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AVENIDA GUAXENDUBA, 1.490, BAIRRO DE FÁTIMA, SÃO LUÍS/MA CEP 65.015-560 FONE/FAX: (98) 3182 7618 [email protected] Página 1 de 16 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA ____ VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO (PAJ n. 2012/012-444) EMENTA: COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA. DIREITO À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (ART. 68, ADCT). DESARRAZOADA MOROSIDADE DO INCRA EM AVANÇAR COM O PROCEDIMENTO. INSTABILIDADE FUNDIÁRIA NO LOCAL (SOBREPOSIÇÃO DE PROJETOS DO INCRA). PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, órgão essencial a justiça, com função constitucional de prestar assistência jurídica aos mais necessitados, representando judicialmente e extrajudicialmente os interesses coletivos da COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA DO POVOADO PENTEADO, localizada no Município de Vargem Grande/MA e representada através da Associação dos Produtores Rurais Remanescentes de Quilombo do Povoado Penteado, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, II, da Lei nº. 7.347/85 (com redação dada pela Lei nº. 11.448/07) e no artigo 4º, VII, da Lei Complementar nº. 80/1994 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 132/2009), propor: AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face do INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, autarquia federal com endereço na Av. Santos Dumont, nº 18, Anil, São Luís/MA (Superintendência Regional), a ser citado na pessoa do seu representante legal, com base nos argumentos fáticos e jurídicos adiante aduzidos.

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA ____ VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO (PAJ n. 2012/012-444)

EMENTA: COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA. DIREITO À REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (ART. 68, ADCT). DESARRAZOADA MOROSIDADE DO INCRA EM AVANÇAR COM O PROCEDIMENTO. INSTABILIDADE FUNDIÁRIA NO LOCAL (SOBREPOSIÇÃO DE PROJETOS DO INCRA). PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, órgão essencial a justiça, com

função constitucional de prestar assistência jurídica aos mais necessitados, representando judicialmente e extrajudicialmente os interesses coletivos da COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA DO POVOADO PENTEADO, localizada no Município de Vargem Grande/MA e representada através da Associação dos Produtores Rurais Remanescentes de Quilombo do Povoado Penteado, vem respeitosamente perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, II, da Lei nº. 7.347/85 (com redação dada pela Lei nº. 11.448/07) e no artigo 4º, VII, da Lei Complementar nº. 80/1994 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 132/2009), propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face do INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, autarquia federal com endereço na Av. Santos Dumont, nº 18, Anil, São Luís/MA (Superintendência Regional), a ser citado na pessoa do seu representante legal, com base nos argumentos fáticos e jurídicos adiante aduzidos.

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1. DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA E DAS PRERROGATIVAS DOS DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS.

Inicialmente, requerem os autores os benefícios da Justiça Gratuita, por não poderem arcar com as custas e despesas do presente processo sem prejuízo de seu sustento próprio e de sua família, com esteio no artigo 4º da Lei nº. 1.060/50.

Realce-se, ademais, a necessidade de observância das prerrogativas dos Defensores Públicos Federais previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e demais diplomas legais, especialmente no que tange à contagem em dobro dos prazos processuais e à intimação pessoal, inclusive com carga dos autos, de todos os atos do processo (LC 80/94, artigo 44, X). 2. DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

A Defensoria Pública tem por função institucional a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. É instituição essencial à função jurisdicional do Estado justamente por garantir o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme assegura o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, umbilicalmente ligado ao direito fundamental do acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.

No intuito de abrigar a ideia inerente ao reconhecimento da legitimidade para o ajuizamento de demandas coletivas pela Defensoria Pública, e harmonizar a aplicação do Código Consumerista, o legislador pátrio alterou a redação do artigo 5º da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública, legitimando explicitamente a propositura da ação pela Defensoria Pública da União.

Cumpre observar que o posicionamento de reconhecer a legitimidade ativa na propositura de Ações Civis Públicas vem sendo consolidado doutrinária e jurisprudencialmente, inclusive no âmbito das Cortes Superiores, como demonstrado a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E

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JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica justa). 2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC). 3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por excelência para a sua defesa. 4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF. 5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF. 6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro:

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assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1106515/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011) (grifou-se).

