A+Filosofia+de+Leibniz Curso
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A FILOSOFIA DE LEIBNIZ
Curso de História da Filosofia Moderna I
Prof. André Chagas
Parte I
A estrutura metafísica segundo Leibniz
1. A origem das coisas
1.1. O Deus leibniziano: a primeira substância, fundamento de realidade
Texto base: “Da origem primeira das coisas” (Pensadores: Leibniz, 1978) e DM
A origem de Deus (existência necessária)
Além do mundo, ou agregado das coisas finitas, existe um ser dominante, não só como em mim a alma, ou
melhor, o próprio eu em meu corpo, mas num plano muito mais elevado.
- Leibniz começa pela tese: um mundo finito e composto por agregação, além de um ser dominante; semelhante
à alma humana em relação ao corpo, mas numa situação mais elevada, que vale para todo o mundo.
- O corpo seria unificado por uma alma, acima da sua composição (forma substancial?). Não se pode concluir
apenas por esse texto.
Um regente e fabricante do mundo, e ele é superior a esta obra e se encontra fora de tal obra (extramundano).
- Se ele fabrica tal obra, ele é causa da mesa ou expressa a razão última das coisas.
Com efeito, não se pode encontrar a razão suficiente de existir, nem em cada um dos indivíduos, nem tampouco
em todo agregado e série das coisas.
- Há a ideia de que o mundo é composto por agregação (o que significa o conjunto de certas unidades,
provavelmente indivisíveis, pois do contrário restariam apenas fenômenos, fantasmas etc.).
- A razão do que há neste mundo ou causa de sua realidade não poderia ser encontrada a partir de tais
agregados, seja tomando cada um ou algum dentre eles, seja mesmo a partir da totalidade. Eles não revelam a
razão suficiente para a realidade.
- O exemplo do livro Elementos de Geometria de Euclides: não se acha a razão de tal obra em meio à série de
cópias, ainda que se possa ter uma lei para explicar o processo das cópias. É preciso sair do conjunto das cópias
para se chegar a uma razão ou causa da produção de tal obra.

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Prova da existência de Deus a partir de uma falta de autorealização, de autoprodução, de causa-de-si-mesmo
por parte do mundo (de agregados, de coisas contingentes).
Embora, imaginássemos um mundo eterno... em cada um desses estados... em conjunto...
Hipótese: mesmo que o mundo seja eterno ou se dê na forma de uma série eterna, isso não seria suficiente para
revelar tal razão (▲ imaginar que a série de cópias dos Elementos seja eterna; isso ainda seria insuficiente para
explicar a causa ou a razão suficiente de tal livro).
...evidencia-se que a razão deve ser procurada noutra parte.
Se em tal série não se encontra a causa e a razão para a mesma ou para aquilo que nela existe, a razão deve estar
em outro lugar, não na série ou fora da série.
Nas coisas eternas, com efeito, mesmo não havendo nenhuma causa, dever conceber-se uma razão, que nas
coisas persistentes é a própria necessidade ou essência, mas na série das coisas mutáveis, se imaginássemos
eternamente produzida pela anterior, seria a própria predominância das inclinações (...) as razões não
necessitam (por uma necessidade absoluta ou metafísica, de modo que o contrário implique contradição), mas
inclinam. Disso tudo se conclui que nem na hipótese da eternidade do mundo se pode escapar à razão última
extramundana das coisas, que é Deus.
Coisas eternas
Sem causa, mas com razão: distinção entre causa e razão.
Apenas essência: a razão já se expressa na proposição; por necessidade.
Nas coisas mutáveis: se eternas, apenas na inclinação (mas é insuficiente considerar a determinação por uma
situação anterior para comprovar a realidade de algo).
Ao contrário das coisas eternas, não se prova apenas pelo princípio de não contradição, nem para a forma como
se dá, pois o que se passa antes não necessita, muito menos para comprovar a realidade.
▲Pressuposição de dois tipos de verdades ligadas a dois tipos de proposição (necessárias ou contingentes).
Mais comprovado que a suposta eternidade do mundo não pode provar a razão do mesmo.
razão última extramundana das coisas, que é Deus: a razão última deve estar fora da série, que no caso é Deus.
há de chegar-se da necessidade física, ou hipotética, que determina as coisas posteriores do mundo pelas
anteriores, a alguma coisa que seja de necessidade absoluta, ou metafísica, da qual não se possa dar a razão:
A partir da série de coisas do mundo, sem necessidade por si, que podem gerar uma série, pode-se chegar à
ideia de uma razão última necessária, que ela sim não depende de outra razão para ser sustentada.
o mundo presente é necessário física ou hipoteticamente, mas não absoluta ou metafisicamente:
Os fatos do mundo apresentam certa necessidade, não absoluta, mas física ou hipoteticamente, ou seja, uma
regularidade, não absolutamente necessária e independente de algo para lhe fornecer razão.
a última raiz deve estar em algo que seja de necessidade metafísica, e dado que a razão do existente não pode
provir senão de um existente, deve existir algum Ser único de necessidade metafísica, ou a cuja essência
pertence a existência, e portanto existir algo diverso da pluralidade dos seres, ou o mundo, que concedemos e
mostramos não ser de necessidade metafísica.
- Uma raiz última ou razão das coisas.

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- Com necessidade metafísica ou absoluta (em oposição à necessidade física, hipotética, ou mera determinação
básica).
- algum ser único (torna-se mais claro com o DM).
- cuja essência inclui existência: a existência já faz parte de sua definição.
- algo que se distingue da pluralidade encontrada no mundo.
▲ Foi dado um lugar a deus, provada a sua origem, enquanto ser necessário e causa de tudo. É preciso revelar o
deus leibniziano, mostrar suas características.
1.2 A perfeição divina
Texto base: DM I et seq.
- Um pouco da história desse texto (início da fase madura de Leibniz, sua discussão com o cartesianismo e com
Arnauld). O texto e o sumário, posteriormente fundidos.
1. Da perfeição divina e de que Deus faz tudo da maneira mais desejável.
A noção mais aceita e mais significativa que possuímos de Deus exprime-se muito bem nestes termos: Deus é
um ser absolutamente perfeito.
- Perfeição: deus é um ser absolutamente perfeito, mas por que?
Não se tem considerado, porém, devidamente, suas consequências e, para aprofundá-las mais, convém notar
que há na natureza várias perfeições muito diferentes, possuindo-as Deus todas reunidas e que cada uma lhe
pertence no grau supremo.
- Leibniz começa a explicar sua noção de perfeição.
- Diferentes perfeições, deus possuindo todas, em grau supremo.
É preciso também conhecer o que é a perfeição. Eis uma marca bem segura dela, a saber: formas ou
naturezas insuscetíveis do último grau não são perfeições, como, por exemplo, a natureza do número ou da
figura; pois o número maior de todos (ou melhor, o número dos números), bem como a maior de todas as
figuras, implicam contradição;
- formas ou naturezas insuscetíveis do último grau não são perfeições: aquilo que não atinge um máximo não
seria perfeição (por exemplo, aquilo que tem natureza numérica infinita – o maior de todos os números.
▲Indeterminação para os gregos)
- o maior dos números implica contradição.
(...) mas a máxima ciência e a onipotência não encerram qualquer impossibilidade.
- Coisas que não implicam contradição: ciência e onipotência.
- O máximo conhecimento (onisciência) e o máximo poder (onipotência): sem limites (esse é o sentido, mesmo
que se fale em infinito.

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- Onisciência: conhecer tudo aquilo que permite ser conhecido.
- Onipotência: fazer qualquer coisa, ou melhor, não poder ser impedido por nada.
Por conseguinte, o poder e a ciência são perfeições, e enquanto pertencem a Deus não têm limites.
Donde se segue que Deus, possuindo suprema e infinita sabedoria, age da maneira mais perfeita, não só em
sentido metafísico, mas também moralmente falando, podendo, relativamente a nós, dizer-se que, quanto mais
estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus, tanto mais dispostos estaremos a achá-las
excelentes e inteiramente satisfatórias em tudo o que possamos desejar (souhaíter).
- Deus possui a onisciência, o máximo sabe, sem que nada possa impedi-lo, podendo então realizar qualquer
coisa. Mas ele não se limita a operar conforme a perfeição do seu ser.
- Deus age da melhor forma também sentido moral, realiza aquilo que seria mais adequado em sentido moral
(realiza o bem em sentido absoluto, p.ex). Opera da melhor forma segundo o seu entendimento.
- Uma terceira perfeição: a bondade.
- Se estivermos mais esclarecidos, observar racionalmente a obra divina, tendemos a considerá-la bela e a nos
contentarmos com que é feito pelo criador.
1.3. O Criador e sua Obra
2. Contra os que sustentam que não há bondade nas obras de Deus, ou então que as regras da bondade e da
beleza são arbitrárias.
Assim, afasto-me muito da opinião dos que sustentam que não há quaisquer regras de bondade e de perfeição
na natureza das coisas ou nas ideias que Deus tem delas, e que as obras divinas são boas apenas pela razão
formal que Deus as fez. Se assim fosse, Deus, que bem sabe ser o seu autor, não precisaria contemplá-las
depois e achá-las boas, como testemunha a Sagrada Escritura, que parece ter recorrido a esta antropologia
apenas para nos mostrar que se conhece sua excelência olhando-as nelas mesmas, mesmo quando não se faça
reflexão alguma sobre essa pura denominação extrínseca que as refere à sua causa. Isto é tanto mais
verdadeiro quanto é pela consideração das obras que se pode descobrir o operário. Portanto, é preciso que
estas obras tragam em si o caráter de Deus. Confesso que a opinião contrária me parece extremamente
perigosa e bastante semelhante à dos últimos inovadores, cuja opinião é a beleza do universo e a bondade
atribuída por nós às obras de Deus não passarem de quimeras dos homens que concebem Deus à sua maneira.
Também me parece que afirmando que as coisas são boas tão-só por vontade divina e não por regra de
bondade destrói-se, sem pensar, todo o amor de Deus e toda a sua glória''.
- Leibniz atribui a vontade a Deus, e para que haja vontade é preciso que haja alguma forma de exercê-la, por
meio de opções. Se Deus não tivesse opções para agir, ele seria limitado no seu campo de ação e não teria como
exercer sua vontade (Espinosa, por exemplo, recusa a vontade divina).

