou e levantou poeira” e que“varou Goiás – fim de mundo, cortou o sertãode Minas e o planalto de São Paulo”, viagem“de dezesseis meses e vinte e dois dias”. Eisso depois de percorrer mares e portos: Rio,Lisboa, Luanda, Macau, voltar para chegar,junto às “sedas e xailes-da-índia” emCaçapava”, ponta dos trilhos da E.F.D.PedroII “por volta de 1860 e tantos”, enquanto asbodas esperavam – “em suspenso” – o régiopresente.

Tratava-se do casamento da sinhazinhaHonória com o sinhô-moço Joaquim Luís,que se realizou, enfim, e para grandeza destefato, dois velhos escravos “já pintando”receberam, “chorando, suas cartas dealforria”. Assim, celebravam-se os fastos,com atos de alforria, assim como nosbatismos dos filhos de escravos apadri-nhados pelos senhores.

Macau, na China, na área denominadaCantão, era o centro fornecedor da “louçaazul-pombinho”. Colônia portuguesa naépoca, foi mantida com estatuto colonialcomo Província Ultramarina até a década de60 do século 20.

Era importante centro artesanal, manu-fatureiro e de exportação, assim como Hong-Kong, colônia inglesa.

Portanto, as estórias da “louça azul-pombinho” de Cora Coralina são motes parafalarmos de um grande período da história ecultura, e de seus reflexos de um passadoque se afasta de nosso cotidiano.

Além do mais, com o sabor das palavrasdo português arcaico, já em desuso...“Coisas do passado” [...] “dado comocontado”, diz Cora Coralina, cujos poemassão lições de história e prazer.

Do tempo em que, lá em Goiás, no centrodo Brasil, colocava-se ouro para secar emcouro de boi e distribuía-se em casamentos,como esse do poema, como confeitos emcartuchos de papel “calandrado”, ou seja,composto na forma cilíndrica. Estes para osconvidados ilustres: de Cônegos e Monse-nhores a Capitães-Mores, Brigadeiros eComendadores, Juízes e Provedores, e maisa parentela.

Coisas do passado, dado como contado,como diz Cora Coralina saborosamente.

Dóli de Castro Ferreira

Mirem-se no exemplodos japoneses

O mundo está atento ao Japão. Umterrível terremoto, seguido por tsunami,destruiu toda uma região e provocou umgravíssimo acidente nuclear, com gravidadejá comparada ao de Chernobyl acontecidoem abril de 1986.

As imagens que inundaram o mundo pormeio da internet são muito fortes. Demons-traram a força da natureza, que arrastou edevastou tudo o que encontrou pela frenteem diversas cidades japonesas. O caos nãoé muito diferente – guardadas as proporções– do que temos visto em tragédias em outraspartes do mundo, como no Haiti ou mesmono Brasil, como em Petrópolis/RJ ou em SãoLuís do Paraitinga/SP.

Das cenas mostradas, a mim me impres-sionou a forma de reação dos japoneses àtragédia. A serenidade, a postura, a digni-dade com que enfrentam a perda de tudo –casa, documentos, familiares – beiram, naminha avaliação, à frieza. A visita doImperador, numa fisionomia imaculada, levoualento para famílias que perderam tudo, eisso basta para aquele sofrido povo. O paísenfrenta racionamentos, surgem notícias dealimentos e água contaminados e tudo quese vê são filas organizadas, limpeza das ruas,trânsito organizado e, principalmente,confiança.

Não é concebível, na cultura latina,manter-se calmo, sereno, fazendo planospara o futuro sobre os escombros da casaque lhe custou anos de trabalho, aindamais sabendo que ali se encontram pa-rentes e amigos soterrados. Eu estariachorando meu luto, desesperado... Essapostura japonesa me choca. Penso que,se não demonstram desespero, devemsofrer demais internamente. Solidarizo-mea eles, certamente, mas, sinceramente, nãoentendo.

