Acessibilidade aos serviços de saúde em um município do ... · lizado em cinco municípios do...

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010 725 Acessibilidade aos serviços de saúde em um município do Estado da Bahia, Brasil, em gestão plena do sistema Health services accessibility in a city of Northeast Brazil 1 Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil. Correspondência A. B. O. Cunha Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Rua Basílio da Gama s/n, Salvador, BA 40110-040, Brasil. [email protected] Alcione Brasileiro Oliveira Cunha 1 Ligia Maria Vieira-da-Silva 1 Abstract In order to analyze the implementation of mea- sures targeting accessibility to primary health care in a municipality (county) in the State of Bahia, Brazil, a single case study was performed with two levels of analysis: system and services organization. The data were obtained from semi- structured interviews, observation of routine care, and document analysis. Of the four health units analyzed, three showed intermediate-level imple- mentation of measures targeting accessibility. The Family Health Units showed better performance, due to measures for patient reception and referral to specialized services, but they revealed problems with scheduling of appointments. Despite having defined primary care as the portal of entry into the system and the implementation of a help desk for setting appointments with specialists, there are persistent organizational barriers in the mu- nicipality. A specific policy is recommended to im- prove accessibility, aimed at organization of the services supply in order to change the health care model. Health Services Accessibility; Decentralization; Health Evaluation Introdução A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), no início da década de 90, foi de fundamental im- portância para a garantia e a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde. Para tanto, a descentralização da gestão foi estrategicamente induzida pela formulação e instituição das nor- mas operacionais e de assistência à saúde, edita- das entre 1993 e 2002, que buscaram consolidar o pleno exercício do poder público municipal na função de gestor da atenção à saúde 1,2,3 . Mais recentemente, a edição do pacto pela saúde pro- pôs novas diretrizes para as políticas de saúde, reafirmando a municipalização e a organização do sistema, por meio da atenção básica, como caminho para a consolidação do SUS 4 . Essas iniciativas têm sido apoiadas e in- fluenciadas pela Organização Mundial da Saú- de (OMS) 5 , com a adoção de princípios para a construção da atenção primária dos serviços de saúde dirigida por valores de dignidade humana com ênfase na proteção e promoção da saúde. Existem, inclusive, evidências, no plano interna- cional, que revelam a contribuição da atenção primária na melhoria da saúde individual e co- letiva, e os ganhos indiretos, como a redução dos custos do sistema e das desigualdades entre os subgrupos populacionais 6,7 . No Brasil, a reorganização das ações no nível local não transcorreu de forma homogênea. Pri- meiro, devido ao pequeno porte de grande parte ARTIGO ARTICLE

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

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Acessibilidade aos serviços de saúde em um município do Estado da Bahia, Brasil, em gestão plena do sistema

Health services accessibility in a city of Northeast Brazil

1 Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.

CorrespondênciaA. B. O. CunhaInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia.Rua Basílio da Gama s/n, Salvador, BA 40110-040, [email protected]

Alcione Brasileiro Oliveira Cunha 1 Ligia Maria Vieira-da-Silva 1

Abstract

In order to analyze the implementation of mea-sures targeting accessibility to primary health care in a municipality (county) in the State of Bahia, Brazil, a single case study was performed with two levels of analysis: system and services organization. The data were obtained from semi-structured interviews, observation of routine care, and document analysis. Of the four health units analyzed, three showed intermediate-level imple-mentation of measures targeting accessibility. The Family Health Units showed better performance, due to measures for patient reception and referral to specialized services, but they revealed problems with scheduling of appointments. Despite having defined primary care as the portal of entry into the system and the implementation of a help desk for setting appointments with specialists, there are persistent organizational barriers in the mu-nicipality. A specific policy is recommended to im-prove accessibility, aimed at organization of the services supply in order to change the health care model.

Health Services Accessibility; Decentralization; Health Evaluation

Introdução

A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), no início da década de 90, foi de fundamental im-portância para a garantia e a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde. Para tanto, a descentralização da gestão foi estrategicamente induzida pela formulação e instituição das nor-mas operacionais e de assistência à saúde, edita-das entre 1993 e 2002, que buscaram consolidar o pleno exercício do poder público municipal na função de gestor da atenção à saúde 1,2,3. Mais recentemente, a edição do pacto pela saúde pro-pôs novas diretrizes para as políticas de saúde, reafirmando a municipalização e a organização do sistema, por meio da atenção básica, como caminho para a consolidação do SUS 4.

Essas iniciativas têm sido apoiadas e in-fluenciadas pela Organização Mundial da Saú-de (OMS) 5, com a adoção de princípios para a construção da atenção primária dos serviços de saúde dirigida por valores de dignidade humana com ênfase na proteção e promoção da saúde. Existem, inclusive, evidências, no plano interna-cional, que revelam a contribuição da atenção primária na melhoria da saúde individual e co-letiva, e os ganhos indiretos, como a redução dos custos do sistema e das desigualdades entre os subgrupos populacionais 6,7.

No Brasil, a reorganização das ações no nível local não transcorreu de forma homogênea. Pri-meiro, devido ao pequeno porte de grande parte

ARTIGO ARTICLE

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dos municípios que enfrentaram dificuldades no planejamento e na organização dos seus sis-temas 8; depois, pela distribuição desigual da oferta de recursos humanos e da capacidade instalada 9 e, por fim, pelas características dos governos municipais e da gestão dos sistemas locais 10.