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- Leibniz quer montar um conceito de Deus o mais adequado possível, conforme os principais atributos do
Criador.
Pois, para que louvá-lo pelo que fez, se seria igualmente louvável se fizesse precisamente o contrário? Onde,
pois, sua justiça e sabedoria, se afinal substituísse a razão e se, conforme a definição dos tiranos, o que agrada
ao mais fone fosse por isso mesmo justo?
- Louvor: Deus não seria louvável caso fizesse qualquer coisas sem ponderação, exercendo apenas a sua
vontade. Mas não é conforme o juízo de alguém que ele se torna digno de glória.
- Caso o julgamento sobre o que ele faça se limite ao mero fato de ele realizar algo, nada haveria para louvar
legitimamente acerca da sua obra, pois se fizesse diferentemente também teria o mesmo valor.
- Semelhante a um tirano, o que faz tudo que quiser, já que ele seria o mais forte e ninguém poderia impedi-lo,
restando acatar-lhe a decisão.
Ademais, parece que toda vontade supõe alguma razão de querer, razão esta naturalmente anterior à vontade.
- A vontade supõe algo para atraí-la, pois do contrário seria vazia; deve haver um objeto para atrair a vontade
ou algo julgado bom. Vontade não é algo autodeterminante. Quer-se algo, não simplesmente querer.
Eis por que me parece inteiramente estranha a expressão de alguns outros filósofos que consideram simples
efeitos da vontade de Deus as verdades eternas da metafísica e da geometria e, por conseguinte, também as
regras da bondade, da justiça e da perfeição. A mim, pelo contrário, me parece tão somente consequências de
seu entendimento, o qual seguramente em nada depende da sua vontade, assim como a sua essência também
dela não depende.
- Contra aqueles que consideram as verdades eternas simples efeitos da vontade divina.
- O julgamento ou as regras da bondade, justiça e perfeição não
(▲ Descartes a Mersenn, 14 abril)
- Os atributos de Deus devem estar bem equilibrados, poder, saber e vontade. Aquilo que é identificado pelo
autor não é objeto de sua vontade, mas do seu entendimento, que também reconhece as verdades eternas. A
busca por uma Deus coerente, que não opere apenas por um poder (irracional) absoluto ou por uma vontade
absoluta, mas que também se guie pelo seu entendimento, o qual se depara com diversas opções ou com o
julgamento acerca de diversas opções, o que gera cenário para a vontade.
III. Contra os que crêem que Deus poderia fazer melhor.
De forma alguma poderei também aprovar a opinião de alguns modernos que ousadamente sustentam que
aquilo que Deus faz não possui toda perfeição possível e que Deus poderia ter agido muito melhor.

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- Reprovação da parte de Leibniz para quem considera que Deus não exerce da melhor forma possível o seu
papel de criador perfeito e que ele teria feito uma obra que não expressaria de fato tal artesão perfeito.
(▲Isso não significa que Deus não poderia ter realizado sua obra de outra forma, um poder que ainda se
mantém; mas lembrando que ele não cria ou modifica as verdades eternas, as quais ele apenas identifica.)
Pois parece-me que as consequências dessa opinião são inteiramente contrárias à glória de Deus: Uti minus
malum habet rationem boni, ita minus bonurn habet rationem malef. É agir imperfeita-mente agir com menos
perfeição do que se teria podido.
- Quem não age da melhor maneira possível, age mal de certa forma.
É desdizer a obra de um arquiteto mostrar que poderia fazê-la melhor. Ataca-se, ainda, a Sagrada Escritura,
que nos garante a bondade das obras de Deus, Porque, se isto fosse suficiente, descendo as imperfeições ao
infinito, de qualquer modo que Deus tivesse feito sua obra, esta teria sido sempre boa, comparada às menos
perfeitas.
Porém, uma coisa não é louvável quando o é apenas dessa maneira. Creio, também, haver uma infinidade de
passagens da Sagrada Escritura e dos Santos Padres favoráveis a minha opinião, mas não muitas à desses
modernos, que, no meu entender, é desconhecida de toda a antiguidade e baseada apenas no diminuto
conhecimento que temos da harmonia geral do universo e das razões ocultas na conduta de Deus, fazendo-
nos temerariamente julgar que muitíssimas coisas poderiam ser melhoradas.
- Novamente crítica aos inovadores, que se valem de má opinião.
- Vão contra as Escrituras e contara as opiniões dos antigos.
- Se levam por um pensamento limitado acerca do mundo, pois o esforça para se ter uma visão mais global
acerca da obra de Deus mostra que ela é boa.
- Não se notam as razões ocultas de Deus, que parecem indicar que ele produz uma obra bela, a mais bela
possível, que não poderia ser melhorada, ao contrário do que pensam precipitadamente esses inovadores.
(▲ O otimismo leibniziano: tudo tem razão e este mundo traz a perfeição divina. Mesmo que não possamos ter
todo o conhecimento acerca de todos os detalhes de tal obra, ainda seria possível entende em parte, graças à
razão, um pouco daquilo que é feito pelo criador.)
Ademais, esses modernos insistem em algumas sutilezas pouco sólidas, pois imaginam nada existir tão perfeito
que não possa haver algo mais perfeito, o que é um erro.
- A perfeição não é de ordem numérica.
Acreditam, também, salvaguardar assim a liberdade de Deus, como se não constituísse a suprema liberdade
agir com perfeição segundo a razão soberana.
- Tema para o futuro!

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Pois acreditar que Deus age em algo sem haver nenhuma razão da sua vontade, além de parecer de todo
impossível, é opinião pouco conforme a sua glória. Suponhamos, por exemplo, que Deus escolha entre A e B e
tome A sem razão alguma de o preferir a B; digo ser esta ação de Deus pelo menos indigna de louvor, porque
todo louvor deve basear-se em alguma razão não existente aqui ex hipothesi. Sustento, pelo contrário, não
fazer Deus coisa alguma pela qual não mereça ser glorificado.
IV. O amor de Deus exige completa satisfação e aquiescência no tocante ao que ele faz, sem que por isso seja
preciso ser quietista.
O conhecimento geral desta grande verdade, que Deus age sempre da maneira mais perfeita e mais desejável
possível, no meu entender é o fundamento do amor que devemos a Deus sobre todas as coisas, pois aquele que
ama busca a sua satisfação na felicidade ou perfeição do objeto amado e das suas ações. Idem velle et idem
nolle vera amicitia est.
- Uma satisfação como ponto de partida, o estar antes disposto a admirar a obra divina; um amor
desinteressado. Não apenas considerar que Deus faça o melhor, mas também desejar que ele faça o melhor, para
que isso seja bom para a natureza divina.
Penso ser difícil bem-amar a Deus quando não se está disposto a querer o que ele quer, mesmo quando fosse
possível modificá-lo. Com efeito, os que não estão satisfeitos com o que ele faz me parecem semelhantes
àqueles súditos descontentes cuja intenção não difere muito da dos rebeldes, portanto, que, segundo estes
princípios, para agir em conformidade com o amor de Deus não basta ter paciência à força, mas é preciso
estar verdadeiramente satisfeito com tudo quanto nos sucedeu, segundo sua vontade.
Entendo esta aquiescência relativamente ao passado, porque, quanto ao futuro, não é preciso ser quietista,
nem esperar, ridiculamente, de braços cruzados, o que Deus fará, segundo aquele sofisma denominado pelos
antigos lógon áergon, a razão preguiçosa, mas é mister agir segundo a vontade presuntiva1 de Deus, tanto
quanto podemos julgá-la, esforçando-nos com todo o nosso poder por contribuir para o bem geral e
particularmente para o aprimoramento e perfeição do que nos toca ou nos está próximo e, por assim dizer, ao
alcance.
- Apesar de toda a submissão à atividade divina criador, não tomar uma posição passiva.
- Agir no mundo da melhor forma possível, contribuindo para toda a ordem do mundo.
Porque, mesmo quando o acontecimento porventura mostrasse não querer Deus, presentemente, que a nossa
boa vontade tenha o seu efeito, daqui não se conclui não haver Deus querido que nos fizéssemos o que
fizemos. Pelo contrário, como é o melhor de todos os senhores, nada mais exige alem da reta intenção e a ele
pertence conhecer a hora e o lugar próprios para fazer triunfar os bons desígnios.

