ADPF 54

5
HERMENÊUTICA ADPF 54- IMPETRADA PELA CNTS (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA SAÚDE), REPRESENTADA POR LUÍS ROBERTO BARROSO. AÇÃO VISA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO A FIM DE CONSIDERAR A ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO DE FETO ANENCÉFALO COMO CONDUTA ATÍPICA. No voto do Ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, verifica-se a existência de uma complexa base jurídico-hermenêutica. Primariamente, o ministro nega a possibilidade do STF descriminalizar o aborto, ressaltando que o julgamento resume-se a interpretar a antecipação do parto de anencéfalos conforme o paradigma constitucional. Senhor Presidente, na verdade, a questão posta sob julgamento é única: saber se a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo coaduna-se com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde.” Nesse sentido, Marco Aurélio revela a influência da noção de jurisdição constitucional introduzida por Konrad Hesse, a partir da crítica ao positivismo jurídico. Em verdade, como indica Alexandre Travessoni, o Positvismo não desconhecia a supremacia constitucional, tanto que Kelsen foi um dos precursores do sistema de controle de constitucionalidade, no entanto, Hesse apresenta uma nova perspectiva, pois as normas constitucionais não são apenas normas-parametros, como propunha Kelsen a partir da validade meramente formal(Monodinâmica), mas também emergem como normas-conteúdo (Monoestática). Hesse constrói uma nova noção de jurisdição constitucional a partir da perspectiva que os Tribunais Federais apresentam papel criativo, acrescentando conteúdo normativo a partir do momento de que a interpretação constitucional é um processo de concretização, que exige uma precompeensão do programa normativo, mas também do âmbito normativo ( âmbito de incidência). Assim, justificam-se as menções de Marco Aurélio Mello à problemática da anencefalia, tanto do ponto de vista científico – consideração de que inexiste vida em potencial- quanto pessoal – menção a relatos de