Ao tempo em que se observam progressos nas diversas áreas 11,12 e elevadas taxas de uti-lização dos serviços evidenciadas nas últimas PNADs (Pesquisas Nacionais por Amostra de Do-micílios) 13, persistem problemas relacionados aos diversos componentes da acessibilidade aos serviços de saúde, no sentido discutido por Do-nabedian 14, que a considera como a facilidade da utilização dos serviços de saúde pelos usuá-rios, decorrente tanto das características organi-zacionais dos serviços como das possibilidades dos usuários superarem as barreiras porventura existentes.

Avaliações recentes financiadas pelo PROESF (Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família), em diversas regiões do país, revelaram que, entre as dimensões avaliadas, a acessibilida-de, compreendendo a localização das unidades e os dias e horários de atendimento, foi a que ob-teve menor satisfação por parte dos usuários 15. Na mesma linha, outro estudo que investigou a efetividade do sistema de atenção básica a par-tir das dimensões “acesso às ações de atenção básica/Programa Saúde da Família (PSF)” e “in-tegralidade’’ do cuidado concluiu que, entre os municípios paulistas investigados, apenas 23,5% deles garantiam acesso e integralidade aos servi-ços, e, aproximadamente, 33% dos mesmos não apresentam nem uma nem outra dimensão 16. A investigação realizada por Escorel et al. 17 em dez capitais com PSF implantado revelou, a partir do acompanhamento de usuários aos serviços, a existência de barreiras de acesso decorrentes de horários inadequados e dificuldades em aten-der à demanda espontânea. Estudo de caso rea-lizado em cinco municípios do Estado da Bahia analisando a descentralização da gestão revelou que houve ampliação da cobertura assistencial em todos os municípios analisados. Entretan-to, o acesso aos serviços encontrava barreiras tanto na atenção básica quanto na alta e média complexidade 10. Outros estudos que abordam essa temática concentram-se na descrição das características de utilização ou em estimativas de cobertura dos serviços relacionadas à amplia-ção da oferta dos mesmos 18,19, assim como na avaliação de algumas variáveis da organização dos serviços enquanto componentes da acessi-bilidade 10,15,16.

A articulação entre as dimensões da acessibi-lidade, tanto em relação à organização dos ser-

viços quanto aos aspectos geográficos, mediada pelos recursos de poder dos usuários, não tem sido enfatizada, assim como a análise das razões pelas quais esses problemas persistem. Visando contribuir para o esclarecimento acerca de quais componentes da acessibilidade têm dificultado a utilização dos serviços por parte dos usuários, o presente estudo buscou avaliar a implantação de ações voltadas para a melhoria da acessibili-dade à atenção básica, através de um estudo de caso em um município onde a descentralização da gestão da atenção à saúde encontrava-se em estágio avançado de organização.

Metodologia

Caracterização do caso

Foi realizado estudo de caso único em um muni-cípio do Estado da Bahia, em Gestão Plena do Sis-tema de Saúde desde 1998. Trata-se de um muni-cípio de médio porte com população aproxima-da de 300 mil habitantes. A partir de 1998, houve uma ampliação da rede de serviços, tendo, como foco, a reorganização da atenção básica com a Estratégia Saúde da Família. Em 2001, esse mu-nicípio havia sido classificado por investigação avaliativa, da qual o presente estudo faz parte, como em estágio avançado da descentralização 10. Desde 2003, o município assumiu também a gestão dos serviços de alta complexidade, ofer-tando seus serviços para mais de 70 municípios da região, ampliando as referências intermuni-cipais formalmente estabelecidas. Assim, no ano de 2008, o município contava com 38 unidades de saúde da família com cobertura em torno de 67% da população, sete unidades básicas de saú-de, seis centros de especialidades, uma central de marcação de consultas e um centro de atenção médica especializada. O município contava ain-da com um hospital municipal geral, com assis-tência materno-infantil para o acompanhamen-to de pré-natal de alto risco e UTI neonatal.

Elaboração do modelo teórico

A análise foi precedida da elaboração de um modelo teórico-lógico, incorporando dimen-sões e critérios relacionados à acessibilidade a serviços de saúde. Esse modelo corresponde a uma “imagem-objetivo”, que funciona como re-ferência para apreciação do grau de implantação da organização dos serviços e do componente “acessibilidade” (Figura 1).

A acessibilidade aos serviços de saúde repre-senta um importante componente de um siste-ma de saúde no momento em que se efetiva o

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Figura 1

Modelo teórico lógico para a análise da implantação de ações voltadas para a acessibilidade a serviços de saúde, em um município do Estado da Bahia,

Brasil, 2006.

processo de busca e obtenção do cuidado. Para Donabedian 14, trata-se daquelas características dos serviços que permitem que os mesmos se-jam mais facilmente utilizados pelos usuários. É considerada como uma característica adicional à mera presença ou disponibilidade de um servi-ço em um lugar e em um determinado momen-to. Para sistematizar tal conceito, Donabedian 14 sugere a observação de duas dimensões que es-tão em contínua interação: (a) a acessibilidade sócio-organizacional, na qual estão listados to-dos os aspectos de funcionamento dos serviços que interferem na relação usuário x serviços, tendo em vista à plena utilização, como horários de funcionamento das unidades e o tempo de espera para o atendimento; (b) a acessibilidade

geográfica que diz respeito à distribuição espa-cial dos recursos, à existência de transporte e à localização das unidades.

De acordo com a imagem-objetivo da orga-nização de um sistema municipal de saúde, a ga-rantia do acesso a diferentes níveis de cuidados decorre da implantação de modelos de atenção capazes de responder às necessidades de saúde da população 20. Nesse sentido, a atenção básica deve funcionar como porta de entrada aos de-mais níveis de assistência, buscando maior grau de resolutividade das ações, viabilizando cui-dados de promoção da saúde, prevenção, trata-mento e reabilitação de doenças e agravos.