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- Falsa impressão de injustiça, como se Deus não quisesse que se agisse bem.
- Ele que a boa intenção e a boa ação.
- triunfo dos bons desígnios: harmonia.
1.4. O critério divino
V. Em que consistem as regras de perfeição da conduta divina e como a simplicidade das vias equilibra-se
com a riqueza de efeitos.
- Após elaborar a noção de um criador racional, Leibniz passa a investigar os critérios da ação divina no
processo de eleição da obra divina.
É suficiente, portanto, ter em Deus esta confiança: ele tudo faz para o melhor e nada poderá prejudicar a
quem o ama.
- Ter uma confiança, mas não cega, pois o olhar racional revelaria a forma como Deus opera. Já se sabe que ele
não age simplesmente por vontade, sem seguir as orientações de sua razão. Não seria digno para o criador não
cria aquilo que seria o melhor, o que expressaria a sua figura, nem que ele fosse injusto, por exemplo,
condenando quem bem age.
Conhecer, porém, em particular, as razões que puderam movê-lo a escolher esta ordem do universo, permitir
os pecados e dispensar as suas graças salutares de uma determinada maneira, eis o que ultrapassa as forças
de um espírito finito, mormente (particularmente, especialmente) se ele não tiver alcançado, ainda, o gozo da
visão de Deus. Entretanto, podem-se fazer algumas considerações gerais a respeito da conduta da
Providência no governo das coisas.
- Leibniz tem uma perspectiva otimista acerca do ordenamento do mundo, Leibniz entende que há um limite
intransponível, mesmo para criaturas racionais, para que se tenha conhecimento perfeito sobre o mundo, sua
origem, sua configuração e porque tal plano e não outro.
- Caso haja boa disposição, ao menos pode-se tocar parte da razão da criação, podendo-se realizar
considerações gerais sobre a conduta divina.
Pode-se dizer que aquele que age perfeitamente é semelhante a um excelente geômetra, que sabe encontrar as
melhores construções de um problema; a um bom arquiteto, que arranja o lugar e o alicerce, destinados ao
edifício, da maneira mais vantajosa, nada deixando destoante ou destituído de toda a beleza de que é
suscetível; a um bom pai de família, que emprega os seus bens de forma a nada ter inculto nem estéril; a um
maquinista habilidoso, que atinge seu fim pelo caminho menos embaraçoso que se podia escolher; a um sábio
autor, que encerra o máximo de realidade no mínimo possível de volumes.
- Leibniz começa a apresentar casos para gerar analogias que possam expressar o procedimento divino, a
maneira como ele operaria na criação. Analogias servem para ilustrar situações de maneira, por assim dizer,
proporcional; um recurso para tentar exprimir em parte o modo como operaria o criador.

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● excelente geômetra: resolve os problemas com menos passos (mais elegância).
● bom arquiteto: associação entre melhor aproveitamento de espaço e de estrutura sem abrir mão da beleza da
construção.
● um bom pai de família: figura zelosa que cuida dos seus bens, cultiva bem a terra (nesse caso) e gera riqueza
suficiente para sua casa.
● maquinista habilidoso: saber desenvolver bem máquinas, com complexidade suficiente, nem mais nem
menos, para produzir certo resultado.
● sábio autor: talvez a expressão mais próxima do criador; consegue associar o máximo de realidade com a
menor quantidade volume ou de gasto possível. (▲Se fosse escolher entre os volumes, escolheria a esfera.)
Ora, os mais perfeitos de todos os seres e os que ocupam menos volume, isto é, os que menos se estorvam são
os espíritos, cujas perfeições são as virtudes. Eis por que não se deve duvidar de que o principal fim de Deus
seja a felicidade dos espíritos e de que Deus o exercite na medida em que a harmonia geral o permita. Sobre
este ponto diremos algo mais, em breve.
- Seres que menos estorvam, que podem bem agir (de modo semelhante ao criador PNG e sem considerar que
não se pode agir bem no caso da criatura, pois ela não deve se voltar ao fatalismo e considerar que não importa
o que ela fizer) e contribuir para a beleza do mundo.
● Espíritos: criaturas racionais.
- Tema muito controverso: Deus cujo principal fim seria a felicidade dos espíritos.
No que se refere à simplicidade das vias de Deus, esta se realiza propriamente em relação aos meios, como,
pelo contrário, a variedade, riqueza ou abundância se realizam relativamente aos fins ou efeitos. E ambas as
coisas devem equilibrar-se, como os gastos destinados a uma construção com o tamanho e a beleza, nela
requeridos.
- Simplicidade das vias diz respeita ao caminho para se chegar a algo; o resultado do processo é o fim ou o
efeito, ele é o fim.
Verdade é nada custar a Deus, bem menos ainda do que a um filósofo que levanta hipóteses para a fábrica do
seu mundo imaginário, pois para Deus é suficiente decretar para fazer surgir um mundo real. Em matéria de
sabedoria, porém, os decretos ou hipóteses representam os gastos, à medida que são mais independentes uns
dos outros, porque manda a razão evitar a multiplicidade nas hipóteses ou princípios, quase como em
astronomia, onde o sistema mais simples é sempre preferido.
- A busca por imagens para exprimir o criador, mas sempre imperfeitas, mas que podem dar alguma noção
acerca do processo da ação divina.
- O ser humano e seu aspecto limitado.
- Decretos e hipóteses representam gastos e geram complexidade ou multiplicidade.

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- Razão e simplicidade – vias mais simples e evidência. A razão como ordenamento, como aquilo que une da
forma mais simples.
Da origem primeira
p. 349
Recap: Deus é a causa e razão última da realidade das coisas no mundo, pois não seriam elas mesmas capazes
de se autocriar.
- Das verdades eternas, surgem as verdades temporais. O contingente depende de algo necessário para fixá-lo.
- Há algo a invés de nada, o que exigiria um motivo para tal (se Deus cria algo conforme o seu caráter de ser
perfeito absoluto, é porque ele reconhece que isso é melhor do que nada criar).
- Há diversas possibilidades de criação, ou seja, diversas coisas que podem vir a existir ou coisas, planos
possíveis, que em sua essência inclui a possibilidade de existência, sem que elas possam se autorealizar. –
pretensão a existir.
● Perfeição e quantidade de essência (▲ Deus, mais perfeito, portanto, com maior quantidade de essência). Se
algo tem essência mais rica, mais próxima da perfeição, tende mais a existir.
● Os possíveis tendem, por si só, a existir, sem que isso gere imediatamente a sua realidade; há a contraparte, o
criador.
- A existência ocorre segundo a regra do máximo e do mínimo: máximo de efeito com o mínimo de gasto.
● A busca pelo melhor preenchimento, um máximo possível com aquilo que se dispõe.
● Triângulo equilátero e a via mais curta.
● O máximo possível consonante a capacidade do tempo e do lugar (fenômenos).
VI. Deus nada faz fora da ordem e nem mesmo é possível forjar acontecimentos que não sejam regulares.
As vontades ou ações de Deus dividem-se, comumente, em ordinárias e extraordinárias. Mas é bom considera-
se que Deus nada faz fora da ordem. Assim, aquilo que é tido por extraordinário, o é apenas relativamente a
alguma ordem particular estabelecida entre as criaturas, pois quanto à ordem universal tudo está em
conformidade com ela. É tão verdadeiro isto que, não só nada acontece no mundo que seja absolutamente
irregular, mas nem sequer tal se poderia forjar.
- A posição leibniziana em defesa da máxima ordem (tudo tem razão e tudo está absolutamente em ordem).
- Há o ordinário e o extraordinário, mas apenas do ponto de vista das criaturas.
- No limite, ordem a asbsoluta.
- Aquilo que parece fora de ordem se caracteriza como tal apenas em relação à particular estabelecida entre
as criaturas (▲ máximas subalternas ou, por exemplo, leis físicas).
- De fato, nada irregular no mundo.

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Suponhamos, por exemplo, que alguém lance ao acaso muitos pontos sobre o papel, como os que exercem a
arte ridícula da geomancia. Digo que é possível encontrar uma linha geométrica cuja noção seja constante
uniforme segundo uma certa regra, de maneira a passar esta linha por todos estes pontos e na mesma ordem
em que a mão os marcara. E se alguém traçar de uma só vez, uma linha ora reta, ora circular, ora de
qualquer outra natureza é possível encontrar a noção, regra ou equação comum a todos os pontos desta
linha, mercê da qual essas mesmas mudanças devem acontecer.
- Geomancia: arte de adivinhação na terra a partir dos traços que se pode extrair de corpos lançados
aleatoriamente.
- Uma linha que passe por todos os pontos a partir de uma regra (função).
- Mesmo que se façam linhas de diversos tipos, ainda haveria uma equação comum entre elas, que revelaria
todos os opontos.
Não existe, por exemplo, rosto algum cujo contorno não faça parte de uma linha geométrica e não possa
desenhar-se de um só traço por certo movimento regulado.
- Mesmo uma figura que não parece regular também tem sua regra.
Mas, quando uma regra é muito complexa, tem-se por irregular o que lhe está conforme.
- A complexidade de uma regra ou a incapacidade de abarcá-la é que faz com que se pense que não haja
regularidade ou ordem.
Assim pode-se dizer que, de qualquer maneira que Deus criasse mundo, este teria sido sempre regular e
dentro de certa ordem geral. Deus escolheu, porém, o mais perfeito, quer dizer, ao mesmo tempo o mais
simples em hipóteses e o mais rico em fenômenos, tal como seria o caso de uma linha geométrica de
construção fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão.
- Deus, enquanto ser racional e absoluto, sempre criaria as coisas em ordem (para continuar a ser digno de
glória).
- Mas, não bastaria utilizar parcialmente sua razão e suas capacidades, pois ele deveria utilizá-las ao limite e em
acordo entre si.
- O uso máximo da razão ocorre conforme o critério de máximo e mínimo (uma linha geométrica de construção
fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão).
Recorro a estas comparações para esboçar alguma imperfeita semelhança com a sabedoria divina e dizer
algo a fim de poder, pelo menos, elevar o nosso espírito a conceber de algum modo o que não se saberia bem
exprimir. Mas de maneira alguma pretendo explicar assim o grande mistério de que depende todo o universo.
- Sempre o esforço de buscar uma imagem que revele de forma mais apropriada possível a operação divina.
- Se é imagem, é sempre imperfeita, mas não há outra forma para tentar expressar o caráter divino de criação.
Não é possível explicá-lo detalhadamente.
VII. Que os milagres são conformes â ordem geral, embora contrários às máximas subalternas, e do que
Deus quer ou permite por vontade geral ou particular.
Ora, visto nada se poder fazer fora da ordem, pode-se dizer que os milagres também estão na ordem como as
operações naturais, assim denominadas porque estão em conformidade com certas máximas subalternas, a