Passados dias, vimos o resultado dessapostura e da seriedade do povo japonês:estradas destruídas estão novas, milharesde casas estão disponíveis para os desabri-gados. A rotina de reconstrução das áreasdemolidas é milimetricamente planejada eatende todos os flagelados dos desastresnaturais que assolaram o país numa rapideztambém inconcebível para um povo atoladoem falcatruas, corrupção e desmandosgovernamentais. Pensem no Haiti... Pensemnos deslizamentos de Petrópolis, Angra dosReis, Petrópolis... Cheguemos a Piquete: hádois anos, uma enchente desalojou váriasfamílias. Onde elas estão? O que foi feitopara evitar que se repitam os prejuízos? Emtodos esses casos, muito dinheiro foidirecionado, mas nada ou muito pouco foifeito de concreto (interpretem como qui-serem esta palavra...).

Será este o motivo da serenidadejaponesa: a certeza de que tem um Imperadorque lhes garante a reconstrução ao menosdo patrimônio físico, já que do espiritual elestêm de sobra para suportar as váriastragédias por que vêm passando?

Mirem-se nos exemplos de Ojica, Sendai,Miyagi e Fukushima... E cobrem que serepitam em nosso país.

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

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O ESTAFETA Página 5Piquete, abril de 2011

Eram realmente santase diferentes das de hoje asSemanas Santas de antiga-mente. A população par-ticipava com mais inten-sidade e fervor das ceri-mônias litúrgicas. Haviaprofundo respeito às tradi-ções religiosas.

Após os desvarios docarnaval, a Quarta-feira deCinzas marcava o início daquaresma. Logo pela ma-nhã as pessoas se dirigiamà igreja, de onde saíamcom uma cruz de cinzas na testa, feita pelopadre. Até algumas décadas atrás havia umaseveridade dos católicos nesse período depreparação para a Páscoa. Os dias iam aospoucos se entristecendo. Em muitas casas,durante a quaresma, nas quartas e sextas-feiras fazia-se jejum e abstinência. Na antigaMatriz de São Miguel, cenário das principaiscerimônias da Semana Santa, as imagenssacras eram escondidas, cobertas com o véuarroxeado da tristeza, anunciando a solidãodo Jardim das Oliveiras.

No Domingo de Ramos, primeiro dia daSemana Santa, ocasião em que se celebra aentrada de Jesus em Jerusalém, pela manhã,o largo da Matriz ficava repleto de pessoascarregando folhas de palmeiras. Umaatmosfera mística envolvia toda a cidade,fazendo com que as tardes ficassem aindamais longas e mais tristes.

Na segunda-feira, havia a Procissão doDepósito, quando a imagem do Senhor dosPassos era transportada por homens até aigreja de São José. No dia seguinte, à noite,acontecia a Procissão do Encontro: da matrizsaía o andor com a imagem de NossaSenhora das Dores, carregado por mulheres;da igreja São José saía o andor de NossoSenhor dos Passos, com uma cruz nascostas, carregado por homens. O encontroacontecia no Largo da Cadeia. Todos se

As Semanas Santas de antigamente

emocionavam com esta cena. O padre faziauma homilia explicando o sentido cristão doencontro.

Na quinta-feira, a igreja ficava cheia paraa Santa Ceia. Presenciávamos o poder dofilho de Deus, influenciados pela saudadedo Filho do Homem... Devendo partir, masquerendo ficar. Engendrando a Eucaristiacomo suprema graça para todas as gerações.O coral Santa Cecília, em latim, dava unçãoe majestade à cerimônia do significativo atoda lavagem dos pés. O incenso rescendiapor toda a nave e uma névoa cobria a todos.Após a cerimônia, o Santíssimo ficavaexposto durante toda a noite e a madrugada,guardado em turno de horas.

A Sexta-feira Maior, também conhecidacomo da Paixão, amanhecia triste. Mesmocom o céu azul e sol reluzente, era sempretriste. A atmosfera era pesada. Em procissão,muitos se penitenciavam indo até o alto doSanto Cruzeiro. Alguns carregavam pedrasque eram colocadas aos pés da cruz. O lutoemanava da alma das pessoas. Os sons eramabafados. Silenciavam-se os rádios, ossinos, o órgão, as sirenes e buzinas. Só amatraca ecoava lúgubre.

Às três horas da tarde, com a igrejalotada, tinha início a cerimônia. Pregava-seo sermão das Sete Palavras. A figura alva dosacerdote prostava-se diante do crucificado.

