Abuso Sexual de Crianças: Prova, Credibilidade e Processo de Decisão

Carlos Eduardo Peixoto

Coimbra, 14 de Outubro de 2016

Prova • Centralidade do testemunho (sobretudo da

criança)

• Factores que influenciam o testemunho da criança

• Individuais

• Contextuais

• Processuais

A Criança enquanto Testemunha

Vulnerabilidades

Linguagem

Memória

Sugestionabilidade

Fantasia/Imaginação

•Potencialidades:

•Capacidade de descrever acontecimentos experienciados (direta ou indiretamente)

Consensos na literatura científica

O modo como não se deve entrevistar uma criança:

Fazer questões sugestivas (eg. “Foi o teu pai que te tocou no pipi, não foi?” (Ridley, Gabbert & La Rooy, 2013)

Questionar de forma intimidatória e agressiva (Lyon, 1999)

Utilizar questões complexas e confusas (e.g. “quando é que o arguido te tocou no pipi e se isso foi antes ou depois de ele te ter dito que não devias contar à tua mãe?” (Poole & Lamb, 1998)

Fornecer previamente informação à criança (e.g. “olha agora vamos falar da coisa má que o teu tio te fez”) (Brainerd & Reyna, 2005)

Solicitar a imaginação (e.g. através de materiais lúdicos ou desenhos) (Brown, 2011)

Adiar a entevista formal da criança (La Rooy et al., 2007)

Repetição da entrevista em vários momentos, sendo esta realizada por diferentes pessoas e utilizando diferentes técnicas de entrevista (La Rooy, Lamb & Pipe, 2009)

Consensos na literatura científica

• Modo de entrevistar:

• Regras de comunicação (Lyon, 2011)

• Estabelecer uma relação com a criança ( Hershkowitz, 2011)

• Treino cognitivo/prática de narrativas (Roberts et al., 2011)

• Introduzir o assunto em análise de forma neutra e progressiva (Orbach & Pipe, 2011)

• Utilização de questões abertas como melhor forma de garantir a espontaneidade do relato da criança (Lamb et al., 2008)

Tipos de Questões e processo de obtenção de informação

Processo Mnésico

Tipo de questão Exemplos Qualidade de

informaçãoQuantidade de

Informação

Evocação Livre Abertas

“Conta-me tudo sobre isso” “Conta-me mais sobre isso” “E depois o que aconteceu”

Alta Espontânea

Alta Discurso Fluído

Evocação Livre Diretas “Quem?; Onde?; Como?;

Onde?; Quando?”Alta

EspontâneaLimitada

Especificidade

Reconhecimento Escolha Múltipla

”foi por fora ou dentro da roupa?”

“ele bateu-te?”

Baixa Risco de

contaminação

Baixa Opções restritas

de resposta

Reconhecimento Sugestivas “ele fez-te mal, não foi?” Baixa Alto Risco de

informação errada

Baixa Opções restritas

de resposta

Peixoto, Fernandes, Almeida, Ribeiro, Silva, La Rooy, Magalhães & Lamb, 2016a

• Descrição das práticas de entrevistas no contexto de DMF

• Identificação de tipos de questões utilizadas por juízes, procuradores, advogados e psicólogos, assim como

• Analisar as respostas das crianças quando entrevistadas por estes profissionais.

Amostra

✓ 137 entrevistas; ✓ Realizadas entre 2009 e 2014; ✓ Recolhidas em diversas entidades judiciais (tribunais, DIAP); ✓ 38 entrevistas Norte, 48 Centro, e 51 Sul.

Entrevistadores 48 do sexo masculino, 85 do sexo feminino e em 7 cases esta informação não esvai disponível

Crianças Idades entre os 3 e os 17 anos.

28 do sexo masculino e 112 do sexo feminino. 53 crianças relataram um único episódio abusivo e 87 relataram múltiplos eventos abusivos.

133 cairns alegadamente vítimas de abuso sexual, 2 de abuso físico e 4 de abuso sexual e físico, 1 de outro tipo de

Ofensores 140, sendo 135 do sexo masculino e 5 do sexo feminino.

52 conhecidos, 28 membros da família da vítima, sendo 16 pais biológicos, 12 companheiro(a) do progenitor(a), 10 namorados ou ex- namorados da vítima e 22 desconhecidos.

Decisão judicial: 112 offenders com decisão: 71 foram a julgamento (30 penas suspensas; 20 condenados a edna de prisão; 13 absolvidos; 6 condenados a pena de multa; 2 a trabalho comunitário), 28 casos foram arquivados e 10 casos existiu suspensão provisória

do processo, em 3 casos havia acusação e aguardavam julgamento.

