Adolescência_Folha003_como_conseguir

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    finalidade da adolescencia e clara: 0ado-lescente quer se tomar adulto. Podemosmanter essahipotese inicial, embora, comoveremos (conclusao do Capitulo 4), nessa

    empreitada 0adolescente encontre uma surpresa. Mas,por ora, constatemos que 0 adolescente quer ser reco-nhecido como sujeito adulto, um par dos adultos. Elequer permissao para fazer parte da comunidade.o problema, como observamos antes, e que paraser reconhecido ele parece ter que transgredir. Paraser amado, para preencher as expectativas do desejodos adultos, e necessario, paradoxalmente, nao se con-formar ao que os mesmos adultos explicitamente pe-demo Transgredir tambern nao e nada ficil. Nao esuficiente atender a s expectativas implicitas e faltar comas explicitas. Como ja observamos, 0adolescente seencontra entregue a problemas logicos complicados.Se 0imperativo cultural dominante e "Desobe-dece!", "Prova tua autonomia!", entao desobedecer

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    "COIIIO c o n st gu i r q u e lilt raollht fam (111( a dm ita m c om o a du iro l" 3 5 )6 A ado l esdnc ia

    Segundo, a adolescencia nao e so 0 conjunto dasvidas dos adolescentes. E tambern uma imagem ouuma serie de imagens que muito pesa sobre a vida dosadolescentes. Eles transgridem para ser reconhecidos,e os adultos, para reconhece-los, constroem visoes daadolescencia. Elas podem estar entre 0 sonho (afinal,oadolescente e a atuacao de desejos dos adultos), 0 pe-sadelo (sao desejos que estariam melhor esquecidos) eo espantalho (sao desejos que talvez voltem para sevingar de quem os reprirniu).

    Essas visoes - embora sempre extrernas - sao tam-bern as linhas segundo as quais de fato se organiza 0comportamento dos adolescentes em sua procura dereconhecimento. Sao ao mesmo tempo concrecoes darebeldia extrema dos adolescentes e sonhos, pesadelosou espantalhos dos adultos. Por isso,sao chaves de acessoa adolescencia. Destaco cinco: 0adolescente gregario,o delinquente, 0 toxicornano, 0 adolescente que seenfeia e 0adolescente barulhento.

    dos e em que os adolescentes podem mutuamente sereconhecer como pares.

    Contrariamente a s criancas, os adolescentes emgeral considerarao que sua verdadeira comunidade naoe a familia. Isso nao e propriamente urn efeito da fre-quente desagregacao dos nucleos familiares (esvazia-mento das casas onde todos trabal ham , ou separacaodos pais). E 0inverso: a crise da familia revela de fatoque os proprios adultos estao tornados por pruridosadolescentes, com ansia de rebeldias e liberdades (en-tre elas, a liberdade das responsabilidades de uma fa-milia). Essas inquietacoes juvenis nao os aproximamdos adolescentes, os quais esperam deles algo que naoencontram em seus coetaneos. E possivel que surjamnovos modelos de familia e estes permitam que adul-tos e adolescentes convivam - e nao so se abriguemsob 0mesmo teto.Ate la, a verdadeira comunidade doadolescente e composta por seus coecineos e, entreestes, pelo grupo restrito de pares com os quais com-partilha as escolhas de estilo mais importantes.

    Recusado como par pela comunidade dos adul-tos, indignado pela moratoria que the e imposta eacuado pela indefinicao dos requisitos para termina-ls(a famosa e enigmatica maturidade), 0 adolescente seafasta dos adultos e cria, inventa e integra microsso-ciedades que VaG desde 0 grupo de amigos ate 0 gru-po de estilo, ate a gangue.

    Nesses grupos, ele procura a ausencia de mora-toria ou, no minimo, uma integracao mais rapida ecriterios de admissao claros, explicitos e praticaveis (adiferenca do que acontece com a famosa "maturida-de" exigida pelos adultos).

    Os grupos adolescentes, sempre respondendoa esses pre-requisitos, sao, por assim dizer, de densi-dades diferentes. Alguns sao informais e abertos,

    o AD OLESC EN TE G REG ARIOo adolescente, descobrindo que a nova imagem

    projetada por seu corpo nao the vale "naturalmente"o estatuto de adulto, e acuado a agir.

