Adolescentes

5
40 » noticiasmagazine 24.FEV.2008 41 » noticiasmagazine 24.FEV.2008 ADOLESCENTES adolescência mundoda O estranho Têm 14, 15 anos.Já não são crianças, ainda não são adultos.Há neles «um profano desejo a crescer». ¬ Libertos da redoma sa- grada da infância, reféns de um ciclo lento, esperam.Que o ciclo se cumpra. ¬ Que a maioridade chegue,para se verem livres dos constrangimentos da adolescência.Para se verem livres. ¬ Mas crescer é para eles (como para os pais,a braços com novos desa- fios parentais) um processo longo. ¬ Um caminho feito de eta- pas e que se faz caminhando. TEXTO Sarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIA Pedro Azevedo

description

Reportagem sobre 'estranho' mundo da adolescência

Transcript of Adolescentes

40»noticiasmagazine 24.FEV.2008 41»noticiasmagazine 24.FEV.2008

ADOLESCENTES

adolescênciamundoda

O estranho

Têm 14,15 anos.Já não são crianças,ainda não são adultos.Háneles «um profano desejo a crescer».¬Libertos da redoma sa-grada da infância,reféns de um ciclo lento,esperam.Que o ciclose cumpra.¬Que a maioridade chegue,para se verem livres dos

constrangimentos da adolescência.Para se verem livres.¬Mascrescer é para eles (como para os pais,a braços com novos desa-fios parentais) um processo longo.¬Um caminho feito de eta-pas e que se faz caminhando.

TEXTO Sarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIA Pedro Azevedo

42»noticiasmagazine 24.FEV.2008 43»noticiasmagazine 24.FEV.2008

Apalavra é «reserva». Peranteum adulto, cautela. Sinto areserva com que o rapaz, es-

quivo, encara esta breve conversa. Reservaaté em relação às coisas que parecem entu-siasmá-lo, como por exemplo a música, queprefere que seja rock.Pergunto-lhe ainda as-sim de que forma é tocado pela música. «Al-gumas músicas gosto muito delas por causado ritmo e da melodia, outras porque acho aletra interessante ou profunda. Gosto de le-tras de revolta, que falam por exemplo dasguerras que são organizadas por pessoas ri-cas, e as pobres não têm nada a dizer embo-ra sejam elas que sofrem.» Parece-lhe, do al-to ainda periclitante da sua recente tomadade consciência, que o estado do mundo é pe-rigoso e a vida das pessoas precária, sujeitaa injustiças e arbitrariedades. Ousa já umdiscurso politizado: «As pessoas que pode-riam contribuir mais para melhorar o esta-do do mundo são as que têm poder, como os

políticos. Mas infelizmente muitas vezesnão fazem nada. Por isso é preciso que cadapessoa possa contribuir para tentar melho-rar as coisas. Quando vou a andar na rua sin-to muitas injustiças, vejo muitos mendigos,pessoas sem nada, sem trabalho, sem casa, adormir por aí, e isso revolta-me.»

Adultos irritantesTalvez a outra palavra seja «revolta». Mas re-volta em relação a quê ou contra quem? «Àsvezes sinto-me muito revoltado, e irrito-me,por exemplo com os meus pais, e nem sequersei bem dizer porquê. Algumas vezes bastaum pequeno comentário, que na altura meparece estúpido, para me irritar. Na escola hátambém alguns professores que me irritam,os que têm a mania de que são superiores atoda a gente, e sobretudo superiores aos alu-nos. Não aceitam os nossos pontos de vista,por vezes nem sequer querem ouvir a nossaopinião.» Pergunto se acha que há muitosadultos assim. Que sim, talvez porque, diz--me, queiram fazer passar a imagem de queestão certos ou que se sentem perfeitamen-te seguros do que pensam. «Os adultos, porexemplo na política, gostam de dar a impres-são de que a opinião deles não pode ser mu-dada e que acreditam mesmo no que dizem.»Irrita-o essa necessidade de coerência a todaa prova, esse muro erguido contra a dúvida.

