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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Quarta Câmara Cível Apelação Cível nº 00244800-78.2010.8.19.0001 fls. 1/7 Apelação Cível Processo nº 0244800-78.2010.8.19.0001 Apelante: DANIEL VALENTE DANTAS Apelado: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM Relator: DES. Antônio Iloízio Barros Bastos APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA VEICULADA NA INTERNET. EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPINIÃO E DE CRÍTICA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. FATOS AMPLAMENTE DIVULGADOS EM TODAS AS MÍDIAS, QUE VERSAM SOBRE ILÍCITOS COMETIDOS POR CONHECIDO BANQUEIRO, INVESTIGADO NA OPERAÇÃO “SATIAGRAHA”. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA. Reportagem jornalística que não extrapola o caráter informativo quanto a fatos de interesse público que justificam ampla divulgação, pautada pela objetividade e “animus narrandi”, sem distorção da realidade, não dá margem ao reconhecimento de ofensa à honra. A livre expressão do pensamento encontra na Carta Magna o ditame principal em seu art. 5º, IV, IX e art. 220. Logo, se a manifestação não ultrapassa a barreira da crítica e não agride a veracidade dos fatos, então não se pode reconhecer contrariedade à lei. Resultados favoráveis ao autor, em outras demandas de indenização por danos morais, não vincula a turma julgadora em novo processo. Acertada a sentença que julgou o pedido improcedente. Desprovimento do recurso.

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nº 00244800-78.2010.8.19.0001

fls. 1/7

Apelação Cível – Processo nº 0244800-78.2010.8.19.0001

Apelante: DANIEL VALENTE DANTAS

Apelado: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM

Relator: DES. Antônio Iloízio Barros Bastos

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE

CIVIL. NOTÍCIA VEICULADA NA INTERNET.

EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPINIÃO E DE

CRÍTICA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE

EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO. GARANTIA

CONSTITUCIONAL. FATOS AMPLAMENTE

DIVULGADOS EM TODAS AS MÍDIAS, QUE

VERSAM SOBRE ILÍCITOS COMETIDOS POR

CONHECIDO BANQUEIRO, INVESTIGADO

NA OPERAÇÃO “SATIAGRAHA”. AUSÊNCIA

DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA

MANTIDA. Reportagem jornalística que não

extrapola o caráter informativo quanto a fatos de

interesse público que justificam ampla divulgação,

pautada pela objetividade e “animus narrandi”,

sem distorção da realidade, não dá margem ao

reconhecimento de ofensa à honra. A livre

expressão do pensamento encontra na Carta

Magna o ditame principal em seu art. 5º, IV, IX e

art. 220. Logo, se a manifestação não ultrapassa a

barreira da crítica e não agride a veracidade dos

fatos, então não se pode reconhecer contrariedade à

lei. Resultados favoráveis ao autor, em outras

demandas de indenização por danos morais, não

vincula a turma julgadora em novo processo.

Acertada a sentença que julgou o pedido

improcedente. Desprovimento do recurso.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível,

processo nº 0244800-78.2010.8.19.0001, onde figura como apelante DANIEL

VALENTE DANTAS e como apelado PAULO HENRIQUE DOS SANTOS

AMORIM,

ACORDAM os integrantes desta Quarta Câmara Cível, em

sessão realizada nesta data e por unanimidade de votos, em conhecer e negar

provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.

Relatório nos autos que integra o presente.

Cinge-se a controvérsia em verificar a ocorrência ou não de dano

à imagem e à honra do autor em decorrência das informações veiculadas pelo réu

em reportagens jornalísticas em seu site na internet.

Como de sabença, o direito à imagem recebeu tutela expressa no

artigo 20 do Código Civil. Por sua vez a Constituição da República assegura a

inviolabilidade da imagem no seu artigo 5º, incisos X e XXVIII, alínea “a”.

É igualmente assegurada a livre manifestação do pensamento, a

criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,

sem qualquer restrição, de acordo com o artigo 220, §§ 1º e 2º e 221, I, do texto

da CF.

No entanto, como visto, a liberdade de informação encontra

limites e condicionantes, não podendo ser exercida de modo a infringir ou violar

direitos de personalidade cuja proteção igualmente emana da Carta Federal.

Uma imprensa livre e responsável, consciente da relevante

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função social que desempenha, constitui pilar indispensável à concretização dos

ideais democráticos e à livre divulgação do pensamento, oportunizando o acesso

de todos às fontes de informação.