    A primeira acao - em resposta a falta do reco-nhecimento que ele esperava dos adultos - consisteem procurar novas condicoes sociais, em que sua ad-missao como cidadao de pleno direito nao dependamais dos adultos e, portanto, nao seja mais sujeita amoratoria. 0 adolescente transforrna assim sua faixaetaria num grupo social, ou entao num conglomera-do de grupos sociais dos quais os adultos sao exclui-

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    ' Co rn o c on s eg /. ir q ue m e r cc o nh e ca m e rn e a dm i ta m COIIIO ad ultc !" 37 38 A a d o u s d n c i acomo as comunidades de estilo (dark, punk, rave,c l u b b e r etc.): 0acesso aqui exige apenas a composi-yao de uma imagem, urn l o o k que todos reconhe-earn como trace comum.

    Outros grupos pedem que a senha que c ia aces-so a comunidade seja uma marca duradoura - tatu-agem, cicatriz - ou urn t ip o esp e c ifi c o demodificacao corporal.

    Outros, ainda, pedem uma especie de pacto desangue, como a participacao numa responsabilidadecoletiva indissoluvel, sem retorno. Aqui 0 ato de rou-bar, estuprar ou matar coletivamente produz uma cul-pa comum, urn segredo comum.o grupo adolescente -seja urn estilo comparti-lhado ou propriamente uma gangue - aparece de qual-quer jeito como uma patologia aos olhos dos adultos.Os gostos gregarios dosjovens sao considerados anor-mais e perigosos. 0 grupo adolescente e vivido comoo que sanciona a desagregacao da familia e quebra arelacao hierarquica entre geracoes, visto que 0 adoles-cente encontra em seus coetaneos 0 reconhecimentoque se esperava que pedisse aos adultos.o adulto, sem se perguntar muito pOI: que osadolescentes sao gregarios, demoniza 0grupo adoles-cente temido como uma especie de tribo na tribo.

    De fato, a propria consrituicao do grupo adoles-cente e , do ponto de vista dos adultos, uma transgres-sao. Os adolescentes se tornam gregarios porque lhese negado 0reconhecimento dos adult os - sendo issoo que eles mais querem. Por isso, inventam grupos emque possam encontrar e trocar 0 que os adultos recu-saram ou pediram que fosse deixado para mais tarde.

    Ora, os adultos consideram suspeito esse afas-tamento dos adolescentes. Com razao, pois 0gru-po adolescente surge justamente porque estes

    escolheram nao mais esperar pelo reconhecimentop6stergado dos adultos. 0 que ja e uma transgres-sao, talvez a mais grave.

    Portanto,o gregarismo aparece como uma pato-logia adolescente por ser uma forma de insubordina-yao aos adultos,Os jovens gregarios transgridem por se basta-rem, ou seja, por se reconhecerem entre pares, dispen-sando os adultos.

    Mas, alern disso, no grupo assim constituido, elesperseguem e praticam os sonhos proibidos (dos adul-tos).O grupo adolescente e transgressor em sua fun-yao (oferecer reconhecimento sem precisar dosadultos). Mas e tambern facilmente transgressor emsuas atuacoes. Para seus membros, vale a ideia de que aesperan~a de reconhecimento vern da transgressao.Sobretudo, vale a constatacao de que a transgressaocoletiva solidifica 0 grupo e garante reconhecimentoreciproco no seu seio. 0 grupo adolescente se tornapor isso mesmo urn espantalho.

    Nao e por acaso que, em certas jurisdicoes dosEstados Unidos, por exemplo, a legislacao local per-mite que os jovens pilotem urn carro desde os 16anos, mas proibe que dirijam com outros adoles-centes no veiculo antes dos 18 anos de idade. A ex-per iencia mostra ao legislador que a reuniao deadolescentes multiplica substancialmente a tentacaode infringir regras. Ou seja, desde que 0grupo ado-lescente esteja reunido, cada urn (a cornecar pelopiloto) tera a tarefa de conseguir aquele reconheci-mento pelos outros que os adultos negam.

    Quanto mais 0comportamento for transgressor,tanto mais ficil sera 0 reconhecimento: a transgres-sao demonstra afastamento dos adultos, adesao e 6-deIidade ao grupo.

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    " Co mo (o ~ir q ue m e r ec on he ca m (m e a dm ita m c om o a d ulto ?' 3 9I

    E, quanto rna is 0 cornportamento infrator en-contrar reconhecirnento imediato pelos outros, tantomais vai se estender, se tornar complexo e se distanci-ar da s normas.