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Matriz da imagem-objetivo da acessibilidade

Foi derivada do modelo teórico matriz de dimen-sões e critérios composta por duas dimensões: (1) organização do sistema e (2) organização dos serviços. Para cada uma dessas dimensões, foram estabelecidos critérios formulados com base na revisão de literatura sobre o tema. Para cada cri-tério selecionado, foi feita a descrição do padrão esperado que corresponderia à situação conside-rada como “satisfatória”, bem como as situações consideradas como “intermediária” e “insatisfa-tória”, com as respectivas pontuações. Tendo em vista que o foco do estudo era a atenção básica, foi atribuído maior peso à organização local dos serviços (75 pontos) em relação à dimensão “or-ganização do sistema” (25 pontos), (Tabela 1).

Em relação à organização do sistema, os cri-térios analisados foram: (a) a existência de dire-triz da política local de saúde relacionada com a garantia de acesso; (b) definição clara da atenção básica como porta de entrada ao sistema de saú-de, viabilizando o acesso aos diversos níveis do sistema.

A dimensão organização dos serviços foi ca-racterizada por aspectos relacionados à acessibi-lidade organizacional e geográfica. Na primeira, observam-se as características do atendimen-to que facilitam o contato dos usuários com os serviços, a saber: (a) horário de funcionamento das unidades; (b) sistema de marcação de con-sultas; (c) sistema de marcação de consultas por telefone; (d) sistema de marcação de consultas especializadas; (e) existência de lista de espera; (f) existência de práticas de acolhimento; (g) en-caminhamento para outro serviço através do sis-tema de referência; (h) retorno para o serviço de origem com a contra-referência. Assim como a existência de barreiras organizacionais: (a) tem-po de espera para marcar consulta; (b) tempo de espera entre a marcação da consulta e o atendi-mento; (c) tempo de espera para ser atendido na realização da consulta; (d) existência de filas para marcação de consultas.

Na acessibilidade geográfica, foram avalia-das: (a) distância entre a residência e a unidade de saúde; (b) distância entre a residência e o Cen-tro de Atenção Especializada (CAE) e laboratório; (c) existência de transporte.

As características da gestão municipal foram descritas em relação à implantação das ações voltadas para acessibilidade aos serviços. Foram observadas as características do gestor no que diz respeito à liderança e à formação na área de saúde coletiva; características da produção de serviços – aumento da oferta de serviços; existência de política de recursos humanos – contratação de novos profissionais e melhoria

da infra-estrutura – e aumento da capacidade instalada.

A seleção das unidades se deu a partir da in-dicação da equipe de Coordenação da Atenção Básica. Foi sugerida a indicação de quatro uni-dades que apresentassem perfil distinto quanto à organização dos serviços e envolvimento dos profissionais de saúde, caracterizadas como sa-tisfatória e não satisfatória. Esse processo resul-tou na escolha de quatro unidades, duas orga-nizadas a partir das ações do PSF (unidades de saúde da família – USF 1 e 2) e duas unidades básicas tradicionais (unidades básicas de saúde – UBS 1 e 2).

Foram realizadas 55 entrevistas semi-estrutu-radas a partir de um roteiro previamente elabora-do, envolvendo profissionais e trabalhadores das unidades investigadas e usuários residentes nas áreas de cobertura das unidades, distribuídos da seguinte forma: quatro gestores do nível central, cinco trabalhadores de saúde, sete médicos, cin-co enfermeiros, seis auxiliares de enfermagem, seis agentes comunitários de saúde (ACS) e 22 usuários.

Quanto aos usuários, foram selecionados 22 indivíduos que se encontravam na sala de espera das unidades visitadas ou haviam tentado uti-lizá-las nos últimos 15 dias e foram localizados a partir de indicações dos ACS. Cabe destacar que ao menos um representante das categorias profissionais citadas foi entrevistado em cada unidade.

Também foram analisados os seguintes do-cumentos: (a) Plano Municipal de Saúde (2002-2005); e (b) Relatórios de Gestão (2004 e 2005). Ainda foram realizadas observações diárias, nas quais foram registradas impressões do pesquisa-dor e estratégias da pesquisa.

Com base nas entrevistas e demais informa-ções e em função da imagem-objetivo (Tabela 1), foi aferido grau de implantação das ações volta-das para a melhoria da acessibilidade aos servi-ços. Foram atribuídos pontos aos critérios com base nas evidências, oriundas das falas dos agen-tes, da observação e dos documentos investiga-dos e tendo em vista a pontuação máxima pre-vista para aquele critério na matriz da imagem-objetivo (Tabela 1). A classificação final do grau de implantação para cada critério correspondeu, assim, à proporção (%) da pontuação máxima prevista dividida em tercis, da seguinte forma: (a) insatisfatória (£ 33,3%); (b) intermediária (> 33,3 e £ 66,6%); (c) satisfatória (> 66,6%).

Todos os informantes foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Informado, tendo sido assegurado o sigilo tanto dos entrevistados quan-to do município analisado, conforme aprovado

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Tabela 1

Matriz de dimensões e critérios para análise da acessibilidade a serviços de saúde em município selecionado do interior da Bahia, Brasil.

