acido graxo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA QUÍMICA Obtenção de Ácidos Graxos a Partir da Acidulação de Borra de Neutralização de Óleo de Soja DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Nicéia Chies Da Fré Porto Alegre 2009

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    Obteno de cidos Graxos a Partir da Acidulao de Borra de Neutralizao de

    leo de Soja

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Nicia Chies Da Fr

    Porto Alegre 2009

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    Obteno de cidos Graxos a Partir da Acidulao de Borra de Neutralizao de

    leo de Soja

    Nicia Chies Da Fr

    Dissertao de Mestrado apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Engenharia

    rea de concentrao: Cintica Aplicada, Catlise e Reatores Qumicos e Bioreatores

    Orientador: Prof. Dr. Nilson Romeu Marclio

    Porto Alegre 2009

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA QUMICA

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao Obteno de cidos graxos a partir da acidulao de borra de neutralizao de leo de soja, elaborada por Nicia Chies Da Fr, como requisito parcial para obteno do Grau de Mestre em Engenharia.

    Comisso Examinadora:

    Profa. Dra. Aline Schilling Cassini

    Profa. Dra. Mariliz Gutterres Soares

    Profa. Dra. Rosane Rech

    iii

  • Agradecimentos De maneira muito especial, aos meus pais Valdir Chies e Marlene Debenetti Chies, pelos ensinamentos, incentivo e apoio em todos os momentos desta jornada. Ao meu orientador, Prof. Dr. Nilson Romeu Marclio, pela sua valiosa orientao e ensinamentos cientficos, incentivo e pela nossa amizade. Ao Emerson Da Fr, por me inspirar a fazer sempre o melhor e pela sua presena to importante na minha vida. Ao Departamento de Engenharia Qumica da UFRGS, professores do PPGEQ, especialmente Profa. Dra. Mariliz Gutterres Soares, Profa. Dra. Marla Azrio Lansarin e Prof. Dr. Nilo Srgio Medeiros Cardozo que compartilharam seus conhecimentos e me auxiliaram sempre que preciso. Aos funcionrios do Departamento de Engenharia Qumica, especialmente Patrcio Freitas e Fernando Schunck pelo auxlio e amizade. Aos amigos do Departamento de Engenharia Qumica, de maneira especial, Engo. M. Sc. Rene Lcio Rech do Laboratrio de Processamento de Resduos (LPR), Engo. M. Sc. Guilherme Pantaleo da Silva Priebe do Laboratrio de Estudos em Couro e Meio Ambiente (LACOURO), Enga. M. Sc. Carolina Pereira Kechinski do Laboratrio de Separao por Membranas (LASEM), Engo. Guilherme de Souza do Laboratrio de Tecnologia em Engenharia Qumica (LATEQ), Enga. Juliana da Silveira Espndola do Laboratrio de Reatores (LARET) e Engo. Rafael Busato Sartor do Laboratrio de Simulao (LASIM) pelo auxlio, companheirismo e amizade, sempre presentes para ajudar no que fosse necessrio. bolsista de iniciao cientfica Roberta Salatino, pelo auxlio na execuo da parte experimental e pela amizade. empresa: Proqumica Indstria e Servios Ltda. pela parceria e apoio tcnico, especialmente ao Sr. Anderson Vieira. A CAPES, pela concesso da bolsa de mestrado.

  • "Comea tudo o que possas fazer, ou que sonhas fazer.

    A ousadia traz em si o gnio, o poder e a magia..."

    Goethe

  • Resumo

    A borra o principal subproduto da indstria de refino de leo de soja e formada durante a etapa de neutralizao do refino qumico do leo bruto. cidos graxos livres presentes no leo so neutralizados atravs da adio de soluo de lcalis, resultando em sabes. Esta borra, devido ao seu alto contedo de cidos graxos saponificados, reduzido valor econmico e grande disponibilidade nas indstrias de leo de soja e de biodiesel, uma excelente matria-prima para a obteno de um concentrado de cidos graxos livres. Estes cidos graxos tm sido comercializados devido s suas propriedades nutricionais. Tambm so utilizados no tratamento de minrios devido capacidade de alterar as superfcies minerais e so matrias-primas para a produo de biodiesel. Neste trabalho foram estudados os efeitos das condies operacionais do processo de obteno de cido graxo de soja atravs da reao de acidulao da borra de soja com cido sulfrico. Trs fraes so obtidas aps a centrifugao do material resultante da reao de acidulao: cido graxo de soja, emulso oleosa e gua cida. cido graxo de soja o produto principal, emulso oleosa o resduo do processo de acidulao e gua cida o efluente. Foram estudadas as condies de acidulao da borra objetivando a produo eficiente do cido graxo de soja. A fim de determinar a melhor condio de operao, o processo foi otimizado utilizando Metodologia de Superfcie de Resposta obtida atravs do planejamento fatorial com trs variveis independentes: relao molar entre o cido e o sabo, temperatura e velocidade de agitao. As condies timas para a reao de acidulao da borra de neutralizao com cido sulfrico foram: relao molar entre o cido e o sabo igual a 0,84 e temperatura de 78 oC, obtendo-se 1,2% da fase emulso oleosa, enquanto que a velocidade de agitao da soluo, sob as condies do teste, no interferiu nos resultados. Com base nestes resultados, foram ento processados 6.600 kg de borra na planta industrial com capacidade de processamento de 150 kg de borra por batelada. O percentual da fase emulso oleosa obtida na planta industrial foi de 2,1% (135 kg). A borra foi caracterizada e o contedo de matria graxa obtido (27,6% em massa) revelou um alto potencial para reaproveitamento. O cido graxo tambm foi caracterizado e o contedo de matria graxa obtido (95,2% em massa) revelou a qualidade do principal produto. A caracterizao da emulso oleosa demonstrou a possibilidade de utilizao deste resduo como combustvel. A gua cida foi caracterizada a fim de sugerir um tratamento de efluentes eficiente.

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  • Abstract

    Soapstock is the main by-product of the soybean oil refining industry and is formed during the neutralization step in caustic refining of the crude oil. Free fatty acids present in the oil are neutralized by addition of alkali solutions resulting in soaps. This soapstock due to its high content of saponified fatty acids, low economic value and great availability in the soybean oil and biodiesel industries, is an excellent raw-material for the production of a free fatty acids concentrate. These fatty acids have been traded due to its nutritive properties. Also they are used in the mineral treatments due to its capacity to change the mineral superficies and they are potential feedstocks for biodiesel production. In this research, the effects of the process conditions for the production of the soybean fatty acid through the acidulation reaction of soapstock from sulphuric acid neutralization were studied. Three fractions are obtained after centrifugation of the material resulting of the acidulation reaction: soybean fatty acid, oily emulsion and acid water. Soybean fatty acid is the main product, oily emulsion is the residue acidulation process and acid water is the wastewater. Soapstock acidulation conditions were studied aiming at the efficient producing soybean fatty acid. For the determination of the best operational condition, the process was optimized using Response Surface Methodology, obtained from factorial planning with three independent variables: molar ratio between acid and soap, temperature and mixer rotation. Optimal conditions for the acidulation reaction of soapstock from sulphuric acid neutralization were: molar ratio between acid and soap of 0,84 and temperature of 78 oC, obtaining a percentage of oily emulsion of 1.2%. The mixer rotation however, did not interfere with the results obtained, considering the conditions of the test. Then, 6.6 ton of soapstock were processed in the industrial plant with capacity to process 150 kg of the soapstock for batch. The percentage of oily emulsion obtained in the industrial plant was of 2.1% (135 kg). The soapstock was characterized, and the fatty matter content obtained (27.6% in mass) revealed its high potential for reuse. Also the soybean fatty acid was characterized, and the fatty matter content obtained (95.2% in mass) revealed the quality of the main product. The characterization of the oily emulsion demonstrated the possibility the utilization of this residue as fuel. The acid water was characterized aiming at suggesting an efficient wastewater treatment.

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  • Sumrio

    1. Introduo ....................................................................................................... 1 1.1 Motivao ................................................................................................................ 2 1.2. Objetivos ................................................................................................................. 3 1.3. Estrutura da dissertao .......................................................................................... 3

    2. Fundamentos Tericos e Reviso Bibliogrfica .......................................... 5 2.1. leo de soja ............................................................................................................ 5

    2.1.1. Caractersticas e composio ......................................................................... 5 2.2. cidos graxos ......................................................................................................... 8

    2.2.1. cidos graxos mega .................................................................................. 10 2.3. No-glicerdeos ..................................................................................................... 10 2.4. Reaes de gorduras, leos e cidos graxos ......................................................... 11

    2.4.1. Hidrlise ...................................................................................................... 11 2.4.2. Esterificao ................................................................................................ 12 2.4.3. Alcolise ...................................................................................................... 12 2.4.4. Saponificao e neutralizao ..................................................................... 12 2.4.5. Halogenao ................................................................................................ 13 2.4.6. Alteraes dos lipdios ................................................................................ 14

    2.5. Refino de leos e gorduras ................................................................................... 14 2.5.1. Degomagem ................................................................................................. 16 2.5.2. Neutralizao ............................................................................................... 18 2.5.2.1. Neutralizao descontnua ........................................................................ 19 2.5.2.2. Neutralizao contnua ............................................................................. 20 2.5.2.3. Rendimento da neutralizao.................................................................... 20 2.5.2.4. Borra de soja ............................................................................................. 21 2.5.3. Branqueamento ............................................................................................ 22 2.5.4. Desodorizao ............................................................................................. 23 2.5.5. Refino fsico ................................................................................................ 24

    2.6. Neutralizao do leo de soja para produo de biodiesel ................................... 26 2.7. Processamento da borra de soja ............................................................................ 27

    2.7.1. Acidulao da borra ..................................................................................... 27 2.7.2. Saponificao da borra ................................................................................ 28

    2.8. Aplicaes do cido graxo de soja ....................................................................... 28 2.8.1. cido graxo de soja como fonte de gordura em raes ............................... 28 2.8.2. cido graxo de soja como coletor de apatita ............................................... 30 2.8.3. cido graxo de soja como matria-prima para a produo de biodiesel ..... 32

    3. Materiais e Mtodos ..................................................................................... 35 3.1. Construo e operao da unidade piloto ............................................................. 36 3.2. Procedimento experimental .................................................................................. 38

    3.2.1. Homogeneizao da matria-prima (borra) ................................................. 38 3.2.2. Caracterizao da borra de soja ................................................................... 393.2.3. Avaliao das condies operacionais para a acidulao da borra de soja em escala de bancada ............................................................................................. 41 3.2.4. Caracterizao do cido graxo de soja ........................................................ 46 3.2.5. Caracterizao da emulso oleosa ............................................................... 48

    viii

  • ix

    3.2.6. Caracterizao da gua cida ....................................................................... 52 3.2.7. Avaliao das condies operacionais timas para a acidulao da borra de soja na unidade piloto ....................................................................................... 53