    Por essa razao, qualquer policial de ronda sabeque, a partir de tres, os adolescentes se tornarn poten-cialmente mais perigosos, vis to que se constituem numgrupo de reconhecimento mutuo, em que a infracao(grande ou pequena) vale como senha.

    40 A a d o l c s d n d a

    o ADO LE SC EN TE D EL lN QO EN TE

    a criminalidade diminuiu drasticamente nas gran descidades americanas, por exemplo, 0 unico nurnero queresistiu foi 0 de adolescentes infratores e criminosos.Em alguns momentos e lugares, eles ate cresceram.Alimenta-se assim 0 espantalho do adolescente dito"predador" (como se fosse uma especie diferenteidentificada por seu comportamento sanguinario).

    Ora, custou certo tempo para que alguem se desseconta do que esta por tras dos numeros (vai custarmais ainda para que esta verdade seja assimilada pelopublico). A verdade e que 0 nurnero de crimes come-tidos por adolescentes provavelmente evolui segundouma curva bern parecida com a curva dos crimes dosadultos. Provavelmente - porque a grande maioria daspesquisas nao conta os crimes, mas os criminososindiciados e condenados. A conseqiiencia dessa abor-dagem e que a tribo mais gregaria sempre parece maiscriminosa. Nao e dificil entender por que: os adoles-centes cometem seus crimes em grupo (para se reco-nhecerem mutuamente como membros do grupo). Eclaro, por conseguinte, que a cada crime varies ado-lescentes criminosos podem ser inculpados e conde-nados. Isso nao e 0 caso dos adultos.

    A ideia de que os adolescentes seriam 0 grupomais perigosamente criminoso nao parece ter suportequantitativo. Os numeros so nos dizem algo que defato nao e surpreendente, a luz de nossas considera-

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    " C om o a m se gu ir q ue m e r ta m hc (a m C m e a Jm ita m c om o a du uo !" 41 42 A ado l e . sdnda

    ras", Melhor ainda: fazer grupo e com 0 grupo fazerbesteiras. Enfim, se associar para transgredir.

    Nessas condicoes, a delinquencia poderia ser umasolida vocacao da adolescencia.

    "Delinquencia" nao e uma palavra excessiva,embora de fato pouquissimos adolescentes se tornempropriamente delinqiientes. Mas existe uma parceriade adolescencia e delinqiiencia, porque 0 adolescente,por nao ser reconhecido dentro do pacto social, ten-tara ser reconhecido "fora" ou contra ele - ou, 0queda na mesma, no pacto alternativo do grupo.

    Ele constituira urn novo pacto entre adolescen-tes, com claras regras de reconhecimento mutuo, Es-sas regras sempre estarao deliberadamente em ruptura,mais ou menos declarada, com 0 pacto social.Dentro ou fora da pratica gregaria, os jovens naodesistirao de tentar suscitar a atencao e 0 reconheci-mento dos adultos. 0 grupo que e!es vierem a consti-tuir seguira urn modelo de acao que devera transgrediro pacto social, ja que continua viva a esperanya demerecer, por essa transgressao, a atencao dos adultos. Atransgressao tenta encenar 0que os adolescentes acre-ditam seja urn desejo recalcado dos adultos. Ha 0pro-jeto de entregar como presente para os adultos urncomportamento, urn gesto, do qual e!es teriam sidofrustrados e, assim, de merecer uma medalha. Quantomais a interpretacao do desejo dos adultos for certei-ra, mais esse projeto fracassara, Nesse caso, a transgres-sao adolescente presenteia os adultos com uma imagemque justamente e!es querem reprimir. 0 erro dos ado-lescentes (erro em relacao a sua propria estrategia) epensar que para os adultos possa ser agradavel en con-trar uma encenacao de seu proprio recalque.