description

adpf 54

Transcript of ADPF 54

HERMENUTICAADPF 54- IMPETRADA PELA CNTS (CONFEDERAO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA SADE), REPRESENTADA POR LUS ROBERTO BARROSO. AO VISA INTERPRETAO CONFORME A CONSTITUIO A FIM DE CONSIDERAR A ANTECIPAO TERAPUTICA DO PARTO DE FETO ANENCFALO COMO CONDUTA ATPICA.No voto do Ministro Marco Aurlio Mello, relator do caso, verifica-se a existncia de uma complexa base jurdico-hermenutica. Primariamente, o ministro nega a possibilidade do STF descriminalizar o aborto, ressaltando que o julgamento resume-se a interpretar a antecipao do parto de anencfalos conforme o paradigma constitucional. Senhor Presidente, na verdade, a questo posta sob julgamento nica: saber se a tipificao penal da interrupo da gravidez de feto anencfalo coaduna-se com a Constituio, notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito vida e a proteo da autonomia, da liberdade, da privacidade e da sade. Nesse sentido, Marco Aurlio revela a influncia da noo de jurisdio constitucional introduzida por Konrad Hesse, a partir da crtica ao positivismo jurdico. Em verdade, como indica Alexandre Travessoni, o Positvismo no desconhecia a supremacia constitucional, tanto que Kelsen foi um dos precursores do sistema de controle de constitucionalidade, no entanto, Hesse apresenta uma nova perspectiva, pois as normas constitucionais no so apenas normas-parametros, como propunha Kelsen a partir da validade meramente formal(Monodinmica), mas tambm emergem como normas-contedo (Monoesttica). Hesse constri uma nova noo de jurisdio constitucional a partir da perspectiva que os Tribunais Federais apresentam papel criativo, acrescentando contedo normativo a partir do momento de que a interpretao constitucional um processo de concretizao, que exige uma precompeenso do programa normativo, mas tambm do mbito normativo ( mbito de incidncia). Assim, justificam-se as menes de Marco Aurlio Mello problemtica da anencefalia, tanto do ponto de vista cientfico considerao de que inexiste vida em potencial- quanto pessoal meno a relatos de gestantes que confessaram o sofrimento individual- o que revela um interesse inerente pelo mbito de incidncia da norma. No entanto, Hesse no rejeita totalmente o papel dos mtodos clssicos, apesar de apontar as limitaes que lhes so inerentes (indeterminao filolgica, relativismo sistemtico e falha metodolgica da teleologia). O papel de tais mtodos est direcionado ao condicionamento dos limites da Interpretao Conforme. At por isso, o ministro busca avaliar se o provimento da demanda coadunar-se-ia com o preceito de Estado laico, tanto que empreende uma investigao histrica (mtodo histrico) da evoluo jurdico-constitucional, ao visualizar que, desde a Constituio de 1824, o Brasil apresentava-se como um estado tolerante (permisso de religies domsticas), embora ainda adotasse o Catolicismo como religio oficial. A partir de 1891, entretanto, as cartas magnas j revelam a formao de um Estado laico/neutro (nem religioso nem ateu). A partir dessa investigao histrica, o jurista depreende que o telos normativo a proteo do Estado a interferncias particularistas indevidas. Nesse sentido, o magistrado legitima um processo decisrio destitudo de padres morais religiosos, o que no implica um julgado hermtico e alijado das conseqncias prticas. Alm disso, ao visualizar a angstia enfrentada pelas gestantes, o magistrado utiliza-se, mesmo que indiretamente, do argumento apaggico. A percepo de que a permisso ao aborto solidrio era preservar a sade psquica d a entender, segundo o magistrado, que o legislador originrio, gozando dos meios tecnolgicos atuais, tambm estenderia essa possibilidade ao caso de fetos anencfalos, posto que, baseado no princpio da no-contradio (reduo ao absurdo), no se justifica o emprego de recursos tecnolgicos para tornar vivel o que no dispe de viabilidade biolgica.Em sequncia, Rosa Weber, que tambm deu provimento demanda, busca refutar, de imediato o argumento naturalista. Na opinio da ministra, retirar do mundo dos fatos um dever representaria a construo de um legislador impotente. Isto , o mundo do ser no pode condicionar diretamente o universo jurdico. A ontologia dos elementos cotidianos no precisa, necessariamente, coincidir com a deontologia jurdica. Nesse sentido, a proteo ou no da vida anencfala sob a tica constitucional no deve derivar obrigatoriamente da viabilidade da vida segundo a Medicina, isso porque os conceitos cientficos no so decorrentes de definies incontestveis. Assim, a produo jurdica deve estar direcionada aos problemas prticos da sua produo cultural, que atende a especificidades argumentativas prprias. Ou seja, a magistrada incorpora a Teoria argumentativa de Alexy, ao considerar que a dogmtica busca estabilidade conceitual para aplicao de conceitos jurdicos prprios. Isto , sob a rbita ps-positivista, a correo das sentenas reguladoras deve estar amparada pelo estabelecimento de exigncias atividade racional. Justifica-se tal perspectiva a partir da necessidade de serem propostas alternativas ao Dilema da Munchaussen (explicar uma fundamentao por meio da outra). Nesse sentido, nem a prpria Medicina pode oferecer respostas incontestveis para o Direito, dadas as dificuldades inerentes ao Verificacionismo. Assim, o