Verifica-se, portanto, que longe de estar ligada apenas a uma questão meramente formal da previsão legal expressa que reconheça a legitimidade para propositura do presente instrumento jurídico pela Defensoria Pública, tal reconhecimento ganha força na necessidade de plena atuação na garantia do direito fundamental de acesso à justiça, função precípua da instituição, como posto inicialmente.

Aduz-se, ainda, que a defesa que aqui se põe se dá em nome de uma comunidade remanescente de quilombo, componente de parcela da população historicamente oprimida por anos de regime escravagista e que exige uma atenção específica por parte do Estado, relativa a demandas de acesso a terra, saúde, renda, dentre outras.

Destaque-se a visível pertinência temática entre a pretensão dos assistidos pela DPU nesta Ação Civil Pública e o exercício das funções típicas da Instituição, qual seja a defesa de hipossuficientes (art. 5º, LXXIV, CF), dada a vulnerabilidade tanto da condição social quanto dos meios para emprego de defesa técnico-jurídica.

3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO INCRA

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é uma autarquia federal criada por força do Decreto-lei n 1.110 de 09 de julho de 1970 e, desde 2003, por meio do Decreto nº 4.887, tornou-se o responsável pela delimitação das terras pertencentes aos remanescentes de quilombolas, assim como as demarcações e titulações das mesmas, competência antes atribuída ao Ministério da Cultura. Eis o texto do Decreto em referência:

Art. 3o Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1o O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.

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§ 2o Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente. § 3o O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de qualquer interessado. § 4o A autodefinição de que trata o § 1o do art. 2o deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do regulamento (grifou-se).

O Governo Federal lançou o Programa Brasil Quilombola (PBQ) como uma política de Estado para as áreas remanescentes de quilombos. O PBQ abrange um conjunto de ações inseridas nos diversos órgãos governamentais, com suas respectivas previsões de recursos, bem como as responsabilidades de cada órgão e prazos de execução, sendo a política de regularização atribuição do INCRA. Uma vez que as dificuldades enfrentadas pelos assistidos da DPU no caso em tela estão ligadas a tais competências do INCRA, deve a autarquia figurar no polo passivo da demanda. 4. DOS FATOS

A Associação dos Produtores Rurais Remanescentes de Quilombos do Povoado Penteado (CNPJ nº 10.861.154/0001-21) fica localizada nas áreas da fazenda Riachão com aproximadamente 1.650 (mil e seiscentos e cinquenta) hectares, as margem da BR 222, com distância aproximada de 10 (dez) km do Município de Vargem Grande/MA.

A comunidade vem há décadas tentando resistir a conflitos de invasores e expulsões feitas pelos fazendeiros que tomaram as terras dos quilombolas através da usucapião. Atualmente a comunidade é formada por aproximadamente 20 (vinte) famílias. Ressalte-se que a associação local é filiada à Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ-MA) (Anexo I - Histórico, Estatuto, CNPJ, Cadastro na ACONERUQ-MA e Ata de Fundação).

A Comunidade Penteado, de acordo com informações dos próprios assistidos, tem sua origem dos quilombos Boi Manso e São Francisco Malaquias e Poção, sempre viveu da agricultura do plantio de arroz, feijão, milho, mandioca, dentre outras culturas, também criando animais como aves e suínos. Recentemente, a comunidade passou a ter acesso à energia elétrica e a estrada. Todavia, alegam os assistidos que a comunidade ainda carece de saneamento básico, postos de saúde, água tratada e moradias de alvenaria. Mesmo com tantas dificuldades, os assistidos ainda cultivam as manifestações culturais, como tambor de crioula, um dos mais relevantes da região.

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Fundada em 20 de julho de 2007, a Associação do Povoado Penteado entrou em contato com o setor de Obtenção de Terras e Serviços de Regularização junto ao INCRA para denunciar o conflito existente na área, quando solicitaram a instauração do processo de regularização fundiária no território quilombola de Penteado, registrado no INCRA, sob o nº 54230006877/2009-76 (Anexo II – Processo Nº 54230006877/2009-76).