Havia um silêncio tu-mular; só se ouvia oarrastar dos pés dos quese aproximavam para os-cular as sagradas chagas.À noite, a procissão doSenhor Morto. Era umverdadeiro enterro, im-possível de se organizarem alas. Uma multidãocompacta acompanhavao esquife carregado porhomens, sob um pálioroxo. Personagens daPaixão se faziam pre-

sentes: Maria, Maria Madalena, João, Joséde Arimateia... Atrás, a Euterpe piquetensetocando uma marcha fúnebre. A populaçãoportando velas iluminava a noite.

Ao “plac-plac” da matraca os olhos sevoltavam para a sofrida face do Salvador,apresentado por Verônica: O vos omnes quitransitis per viam... Aqui e ali, soluços.Cristo morreu! Na escuridão, acabrunhadose em silencio, todos voltavam para suascasas.

Como os discípulos, no sábado os fiéisretornavam à igreja. Todos sabiam o que iaacontecer, mas a tristeza ainda pairava noscorações. A Antiga Matriz penumbrosa... OKyrie era cantado à capela. De repente, GlóriaIn excelsis Deo! O sacerdote entoava emplenos pulmões, cheio de alegria. Os sinosrepicavam, as luzes se acendiam, as imagenseram descobertas, o altar refulgia de luzes eflores. As campanas tilintavam sem cessar.O órgão atroava. E o coro rompia numapolifonia festiva e vibrante, sentindo cadacantor toda a alegria da Ressurreição. Cristoressuscitara! Todos voltavam para suascasas renovados.

A Páscoa era uma dia luminoso e alegre.Mesmo se chovesse. Para as crianças haviaa malhação do Judas e o abraço de confra-ternização. Assim era vivida a Semana Santade antigamente. AC

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Page 6: ABRIL 2011

O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, abril de 2011

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroMistério de uma quinta-feira santa

Sempre aosdomingos...

Mistério de uma quinta-feira santaLogo após o temporal, as primeiras

pessoas que transitaram pela rua da estaçãotiveram uma surpresa das mais estranhas.Nas poças barrentas criadas pela águadespencada nadavam satisfeitas traíras esaguiris.

Foi um deus-nos-acuda! Num átimosurgiu gente de todos os lados e a pescariadomiciliar acabou com a alegria dos bichi-nhos. Passados os primeiros momentos dediversão, surgiu a fatal pergunta de alguémmais razoável:

– De onde vieram esses peixes?Aí a lógica imperou:– Vieram com a chuva!Aceso o estopim, a história cresceu, a

onda espalhou-se por toda a cidade etranspôs suas divisas. Até um jornal deLorena publicou o caso da chuva de peixesem Piquete.

– Meu avô contou que certa vez, lá emMinas, na terra dele, também choveu peixee que caiu dourado de mais de vinte quilos!

– Chover peixe quinta-feira santa é mauagouro!

– Isso pra mim é coisa do fim do mundo!As teorias se multiplicavam. Como sói

acontecer, depois de refestelo na panela dospeixes, a coisa foi caindo no esquecimento.O mistério, todavia, ficou no ar...

As pescarias no rio Paraíba vêm de longopassado. Foram aumentadas gradualmentena razão do crescimento populacional nasduas cidades vizinhas: Piquete e Lorena.Claro que estamos cuidando das pescariasaqui em nossas proximidades. Nas quintas-feiras santas, piraquaras ou não, “todomundo” dos dois municípios baixava eabaixava-se à beira do lendário rio com aesperança de levar a mistura para a sexta-feira santificada, dia proibido de comer carnesanguínea. Foi assim que naquela quintasagrada, num dos primeiros anos da décadade 40, estava o Paraíba: gente de vara namão, em ambos os lados, canoas subindo edescendo o rio, sendo lançadas...

Três operários da Fábrica, pertencentesao antigo 6º Grupo, residentes em Lorena,foram bem cedo e munidos de canoa e redes.Quase desnivelaram o rio de tanto peixetirado do mesmo. Por volta das duas horasda tarde encostaram a embarcação à margem,pois estava ameaçando uma tormenta paranenhum posto metereológico colocardúvida. No gramado da orla espalharamaquele mundaréu de peixes aprisionadospelas redes e começaram a repartir entre sios maiores e mais deliciosos, de acordo como gosto de cada um. Mas havia peixedemais! Decidiram por distribuir o excessoentre os mais infortunados.