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que chamamos natureza das coisas; pois se pode dizer que esta natureza é apenas um costume de Deus, do
qual pode dispensar-se, por causa de uma razão mais forte do que a que o moveu a servir-se destas máximas.
Quanto às vontades gerais ou particulares, conforme as encaremos, pode-se dizer que Deus tudo faz segundo
a sua vontade mais geral, conforme à mais perfeita ordem que escolheu; mas pode-se também dizer que tem
vontades particulares, exceções dessas máximas subalternas sobreditas, porque a mais geral das leis de Deus,
reguladora de toda a série do universo, não tem exceção*.
Pode-se dizer ainda, também, que Deus quer tudo o que é objeto de sua vontade particular; mas quanto aos
objetos de sua vontade geral, tais como as ações das outras criaturas, particularmente das racionais, com as
quais Deus quer concorrer, é preciso distinguir: se a ação é boa em si, pode-se dizer que Deus a quer e
ordena algumas vezes, mesmo que não aconteça; porém, se é má em si e só por acidente se torna boa, porque
a série das coisas e especialmente o castigo e a reparação corrigem sua malignidade e recompensam seu mal
com juros, de sorte a existir, finalmente, muito mais perfeição em toda a série do que se todo o mal não tivesse
sucedido, deve-se dizer que Deus a permite, e não que ele a quer, embora concorra para ela por causa das leis
naturais que estabeleceu e porque sabe tirar daí um bem maior.
(*) VN e VC (p. 382-84)
(...) hay también [proposiciones] que son verdaderas casi siempre, al menos en el orden natural, de suerte que
la excepción se atribuye a milagro; aun más,estimo que hay en esta serie de las cosas ciertas proposiciones
universalísimamente verdaderas que no han de infringirse jamás ni siquiera por milagro, no porque Dios no
tenga el poder de infringirlas, sino porque él mismo, cuando eligió esta serie de cosas, con eso mismo decreto
observarias (como propiedades específicas de esta misma serie elegida de las cosas). Y con estas
proposiciones, uma vez establecidas en virtud dei decreto divino, puede darse razón de otras proposiciones
contingentes, ya sean universales, ya sean válidas de ordinário, que pueden constatarse en este universo [6].
Pues de las primeras leyes esenciales de la serie, verdaderas sin excepción, que contienen íntegra la meta de
Dios al elegir el universo, y que por lo mismo incluyen también los milagros, pueden derivarse las leyes
subalternas de la naturaleza, que poseen sólo una necesidad física, cuya vigência se suspende unicamente por
milagro fundado en una intuición de alguna causa final más importante; por último, de estas leyes subalternas
se desprenden otras cuya universalidad es aún menor, y Dios puede también revelar a las criaturas las
demostraciones de este género de universales intermédios derivados los unos de los otros (una parte de los
cuales constituye la ciência física). Pero nunca puede llegarse con análisis alguno a las leyes universalísimas
ni a las razones perfectas de las cosas singulares, pues este conocimiento, necesariamente, es propio sólo de
Dios.
(...)
Que esta piedra tiende hacia abajo si se le quita el apoyo no es una proposición necesaria, sino contingente, y
este evento no puede demostrarse a partir de la noción de esta piedra, recurriendo a nociones universales que
entran en aquélla, y por esto sólo Dios lo entiende perfectamente. Por una parte, él sólo sabe si acaso no va a

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suspender él mismo por milagro aquella ley subalterna de la naturaleza, en virtud de la cual las cosas pesadas
son impulsadas hacia abajo; por otra parte, los otros no comprenden las leyes universalí-simas, ni pueden
pasar por el análisis infinito que es menester para conectar la noción de esta piedra con la noción dei universo
todo, o sea, con las leyes universalísimas. Con todo, puede al menos saberse, de antemano, sobre la base de las
leyes subalternas de la naturaleza, que si la ley de la gravedad no es suspendida por mila-gro, se efectua la
caída.
● Notar o índice de racionalismo leibniziano: tudo tem razão ou para tudo há razão, desde a origem do mundo.
● Lei geral divina, sem exceção.
● Leibniz não pensaria qualquer limite para a razão?
● Para o mundo e sua origem não.
● Para as criaturas humanas, parece que sim. Já há um indício ao revelar que não se pode entender por
completo a obra divina, apenas da indicação da presença de razão na origem do mundo.
● Portanto, do ponto de vista objetivo, haveria uma razão; mas tal objetividade seria limitada no caso daquele
que conhece, pois ele teria limites subjetivos (natureza limitada da criatura).
● Conhecimento e condições ou limites de conhecimento.
2. SUBSTÂNCIA
VIII. Explica-se em que consiste a noção de uma substância individual afim de se distinguirem as ações de
Deus e as das criaturas.
É muito difícil distinguir as ações de Deus das ações das criaturas, pois há quem creia que (1) Deus faz tudo,
enquanto outros imaginam que (2) conserva apenas a força que deu às criaturas. A sequência mostrará como
se podem dizer (1+2) ambas as coisas.
- A dificuldade em separar as ações de Deus em relação às ações das criaturas, principalmente quando se
considera que aquele é o criador destas.
- 1. Deus faz tudo: ele seria o único agente, e toda vez que houvesse alguma ação no mundo, ela seria na
verdade uma ação direta divina (▲ocasionalismo?).
● Risco teológico.
- 2. [Deus] conserva apenas a força que deu às criaturas: Deus apenas interferiria na manutenção das ações,
mas a direção seria dada pelas criaturas.
- 1 + 2. ambas as coisas: Leibniz busca manter coerentemente as duas posições (▲ o costume leibniziano de
conciliar posições distintas).
● Manter Deus como criador e como conservador das atividades das criaturas, mas sem interferir na direção
por elas tomadas e sem interferir a todo tempo na ordem das coisas.
Ora, visto as ações e paixões pertencerem propriamente às substâncias individuais (actiones sunt
suppositorum), torna-se necessário explicar o que é tal substância.

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- Substância individual: a forma como Leibniz nomeia as unidades substancias básicas ou as unidades
ontológicas, segundo o seu pensamento.
● Um nome que não será sempre utilizado, mas é que uma das primeiras tentativas de expressão da base de
realidade.
- as ações e paixões pertencerem propriamente às substâncias individuais: substância é fundamento de
realidade, mas aqui também é fundamento de ação (▲ as ações e mesmo as paixões, ao contrário do que se
costuma entender na filosofia, são incorporadas na definição de substância)
● O papel de sede das ações ainda ganhará mais força no decorrer do desenvolvimento da filosofia leibniziana.
- O próximo passo é definir tal noção de substância (individual).
● Nota-se que o autor fala em indivíduo; a substância é uma um tipo de indivíduo e há diversas substâncias
(não uma ou duas, mas substâncias individuais).
É correto, quando se atribui grande número de predicados a um mesmo sujeito e este não é atribuído a
nenhum outro, chamá-lo substância individual, isto, porém, não é suficiente, e tal explicação é apenas
nominal. É preciso considerar, portanto, o que é ser atribuído verdadeiramente a um certo sujeito.
- Inspiração lógica.
A. Primeira definição:
● Grande número de predicados em um mesmo sujeito, sem que ele possa ser atribuído a outro sujeito (não S’
in S’’).
● Uma definição apenas nominal, o que significa que pode ser colocada em questão, pois ainda preciso
acrescentar outro elemento para torná-la certeira e inquestionável.
● Faltaria indicar o que significa o ser atribuído verdadeiramente a um certo sujeito.
Ora, consta que toda predicação verdadeira tem algum fundamento na natureza das coisas, e quando uma
proposição não é idêntica, isto é, quando o predicado não está compreendido (a) expressamente no sujeito, é
preciso que esteja compreendido nele (b) virtualmente. A isto chamam os filósofos in-esse, dizendo estar o
predicado no sujeito. É preciso, pois, o termo do sujeito conter sempre o do predicado, de tal forma que quem
entender perfeitamente a noção do sujeito julgue também que o predicado lhe pertence.
B. Definição complementar 1:
● Toda predicação se fundamenta na natureza das coisas (em geral, não somente em objetos sensíveis)
● Tipos (exclusivos: um ou outro) de proposição (cujo resultado deve ser verdade):
● (a) Proposições em que o predicado se encontra expressamente no sujeito (identidades, necessárias,
essenciais, definições etc.).
● (b) Proposições em que o predicado se encontra virtualmente no sujeito (contingentes, acidentais, não-
essenciais, possíveis).
● A noção geral da verdade: O predicado estar contido na noção do sujeito.
● In-esse: o estar em (S in P ou S é P).
● O predicado deve sempre se associar a algum sujeito (a dependência lógica do predicado).