Alegam os assistidos que a área tradicionalmente ocupada por seus ancestrais está sendo objeto de conflito entre os quilombolas e a Associação de Trabalhadores Rurais do Assentamento Ana Clara. Segundo os assistidos, a Associação Ana Clara, presidida pelo Sr. Lídio Pereira Araújo teria recrutado pessoas de diversas áreas das redondezas para constituir a referida associação em 2009, mas que não são residentes do Penteado, e a criação dessa associação foi motivada por interesses políticos.

O notório jogo de interesses envolvendo a Associação Ana Clara rege-se pelos seguintes moldes: as empreiteiras, as quais monopolizam o mercado na região, incentivam a formação de associações, financiando-as; o suporte oferecido pelas empreiteiras às associações possui a finalidade de que estas associações demandem a declaração de interesse social de uma determinada propriedade rural, para fins de reforma agrária; com a declaração de interesse social, em seguida por sua desapropriação e por fim, com a ocupação deste imóvel pela associação, as empreiteiras seriam as responsáveis pelo processo de construção dos imóveis da associação. Essa INDÚSTRIA DE FORMAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES, além de ser notadamente IMORAL, está atingindo GRAVEMENTE famílias tradicionais que se autoreconhecem quilombolas, como é o caso dos quilombolas do povoado Penteado.

Ocorre, Excelência, que a Associação de Trabalhadores Rurais do Assentamento Ana Clara demandou a declaração de interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural “Riachão ou Penteado”, imóvel do qual vive os remanescentes de quilombo do povoado Penteado, que anteriormente já haviam demandado perante o INCRA a regularização fundiária.

Os processos e os divergentes interesses das Associações tornou péssimo o ambiente entre ambas. Informam os assistidos que o presidente da Associação Ana Clara, com a finalidade conturbar o ambiente, realizou desmatamentos na área do povoado Penteado, havendo inclusive denuncia para a Associação na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Vargem Grande.

Em dezembro de 2011 foi publicado decreto (Anexo III, Decreto Desapropriação) autorizando a desapropriação da área denominada “Riachão” ou “Penteado”, pelo INCRA, para fins de reforma agrária. Após isto, o Sr. Lídio, então presidente da Associação Ana Clara, e todos os associados da Associação Ana Clara se encaminharam à sede da Associação Penteado para comunicar o teor do referido decreto, e propôs que a Associação Penteado renunciasse o seu título como associação e migrassem para a Associação Ana Clara, a fim de que fossem também beneficiados pelos projetos do INCRA que já estavam destinado para a

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área. A comunidade quilombola de Penteado negou a proposta do Sr. Lídio e se encaminhou ao INCRA para solicitar esclarecimentos.

Informam os assistidos que no dia 18 de janeiro de 2012, houve reunião no Gabinete da Superintendência do INCRA, do qual ficou acordado que NÃO HAVERIA ASSENTAMENTOS DAS FAMÍLIAS, E TAMBÉM NÃO HAVERIA CRIAÇÃO DE PROJETO DE ASSENTAMENTO NA ÁREA PENTEADO ATÉ A CONCLUSÃO DOS TRABALHOS DE TITULAÇÃO COLETIVA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA PENTEADO.

Enviado supervisor do INCRA, em fevereiro de 2012, para realizar uma vistoria na área, em seu relatório não reconheceu a comunidade como remanescente quilombola, afirmando que só havia uma família que se dizia quilombola na região. Os representantes da Comunidade Quilombola se dirigiram novamente ao INCRA para esclarecer o andamento do processo administrativo e do relatório do supervisor, contudo não conseguiram entrar em contato como o Superintendente. Retornando para a região de Penteado, a comunidade continuou a ser PRESSIONADA PSICOLOGICAMENTE para aderir à Associação Ana Clara.