Dimensão Critério Pontos

máximo

Insatisfatória Intermediária Satisfatória

Organização do

sistema (25 pontos)

1. Garantia de acesso

como diretriz de

governo

5 Acesso não aparece

como prioridade nem

nos planos nem no

relatório de gestão (0)

Acesso aparece como

diretriz, mas não há

referência a ações voltadas

para sua implantação nos

relatórios de gestão (2,5)

Acesso aparece como uma

diretriz de governo nos

planos de saúde e se traduz

em ações concretas descritas

nos relatórios de gestão (5)

2. Rede básica: porta

de entrada aos demais

níveis

20 Não há orientação

sobre a porta de

entrada aos serviços,

ficando a cargo

dos usuários se

dirigirem ao local

que desejarem

atendimento (0)

A organização dos serviços

tem se dado prioritariamente

para os usuários de zonas

rurais e periféricas, através

do PSF e das UBS, sem

referência aos demais níveis

(10)

A atenção básica como

proposta de reorganização

do sistema de saúde,

viabilizando a referência

para os diversos níveis do

sistema, através das USF e

UBS (20)

Subtotal dimensão 25

Organização dos

serviços

Acessibilidade

organizacional

(60 pontos)

1. Horário de funciona-

mento das unidades

5 USF ou UBS

funcionando em

apenas um turno (0)

USF ou UBS funcionando

dois turnos (2,5)

USF funcionando dois turnos

ininterruptamente (5) e ou

UBS funcionando em três

turnos (5)

2. Sistema de marcação

de consultas

5 USF marcando de

1 a 3 dias ou de

modo indireto (ACS,

triagem e grupos) e

UBS marcando 1 a 3

dias na semana com

horário fixo (0)

USF com marcação diária

com horário fixo (manhã ou

tarde) ou de modo indireto

(ACS, triagem e grupos) e

UBS marcando diariamente

em horário fixo (2,5)

USF com marcação diária,

sem horário fixo para a

demanda espontânea,

através de grupos e

demandas dos ACS, e ou

UBS com marcação diária

sem horário fixo, além das

demandas dos ACS (5)

3. Marcação de consulta

por telefone

5 USF e UBS não fazem

marcação por telefone

(0)

USF faz marcação por

telefone para alguns

procedimentos, e na UBS,

apenas para demandas de

outras unidades de saúde

(2,5)

USF com marcação

para todos os serviços e

programas feitos pelos

usuários e UBS com

marcação feita pelos

usuários e outras unidades

de saúde (5)

4. Marcação de

consultas e exames

especializados

5 USF e UBS:

solicitações recolhidas

em dias e horário

determinado pelo

SAME, organizados

segundo ordem de

chegada dos usuários,

sem priorização de

casos, sendo que o

usuário deve retornar

para saber a data do

agendamento (0)

USF e UBS: solicitações

recolhidas todos os dias

pelo SAME da unidade,

priorizados segundo critérios

de gravidade/necessidade

por profissionais de nível

superior. Usuário deve

retornar para saber a data

do agendamento (2,5)

USF e UBS: solicitações

recolhidas todos os dias

pelo SAME da unidade,

priorizados segundo critérios

de gravidade/necessidade

por profissionais de nível

superior, e a marcação é

comunicada pelo ACS ou

pela unidade (5)

(continua)

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Acessibilidade

organizacional

(60 pontos)

5. Lista de espera 5 Nas USF e UBS, não

há substituição dos

pacientes faltosos (0)

Nas USF e UBS, há

substituição informal dos

faltosos sem sistematização

dessa rotina (2,5)

Nas USF e UBS, a lista

de espera existe, e a

substituição do paciente

faltoso é feita de modo

sistemático (5)

6. Acolhimento aos

pacientes

5 Nas USF e UBS, não

é realizada nenhuma

escuta ou priorização

de pacientes, e

existem problemas

com a recepção e o

atendimento (0)

Nas USF e UBS, a escuta é

realizada por profissional de

nível médio, listando casos

para subsidiar a triagem

da demanda espontânea

por profissionais de nível

superior (2,5)

Na USF e UBS, o

acolhimento da demanda

espontânea e do usuário

é feito por profissional de

nível superior, elegendo-se

as prioridades, orientando

e encaminhando os demais

pacientes, com boa relação

com a recepção (5)

7. Encaminha através

do sistema de

referência

5 USF e UBS: não

existe rotina para o

encaminhamento dos

pacientes entre os

serviços da atenção

básica e especializada

(0)

USF e UBS: o

encaminhamento de

pacientes entre os serviços

de saúde é feito através

da guia de solicitação de

consulta especializada ou

exame, sem relatório da

situação por escrito (2,5)

USF e UBS: o

encaminhamento dos

pacientes entre os serviços

é realizado através de

relatório, por escrito, em

formulário próprio, para

qualquer especialidade com

a garantia de atendimento

solicitado (5)

8. Recebe a contra-

referência

5 USF e UBS: o retorno

de informações para

o médico da unidade

de origem não é

realizado (0)

USF e UBS: o retorno de

informações para o médico

da unidade de origem se dá

pelo próprio paciente (2,5)

O retorno de informações

é feito através de ficha de

contra-referência para o

médico de origem (5)

9. Tempo de espera

para marcar consulta

5 USF e UBS: mais de 2

horas (0)

USF e UBS: de uma hora a 2

horas (2,5)

USF e UBS: menos de uma

hora (5)

10. Tempo de espera

entre a marcação e o

atendimento

5 USF e UBS: mais de

14 dias (0)

USF e UBS: entre cinco e 14

dias (2,5)

USF e UBS: até 5 dias (5)

11. Tempo de espera

para ser atendido

na realização da

consulta

5 Mais de 3 horas (0) De uma hora e meia a 3

horas (2,5)

Menos de uma hora e meia

(5)

12. Filas para

marcação de

consultas PSF e UBS

5 Existem filas que se

iniciam na madrugada

(0)

Existem filas que se iniciam

a partir das 7 horas e com

duração entre 1 e 3h (2,5).