Surgiu, então, um colega do trio, tambémdo 6º Grupo, mas morador em Piquete, que

aparentemente havia ido ao rio apenas parauma higiene mental ou então porque todomundo ia. Isso crê-se porque estava semvara e unicamente com um saco que levavaao ombro, vazio. Ele, em compensação,estava meio cheio de caninha. Chegou,sentou-se, papo vai, papo vem, uma doseaqui, outra ali, e o caneco quase entornou.Como o aguaceiro ameaçador dava mostrasde querer desalojar-se das nuvens pesa-donas, grávidas de líquido, e fazer estadaaqui por baixo a qualquer momento, oscolegas lorenenses encheram o saco deestopa do companheiro pingado de peixese levaram-no até a antiga ponte do Paraíba,local de parada do “Piqueteiro”, que estavaquase na hora de passar. Acomodaram-nonuma das classes da Maria Fumaça e derama obra como cumprida. Resfolegante, estaencostou na estação Rodrigues Alvesdebaixo de uma chuvarada de respeito.Dormitante levantou-se nosso conterrâneoe, apanhando o saco de peixes pela boca(do saco), levou-o às costas; passosincertos, saiu no aguaceiro.

Ao lado da estação havia uma cerca dearame farpado com alguns fios arrebentadose outros enroscados entre si, por onde todospassavam para economizar três passos atéà porteira aberta. Foi aí que ele passou. Umaponta de arame pegou a aniagem e foi aquelerombo! Animados pela água da chuva, ospeixinhos deram de fujões e, uma a um, foramcaindo fora da prisão.

Poderíamos, para encerrar o caso, admitirsua decepção ao chegar em casa e depararcom a ausência dos nadadores. Mas tal nãoaconteceu, pois, após o conhecimento da“chuva”, lá no 6º Grupo os três pescadoreslorenenses comentavam com o dito pique-tense sobre ela e perguntaram se haviamgostado, na casa dele, dos peixes que lheshaviam dado. E não é que o do saco vazionegou, taxativamente, qualquer participaçãono caso! Diante do inusitado da situação,concluíram eles pela explicação acima dachuva singular...

Cumprindo a promessa de omitir osnomes dos personagens desta peça, aindahoje um nega peremptoriamente ter recebidoa peixada que os outros três juram, de pésjuntos, que deram.

Examinemos a situação: se o homem dosaco vazio, que depois ficou de saco cheio,nega sua presença e do saco na história, e adedução sobre o fato extraordinário a quechegaram os outros três é inválida, ainvulgar chuva de peixes que caiu sobrePiquete naquela quinta-feira santa continuasendo um enigma.

Fica aqui, então, registrado um acon-tecimento ótimo para os estudiosos dosfenômenos piscosológicos.

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Aos domingos, carrancudos ou de sóisardentes, pelas manhãs, na Praça da Ban-deira ajuntava-se gente pelos diversas casascomerciais: no Lau’s Bar, no bilhar do ZéSerafim, na sorveteria do seu Brasilino, nabanca de jornal do Daniel Brasilino... Emuitos se apinhavam pelos bancos da Praça.

Os engraxates exerciam a profissão aolado do obelisco. Eu, quando notava meussapatos sem brilho, opacos, procurava oCafá. Humilde, bondoso e zeloso, um garotoem busca de alguns trocados para reforçara renda familiar. Quando meus pés repou-savam sobre a caixa, ele, cuidadoso, vestia-me calçadeiras para proteger as meias.Iniciava, então, sua arte.

As tardes dos domingos ficavam reser-vadas às matinês de seriados como: “Amáscara de ferro”, “Capitão Marvel”,“Zorro”, e desenhos do Tom e Jerry,Pernalonga, Irmãos Corvinho. Os adeptosdo futebol iam ao campo do Esporte ClubeEstrela, quando o time mandava os jogoscontra E.C. Elvira, Frigorífico E.C., TaubatéF.C., Esportiva F.C..

À noite, no Cinema, em cartaz, osimperdíveis “Sansão e Dalila”, “O MantoSagrado”, “Casablanca”... Terminada aprimeira sessão, as moças se uniam às quese encontravam dando voltas na Pracinha.Os rapazes, de olhares acesos, ficavamparados à conquista dos flertes. De vez emquando, ouvia-se algum comentário dabeleza de alguma delas. Nos clubes As-sociação Comercial, Ex-Alunos e GrêmioGeneral Carneiro havia brincadeiras dan-çantes, com muitos aprendizes de bolero,ao som de Valdir Calmon, Românticos deCuba, Ray Conniff.