    4. Resultados e Discusses ............................................................................ 55 4.1. Caracterizao da borra de soja ............................................................................ 55 4.2. Anlise dos resultados dos experimentos de acidulao da borra de soja ............ 57 4.3. Caracterizao do cido graxo de soja ................................................................. 63 4.4. Caracterizao da emulso oleosa ........................................................................ 66 4.5. Caracterizao da gua cida ................................................................................ 69 4.6. Anlise dos resultados do processamento da borra na unidade piloto ................. 70

    5. Concluses e Sugestes ............................................................................. 73 5.1 Concluses ............................................................................................................. 73 5.2 Sugestes para trabalhos futuros ........................................................................... 76

    Referncias Bibliogrficas .............................................................................. 77

    Apndice: Metodologias Analticas ................................................................ 83 1. cidos graxos totais e cidos graxos oxidados ....................................................... 83 2. Cinzas ...................................................................................................................... 85 3. leo neutro .............................................................................................................. 86 4. Umidade e volteis .................................................................................................. 88 5. Matria insaponificvel ........................................................................................... 89 6. cidos graxos livres em cido olico ...................................................................... 90 7. Matria solvel e insolvel em lcool ..................................................................... 91 8. pH ............................................................................................................................ 93 9. ndice de acidez ....................................................................................................... 93 10. ndice de perxidos ................................................................................................ 95 11. ndice de saponificao ......................................................................................... 96 12. ndice de iodo ........................................................................................................ 97 13. Densidade .............................................................................................................. 99

  • Lista de Figuras

    Figura 2.1: Reao de formao de um triglicerdeo ......................................................... 6 Figura 2.2: Fluxograma do processo de refino dos leos e gorduras ............................... 16 Figura 3.1: Fluxograma do processo de acidulao da borra de soja ............................... 37 Figura 3.2: Bombeamento da borra de soja em sistema fechado ..................................... 38 Figura 3.3: Borra de soja homogeneizada no tanque de armazenamento ........................ 39 Figura 3.4: Amostragem da borra de soja ........................................................................ 39 Figura 3.5: Borra de soja .................................................................................................. 40 Figura 3.6: Reator utilizado para realizao dos experimentos ....................................... 42 Figura 3.7: Termostato do reator ...................................................................................... 43 Figura 3.8: Trs fases observadas no tubo de centrifuga ................................................. 44 Figura 4.1: Comparao entre os resultados extremos obtidos para a quantidade

    percentual da fase emulso oleosa ......................................................................... 58 Figura 4.2: Diagrama de Pareto para a acidulao da borra de soja ................................ 61 Figura 4.3: Comparao entre os valores experimentais e os valores previstos pelo

    modelo para a quantidade percentual da fase emulso oleosa............................... 61 Figura 4.4: Efeito da relao molar cido sulfrico/sabo e da temperatura sobre a

    quantidade percentual da fase emulso oleosa ...................................................... 62 Figura 4.5: Comportamento da amostra de emulso oleosa em termobalana em

    atmosfera inerte e ar sinttico ................................................................................ 69 Figura 4.6: Borra de soja no tanque de armazenamento da unidade piloto ..................... 71 Figura 4.7: Camada superior correspondente ao cido graxo de soja no decantador da

    unidade piloto ........................................................................................................ 72

    x

  • Lista de Tabelas

    Tabela 2.1: Parmetros do leo de soja .............................................................................. 7 Tabela 2.2: Caractersticas de qualidade dos leos de soja: bruto (nico), degomado

    (tipos 1, 2 e 3) e refinado (tipos 1 e 2) ..................................................................... 7 Tabela 2.3: Simbologia e nomenclatura sistemtica e usual de cidos graxos .................. 9 Tabela 2.4: Componentes menores no leo de soja cru e degomado com gua .............. 17 Tabela 2.5: Parmetros de neutralizao do leo ............................................................. 19 Tabela 2.6: Pontos de ebulio de alguns cidos graxos .................................................. 25 Tabela 2.7: Pontos de ebulio de alguns triglicerdeos .................................................. 25 Tabela 2.8: Parmetros dos produtos derivados da soja .................................................. 29 Tabela 3.1: Variveis independentes e seus nveis de variao para o planejamento

    experimental da acidulao da borra de soja ......................................................... 45 Tabela 3.2: Delineamento experimental do planejamento fatorial completo das

    variveis independentes da acidulao da borra de soja ........................................ 46 Tabela 4.1: Caracterizao da borra de soja ..................................................................... 56 Tabela 4.2: Quantidades percentuais da fase emulso oleosa obtidas no estudo da

    acidulao da borra de neutralizao do leo de soja ............................................ 58 Tabela 4.3: Anlise de varincia do percentual de emulso oleosa ................................. 59 Tabela 4.4: Coeficientes de regresso para a resposta Y (%)........................................... 60 Tabela 4.5: Caracterizao do cido graxo de soja .......................................................... 63 Tabela 4.6: Parmetros do produto obtido e do solicitado nas aplicaes para

    componente de rao e coletor de apatita .............................................................. 64 Tabela 4.7: Caracterizao da emulso oleosa ................................................................. 66 Tabela 4.8: Composio qumica das cinzas da emulso oleosa ..................................... 67 Tabela 4.9: Composio qumica das cinzas da emulso oleosa para elementos por

    varredura ................................................................................................................ 68 Tabela 4.10: Caracterizao da gua cida....................................................................... 70

  • Captulo 1

    Introduo A industrializao de leos vegetais gera trs subprodutos principais: as gomas

    resultantes da degomagem, as borras oriundas da etapa de neutralizao e o condensado proveniente da desodorizao. No esto includos a torta e o farelo, pois estes no so considerados subprodutos e sim, co-produtos.

    Sabes de sdio so formados durante a etapa de neutralizao do refino qumico de leos brutos atravs da reao para a remoo de cidos graxos livres com hidrxido de sdio. Os sabes e a maioria do material no oleoso incorporado ao sistema so separados do leo por centrifugao e denominados de borra. A borra consiste basicamente de gua, sais de sdio de cidos graxos, triglicerdeos, fosfolipdios, matria insaponificvel e produtos de degradao do leo.

    A presena dos cidos graxos livres nos leos e gorduras est relacionada com o fenmeno da rancidez, que o fenmeno deteriorativo mais importante neste tipo de produto. A rancidez organolepticamente detectvel atravs da deteriorao do sabor e do odor. Por isso, os cidos graxos livres so removidos durante o refino de leos e gorduras a fim de evitar a perda do valor comercial do produto.

    Na produo de biodiesel, a finalidade da remoo dos cidos graxos livres outra; porm, assim como no refino de leos, fundamental. A fim de obter elevados rendimentos nas reaes de esterificao dos glicerdeos, em presena de catalisadores bsicos, como os hidrxidos alcalinos, estas devem ser conduzidas somente com leos vegetais neutros, ou de baixa acidez, no mximo at 3%, pois a presena de cidos graxos livres neutraliza a ao cataltica. Alm disso, a separao posterior dos sabes formados difcil e conduz a perdas no rendimento da mistura de steres.

    As borras resultantes da neutralizao podem ser empregadas diretamente na fabricao de sabes. No Brasil, so tambm comercializadas sob a forma de leo cido de soja, aps a reao de acidulao para a liberao dos cidos graxos e separao da

  • 2 1. INTRODUO

    gua nelas contidas. Este leo cido de soja matria-prima bastante procurada como fonte de cidos graxos de custo menos elevado.

    A borra bruta contm normalmente entre 35 50% de cidos graxos totais e a forma concentrada definida como borra acidulada normalmente apresenta entre 85 95% (SWERN, 1982).

    Os cidos graxos resultantes da acidulao da borra podem ser utilizados como uma fonte alternativa de gordura nas dietas para frangos de corte. O valor energtico do resduo gorduroso da indstria de leos vegetais como suplemento diettico em raes para frangos de corte est condicionado a sua composio, principalmente em cidos graxos livres, e ao processo de obteno do produto.

    Os cidos graxos resultantes da acidulao da borra tambm podem ser utilizados no tratamento de minrios, que consiste basicamente de uma srie de processos que tm em vista a separao das partculas minerais valiosas dos minerais de ganga (partculas do minrio que no so de interesse) e a obteno final de um produto concentrado com um teor elevado e adequado do mineral desejado. Eles so capazes de alterar a superfcie das espcies minerais, revestindo seletivamente a superfcie mineral de interesse tornando-a hidrofbica.

    Alm disso, os cidos graxos destilados possuem inmeras aplicaes no mercado alimentcio, tintas e vernizes, fertilizantes, agroqumicos, plsticos, borrachas, resinas, surfactantes, steres, lubrificantes, cosmticos, biocombustveis, entre outros. Variadas vantagens caracterizam os cidos graxos destilados como valiosa matria-prima bsica, sendo biodegradveis, renovveis, alm de sua disponibilidade e origem vegetal.

    Neste trabalho, foram estudadas as condies operacionais para a obteno de cidos graxos a partir da acidulao da borra de neutralizao do leo de soja. Elas interferem no rendimento da reao de acidulao e na qualidade do produto obtido. Sendo assim, foram avaliados por anlise de varincia e metodologia de superfcie de resposta, os efeitos das variveis estudadas para ento obter o processo mais adequado, objetivando determinar as condies timas de operao.

    1.1 Motivao O Brasil um pas de destaque no cenrio mundial de leos vegetais e de

    biocombustveis. O desenvolvimento promissor destes setores da indstria fatalmente acompanhado pela proporcional gerao de subprodutos provenientes dos seus processos produtivos.

    A borra de soja o principal subproduto da indstria de refino de leo de soja, produzindo 50.000 toneladas/ano de borra de soja no Brasil (HOLANDA, 2004). Em muitas situaes, este subproduto pode ser considerado um problema, porm, de fato,

  • 1.2. OBJETIVOS 3

    um produto valioso quando eficientemente recuperado e processado. Alm disso, o aproveitamento desse resduo um processo alternativo ao da hidrlise de triglicerdeos de leos e gorduras a presses e temperaturas elevadas e, consequentemente, de menor custo para a produo de cidos graxos.

    O estudo das condies de acidulao da borra fundamental, pois a qualidade dos cidos graxos est diretamente relacionada ao seu processo de obteno. A temperatura, as concentraes dos produtos qumicos adicionados, o tempo de armazenagem, entre outros, podem levar a uma diferente estabilidade oxidativa do produto.

    A utilizao dos cidos graxos obtidos na acidulao da borra de soja como componente em raes para frangos de corte especialmente importante devido ao grande mercado existente no estado do Rio Grande do Sul.