Todavia, o acordo feito no Gabinete da Superintendência do INCRA não foi cumprindo, tendo em vista que houve uma visita da equipe do INCRA na Associação Ana Clara, e após esta visita, pessoas estranhas passaram a frequentar o local, fazendo inclusive extração da madeira. A comunidade quilombola se sente impotente para combater estas invasões, pois o processo de titulação junto ao INCRA continua sem definição.

Somado a todos os fatos já apresentados, os quais naturalmente deixam a comunidade desamparada, os assistidos relatam que sofrem constantes ameaças de remoções por parte dos filiados da Associação Ana Clara. A Comunidade vem passando por uma série de pressões psicológicas pelo Sr. Lídio e pelos empreiteiros da área e do Sr. Edmilson Carneiro, que trabalha no meio político.

Apesar de ter um processo administrativo anterior, a Associação dos quilombolas do povoado Penteado não gozou da mesma celeridade que teve o procedimento da Associação Ana Clara, a qual conseguiu a declaração da propriedade de “Riachão ou Penteado” para fins de reforma agrária.

Notando que o INCRA não toma nenhuma atitude para solucionar a questão passada pelos quilombolas do Povoado Penteado.

Dado o impasse, os assistidos Sr. Jeovar Pereira Sousa, associado, Sra. Maria de Fátima Sousa Marques, presidente da Associação dos Produtores Rurais Remanescentes de Quilombo do Povoado Penteado-Vargem Grande/MA, Sr. Sebastião José de Oliveira, associado, comparecem à Defensoria Pública da União, noticiando a situação vivida pela comunidade e requerendo ao núcleo maranhense assistência jurídica integral e gratuita, ensejando a abertura do PAJ 2012/012-444 (Anexo IV - Documentos do PAJ).

A Defensoria Pública da União, através do Ofício nº 339/2012/DPU/MA/DHTC/PAJ 2012/012-444 (Anexo V – Ofícios DPU e INCRA) requisitou perante INCRA documentos e informações que elucidassem os

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fatos acima referidos, inclusive a suposta decisão administrativa do INCRA em suspender a execução do Projeto de Assentamento e a Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal sobre o tema.

Em resposta ao Ofício, o INCRA enviou Ofício Nº 302/2012 – INCRA/ SR (12) (Anexo V – Ofícios DPU e INCRA), no qual informou que caracterizado a interposição de interesses sobre o imóvel, o pedido de destinação para criação de Projeto de Assentamento e o da demanda por regularização de terras quilombolas, o INCRA mostrou-se ciente que sabe que o último tem prioridade sobre o primeiro, por força de normas de natureza constitucional. Informou também que por medida cautelar, deliberou-se pela suspensão dos procedimentos de criação de Projeto de Assentamento no imóvel rural denominado "Riachão ou Penteado" até que findar-se as providências necessárias ao reconhecimento do território quilombola da Comunidade Penteado.

Passado algum tempo desde a troca de informações entre Defensoria Pública da União e o INCRA, nada de relevante aconteceu no processo de administrativo da Associação quilombola do povoado Penteado. Esta inércia ensejou o envio de um novo ofício ao INCRA de Nº 1539/2014/DPU/MA/DHTC/PAJ 2012/012-444. (Anexo V – Ofícios DPU e INCRA).

Em resposta ao mencionado ofício, o INCRA através do Ofício Nº 007/2015/GB/SR(12)/INCRA (Anexo V – Ofícios DPU e INCRA) informou que a autarquia está avaliando a possibilidade de aproveitamento da área que já está sob posse do INCRA ser regularizada sem passar pela Instrução Normativa Nº57/2009, que serão efetuadas consultas quanto a legalidade de tal encaminhamento, restando a necessidade de estudo de identificação da Comunidade Penteado, visto que a Delimitação de Território demandado corresponde a área já desapropriada, cuja criação de Projeto de assentamento foi suspensa e foi decidido pelo Comitê de Decisão Regional pelo repasse da área para regularização do território quilombola.

Ocorre que a resposta do INCRA não é satisfatória quanto à pretensão dos assistidos em ter a situação fundiária de sua comunidade regularizada. Somado a isto, temos um procedimento administrativo que tramita desde 2009 sem nenhuma aparência de solução. Há, ainda, patente situação conflituosa entre duas associações, que caso ocorra maior demora na regularização fundiária da área, provavelmente acontecerá uma tragédia na região.