Não há filas (5)

Acessibilidade

geográfica

(15 pontos)

13. Distância da

residência do usuário

para a USF/UBS

5 Tempo de marcha

acima de 30’(0)

Tempo de marcha entre 15

e 30’ (2,5)

Tempo de marcha inferior

a 15’ (5)

14. Distância da

residência para o

CAE e laboratório

5 Tempo de marcha

acima de 60’ (0)

Tempo de marcha entre 30’

e 60’(2,5)

Tempo de marcha inferior

a 30’ (5)

15. Existência de

transporte

5 Não existe transporte

da residência do

paciente até a USF,

UBS, hospital ou

CAE (0)

Existe apenas para o hospital

ou CAE (2,5)

Existe para as unidades,

hospital e CAE (5)

Subtotal dimensão 75

Total dimensões 100

ACS: agentes comunitários de saúde; CAE: Centro de Atenção Especializada ; PSF: Programa Saúde da Família; SAME: Serviço de Arquivo Médico e

Estatística; UBS: unidades básicas de saúde; USF: unidades de saúde da família.

Tabela 1 (continuação)

Dimensão Critério Pontos

máximo

Insatisfatória Intermediária Satisfatória

ACESSIBILIDADE AOS SERVIÇOS DE SAÚDE 731

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pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universi-dade Federal da Bahia (CEPISC/UFBA).

Resultados

O município estudado, em 2005, encontrava-se na gestão plena do sistema. Existia, naquele momento, um projeto de governo voltado para a reorganização do Sistema Municipal de Saú-de, incorporando a garantia de acesso universal como uma das diretrizes da referida reorganiza-ção setorial (Planos Municipais 1997-2001; 2002-2005). Entre as principais ações relacionadas a essa diretriz, estavam o aumento no número de profissionais, serviços, equipamentos e unidades de atenção básica, a estruturação da rede de as-sistência especializada e a criação de centrais de marcação de consultas e de centros especializa-dos. À exceção dessa última, as demais medidas relacionavam-se com a ampliação da oferta de serviços. Quanto à capacidade de governo, esse município apresenta continuidade administra-tiva desde 1997, tendo, como gestores, profissio-nais de saúde com qualificação técnica em saúde coletiva, reconhecida experiência profissional e militância no movimento pela reforma sanitária.

A proposta evidenciava também que a reor-ganização da atenção básica como porta de en-trada aos serviços, articulada a uma central de marcação de consultas especializadas, deveria funcionar como facilitador do uso dos serviços pelos usuários, aumentando a acessibilidade. Es-sa situação pode ser ilustrada no comportamen-to de uma das entrevistadas, moradora de bairro central, que admitiu ter utilizado o endereço de membros da família residentes em área cadas-trada pelo PSF para marcar consultas especiali-zadas e obter atendimento. Cabe ressaltar que os critérios analisados nessa dimensão obtiveram pontuação máxima na análise (100%) e, portan-to, não foram utilizados para a aferição do grau de implantação.

Por outro lado, na análise da organização dos serviços, persistiam problemas de acessibilida-de tanto em relação às características do atendi-mento quanto pela existência de barreiras orga-nizacionais e geográficas, nas quatro unidades de saúde investigadas. Esses obstáculos estiveram presentes, com maior intensidade, nas unidades básicas de saúde tradicionais, cuja pontuação global nessa dimensão foi de 28% na UBS 1, con-siderada de nível insatisfatório e 40,6% na UBS 2, com nível intermediário. Parte desses resultados está relacionada às características do atendimen-to nas unidades estudadas, com a ausência de ações voltadas para o acolhimento, a não utili-zação de lista de espera para a substituição dos

faltosos e a fragilidade do sistema de referência e contra-referência, além das distâncias geográ-ficas entre essas unidades e a residência dos usu-ários (Tabela 2; Figuras 2 e 3).

A classificação das USF também em nível in-termediário demonstra que a conduta das ações entre essas e as UBS não são muito distintas. A USF 1 foi classificada com 50,6% de implanta-ção de ações em função da imagem-objetivo traçada, enquanto a USF 2 obteve 45,3%. Os aspectos que mais contribuíram para a baixa pontuação dessas unidades foram dificuldades para a marcação de consultas e deficiências no sistema de referência e contra-referência, além dos longos tempos de espera para o atendimen-to (Tabela 2; Figuras 2 e 3). Contudo, quando se observam apenas os critérios relacionados às características do atendimento, as USF apre-sentam melhor desempenho, muito em função da existência de lista de espera, de estratégias para o acolhimento e da melhor organização do sistema de referência e contra-referência.

Ainda que em todas as unidades tenham sido apontados problemas na organização do sistema de referência e contra-referência, a si-tuação é mais grave nas UBS. Nelas, a regra é o encaminhamento de pacientes a outros profis-sionais e serviços através da própria solicitação do procedimento, porém sem garantia de aten-dimento. O retorno desse processo para as uni-dades de origem raramente acontece quando se trata das UBS tradicionais, revelando grande fragilidade na implantação desse critério. No caso das USF, o retorno, quando é feito, dá-se pelo próprio paciente.

O sistema de marcação de consultas revelou-se, em três das unidades investigadas, como um obstáculo à utilização dos serviços. Na USF 1, a marcação de consultas para a demanda espon-tânea era realizada apenas através da solicitação dos ACS, e no caso da USF 2, a partir da triagem/acolhimento. Já nas UBS, havia marcação diária, contudo, em uma, era possível marcar diaria-mente sem restrições de horário, e, em outra, apenas em horários específicos, no início de ca-da turno.