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● A dependência (unilateral) do predicado é tão forte ao ponto de que quem tiver entendimento perfeito do
sujeito poderá imediatamente julgar que o predicado lhe pertence.
Isto posto, podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser completo consiste em ter
uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do
sujeito a que se atribui esta noção; ao passo que o acidente é um ser cuja noção não contém tudo quanto se
pode atribuir ao sujeito a que se atribui esta noção.
- Feita as colocações anteriores:
- B. Definição complementar 2:
● [N]atureza de uma substância individual ou de um ser completo: uma substância individual um ser completo,
indivíduo e completude.
● Noção tão completa e tão perfeita, a qual permite compreender ou deduzir (com sentido mais fraco ou não
puramente lógico) de si todos os predicados pertencentes a tal noção (lembrando que se trata de um tipo de
sujeito, o que significa que tem certos predicados que lhe pertencem, os quais por sua vez dependem em
absoluto de tal noção-sujeito).
● O acidente (o predicado) não tem o privilégio de ser a sede principal da noção do sujeito, pois ele não revela
a mesma posição do sujeito ou a centralidade do sujeito em termos de predicação.
(▲ A substância individual é montada sobre a noção de um sujeito absoluta, que não apenas é sede ou foco de
predicação, mas também é ponto em se ancoram a totalidade dos seus predicados, o que significa que ele deve
ter tudo o que lhe pertence ou pode lhe pertence em sua noção. Do contrário, ele poderia não cumprira a
primeira cláusula da não atribuição a outro sujeito. Para definir algo como substância, em primeiro lugar, isso
dever ter uma noção absolutamente completa. Isso fica mais claro com o próprio exemplo de Leibniz abaixo.)
Assim, abstraindo do sujeito, a qualidade de rei pertencente a Alexandre Magno não é suficientemente
determinada para um indivíduo, nem contém as outras qualidades do mesmo sujeito, nem tudo quanto
compreende a noção deste príncipe, ao passo que Deus, vendo a noção individual ou a ecceidade de
Alexandre, nela vê ao mesmo tempo o fundamento e a razão de todos os predicados que verdadeiramente dele
se podem afirmar, como, por exemplo, que vencerá Dario e Poro, e até mesmo conhece nela a priori (e não
por experiência), se morreu de morte natural ou envenenado, o que nós só podemos saber pela história.
- Qualidade rei: algo incompleto, pois mesmo que tenha certa definição, ela não é completa, podendo ser
atribuída a um sujeito, por exemplo, Alexandre.
- Alexandre Magno: noção completa, que contém todos os seus predicados, que por sua vez, no limite,
dependem de algo como este personagem para se associar.
- A noção de uma substância é tão completa, contendo em absoluto todos os predicados, independentemente de
sua modalidade (expressa ou virtual), que permite um conhecimento a priori.
● Existe tal tipo de conhecimento, mas ele privilégio de tal tipo de conhecimento vale apenas para Deus; para
nós, resta o conhecimento por experiência ou pela vivência do próprio fato.

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Igualmente, quando se considera convenientemente a conexão das coisas, pode-se afirmar que há desde toda a
eternidade na alma de Alexandre vestígios de tudo quanto lhe sucedeu, marcas de tudo o que lhe sucederá e,
ainda, rastos de tudo quanto se passa no universo, embora só a Deus caiba reconhecê-los todos.
- Uma noção que contém todos fotos ligados a tal sujeito-substância (passado, presente, futuro).
IX. Cada substância singular exprime todo o universo à sua maneira; e em sua noção estão compreendidos
todos os seus acontecimentos com todas as circunstâncias e toda a série das coisas exteriores.
Seguem-se daqui vários paradoxos consideráveis, entre outros, por exemplo, não ser verdade duas
substâncias assemelharem-se completamente e diferirem apenas solo numero, e o que Santo Tomás afirma
neste ponto dos anjos ou inteligências (quod ibi omne individuum sit specie infima, ▲ “que nesse caso todo
sujeito é espécie ínfima”) é verdade de todas as substâncias, desde que se tome a diferença específica como a
tomam os geômetras relativamente às suas figuras;
item, que uma substância só poderá começar por criação, e só por aniquilamento perecer; não se dividir uma
substância em duas, nem de duas se formar uma, e assim, naturalmente, o número de substâncias não
aumenta nem diminui, embora frequentemente elas se transformem.
Ademais, toda substância é como um mundo completo e como um espelho de Deus, ou melhor, de todo o
universo, expresso por cada uma à sua maneira, quase como uma mesma cidade é representada diversamente
conforme as diferentes situações daquele que a olha.
Assim, de certo modo, o universo é multiplicado tantas vezes quantas substâncias houver, e a glória de Deus
igualmente multiplicada por todas essas representações de sua obra completamente diferentes.
Pode-se até dizer que toda substância traz de certa maneira o caráter da sabedoria infinita e da onipotência
de Deus e imita-o quanto pode.
Pois exprime, embora confusamente, tudo o que acontece no universo, passado, presente ou futuro, o que tem
certa semelhança com uma percepção ou conhecimento infinito;
e como todas as outras substâncias por sua vez exprimem esta e a ela se acomodam, pode-se dizer que ela
estende seu poder a todas as outras, à imitação da onipotência do Criador.
X Que há algo sólido na opinião das formas substanciais, mas que estas formas não alteram em nada os
fenômenos e não devem de modo algum ser empregadas para a explicação dos efeitos particulares.

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Parece que tanto os antigos como muitas pessoas hábeis e acostumadas a meditações profundas, que há
séculos ensinaram teologia e filosofia, algumas sendo recomendáveis pela sua santidade, tiveram algum
conhecimento do que acabamos de dizer. Eis por que introduziram e mantiveram as formas substanciais tão
desacreditadas atualmente. Porém, não se afastam tanto da verdade nem são tão ridículos como imagina o
comum de nossos novos filósofos.
Concordo que a consideração destas formas no pormenor da física é inútil e que não se deve empregá-las na
explicação dos fenômenos em particular. Eis onde falharam
os nossos escolásticos e, a exemplo seu, os médicos do passado, pensando dar a razão das propriedades dos
corpos recorrendo às formas e qualidades, em vez de examinarem o modo de operação, como quem se
contentasse em dizer que um relógio tem a qualidade horodítica, proveniente de sua forma, sem considerar
em que consiste tudo isto.
O que, com efeito, pode bastar ao comprador, desde o momento em que abandone esse cuidado a outrem. Mas
esta falha e mau uso das formas não devem nos levar a rejeitar uma coisa cujo conhecimento é tão
necessário em metafísica que, sem ele, creio que não se poderia conhecer bem os primeiros princípios, nem
elevar suficientemente o espírito ao conhecimento das naturezas incorpóreas e das maravilhas de Deus.
No entanto, assim como um geômetra não tem necessidade de embaraçar o espírito no famoso labirinto da
composição do contínuo, e nenhum filósofo moral, e ainda menos um jurisconsulto ou político, precisa entrar
a fundo nas grandes dificuldades existentes na conciliação do livre-arbítrio com a providência de Deus, visto
poder o geômetra terminar todas as suas demonstrações e o político todas as suas deliberações sem nenhum
deles entrar nestas discussões, que, contudo, são necessárias e importantes na filosofia e teologia; do mesmo
modo pode um físico explicar as experiências servindo-se quer das experiências mais simples já realizadas,
quer das demonstrações geométricas e mecânicas, sem necessidade do recurso a considerações gerais, que
pertencem a uma outra esfera;
e se recorre, para esse fim, ao concurso de Deus, ou então de alguma alma, arquê ou outra coisa desta
natureza, é tão extravagante como quem numa importante deliberação prática quisesse entrar em grandes
raciocínios sobre a natureza do destino e da nossa liberdade. Com efeito, os homens cometem com frequência
esta falta, inconsideradamente, quando embaraçam o espírito na consideração da fatalidade, e mesmo, por
vezes, afastam-se por este motivo de alguma boa resolução ou de algum cuidado necessário.
XI. Que não são completamente de desprezar as meditações dos teólogos e filósofos chamados escolásticos.