Direito deve estar voltada aos problemas prticos que lhe so impostos, no promovendo uma recepo acrtica de fenmenos externos (o que no implica no total fechamento), mas promovendo condies para uma racionalizao do discurso, o que impe uma sistematiza do processo de ponderao de valores, de modo que os princpios adquirem elevada importncia no contexto atual da hermenutica.Portanto, Weber busca a compreenso semntica do termo vida a partir de uma apreciao sistemtica do ordenamento jurdica, dadas as dificuldades inerentes indefinio lingstica. Aprecia-se a Lei de Transplante (9434/97) e percebe-se que morte o fim da atividade cerebral, logo, mediante, o argumento ad contrarium, a vida pode ser visualizada como a permanncia da atividade cerebral. Isto , a afirmativa em um dos casos, importa negativa nos demais. Visualiza-se, entretanto, que a aplicao dos brocardos no feita de forma mecnica, mas mediante longo processo racional. Alm disso, Weber utiliza o argumento ad simili/ ab exemplo para demonstrar que no caso da ADIN 3510, o embrio fecundado in vitro no representa vida humana (ausncia de viabilidade biolgica), o que deveria implicar a mesma interpretao no caso dos anencfalos. Nesse sentido, considerar que o tipo penal do aborto no se aplica ao caso dos anencfalos.Por fim, Weber discute uma temtica pertinente legitimao democrtica da jurisdio constitucional. Primariamente, ela refuta a possibilidade de utilizao do argumento psicolgico para interpretar a temtica, visto que a construo dessa tcnica hermenutica est amparada sob a rbita de formao do Estado Liberal, no qual foi construda a noo de Supremacia do Parlamento, sendo a lei expresso da vontade do povo. No entanto, considera-se a vivncia de um sistema constitucional consideravelmente mais complexo, no qual se cria a necessidade de ao criativa do Judicirio. Segundo Gustavo Just, a crise da democracia representativa, na qual visualiza-se que a lei como expresso da vontade popular seria uma utopia, abre espao para uma jurisdio constitucional legitimada deliberativamente, tanto a partir da construo de um espao discursivo com especificidade argumentativa, como pela abertura deliberativa da instncia jurisdicional (sociedade aberta dos intrpretes). Nesse sentido, nos termos de Carlos Sundfeld, Weber assume o nus da competncia, isto , o nus de legitimar a prpria interferncia criativa e principiolgica do judicirio. Gilmar Mendes tambm assume o nus da competncia, mas busca legitimar a criatividade jurisdicional sob outro vis. Segundo o ministro indicado por FHC, a interpretao conforme tem limites vinculados ao teor literal do texto, no podendo ultrapass-lo. No entanto, segundo Mendes, a indeterminao semntica e as necessidades prticas quebraram o modelo de legislador negativo de Kelsen, o que exige a funo criativa dos magistrados. Nesse sentido, como forma de reforar tal argumentao, o jurista cita o caso das ADINs 1105 e 1127, nas quais a mesma corte acrescentou contedo normativo (Argumento Ab Exemplo). Nesse sentido, Mendes (tambm deu provimento causa) buscou invalidar o argumento levantado por Ricardo Lewandovski e tambm mencionado por Eros Grau, segundo o qual no se poderia ultrapassar o elemento filolgico do texto, de modo que a Corte Constitucional deveria estar resumida ao papel de Legislador Negativo, visto que no poderia abarcar prerrogativas do prprio Poder Legislativo.Luiz Fux- Utilizou o argumento ab exemplo, pois citou o caso do Habeas Corpus 90.048, no qual a Corte considerou a vedao ao absurdo como motivo suficiente para permitir a progresso de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. Nesse sentido, utiliza do mesmo raciocnio para considerar que a interpretao conforme a Constituio deva vedar o absurdo de forar a gestante a continuar no processo de gestao a despeito da inviabilidade biolgica do feto. Alm disso, considera que o elemento teleolgico que fez o legislador penal permitir o aborto solidrio estava vinculado busca pela preservao da sade psquica da mulher, de modo que, se houvesse os mesmos aparatos tecnolgico, era provvel a extenso da norma permissiva ao caso dos anencfalos.Concluso: No prprio pedido da demandante, visualiza-se um novo paradigma hermenutico, fortemente influenciado pela principiologia, visto que fundamenta-se a ADPF por argumentos como dignidade da pessoa humana, liberdade e autonomia da vontade (expresses dotadas de indeterminao). Nesse sentido, deve-se notar a elevada influncia do ps-positivismo na resoluo do litgio, o que no implica a excluso dos outros mtodos, com revelam os votos anteriormente analisado. O que se constri, entretanto, o entendimento de que a legitimao da produo jurdica deve estar pautada pela produo de uma argumentao regulada por exigncia de produo de um conhecimento racional, que, embora limitadas pelo carter aproximativo do discurso, garantem maior estruturao decisria e menor discricionariedade. Assim, pode-se analisar que o elemento ps-positivista erige como macroestrutura da produo hermenutica, servindo como ponto de partida para formao de um conhecimento mais racional (o que no implica um carter mecnico), dentro do qual se inserem os outros sistemas interpretativos, incorporados de maneira crtica, a fim de enriquecer a produo jurdica.