Fazer escolhasStéphane nasceu em Lisboa, embora o paiseja francês e a mãe australiana. Frequentao equivalente ao 10.º ano, na escola francesade Lisboa, onde diariamente convive comoutros adolescentes nas mesmas circuns-tâncias: rapazes e raparigas oriundos de fa-mílias francófonas ou nas quais se optou pe-lo ensino bilingue francês-português. Paraalém das duas línguas com que trabalha naescola, Stéphane explica que no liceu fran-cês a carga horária é maior do que no siste-ma português. E assim será durante os doisanos lectivos que ainda tem pela frente, atéconcluir o equivalente ao 12.º ano. Diz-meque vai seguir Ciências, e explica que é «por-que no ensino francês é o que dá mais op-ções, o que limita menos. Pode fazer-se umade três escolhas: Ciências, Línguas ou Eco-nomia. Mas se eu escolher Línguas, depoisnão posso fazer nada que tenha a ver comCiências. Escolhendo Ciências, depois pos-so, se quiser, fazer Línguas. Mas isso é só pa-ra o ano, porque no sistema francês só temosde fazer escolhas no 11.º ano.»

ViajarNo entanto, será talvez conveniente que co-mece a pensar nas escolhas que será obriga-do a fazer brevemente. Que sim, diz, «mas es-tou sempre a mudar de ideias... já quis ser as-tronauta, trabalhar com organizaçõeshumanitárias, ser piloto (aviação comercial,porque o exército não me interessa), ser ar-

quitecto... Eu sei que são coisas muito dife-rentes entre si.» Pergunto se sente ou não apressão dos adultos, e do próprio sistema deensino, no sentido de fazer uma escolha ine-quívoca. Que sim, que sente isso na escola, eaté um bocadinho em casa. «Mas continuo aachar que ainda tenho tempo. Mas sinto es-sa angústia por parte dos adultos e da socie-dade.» O certo é que parece movê-lo um de-sejo de viagem. «Se for arquitecto posso irconstruir casas para outros países, para luga-res onde as pessoas vivem na rua, porque nãotêm casas. Sim, quero viajar e ajudar pessoas.O que não quero é ficar sentado a uma secre-tária a assinar papéis. Isso é uma seca, seminteresse nenhum para mim.» Após o que de-saparece veloz, mal se despedindo, seguindopela rua como uma seta, provavelmentecheio de frio, porque numa tarde de engana-dor sol invernio vestiu apenas uma T-shirt.«

Stéphane Ikor 15 anos

«Quando era criança parece-me que pensavamuito menos,estava demasiado ocupado comoutras coisas,a brincar,por exemplo.E não me

zangava tanto com o meu irmão [risos].Nem comos meus pais ou os outros adultos.Às vezes

parece-me que [os adultos] nos consideram comouma generalidade...como se para eles,depois dos

13 anos,fôssemos todos iguais.Outra coisa queme irrita nos adultos é aquela coisa de estarem

sempre a dar-nos a entender que sabemperfeitamente como nos sentimos porque já

passaram por isso.Fazem-nos sentir iguais a todaa gente,e isso é um pouco irritante.Sim,hámuitos clichés em relação à adolescência.»

Ana Filipa Oliveira 14 anos

«Quando era criança vivia naquela realidadeinfantil em que pensava que a minha mãe estariasempre lá para me dar tudo.Tem-me vindo asurpreender perceber tudo aquilo que tenho realmente de fazer quando crescer:arranjardinheiro para pagar as contas,ter um emprego,ser responsável pela minha vida toda.Mas gostoda ideia de vir a ser independente,de ser maior de idade,de um dia já não ser preciso ter de darconstantemente explicações sobre o que faço,onde ando,com quem,ter de chegar a casa às tantas horas...»

Revolta«Às vezes sinto-memuito revoltado enem sei bem dizer

porquê.Às vezesbasta um pequeno

comentário,que meparece estúpido,para me irritar.»