Sempre aos domingos iniciava-se umapaquera, ou, então, terminava-se um lindoromance...

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Page 7: ABRIL 2011

O ESTAFETAPiquete, abril de 2011 Página 7

Nos primeiros anos da década deoitenta, resolvi fazer um cálculo elementarpara provar que o governo federal poderiadestinar 15% do território nacional à criaçãode parques indígenas sem prejuízo para oprojeto Polocentro e outros projetos daSudam e da Sudeco.

Manifestei-me favorável à reformaagrária nos seguintes moldes: 1. todos osentão posseiros receberiam título de pro-priedade de suas terras; 2. cada estadoelaboraria projetos que seriam examinadospelo Ministério responsável; 3. fiz obser-vações a respeito da necessidade deassistência técnica e jurídica, principalmenteaos pequenos produtores – elogiei oprograma Globo Rural e recomendei aogoverno federal que desse muito dinheiro àEmbrapa.

Utilizei como fontes apenas publicaçõesde livre acesso da parte de toda a populaçãobrasileira, como atlas escolares, jornais,revistas e almanaques facilmente encon-tráveis em bancas.

Quem examina o mapa do Brasil percebeque é muito estreito na parte de climatemperado – o Trópico de Capricórnio passana capital do estado de São Paulo.

Da minha convivência com gaúchos,paranaenses e catarinenses na Federal deSanta Catarina, veio-me a certeza de queeram oriundos de estados de agropecuáriaconsolidada.

Isolei, como garantidores, o centro-suldo Paraná, todo o estado de Santa Catarinae todo o estado do Rio Grande do Sul.

Concentrei meus cálculos bem na parteonde o mapa começa a alargar-se – entre osparalelos 25 e 20. Teríamos, então, todo oestado de São Paulo, o norte-noroeste doParaná, o centro-sul de Mato Grosso do Sul;de Minas Gerais, o Sul, Campo das Ver-tentes e Zona da Mata; e todo o estado doRio de Janeiro.

Somando as áreas consideradas pro-pícias às atividades agropecuárias, concluíque, se o crescimento demográfico con-tinuasse nos mesmos índices, esta partedo território brasileiro poderia responderpela alimentação do povo brasileiro, comexcedentes, pelo menos por uma geração(25 anos), sem nenhum prejuízo para o meioambiente.

A minha maior alegria seria a inclusãoda nova fatia do mapa – entre os paralelos20 e 15. Tomando o Triângulo Mineirocomo pião, a agropecuária se expandiriapaulatinamente, ocupando o norte de MatoGrosso do Sul, o sul do estado de MatoGrosso, o sul do então estado de Goiás, ocentro-norte de Minas Gerais e todo oestado do Espírito Santo.

Considerando o período de uma geração,esta fração do Brasil deveria estar agora emplena efervescência no setor agropecuário,somando suas conquistas ao que já haviasido obtido pelas outras partes estudadas.

Mas o paralelo 15 não foi o limite.Morei quatro (4) anos no, agora, estado

de Mato Grosso (entre 1970 e 1976) e, pelasenormes distâncias, não adivinharia queocupação pudesse vir a ser tão rápida.

De Campo Grande (MS) a Rondonópolis,de Rondonópolis a Cuiabá, de Cuiabá a Barrado Bugres e Barra do Bugres a Barra doGarças era tudo um espantoso vazio.

Hoje, Acre, Rondônia, o norte de MatoGrosso, o sul do Pará, o sul do Maranhão,o sul do Piauí, o estado de Tocantins (criadoem 1988) e o oeste da Bahia já se incor-poraram à epopeia do campo.

Quem diria! Até o Distrito Federal nãoquis ficar de fora do processo – empunhouo estandarte da produção.

Por falar em Brasília, como ex-alunasalesiana, tenho uma grande dúvida.

O sonho de Dom Bosco diz mesmorespeito à capital do país? O Paranoá é ogrande lago a que se refere o Santo dosMeninos?