Por tanto, não resta mais alternativas que não sejam a busca da judicialização da matéria, para que a tramitação do procedimento administrativo transcorra de maneira célere e resolva o conflito que atinge a comunidade quilombola de Penteado.

5. DO DIREITO

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5.1 DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

As comunidades quilombolas podem ser vistas como símbolo de resistência à opressão de segregação racial na época do Brasil colônia e império. O Brasil foi o país que mais importou escravos e o último que aboliu a escravatura.

Desde o início do sistema escravagista, instalaram-se os quilombos. Tais comunidades se caracterizavam pelo uso comum da terra, concebidos por elas como espaço coletivo e indivisível, ocupado e explorado através de regras consensuais aos diversos grupos familiares que as compõem. De acordo com a Associação Brasileira de Antropologia, o conceito que impera sobre as comunidades quilombolas é que são “grupos que desenvolvem práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.

Observando o ordenamento jurídico brasileiro, podem ser verificados alguns dispositivos que almejam beneficiar o referido grupo, tais como o art. 68 do ADCT, da CF que, por sua vez, reconheceu a propriedade definitiva das comunidades quilombolas que estivessem sendo ocupadas por terceiros.

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

No Decreto nº 4.887/2003 (Anexo 6 - Decreto nº 4.887/2003) é estabelecido um critério para identificar os remanescentes de quilombos, qual seja o de autoatribuição. Com trajetória própria, munidos de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a luta contra opressão histórica sofrida, tais grupos se autodeterminam comunidades de quilombos, dados as peculiaridades culturais, econômicas, condições sociais e tradições que os distinguem da sociedade em geral.

Vale ressaltar, ainda, o papel crucial desempenhado pela Convenção nº 169 da OIT, ratificada no Brasil por meio do Decreto 143/2002, em que

“A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.” (art. 1º da Convenção)

Por tudo isto, faz-se necessário atender os clamores dos integrantes da respectiva comunidade, visto que se enquadram na definição supracitada e a defesa de seu território tem status de norma de direito fundamental. 5.2 DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS TERRAS OCUPADAS TRADICIONALMENTE

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O art. 68 dos ADCT foi estabelecido como forma de compensação aos anos de opressão sofridos pelos afrodescendentes em solo brasileiro. Segundo o dispositivo, há um reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos como propriedade definitiva, configurando dever do Estado a emissão dos respectivos títulos. Se há reconhecimento, o ato do Poder Público ostenta natureza declaratória, e não constitutiva, visto que a propriedade preexiste aos atos oficiais, praticados somente para assegurar os direitos dos quilombolas.

É poder-dever do Estado criar políticas públicas que assegurem o reconhecimento das comunidades quilombolas, bem como a delimitação e demarcação e titulação da sua área. Não pode a Administração Pública tratar grupos vulneráveis distintos como se fossem iguais, sendo indispensável a elaboração de programa de regularização fundiária para assentamento e outro para preservação das comunidades e cultura quilombola.

A regularização fundiária (identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação) para comunidades remanescentes de quilombos está regulamentada pelo Decreto 4.887/03, sendo de competência do INCRA. A depender do caso, deve ser realizada em parceria com os Institutos de Terras Estaduais (ITERMA, no Maranhão), o Ministério Público e a Fundação Cultural Palmares.

Trata-se de processo regulamentado pela Instrução Normativa INCRA nº 57/2009 (Anexo 7 - Instrução Normativa INCRA nº 57/2009), e pressupõe as seguintes etapas:

a) Abertura: as comunidades interessadas devem encaminhar à Superintendência Regional do INCRA uma solicitação de abertura de procedimento administrativo; de acordo com a dicção da Instrução Normativa 57 do INCRA, tal procedimento só será realizado para comunidades que possuam a Certidão de Registro emitida pela Fundação Palmares. Esta certificação possui seu próprio procedimento, regulado pela Portaria da FCP nº 48/2007; b) Estudo da área, a partir da elaboração do RTID. O RTID é o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que tem como objetivo precisar a identificação e delimitação das terras reivindicadas. É um dossiê que engloba informações variadas de natureza antropológica, fundiária, econômica, cartográfica, etc. De acordo com o art. 10 da Instrução Normativa INCRA n. 57 de 2009, ele é composto por: relatório antropológico; levantamento fundiário; planta e memorial descritivo do perímetro da área reivindicada, além de mapeamento e indicação dos imóveis e ocupações lindeiros de todo o entorno, bem como indicação da área a ser averbada; cadastramento das famílias; levantamento e especificação detalhada de situações em que as áreas pleiteadas estejam sobrepostas a unidades de conservação constituídas, a áreas de

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segurança nacional, a áreas de faixa de fronteiras, terras indígenas ou situadas em terrenos de marinha, em outras terras públicas arrecadadas pelo INCRA ou Secretaria do Patrimônio da União e em terras dos estados e municípios; parecer conclusivo; c) Aprovação pelo CDR e publicação: após sua conclusão, o RTID deve ser submetido à aprovação do Comitê de Decisão Regional, e publicado, na forma de Edital, notificando ocupantes / confinantes, detentores de domínio ou não, acerca do prazo para apresentação de contestações. Órgãos e entidades relacionados no art. 12 da Portaria terão prazo de 30 dias para apresentar suas manifestações sobre suas matérias de competência; d) Portaria de Reconhecimento: publicada após a aprovação total do Relatório; podem ser alvo de contestações judiciais; e e) Regularização: desintrusão de ocupantes não-quilombolas, por desapropriação / indenização, e concessão de título coletivo e pró-indiviso, em nome da associação que represente os moradores da área, registrado em cartório e sem ônus financeiro para as comunidades beneficiadas. No caso em questão, a não regularização fundiária da comunidade

quilombola do povoado Penteado poderá acarretar uma perda gradual das terras quilombolas para Associação Ana Clara, que está ligada economicamente a grandes empreiteiras. O INCRA, deixando de realizar seu papel institucional de proteger e garantir o direito a terra destas pessoas, permite que daqui a um tempo o interesse do capital empresarial sobreponha-se a esta e outras comunidades ao ponto de nossa herança cultural africana e indígena, também vítimas desta situação, perca-se cada vez mais.

Segundo informações repassadas pelo próprio INCRA, o processo de regularização dos territórios quilombolas da Comunidade Penteado (Processo nº 54230.006877/2009-76) se encontra pendente de avaliação da possibilidade de aproveitamento da área que já está sob posse do INCRA, o que resulta a necessidade de estudo de Identificação da Comunidade Penteado, visto que a Delimitação de Território demandado já aconteceu e corresponde à área já desapropriada. (Anexo 5 - Ofícios DPU e INCRA).

Nesse quadro, a regularização fundiária da respectiva comunidade está prejudicada, tendo em vista que a segunda fase do procedimento foi sobrestada. Incorre-se, assim, no sério e iminente risco de não ser cumprido o objetivo último da regularização em virtude da morosidade do INCRA, visto que ainda há espaço para que a Associação Ana Clara tome medidas que dificulte o direito à titulação de terra pela comunidade do povoado Penteado ou até mesmo tome

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atitudes que possa gerar uma situação conflituosa na região, acarretando violência entre os membros das associações.

Esse quadro serve para corroborar a ideia de que todo o excesso de burocratização e ausência de prazo determinado para a política pública de assistência a comunidades quilombolas quanto à regularização fundiária das áreas tradicionalmente ocupadas converge na transformação dessas mesmas políticas em letra morta. 5.3 DO DESCUMPRIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A realidade brasileira em que, infelizmente, a Administração Pública vem sendo corrompida e seus princípios distorcidos faz com que os juristas defendam a existência de um direito fundamental à boa Administração Pública. Segundo Juarez Freitas, tal direito se entende sinteticamente como

o direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas.1

Vale dizer, grosso modo, que o direito fundamental à boa Administração Pública implica na concretização de todos os seus princípios explícitos e implícitos, preconizados na Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (grifou-se).