Já a marcação de consultas e exames espe-cializados era realizada através de uma central e mostrou-se mais sensível como facilitadora do acesso para os pacientes das USFs. Isso se deu pelo fato de existir, nessas unidades, um pro-fissional responsável pela priorização segundo gravidade/necessidade de cada caso, o que não acontece nas UBS em que o encaminhamento se dava por ordem de chegada. Contudo, a prio-rização era referida pelos profissionais como de grande dificuldade, pois nem sempre as solici-tações estavam acompanhadas do relatório do

Cunha ABO, Vieira-da-Silva LM732

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Tabela 2

Escores obtidos por duas unidades de saúde da família (USF) e duas unidades básicas tradicionais (UBS), segundo dimensão e critérios relacionados à

organização dos serviços voltados para a acessibilidade em município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.

Dimensão Critérios USF (1) USF (2) UBS (1) UBS (2) Pon-

tuação

máximaPontos % Pontos % Pontos % Pontos %

Organização dos serviços

Acesso organizacional

Característica do

atendimento

Horário de funcionamento

das unidades

5 100,0 * 4 80,0 * 3,5 70,0 * 3,5 70,0 * 5

Sistema de marcação de

consultas

1,5 30,0 ** 1,5 30,0 *** 1,5 30,0 *** 5 100,0 * 5

Marcação de consulta por

telefone

- - - - - - 2 40,0 *** 5

Marcação de consultas e

exames especializados

2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 1 20,0 ** 1 20,0 ** 5

Existência de lista de

espera

2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** - - - - 5

Existe acolhimento aos

pacientes

4 80,0 * 2,5 50,0 *** - - - - 5

Encaminha através do

sistema de referência

2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 2 40,0 *** 2 40,0 *** 5

Recebe a contra-referência 2 40,0 *** 1,5 30,0 *** 0,5 10,0 ** 0,5 10,0 ** 5

Subtotal (1) 19,0 47,5 *** 16,5 41,2 *** 8 20,0 ** 14,0 35,0 *** 40

Barreiras

organizacionais

Tempo de espera para

marcar consulta

1 20,0 ** 2 40,0 *** 2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 5

Tempo de espera entre a

marcação e o atendimento

3 60,0 *** 2,5 50,0 *** 3 60,0 *** 4 80,0 * 5

Tempo de espera para ser

atendido na realização da

consulta

2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 5

Existência de filas para

marcação de consultas

2,5 50,0 *** 2,5 50,0 *** 1,5 30,0 ** 2,5 50,0 *** 5

Subtotal (2) 9,0 45,0 *** 9,5 47,5 *** 10 40,0 *** 11,5 57,5 *** 20

Subtotal (1+2) 28,0 46,6 *** 26,0 43,3 *** 16,0 26,6 ** 25,5 42,5 *** 60

Acesso geográfico

Características

geográficas

Distâncias da residência

para a UBS/USF

5 100,0 * 3 60,0 *** 2,5 50,0 *** - - 5

Distância da residência

para o centro de atenção

especializada e laboratório

- - - - - - - - 5

Existência de transporte 5 100,0 * 5 100,0 *** 5 100,0 * 5 100,0 * 5

Subtotal (3) 10 66,6 * 8 53,3 *** 5 33,3 ** 5 33,3 ** 15

Pontuação total (1+2+3) 38 50,6 *** 34 45,3 *** 21 28,0 ** 31 40,6 *** 75

* Satisfatório;

** Insatisfatório;

*** Intermediário.

ACESSIBILIDADE AOS SERVIÇOS DE SAÚDE 733

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

Figura 2

Classifi cação do grau de implantação da acessibilidade a serviços de saúde a partir da 2a dimensão (organização dos serviços), em duas unidades de saúde

família (USF), em um município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.

caso para orientar a classificação de risco ou de necessidades.

A existência de práticas voltadas para o aco-lhimento só foram referidas pelos profissionais das USFs, e ainda assim, fortemente relacionadas ao processo de triagem administrativa, utilizada para priorizar os usuários oriundos da demanda espontânea. Em uma das unidades (USF 2), os usuários confundiram tal atividade com a mar-cação de consultas, pois, ao não serem atendidos no dia, suas consultas eram marcadas para outro dia. Ou seja, o espaço de marcação de consultas foi substituído pelo restrito horário da triagem da demanda espontânea. Esse fato pode signi-ficar rechaço à demanda nas USFs para aqueles que não conseguirem o atendimento, assim co-mo para aqueles que procuraram a unidade em outros horários.

Na UBS 2, única unidade onde havia um sis-tema de marcação permanente funcionando, pode ser observado um menor tempo de espera entre a marcação e o atendimento, porque, nes-sa unidade, a marcação da consulta se dava em

todos os dias e em qualquer horário, desde que houvesse vaga para a semana em curso, o que geralmente acontecia. O fato de, em todas as uni-dades, o modo de organização das consultas ser a ordem de chegada, o tempo de espera para o atendimento ficava entre duas e três horas, visto que os usuários chegavam à unidade uma hora antes do horário do atendimento.

A pior situação foi observada na UBS 1, onde a marcação se restringia a três dias na semana, com horário fixo, onde eram entregues fichas, e as filas começavam a partir das 6 horas. Aqui, os usuários esperavam cerca de duas horas para marcar, e em torno de uma semana para serem atendidos.

