Accountability e Confiança

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 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV  ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO - EAESP DANIEL LEÃO BONATTI  AC COUN TA B I L I TY E CONFIANÇA: bases para uma investigação conceitual SÃO PAULO 2014 

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discussão sobre empreendedorismo e confiança empresarial.

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  • FUNDAO GETLIO VARGAS - FGV

    ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO - EAESP

    DANIEL LEO BONATTI

    ACCOUNTABILITY E CONFIANA: bases para uma investigao conceitual

    SO PAULO 2014

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    FUNDAO GETLIO VARGAS - FGV

    ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO - EAESP

    DANIEL LEO BONATTI

    ACCOUNTABILITY E CONFIANA: bases para uma investigao conceitual

    SO PAULO 2014

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    Resumo

    A definio de um Estado accountable perpassa uma clara conceituao do termo e das razes

    de sua implementao. O artigo se prope a apontar os principais debates sobre o conceito de

    accountability e confiana, de forma a indicar possveis estudos com intuito de perceber os

    mecanismos de accountability como insumos para fortalecimento de um regime democrtico.

    A pretenso desse ensaio no a construo de uma hiptese, mas a de apontar parte dos

    debates pertinentes sobre os temas.

    Palavras chave: prestao de contas; accountability; transparncia; democracia; confiana

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    APRESENTAO

    Durante a elaborao do Trabalho de Concluso de Curso em grupo para o Mestrado

    Profissional em Gesto de Polticas Pblicas da Fundao Getlio Vargas1 me deparei com

    dificuldades para obteno de alguns dados, tanto do poder judicirio no tocante aos

    processos de presos em flagrante investigados pelo trabalho como informaes sobre o

    custo de custdia e transporte dos presos pela Secretaria de Administrao Penitenciria do

    Estado de So Paulo.

    Em ambos os casos, ou a informao foi de difcil acesso, mesmo sendo pblica, ou

    o acesso foi inviabilizado. Para alm das queixas deste autor, ocorreu-me a indagao sobre

    os avanos e limites da lei de acesso a informao e, para alm da expresso da lei, se tornou

    uma reflexo sobre as definies de accountability e o impacto da construo de um Estado

    que presta contas, ou melhor, um Estado accountable.

    Com o objetivo de viabilizar essa investigao, recorrendo aos ensinamentos de

    Schopenhauer (2005):

    A mais rica biblioteca, quando desorganizada, no to proveitosa quanto uma

    bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de

    conhecimentos, quando no foi elaborada por um pensamento prprio, tem muito

    menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi

    devidamente assimilada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de

    conhecimentos, quando no foi elaborada por um pensamento prprio, tem muito

    menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto foi

    devidamente assimilada.

    Portanto, o incio da organizao dessas informaes culminou na investigao da

    interao Estado e sociedade e das razes e motivaes que levam tanto o Estado a prestar

    contas, como o cidado a exigir essas contas.

    Sob o ponto de vista do Estado brasileiro existe certo consenso que o pas caminha

    para a consolidao do seu regime democrtico, conforme aponta Sanchez, 2003:

    Muitos pases da Amrica Latina, entre eles o Brasil, tornaram-se nas ltimas dcadas

    do sculo XX democracias polticas no sentido que em certa medida satisfazem as

    condies de Robert Dahl (1971) definiu como poliarquia.

    1 Trata-se do trabalho realizado por este autor, Diogo Brunacci e Leandro de Castro depositado em 29 de julho de 2014 na Fundao Getlio Vargas sob o ttulo de Aperfeioamento da poltica pblica pena no Brasil: a insero da audincia de custdia no processo penal.

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    Moiss, por sua vez, aponta uma aparente contradio que a desconfiana do

    cidado brasileiro frente s instituies enquanto a democracia adquire uma aceitao ampla o

    suficiente que enunciada e defendida por qualquer que seja o espectro poltico, quase uma

    unanimidade. Questiona-se, ento, sob o que recai a desconfiana da populao e sob quais

    regras ou quais aspectos recaem a essa desconfiana da populao? (MOISS, 2002)

    A partir desses primeiros apontamentos e com intuito de organizar a elaborao de

    possveis contribuies ao debate sobre prestao de contas no pas, a investigao percorreu

    os conceitos de accountability e de confiana na literatura da cincia poltica.

    Entendendo que os conceitos sejam como unidades de pensamento (SARTORI, 1984

    apud SCHELDER, 1999), o artigo primeiramente cumpre o desafio de demarcar de qual

    democracia est se falando, afinal, se a toda democracia cumpre prestar contas (SCHELDER,

    1999), sob quais expectativas recaem essa ao de prestar contas?

    Em seguida, proposta a discusso sobre a confiana nas instituies e seu impacto

    no comportamento dos indivduos e nas instituies, na tentativa de identificar seu

    relacionamento com a construo dos mecanismos de controle accountability.

    Por fim, o trabalho se prope a apresentar um conceito de accountability

    especialmente fundamentado no texto Que s rendicin de cuentas de Andreas Schelder. O

    referido autor apresenta as limitaes conceituais da traduo adotada nos pases latinos, seja

    a espanhola rendicin de cuentas como na verso portuguesa, prestao de contas. O objetivo

    avanar na percepo do accountability apenas como mero indicativo de controle para uma

    noo de compromissos mtuos a ser assumido pelo Estado para com a sociedade e vice-

    versa.

    A partir das dificuldades de traduo do termo accountability para a lngua

    espanhola, Schelder desenvolve os atributos de um Estado accountable, inclusive, apontando

    para desafios enfrentados pelo governo como os limites da prpria informao. atravs

    dessa discusso que entendo ser possvel identificar as expectativas de um Estado

    accountable, tanto por parte da sociedade como do Estado.

    Apesar de partir de uma hiptese de que os mecanismos de accountability podem ser

    utilizados como mecanismos de construo de um regime democrtico mais representativo e,

    consequentemente, consolidar e fortalecer as relaes de confiana nas instituies, a proposta

    aqui apenas dissertar, mesmo que por vezes tangencialmente, sobre os conceitos e o

    raciocnio que possam levar a investigaes que constatem ou desmintam essa hiptese.