Basta verificar no mapa a extensão dalinha do paralelo 15. Se, por acaso, o aquíferose elevar e cria um grande lago, ou se a terraceder formando uma grande depressão,preenchida pelas águas do Paraguai ou doAraguaia, o espelho-d’água vai surpreendermuito bem encaminhada a riqueza profe-tizada por Dom Bosco.

Que bom, errei! Subestimei a capacidadede trabalho do homem do campo! Os índiosestão muito bem. Mas bom é não esquecerque as terras dos guarani-caiuá e a áreaocupada pelos índios não contactadosainda estão dentro dos 15% previstos.

Que nenhum aventureiro – ou bem-aventurado – lance mão!

Abigayl Lea da Silva

Previsões e profecias

O tema da Campanha da Fraternidadedeste ano veio num momento muito opor-tuno, pois a humanidade está alarmada coma degradação ambiental. Enfoca o aque-cimento global, as mudanças climáticas esuas consequências: tornados, furacões,enchentes, secas, queimadas, nevascas,desertificação, falta d’água...

O tema da Campanha convida-nos a agirrapidamente, tanto individual como coleti-vamente, para zelarmos pela criação de Deus– a natureza. A Terra é casa de todos nós.Nela abriga-se toda a família humana.Chegou a hora da “conversão ecológica”.

A CF quer gritar em favor da “salvaçãoda criação”. É preciso, com urgência,

apressar a globalização da educaçãoambiental, da consciência ecológica, da éticano cuidado com o meio ambiente, damudança de mentalidade, de hábitos, deestilo de vida, como alerta Bento XVI.

Escutemos os gemidos da Terra, os seusclamores por mais zelo e responsabilidade.Eis nossa esperança no renascimento doplaneta, o nascimento de leis, decisões,mudanças de mentalidade e de visão. Oumudamos, ou perecemos. Ainda é possívelmudar.

O texto base da CF sugere muitas açõespráticas: plantação de árvores, mutirão delimpeza, coleta e reciclagem do lixo, zelo pelaágua, cuidado com os rios, substituição de

sacolas e copos plásticos por sacolas ecopos ecológicos.

No último sábado, 9 de abril, pela manhã,após discussão sobre o tema da CF desteano, num gesto simbólico, o Presidente daFundação Christiano Rosa, Paulo Noia deMiranda, com alguns voluntários, plantoutrezentas mudas de espécies nativas daMata Atlântica ao redor de uma nascentetributária do ribeirão da Limeira, em terrasda FPV. Foram plantadas sangra-d’água,ingá, goiabeiras, pitangueira, embaúba, ipêbranco, sombreiro, açoita-cavalo, pororoca,mutamba... Que este gesto se repita portodos os que se sentirem tocados pela CF2011.

Fraternidade e vida no planeta

Fotos arquivo Pro-Memória

Page 8: ABRIL 2011

O ESTAFETA Piquete, abril de 2011Página 8

Malhar o judas é uma prática ainda muitocomum no Brasil, apesar de o costumepraticamente ter sido banido das grandescidades por falta de locais adequados e dosperigos que representa. No interior, entre-tanto, a tradição continua viva, e os bonecosde palha ou pano, pendurados em postesde iluminação pública, galhos de árvores oucercas, são rasgados e queimados noSábado de Aleluia ou Domingo de Páscoa.

Tradição popularíssima na PenínsulaIbérica, radicou-se em toda a América Latinadesde os primeiros séculos da colonizaçãoeuropéia. No Rio de janeiro oitocentista, osJudas – com fogos de artifício no ventre –apareciam conjugados com demônios,ardendo todos numa apoteose multicoloridaque o povo aplaudia.

O judas queimado é uma personalizaçãodas forças do mal e constituem vestígios decultos agrários, em muitas partes do mundo.Vários historiadores registraram o uso quaseuniversal de festas de alegria no início e fimdas colheitas, para se obter melhoresresultados nos trabalhos dos campos.

No Brasil, é costume antigo fazer-se ojulgamento do judas, sua condenação eexecução. Antes do suplício, alguém lê o“testamento” do judas, em versos colo-cados especialmente no bolso do boneco.O testamento é uma sátira às pessoas ecoisas locais, com graça oportuna ehumorística para quem possa identificaras figuras.