    Paradoxo e dificuldade d a n:~ao entre gera

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    "C om o w nstgu ir q ue m e rew nJw ;a m c m e adm itam w mo ad uilo '" 43 44 A ado l esdnc ia

    Nao e dificil enumerar OS comportamentos rna isfreqiientes da delinquencia adolescente. Sua banalida-de so demonstra a banalidade dos desejos que os ado-lescentes conseguem descobrir arras do silencio dosadultos.

    o furto - desde os pequenos roubos de merca-doria nas lojas ate 0 assalto e a colaboracao em ern-preendimentos criminosos (extorsao, traficos ilicitosetc.) - sao a conduta mais obvia.Afinal, 0ideal socialdo sucesso financeiro e triunfante em nossa socieda-de, e 0jovem e mantido afastado dele pela moratoriada adolescencia, Ele escolhe perseguir esse sucessopor urn caminho que dispensa a retorica explicitasobre 0valor do esforco, do suor na testa e do traba-lho (todos pretextos da moratoria). Trata esses valo-res morais como se fossem apenas ornamentoscorretivos, que perrnitem ao adulto tolerar sua pro-pria avidez. 0 pensamento do jovem, por inconsci-ente que seja, soara assim: "Voces me dizem que epara ficar rico, mas querem que eu fique aqui na es-pera suando para me preparar. Eu acho que essa pre-paracao suada que voces promovem e elogiarn eapenas urn jeito de voces se consolarem de seus fra-cassos e nao encararem suas covardias. Eu you corn-petir pelos meios diretos que na verdade vocesgostariam de usar.Vou roubar, por exemplo".

    Outro exemplo e a valorizacao seja da forca fi-sica, seja da provo cacao, da disponibilidade aoenfrentamento (a capacidade de lutar e arriscar). 0adolescente atua, encena 0 gosto de se afirmar sobree contra os outros arriscando a pele, parodia do rnes-tre antigo, a qual 0 adulto renunciou faz tempo -preferindo negociacoes e outros compromissos soci-ais menos perigosos. De novo 0 adolescente, lem-brando pelo seu comportamento que a violencia pode

    ser fonte de autoridade, nao seduz 0adulto. Ao con-trario, ele 0 constrange e 0 ameaca, apontando suacovardia. Na relacao com os adultos (nao so sua fa-milia), 0 adolescente, nao conseguindo produzir res-peito, prefere e consegue produzir medo. 0 medo eo eguivalente fisico, real, do gue 0 respeito seria sim-bolicamente.

    - Entende-se como a delinqiiencia propriamentedita, organizada, pode vir a ser uma resposta a mora-toria. Ela freqiientemente implica uma associacao dedelinqiientes que comporta todos os requisitos do gru-po de adolescentes. Satisfaz 0 ideal social de sucesso eriqueza pela apropriacao imediata e real. E impoe 0medo que e 0equivalente real do respeito. "Me disse-ram que era crucial enriquecer, ter sucesso e poder.Nao me deixaram competir - pediram para esperar.Entao eles vao ver".

    Do mesmo jeito, a promiscuidade rnais arr iscadapo de ser uma resposta a moratoria sexual, que trans-gride a retorica explicita do pudor, do respeito, davergonha. "Me dizem que e para ser desejante e dese-javel e gozar com isso, mas me pedem para esperar,para nao me queimar cedo demais. Eles nao querernencarar suas covardias frente a seus proprios desejos.Querem, falam, falam e nunca fazem 0que querem.Eu YOU lhes rnostrar como se goza". Nao conseguin-do que seu corpo seja reconhecido como adulto (por-tanto desejavel), 0 adolescente pode escolher se imporpela seducao mais brutal. 0 desejo do adulto seduzi-do, tentado, e - como 0 me do - outro equivalentefisico, real, de urn reconhecimento que tarda.

    A prostituicao adolescente com clientes adultose urn born exemplo de uma maneira de forcar 0 reco-nhecimento, quase ironicar''Se este corpo nao e dese-javel, por que pagam para te-lo por urn momento?"

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    " Co m o w n se gu ir q u e m e r ao nh ec am e m e a dm ita m w mo a du lto !" 4 5 46 A ado l e sdnoa

    o ADOL ESC EN TE T OX /C OMANO do especial que, de novo, 0 infantilizaria. No entanto,esse argumento deve ser levantado e defendidovigorosamente pelos pais. Sem isso,o adolescente po-deria se sentir entregue a algo bern pior do que ainfantilizacao: 0 descaso de seus pais com sua vida.

    Ele tambern pode ser seduzido justamente peIorisco de vida que cigarro e bebida acarretam. Repre-sentante quase oficial das fantasias inconfessaveis dosadultos, 0 adolescente nao vai poder ficar arras, logonum campo onde alguns adultos parecem dispostos acorrer riscos para gozar urn pouco. A tentacao sera dedesafiar os riscos fumando e bebendo ate nao podermars.