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Sei afirmar um grande paradoxo ao pretender reabilitar de certo modo a antiga filosofia, e recordar
postlitninio as quase banidas formas substanciais. Porém, talvez não me condenem levianamente quando
souberem que meditei demoradamente sobre a filosofia moderna; dediquei muito tempo às experiências da
física e demonstrações da geometria, e bastante tempo estive persuadido da vacuidade destes entes, retomados
afinal quase à força e bem contra minha vontade, depois de eu próprio ter procedido a investigações que me
levaram a reconhecer não fazerem os nossos modernos justiça devida a Santo Tomás e a outros grandes
homens daquele tempo, e haver nas opiniões dos filósofos e teólogos escolásticos bem maior solidez do que se
imagina, desde que delas nos utilizemos com propriedade e no lugar devido.
Estou mesmo persuadido de que um espírito exato e meditativo encontraria nelas um tesouro de imensas
verdades muito importantes e absolutamente demonstrativas, desde que se desse ao trabalho de esclarecer e
assimilar os pensamentos deles à maneira dos geômetras analíticos.
XII Que as noções que consistem na extensão contêm algo de imaginário e não poderiam constituir a
substância dos corpos.
Porém, para retomar o fio das nossas considerações, creio que quem meditar sobre a natureza da substância,
acima explicada, verificará não consistir apenas na extensão, isto é, na grandeza, figura e movimento, toda a
natureza do corpo, mas ser preciso necessariamente reconhecer nela algo relacionado com as almas e que
vulgarmente se denomina forma substancial, muito embora esta não modifique em nada os fenômenos, tanto
como a alma dos irracionais, se a possuem.
Pode-se até mesmo demonstrar que a noção da grandeza, da figura e do movimento não possui a distinção que
se imagina e que contém algo imaginário e relativo às nossas percepções, como o são ainda (embora bastante
mais) a cor, o calor e outras qualidades semelhantes, cuja existência verdadeira na natureza das coisas fora
de nós se pode pôr em dúvida.
Por isso tais espécies de qualidades não podem constituir qualquer substância. E se não há nenhum outro
princípio de identidade no corpo, além do que acabamos de dizer, nunca um corpo subsistirá mais do que um
momento. No entanto, as almas e as formas substanciais dos outros corpos são bem diferentes das almas
inteligentes, únicas que conhecem as suas ações e, não só nunca perecem naturalmente, mas também
conservam sempre o fundamento do conhecimento do que são.
Eis o que as torna únicas suscetíveis de castigo e de recompensa e cidadãs da república do universo, de que
Deus é monarca. Também se deduz daqui o dever de todas as restantes criaturas as servirem. A este
propósito voltaremos a falar mais amplamente.
(Passa-se a sessão XIII)

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XIV Deus produz diversas substâncias conforme as diferentes perspectivas que tem do universo e, por sua
intervenção, a natureza própria de cada substância implica que o que acontece a uma corresponda ao que
acontece a todas as outras, sem que ajam imediatamente umas sobre as outras.
Conhecido, de certo modo, em que consiste a natureza das substâncias, temos de explicar a dependência que
têm umas das outras e as suas ações e paixões. Ora, em primeiro lugar, é bem manifesto que as substâncias
criadas dependem de Deus, que as conserva e até continuamente as produz por uma espécie de emanação,
como produzimos os nossos pensamentos. Pois Deus, virando, por assim dizer, de todos os lados e maneiras o
sistema geral dos fenômenos que considera bom produzir para manifestar a sua glória, e observando todos os
aspectos do mundo de todas as formas possíveis (porque não existe nenhuma relação que escape à sua
onisciência), faz com que o resultado de cada visão do universo, enquanto contemplado de um certo lugar, seja
uma substância expressando o universo conforme a essa perspectiva, desde que Deus ache conveniente
realizar o seu pensamento e produzir esta substância.
E como a visão de Deus é sempre verdadeira, as nossas percepções igualmente o são, mas nossos juízos, que
são apenas nossos, nos enganam.
- A diferença entre a percepção e o juízo sobre aquilo que é percebido. No segundo caso é que se fala em V ou
F.
● As nossas ideias e a verificação de tais ideias (representação e conteúdo da ideia).
● Diversas formas de representação (p. ex., pictórica ou simplesmente conceitual, função, πR2).
● As ideias podem assumir a estrutura proposicional.
▲A busca cartesiana por conhecimento perfeito, intuitivo (cogito), ou o correspondente (idêntico) da ideia,
gerando verdade inquestionável.
▲ O ideal é o conhecimento distinto, intuitivo.
Ora, já dissemos mais acima, e segue-se do que acabamos de dizer, que cada substância é como um mundo à
parte, independente de qualquer outra coisa, excetuando Deus. Assim, todos os nossos fenômenos, quer dizer,
tudo quanto alguma vez pode acontecer-nos, são apenas consequências de nosso ser.
E como esses fenômenos conservam uma certa ordem conforme à nossa natureza ou, por assim dizer, ao
mundo existente em nós, o que nos permite, para regular nossa conduta, a possibilidade de efetuar observações
úteis, justificadas pelo acontecimento de fenômenos futuros e assim podermos, muitas vezes, sem engano
julgar o futuro pelo passado, isto seria suficiente para se afirmar que esses fenômenos são verdadeiros, sem
nos afligirmos a investigar se existem fora de nós e se outros os apercebem também.
- Conservação dos fenômenos, que expressam certa ordem (▲ Mas, não uma ordem lógica-dedutiva, pois do
contrário risco para a liberdade).
No entanto, é bem verdade que as percepções ou expressões de todas as substâncias se entrecorrespondem de
tal sorte que qualquer um, seguindo atentamente certas razões ou leis que observou, se encontra com outro
que fez o mesmo, como quando várias pessoas, tendo combinado encontrar-se reunidas em algum lugar e em

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um dia prefixado, podem efetivamente fazê-lo, se o desejarem. Ora, se bem que todos exprimam os mesmos
fenômenos, nem por isso as suas expressões se identificam; é suficiente que sejam proporcionais.
- Uma situação de encontro pode ser exprimida por duas perspectivas, conforme os pontos de vista de cada
agente no evento.
Do mesmo modo vários espectadores crêem ver a mesma coisa e efetivamente se entendem entre si, embora
cada um veja e fale na medida da sua perspectiva. Somente Deus, de quem todos os indivíduos emanam
continuamente, e que vê o universo não só como eles vêem, mas também de modo inteiramente diverso de
todos eles, pode ser causa desta correspondência dos seus fenômenos e tornar geral para todos o que é
particular a cada um. De outra forma não haveria possibilidade de ligação.
- Deus faz a ligação.
De certo modo e no bom sentido, embora afastado do usual, poder-se-á dizer que nunca uma substância
particular atua sobre uma outra substância particular, e tampouco padece, se os eventos de cada uma são
considerados apenas como consequência de sua simples ideia ou noção completa; pois esta ideia contém já
todos os predicados ou acontecimentos e exprime todo o universo.
Com efeito, nada pode acontecer-nos além de pensamentos e percepções, e todos os nossos futuros
pensamentos e percepções não passam de consequências, embora contingentes, dos nossos pensamentos e
percepções anteriores, de tal modo que, se eu fosse capaz de considerar distintamente tudo quanto nesta hora
me acontece ou aparece, nessa percepção poderia ver tudo quanto me acontecerá e aparecerá sempre, o que
não falharia e aconteceria da mesma maneira, embora tudo quanto existisse fora de mim fosse destruído,
desde que restassem Deus e eu.
Visto, porém, atribuirmos a outras coisas, como às causas agentes sobre nós, aquilo de que nos apercebemos
de uma certa maneira, é preciso considerar o fundamento deste juízo e o que há de verdadeiro nele.
- Juízo e apercepção.
XV. A ação de uma substância finita sobre outra consiste apenas no acréscimo do grau de sua
expressão, junto à diminuição do da outra, na medida em que Deus as obriga a se acomodarem
entre si.
A fim de conciliar a linguagem metafísica com a prática, mas sem entrar em longa discussão, basta
notar por ora que nos atribuímos de preferência e com razão os fenômenos que exprimimos mais
perfeitamente, e atribuímos às outras substâncias o que cada uma exprime melhor. Assim, uma
substância de extensão infinita, enquanto exprime tudo, torna-se limitada pela maneira da sua
expressão mais ou menos perfeita.
- A diferença entre registros discursivos: realidade/racional X fenômenos.
E assim, portanto, que se pode conceber que as substâncias se estorvem mutuamente ou se limitem e,
por conseguinte, neste sentido pode-se afirmar que elas agem umas sobre as outras, sendo por assim

21
dizer obrigadas a acomodar-se entre si, pois pode suceder que uma mudança aumente a expressão de
uma, diminuindo a de outra. Ora, a virtude de uma substância particular é exprimir bem a glória de
Deus, e é por isso que ela é menos limitada. E cada coisa, quando exerce sua virtude ou potência,
quer dizer, quando age, muda para melhor e se estende enquanto age.
Assim, pois, quando se dá uma mudança afetando várias substâncias (como efetivamente qualquer
mudança toca a todas), creio poder dizer-se que, devido a isso, aquela substância que passa
imediatamente a um mais alto grau de perfeição ou a uma expressão mais perfeita exerce sua
potência e age, e a que passa a um menor grau revela sua fraqueza e padece. Também sustento que
toda ação de uma substância que tem perfeição implica algum prazer e toda paixão, alguma dor, e
vice-versa. Pode muito bem acontecer, no entanto, uma vantagem presente ser desfeita em seguida por
um mal muito maior. Donde se conclui a possibilidade de pecar agindo ou exercendo sua potência e
encontrando prazer nela
XVI. O concurso extraordinário de Deus está compreendido no que a nossa essência exprime, pois
esta expressão se estende a tudo, mas ultrapassa as forças da nossa natureza ou da nossa expressão
distinta, que é finita e segue certas máximas subalternas.
Presentemente, só resta explicar a possibilidade de Deus exercer algumas vezes influencia sobre os
homens ou sobre as outras substâncias por um concurso extraordinário e miraculoso , pois, segundo
parece, nada pode suceder-lhes de extraordinário ou de sobrenatural, já que todos os seus
acontecimentos são apenas consequências da sua natureza.
Mas é preciso recordar o que dissemos antes relativamente aos milagres do universo, sempre
conformes à lei universal da ordem geral, embora acima das máximas subalternas. E, desde que
toda pessoa ou substância é como um pequeno mundo exprimindo o grande, pode-se dizer,
igualmente, que essa ação extraordinária de Deus sobre essa substância não deixa de ser miraculosa,
muito embora compreendida na ordem geral do universo, enquanto expressado pela essência ou
noção individual dessa substância. Por isto, se compreendemos na nossa natureza tudo que ela
expressa, nada é nela sobrenatural, pois se estende a tudo, já que um efeito exprime sempre a sua
causa, e Deus é a verdadeira causa da substância.
- No limite, nada sobrenatural.
Porém, como o que a nossa natureza expressa com maior perfeição lhe pertence de maneira
particular (pois nisto consiste a sua potencia, e esta é limitada, como acabo de explicar), há muitas
coisas ultrapassando as forças da nossa natureza e ainda a de todas as naturezas limitadas. Por
conseguinte, no intuito de falar mais claramente, digo que os milagres e concursos extraordinários de
Deus possuem de característico o não poderem ser previstos pelo raciocínio de algum espírito
criado, por mais esclarecido que seja, porque a distinta compreensão da ordem geral ultrapassa a