45»noticiasmagazine 24.FEV.2008

Adultos impreparados e frágeis«Há muitos professores que não sabem lidarcom os alunos. Cheguei a ter alguns que ti-nham medo de nós. Há alunos que passam otempo a mandar piadas e depois as aulas tor-nam-se pesadas, os professores mandam-nos para a rua, há insultos, e os alunos vãopara casa dizer mal dos professores, e depoisos pais vão à escola defender os filhos... Masisto é tudo por causa dos maus comporta-mentos.» Ana pensa que os alunos malcom-portados são de todos os estratos sociais enão apenas dos mais baixos, onde se pensaque o défice de educação em casa determi-na os problemas comportamentais fora de-la. E também que esses alunos (tanto rapa-zes como raparigas) se comportam mal«apenas para se divertirem». Ana recordauma professora que um dia desatou a cho-rar durante uma aula, a chorar de desespero,«porque nós a tratávamos muito mal, haviacolegas meus que gozavam com ela, quemandavam piadas, e ela pura e simplesmen-te não conseguia dar a aula».

Ser contraÉ algo que define a adolescência. Ser contracomo forma de afirmação perante os adul-tos. Ser contra para não fazer o jogo dosadultos, para questioná-los, frequentemen-te agindo por oposição àqueles. Mas apesarde teoricamente sabermos que os confron-tos são inevitáveis, saudáveis e até desejá-veis, há por vezes a tendência de quereridentificar bodes expiatórios, culpados detudo o que corre menos bem entre adoles-centes e adultos. Muitos acusam: há qual-quer coisa que não está a funcionar nas esco-las. Ou será que é em casa que as coisas nãofuncionam? Os professores acusam os paisde não serem capazes de educar os filhos. Ospais acusam os professores de não teremformação pedagógica para lidar com os ado-lescentes – a quem os professores tantas ve-zes se referem ora como «os meninos» (in-fantilizando-os) ora como «os selvagens»(desconsiderando-os).

Mas nem todos os professores são assim,havendo até alguns que Ana considera co-mo amigos e com quem «dá para mandarbocas uns aos outros e rir disso, e aí são boasaulas, com bom ambiente. Não sei se a nos-sa revolta é contra os pais e os professores...às vezes acho que é mais contra a escola,contra o Ministério da Educação, contra asregras que eles impõem e nós somos sim-plesmente obrigados a cumprir». Que re-gras? «As regras das escolas... acho uma estu-pidez haver duas alunas que se sentam nasescadas e chegar uma auxiliar aos berros adizer que é proibido estar ali! Nós não está-vamos a fazer barulho! Estão sempre a refi-lar connosco!»«

44»noticiasmagazine 24.FEV.2008

Para ir ganhando a confiança damãe, Ana tem de dar provas dematuridade, como por exem-

plo esforçar-se por chegar a casa mais cedo –mais cedo do que o que apetece, e se possívelaté do que o combinado com a mãe. A palavraaqui é «esforço». Esforço para ser capaz docompromisso necessário entre os desejos eas obrigações, os direitos e os deveres. Esfor-ço para conseguir «ser alguém na vida», ex-plica Ana, numa altura da vida a vários títu-los difícil para ela. Dificuldades para as quaiscontribuíram os maus resultados que obteveno final do primeiro período (Ana frequentao 9.º ano numa escola secundária de Lisboa).E por isso «é preciso esforçar-me e estudarum pouco todos os dias», ouço-a dizer comose falando para si própria: «Nem que seja sen-tar-me e pegar numa caneta e escrever qual-quer coisa sobre a matéria.»

Ser capazPressinto nela a angústia de poder vir a nãoser capaz de ser essa pessoa tornada «al-guém» por via dos sucessos que nos nossosdias conferem às pessoas as qualidades queas distinguem dos «ninguéns» desta vida. E confirmo as minhas suspeições: a Ana tem

receios, sim, angústias talvez precoces, masque espelham a insegurança de uma socie-dade. Medo. «De poder vir a não ser capaz...às vezes vejo pessoas na rua que estão na mi-séria, e eu tenho medo de vir a ser uma de-las... não conseguir ter um emprego, nãoconseguir fazer os meus estudos, medo denão ter comida para alimentar os meus fi-lhos... A vida adulta é muito complicada... àsvezes é uma vida feliz, mas para isso é preci-so conseguir ter aquilo de que se precisa pa-ra se viver com dignidade.»