JOSÉ AFONSO DA SILVA salienta que:

“A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade

do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade

destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica

na medida do direito dos indivíduos a uma informação

correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser

informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-

la. O dono da empresa e o jornalista têm um 'direito

fundamental' de exercer sua atividade, sua missão, mas

especialmente têm um dever. Reconhece-lhes o direito de

informar ao público os acontecimentos e idéias,

objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o

sentido original, do contrário, se terá não informação, mas

deformação”. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito

constitucional positivo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.

240).

Esse aparente conflito entre o direito de liberdade de imprensa e

informação e o direito de personalidade, deve ser resolvido pelo critério da

ponderação de interesses.

Assentadas tais premissas, cumpre incursionar nos aspectos

relevantes do caso concreto sob exame, para verificar se houve excesso ou abuso

do direito de informar.

Não vejo no caso concreto fundamentos para impedir que o réu,

através de seu blog, refira-se aos fatos, comente-os, e efetue crítica sobre os

acontecimentos e seus personagens, mormente porque é livre a manifestação do

pensamento.

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As observações críticas, por mais acérrimas que sejam, se estão

dentro dos limites da realidade fática, não podem ser consideradas contrárias à

lei, principalmente porque, no caso, têm elas notório interesse público.

Na hipótese, restou claro que as reportagens veiculadas pela

internet no blog “Conversa Afiada” de autoria do Apelado (doc. 10 a 13 – peças

eletrônicas nºs 108, 115 e 118) não extrapolaram os limites do dever de informar,

tendo em vista que as matérias refletiam os fatos que, por sua extrema relevância

no contexto do País naquele momento, eram de conhecimento da população e

reiteradas em diversos meios de comunicação, sendo de cunho jornalístico crítico

não obstante a utilização de uma linguagem bem peculiar.

A despeito do caráter insólito dos fatos noticiados, da sua

divulgação não se infere lesão a direitos da personalidade ou à honra subjetiva e à

imagem do autor. Cuidava-se de fatos públicos e notórios, envolvendo o autor,

Daniel Dantas, banqueiro preso na conhecida operação “Satiagraha”, deflagrada

pela Polícia Federal. Não foi uma crítica gratuita, mas sim a análise de fatos

concretos que geraram indignação na população brasileira.

Nessa direção, como bem lançado na sentença: “(…) Como bem

ressaltado pelo réu, a reportagem publicada em 15.04.2010 (f. 112/113) reproduziu

declarações feitas pelo Sr. João Paulo, líder do MST, sobre questão de repercussão nacional.

Configura-se, tão somente "animus narrandi" na publicação dos fatos, o que se dessume,

inclusive, do próprio título da matéria "MST suspeita que Dantas 'organizou' invasão à

fazenda que grilou no Pará". (…) No que tange às reportagens publicadas em 05.06.2010 (f.

115) e em 08.07.2010 (f.119/120), tenho que não denotam o propósito de ofender ou macular a

honra do autor, mas apenas de divulgar e criticar, ainda que em formato não convencional,

fatos de relevante interesse para a sociedade, corno referentes ao papel do autor na

campanha eleitoral de 2010 (f. 115) e sobre detalhes e consequências da operação Satiagraha

(f. 199/122). (…) Ora, não atenta contra os direitos individuais do cidadão a divulgação, pela

imprensa, de fato jornalístico ou imagens, cuja intenção é de esclarecimento à opinião

pública, ainda que a matéria tenha natureza crítica e estilo linguístico peculiar, como na

espécie(…)”

Nesse diapasão, colaciono julgado desta Corte de Justiça em

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caso análogo:

0107793-88.2003.8.19.0001 – APELACAO - DES. MARIO

ASSIS GONCALVES - Julgamento: 31/08/2012 - TERCEIRA

CAMARA CIVEL Reparação de danos morais. Matéria

jornalística que divulgou a preocupação do governo e do

comando da Câmara de Deputados com a Comissão de

Fiscalização e Controle da Câmara sobre a existência de uma

quadrilha na comissão, montada para chantagear

empresários, onde um trio da bancada deste estado tem

apresentado frequentes requerimentos de convites a

empresários, especialmente multinacionais da área de

petróleo. Direitos personalíssimos. Direitos e deveres da

imprensa. Art. 5º, incisos IV, IX e XIV, e 220 e seguintes da

Lei Magna. Ausência de qualquer intenção de denegrir a

reputação e a honra de deputado federal. Cumpre assinalar

que não se pode descurar que a livre manifestação do

pensamento e de expressão seja direito garantido pela

Constituição da República, de onde se extrai, contrapondo-se

ao caso em comento, que a empresa jornalística de ampla

circulação (Jornal "O Globo"), mantido pela ré (Infoglobo),

atua sob a proteção legal do direito ao exercício, dentre

outros, da crítica e da divulgação de fatos. O objetivo da

imprensa deve ser o de informar e divulgar fatos verídicos,

funcionando, principalmente, como um veículo de

disseminação da cultura e divulgação séria e fidedigna dos

acontecimentos em todos os níveis. A liberdade de

manifestação do pensamento e, portanto, de imprensa, só

deve ser limitada quando esbarrar no direito de terceiro. Se

uma empresa jornalística divulga fatos que não

correspondem à verdade, ou envolve cidadão sem averiguar a

procedência de suas fontes e a veracidade das informações,

inclusive junto às autoridades competentes, levando os

expectadores ou leitores a concluírem pela participação de

cidadão, como teria ocorrido com o autor em esquema como

retratado acima, haveria evidente responsabilidade passível

da obrigação de indenizar por danos morais suportados pela

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vítima se lhe tivesse imputado a prática de atos ilícitos e

emitido conclusões falsas e denegridoras. No caso em

comento, entretanto, houve a publicação da reportagem

focando principalmente o que seria uma preocupação "do

governo e do comando da Câmara de Deputados", o que

restou comprovado, não tendo a empresa jornalística ré,

contudo, emitido por ocasião das publicações qualquer

conceito, afirmação ou crítica com viés denegridor. Não há

que se imputar responsabilidade civil e consequente

obrigação de indenizar àquele que age em exercício regular

de um direito, senão quando ficam evidenciados fatos que

caracterizam exorbitância na atividade do titular desse

direito. Afinal, não atenta contra os direitos individuais do

cidadão a divulgação, pela imprensa, de fato jornalístico,

cuja intenção é de esclarecimento à opinião pública, eis que a

missão de informar constitui exercício legal de direito. À

míngua de prova eficiente de que tenha havido qualquer

deturpação do direito da imprensa em detrimento do direito

personalíssimo em questão, deve a sentença de

improcedência quanto ao pedido indenizatório ser mantida.

Inclusive no que tange a condenação pela litigância de má-fé,

consistente na inserção de afirmação inverídica na exordial

Recurso a que se nega seguimento.

De resto, a manifestação jornalística, eivada de animus

criticandi, não pode ser considerada descabida pelo simples fato de o alvo a que

vai dirigida dela discordar.

Não se olvide, também, que a Lei n. 5.250, art. 27, VII1, exclui,

expressamente, a imputação de abuso no exercício da liberdade de manifestação

do pensamento e de informação, quando a crítica ou informação for inspirada

pelo interesse público.

1 Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do

pensamento e da informação:

VIII - a crítica inspirada pelo interesse público;

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E mais. Para o reconhecimento da ilicitude do proceder do

requerido, nos termos do postulado na exordial, imperiosa se faz a comprovação

no sentido de ter o autor do texto agido com abuso de direito, dolo, e mesmo má-

fé ou leviandade, o que não ocorreu na hipótese em comento.

Ora, de fato qualquer cidadão pode discordar e criticar o

procedimento de pessoa notória como o demandante/apelante em razão de seus

atos públicos e, portanto, sujeita ao crivo da mídia e da sociedade, sem que a

atitude configure ato ilícito por si só.

Nessa seara, do lastro probatório não há como se extrair, de

forma induvidosa, a responsabilidade civil do apelado e a consequente obrigação

de indenizar, buscando a atividade jornalística informar e atualizar a opinião

pública.

Assim, frente à ausência de abuso do direito constitucional de

informar2, não há se falar em dano moral indenizável.

Voto, pelo exposto, no sentido de negar provimento ao recurso,

mantendo a bem lançada sentença vergastada.

Rio de Janeiro, 28 de maio de 2014.

Antônio Iloízio Barros Bastos

DESEMBARGADOR

Relator

2 Art. 5°, IX, da CF - É livre a expressão da atividade intelectual, artística,

científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob

qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta

Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena

liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto

no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.