    As drogas que sao proibidas para todos tern maischarmes ainda.Alern de serem proibidas (urn charme em si),podem representar uma maneira de enriquecer pelotrafico, desmentindo a moratoria.

    . Elas proporcionam tarnbern uma boa formagregaria de reconhecimento reciproco entre droga-dos, ou seja, sao a ocasiao da consrituicao de gruposadolescentes coesos.

    Ha mais urn aspecto que faz 0sucesso da toxico-mania adolescente, ou no minimo de seu espectro, queperturba 0sonho dos adultos.o que os adultos receiam, na visao do adoles-cente drogado, da maconha a heroina e ao crack? Foraos riscos para a saude e 0 perigo de encarar conseqii-encias penais, ha uma especie de temor de que, nobaseado ou na pedra, 0 adolescente encontre urn ob-jete que satisfaca seu desejo, mate sua procura, acabecom a insatisfacao, 0 medo, em suma, de que com adroga 0adolescente, de repente, seja feliz. Por que issoangustia os adultos? Seria mesmo urn problema paraos adolescentes?

    A visao da adolescencia que parece ser maispreocupante para os adultos e a visao do adolescentetoxicornano. Os adolescentes seriam mais sensiveis doque os adultos ao charme das drogas ilegais.

    Na verdade, nao seria dificil argumentar que 0interesse dos adolescentes, de hoje para as drogas e aatuacao de urn interesse para as drogas da geracao pre-cedente. Os adolescentes de hoje sao os descendentesde uma geracao que explicitamente ligou 0uso dasdrogas a todos os sonhos de liberacao e revolucao (pes-soal, sexual, social etc.) que agitou e subseqiientementeabandonou e recalcou.Desse ponto de vista, a relacao adolescente comas drogas seria hoje urn capitulo da rebeldia herdadapeIos adolescentes, depois de largada por seus pais. Elaseria a interpretacao e atuacao da grande esperan

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    " C o m o c o rl 5l gu ir q ul m l r e c o " / I < f ' l m (mt a dm it am c om o adal to! " 47

    o que e proprio ao desejo moderno e que, arrasde cada objeto desejado, sempre ha urn desejo de algomais, de uma qualidade diferente: uma vontade de re-conhecimento social - a qual nunca se esgota no ob-jeto. Em outras palavras, 0 que e desejado e sempreinstrumental para afirmar e constituir nosso lugar so-cial. Por mais que eu possa obter 0 objeto que euquero, nem por isso ele me satisfara.A riqueza de nos-so mundo depende disto: de uma procura que deve semanter inesgotavel - nenhum objeto satisfazendo asede de reconhecimento social que permanece arrasde nossa vontade de possuir ou de consumir.

    Ora - na fantasia dos adultos e talvez de fato -, adroga seria 0 objeto que pro mete e entrega uma satis-fac;:aoacabada, mesmo que apenas mornentanea. Essafantasia transforrna a droga em senha de acesso a urnuniverso alternativo regrado por urn pacto diferente.Nesse outro mundo, 0 que importa para todos e 0objeto, a droga, sua presenc;:a, nao 0 status social queela instaura. Por isso a toxicomania talvez seja a trans-gressao mais preocupante, porque parece minar urnpressuposto fundamental do pacto social vigente: aperrnanencia da insarisfacao.

    Por ser ou parecer urn objeto que satisfaz de vez,urn bern em si, a droga e uma ameac;:amuito especial.Ela quebra a regra moderna de funcionamento dodesejo. 0 drogado para de deslizar de urn objeto aoutro, da roupa ao carro, ao parceiro bonito - todosmetaforas no caminho de urn status social que nem atotalidade dos objetos poderia produzir. A droga - adiferenca dos outros objetos - apagaria 0 desejo. Apreocupacao de que 0 rapaz ou a moc;:a que usammaconha parem de competir na escola, se deprirnam,nao saiam da cama etc. e mais que justificada: ela ex-pressa 0me do legitimo de que, pela droga, eles trans-

    gridam de vez as regras essenciais do funcionamentodo desejo moderno.

    Mais do que nas outras formas da delinquencia,os adultos veern na droga uma perigosa porta de saidapor on de os adolescentes escapariarn a moratoria paraentrar de vez outro mundo.Os adolescentes concordam com essa preocu-pacao e so podem encontrar nela mais uma razao parase satisfazer na droga. Afinal, os adultos nao param dementir, para os outros e para eles mesmos, sobre 0valor, 0 charme e 0 interesse dos objetos. Consomemcomo se acreditassem mesmo que 0 desfile dos obje-tos de consumo possa responder, satisfazer a seus anseiose desejos.