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    DEMOCRACIA

    A discusso sobre democracia um dos temas centrais e mais caros cincia

    poltica, que se ocupa de estudar as relaes de poder, o processo de tomada de decises,

    componentes estes estreitamente relacionados a escolha do referido regime.

    Os pases da Amrica Latina esto sob o regime democrtico h algumas dcadas e,

    apesar de serem democracias novas, com desenvolvimento institucional insuficiente, alguns

    desses pases tem evoludo dentro de um marco institucional que privilegia a estabilidade e o

    respeito s regras do jogo (SANCHEZ e ARAJO, 2012).

    Ainda sob o ponto de vista da consolidao democrtica, e mais especificamente

    sobre a nossa realidade, o Brasil parece ter ingressado em um ciclo virtuoso: vive um perodo

    de estabilidade poltica, contrariando o padro de dcadas anteriores quando conflitos

    polticos assumiram a feio de antagonismos inconciliveis, gerando paralisia decisria,

    tenses entre o executivo e legislativo e a interveno de militares na poltica. (MOISS,

    2002).

    Como o objetivo aqui a elucidao do conceito, no a identificao dos avanos do

    pas, a questo recai sobre os parmetros que fundamentam essas afirmaes. Seria muita

    pretenso apontar o conceito de democracia, haja vista que desde o colapso do socialismo

    real e do declnio do Welfare State, a disputa pelo sentido de democracia tornou-se ainda

    mais aguda. (NOBRE, 2004). Portanto, pretende-se aqui apresentar uma pequena parte de um

    extenso debate, apontando conceitos tericos que possam contextualizar a discusso sobre

    accountability.

    Robert Dahl, em seu clssico livro polyarch: participation and opposition, de 1971

    afirma:

    Eu reservarei o termo democracia para definir um sistema poltico cujas

    caractersticas residem na completa, ou quase completa, responsividade do governo a

    todos os cidados. (Traduo livre)

    Alm da objetividade do trabalho de Dahl, sua definio de democracia

    interessante por apresentar um conceito atravs de duas grandes variveis cujos atributos das

    mesmas direcionam o sistema poltico em anlise. As duas variveis em questo so a

    liberalization (public contestation) e inclusiveness (participation), em traduo livre,

    contestao pblica e participao.

    Logo, quando Dahl apresenta o termo responsividade em seu conceito entenda-se

    que a democracia o regime que consegue responder, simultaneamente, a um elevado grau de

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    contestao pblica a participao institucional de oposio ao poder estabelecido e de

    incluso ou a possibilidade de indivduo como indivduo fazer parte do lcus pblico.

    Em seguida, apontando para os atributos dessas duas variveis, Dahl define que

    democracia assim deve ser chamada quando proporciona oportunidades para: participao

    efetiva; igualdade e voto; aquisio de entendimento esclarecido; exercer o controle definitivo

    do planejamento; incluso dos adultos. (DAHL, 2001)

    Como no pretenso deste artigo analisar a exausto os estudos de Robert Dahl,

    cabe apontar como determinante do conceito do autor a capacidade das regras do jogo em

    responderem a populao sobre esses dois aspectos: o da contestao pblica por uma

    oposio institucionalizada, e o direito de participar. Enquanto o primeiro se refere a uma

    disputa pelo poder da arena decisria entre membros do sistema poltico que desejam

    conduzir o governo, o segundo trata-se de uma escala que reflita a amplitude do direito do

    indivduo de participar na esfera pblica. (DAHL, 1971)

    Nobre, por sua vez, faz uma discusso da vitalidade do regime democrtico.

    Apontando para os pases que adotaram o estado de bem-estar social, o autor afirma que do

    grande arranjo social do ps-guerra nesses pases o resultado foi uma variada gama de direitos

    sociais a ser implementados, obrigatoriamente, pelo Estado. Essa gama de direitos sociais foi

    o resultado de espaos de negociao entre movimentos sociais, sindicatos, entidades

    patronais, partidos polticos e burocracia estatal (NOBRE, 2004)

    Observe que para alm da garantia de participao do indivduo no planejamento do

    Estado e da contestao do poder por uma oposio institucionalizada, previstos por Dahl

    como critrios de democratizao do Estado, os pases do welfare states institucionalizaram

    os direitos sociais e sua implementao via aparato burocrtico, o que, sob o ponto de vista de

    Nobre, resultou em efeitos indesejados.

    O principal efeito indesejado da poltica de promoo de igualdade, entendida como

    garantia efetiva do exerccio da liberdade do cidado, ao garantir a liberdade, retir-

    la simultaneamente sob alguns aspectos. Ao atribuir ao Estado a obrigao pela

    implementao de polticas, o cidado foi tornado cliente do Estado e, nessa posio,

    objeto de uma ao paternalstica por parte de uma burocracia a quem delega a

    promoo da igualdade de fato entre cidados. Nesse sentido, substitui-se a

    participao do cidado na vida pblica pela deciso tcnica da burocracia

    estatal(...)(NOBRE, 2004, grifos no original)

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    Ora, sob a anlise de Marcos Nobre, subsidiada pelos conceitos propostos por Dahl,

    esses grupos de presso abriram mo de um direito de participao pelos resultados

    esperados dessa participao, subordinando-se a lgica do aparato estatal.

    Como tambm no a pretenso deste artigo tratar do grau de democratizao desses

    pases e sua evoluo histrica, o que importa aqui a reflexo sobre um suposto trade-off

    entre o direito de participar e a institucionalizao das conquistas pelo Estado. Essa questo

    importante parmetro para uma discusso sobre os limites de atuao e at mesmo o papel

    do prprio Estado como formulador e implementador de polticas pblicas.