O espectro das escolhaspróximasSobre as possibilidades profissionais de fu-turo diz que tem várias ideias. «Há pessoasque dizem que eu tenho jeito para o desenhoe que devia ir para Artes Visuais, mas não seise é uma coisa para mim... quando era pe-quena dizia que gostava de trabalhar no Pin-go Doce... também gosto de estética... Achoque ainda é cedo para tomar essas decisões,nós aos 14 ou aos 15 anos ainda não temos es-sa capacidade para decidir. Nesta idade ain-da não há cabeça para isso, ainda não há ma-turidade.» E, no entanto, é nesta idade quelhes é pedido que comecem a pensar no que

farão proximamente, altura em que são ob-rigados a escolher – entre Ciências e Letras,por exemplo. A todos, claro, rapazes e rapa-rigas, indiferentemente. Apesar de eles se-rem reconhecidamente mais imaturos doque elas. «As raparigas são mais maduras, osrapazes ainda são muito crianças nesta ida-de. Por isso é que em geral os rapazes que nósescolhemos para namorar são quase sempremais velhos...»

Medo «A vidaadulta é muito com-

plicada.Às vezes éuma vida feliz,maspara isso é preciso

conseguir ter aquilode que se precisa

para se viver comdignidade.»

Diogo Casimiro 14 anos

«Com 14 anos posso fazer mais coisas do quequando tinha dez,mas também tenho maisobrigações,e mais deveres,há outras exigências,como por exemplo que eu estude.Antigamentetambém me exigiam isso,mas agora é mais asério,porque é o secundário,que é mais puxado.Há uma disciplina mais rígida.Exigem-me quechegue a casa a horas,para fazer os TPC.Se as notas baixam,deixo logo de poder fazer certascoisas.A minha mãe quer que eu chegue a casa àscinco,e se eu chego às cinco e meia faz logo um filme enorme e diz-me que nunca mais me deixasair.Não sei de que é que ela tem medo...Deve pensar que eu ainda sou uma criancinha pequena.Quando era pequeno,era exactamente o contrário,“ah e tal já és crescido...”[risos].Em que é que ficamos?»

47»noticiasmagazine 24.FEV.2008

Que o relacionamento entre osadolescentes e os adultos éfrequentemente difícil já to-dos sabemos. O que talvez

não soubéssemos (porque porventura nuncatínhamos pensado nisso) é que isso tambémé verdade nas escolas – ou seja, que tambémentre os alunos e os professores e demais fun-cionários as relações se pautam por inúme-ras dificuldades. Talvez isso explique o factode o recém-aprovado Estatuto do Aluno serpautado por um discurso essencialmenteexigente ao nível das medidas contentorasda rebeldia dos jovens. Ninguém duvide: se aeducação é repressão (ainda que no sentidoda inserção, da inclusão, da adaptação a umsistema social), a educação dos adolescentesé-o duplamente. Ainda assim, talvez umaparte desse espartilho pudesse ser desaper-tado pela acção precisamente dos adultos –cujo acréscimo de experiência deveria possi-bilitar práticas benévolas (bondosas, benig-nas, benéficas) tendencialmente pacificado-ras do incontornável conflito geracional. Afi-nal, é disso que trata a pedagogia: dadefinição dos fins e dos meios julgados ne-

cessários para a prossecução de um progra-ma educativo. Na Antiguidade, o pedagogoera o que acompanhava as crianças à escola.Quanto ao mestre, era não apenas o que ti-nha sapiência e a transmitia, mas também oque orientava, o que guiava, o mentor.