    Precisamos acreditar que os objetos podem nosfazer felizes. Deslizamos sem parar de urn a outro, sem-pre na espera de mais urn que sera decisivo, final. Defato, isso e urn faz-de-conta. Nao podemos renunciara insatisfacao que nos faz correr e que vitaliza nossomundo. Nenhum objeto po de nos satisfazer, pois 0que queremos nao sao coisas e posses, mas - atras de-las - reconhecimento ou status. E nada pode extin-guir nossa sede desses dois.

    Ora, a droga e , na serie dos objetos, uma especiede subversao, Drogando-se, 0adolescente po de pen-sar estar atuando a seguinte verda de recalcada pelosadultos: "Ha urn objeto que nos satisfaria, mas e ne-cessario esquece-lo, pois a satisfacao seria fatal paranosso sistema social".

    A droga e urn objeto mortal. Nao so porque podematar 0usuario, mas porque - tao grave quanto isso -ela pode matar seu desejo.

    De fato, nao e 0caso de dramatizar essa visao doadolescente toxicomano. A grande maio ria dos ado-lescentes apenas flerta com a droga.

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    Na verdade, e freqiiente que adolescentes passempela droga urn tempo e parem de usar. E tambern fre-quente que isso aconteca na cara dos adultos, os jovenspedindo ajuda para voltar dessa viagem. Ha adolescen-tes que se drogam para en,tao precisar de algum tipo dereabilitacao e pedir ajuda. E uma estrategia parecida coma dos que naufragam de proposito na rota de urn tran-satlantico, para - uma vez recolhidos - viajar de gracana primeira classe.Ou seja, e uma esrrategia que forca 0reconhecimento do adulto.

    A reabilitacao, trazer alguern de volta da delin-quencia, da droga ou da prostituicao, e 0 contrar io dainfantilizacao: ela implica 0 reconhecimento de quequem,se perdeu esteve em perigo de verdade.

    E isso que almejam todas as condutas extremasda adolescencia transgressora: convencer 0 outro deque a vida do adolescente nao e nenhum limbo pre-paratorio, ela esta acontecendo de verdade, como avida adulta.

    Mas a estetica adolescente nao surge so para isso(ou seja, para se diferenciar, produzir coesao de grupoe desafiar 0 canone adulto).

    Pode ser que 0ate de se enfeiar corresponda auma recusa da sexualidade e, sobretudo, da desejabili-dade como valor social.Assim como 0 adolescente podeparecer contestar a idolatria do valor financeiro, econo-mico (por exemplo, recusando-se a ostentar os apetre-chos desse valor nas vestimentas e em outros sirnbolostradicionais de riqueza), tornando-se feio ele poderiacriticar urn sistema que valoriza a desejabilidade doscorpos como razao do reconhecimento social.

    Pode ser tambern que 0 adolescente se enfeiepara se proteger de urn olhar que poderia nao acha-lodesejavel. Ele conseguiria prevenir essa catastrofe parasua inseguranca atribuindo sua indesejabilidade a seusproprios esforcos de se enfeiar.I'Nao gostam de mim,mas e porque eu nao quis".

    Na verdade, a feiura e tarnbem uma especie deexibicionismo escancarado, a proposta de urn erotis-mo fora da norma, a promessa de uma armadilha se-xual que nao se preocupa em passar pelos leonessocialmente aceitos da desejabilidade.

    o p ie rc ing umbilical das gar?tas e exemplarmen-te tudo isso ao mesmo tempo. E uma lernbranca donene de umbigo apenas cicatrizado. E uma curiosadistracao ludica no caminho do orgao genital, ou umaalusao a uma fechadura de castidade. E , sobretudo, umamaneira de chamar 0olhar para 0encontro perma-nente, nao tao longe da vagina, de uma abertura docorpo com algo metalico e duro. .

    A mesma coisa vale para a marca registrada dosgarotos dos anos 90: os centirnetros de cueca expostosacima do cos baixado. Eles sao uma recusa da sexual i-dade pela infantilizacao (a cueca a vista evoca uma

    o ADOLESCENTE QUE SE ENFEIAOs adolescentes parecem contradizer, ou melhor,

    desafiar, os canones esteticos dos adultos. Segundo es-tes, eles se enfeiam sistematicamente.