Necessário o destaque acima para caracterizar com mais propriedade a responsabilidade do INCRA.

1 FREITAS, Juarez. Direito Fundamental à Boa Administração Pública e o Direito Administrativo no

século XXI. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, setembro, 2008. Disponível em:

<http://direitoadministrativoemdebate.wordpress.com> Acesso em 30 de junho de 2014.

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Sabe-se que a Administração Pública indireta, nos termos do Decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, é integrada por autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações públicas. As autarquias são criadas por força de lei com objetivos voltados ao bem público, de forma bem definida. Logo, são regidas pelos princípios supracitados e limitadas pelos objetivos para os quais foram criadas.

Inexistindo qualquer previsão normativa do tempo necessário para que se realize a identificação e delimitação do território, publicação do relatório técnico e julgamento das contestações, fica sujeito ao Poder Público o estabelecimento dos prazos e seu autocumprimento, tratando de uma atuação discricionária da Administração, a qual deveria respeitar o princípio da proporcionalidade.

Tal princípio tem três elementos indispensáveis, quais sejam a adequação, em que o ato administrativo deverá ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos; necessidade, onde o ato administrativo utilizado deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais, e a proporcionalidade em sentido estrito, proporção adequada entre os meios utilizados e os fins desejados. Esta proíbe não só o excesso, mas também a insuficiência de proteção. O procedimento tem se mostrado gravoso e propenso a causar sérios danos às comunidades, pois, sem o título efetivo, ficam sujeitas à ingerência de outras associações, financiadas com capital das empreiteiras da região e do próprio Estado. A atuação da Autarquia Federal fere o princípio supracitado, já que se revela desproporcional, inadequada e com muitas desvantagens em relação ao fim pretendido, sendo inaceitável que a figura da Administração Pública Indireta viole tão flagrantemente os princípios postulados no caput do artigo 37 e permaneça impune. É preciso reconhecer que o INCRA faltou com o cumprimento às suas obrigações no caso em tela e, por tal motivo, deva ser responsabilizado. 5.4. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

O art. 2º da Lei nº 7.347/85 estabelece a possibilidade de concessão de mandado liminar para evitar dano irreparável ou de difícil reparação ao direito em conflito, decorrente da natural morosidade na solução da lide.

O referido dispositivo tem natureza tanto cautelar, protetiva da eficácia do provimento jurisdicional final, quanto de antecipação da tutela pretendida, de acordo com os contornos traçados pela novel redação do art. 273 do CPC.

Com efeito, a Lei n° 8.952/94, alterando a redação do art. 273 do CPC, abriu ao julgador a possibilidade de antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela jurisdicional definitiva, a requerimento da parte autora, desde que preenchidos os requisitos que o referido dispositivo legal estabelece.

Razões de extrema urgência na realização do direito violado ou ameaçado de lesão, a par de um conjunto probatório pré-constituído e da verossimilhança das alegações do autor, autorizam o julgador a antecipar provisoriamente os

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efeitos da tutela jurisdicional definitiva. Nesses casos, a realização do direito não pode aguardar a longa demora da sentença final.

Quanto aos primeiros requisitos, prova inequívoca e verossimilhança das alegações, ressalte-se que a argumentação desenvolvida da inicial tem suporte documental.

Ademais, no caso em análise, patente é o receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito que se busca tutelar, eis que os inúmeros moradores remanescentes de quilombo do povoado Penteado vivem de forma indigna, sem garantias de uma sobrevivência plena como assegurado constitucionalmente. Somado a esta situação, os remanescentes de quilombo estão enfrentando ameaças de despejo pela Associação Ana Clara. Ao revés, não têm os quilombolas condições necessárias para a agropecuária e pairam sobre eles constantes receios de perderem sua terra.

Não fosse o suficiente, ainda convivem com a angústia da incerteza proporcionada por não saberem o limite dos seus direitos e quem pode garanti-los, tudo isso ocorrendo em razão da injustificada inconclusão dos trabalhos do INCRA.