Estar ali só por estarNa opinião do Diogo, que já conhece mais doque uma escola, o ambiente nas escolas é ge-nericamente mau. Constatamos apenas, jáque neste trabalho não cabem todas as ra-zões, contudo legítimas, que conduzem a es-te estado de coisas: cargas horárias excessi-vas (para uns e outros), condições materiaisdas escolas insuficientes, deficiente forma-ção dos professores, equívocos vocacionais,parcos recursos educativos das famílias, etc.«Às vezes estamos ali só por estar, porquenão podemos faltar, mas mal estamos a ou-vir... por exemplo, às terças e às quintas-fei-ras, a última aula é Filosofia. Na minha turmaninguém gosta de Filosofia. Ainda por cima,essa aula é logo a seguir a Educação Física, enós chegamos lá, a essa última aula, quase adormir, porque estamos todos cansados...»

Escala social da escolaNem só aos professores se aponta o dedo.Também os funcionários das escolas são alvodas críticas dos alunos. E as relações entre elespor vezes olhadas como pouco sérias, porquediscriminatórias dos alunos. Um dia o Diogoia comprar um bolo, mas a funcionária disse--lhe que já não havia. O que ele muito estra-nhou, já que minutos antes o rapaz tinha avis-tado uma bandeja cheia deles. «A funcionáriaestava a guardar os bolos para os professores...Os funcionários tratam melhor os professo-res do que os alunos, como se eles estivessemacima de nós. Mas o bar é de todos, é para osalunos e é para os professores. Na minha es-

Primeiras impressões «Os professores só tomam nota das aulas emque nos portamos mal, mas das outras, em quetudo corre bem, eles nunca falam. Os stores le-vam muito a peito quando a gente fala, dizemque é uma falta de respeito. Por um lado cha-mam-nos criancinhas e dizem que temos derespeitar os mais velhos, até porque quemmanda são eles. Mas por outro, quando faze-mos asneira da grande, dizem-nos que já so-mos crescidinhos e que já devíamos ter cons-ciência das coisas... Não há uma só medidanem há imparcialidade. No início do ano fica-mos logo marcados pelos primeiros testes epela maneira como nos portamos nas primei-ras aulas. Os stores ficam como os burros compalas, parece que só vêem os primeiros resul-tados e as primeiras impressões... quem temnegativa no princípio é rebaixado ao longo doano, é inadmissível... é injusto, porque elesmandam mesmo abaixo quem tem negativasno início do ano. Mas se alguém tiver 19 no pri-meiro teste, é logo tratado como um santinho.Pode estar a falar durante a aula toda que a sto-ranão diz nada. Os storesvalorizam de mais asprimeiras impressões.»

cola antiga os professores tinham um bar sópara eles, e nesse bar havia coisas muito maisrequintadas [risos]! Toda a gente é igual. Masparece que não. Quem trabalha lá e está a ga-nhar dinheiro é mais privilegiado. Nós que es-tamos lá a gastar dinheiro, somos tratados co-mo os últimos da fila. E somos constantemen-te rebaixados, também pelos funcionários.Mas já se sabe: há sempre aquela corrupçãoentre os professores e os funcionários.»

RumosDiogo frequenta o 10.º ano numa escola se-cundária da rede pública. Já escolheu umadirecção (a das Ciências e Tecnologia), masainda não sabe para onde encaminhar-seem termos profissionais. «Há pessoas queaos 15 anos já têm uma maior consciência desi próprias e já sabem o que querem fazer nofuturo, mas há outras mais desorientadas. E há ainda outras pessoas que querem mui-to fazer uma determinada coisa mas nãoconseguem, querem por exemplo seguirCiências, mas que depois têm dificuldadesnas disciplinas científicas. Uma coisa é que-rer e outra é poder. A vocação conta, sim. Euestou à toa. Com nenhuma ideia na cabeça.Sei que fiz bem em seguir Ciências e Tecno-logia, mas ainda não sei o que quero fazerprofissionalmente. A escolha é muito ampla.Posso ser engenheiro, polícia técnico, biólo-go... mas ainda não tenho nenhuma pista.»