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todos, ao passo que tudo o que chamamos de natural depende das máximas menos gerais, que as
criaturas podem compreender.
- Um Gap intransponível.
- Os fenômenos na natureza são apenas conforme nossa perspectiva, mas não revelam a ordem mais
geral.
Para as palavras serem tão irrepreensíveis como o sentido, seria bom unir certas maneiras de falar a
certos pensamentos, e poderia denominar-se nossa essência ou ideia o que compreende tudo quanto
exprimimos, e, como exprime a nossa união com o próprio Deus, não tem limites e nada a
ultrapassa. Porém, o que em nós é limitado poderá chamar-se a nossa natureza ou potência , e, a
esse respeito, tudo o que ultrapassa as naturezas de todas as substâncias criadas é sobrenatural.

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O novo aspecto das substâncias
G. W. LEIBNIZ, Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão, acrescentado de
comentário1.
Assim como a Monadologia, o Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão texto da fase
madura do autor, quase final da sua vida. O Discurso de Metafísica pertence a um período
intermediário (por volta de 1684), mas representa uma fase em que o autor esboça conceitos essenciais
acerca da substância, os quais ele antes modificará ao invés de abandoná-los.
1. A substância é um Ser capaz de Ação. Ela é simples ou composta. A substância simples é aquela
que não tem partes. A composta é a reunião das substâncias simples ou Mônadas. Monas é uma
palavra grega que significa unidade ou o que é uno. Os compostos ou os corpos são Multiplicidades, e
as Substâncias simples, as Vidas, as Almas, os Espíritos são unidades. É preciso que em toda parte
haja substâncias simples porque sem as simples não haveria as compostas. Por conseguinte, toda a
natureza está plena de vida.
- Substância: ser capaz de ação: começa-se por uma perspectiva dinâmica, não por um composto
das coisas; será importante notar o que é fundamento daquilo que existe, mas não tem característica
estática, como foi por muito tempo pensado acerca do ser. (▲Fala-se em ação, mas não significa
ênfase no deslocamento espacial, pois substância não é definida em termos espaciais, de extensão
ou de figura.)
● Enfatiza-se a ideia de ação, não começando pela perspectiva lógica, como no DM.
- Simples ou composta: problema, pois ao se procurar o que é fundamento, busca-se um
indivisível. Se composto, tem partes mais básicas. A substância em sentido estrito ou
propriamente dita deve ser simples. O que seria essa substância composta?
- A noção de que deve haver uma simples, um elemento último.
- Entra o termo Mônada para referir-se à substância. Monas: unidade ou o que é uno.
- Vidas, as Almas, os Espíritos são unidades. Substâncias simples, vidas, almas, espíritos:
unidades. Sinônimos, mas com carga conceitual distinta.
- Composto ou corpos: multidões.
- Em toda parte, há substâncias simples, a base do que há. Sem elas, não haveria o composto, que
não é substancia propriamente dita.
- Sempre substância: em todas as partes.
1 Ter mais atenção com os termos em negrito. O que vem grifado expressa uma problema que pode ser tratado mais à frente. O símbolo “▲” expressa minha interpretação.

24
- Vitalismo leibniziano: Toda a natureza está plena de vida: em tudo, há substância.
2. As Mônadas, não tendo partes, não podem ser formadas nem destruídas. Não podem começar
nem terminar naturalmente e duram, por conseguinte, tanto quanto o universo, que será mudado,
mas não será destruído. Não podem ter figuras, caso contrário, teria partes; e, por conseguinte, uma
Mônada em si mesma, e em um momento dado, não poderia distinguir-se de outra a não ser pelas
qualidades e ações internas, que não podem ser outra coisa senão suas percepções (isto é, as
representações do composto ou do que é externo no simples) e suas apetições (isto é, suas passagens
ou tendências de uma percepção a outra), que são os princípios da mudança. Pois a simplicidade da
substância não impede a multiplicidade das modificações, que devem ocorrer simultaneamente nesta
mesma substância simples, e devem consistir na variedade das relações com as coisas que estão fora.
É como um centro ou ponto no qual, por mais simples que seja, existem uma infinidade de ângulos
formados pelas linhas que para ele convergem.
- Nem formadas, nem destruídas, pois não têm partes; não existem por composição.
- Não começar nem acabar naturalmente, por si ou por algo espontâneo (lembrar criação); mas
agem espontaneamente.
- Não poder ter figura, pois isso faz com que haja partes (por isso a impossibilidade de substância
composta – investigar mais isso na sequência). Não pode também ser por extensão; contra
Descartes.
- Duração enquanto durar o universo (criado); o mundo é composto por substâncias, o que revela
uma reciprocidade na questão do existir.
(▲ O número de substâncias no mundo não se altera; ele se mantém integralmente como é. Lembrar
também que Deus não intervém no mundo, alterando a ordem das coisas ou lhe extraindo ou lhe
acrescentando substâncias.)
- Diferenciam-se de outra pelas qualidades e ações internas, as quais são tão-só as suas percepções, a
representações do composto ou daquilo que lhe é exterior. (▲Duas substâncias não podem ter as
mesmas propriedades, pois do contrário serão o mesmo ser; essa diferença doravante será marcada
pelas percepções).
Percepção: algo próximo do que entendemos por nossas percepções, sentidos, mas numa dimensão
mais básica, pois as nossas percepções já exprimem um grau de riqueza superior à nossa percepção
animal. Isso permite o acesso ao mundo, àquilo que é exterior a uma substância ou o mundo que a
cerca.
(▲ Uma perspectiva do mundo, um espelho local.)

25
- Apetições: tendências de uma substância para se mover de uma percepção para outra. São seres
simples, mas se mantém em movimento; apesar da sua simplicidade de essência, sem partes, há uma
multiplicidade perceptiva. Por isso a ideia de um ponto e de infinitos ângulos que o atravessam.
- O movimento é essencial para as mônadas, pois enquanto existirem, se moverão. A natureza de tal
movimento se deve à passagem de uma percepção para outra. A apetição é princípios da mudança,
cujo fundamento é a percepção.
- Isso gera uma variedade de relações com as coisas que estão fora, graças às diversas representações
do plano exterior que lhe adentrarão.
▲A blindagem da noção de uma mônada. Cf. Monadologia: 7, 8,13, 14 15.
Percepção (in: André C. F. Souza, Tese, pp. 113-115):
No ambiente fechado dos infinitos seres, o filósofo [Leibniz] conclui que uma substância
mantém relação com outra por meio do que ele chamou de percepção, que pode ser genericamente
definida como a representação do múltiplo na unidade (Mon 10-14). Além das ações ou das
tendências (qualidades que estão no cerne da noção de enteléquia), as substâncias têm percepções, que
dizem respeito às suas qualidades internas. Leibniz reforça constantemente a tese da necessidade de
distinção entre as substâncias graças ao que está no interior de cada uma. Os seres não podem se
diferenciar apenas numericamente. A extensão e a matéria não se demonstram aptas para tal
diferenciação; as propriedades individuais são o principal critério para essa distinção. As propriedades
estão diretamente ligadas ao conjunto das ações de cada substância; é preciso entender a fonte desses
atos. Nesse ponto, entram as percepções, que têm não apenas a função de gerar as ações e a distinção
de cada ser, como também o papel extra de ligar cada substância ao mundo com que ela se harmoniza.
Sem que estas duas dimensões não estejam separadas, no seu registro fundamental metafísico,
o conceito de percepção não se limita à percepção sensível2, o que torna difícil apreender todo o seu
sentido, o que não proíbe que se tente explicar um pouco no que consistiria a percepção em uma
substância.
Na filosofia leibniziana, de alguma maneira um ser (de noção independente e completa) pode
ter acesso ao que se passa no mundo que ele integra e se distinguir dos outros seres que o acompanham
na formação do mundo que habita. Cada ser se diferencia pela sua atividade ou pelas suas tendências,
que lhe são exclusivas, pois se outro ser praticasse as mesmas ações, isso poderia significar que se
trataria de um só conceito para mais de um ser; algo inaceitável na filosofia de Leibniz. Para auxiliar
na compreensão dessas características da substância que Leibniz encontrou apoio na percepção.
2 A percepção sensível é um desdobramento do conceito fundamental de percepção como se notará em seguida.