    1.2. Objetivos O trabalho realizado teve como objetivo a avaliao das condies operacionais

    para produo de cidos graxos a partir da acidulao da borra de soja em bancada e, posteriormente, a validao das mesmas na unidade piloto. Para tanto, o estudo dividiu-se nas seguintes etapas:

    1) caracterizao da borra de soja;

    2) avaliao das condies operacionais e definio das condies timas de processamento;

    3) caracterizao do produto principal obtido, o cido graxo de soja;

    4) caracterizao da emulso oleosa, a fim de avaliar a possibilidade de utilizao deste resduo do processo como combustvel;

    5) caracterizao do efluente, proveniente da prpria borra, a fim de sugerir um tratamento de efluentes eficiente;

    6) processamento de 6.600 kg de borra na unidade piloto, aps definidas as condies timas de operao e caracterizadas todas as fases obtidas.

    1.3. Estrutura da dissertao A presente dissertao encontra-se dividida em cinco captulos e um apndice. A

    descrio dos captulos apresentada a seguir:

    O presente captulo aborda uma introduo ao trabalho, bem como a motivao para a realizao do estudo.

  • 4 1. INTRODUO

    O captulo 2 apresenta, atravs de uma reviso bibliogrfica, os temas tratados nesta dissertao como a composio do leo de soja e seus cidos graxos, bem como suas reaes pertinentes; o refino do leo de soja, dando nfase neutralizao dos cidos graxos livres; as caractersticas da borra de soja, a reao de acidulao e as aplicaes dos cidos graxos.

    No captulo 3 apresentada a metodologia de trabalho utilizada para a acidulao da borra de soja em bancada e na unidade piloto. So tambm apresentadas as metodologias analticas utilizadas, tanto para a caracterizao da borra de soja, como para a anlise das fraes obtidas.

    O captulo 4 apresenta os resultados da caracterizao da matria-prima, assim como das fraes obtidas. So realizadas as avaliaes dos experimentos de acidulao da borra de soja com as variaes dos parmetros de processo, realizados com o intuito de relacionar as variveis de processo com as caractersticas de qualidade do cido graxo de soja.

    No captulo 5 esto as concluses do trabalho atravs da apresentao dos resultados mais relevantes. Tambm so feitas consideraes e sugestes para trabalhos futuros.

    No apndice esto detalhados os procedimentos analticos adotados.

  • Captulo 2

    Fundamentos Tericos e Reviso Bibliogrfica

    Neste captulo ser apresentada uma base terica, fundamentada em uma reviso bibliogrfica, visando mostrar ao leitor quais os assuntos determinantes para uma boa compreenso do mtodo de trabalho empregado no desenvolvimento do estudo sobre a obteno de cidos graxos a partir da borra de soja.

    Sero abordadas as caractersticas e a composio do leo de soja e seus cidos graxos, bem como suas reaes pertinentes. Posteriormente, sero fundamentados os processos que constituem o refino do leo de soja, dando nfase neutralizao dos cidos graxos livres, etapa do processo onde so formados os sabes que constituem a borra de soja. Destaca-se ainda o embasamento terico sobre as caractersticas da borra de soja e sobre a reao de acidulao para a obteno dos cidos graxos. As aplicaes imediatas dos cidos graxos obtidos como componente de rao para frangos de corte, no tratamento de minrios como coletor de apatita e como matria-prima para a produo de biodiesel tambm sero abordadas.

    Ressalta-se que no h uma vasta bibliografia sobre o processo de acidulao da borra de soja e sua caracterizao, bem como sobre a caracterizao dos produtos obtidos: cido graxo de soja, emulso oleosa e gua cida (efluente do processo de acidulao da borra de soja). Foi encontrada na bibliografia uma maior quantidade de trabalhos mais recentes sobre as aplicaes do cido graxo de soja, tambm chamado de leo cido.

    2.1. leo de soja

    2.1.1. Caractersticas e composio

    As gorduras e os leos so steres formados a partir de cidos graxos e glicerol. Estes steres so frequentemente denominados de glicerdeos, triglicerdeos e triglicrides, sendo que estas duas ltimas designaes so preferidas pelos profissionais

  • 6 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    da rea da sade. No entanto, o outro nome triacilgliceris est diretamente ligado constituio da estrutura molecular, ou seja, um triacilglicerol resulta da substituio dos tomos de hidrognio da hidroxila da molcula de glicerol por trs grupos acila. Os triacilgliceris so os principais combustveis da maioria dos organismos, na verdade, uma das mais importantes formas de armazenamento de energia qumica (VISENTAINER e FRANCO, 2006).

    Estruturalmente, um triacilglicerol o produto da reao de uma molcula de glicerol com trs molculas de cidos graxos, resultando trs molculas de gua e uma molcula de triacilglicerol (figura 2.1). Quando os trs cidos graxos so idnticos, o produto um triacilglicerol simples. As gorduras e leos no so triacilgliceris simples, pois contm vrios cidos graxos distribudos ao acaso em molculas de triacilgliceris diferentes. Por sua vez, os monoacilgliceris e diacilgliceris contm, respectivamente, um e dois cidos graxos combinados, e tm dois e um grupos hidroxila livre. Eles no ocorrem naturalmente em apreciveis quantidades, exceto em gorduras e leos que tenham sofrido hidrlise parcial (SONNTAG, 1979).

    H O C

    O

    R1

    H O C R3O

    H O CR2

    OH C O C

    H

    C

    C

    H O

    OH

    C

    C

    O

    R1

    R3O

    OR2

    H+3 H O H

    Gl icerol cido Carboxli co Triacilglicerol (Triglicerdeo - leo/ Gordura)

    gua

    C

    C

    C

    H

    H

    H

    H

    H

    O H

    O H

    O H

    Figura 2.1: Reao de formao de um triglicerdeo

    Os leos e gorduras so substncias insolveis em gua (hidrofbicas), de origem animal, vegetal ou mesmo microbiana. Gorduras e leos apresentam como componentes substncias que podem ser reunidas em duas grandes categorias: glicerdeos e no-glicerdeos. Os cidos graxos livres, componentes naturais dos leos e gorduras, ocorrem em quantidades geralmente pequenas (MORETTO e FETT, 1998).

    O feijo soja (glycine max) um dos mais antigos produtos agrcolas. Na atualidade, a soja domina o mercado mundial tanto de protena vegetal como de leo comestvel. O leo de soja mpar em suas propriedades, sendo indicado para um vasto nmero de aplicaes (MORETTO e FETT, 1998). A tabela 2.1 relaciona as caractersticas de identidade e composio em cidos graxos do leo de soja.

    O leo de soja classificado em classes e tipos, segundo o seu grau de elaborao e sua qualidade, respectivamente. Segundo o grau de elaborao, o leo de soja classificado em trs classes: bruto ou cru o leo tal qual foi extrado do gro; degomado ou purificado o leo que aps sua extrao, teve extrado os fosfolipdios e refinado o leo que aps sua extrao e degomagem, foi neutralizado, clarificado e desodorizado. A tabela 2.2 relaciona as caractersticas de qualidade do leo de soja bruto, degomado e refinado.

  • 2.1. LEO DE SOJA 7

    Tabela 2.1: Parmetros do leo de soja

    Determinaes ndices cidos graxos Smbolos PercentualDensidade 25C 0,914 a 0,922 mirstico/palmtico C 14:0/C 16:0 traos/9 a 14,5ndice de refrao a 25C 1.4700 a 1.4760 esterico/araqudico C 18:0/C 20:0 2,5 a 5/traosndice de Iodo (Wijs) 120 a 143 behnico/lignocrico C 22:0/C 24:0 traos/traosndice de Saponificao 189 a 198 palmitolico/olico C 16:1/C 18:1 traos/18 a 34

    linolico/linolnico C 18:2/C 18:3 45,5 a 60/3,5 a 8

    CARACTERSTICAS DE IDENTIDADE DO LEO DE SOJA

    Fonte: Portaria No 795 do Ministrio da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma

    Agrria, de 15 de dezembro de 1993

    Tabela 2.2: Caractersticas de qualidade dos leos de soja: bruto (nico), degomado (tipos 1, 2 e 3) e refinado (tipos 1 e 2)

    Parmetros Brutoco

    Refinado (tipo) Degomado (tipo)CARACTERSTICAS DE QUALIDADE

    Analisados 1 2 1 2 3 niAspecto 25C *1 *1 *1 *3 *4 turvoPropriedades *2 *2 - - - -organolpticasUmidade e 0,03 0,06 0,20 0,30 0,50 0,50volteis (mx) (%)Lecitina expressa - - 0,02 0,02 0,03 0,10em fsforo (mx) (%)Acidez livre (FFA) 0,03 0,06 0,50 1 1,50 2expressa em c. olico (mx) (%)Ponto Fulgor (mn) (C) - - 121 121 121 -Ponto de fumaa 230 218 - - - -(mn) (C)Matria insaponifi- 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50 1,50cvel (mx) (%)ndice perxidos 2,5 5 - - - -(mx) (meq/kg leo)Sabes (mx.) (ppm) 1 10 - - - -Impurezas (ins. em 0,03 0,05 0,10 0,10 0,10 0,50ter de Petrleo (%)

    *1 lmpido, isento de sedimentos. *2 odor e sabor caractersticos do produto isento de rano, odores e sabores estranhos. *3 lmpido, ligeiramente turvo, isento de sedimentos. *4 lmpido, ligeiramente turvo.

    Fonte: Portaria No 795 do Ministrio da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrria, de 15 de dezembro de 1993

  • 8 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.2. cidos graxos Os cidos graxos ocorrem apenas em traos na forma livre (no esterificada). A

    maior parte dos cidos graxos naturais encontra-se esterificada com o glicerol (1,2,3-triidroxipropano), formando triacilgliceris. As unidades acila, correspondentes aos cidos graxos, representam aproximadamente 95% do peso molecular dos triacilgliceris. As propriedades qumicas, fsicas e nutricionais dos leos e gorduras dependem, fundamentalmente, da natureza, do nmero de tomos de carbono e da posio dos grupos acila presentes nas molculas dos triacilgliceris.

    Os cidos graxos diferem basicamente um do outro pelo comprimento da cadeia hidrocarbonada e pelo nmero e posio das duplas ligaes. As ligaes duplas dos cidos insaturados esto localizadas na cadeia de forma no conjugada (sistema 1,4-dinico), frequentemente separadas por grupo metilnico (a-CH2). As duas unidades da molcula encontram-se frequentemente num dos lados da ligao dupla, assumindo configurao espacial do tipo cis = Z. Entretanto, a configurao cis pode ser convertida no ismero trans = E no processo de rancidez autoxidativa, em reaes de hidrogenao cataltica na presena de nquel e nos aquecimentos prolongados em temperaturas elevadas (MORETTO e FETT, 1998).