    Em outras palavras, o que pode ser observado que o sucesso dos movimentos

    sociais nesses novos espaos de participao e deliberao teve como contrapartida a

    institucionalizao de suas reivindicaes e a subordinao de suas demandas a uma lgica

    burocrtica. (Nobre, 2004)

    Nesse sentido o conceito de participao deve ser melhor elaborado, sob a

    perspectiva dos desafios de implementao das polticas pblicas pelo Estado. O citado autor

    acusa que as reivindicaes no podem simplesmente serem dirigidas ao Estado mas devem

    existir esferas pblicas e espaos de expresso da opinio pblica de modo que a prpria

    sociedade reconhea como legtimas as reivindicaes frente ao Estado e justificadas em uma

    maneira de viver que quer ser reconhecida por outros cidados. (NOBRE, 2004)

    Os pensadores liberais clssicos, em contraposio, trabalham com a noo de que o

    Estado uma espcie de mal necessrio, um ente que precisava ser controlado e vigiado

    da a importncia da transparncia e do acesso a informaes pblicas, para que a

    sociedade pudesse verificar o que se passa nas entranhas dos governos. (ANGLICO e

    TEIXEIRA, 2012).

    Dessa concepo advm uma noo de participao fortemente em alguns casos,

    estritamente fundamentada no voto e no controle dos polticos pela sociedade, pois, ao

    Estado caberia a delegao de um mandato pela populao que avaliaria periodicamente a

    atuao de seus representantes. Ademais, em eventuais conflitos entre princpios polticos e

    jurdicos prevaleceria a defesa das liberdades negativas, ou seja, a defesa do direito

    individual. Em Hayek, o modelo legal, diagnstico partilhado por Weber, serviria para evitar

    a tirania da maioria, sufocando minorias (NOBRE, 2004), em outras palavras, as leis

    argumentariam em favor de grupos excludos da elite dominante, mas pertencentes

    sociedade.

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    Essa concepo de democracia e da participao do cidado de fundamental

    importncia para compreender as limitaes impostas concepo de accountability como

    instrumento de participao poltica.

    Antecipando a discusso sobre o termo, que ser elaborada em seo seguinte,

    seriam quatro os principais objetivos dos Controles Internos, segundo a interpretao de

    Roberto Piscitelli (1988): a) reviso e/ou verificao das operaes sob o aspecto

    eminentemente contbil, formal e legal; b) eficincia, que concerne aos meios empregados,

    aos recursos utilizados para a consecuo dos objetivos; c) a eficcia, a verificao do

    produto, dos programas, dos fins perseguidos; d) a avaliao dos resultados, ou seja, o

    julgamento da prpria administrao. (Sanchez, 2003)

    Portanto, se o debate sobre democratizao parametrizado sob as variveis de

    oposio na esfera pblica e possibilidades de participao, o tratamento dado qualificao

    dessa participao torna-se questo fulcral a democracia. Se por um lado, alguns autores

    anotam as possibilidades de construo de espaos e canais de deliberao na deciso pblica,

    outros dissertam sobre a necessidade de acusar e preservar as garantias individuais, relegando

    a participao a controles da atuao do poder pblico e de avaliao peridica de

    desempenho (eleies). Em comum a ambas as vises, a qualificao dos canais que devem

    ser abertos nesta relao entre Estado e sociedade.

    (DES)CONFIANA NAS INSTITUIES

    Em 2 de agosto de 2013 o IBOPE publicou em seu website reportagem sobre o

    ndice de Confiana Social, que realizado anualmente pelo prprio IBOPE, em que apontou

    uma queda generalizada nas dezoito instituies avaliadas pelo ndice2, alm de trs grupos

    sociais, tambm avaliados, ficando imune a essa queda de avaliao apenas a famlia.

    O ndice de Confiana Social ICS uma pesquisa amostral que, no caso de 2013,

    contou com 2.002 pessoas com mais de 16 anos ouvidas pelo IBOPE em 140 municpios e foi

    realizada entre 11 de Julho e 15 de Julho de 2013.

    A composio do ndice feita utilizando-se uma escala de quatro pontos, em que

    possvel medir muita confiana, alguma confiana, quase nenhuma confiana e

    nenhuma confiana. No fim, todas as pontuaes atribudas so somadas e divididas

    2 Pelo ndice, so avaliadas as seguintes instituies: Corpo de Bombeiros; Igrejas; Foras Armadas; Meios de

    comunicao; Empresas; Organizaes Civis; Polcia; Bancos; Escolas Pblicas; Poder Judicirio/Justia;

    Presidente da Repblica; Governo Federal; Eleies/Sistema Eleitoral; Governo do seu municpio; Sindicatos;

    Sistema Pblico de Sade; Congresso Nacional; Partidos Polticos. Alm dessas dezoito instituies, o ndice de

    Confiana Social tambm mede a confiana em grupos sociais, quais sejam: Famlia; Amigos; Brasileiros em

    geral; Vizinhos.

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    pelo nmero de entrevistados, resultando no ndice geral. A pontuao padronizada

    em uma escala de zero a 100 para que seja possvel fazer comparaes, mesmo

    incluindo ou retirando instituies do estudo3.

    O relatrio aponta que as duas das dezoito instituies, com menor credibilidade

    entre os entrevistados, so exatamente aquelas que deveriam ser a realizao da abstrao da

    democracia representativa: o Congresso Nacional e os Partidos Polticos. Essas instituies

    alcanaram, em uma escala de 0 a 100, ndices de 29 e 25, respectivamente. Apenas como

    parmetro de comparao, na outra ponta esto o corpo de bombeiros (77) e as igrejas (66).

    A escala adota os seguintes marcos: muita confiana (100); alguma confiana (66),

    quase nenhuma confiana (33) e nenhuma confiana (0). Em outras palavras, o Congresso

    Nacional e os Partidos Polticos esto entre a nenhuma confiana e quase nenhuma confiana,

    e, apenas as duas instituies citadas (Igrejas e Corpo de Bombeiros) esto acima de alguma

    confiana.