Ao continuarem na situação de ilegalidade, os quilombolas são privados de direitos básicos. Como poderão trabalhar na terra sem ter a garantia que ela é realmente sua? Como seguir tranquilamente com seu modo de vida e realizar suas manifestações culturais sem ter a garantia que nenhum empreendimento empresarial os atrapalhe? É de conhecimento público, Excelência, que as comunidades quilombolas carecem de estrutura mínima para efetivar direitos básicos como educação, lazer, saúde, dentre outros direitos fundamentais, e essa estrutura só poderá chegar quando esta estiver com sua situação fundiária regularizada.

Destarte, requisita-se a Vossa Excelência que sejam antecipados os efeitos da tutela jurisdicional, a fim de determinar que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária conclua os trabalhos de regularização fundiária do território ocupado tradicionalmente pelos remanescentes de quilombola do povoado Penteado, sem mais usurpações aos direitos das famílias que lá estão, de modo a lhes permitir viver dignamente.

Destaca-se, por oportuno, apenas um dos inúmeros exemplos que se poderia apresentar nos quais já houve decisão no sentido de antecipar os efeitos da tutela: Processo 0027406-95.2014.4.01.3700 em tramitação nesta mesma Seção Judiciária do Estado do Maranhão (Anexo 8 – Decisão Antecipação de Tutela Processo 0027406-95.2014.4.01.3700).

6. DOS PEDIDOS:

Por todo o exposto, requer-se: a) a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, nos termos da Lei

nº. 1.060/50, e a observância das prerrogativas dos

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Defensores Públicos Federais, previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e demais diplomas legais, especialmente no que tange à contagem em dobro dos prazos processuais e à intimação pessoal, inclusive com carga dos autos, de todos os atos do processo (LC 80/94, artigo 44, X);

b) a citação, na pessoa de seu representante legal, do INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, com endereço na Av. Santos Dumont, nº 18, Anil, São Luís/MA;

c) a notificação do Ministério Público Federal para acompanhar o presente feito como fiscal da lei, conforme artigo 5º, parágrafo 1º da Lei nº 7.347/1985;

d) a concessão de antecipação de tutela, determinando-se que o

INCRA, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, ou em outro reputado mais adequado por Vossa Excelência, conclua o processo de regularização fundiária na comunidade de remanescentes de quilombolas do povoado Penteado, no Município de Vargem Grande/MA, inclusive, caso necessário e dentro das disposições normativas aplicáveis ao caso, executando medidas contra terceiros que eventualmente estejam a impedir a regularização, cominando multa diária, para a hipótese de descumprimento total ou parcial do provimento, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), contado do término do prazo concedido, a ser depositada em conta bancária aberta por este MM. Juízo (art. 13, parágrafo único, da LACP);

e) caso Vossa Excelência entenda não ser possível o deferimento da

antecipação liminar da tutela jurisdicional da forma pretendida, tendo em conta a fungibilidade prevista no artigo 273, §7º, do Código de Processo Civil, bem como o poder geral de cautela, positivado no artigo 798, do Código de Processo Civil, que, ao menos, determine outras medidas provisórias que julgue adequadas, para assegurar que a demanda não cause ao direito dos quilombolas representados lesão grave e de difícil reparação;

f) seja, ao final, confirmando-se a antecipação de tutela acima

requerida, condenado o réu a, dentro do prazo reputado adequado por este respeitável juízo, concluir o processo de regularização fundiária na comunidade de remanescentes de quilombolas do povoado Penteado, no Município de Vargem

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Grande/MA, inclusive, caso necessário e dentro das disposições normativas aplicáveis ao caso, executando medidas contra terceiros que eventualmente estejam a impedir a regularização, cominando multa diária, para a hipótese de descumprimento total ou parcial do provimento, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), contado do término do prazo concedido, a ser depositada em conta bancária aberta por este MM. Juízo (art. 13, parágrafo único, da LACP);

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito

admitidos. Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil

reais). Termos em que aguarda deferimento.

São Luís/MA, 4 de março de 2015.

YURI COSTA Defensor Público Federal

Ivaldo da Cruz Lima Junior Estagiário de Direito da DPU/MA