A abertura das unidades básicas em horário noturno poderia facilitar o uso por parte de tra-balhadores, particularmente homens que tra-dicionalmente não procuram serviços de saú-de da rede básica devido à incompatibilidade entre o horário de funcionamento e o trabalho. Contudo, na prática, o terceiro turno não fun-ciona conforme previsto. Nas UBS, o terceiro

CAE: Centro de Atenção Especializada; UBS: unidade básica de saúde; USF: unidade de saúde da família.

Cunha ABO, Vieira-da-Silva LM734

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

Figura 3

Classifi cação do grau de implantação da acessibilidade a serviços de saúde a partir da 2a dimensão (organização dos serviços), em duas unidades básicas de

saúde (UBS) tradicionais, em um município do Estado da Bahia, Brasil, 2006.

turno correspondia ao horário das 17h às 21h. Foi observado que o início do horário de aten-dimento sofria a influência do profissional que estava atendendo, podendo variar das 16h às 18h30min, com horário de conclusão em torno das 19h45min.

Nas USF, a melhor acessibilidade geográfica observada foi na USF 1, principalmente devido à sua localização central em relação à sua área de abrangência, o que limitava um tempo de mar-cha no deslocamento entre a residência e a uni-dade inferior a 10 minutos. As distâncias entre a USF 2 e as residências eram superiores, com uma média de 15-20 minutos, situação seme-lhante à UBS 1. Contudo, era no deslocamento entre as residências e os serviços especializados e laboratório que estavam os maiores obstáculos referidos pelos usuários, com tempo superior a 40 minutos. Ainda que existisse a proposta de descentralizar as ações do laboratório central para as unidades de saúde, a mesma ainda não estava em curso no momento da pesquisa de campo.

Em que pese a existência de transporte ur-bano, usuários das diversas áreas revelaram que, quando precisavam se deslocar para a região cen-tral do município para outros procedimentos, fa-ziam os percursos a pé, inúmeras vezes, devido à falta de recursos financeiros para o transporte.

Discussão

A análise realizada revelou que, apesar de o mu-nicípio estudado apresentar, em seus planos de saúde e relatórios de gestão, diretrizes de implan-tação e intervenções realizadas, essas ações não foram suficientes para problematizar adequada-mente os obstáculos ao acesso.

Foram adotadas algumas medidas genéricas voltadas para a ampliação da oferta de serviços através da estratégia da saúde da família e outras específicas como a central de marcação de con-sultas e exames especializados, que resultaram em melhoria da acessibilidade. Contudo, quan-do analisadas as características do atendimento

CAE: Centro de Atenção Especializada; USF: unidade de saúde da família.

ACESSIBILIDADE AOS SERVIÇOS DE SAÚDE 735

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

nas unidades selecionadas, tendo por referência uma imagem-objetivo, foram observadas algu-mas semelhanças no padrão de funcionamento das mesmas, em que três unidades foram classi-ficadas em estágio intermediário. Apenas a UBS 1destacou-se negativamente, estando em nível insatisfatório.

Cabe ressaltar que o grau de implantação pode não estar relacionado com o modelo de funcionamento da USF ou UBS, isso porque a seleção por indicação dos gestores quanto ao desempenho das mesmas pode ter introduzido um viés.

Nas unidades, os principais obstáculos en-contrados dizem respeito a problemas na es-truturação do sistema de marcação de consulta, marcação de consulta por telefone e de referên-cia aos serviços especializados. Especificamen-te, destaca-se ausência de ações voltadas para o acolhimento à demanda espontânea e lista de espera nas UBS. Em decorrência, persistiam problemas tradicionais como filas e longo tem-po de espera para a realização de consultas e exames.

Merece destaque o insatisfatório nível de im-plantação do sistema de marcação de consultas em três das quatro unidades analisadas. Há que se problematizar, em particular, a realidade das USF quanto à dificuldade na marcação de con-sultas da demanda espontânea, pois, em mui-tas situações, o sistema resultava em rechaço à demanda, apesar do discurso do acolhimento. Segundo Paim 20, o modo de organização dos ser-viços, com base na oferta organizada de ações, tende a superar as formas tradicionais de reorga-nização da produção de ações de saúde, cabendo às unidades atender tanto indivíduos em busca de consultas e pronto atendimento (demanda es-pontânea) quanto desenvolver ações visando ao controle de agravos e ao atendimento de grupos populacionais específicos (oferta organizada). A marcação de consultas por ACS ou apenas para grupos de risco oriundos de atividades coletivas, assim como o restrito horário da triagem, deve ser vista com cautela. Se, por um lado, ajuda a programar a oferta das unidades, por outro, gera frustração nos usuários que desejam que os “pri-vilégios” dos grupos sejam estendidos a todos 21. Perspectiva também debatida por Escorel et al. 17 ao discutirem o PSF como porta de entrada aos serviços, em que apontam para a dificuldade na adequada articulação entre as atividades clínicas e de saúde coletiva, tendo em vista a programa-ção das atividades para grupos de risco e as de-mandas por assistência individual.

Atenção especial deve ser dada às unidades tradicionais em que esse quadro é mais comple-xo. O trabalho pontual dos profissionais médicos,

que atendem em um horário restrito sem maior vínculo com os demais profissionais ou usuários, evidencia a baixa valorização do contato com o paciente e a ausência das ações de promoção da saúde e prevenção de doença. Essa realidade também foi referida por Villela et al. 22 ao discu-tirem os desafios da atenção básica, apontando o quanto esse espaço de ação ainda é visto por médicos como uma ponte para o setor especia-lizado e, assim, conduzem sua prática buscando essencialmente a clínica, o que tende a reduzir a potencialidade das ações realizadas.