    No proposta desse artigo uma anlise sobre as razes e motivaes da

    desconfiana do brasileiro nas instituies. O que desperta o interesse a possvel contradio

    entre uma suposta desconfiana generalizada do brasileiro em relao s instituies e o

    reconhecimento pela maior parte da literatura especializada que a democracia brasileira est

    consolidada. (MOISS, 2002)

    Se a proposta identificar nos conceitos uma unidade de pensamento (Sartori 1984

    apud SCHELDER, 1999), como citado anteriormente, no se pode furtar em traduzir de qual

    confiana esse artigo se remete, no apenas para o entendimento dessa unidade de

    pensamento como tambm com intuito de proporcionar mecanismos para estabelecimento de

    parmetros crveis que indiquem os limites de uma desconfiana vlida como um

    distanciamento da vida social a qual tm pouco controle, em outras palavras, uma

    desconfiana saudvel. (MOISS, 2002).

    A necessidade de definio da confiana advm da percepo desse fator como algo

    crucial na conduo de indivduos e instituies a atuarem sinergicamente, ou seja,

    direcionadas a um mesmo objetivo. Durante anos, muitos esforos tm sido empreendidos na

    criao de sistemas de valores, filosfico e religioso, que, se internalizados, liberariam

    recursos humanos de serem desperdiados em atividades autoproteo. (SHEPSLE e

    BONCHECK, 1997, p.199, traduo livre).

    3 Cai a confiana dos brasileiros nas instituies. Website IBOPE 02/08/2014 acessado em 17/08/2014

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    Isso ocorre, pois, fundamentados pela filosofia hobbesiana e outros, os esforos do

    ser humano so, em primeira instncia, para sua prpria proteo, sendo assim, a regra seria a

    no cooperao. Ilustrando essa afirmao, David Hume elabora a parbola dos plantadores

    de trigo, contada por Maria Celina DArajo, 2003. Em sua parbola, um plantador de trigo se

    encontra com a produo pronta para colheita que no poder ser realizada em tempo de no

    perder parte de sua produo, caso decida faz-la sozinho.

    Para que obtivesse sucesso em sua colheita, o agricultor precisaria da ajuda de seu

    vizinho, que, por sua vez, tambm planta trigo, mas que no est pronto para colher. No

    futuro, na poca da colheita desse vizinho, possivelmente este precisaria da ajuda do primeiro.

    Apesar de uma anlise de ganhos nos levar a crer que o vizinho cooperar seria uma

    deciso tima, a lgica racional impede o segundo de ajudar o primeiro, pois, no existem

    garantias de que o primeiro agricultor ir cooperar futuramente. Em suma, a racionalidade

    expressando a impossibilidade de cooperar. (DARAUJO, 2003) Essa racionalidade

    explorada no trabalho de Mancur Olson sobre a lgica da ao coletiva.

    Nesse contexto que a confiana tem sido utilizada pelas teorias de cultura poltica e

    de capital social, especialmente na anlise poltica.

    Ao tratar do conceito de confiana, inevitavelmente, vem baila o conceito de

    capital social. O conceito de capital social ganha notoriedade com a pesquisa realizada por

    Robert D. Putnam, publicado em 1993 com o ttulo Making Democracy Work: Civic

    Traditions in Modern Italy, ou em portugus, Comunidade e Democracia: a experincia da

    Itlia Moderna. (DARAUJO, 2003).

    Maria Celina DARAUJO define capital social como a argamassa que mantm as

    instituies em contato entre si e as vincula ao cidado visando produo do bem comum.

    (DARAUJO, 2003). Sem polemizar em relao ao uso do termo bem comum, interessa-nos a

    essncia do conceito que destaca o capital social como aquilo que proporciona atuao

    colaborativa entre instituies em direo a um objetivo comum.

    Isso porque, ainda segundo DARAUJO, comentando o trabalho de Putnam, afirma

    que instituies por mais bem concebidas e planejadas que sejam, no bastam para produzir

    a boa sociedade. Ou seja, boas sociedades ajudam a produzir boas instituies. (Op. Cit)

    Nesse sentido, a confiana vista como propulsora do capital social, mas o capital

    social criaria o ambiente necessrio ao surgimento daquela (PUTNAM, 1993 apud MOISS,

    2002). Com razo, os crticos ao trabalho de Putnam apontam para a circularidade desse

    argumento e, consequentemente, o torna insuficiente para delimitar e apontar a origem da

    confiana.

  • 11

    Ora, se a confiana base para a construo da argamassa que permite a

    cooperao entre instituies e essa argamassa que cria as condies para a confiana, ainda

    no possvel apontar onde se inicia o ato de confiar e tampouco, compreende-se o que seria

    a confiana per se.

    Com intuito de definir o termo confiana institucional, Moiss (2002) escreve:

    A confiana em instituies estaria baseada no fato de os cidados compartilharem

    uma perspectiva comum relativa ao seu pertencimento comunidade poltica, uma

    circunstncia implcita na justificao normativa das instituies. (MOISS, 2002)

    Em outras palavras, a confiana em instituies se daria pela garantia e coerncia de

    expectativas de ganhos futuros. Retomando a parbola de Hume, a cooperao s ocorreria se

    o agricultor que ainda no possui o trigo em tempo de colheita tivesse garantias sancionatrias

    em caso de no cooperao do primeiro agricultor no tempo futuro. Da mesma forma, o

    primeiro agricultor a realizar a colheita apenas cooperaria em caso de sanes que o impelisse

    a colaborar no futuro com seu vizinho.

    Esse nvel da confiana em instituies s alcanado devido a percepo de que a

    confiana entre pessoas (interpessoal) uma garantia de que os indivduos se comportaro de

    modo previsvel. Em consequncia, os contratos e as leis sero repetidos e a cooperao ser

    incentivada. (RENN, 2001)

    As sanes no advm, necessariamente, de um comportamento coercitivo de um

    terceiro ou apenas atravs de intervenes violentas e restritivas, como poderia fazer entender

    o termo. na contramo dessa noo que DAraujo, analisando o conceito de capital social,

    afirma:

    Uma sociedade cuja cultura pratica e valoriza a confiana interpessoal mais propcia

    a produzir o bem comum, a prosperar. A cooperao voluntria, assentada na

    confiana, por sua vez, s possvel em sociedades que convivem com regras de

    reciprocidade e com sistemas de participao cvica. (...) O capital social facilita a

    cooperao espontnea, e minimiza os custos de transao.