    Os cidos graxos so cidos carboxlicos encontrados na forma esterificada nos lipdios naturais. Os cidos graxos de nmeros mpares de carbonos so encontrados, por exemplo, na gordura do cabelo humano e os ramificados, encontrados, por exemplo, em peixes. Os cidos graxos podem ser saturados, monoinsaturados e poliinsaturados. As instauraes variam na posio e configurao das duplas ligaes. Os cidos graxos insaturados predominam sobre os saturados particularmente nas plantas superiores e em animais que vivem a baixas temperaturas.

    As duplas ligaes existentes nos cidos graxos insaturados de ocorrncia natural esto na configurao cis, predominantemente. Ismeros cis-trans possuem propriedades fsicas diferentes, tm diferentes pontos de fuso e ebulio e podem apresentar diferentes reatividades. Os teores de cidos graxos trans aparecem em pequenas quantidades nos cidos graxos dos leos e gorduras vegetais, em teores relativamente maiores em leos e gorduras de origem animal e em grandes quantidades em gorduras modificadas pelo processo de hidrogenao. Nos cidos graxos, caso a configurao seja omitida, admite-se, geralmente, para a dupla ligao, a configurao cis. A tabela 2.3 mostra a simbologia e a nomenclatura UIQPA (Unio Internacional de Qumica Pura e Aplicada) e usual de diversos cidos graxos cis. Muitos destes cidos graxos so comumente encontrados em alimentos (VISENTAINER e FRANCO, 2006).

  • 2.2. CIDOS GRAXOS 9

    Tabela 2.3: Simbologia e nomenclatura sistemtica e usual de cidos graxos

    SIMBOLOGIA NOMENCLATURA UIQPA NOMENCLATURA USUAL2:04:05:06:07:08:09:010:010:1n-111:011:1n-112:012:1n-313:014:014:1n-914:1n-515:015:1n-516:016:1n-716:2n-617:017:1n-718:018:1n-1218:1n-1118:1n-918:1n-718:1n-618:1n-518:2n-618:3n-618:3n-318:4n-319:019:1n-1220:020:1n-920:2n-620:3n-620:3n-320:4n-621:022:022:1n-1122:1n-922:2n-623:024:024:1n-9

    cido etanicocido butanicocido pentanicocido hexanicocido heptanicocido octanicocido nonanicocido decanicocido 9-decenicocido undecanico (hendecanico)cido 10-undecenico (10-hendecenico)cido dodecanicocido 9-dodecanicocido tridecanicocido tetradecanicocido 5-tetradecenicocido 9-tetradecenicocido pentadecanicocido 10-pentadecenicocido hexadecanicocido 9-hexadecenicocido 7,10-hexadecadienicocido heptadecanicocido 10-heptadecenicocido octadecanicocido 6-octadecenicocido 7-octadecenicocido 9-octadecenico

    cido ennticocido caprlicocido pelargnicocido cprico

    cido acticocido butricocido valricocido caprico

    cido caprolicocido undeclicocido undecilnico cido luricocido laurolicocido trideclicocido mirsticocido fisetricocido miristolicocido pentadeclico

    cido palmticocido palmitolico

    cido margrico

    cido estericocido petroselnico

    cido olicocido cis-vaccnico

    cido 13-octadecenico

    cido 11-octadecenicocido 12-octadecenico

    cido nonadecanico

    cido linolico (LA)cido gama-linolnico cido alfa-linolnico (LNA)cido estearidnicocido nanodeclico

    cido 9,12-octadecadienicocido 6,9,12-octadecatrienicocido 9,12,15-octadecatrienicocido 6,9,12,15-octadecatetraenico

    cido araqudicocido 7-nonadecenicocido eicosanicocido 11-eicosenicocido 11,14-eicosadienicocido 8,11,14-eicosatrienico

    cido gondico

    cido di-homo-gama-linolnico

    cido 11-docosenico

    cido di-homo-alfa-linolnico cido araquidnico (AA)

    cido behnico cido cetolico

    cido 11,14,17-eicosatrienicocido 5,8,11,14-eicosatetraenicocido heneicosanicocido docosanico

    cido ercicocido 13-docosenicocido 13,16-docosadienico

    cido lignocrico cido nervnico

    cido tricosanicocido tetracosanicocido 15-tetracosenico

    Fonte: SOUZA et al. (1998); GURR (1986); STRANSKY et al. (1997); TAHIN (1985); CHRISTIE (1994)

  • 10 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.2.1. cidos graxos mega

    Do ponto de vista metablico, fisiolgico e mesmo patolgico, tem sido importante precisar a posio da ltima dupla ligao dos cidos graxos insaturados em relao ao grupo metil terminal da cadeia carbnica de um cido graxo. A informao fornecida est associada com grupos ou famlias de cidos graxos, como, por exemplo, famlias mega-3, mega-6, mega-9, as quais podem apresentar atividades biolgicas diferenciadas. importante salientar que um cido graxo de uma determinada famlia pode ser dito como nobre para os animais, pois no transformado em um cido de outra famlia.

    Nas designaes da simbologia para os cidos mega so utilizadas a letra n ou a letra (mega), seguidas de um nmero que indica o nmero do carbono que dista da ltima dupla ligao at o grupo metil (-CH3) terminal da cadeia carbnica de um determinado cido graxo. As duas letras so comumente utilizadas, embora a comunidade internacional tenha, na maioria das vezes, usado a letra n. Portanto, o cido olico representado como 18:1n-9, o cido linolico 18:2n-6 e o cido 9,12,15-octadecatrienico como 18:3n-3 (VISENTAINER e FRANCO, 2006).

    2.3. No-glicerdeos Em todos os leos e gorduras encontram-se pequenas quantidades de

    componentes no-glicerdeos; os leos vegetais brutos contm menos de 5% e os leos refinados, menos de 2%. No refino, alguns desses componentes so removidos completamente, outros parcialmente. Aqueles que persistem no leo acabado, ainda que em traos, podem afetar as caractersticas das gorduras devido a alguma propriedade peculiar, como por exemplo, apresentar ao pr ou antioxidante, ser fortemente odorfero, ter sabor acentuado ou ser altamente colorido (MORETTO e FETT, 1998).

    Os no-glicerdeos de principal ocorrncia nos leos brutos so os fosfatdeos. O contedo de fosfatdeos no leo de soja bruto varia entre 1,1 e 3,1% (mdia 1,8%). Estruturalmente, esses compostos ficam definidos pela presena de um polilcool (usualmente, mas nem sempre, o glicerol) esterificado com cidos graxos e com cido fosfrico. O cido fosfrico, por sua vez, apresenta-se, tambm, esterificando um lcool aminado (colina, etanolamina), ou um aminocido (serina), ou mesmo um polilcool cclico chamado inositol. O componente fosfatdico do leo de soja consiste aproximadamente de 20% de lecitinas, 31% de cefalinas e 40% de fosfatidil inositol. Nas molculas dos fosfatdios h uma regio de grande afinidade pela gua (stio hidroflico) e outra, representada pelas cadeias hidrocarbonadas dos cidos graxos, hidrofbica. Quando a regio hidroflica hidratada, os fosfatdeos se insolubilizam no leo; nessa condio, so facilmente removidos (degomagem). As gomas, resduo desse processo, so fontes de lecitina comercial, produto largamente utilizado como emulsificante em sorvetes, chocolates, margarinas e no leite em p para instantanealiz-lo. leos refinados so praticamente isentos de fosfatdeos (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

  • 2.4. REAES DE GORDURAS, LEOS E CIDOS GRAXOS 11

    Os esteris, as ceras e os hidrocarbonetos incolores so no-glicerdeos incolores, inodoros, inspidos e relativamente inertes do ponto de vista qumico; no apresentam nenhuma propriedade organolptica importante aos leos. Os esteris so alcois cristalinos de elevado ponto de fuso e de estrutura bastante complexa. O principal esterol de origem animal o colesterol. Os esteris de fonte vegetal so coletivamente designados fitosteris. O -sitosterol, o campesterol e o estigmasterol so os fitosteris de maior ocorrncia nos leos comestveis mais comuns e compreendem, na maioria das vezes, a maior parte da matria insaponificvel que constituda principalmente de esteris, hidrocarbonetos, ceras, tocoferis e de pigmentos extraveis com ter etlico. O percentual de matria insaponificvel no leo de soja aproximadamente 0,7%, sendo que os esteris representam em torno de 60% desse (MORETTO e FETT, 1998).

    Os no-glicerdeos que afetam a aparncia das gorduras so substncias que imprimem colorao; destacam-se os carotenides e a clorofila. Os carotenides so os principais responsveis pela colorao amarela/vermelha na maioria dos leos e gorduras. A cor esverdeada, por sua vez, devido clorofila. Dos setenta carotenides identificados, o mais importante o -caroteno (pr-vitamina A) (MORETTO e FETT, 1998).

    Tocoferis, coletivamente chamados de vitamina E, so componentes lipossolveis que esto frequentemente presentes como componentes naturais em leos vegetais (NESARETNAM et al., 1998). Os tocoferis, alm de possurem funo de vitamina E, so os principais antioxidantes naturais em alimentos e muito importantes na estabilidade de leos vegetais (YOSHIDA et al., 1993).

    Durante o refino de leos vegetais uma grande frao de tocoferis perdida nos subprodutos, entre eles, a borra e o destilado de desodorizao (SCOTT, 1996), sendo que a etapa de desodorizao onde ocorre a maior perda destes componentes (JUNG et al., 1989). O contedo aproximado de tocoferis totais no leo de soja bruto e refinado , respectivamente, 0,168% e 0,094% (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    2.4. Reaes de gorduras, leos e cidos graxos 2.4.1. Hidrlise

    Sob condies apropriadas de miscibilidade em gua, os triglicerdeos de leos e gorduras so hidrolisados para produzir cidos graxos e glicerol. A hidrlise de triglicerdeos reversvel e ocorre em estgios, resultando, intermediariamente, em diglicerdeos e monoglicerdeos, segundo a reao 2.1. Em certos mtodos industriais de obteno de cidos graxos, o alto grau de hidrlise assegurado pelo uso de grande excesso de gua e pela repetida substituio da gua com glicerol por gua pura (SONNTAG, 1979). O processo acelerado pelo emprego de alta temperatura e alta presso e, tambm pelo uso de catalisador adequado (SHREVE, 1997).

  • 12 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    C3H5(OOCR)3 + 3HOH C3H5(OH)3 + 3HOOCR (2.1)

    2.4.2. Esterificao

    A esterificao a reao que ocorre no sentido contrrio ao da hidrlise do ster; um cido reage com um lcool, produzindo um ster e uma molcula de gua, conforme a reao 2.2. Ela pode ocorrer com lcoois mono, di e polihidroxilados, como no caso do glicerol. Trata-se de uma reao reversvel: a gua produzida deve ser continuamente removida da esfera da reao, a fim de que o processo ocorra de forma completa. Triglicerdeos de planejada composio podem ser obtidos atravs da hidrlise de gorduras comuns, seguida da separao dos cidos graxos resultantes por destilao fracionada e, finalmente, da re-esterificao dos cidos graxos desejados com glicerol (SONNTAG, 1979).