AmostraDuração do processo em meses Média Min Max

Intervalo entre o último evento descrito e a 1ª entrevista oficial 17 0 127

Intervalo entre a 1ª e a última entrevista oficial 13 1 43

Intervalo entre a última entrevista oficial e a decisão judicial 11 1 43

Intervalo entre a 1ª entrevista oficial e a DMF 11 1 34

Desempenho dos Entrevistadores e das crianças• Os juízes realizaram 90,3% das questões, os

procuradores 7,3% e os advogados 1,9%.

• Os psicólogos apenas intervieram em 6 entrevistas o que representa 0,5% das questões realizadas.

• Existiram em média 5,4 questões repetidas por entrevista.

• As crianças responderam a 92,5% das questões

Resultados

Abertas DirectasEscolha múltipla Sugestivas

Resultados

Percentagem de detalhes por tipo de questão

Abertas Diretas Escolha Múltipla Sugestivas

Juiz 5,8% 24,6% 58,7% 10,9%

Procurador 3,7% 29,5% 57,8% 9,0%

Advogado 0,0% 36,1% 49,4% 14,6%

Psicólogo 33,0% 13,9% 53,1% 0,0%

Conclusões

• Os juízes fazem a maior parte das questões

• O tipo de questão mais utilizado são as de escolha múltipla

• Baixa participação dos advogados e dos psicólogos

• A maioria dos detalhes obtidos são com base em questões que estimulam processo de reconhecimento, o que leva a um maior risco de contaminação do discurso da criança

• A criança responde à grande maioria das questões colocadas - risco de fornecer informação errada

• Abordagem confirmatória e não estimula o discurso espontâneo da criança

• Diligência que se realiza muito tarde - 11 meses do início do processo e cerca de 28 meses depois do último evento descrito

Protocolo de Entrevista Forense do NICHD

• Regras de comunicação

• Estabelecimento da relação

• Prática de narrativas

• Transição para a fase substantiva

• Investigação das alegações

• Intervalo

• Revelação

• Finalização da entrevista

Revista do Ministério Público 134 : Abril : Junho 2013 [ PP. ??-?? ]

RESUMOO testemunho de crianças no sistema penal constitui, ainda, um desafio que tem gerado investigação extensa na comunidade cien-tífica e a busca de formação pelos vários profissionais envolvidos no contexto judicial. Este artigo tem como objetivo apresentar um protocolo de entrevista forense do National Institute of Child Health and Human Development (NICHD). Este protocolo tem sido alvo, nos últimos 30 anos, de vários estudos de validação e de aplicação em casos reais em vários países, sendo um dos mais investigados e mais aplicados. Dada a lacuna identificada em Por-tugal nesta área da entrevista de crianças no âmbito judicial, este artigo visa apresentar os pressupostos subjacentes ao protocolo do NICHD, bem como a estrutura da entrevista, apresentando-a como proposta para uma boa prática em contexto judicial.

PALAVRASCHAVE: entrevista forense, NICHD, abuso sexual de crianças

O Protocolo de Entrevista Forense do NICHD: contributo na obtenção do testemunho da criança no contexto português[1]

Carlos Eduardo Peixoto[2]

Psicólogo ForenseInstituto Nacional de Medicina legal e Ciências Forenses, IP – Delegação NorteCatarina Ribeiro[3]

Psicóloga ForenseInstituto Nacional de Medicina legal e Ciências Forenses, IP – Delegação NorteDocente da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel SalazarIsabel Alberto[4] Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

[1] Os autores agradecem todo o apoio e colaboração fornecidos pelo Professor Michael Lamb na adaptação do Protocolo NICHD ao contexto português. Trabalho apoiado pela Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT) (PTDC/MHC-PAP/4295/ 2012) e pelo Programa Opera-cional Fatores de Competitivi-dade (COMPETE) (CCOMP -01-0124-FEDER-029554).

[2] Membro do CENCIFOR. cespeixoto@gmail.com

[3] Membro do CENCIFOR.

[4] Membro do CENCIFOR.

Protocolo do NICHD• mais de 20 anos de

investigação empírica

• Professor Michael Lamb e colaboradores

• Versões e aplicação em diversos países

The NICHD protocol: a review of aninternationally-used evidence-based toolfor training child forensic interviewers

David La Rooy, Sonja P. Brubacher, Anu Aromäki-Stratos, Mireille Cyr, Irit Hershkowitz,Julia Korkman, Trond Myklebust, Makiko Naka, Carlos E. Peixoto, Kim P. Roberts,Heather Stewart and Michael E. Lamb

The authors affiliations can befound at the end of this article.