    Nessa passagem da autora, alm de evidenciar novamente o carter circular da

    definio, apresenta a avaliao sobre os custos de transao. Na percepo da autora, o

    cultivo do capital social e da cooperao espontnea resulta em pontos positivos em um

    clculo racional.

    Ora, no exemplo dado por David Hume, a lgica racional pode se sobrepor a uma

    interao especfica e ser avaliada no espectro temporal. O que a DArajo prope em sua

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    anlise que a repetio dessa interao proporciona outras variveis que podem fazer parte

    do clculo daquele agricultor.

    Um exemplo seria a possibilidade de o agricultor correr o risco de no ser ajudado

    pelo vizinho futuramente, pelo baixo custo de cooperar hoje, mas, em caso de

    descumprimento do acordo, no mais colaborar com o vizinho na colheita do ano seguinte.

    Dessa forma, pode-se relacionar o fenmeno da confiana poltica com a experincia

    das pessoas, mesmo na abordagem das instituies. a construo de certa identificao da

    comunidade poltica para com as instituies que o fazem atravs de processos transmisso de

    seu significado entre geraes qualificando-os para avaliar racionalmente seu desempenho.

    (MOISS, 2002)

    Observando as definies acima, evidencia-se que podemos distinguir, pelo menos,

    dois nveis de confiana. Por um lado, um nvel mais amplo de confiana explicitado e

    trabalho por Putnam, cuja definio do conceito pressupe maior previsibilidade das aes na

    interao entre os indivduos; por outro lado, a definio de Moises parece mais restrita,

    delimitando confiana apenas a expectativa dos outros atores em participar do jogo, mas com

    atuaes imprevisveis.

    Se o parmetro referencial para confiana a expectativa da participao no jogo,

    pelas regras do jogo, poderamos, pela negao, afirmar que a desconfiana a expectativa da

    no participao no jogo, ou descumprimento das regras do jogo.

    Nesse sentido, Renn (2001) ao dissertar sobre a teorizao da confiana por Putnam

    (1993), escreve:

    A confiana essencialmente um conceito relacionado com a interao entre atores.

    Em sociedades onde os atores acreditam que o comportamento confiante ser

    recompensado e que a interao contnua em um perodo de tempo cria um padro

    duradouro de reciprocidade, a cooperao muito mais vivel. O segundo elemento da

    confiana que ela pode criar dependncia da trajetria. Os ciclos virtuosos que

    estimulam a cooperao e a ao coletiva tendem a durar tanto quanto os ciclos

    viciosos de desconfiana e alternativas hierrquicas, hobbesianas.

    Da advm mais uma caracterstica clara do conceito de confiana; trata-se de algo

    que se realiza a partir de uma interao entre atores no tempo. Sendo assim, trata-se de uma

    relao entre indivduos ou entre individuo e sociedade, ou ainda, individuo e instituies.

    Por outro lado, percebe-se que a dita desconfiana mapeada pelos institutos de

    pesquisa, como o IBOPE, se refere muito mais a imprevisibilidade na atuao dos atores que

    pela contestao estrutural das regras do jogo democrtico.

  • 13

    Dessa forma, possvel afirmar que no existe uma contestao do regime

    democrtico, no existe uma desconfiana para com as instituies em si, mas uma

    insegurana na relao a essas instituies pela imprevisibilidade da atuao das mesmas. Em

    outras palavras, no est em discusso as regras do jogo, mas a execuo das mesmas regras.

    Nesse sentido, afirma Moiss:

    O panorama geral das novas democracias mostra, (...), que nesse caso no est em

    questo uma crise de confiana poltica que, em realidade, no logrou se enraizar em

    sua experincia recente, mas as dificuldades do novo regime para adensar a ligao

    orgnica entre os cidados e as estruturas de poder. [...] Quando as instituies no

    contam com a confiana dos cidados, tm dificuldades para funcionar como mediao

    entre suas expectativas e os objetivos coletivos propostos por governos e por lideranas

    polticas (OFFE, 1999 apud MOISES, 2002)

    Em outras palavras, Moiss questiona a prpria consolidao do regime nos pases de

    novas democracias, quando afirma que as instituies tm dificuldades para funcionar como

    mediadoras. Entretanto, neste mesmo trabalho, apontado o caso de democracias

    consolidadas como Inglaterra, Frana, Sucia e Canad onde, mesmo durante a continuidade

    do regime democrtico por quatro dcadas, os ndices de confiana nas instituies caram de

    75% para 25% da populao. (MOISS, 2002)

    Considerando isso, retomamos a pergunta de onde se origina a confiana?

    Avanando os estudos de Putnam, Inglehart estuda a estabilidade do regime democrtico e as

    ligaes com as atitudes polticas. Segundo o autor, a principal hiptese que a estabilidade

    de regime altamente influenciada pelas orientaes culturais dos cidados. Um padro de

    comportamento coerente, constitudo de satisfao de vida e poltica, confiana interpessoal

    e apoio ordem social existente, essencial para o sucesso de um regime democrtico.

    (RENN, 2001)

    Dessa forma, apesar de podermos apontar nveis de confiana distintos, a

    contaminao de um pelo outro possvel e, de acordo com Inglehart, previsvel. Isso ocorre

    porque a confiana, de acordo com o autor, um fator decisivo para a formao de

    associaes secundrias, elemento essencial a participao poltica e a consolidao do

    regime democrtico (RENN, 2001).

    Tambm interessante observar os argumentos de Moiss que advoga que as

    instituies operem como marcos de previsibilidade da ao de governos e de seus

    responsveis a partir de regras que organizam o seu desempenho e permitem que sua ao

    seja controlada socialmente atravs de normas de imparcialidade e de correo de desvios

  • 14

    (MOISS, 2005). Em outras palavras qualificando a participao do cidado na esfera

    pblica, que o grau de confiana nas instituies dever ser trabalhado positivamente.