    RCOOH + HOR1 RCOOR1 + HOH (2.2)

    Os cidos carboxlicos transformam-se diretamente em seus steres quando aquecidos com um lcool em presena de pequena quantidade de cido mineral, normalmente cido sulfrico concentrado ou cido clordrico anidro (SONNTAG, 1982).

    2.4.3. Alcolise

    A alcolise de uma gordura com um lcool aliftico monohidroxilado de baixo peso molecular, tais como metanol e etanol, pode ser catalisada por um cido ou uma base para a produo de monosteres. A reao catalisada por base mais rpida, completa e pode ser realizada a temperatura mais baixa (SONNTAG, 1979).

    Segundo Marn et al. (2003), steres metlicos de cidos graxos so obtidos a partir de triglicerdeos de leos e gorduras, usualmente com um catalisador alcalino, conforme reao 2.3. A equao qumica representa a reao de converso quando se utiliza o metanol, obtendo-se como produtos steres metlicos (que constituem o biodiesel) e o glicerol (glicerina).

    C3H5(OOCR)3 + 3CH3OH 3CH3OCOR + C3H5(OH)3 (2.3)

    2.4.4. Saponificao e neutralizao

    Quando um leo ou gordura aquecido com soluo aquosa de lcali (soda custica ou potassa custica), forma-se glicerol e uma mistura de sais alcalinos de cidos graxos (sabes), conforme reao 2.4. A saponificao de leos e gorduras o processo bsico da indstria de sabes. A saponificao ocorre tambm, de modo at certo ponto indesejvel, durante o refino de leos e gorduras (SONNTAG, 1979).

    C3H5(OOCR)3 + 3NaOH C3H5(OH)3 + 3NaOOCR (2.4)

  • 2.4. REAES DE GORDURAS, LEOS E CIDOS GRAXOS 13

    Os cidos graxos livres tambm reagem com lcalis, resultando sabes, segundo a reao 2.5. Neste caso, a reao dita neutralizao. No refino, o emprego da soluo de hidrxido de sdio visa, principalmente, a neutralizao dos cidos graxos livres que ocorrem nos leos brutos. Os sabes produzidos, por serem insolveis no leo, concentram-se na fase aquosa que se separa facilmente do leo neutro, e constitui a chamada borra de refino (SONNTAG, 1979).

    RCOOH + NaOH RCOONa + H2O (2.5)

    As reaes de saponificao e de neutralizao servem de base para duas importantes determinaes analticas, o ndice de saponificao e o ndice de acidez. O ndice de saponificao o nmero de miligramas de hidrxido de potssio requerido para saponificar um grama de leo ou gordura. O ndice de acidez o nmero de miligramas de hidrxido de potssio requerido para neutralizar os cidos graxos livres (AGL) que ocorrem em um grama de gordura. Tambm, a acidez de leos e gorduras expressa diretamente em termos de cidos graxos livres; normalmente, assume-se no clculo que os cidos tm um peso molecular equivalente ao cido olico. O ndice de saponificao dos glicerdeos neutros varia com a natureza dos cidos graxos constituintes da gordura. Quanto menor for o peso molecular do cido graxo, tanto maior ser o ndice de saponificao. J a acidez livre de uma gordura decorre da hidrlise parcial dos glicerdeos, por isso no uma constante ou caracterstica, mas uma varivel intimamente relacionada com a natureza e a qualidade da matria-prima, com a qualidade e o grau de pureza da gordura, com o processamento e, principalmente, com as condies de conservao da gordura (MORETTO e FETT, 1998).

    2.4.5. Halogenao

    As duplas ligaes presentes nos cidos graxos insaturados reagem prontamente com halognios, cloro (Cl2) e bromo (Br2), para formar compostos de adio. O iodo (I2) menos reativo e, praticamente, s adicionado na forma de monocloreto de iodo (ICl) ou de monobrometo de iodo (IBr). A adio uma reao rpida, porm, seu rendimento quantitativo requer condies especiais, devido tendncia dos halognios de se adicionarem incompletamente (HARTMAN e ESTENES, 1989).

    A adio quantitativa de IBr ou ICl constitui a base de uma importante caracterstica das gorduras. O ndice de iodo o nmero de gramas de halognio, expressos em iodo, absorvidos sob condies padronizadas, por 100 gramas de gordura. O ndice de iodo uma medida do grau de insaturao dos cidos graxos presentes na gordura, pois cada dupla ligao de um cido graxo pode incorporar dois tomos de halognio. Por essa razo, quanto maior a insaturao de um cido graxo, maior ser a sua capacidade de absoro de iodo e, consequentemente, maior ser o ndice (MORETTO e FETT, 1998).

  • 14 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.4.6. Alteraes dos lipdios

    As caractersticas de qualidade de leos e gorduras sempre esto relacionadas com o fenmeno da rancidez, que o fenmeno deteriorativo mais importante neste tipo de produto. A rancidez organolepticamente detectvel. Existem dois tipos de rancidez, a hidroltica e a oxidativa.

    A rancidez hidroltica enzimtica refere-se hidrlise dos leos e gorduras com produo de cidos graxos livres, devido ao de enzimas lipases de origem microbiana. Tambm pode ocorrer de forma no enzimtica, como nos processos de fritura, nos quais a hidrlise se d a altas temperaturas, produzindo cidos graxos livres.

    A rancidez oxidativa, tambm chamada de auto-oxidao, est diretamente relacionada com cidos graxos insaturados. Trata-se da reao do oxignio atmosfrico com as duplas ligaes dos cidos graxos insaturados. A reatividade aumenta com o nmero de insaturaes na cadeia. A reao de oxidao produz perxidos e hidroperxidos (produtos primrios, organolepticamente inertes). Estes compostos, por uma srie de reaes paralelas, produzem os compostos volteis, aldedos e cetonas que do o odor de rano ao alimento (produtos secundrios) (MORETTO e FETT, 1998).

    O progresso da reao de oxidao de uma gordura ocorre em duas etapas. Na etapa inicial, chamada perodo de induo, a oxidao se processa a uma velocidade baixa e mais ou menos uniforme e se prolonga at um nvel crtico. A segunda etapa, perodo terminal, se caracteriza pelo rpido aumento da velocidade de oxidao. Os sinais de sabor e odor indicativos de rancidez aparecem no incio da segunda etapa (SONNTAG, 1979).

    Alguns fatores que afetam a velocidade de oxidao so: a quantidade de oxignio presente, o grau de insaturao da gordura, a presena de antioxidantes, a exposio luz e a temperatura. A remoo de oxignio (ar) ou sua substituio por gs inerte previne a oxidao. Uma determinao analtica para avaliar o estado de oxidao (rancidez) de uma gordura a determinao dos perxidos pela sua capacidade de libertar iodo do iodeto de potssio, em soluo de cido actico glacial. O ndice de perxido a medida de oxignio reativo, em termos de miliequivalentes de oxignio por 1000 (mil) gramas de gordura (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    2.5. Refino de leos e gorduras A industrializao das sementes oleaginosas divide-se em duas partes

    importantes:

    a produo de leo bruto e de torta ou farelo;

    o refino dos leos brutos produzidos.

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 15

    O refino pode ser definido como um conjunto de processos que visam transformar os leos brutos em leos comestveis. Embora existam casos de consumo de leos brutos, como o azeite de oliva, azeite de dend e outros, sem processo de refino, estes so casos isolados. A grande maioria dos leos e gorduras destinados ao consumo humano submetida ao refino, cuja finalidade uma melhora de aparncia, odor e sabor pela remoo do leo bruto dos seguintes componentes:

    substncias coloidais, protenas, fosfatdeos e produtos de sua decomposio;

    cidos graxos livres e seus sais, cidos graxos oxidados e polmeros;

    corantes tais como clorofila, xantofila, carotenides;

    substncias volteis tais como hidrocarbonetos, lcoois, aldedos, cetonas e steres de baixo peso molecular;

    substncias inorgnicas tais como os sais de clcio e de outros metais, silicatos, fosfatos e outros;

    umidade.

    As etapas principais do processo, mostradas na figura 2.2 so: degomagem (hidratao), neutralizao (desacidificao), branqueamento (clarificao) e desodorizao (MORETTO e FETT, 1998).

  • 16 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    Figura 2.2: Fluxograma do processo de refino dos leos e gorduras

    2.5.1. Degomagem

    Esse processo tem a finalidade de remover do leo bruto fosfatdeos, protenas e substncias coloidais e produzir leos crus capazes de serem refinados, por via qumica ou fsica, com a mnima contaminao ambiental.

    Os motivos que levam degomagem do leo bruto so os seguintes:

    facilitar o armazenamento e o transporte do leo cru;

    produzir fosfatdeos como um subproduto valioso;

    facilitar a etapa subsequente de neutralizao alcalina (maior rendimento e qualidade, menor consumo);

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 17

    diminuir os problemas de poluio de gua cida depois da acidulao da borra;

    eliminar fosfatdeos e outros compostos no desejados de forma eficiente para o refino fsico.

    A reduo dos fosfatdeos e outros compostos est ligada solubilidade dos mesmos na gua e ao efeito de hidratao que sofrem os fosfolipdios, tambm denominados de fosfatdeos, os quais absorvem outros compostos ao hidratarem-se como, por exemplo: acares, protenas, sais de ferro, entre outros. A gua no produz total eliminao dos fosfolipdios. Os fosfolipdios no hidratveis esto presentes, principalmente, no leo como sais de clcio e ou magnsio do cido fosfatdico e da fosfatidiletanolamina. Na tabela 2.4 so mostradas as quantidades dos componentes menores no leo cru de soja antes e depois da degomagem com gua (MORETTO e FETT, 1998).

    Tabela 2.4: Componentes menores no leo de soja cru e degomado com gua

    Ca (ppm)Mg (ppm)Fe (ppm)

    50 - 1501 - 5

    50 - 12020 -1000,5 - 3

    70 - 200

    2,00 - 3,00Fosfolipdeos (%)Glicolipdeos (%)Acares livres (%)

    Componentes leo cru leo degomado com gua 0,30 - 0,800,02 - 0,030,02 - 0,03

    0,15 - 0,300,10 - 0,15

    O processo de degomagem com gua consiste na adio de 1 3% de gua no leo aquecido a 60 70 oC e agitao durante 20 30 minutos. Forma-se um precipitado que removido do leo por centrifugao a 5000 6000 rpm. As gomas, assim obtidas, que contm cerca de 50% de umidade so secas sob vcuo (aproximadamente 100 mmHg de presso absoluta), a 70 80 oC. A degomagem deve ocorrer sempre antes da neutralizao do leo, pois a presena da lecitina com suas propriedades emulsificantes provocaria um aumento considervel de perdas na neutralizao (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    A lecitina comercial tem a aparncia de mel de abelhas e contm aproximadamente 1% de umidade, 60% de fosfatdeos e 39% de leo. A maior parte da lecitina usada sob a forma de lecitina crua tanto na indstria de alimentos como em outras aplicaes industriais. As mais importantes propriedades da lecitina so a capacidade de diminuir a tenso superficial de solues aquosas e o grande poder emulsificante (ROHR, 1978).