Abstract

Purpose – The purpose of this paper is to review an evidence-based tool for training child forensicinterviewers called the National Institute of Child Health and Human Development Protocol (NICHDProtocol), with a specific focus on how the Protocol is being adapted in various countries.Design/methodology/approach – The authors include international contributions from experiencedtrainers, practitioners, and scientists, who are already using the Protocol or whose national or regionalprocedures have been directly influenced by the NICHD Protocol research (Canada, Finland, Israel, Japan,Korea, Norway, Portugal, Scotland, and USA). Throughout the review, these experts comment on: how andwhen the Protocol was adopted in their country; who uses it; training procedures; challenges toimplementation and translation; and other pertinent aspects. The authors aim to further promote goodinterviewing practice by sharing the experiences of these international experts.Findings – The NICHD Protocol can be easily incorporated into existing training programs worldwide and isavailable for free. It was originally developed in English and Hebrew and is available in several otherlanguages.Originality/value – This paper reviews an evidence-based tool for training child forensic interviewers calledthe NICHD Protocol. It has been extensively studied and reviewed over the past 20 years. This paper isunique in that it brings together practitioners who are actually responsible for training forensic interviewersand conducting forensic interviews from all around the world.Keywords Justice, Children, Evidence-based practice, Forensic, Interviewing, NICHD ProtocolPaper type General review

In this paper, we describe the evidence base, development, and structure of a training tool forinterviewing children known as the National Institute of Child Health and Human DevelopmentProtocol (the NICHD Protocol). This tool was developed through the intensive efforts of USGovernment Scientists at the National Institutes of Health in the 1990s and has been the subjectof intensive evaluation and research ever since (see Lamb et al., 2008).

Central to the development of interview guidelines has been knowledge of how memoryworks, children’s developmental capabilities, and the conditions that improve children’s abilityto discuss their abuse experiences. After decades of experimental and applied researchconducted primarily by psychologists we understand the strengths, weaknesses, andfeatures of children’s memory, and this knowledge has shaped the development of manyvaluable interview protocols and professional recommendations about interviewing children(e.g. American Professional Society on the Abuse of Children, 1990, 1997; Home Office,

Received 7 January 2015Revised 10 February 2015Accepted 5 March 2015

PAGE 76 j JOURNAL OF CRIMINOLOGICAL RESEARCH, POLICY AND PRACTICE j VOL. 1 NO. 2 2015, pp. 76-89, © Emerald Group Publishing Limited, ISSN 2056-3841 DOI 10.1108/JCRPP-01-2015-0001

Peixoto, Fernandes, Almeida, Silva, Ribeiro, La Rooy, Magalhães & Lamb,

2016b

• DMF (N=18) e NICHD (N=18)

• amostras emparelhadas em termos da idade e sexo da criança, tipo de abuso e relação com o alegado ofensor

• crianças ente os 6 e os 17 anos; 5 rapazes e 13 raparigas

Comparação tipo de questão utilizada

0%

25%

50%

75%

100%

NICHD DMF

10,4%2,2%

69,6%40,7%

17,9%

21,5%

2,1%

35,6%

Abertas Diretas Escolha Múltipla Sugestivas

Tipo de questão depois do intervalo

0%

25%

50%

75%

100%

NICHD Antes NICHD Depois

2,3%2,2%53,5%34,5%

23,5%

20,6%

20,7%

42,7%

Abertas Diretas Escolha Múltipla Sugestivas

Percentagem dos Detalhes por tipo de questão

0%

25%

50%

75%

100%

NICHD DMF

8,4%0,1%

62%19,8%

25,4%

26,6%

4,2%

53,6%

Abertas Diretas Escolha Múltipla Sugestivas

Conclusões• As entrevistas com o protocolo utilizaram mais

questões abertas

• A maioria dos detalhes foram obtidos através de questões que estimulam a evocação livre

• Ainda uma elevada percentagem de questões de escolha múltipla

• A optimização deste procedimento necessita articulação, especialização, treino e supervisão dos diferentes atores judiciais

Relato Comportamento

Avaliação Psicológica e Credibilidade

• Entrevista Forense

• Statement Validity Assessment (SVA); Reality Monitoring (RM); Sistema de Evaluación Global (SEG)

• Indicadores de Credibilidade

• Sintomatologia Traumática

• Comportamentos Sexuais Desadequados

• Dinâmicas do Abuso Sexual

Credibilidade

• Não existe nenhuma metodologia/quadro sintomatológico que seja inequívoco na identificação da experiência de abuso sexual

• A utilização indevida da avaliação psicológica, através de metodologias arriscadas (e.g. desenhos, indicadores de credibilidade) poderá levar ao surgimento de falsos positivos

Decisão Judicial• Qualidade da Prova = Qualidade do Testemunho

• Colocação de hipóteses explicativas alternativas que justifiquem a narrativa da criança e/ou alterações comportamentais - prevenção do enviesamento e da estereotipagem

• Ação integrada do sistema de justiça

• Tomada de decisão integrada e suportada nas evidências/factos