    Em estudo estatstico atravs de dados do latino-barmetro, Renn aponta que as

    instituies desempenham um papel na moldagem dos comportamentos polticos, e no o

    contrrio como sugere Putnam e Inglehart (RENN, 2001) o que traz esperanas de que a

    continuao da vida democrtica na Amrica Latina se reforar a si mesma, estimulando

    atitudes polticas compatveis com a democracia.

    O grande desafio, ento, para o reforo desses laos se dar atravs da construo da

    confiana sob duas questes: a primeira na perpetuao de prticas de cooperao; a segunda

    sob a previsibilidade da interao entre os atores. O desafio posto aos regimes democrticos,

    portanto, talvez resida em como reproduzir essas prticas no lcus pblico e de forma que as

    expectativas individuais correspondam s aes das instituies.

    Segundo a pesquisa de Renn, parece que a estrutura institucional de um pas

    desempenha um papel central na moldagem dos comportamentos polticos predominantes dos

    cidados.(RENN, 2001)

    Retomando Easton, MOISS, 2002 aponta que o fenmeno da confiana poltica se

    relacionada com a experincia das pessoas, que passado de gerao a gerao, a identificao

    entre a comunidade poltica e instituies permitem as experincias concretas ao longo de sua

    vida adulta qualifica-os racionalmente para avaliar seu desempenho. Dessa forma o pblico

    reconheceria e avaliaria criticamente as instituies a partir do que aprendeu que a sua

    misso fundamental, reagindo a elas de acordo com essa percepo. (EASTON, 1975 apud

    MOISS, 2002)

    At por isso, em sua concluso, Moiss, 2005, afirma que a explicao do fenmeno

    da confiana em instituies radica nas prprias instituies e no na confiana interpessoal,

    evento apontado por RENN, 2001.

    ACCOUNTABILITY

    Segundo as concluses de RENN, 2001, os ambientes em que a previsibilidade de

    comportamento alta esto mais inclinados a permitir que a cultura da confiana floresa.

    Em situaes em que os indivduos acreditam que os outros iro agir de uma maneira

    determinada e ordeira. Em outras palavras, onde as instituies esto estabelecidas e

    desenvolvidas a confiana tende a vigorar.

  • 15

    A partir desse diagnstico, para fins deste trabalho, resta-nos explicitar o debate

    sobre accountability, sem perder as possveis consequncias sobre a confiana nessa forma de

    relacionamento entre representantes e representados.

    A noo de prestao de contas tem sido colocada como central de um bom

    governo, e est intimamente relacionada com a ideia de governo representativo por se tratar

    de um vnculo especial com os cidados na democracia representativa (PERUZZOTTI, 2008)

    Por isso faz-se necessrio discutir accountability sob um parmetro desejado de

    democracia. Nesse sentido, retomando o conceito de Dahl, trabalha-se com a prestao de

    contas em um regime cujos atributos se remetem a capacidade do estado de responder a uma

    oposio reconhecida pelas regras e a capacidade de incluso e participao na esfera pblica

    por parte dos indivduos.

    Por isso, tornou-se lugar comum na literatura afirmar que o termo accountability no

    possui traduo literal para a lngua portuguesa e at mesmo para o espanhol. Essa a questo

    principal tratada em Que s rendicin de cuentas? de Andreas Schelder.

    Mas por que prestao de contas no contempla a definio de accountability?

    Schelder, 1999, apresenta como argumento central de seu artigo: no mbito poltico,

    afirmarmos que a noo de prestao de contas tem duas dimenses bsicas. Inclui, por um

    lado, a obrigao de polticas e funcionrios de informar sobre suas decises e de justific-

    las em pblico (answerability). Por outro, inclusive a capacidade de sancionar polticos e

    funcionrios que violem seus deveres pblicos (enforcement)[Traduo livre].

    Apontando apenas para a noo de answerability j podemos apontar limitaes da

    definio de prestao de contas. Primeiro sobre o aspecto da obrigatoriedade. Answerability

    se refere a obrigao de polticos e funcionrios pblicos de informar e justificar suas

    decises.

    Quando se fala em prestao de contas (em espanhol, rendicin de cuentas, original

    no texto de Schelder) pode-se entender, erroneamente, como uma benesse do soberano que se

    dispe a informar sobre suas decises e aes como um ato voluntrio, de uma concesso

    generosa. (SCHELDER, 1999, traduo livre).

    Accountability pressupe a obrigatoriedade no apenas de informar o cidado sobre

    as decises como tambm explicitar as justificativas das decises tomadas. Em outras

    palavras, alm de se caracterizar como uma obrigao, no basta informar as decises, o

    Estado dever justific-las, o que dar incio a um debate com a sociedade.

  • 16

    A relao passa a ser menos esttica do que apenas a exposio de informaes, por

    direito pblicas, ela se caracterizar, ento, como uma relao dinmica de perguntas e

    respostas entre Estado e sociedade.

    Ou seja, um Estado que presta contas necessariamente se deparar com perguntas

    incmodas, quando limites de gesto, por exemplo, podem ser expostos. Ao mesmo tempo,

    caber ao cidado fazer essas perguntas incmodas e para tal qualificar-se diante de suas

    prprias demandas.

    Essa dinmica pressupe que o poder deve ser restringido pelos aspectos legais mas

    tambm pela lgica da racionalidade pblica na medida que a prestao de contas

    (accountability) a anttese do poder monoltico. (SCHELDER, 1999)

    Assim, o termo answerability corresponde uma traduo j utilizada para

    accountability, que responsividade, ou seja, a capacidade dos funcionrios de informar o

    cidado sobre aes e de justific-las (SCHELDER, 1999).

    Quando exigimos contas, com frequncia a informao recebida no to precisa e

    confivel como gostaramos. Quando exigimos contas, com frequncia as justificativas

    que recebemos no so to convincentes como gostaramos. Por isso mesmo,

    seguiremos insistindo, perguntando, questionando, exigindo. A prestao de contas

    [rendicin de cuentas] no um direito de petio. um direito a crtica e ao dilogo.