  • 18 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.5.2. Neutralizao

    O leo na semente representa uma reserva de alimentos da qual a futura planta lana mo durante e logo aps a germinao da semente, enquanto no tiver raiz e folhas formadas para a sua alimentao. Como a planta no pode usar o leo tal qual, mas somente em sua forma decomposta e transformada em acares, toda a semente oleaginosa dispe, alm do leo, uma reserva de enzimas, as quais, na germinao, se encarregam dessa transformao. At a germinao, estas enzimas, principalmente a lipase, ficam bem separadas do contedo do leo da semente. No caso da semente sofrer algum atrito fsico, quebra, esmagamento ou a sua umidade for elevada demais, as enzimas entram em contato com o leo e comeam a agir como ocorre durante a germinao. O aumento de acidez do leo das sementes oleaginosas sempre causado pela ao das enzimas. Normalmente, quanto mais nova, mais bem armazenada e mais seca estiver a semente, mais baixa ser a acidez livre do leo. O armazenamento adequado da semente extremamente importante, pois o valor do leo bruto extrado tanto maior, quanto mais baixo for o contedo de acidez livre e mais clara estiver a sua cor (ROHR, 1978).

    De acordo com o mesmo autor, a finalidade da neutralizao do leo bruto a eliminao de cidos graxos livres. A no ser em alguns casos especiais, quando possvel, por meio de destilao em alto vcuo, eliminar os cidos graxos livres, utilizam-se solues alcalinas de soda custica ou, em casos raros, de carbonato de sdio. Os cidos graxos neutralizados transformam-se em sabes e so separados dos glicerdeos pela diferena de peso especfico. Como as solues aquosas tanto de soda custica como de sabo so insolveis em leo, o processo de neutralizao se desenvolve entre as duas fases, a oleosa e a aquosa. requisito necessrio, para uma boa neutralizao, o estabelecimento de um contato perfeito entre as molculas dos cidos graxos livres dissolvidos no leo e a soluo aquosa alcalina. bvio que, quanto melhor for o contato, tanto menor ser o tempo necessrio para a obteno de um leo neutro. O valor comercial do leo neutro muito superior ao do sabo obtido com a neutralizao dos cidos graxos. Assim sendo, sob o ponto de vista econmico, muito importante que no processo de neutralizao se obtenha a maior quantidade possvel do leo neutro, isto , que os cidos graxos livres sejam neutralizados com a menor perda possvel de leo neutro.

    Conforme Oliveira (2001), na etapa de neutralizao do refino de leos vegetais, a soluo aquosa de hidrxido de sdio em leo forma um sistema leo-gua-sabo. Essa etapa merece ateno especial, pois pode ocorrer saponificao indesejvel de triglicerdeos e consequente perda de material neutro, produzindo glicerol e uma mistura de sais alcalinos de cidos graxos (sabes), conforme a reao 2.4 apresentada anteriormente.

    A adio de soluo aquosa de lcalis, tais como hidrxido de sdio ou, s vezes, carbonato de sdio, elimina do leo os cidos graxos livres e outros componentes definidos como impurezas (protenas, cidos oxidados, produtos de decomposio de

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 19

    glicerdeos). O processo acompanhado por branqueamento parcial do leo (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    A neutralizao ocorre na interface do leo e soluo alcalina. Sendo essas fases no intersolveis, a neutralizao exige uma disperso de soluo alcalina em leo. Existem dois mtodos principais de neutralizao: o mais antigo, o descontnuo e o mais moderno, o contnuo. Normalmente, adiciona-se a soluo de hidrxido de sdio ao leo na neutralizao do leo. De acordo com o contedo de cidos graxos livres no leo bruto, aplicam-se vrias concentraes de soluo alcalina e apropriadas condies de processo. O processo descontnuo encontra-se atualmente em poucas fbricas de pequeno porte (MORETTO e FETT, 1998).

    2.5.2.1. Neutralizao descontnua

    O leo colocado num reator com capacidade de 6 15 toneladas, provido de agitador mecnico, camisa de vapor indireto e aspersor para adio da soluo alcalina e gua fervente para as lavagens. As concentraes da soluo de hidrxido de sdio e outros parmetros de neutralizao so apresentados na tabela 2.5. No caso de leos de baixa acidez, inferior a 1,5%, a soluo aquosa de hidrxido de sdio pode ser adicionada quente ao leo aquecido a 90 95 oC, sem, contudo, agit-lo. No caso de leos com acidez acima de 1,5%, a soluo alcalina mais concentrada adicionada ao leo a temperatura ambiente com intensa agitao para facilitar o contato entre as duas fases. Depois de 15 30 minutos a mistura aquecida a temperatura apropriada para quebrar a emulso (50 70 oC) com velocidade do agitador reduzida (30 rpm) e deixada em repouso por algumas horas at a separao do sabo formado (borra). Aps a retirada da borra pela vlvula no fundo do reator, o leo lavado trs a quatro vezes com pores de 10 20% de gua fervente, deixando a carga em repouso, cada vez, por cerca de 30 minutos (MORETTO e FETT, 1998).

    Tabela 2.5: Parmetros de neutralizao do leo

    % oBe3 - 5 5 - 8

    Concentrao de soluo de hidrxido de sdio

    1 - 1,5 90 - 95

    % de cidos g

    5 - 10 8 - 1512 - 18 18 - 25 50 - 55

    1,5 - 33

    65 - 70

    raxos livresantes da neutralizao

    Temperatura final do leo

    oC

    A mistura entre a soluo alcalina e o leo realizada a temperatura ambiente para evitar ou reduzir a saponificao do leo. Caso ocorra aquecimento da mistura em virtude da reao exotrmica da neutralizao dos cidos graxos pela soluo de hidrxido de sdio, o resfriamento realizado pela passagem de gua fria pela camisa do reator (ROHR, 1978).

  • 20 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.5.2.2. Neutralizao contnua

    A maioria das indstrias no Brasil usa a neutralizao contnua para a remoo dos cidos graxos do leo neutro devido economia de tempo e reduo das perdas do processo. A soluo de soda custica (hidrxido de sdio) necessria neutralizao adicionada ao leo sob agitao e aquecimento a 65 90 oC. Posteriormente, o leo neutralizado e a borra so separados por centrifugao. A concentrao da soluo alcalina, o tempo de mistura com o leo e a temperatura de neutralizao variam de acordo com o processo adotado. O leo neutralizado submetido a uma ou duas lavagens com 10 a 20% de gua aquecida a 80 90 oC e novamente centrifugado, para remover o sabo residual (MORETTO e FETT, 1998).

    Segundo Rohr (1978), o processo contnuo segue as linhas bsicas da neutralizao descontnua, melhorando-a, porm, em dois aspectos importantes:

    a mistura, leo mais soluo de hidrxido de sdio, realizada de forma contnua, possibilitando uma mistura eficiente e de tempo reduzido. Alguns minutos so necessrios para que o leo e a soluo de hidrxido de sdio atravessem um pequeno misturador contnuo. Reduzindo o tempo de contato entre o leo e a soluo de hidrxido de sdio, consegue-se reduzir tambm as perdas de leo neutro, causadas pela saponificao do mesmo.

    o processo contnuo melhora em muito a separao do sabo formado (borra) do leo neutro. Usa-se neste processo, centrfugas cuja rotao por minuto, muitas vezes, supera 15.000 para melhorar e abreviar a separao da borra do leo. Na neutralizao descontnua, a separao da borra provocada simplesmente pela diferena do peso especfico existente entre o sabo e o leo, isto , ocorre a decantao do sabo. Nas centrfugas, a fora centrfuga atua sobre a borra centena de vezes mais forte do que a fora gravitacional, permitindo assim, uma separao mais perfeita em menos tempo e com muito menor arraste de leo pelo sabo.

    2.5.2.3. Rendimento da neutralizao

    A perda resultante da neutralizao devida principalmente a dois fatores:

    saponificao do leo neutro pelo excesso do hidrxido de sdio empregado no processo;

    arraste de leo neutro pelo sabo ou emulses formadas durante a neutralizao.

    Para no reagir com o leo neutro, durante o processo de neutralizao, a soluo de hidrxido de sdio empregada deveria ser de concentrao extremamente baixa. Essa baixa concentrao, porm, principalmente em baixas temperaturas, facilita

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 21

    a formao de emulses, dificulta a separao de leo do sabo formado (borra) e causa por arraste, perdas elevadas. A baixa temperatura que seria necessria para diminuir a velocidade de reao entre o hidrxido de sdio e o leo neutro, diminuindo consequentemente as perdas, no pode ser mantida, pois causaria, atravs da formao de emulses e m separao do sabo formado, uma perda elevada. Na prtica so escolhidas as condies de neutralizao de tal forma que a soluo de hidrxido de sdio seja suficientemente concentrada e a temperatura elevada para no ocorrer emulses e arraste de leo neutro durante o processo, mas que ao mesmo tempo, o hidrxido de sdio no ataque demasiadamente o leo neutro por saponificao (ROHR, 1978).

    H dois modos de expressar a perda ou rendimento da neutralizao. Um deles consiste em relacionar a quantidade percentual do leo neutro presente nos leos brutos. Assim, o rendimento de neutralizao, mostrado na equao a seguir igual a:

    Rendimento da neutralizao = % de leo neutralizado obtido x 100% de leo neutro determinado analiticamente

    Uma neutralizao eficiente resulta num valor acima de 99%. Outro mtodo, menos informativo, relaciona a perda percentual do leo resultante da neutralizao com o contedo dos cidos graxos livres do leo bruto. Assim, o fator de perda mostrado na equao a seguir igual a:

    Fator de perda da neutralizao = % da perda de neutralizao% dos cidos graxos livres do leo bruto

    Em geral, este fator fica abaixo de dois, mas depende da acidez e do contedo de impurezas presentes no leo bruto. O fator de perda no leva em considerao as impurezas no leo bruto. Estas impurezas, principalmente quando a acidez livre do leo for baixa, exercem uma influncia considervel sobre o resultado (MORETTO e FETT, 1998).