RevoltaÉ talvez a palavra que melhor define os tem-pos da adolescência. A palavra de eleição,juntamente com «rebelde» (assim se definea geração Morangos com Açúcar). Rebeldiaque o marketing explora sem subtilezas, masque corresponde a uma realidade: crescer éconfronto. Os filhos com os pais, estes comaqueles, estes consigo próprios, tantas vezesimpreparados para a tarefa de educar. Háporém revoltas que podem ser contidas ouentão expressas, em qualquer dos casos re-solvidas, ultrapassadas. «Toda a gente temalguma revolta dentro de si, e os adolescen-tes também, mais ainda por causa das pres-sões todas e do rebaixamento que sentem,na escola e em todo o lado. Os adolescentestêm uma grande revolta dentro de si, masnão conseguem libertá-la, têm medo, medode se exprimir... Às vezes os pais pensam queos filhos são iguais a eles. Estão sempre a di-zer que na nossa idade isto e mais aquilo...mas nós não somos eles, e não estamos naépoca deles. Às vezes as acções dos filhos re-flectem-se nas acções dos pais. Há pais quese queixam de que os filhos não falam comeles, mas se os filhos não falam, por algumarazão é! Eu falo com os meus pais, mas claroque não falo de tudo, há assuntos que são pri-vados... Toda a gente precisa da sua privaci-dade, e os adolescentes também.»«

Doris Costa 15 anos

«Agora que cresci,já tenho de fazer outras coisas.Antigamente,quando ficava sozinha em casa,a

minha mãe preparava-me o almoço,mas agora jásou eu a fazê-lo,também porque quero.E arrumo

a casa,apanho a roupa,faço muitas coisas quenão fazia quando era pequena.Sim,os paispedem-me mais coisas.Para ter juízo,para

chegar a casa a horas...Eu sempre mostrei serresponsável,e eles dão-me mais liberdade por

causa disso.E nunca pisei o risco.Se o pisar,eu seique eles cortam em certas coisas,e eu não quero

isso,como é evidente.»

Escola «Àsvezes estamos ali só

por estar,porquenão podemos faltar,

mas mal estamos a ouvir.Os stores só

tomam nota das aulas em que nos

portamos mal.»

48»noticiasmagazine 24.FEV.2008

Dar provas de maturidade, eiso que marca definitivamen-te o relacionamento entre

os adolescentes e os pais. Provar, no dia-a--dia, que se é capaz de ser responsável, en-frentando um mundo comprovada e cres-centemente perigoso e no qual a experimen-tação juvenil comporta vários riscos. Mos-trar que já não se é uma criança, e inces-santemente demonstrá-lo – apesar de a in-fância estar ainda tão próxima. Doris come-çou a sentir-se numa nova fase aos 14 anos,«quando comecei a poder andar sozinha narua». Diz que essa autonomia correspondeua um desejo concertado entre os pais e ela.«Sentimos todos que eu já era capaz de serum pouco autónoma, o que dava mais jeito atodos.» Mas, claro, ao acréscimo de liberda-de juntou-se uma nova exigência ao nível daresponsabilidade e também da participaçãona vida da família (colaborar nas tarefas do-mésticas, por exemplo), pondo um fim aoalheamento infantil que (talvez erradamen-te) demite as crianças da construção familiar.

Etapas não são degrausDoris não tem autorização para sair à noite.«Sim, já pedi para sair à noite, mas a minhamãe disse-me que é muito cedo. Já fui jantarfora, mas depois vão buscar-me, ou então te-nho de ir para casa acompanhada por al-guém. Discotecas... ainda não tenho esse di-reito. Perguntei à minha mãe se a partir dos16 me dará mais liberdade, e ela disse que tal-vez. Há sempre aquele medo que os pais têm.Medo que nos metamos em coisas que nãodevemos, como drogas e essas coisas. Nas fé-rias posso ir ao cinema e sair com os amigos.Posso namorar – em relação a isso os meuspais são liberais, mas há regras. Quando digoque vou a casa do meu namorado, só me dei-

xam ir se estiver lá alguém.» Parece tola apremissa moralista – ouço as vozes maisponderadas lembrar que não há horários pa-ra o desejo amoroso –, mas corresponde a umreceio concreto dos pais. O mundo está cheiode mães adolescentes, e engravidar é mais fá-cil do que se julga aos 15 anos.