    (SCHELDER, 1999, traduo livre)

    Nota-se que para alm da responsabilidade do Estado em responder ao cidado,

    caber ao cidado tambm servir de interlocutor qualificado s prprias demandas, exaurindo

    suas dvidas e necessidades sobre determinado tema. Logo, accountability no se trata apenas

    da responsabilidade do Estado para com a sociedade, mas de um amadurecimento da

    sociedade no tocante a construo de argumentos e de conhecimento formulado e assimilado

    sobre o funcionamento do Estado.

    A segunda dimenso proposta por SCHELDER, 1999 se remete capacidade de

    sancionar os funcionrios pblicos polticos e burocratas. A hiptese que se no existirem

    elementos de coao e sano no haver razo para que polticos e funcionrios pblicos

    prestem contas de seus atos. [O elemento das sanes] implica que os atores que exigem

    contas no somente questionam, mas tambm castigam o comportamento imprprio de

    servidores pblicos. (ODONNELL, 1994 apud SCHELDER, 1999)

    Seria ineficiente pensar a prestao de contas que no contasse com instrumentos que

    sancionem quem no prestar contas, perdendo o carter de obrigatoriedade. Para alm disso,

  • 17

    seria ineficiente que os executores das sanes no fossem amparados legalmente ou por

    uma lgica hierrquica.

    A relao estreita entre a prestao de contas e a disponibilidade de sanes concorda

    com a literatura neoinsitucionalista sobre as fontes de efetividade das instituies.

    Como afirma uma boa parte da nova literatura institucionalista, para que sejam

    efetivas as regras formais devem estar acompanhadas de mecanismos de

    monitoramento, para que no passem por desapercebido quando algum violar uma

    norma(a funo informativa da prestao de contas) (SCHELDER, 1999).

    Peruzzotti, por sua vez, faz uma distino alternativa a de Schelder, e d maior

    destaque sobre a perspectiva de controle. Segundo aquele autor, prestao de contas pode ser

    entendida sob a dimenso poltica que se refere a capacidade de que polticas

    governamentais reflitam a preferncia dos pblicos representados e da dimenso legal -

    refere-se a mecanismos institucionais desenhados para assegurar que o marco legal seja

    seguido por funcionrios pblicos. (PERUZZOTTI, 2008).

    O autor entende que a efetividade da dimenso legal da prestao de contas depende

    de agncias governamentais especializadas no exerccio de prestar contas (auditorias,

    controladorias, defensorias, organismos anticorrupo) ou instituies que, apesar de no

    serem especializadas nisso intervm na manuteno dos procedimentos constitucionais e das

    leis. (PERUZZOTTI, 2008)

    Apesar da opo pela definio de Schelder, especialmente por identificar restries

    do accountability sob a perspectiva exclusiva do controle, interessante a reflexo do autor

    sobre a dimenso legal, que acusa a necessidade de que os rgos e agncias estatais possuam

    capacidade de sancionar, inclusive, desvios.

    Entretanto, as sanes no precisam recair, necessariamente e apenas, nas questes

    legais. A exposio pblica, especialmente de polticos, uma sano disponvel a sociedade

    civil.

    Na poltica, as ferramentas mais comuns de castigo e ms condutas so a exposio

    pblica e a remoo de cargos pblicos. Ainda que no levem os acusados a pagar multas ou

    pisar no crcere, tanto a publicidade como a exposio podem constituir castigos terrveis que

    levem a destruir a reputao pblica e a carreira poltica de um poltico. (SCHELDER, 1999,

    traduo livre)

    As limitaes de Peruzotti, a meu ver, recaem sobre o foco estar apenas nas agncias,

    relegando o papel da sociedade civil nesse jogo. Afinal, em ltima instncia, quem fiscalizar

  • 18

    o fiscal? Por isso a compreenso de que esses mecanismos de accountability devem incluir a

    sociedade de forma mais proativa e capacitada ao jogo, no apenas como fornecedora de

    inputs que sirvam s agncias de fiscalizao, mas tambm com instrumentos de coao e

    sano.

    De acordo com Sanchez, 2003:

    (...) a extenso, qualidade e fora dos controles so consequncias do fortalecimento da

    malha institucional da sociedade civil e do estgio de desenvolvimento polticos dos

    pases. Sem a sociedade civil mobilizada haver baixa propenso institucionalizao

    de normas, padres e regras, sem os quais o perfil do governante continuar ditando a

    forma de ser do Estado e sua relao om a sociedade. Ou seja, a informao

    lentamente comea a ser dada mas necessrio que a sociedade civil esteja capacitada

    para lidar com essa informao disponvel nos novos controles internos.

    Por isso as relaes de accountability exigem um arcabouo legal que permita o

    dilogo constante entre Estado e sociedade, no apenas como forma de viabilizar

    operacionalmente o mesmo, mas tambm, de proporcionar a responsabilizao desses atores

    atravs de incentivos e punies.

    Ademais, no seria equivocado atribuir a esses mecanismos o objetivo do fomento da

    confiana institucional, cujo debate foi explicitado neste trabalho. No seria equivocado

    tambm atribuir a esse relacionamento o objetivo de capacitao da prpria sociedade civil

    atravs da construo de um Estado accountable.

    Em concluso a seu artigo, Schelder aponta trs dimenses de um Estado

    accountable: informao, justificao e sano. Essas duas primeiras como desdobramento da

    capacidade do Estado em responder a sociedade e o segundo quanto a capacidade das

    instituies atuarem caso no haja conformidade na ao ou na resposta do Estado.

    OBSERVAES FINAIS

    Na apresentao foi dito que o artigo partiria da hiptese de que um Estado

    accountable colaboraria no apenas com a consolidao do regime democrtico como, em

    consequncia, tambm com as relaes de confiana institucional. A importncia dos

    mecanismos de accountability parece no ser razo de polmica na literatura, sua importncia

    reconhecida e dada como certa.

    O que foi exposto aqui no pretendia afirmar ou contestar tal hiptese, mas apontar

    os principais debates que afetam a discusso e que poderiam subsidiar, a sim, a construo a

    validao, ou no, dessa hiptese.

  • 19

    Em resumo, os principais pontos de reflexo apontam para o debate sobre a

    amplitude desses mecanismos de prestao de contas e a origem da construo da relao de

    confiana entre Estado e sociedade.