    2.5.2.4. Borra de soja

    A borra o principal subproduto da indstria de refino de leos vegetais. Sabes de sdio so formados durante a etapa de neutralizao do refino qumico de leos brutos atravs da reao para a remoo de cidos graxos livres com hidrxido de sdio. Os sabes e a maioria do material no oleoso incorporado ao sistema so separados do leo por centrifugao e denominados de borra (DOWN, 1998).

    A borra consiste basicamente de gua, sais de sdio de cidos graxos, triglicerdeos, fosfolipdios, matria insaponificvel e produtos de degradao (MAG et al., 1983; WOERFEL, 1995). um material complexo e heterogneo que pode ser difcil de manusear e analisar. A temperatura ambiente, apresenta uma consistncia pastosa ou firme. Quando exposta ao ar, a borra perde umidade e pode ser instvel a temperaturas elevadas devido presena de resduos alcalinos (DOWN, 1998). Em

  • 22 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    muitas situaes, este subproduto pode ser considerado um problema, porm, de fato um produto valioso quando eficientemente recuperado e processado (WOERFEL, 1981).

    A qualidade e composio da borra dependem da composio da semente, do processo e das condies do refino, tais como o tipo de equipamento, a concentrao e o tipo de agente neutralizante, alm das condies de operao (HONG, 1983; WOERFEL, 1995). A quantidade de borra obtida durante o processo de refino, por sua vez, depende principalmente do teor de cidos graxos livres e fosfolipdios do leo (WOERFEL, 1981); seu valor comercial determinado pelo contedo de cidos graxos totais (combinado e livre) (SWERN, 1982). A borra bruta contm normalmente entre 35-50% de cidos graxos totais e a forma concentrada, definida como borra acidulada, normalmente apresenta entre 85-95% (SWERN, 1982). Como a borra contm alto teor de gua, deve ser processada logo aps ser produzida para minimizar as chances de emulsificao (WOERFEL, 1981; HONG, 1983).

    A borra pode ser usada como tal para fabricao de sabo em p ou em barra e, para reduzir o custo de seu transporte, a matria graxa, pode ser recuperada por acidificao com cido sulfrico em tanques de ao inoxidvel, resistente a ao dos cidos minerais. Depois da separao da fase aquosa, a borra acidulada contm usualmente mais de 60% de cidos graxos livres, sendo o resto glicerdeos e alguma porcentagem de substncias no graxas. Existem instalaes de acidulao de borra nas quais adicionado cido sulfrico, seguido de aquecimento e separao contnua da matria graxa da fase aquosa por centrifugao. A separao das fases pode tambm ser realizada por decantao, sendo a separao denominada descontnua (MORETTO e FETT, 1998).

    2.5.3. Branqueamento

    O branqueamento destina-se remoo de compostos coloridos visando obter-se uma cor aceitvel dos leos vegetais. O processo de degomagem j remove certa quantidade de corantes presentes no leo. A neutralizao com lcalis tambm exibe um efeito branqueador, devido coagulao e ao qumica.

    O leo aquecido aproximadamente a 100 C e colocado em contato com terras diatomceas e/ou carvo ativado, descorando-se. O processo de branqueamento remove tambm pequenas quantidades de sabes ou de cidos graxos livres remanescentes. A produo de 10 toneladas de leo refinado requer aproximadamente 40 kg de terra diatomcea, o que caracteriza um dos custos principais do refino de leos vegetais (SNAPE e NAKAJIMA, 1996).

    O leo neutralizado e lavado contm sempre umidade, mesmo submetido centrifugao. A ao da terra clarificante mais eficiente no meio anidro e, portanto, a primeira etapa do branqueamento a secagem. No processo contnuo da neutralizao, esta secagem , s vezes, efetuada de maneira contnua. Alternativamente, o leo seco

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 23

    no branqueador a 80 90 oC e sob vcuo (30 mmHg) durante 30 minutos. Depois se adiciona uma quantidade apropriada de terra clarificante, com a qual o leo agitado a 80 95 oC durante 20 a 30 minutos. Subsequentemente, o leo resfriado a 60 70 oC e filtrado no filtro prensa (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    A retirada dos corantes dos leos vegetais, isto , a clarificao dos mesmos, mais uma exigncia do mercado consumidor do que um requisito de boa qualidade. Na realidade, os corantes naturais no so prejudiciais, ao contrrio, com a retirada dos mesmos, o leo pode ter suas propriedades nutritivas reduzidas, pois juntamente com os corantes, ocorre a perda de vitaminas benficas ao organismo (ROHR, 1978).

    2.5.4. Desodorizao

    A ltima etapa de refino de leo a desodorizao que visa a remoo dos sabores e odores indesejveis. Durante esta etapa, as seguintes substncias so removidas:

    compostos desenvolvidos durante armazenagem e processamento das sementes e leos, tais como, aldedos, cetonas, cidos graxos oxidados, produtos de decomposio de protenas, carotenides, esteris, fosfatdeos e outros;

    substncias naturais presentes nos leos, tais como, hidrocarbonetos insaturados e cidos graxos de cadeia curta e mdia;

    cidos graxos livres e perxidos.

    As substncias odorferas e de sabor indesejvel so, em geral, pouco volteis, mas sua presso de vapor bem superior aquela do cido olico ou esterico. Assim, sob as condies geralmente mantidas durante o processo, ou seja, presso absoluta de 2 8 mmHg e temperatura de 220 250 oC com insuflao do vapor direto, alcana-se no somente a completa desodorizao, mas, tambm, uma quase completa remoo dos cidos graxos livres residuais. Um alto vcuo essencial porque sua aplicao reduz o consumo de vapor direto, o tempo do processo e o perigo de oxidao e hidrlise do leo (MORETTO e FETT, 1998).

    Os leos em geral se oxidam e se decompem na presena de oxignio em altas temperaturas. Portanto, a presso absoluta mais baixa possvel durante o processo de desodorizao evita a influncia indesejvel de oxignio sobre o leo submetido ao processo. Realiza-se uma destilao na qual os compostos indesejados so retirados do leo (de baixa volatilidade) em temperaturas que no ofeream risco de degradao. A aplicao de presses reduzidas no decorrer da operao protege o leo aquecido da oxidao atmosfrica, previne a ocorrncia de hidrlise pela presena de gua e reduz consideravelmente a quantidade de vapor requerida (ROHR, 1978).

  • 24 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    A desodorizao efetuada da maneira descontnua, semicontnua ou contnua. O equipamento mais usado nas indstrias de mdio e grande porte semicontnuo do tipo Girdler. O equipamento tem um corpo de ao inoxidvel com bandejas. Nas primeiras bandejas o leo pr-aquecido, nas intermedirias, aquecido a 230 240 oC com insuflao de vapor direto e na ltima, resfriado a 40 50 oC. O leo permanece em cada bandeja durante cerca de meia hora, passando de uma para outra por controle automtico. O leo processado num desodorizador descontnuo usualmente transferido, por gravidade, a um tanque munido com uma serpentina e um agitador, onde resfriado a temperatura ambiente, sob vcuo. Depois do resfriamento, o leo armazenado em tanques preferivelmente de ao inoxidvel, sob a atmosfera de gs inerte, como nitrognio (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    Os compostos removidos atravs da desodorizao so, em sua maioria, aldedos, cetonas, alcois e hidrocarbonetos gerados por decomposio trmica de perxidos e pigmentos. As concentraes desses compostos minoritrios so normalmente inferiores a 1000 ppm antes da desodorizao, sendo que aps o processo devem atingir valores entre 1 e 30 ppm (SWERN, 1982).

    2.5.5. Refino fsico

    O refino, como praticado geralmente no Brasil e no exterior, uma mistura dos processos qumicos e fsicos. Das trs operaes principais de refino, a neutralizao com lcalis obviamente um processo qumico, enquanto o branqueamento e a desodorizao so essencialmente processos fsicos de adsoro e de destilao, respectivamente. Isso significa que, para tornar o processo atual um processo fsico, precisa-se substituir a neutralizao com lcalis por uma desacidificao de carter diferente. Como j foi mencionado anteriormente, a neutralizao alcalina apresenta alguns aspectos desfavorveis: saponificao e arraste de leo neutro, com resultantes perdas de refino, dificuldades de tratar leos com alta acidez e produo de borras com baixo valor comercial. Essas e outras consideraes conduziram ao desenvolvimento dos sistemas alternativos de refino. Um dos mais importantes a substituio da neutralizao com lcalis por destilao dos cidos graxos livres, o que torna o refino um processo essencialmente fsico.

    As primeiras patentes industriais para a remoo de cidos graxos livres por destilao tiveram a finalidade de reduzir a acidez at um valor suficientemente baixo para possibilitar a neutralizao alcalina e evitar altas perdas de refino. Agora a finalidade de dispensar, em certos casos, completamente a neutralizao alcalina. Isso exige algumas modificaes do processo usual (HARTMAN e ESTEVES, 1989).

    A degomagem, que pode ser optativa no processo usual, torna-se indispensvel no refino fsico e deve ser to completa quanto possvel. A degomagem seguida por branqueamento e os leos assim pr-tratados so submetidos destilao a vcuo, para remover os cidos graxos livres e depois desodorizados, ou ambos os processos so conduzidos simultaneamente em um desacidificador-desodorizador. A degomagem

  • 2.5. REFINO DE LEOS E GORDURAS 25

    completa apresenta problemas no caso dos leos com alto contedo de fosfatdeos e outras impurezas. A segunda fase do refino fsico o branqueamento e esta fase que determina a possibilidade de aplicar a desacidificao sem o emprego de lcalis. O refino fsico no aplicvel a todos os leos. O leo de algodo, por exemplo, ainda aps a mais cuidadosa degomagem, no pode ser facilmente branqueado sem um tratamento com hidrxido de sdio. Porm, para muitos leos como os de amendoim, dend, babau e outros a desacidificao sem emprego de lcalis vivel. A possibilidade de remover os cidos graxos livres por destilao baseia-se na considervel diferena entre os pontos de ebulio de steres alifticos e seus steres de glicerol como mostram a tabela 2.6 e a tabela 2.7 (MORETTO e FETT, 1998).

    Tabela 2.6: Pontos de ebulio de alguns cidos graxos

    lurico palmtico esterico olico154 192 209 206142 179 194 191130 167 184 176121 155 180 163

    4,02,01,00,5

    Presso absoluta Ponto de ebulio em C de cidomm Hg

    o

    Tabela 2.7: Pontos de ebulio de alguns triglicerdeos

    trilaurina tripalmitina triestearina leo de soja244 298 313 308188 239 253 254

    0,050,001

    mm HgPresso absoluta Ponto de ebulio em oC

    O processo pode ser conduzido em aparelhos descontnuos e, de fato, um desodorizador descontnuo de ao inoxidvel que trabalha acima de 200 oC e sob presso absoluta de 3 5 mmHg, poderia ser usado depois de algumas modificaes, como desacidificador. Contudo, melhores resultados so obtidos com aparelhos semicontnuos, tipo Girdler, equipados com bandejas de ao inoxidvel que trabalham sob presso de 0,5 1,0 mmHg.