EsperarDoris considera que os adultos são intoleran-tes para com as contradições do comporta-mento adolescente. Se o comportamento ésempre bom, está tudo bem, e os adultos atéconseguem ser delicados para com os ado-lescentes. Mas à primeira derrapagem mos-tram-se implacáveis, sendo rápidos a acusá--los de infantilidade.Daí a importância dasprovas dadas, contínua e perseverantemen-te cumpridas ao longo de anos. Crescer é nes-ta altura da vida esperar. Esperar que se cum-pra um ciclo. Paciente e dolorosamente es-perar pela idade maior. Estoicamenteesperar pela aceitação plena por parte da co-munidade adulta estabelecida.

Filha única, a jovem pensa que se tivesseirmãos davam-lhe mais liberdade. «Não meposso queixar muito. Mas gostava de já sair ànoite.» Embora se vá contradizendo enquan-to explica que «isso das saídas» também nãoé assim tão importante.

Das virtudes da escola públicaQuando era pequena, Doris queria ser biólo-ga marinha. «Mas não gostava de Matemáti-ca nem de Ciências. Percebi que ia ser difí-cil... Sempre gostei muito de desenhar, e porisso decidi ir para Artes. Os meus pais aceita-ram bem as minhas escolhas. Fiz tambémtestes psicotécnicos que indicaram Artes». A jovem pretende por isso seguir Design, tal-vez para trabalhar em publicidade.

Que a escola pública se debate com inúme-ras dificuldades já todos sabemos. Dificulda-des que os orçamentos do Estado não têmvindo a atenuar, pelo contrário. Ainda assim,o ensino público tem as qualidades que lhesão próprias: miscigenação cultural, exposi-ção a outros valores, assegurando o necessá-rio confronto com o mundo real da diferen-ça. «Andei sempre em escolas privadas equando fui para a pública disseram-me queia ter imensas dificuldades. Mas afinal a adap-tação foi fácil e correu tudo bem. Acho que es-tava na altura de mudar. Tive sorte com a tur-ma , e não me posso queixar dos professores,que me têm ajudado imenso. Já não conse-guia voltar para a escola privada. Na públicahá uma outra abertura. Aprende-se mais.»

A experiência é um posto«Acho que nós adolescentes somos muito di-ferentes dos nossos pais quando eram ado-lescentes.» Diferentes como? «Antigamenteeles tinham mais regras , as coisas eram maisrígidas, tinham menos liberdade e não se di-vertiam tanto. É a ideia que tenho. Havia as-suntos tabu. Namorados, por exemplo. Mas aminha mãe diz que os tempos não mudaramassim tanto. Eu acho que mudaram. Porexemplo, os casamentos, na altura da minhamãe, faziam-se mais cedo. Agora as pessoascasam muito mais tarde. E às vezes não se ca-sam.» Por outro lado, parece a Doris que osadultos valorizam demasiado a experiência,e que isso aumenta a dificuldade dos adoles-centes em ter voz própria. «Detesto quandome dizem “tu não sabes nada”, porque eu jápercebo as coisas, olho à minha volta, leio, játenho 15 anos, já passei por algumas coisas.»Ainda assim, na família da Doris conversa-see há espaço para falar de tudo. «Menos dosassuntos financeiros. Mas falamos bastanteuns com os outros, e a minha mãe e o meu paipõem-me sempre à vontade para falar doque eu quiser. Digo sempre a minha opinião,mesmo que eles não concordem, mas achoimportante dizê-la.»«

Gerações«Somos muito dife-

rentes dos nossospais quando eram

adolescentes.A mi-nha mãe diz que

não se mudou assimtanto,mas eu acho

que mudámos.»