    Quanto a origem dessa relao de confiana, se na sociedade confiana interpessoal

    ou se nas instituies atravs das regras, o posicionamento nesse debate pode indicar

    solues diferentes sobre a construo de um Estado accountable.

    Se a confiana institucional resultado da confiana interpessoal (citados aqui em

    PUTNAM, DARAUJO, e outros) os mecanismos de accountability devero se adequar as

    limitaes impostas pelas relaes da sociedade.

    Por outro lado, se a confiana institucional resultado da previsibilidade imposta

    pelas regras do jogo democrtico (EASTON, MOISES, e outros) os mecanismos de

    accountability devem ser pensados e elaborados como indutores de uma confiana

    institucional que, consequentemente, fortaleam as instituies democrticas. Em outras

    palavras, atravs da perseverana no regime democrtico e suas regras que a confiana nas

    instituies

    Em se tratando da amplitude a que se refere um Estado accountable, o controle, por

    si s, constitui uma prerrogativa do cidado, no apenas por uma questo de direito, mas pela

    necessidade de mobilizao da sociedade civil e a insero desses grupos no ambiente poltico

    de forma proativa. Essa dinmica parece indicar o melhor caminho para controlar quem

    detm o controle.

    A principal ideia da prestao de contas controlar o poder poltico e no elimin-lo.

    Nesse sentido a prestao de contas pressupe o exerccio de poder. Longe de abrigar

    utopias que sonham com o desaparecimento do poder, a prestao de contas poltica

    entra completamente no mundo do poder. (SCHELDER, 1999)

    O fato de empoderar a sociedade civil de mecanismos de sano de polticos para

    alm das eleies e funcionrios pblicos no se refere a um anseio de desaparecimento do

    poder poltico ou da desnecessidade de representantes polticos, ao contrrio, se trata de

    questes inerentes ao exerccio do poder, que por sua vez, foi legitimado por essa mesma

    sociedade civil. Em outras palavras, no se trata de uma elaborao de uma democracia direta,

    mas da reduo da distncia entre Estado e sociedade.

    interessante aqui apontar que a amplitude do escopo dos instrumentos de

    accountability, quando estabelecem um relacionamento de prestao de contas direto entre

    funcionrios pblicos e sociedade civil, podem relegar o papel do poltico nesse dilogo a um

  • 20

    segundo plano. Algo interessante de ser investigado sob o prisma das relaes de agente-

    principal que, em seu modelo bsico, estabelece um vnculo: funcionrio pblico-poltico e/ou

    poltico-sociedade civil.

    Inevitavelmente surgiro algumas perguntas a esse relacionamento: qual a

    legitimidade do funcionrio pblico burocrata em responder diretamente a sociedade?

    Qual a responsabilidade pessoal que recai sob o burocrata? O prprio papel do burocrata

    acaba por ser ampliado, sob essa leitura, pois, se de um lado recebe as ordens do ambiente

    poltico devem ser cumpridas pela burocracia, por outro, obtm o feedback dos beneficirios

    das polticas pblicas, dessa forma, a que rei ele serve? Como se dar a insero desses atores

    da sociedade civil que devero ser ouvidos de forma a no terem sua participao capturada

    como no caso dos pases do welfare state.

    Essa discusso s ocorre devido a compreenso de que um Estado accountable

    supera uma concepo restrita de controle e punio de desvios, mas tambm se servir de

    instrumentos de formulao e avaliao das polticas pblicas, fruto de uma relao interativa

    entre Estado e sociedade.

    A promulgao e implementao recente da Lei de Acesso de Informao (Lei

    Federal 12.527 de novembro de 2011) lanou luz ao debate, no s restrito ao acesso da

    informao mas aos limites e avanos dessa relao de prestao de contas.

    Ainda que a jovialidade da LGAI [Lei Geral de Acesso Informao] no nos permita

    um balano de tempo mais segura para se estabelecer comparaes e at verificar a

    necessidade de ajustes, necessrio registrar o importante avano promovido por essa

    nova legislao no campo das relaes de poder. Antes o cidado e suas organizaes

    tinham a possibilidade de conseguir informaes importantes para suas atividades

    cotidianas; agora, passaram a ter esse direito. Por outro lado, os rgos

    governamentais que antes respondiam ou no tais pedidos de informao de forma

    arbitrria, hoje tm o dever de disponibiliz-las sob a pena de sofrerem sanes caso se

    recusem a fazer sem nenhum amparo legal para tanto.(ANGLICO e TEIXEIRA,

    2012)

    A Lei de Acesso a Informao completar trs anos em 2014, ainda nova, mas com

    mais dados para anlise e possveis de responder questes sobre a oferta e demanda de

    informaes, escopo, e sanes aplicadas ou no.

    Com o avano nos instrumentos de governo eletrnico a discusso dos reais critrios

    da democracia no so apenas sobre a amplitude da participao e das possibilidades de

  • 21

    contestao do status quo, mas, sim, na definio das atribuies e responsabilidades aos

    executores das aes do Estado, ou seja, das polticas pblicas.

    Em outras palavras, o monitoramento de uma poltica pblica passa a ser, para alm

    de um aspecto de gesto, uma questo de participao social, o que leva a outra questo: quais

    so os limites de autonomia dados ao representante legitimo e tcnico para o desenvolvimento

    das aes a ele competente.

    Algumas aes so tomadas com expectativa de resultados no longo prazo e ganhos

    difusos, inclusive uma das justificativas para que o Estado atue quando um investimento

    tem como resultados essas caractersticas, que inibem a atuao do mercado. Em um ambiente

    de disputa poltica intensa, seria razovel imaginar que o empoderamento da sociedade civil

    pode paralisar as aes cujos resultados no sejam imediato e concreto. A investigao sobre

    essas afirmaes fundamental para um debate qualificado os limites do empoderamento dos

    funcionrios pblicos e das sanes da sociedade, no apenas no ato de solicitar informaes

    como tambm de contestar as aes per se.

  • 22

    BIBLIOGRAFIA

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