    O refino fsico reduz as perdas de leo e produz, ao invs de borra, cidos graxos 80 a 90% puros. Porm, a contnua melhora na qualidade dos leos brutos, com decrscimo de acidez, diminui as vantagens do processo. Assim, encontram-se agora no mercado, leos de soja brutos com 0,3 1,0% de cidos graxos livres. Considerando esta baixa acidez e a dificuldade de uma satisfatria degomagem, o leo de soja no parece ser uma matria-prima prpria para o refino fsico. Por outro lado, o refino fsico aplicado no Brasil ao leo de dend. Este leo obtido aqui com um teor de cidos graxos livres de 5 a 9% e, quando submetido ao refino fsico, produz um leo comestvel quase incolor com acidez abaixo de 0,1% (MORETTO e FETT, 1998).

  • 26 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    2.6. Neutralizao do leo de soja para produo de biodiesel

    Outra fonte de obteno de borra de soja, alm da indstria de refino de leo, a indstria de biodiesel. De acordo com Parente (2003), o processo de produo de biodiesel composto das seguintes etapas: preparao da matria-prima, reao de transesterificao, separao de fases, recuperao e desidratao do lcool, destilao da glicerina e purificao do biodiesel. Na preparao da matria-prima, os cidos graxos livres so saponificados com solues alcalinas, obtendo-se a borra de neutralizao que separada do leo neutro por centrifugao.

    Transesterificao a reao de leos e gorduras com um lcool para formar steres e um subproduto, o glicerol (ou glicerina). Somente lcoois simples, tais como metanol, etanol, propanol e butanol, podem ser usados na transesterificao.

    Um catalisador normalmente usado para acelerar a reao de transesterificao, podendo ser bsico, cido ou enzimtico. O hidrxido de sdio o catalisador mais usado tanto por razes econmicas como pela sua disponibilidade no mercado. As reaes com catalisadores bsicos so mais rpidas do que com catalisadores cidos.

    Na transesterificao com catalisadores bsicos, cidos graxos livres no favorecem a reao. Assim, so necessrios triglicerdeos neutralizados para minimizar a produo de sabo. A produo de sabo diminui a quantidade de steres e dificulta a separao entre o glicerol e os steres.

    Caso necessrio, a matria-prima deve ser submetida a um processo de neutralizao. Nos processos que usam leo degomado, adiciona-se lcali em excesso para remover todos os cidos graxos livres. A acidez reduzida por uma lavagem com soluo de hidrxido de sdio ou de potssio.

    A fim de obter elevados rendimentos nas reaes de esterificao dos glicerdeos, em presena de catalisadores bsicos, como os hidrxidos alcalinos, estas devem ser conduzidas somente com leos vegetais neutros, ou de baixa acidez, no mximo at 3%, pois a presena de cidos graxos livres neutraliza a ao cataltica. Alm disso, a separao posterior dos sabes formados difcil e conduz a perdas no rendimento da mistura de steres.

    Os cidos graxos livres nos leos e gorduras so provenientes da hidrlise de molculas de triglicerdeos. A presena de cidos graxos livres retarda a reao de esterificao dos glicerdeos e diminui o seu rendimento e, por este motivo, estes compostos precisam ser removidos antes da reao. O teor de cidos graxos livres um fator determinante para o rendimento das reaes de obteno de steres de cidos graxos. Por este motivo, a avaliao deste parmetro fundamental para a obteno do biodiesel.

  • 2.7. PROCESSAMENTO DA BORRA DE SOJA 27

    2.7. Processamento da borra de soja 2.7.1. Acidulao da borra

    A borra tratada com um cido inorgnico, normalmente sulfrico ou clordrico e mantida por 2 4 horas sob aquecimento (80 130 oC) para converso dos sabes em cidos graxos (WATSON e HOEFER, 1976; WOERFEL, 1983), conforme a reao 2.6 (SONNTAG, 1989):

    2 RCOONa + H2SO4 2 RCOOH + Na2SO4 (2.6)

    Durante a acidulao, o componente leo separado da fase gua por centrifugao em um sistema contnuo ou por decantao pela gravidade em um processo por batelada (WATSON e HOEFER, 1976). A fase gua, que contm cido sulfrico livre, sulfato de sdio e impurezas solveis em gua (SWERN, 1982), ento descartada e a fase leo obtida lavada com adio de 25 50% de gua, aquecida por um curto tempo e decantada novamente. Aps o descarte da gua de lavagem obtido o leo cido (borra acidulada) (WOERFEL, 1983).

    A acidulao normalmente efetuada em um pH relativamente baixo (1,5 3,0) para certificar-se que no haja sabo remanescente no processo, o que interferiria na separao entre as fases leo e gua (WOERFEL, 1995; MAG et al., 1983).

    Porm, o estudo da curva de titulao de vrios sabes mostra que a frao de cido graxo desprendida do sabo a um pH de 4,0 ou menos e isto evidenciado pela queda de viscosidade (CRAUER, 1965).

    Quando o pH da mistura cai abaixo de 3,0, o leo cido produzido pode degradar-se, ocorrendo um aumento no contedo de cido graxo oxidado, cido mineral e cinzas e um alterao na cor. Alm disso, na faixa de pH 3,0 ou menos, o reagente usado para acidificao do sabo e neutralizao da gua de descarte enormemente aumentado (CRAUER, 1965).

    O cido graxo recuperado tambm pode conter porcentagens de cido graxo oxidado resultante da exposio do leo ao ar, principalmente pelo fato da reao ocorrer a altas temperaturas (ZILCH, 1992).

    Os problemas associados acidulao da borra so conhecidos. Eles so, principalmente, devidos natureza corrosiva do processo e dificuldade de separao da fase leo e da fase gua, ocasionando a contaminao da gua a ser descartada por matria graxa (MAG et al., 1983).

    Regulamentaes especficas nos Estados Unidos restringem a gua de descarte com uma contaminao de no mximo 150 mg.kg-1 de leo. O processo de acidulao

  • 28 2. FUNDAMENTOS TERICOS E REVISO BIBLIOGRFICA

    por batelada normalmente cumpre as especificaes, porm requer um tempo de decantao entre 8 e 12 horas (MAG et al., 1983).

    A composio da borra acidulada depende da proporo de leo insaponificvel e do teor de lcali livre na matria-prima (SWERN, 1982).

    2.7.2. Saponificao da borra

    A borra acidulada contm aproximadamente 20 30% de triglicerdeos (WOERFEL, 1995) resultantes do leo neutro contido na borra.

    Solues alcalinas hidrolisam triglicerdeos formando sais de cidos carboxlicos (sabo) e glicerol (lcool) (PAVIA et al., 1988), portanto a saponificao da borra efetuada com excesso de soluo de hidrxido de sdio visando a saponificao total do leo neutro presente, etapa esta efetuada anteriormente acidulao, resulta em um produto que contm praticamente cidos graxos (WOERFEL, 1995).

    Durante a saponificao, ocorre tambm a hidrlise de uma poro significativa do contedo de fosfolipdios presentes na borra bruta (RED e ILAGAN, 1978), facilitando a separao da fase leo da fase gua aps a acidulao da borra (WOERFEL, 1995).

    O excesso de base adicionada borra determina a taxa de saponificao e geralmente um excesso de 50% suficiente, porm este valor varivel com o tipo de leo (RED e ILAGAN, 1978). A saponificao e a acidulao da borra podem ser representadas conforme as reaes 2.4 e 2.6, respectivamente, apresentadas anteriormente.

    A temperatura de saponificao da borra deve ser mantida entre 80 95 oC, para prevenir formao de espuma e manter uma viscosidade adequada (RED e ILAGAN, 1978).

    Geralmente, a borra bruta considerada totalmente saponificada quando o contedo de leo livre na borra equivalente ao nvel de insaponificveis (RED e ILAGAN, 1978).

    2.8. Aplicaes do cido graxo de soja 2.8.1. cido graxo de soja como fonte de gordura em raes

    Dietas para frangos de corte formuladas apenas com as matrias-primas habituais, como o milho e o farelo de soja, no permitem alcanar os nveis energticos recomendados. Neste sentido, para elevar os nveis de energia metabolizvel, so adicionados s raes produtos de origem animal ou vegetal, como sebo e leos vegetais. A composio e a quantidade destas gorduras usadas em raes para aves

  • 2.8. APLICAES DO CIDO GRAXO DE SOJA 29

    podem variar grandemente. As caractersticas principais das gorduras presentes nos alimentos esto relacionadas aos cidos graxos que as compem. Estes cidos graxos podem diferir de acordo com a natureza de suas ligaes, se em forma livre ou esterificados, e se adicionados s raes diretamente na forma de gordura ou como parte integrante de outros ingredientes usados nas raes (MORGAN e VIEIRA, 1996).

    O leo de soja degomado a fonte de gordura mais utilizada nas dietas para frangos de corte, por ser de boa qualidade e rica em triglicerdeos e cidos graxos insaturados. Uma fonte alternativa de gordura o resduo gorduroso da indstria de leo de soja tambm denominado de cido graxo de soja, leo cido de soja ou de borra acidulada. Esta gordura obtida a partir da borra de soja. No processo de obteno do cido graxo de soja, a temperatura, os produtos qumicos adicionados e o tempo de armazenagem podem levar a uma diferente estabilidade oxidativa do produto (NETO, 1996).

    Na tabela 2.8 so apresentados os parmetros dos produtos derivados da soja, onde se observam as principais caractersticas da borra acidulada que pode ser adicionada como ingrediente rao de frangos de corte.

    Tabela 2.8: Parmetros dos produtos derivados da soja

    leo bruto leo degomado Borra acidulada Lecitina de sojaUmidade (mximo), % 0,5 0,5 1,0 1,0Matria insaponificvel, % 1,5 1,5 5,0 1,0

    SOJAParmetros

    cidos graxos totais (mnimo), % 98,0 98,0 94,0 98,0Acidez livre em cido olico (mximo), % 2,0 2,0 - - ndice de acidez, mg KOH/g - - 194-196 - ndice de saponificao 189-195 189-195 195-198 - ndice de perxido (mximo), meq/1000g 5 3 - 10ndice de iodo (WIJS) 120-141 125-135 115-125 - Densidade, g/ml 0,92 0,93 0,93 1,0pH (50% aquosa) - - 6,5 - cidos graxos saturadosMirstico C14, % 0,25 0,25 0,21 - Palmtico C16, % 12,0 12,0 12,0 - Esterico C18, % 4,5 4,5 5,0 - cidos graxos insaturados - Olico C18.1, % 23,0 23,0 23,0 - Linolico C18.2, % 54,0 54,0 49,0 - Linolnico C18.3, %