    Os grupos adolescentes inventam quase sempreurn padrao estetico inter no, pelo qual os membros sediferenciam e se reconhecem entre si.Nao e raro queesse estilo constitua alguma especie de agressao deli-berada ao canone dominante: afinal, 0grupo (mesmoo gropo de estilo) outorga seu proprio reconhecimentointerno. Desafiar a aprovacao dos adultos e sua pro-pria fimcao.

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    " C o m o c en s eg u ir q u e m r tW n iu fI lm ( mt a d m it am c e m o a d ul to ?" 5 1 51 A a d o k s c i n c i a

    histor ia de coco-xixi e de fraldas), uma maneira pre-ventiva de se ridicularizar logo nos arredores dos or-gaos genitais, mas tambern a promessa de urnpermanente interesse com 0 que esta nas cuecas (acueca fica, por assim dizer, sempre em riste).

    No conjunto, as transgressoes esteticas que pare-cern assinalar e pro meter transgressces sexuais oumorais sao esforcos para encontrar algum conforto noolhar indignado ou assustado dos adultos. Logo, paraque 0 medo, 0 escandalo do olhar dos adultos con-vencarn 0 adolescente de que la no espelho ele estacontemplando urn ser perigoso, atrevido e sexy. Al-guern que os adultos teriam de reconhecer como adul-to, adultissimo, Na verdade, a grande maioria dosadolescentes de cabelos ultraloiros, brincos, tatuagense cara feia, caso encontrassem a si mesmos numa ruaescura, trocariam de calcada preocupados ou correri-am para casa assustadissimos.

    a idolatria sao formas basicas da socializacao moderna;valem para os adultos tanto como para os adolescentes.No mais, trata-se, nessa critica ironica.apenas do emba-te entre, digamos, estilistas como Prada e Giorgio Armanicontra Tommy Hilfiger. Ou entao de urn ator comoLeonardo DiCaprio contra Robert De Niro.

    Mas, se todos vivemos ou procuramos inventarnossa vida gravas aos mesmos filmes, e verdade que 0adolescente e 0maior fa : de videodipes.Aqui, rna is doque a historia, importam as imagens e a musica, Asfiguras que cantam e dancam sao personagens que ain-da procuram seus roteiros - perfeitas para os adoles-centes se identificarem, po is perrnitem adotar urn gesto,urn estilo, urn l o o k , sem por isso comprar uma aventu-ra narrada e preestabelecida ou, pior, uma vida inteira.

    A musica deixa mais liberdade ainda do que 0dipe. Ela da apenas 0 dima, sugere uma atitude, masnao dita uma historia, 0 adolescente vive com umatrilha sonora permanente, inspiradora de imagens comas quais cornpoe sua identidade. Ele fica (ou e) irrita-do com 0 m e t a l , rornantico com Phil Collins, c o o l einspirado com 0 r av e , todo dinamico com a d i s c o etc.

    Essa escuta constante comporta sua parte de pro-vocacao. 0 adolescente oscila entre estourar as caixasde som e viver de fone de ouvido. 0 recado e claro:ou te ensurdeco ou nao te ouvo.

    Seja qual for 0 efeito disso sobre a cornunicacaoverbal, 0 volume da musica e tambern uma especie demetafora sonora da intensidade da experiencia ado-lescente. Uma maneira de gritar: "Eu nao vivo, arre-bento", Os adultos, por mais que protestem, nao agemdiferentemente e, de vez em quando, adoram estouraras caixas de seus aparelhos para comunicar (aos vizi-nhos, aparentemente) as insustentaveis ernocoes da-quele dia (ou, pior para 0 vizinho, daquela noite).

    o ADOLESCENTE BARULHENTOOs adultos criticam facilmente. Dizem que osadolescentes sao tietes, adulam seus idolos, Ou ainda

    que os adolescentes gostam de marcas, se transformarnem anuncios publicitarios ambulantes. Acrescentamque eles vivem num filme, ou em varies, e arrumamuma identidade imitando personagens. Por isso eles seperdem na conternplacao das estrelas (do cinema edos palcos), assim como se esquecem nas marcas quepassam a defini-Ios.

    : E urna ironia barata. Pois, de fato, os adolescentesvivem nos mesmos filmes que os adultos. C a r a s e P e o p l enao sao revistas para adolescentes. Ou seja, a imitacao e