Também, ainda se constitui em grande desa-fio para os gestores e profissionais a institucio-nalização de um sistema de referência e contra-referência. Em que pese a estruturação da rede de serviços, com a formalização da atenção bá-sica como porta de entrada aos demais níveis do sistema, isso nem sempre ocorria. Essa situação também é referida por Pedrosa & Teles 23 como um dos impasses enfrentados pelas equipes de saúde da família na garantia dos serviços aos usuários.

Revelado como importante dimensão nas análises sobre a estruturação da atenção básica e do processo de trabalho, o “acolhimento”, nessa análise, limitou-se à triagem administrativa da demanda espontânea. As práticas de acolhimen-to variaram tanto em virtude da formação espe-cífica dos profissionais quanto da organização interna da unidade, tendo em vista o número de famílias e as demandas por atendimento.

A despeito do entendimento e da importância dada pelos gestores a esse modo de organização, não houve eco nas práticas dos profissionais. Al-guns autores têm considerado, como estratégia capaz de preencher essa lacuna, a capacitação permanente dos trabalhadores de saúde, visan-do, principalmente, à criação de novas formas de organização do processo de trabalho da equipe, com incorporação de novas práticas assistenciais 17,24,25,26. Investigações adicionais, contudo, são necessárias visando investigar as razões para a persistência dessas práticas mesmo na presen-ça de políticas voltadas para a reorganização do acolhimento.

Destaca-se o bom desempenho da acessibi-lidade geográfica que obteve classificação satis-fatória para as unidades de saúde da família. Ou seja, a estratégia de saúde da família, ao colocar as equipes próximas ao local de moradia, facili-tou o acesso 27,28. Isso pode ser visto como fruto da estratégia de descentralização que, além da ampliação no número de unidades, obedece a critérios de territorialização para sua implanta-ção. Por outro lado, o mesmo não pode ser dito das unidades básicas tradicionais nem dos deslo-camentos em busca da assistência especializada,

Cunha ABO, Vieira-da-Silva LM736

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

quando foram referidos longos percursos a pé, e ainda que existisse transporte urbano, em muitos casos, a falta de dinheiro para o transporte foi fa-tor de impedimento à utilização, como revelado em outro estudo 29.

Tendo em vista o caráter qualitativo da inves-tigação, esses resultados não podem ser extrapo-lados para o conjunto de unidades. Contudo, o registro de problemas na acessibilidade, mesmo naquelas unidades indicadas como de desempe-nho satisfatório pelos gestores, revela não apenas a inexistência de ações específicas voltadas para a sua resolução, como a pouca efetividade da-quelas adotadas.

Considerações finais

Ainda que tenha sido evidenciada ampliação na oferta de serviços, o que pode explicar a melho-ria na acessibilidade geográfica, persistem obstá-culos relacionados ao modo de organização dos

serviços de saúde estudados. A presente investi-gação revelou que, diante da ausência de proto-colos para o agendamento, acolhimento e cuida-do ao usuário dentro da rede básica, a acessibili-dade sofre grande influência das características organizacionais das unidades, que traduzem os diferentes perfis profissionais e de gestão local. A elaboração de projetos de ações voltadas para a melhoria da acessibilidade no âmbito munici-pal pode reduzir a variabilidade na condução das ações como tem sido evidenciado em outras ex-periências. Do mesmo modo, o aperfeiçoamento dos manuais para as unidades de saúde da famí-lia, estabelecendo a marcação de consultas para a demanda espontânea e a criação de listas de espera, pode contribuir para facilitar os contatos entre a unidade e a população. Por fim, a institu-cionalização de práticas mais articuladas, com clareza quanto às rotinas para o atendimento e encaminhamentos dos usuários na rede, tanto para as USF quanto para as UBS, pode repercutir positivamente nos resultados da acessibilidade.

Resumo

Com o objetivo de analisar a implantação de ações voltadas para a acessibilidade à atenção básica em um município da Bahia, Brasil, foi realizado estudo de caso único a partir de dois níveis de análise: organiza-ção do sistema e dos serviços. Os dados foram obtidos por intermédio de entrevistas semi-estruturadas, da observação das rotinas de atendimento e da análi-se documental. Das quatro unidades analisadas, três apresentaram nível intermediário de implantação de ações voltadas para a acessibilidade. As unidades de saúde da família tiveram melhor desempenho devido à presença de ações voltadas para o acolhimento e a referência a serviços especializados, porém apresenta-ram problemas para a marcação de consultas. Apesar do estabelecimento da atenção básica como porta de entrada ao sistema e da implantação da central de marcação de consultas especializadas, persistem bar-reiras organizacionais no município estudado. Re-comenda-se a formulação de política específica para melhoria da acessibilidade voltada para a organiza-ção da oferta na perspectiva de mudança do modelo assistencial.

Acessibilidade aos Serviços de Saúde; Descentraliza-ção; Avaliação em Saúde

Colaboradores

A. B. O. Cunha foi responsável pela concepção do de-senho do estudo, coleta, análise e redação do artigo. L. M. Vieira-da-Silva contribuiu com a concepção do desenho, análise e revisão da versão final.

Agradecimentos

Este trabalho obteve apoio e financiamento do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-gico – CNPq (processo: 14077/2003-2).

ACESSIBILIDADE AOS SERVIÇOS DE SAÚDE 737

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(4):725-737, abr, 2010

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Recebido em 04/Ago/2009Versão final reapresentada em 24/Dez/2009Aprovado em 19/Fev/2010