Judas, apóstolo traidor, é cognominadoEscariotes por ser oriundo de Kerioth,

Judas Escariotescidade ao sul da Judeia. Já um ano antes daPaixão de Jesus tinha perdido a fé no Mestre,mas continuou a acompanhá-lo por co-modidade e para ir furtando do que ofereciamaos apóstolos.

Obcecado por dinheiro, antes de seafastar de Cristo resolveu entender-se comos sinedritas – membros do Sinédrio,conselho supremo dos Judeus. Judasassistiu ainda à Última Ceia, em que Jesusrevelou a sua traição, mas foi logo aoencontro dos inimigos de Cristo paracumprir o que tinha combinado e receber30 moedas. Consumada a traição,arrependeu-se, quis restituir o dinheiro,mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.

Nas últimas semanas temos recebidonotícias muito tristes e todas vindas delocais muito próximos a nós. Primeiro foi ocaso do duplo assassinato das irmãs nacidade de Cunha. Depois, o desfechotrágico das investigações sobre o sumiçode uma jovem no município de Lorena. Porfim, o massacre de crianças numa escolano Rio de Janeiro. Causa-nos perplexidadetamanha violência. Ficamos nos per-guntando: que atitudes a sociedade devetomar a fim de sanar este mal que temceifado tantas vidas?

A Constituição brasileira foi redigidaem 1988, apenas quatro anos após o fim dalonga e criminosa Ditadura Militar, quetinha promovido, durante longo tempo, asmais inaceitáveis arbitrariedades contra ospresos políticos, como torturas e inúmerosassassinatos. Devido a este contexto, osconstituintes garantiram aos criminosos,como cláusulas Pétreas, direitos queimpedem o Estado de garantir maiorsegurança à sociedade. Criminosos de altapericulosidade possuem, no Brasil, ga-rantias que foram idealizadas sob a sín-drome do preso político. Com leis tão laxas,a impunidade é praticamente um direito emnosso país. Faz-se urgente um enri-jecimento de nossas leis penais.

Precisamos de PazEm circunstâncias em que crimes he-

diondos tornam-se tão difundidos pelosmeios de comunicação, gerando grandecomoção popular, reaparece sempre emdiscussões, entre os mais variados setoresda sociedade, a necessidade da aprovaçãoda pena de morte. Cristão que sou, pensoque esta penalidade seria a pior maneira debuscar solução para o mal da violência, masacredito que, em casos extremos, quandose esgotam todas as possibilidades de oEstado garantir a segurança social, por maisdesprezível que seja, não seria antiética autilização deste recurso. O Catecismo daIgreja Católica afirma no número 2266:“Preservar o bem comum da sociedadeexige que o agressor se prive das possibili-dades de prejudicar a outrem. A este título,o ensinamento tradicional da Igrejareconheceu como fundamento o direito e odever da legítima autoridade pública deinfligir penas proporcionadas à gravidadedos delitos, sem excluir, em caso de extremagravidade, a pena de morte.”

Embora a aplicação de penas sejanecessária para a garantia da segurançapública, a melhor maneira de solucionar estaquestão é a promoção da cidadania, sobre-tudo das crianças e jovens. Aqueles quecrescem em bons ambientes, tendo acesso

à alimentação adequada, à boa educação,à cultura, ao saneamento básico, vivem emmoradias dignas, recebem formação profis-sional e encontram oportunidades detrabalho, muito dificilmente trilharão ocaminho do crime. Não iremos acabar coma violência apenas com mais policiais nasruas e mais presídios, ou com a aprovaçãoda pena de morte. A maneira mais eficaz defazermos, a longo prazo, com que hajadiminuição significativa no número demanchetes tristes em nossos noticiários éa construção de uma sociedade justa, daqual ninguém fique excluído. O Estado é oprimeiro responsável por isso. Mas nenhumcidadão brasileiro está desincumbidodeste compromisso, que deve ser assumidopor todos: cada um deve fazer o que estiverao seu alcance, a fim de que nenhumcompatriota seja privado de seus direitos.

Creio que ainda não atingimos situaçãotão extrema, na qual seja necessária aaprovação da pena de morte em nossanação. Espero que esse tipo de penalidadenunca volte a ser utilizado entre nós, quenossa Pátria opte sempre pelo caminho dainclusão e da cidadania como principalmaneira de promover a paz.

Pe. Fabrício Beckmann

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Fotos Arquivo Pro-Memória