26
Uma substância sempre está em estado perceptivo, pois perceber é o fundamento básico
ligado à própria existência dos seres. Em virtude da percepção, o mundo exterior entra na substância.
A contraparte disso são as representações do plano em que os seres vivem. Pode-se dizer que enquanto
percebe uma substância tem, por assim dizer, imagens do mundo.
A percepção se liga intimamente à atividade de um ser, porque assim como ele não
interrompe seu estado perceptivo, ele também não se detém em uma percepção, mas busca novas
percepções. A passagem de uma percepção para outra é chamada por Leibniz de apetição. Da mesma
forma como as percepções são constantes, as apetições também o são. Elas também estão no centro das
ações; são o princípio de mudança (PNG 2).
No pensamento de Leibniz, toda criatura age em função de um fim caso se pense que ela se
move na busca por percepção. As percepções podem ser tomadas como direcionadoras das ações. Cada
substância busca novas imagens no mundo e, dessa maneira, cada ser se liga a um plano graças às suas
percepções, que também serão fonte de ações por levarem a ocorrência de apetição. O conjunto das
percepções de uma substância diz respeito diretamente ao seu conceito e faz com que a substância seja
um ponto de vista exclusivo no mundo.
Já é preciso deixar claro que as atividades de todos os seres são primordialmente perceptivas e
representativas (NE II xxi 35). Isso é apenas um passo inicial que não se interrompe por aí, já que as
substâncias não buscam apenas aumentar suas percepções, mas também aprimorá-las, o que tem
reflexo no o seu estado ou nível de ser. Isso permite um enriquecimento de um ser, graças a um
processo ligado às percepções, às apetições e mesmo ao prazer. Na filosofia de Leibniz, todo ser é
movido por prazer, porém não pelo prazer como normalmente se conhece. Resta saber como se dá
essa escalada na atividade perceptiva e que mudanças ela ocasiona nas substâncias e nas suas
atividades.
3.3 Na natureza tudo é pleno. Há substâncias simples em toda parte, efetivamente separadas umas
das outras por ações próprias, que mudam continuamente suas relações; e cada substância simples
ou Mônada distinta, que constitui o centro de uma substância composta (como, por exemplo, de um
animal) e o princípio de sua unicidade, está rodeada por uma massa composta de uma infinidade de
outras Mônadas, que constituem o corpo próprio desta Mônada central, a qual representa, segundo
as afecções desse corpo, como em uma espécie de centro, as coisas que estão fora dela. E este corpo é
orgânico quando forma uma espécie de Autômato ou Máquina da Natureza, que é máquina não
apenas no todo, como também nas mais ínfimas partes, que podem ser observadas. E como tudo
está ligado devido à plenitude do mundo, e cada corpo atua em maior ou menor medida sobre
cada um dos demais, segundo a distância, sendo por sua vez afetado por reação, segue-se que cada
3 ▲ATENÇÃO: Parte mais difícil do texto, acerca da substância composta. Mas não exigirei a compreensão perfeita dessa parte, mas antes uma noção do problema a ela ligado. Prestar mais atenção nas características da substância simples, mônada.

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Mônada é um Espelho vivo, ou dotado de ação interna, representativo do universo, segundo seu
ponto de vista, e tão regulado como o próprio universo. Na Mônada, as percepções nascem umas de
outras segundo as leis dos Apetites ou das causas finais do bem e do mal, que consistem nas
percepções notáveis, reguladas ou desreguladas, assim como as mudanças dos corpos e os fenômenos
externos nascem uns de outros segundo as leis das causas eficientes, isto é, dos movimentos. Assim,
há uma harmonia perfeita entre as percepções da Mônada e os movimentos dos corpos,
preestabelecida de antemão entre o sistema das causas eficientes e o das causas finais, e nisto
consiste o acordo e a união física da alma e do corpo, sem que um deles possa mudar as leis do
outro.
- Na natureza tudo é pleno; substâncias simples em toda parte: Ser, substância ou mônada em tudo o
que existe. [▲Há apenas o pleno, sem vazio (o existente é ser, é substância; o vazio expressaria o não
ser, o que não é.)].
- Substâncias separadas umas das outras por ações próprias: cada ser se diferencia do outro (nunca
identidade de noção) graças às suas ações, que ocorrerem graças às apetiçoes, as quais por sua vez têm
as percepções como fundamento.
- Substâncias mudam continuamente suas relações: as substâncias se relacionam umas com as outras
graças às percepções, não por uma relação causal direta. Assim como há variação nas percepções, por
causa da constante busca por novas percepções, as apetiçoes, há variação também nas relações entre
substâncias.
- Substância constitui o centro de uma substância composta, por exemplo, de um animal.
- O princípio de sua unicidade, rodeada por uma massa composta de uma infinidade de outras
Mônadas, que constituem o corpo próprio desta Mônada central: uma mônada rodeada por outras, uma
massa, o que faz com que surja o corpo.
- Autômato ou Máquina da Natureza, que é máquina não apenas no todo, como também nas mais
ínfimas partes, que podem ser observadas. Não é uma máquina movida por um mecanismo de
engrenagens, mas por máquinas menores.
- Aparece o corpo próprio, em que há uma mônada central ou dominante.
- Um ser que se destaca em relação aos outros que o cercam; suas afecções e percepções também se
destacam. O corpo orgânico expressa a mônada central. Todos os seres que estão nessa composição
agem conforme uma dinâmica de grupo, mas por si mesmo (Futuramente será tratado o índice de
adequação perceptivo).

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(▲Em suma, substância composta: uma mônada dominante cercada por diversas substâncias que
contribuem para a formação de um corpo orgânico. Tal corpo não existe na dimensão metafísica, mas
apenas na física, em que impera os fenômenos, aquilo que aparece ou que surge para os sentidos.)
- Como tudo está ligado devido à plenitude do mundo, e cada corpo atua em maior ou menor medida
sobre cada um dos demais, segundo a distância: tudo no mundo está ligado, todas as substâncias se
relacionam graças às percepções; todas as mônadas se afetam de forma perceptiva.
- Espelho vivo, ou dotado de ação interna, representativo do universo, segundo seu ponto de vista, e
tão regulado como o próprio universo: lembrar que o mundo é absolutamente organizado, pois seus
componentes são completamente ordenados. Tudo ligado como num “quebra-cabeça”, mas sem
qualquer espaço entre as peças, pois o mundo é um pleno.
- Mônada sempre ligada a um corpo; particular e ponto de vista (▲ distinta de Deus, que é totalidade,
sendo que apenas o mundo completo o reflete).
- As percepções nascem umas de outras segundo as leis dos Apetites, a busca por uma nova percepção.
- As causas finais do bem e do mal, que consistem nas percepções notáveis: uma linguagem já para
percepções mais ricas, as dos seres humanos; por isso percepções notáveis. A apetição pode ser tratada
como o desejo (perseguir um bem, evitar um mal)
- Uma harmonia perfeita entre as percepções da Mônada e os movimentos dos corpos.
- Causas eficientes: a grande novidade no período moderno da filosofia. A relação causal entre corpos.
- Causas finais (teleologia): noção clássica para o movimento; a perseguição de um bem ou o
cumprimento de uma natureza.
Forma para explicar a união física da alma e do corpo, sem que um deles possa mudar as leis do outro.
Duas dimensões distintas, mas que podem entrar em harmonia.
▲Real (dimensão da substância, da alma) e fenômeno (dimensão da matéria, do corpo).
André C. F. de Souza, Tese pp. 111-112
A radicalização da tese sobre as substância individuais gerou uma forte separação entre esses
componentes do mundo. Essa explicação se diverge do que se nota no mundo visível, onde acontecem
diversas relações causais entre coisas, onde há a impressão de umas serem empurradas por outras, o
que traz novamente o problema da relação inter-substâncias. Leibniz entende que a legítima maneira

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como acontecem os atos é tão difícil de ser notada quanto a distinção das reais unidades do mundo,
que vão para além da matéria. Dessa forma, ele distingue duas regiões, a real, expressa pela metafísica
e notada intelectualmente, onde se entende que estão as substâncias, e a dos fenômenos, onde acontece
a percepção sensível. São duas zonas que podem entrar em harmonia, pois aquilo que ocorre no âmbito
das substâncias pode se exprimir no plano dos fenômenos. No campo das substâncias, há o império das
causas finais por causa do argumento que trata das ações pertencentes aos respectivos seres. Mas esse
plano da pura finalidade pode ser expresso pela relação de causalidade no plano sensível. [...]
Leibniz pede para que se fique atento ao que está escondido na região alcançada pelos
sentidos. Graças a vários problemas, Leibniz se viu obrigado a retomar o pensamento dos antigos para
alcançar respostas que lhe fossem satisfatórias (DM X-XI). A ideia de substâncias fundamentadas nas
noções de matéria e extensão e a de que os movimentos se dariam apenas por causalidade eficiente
foram as que não resistiram às investigações leibnizianas, mesmo que o plano visível as corroborasse.
Ele nota a necessidade de tratar as unidades substancias em outros moldes, o de acompanhar a
tendência clássica da filosofia de buscar realidades para além do visível com o auxílio do logos. O
mundo dos fenômenos, captado pelos sentidos, torna velado aquilo que pode ser visto apenas
intelectualmente pelas criaturas, e não pelos seus olhos convencionais. O mundo dos fenômenos é a
representação do assentamento das substâncias, que é o encadeamento de suas ações, que são
detectadas por um terceiro. Em suma, há relação entre seres por encontros marcados (em função da
noção completa), os quais são objeto de percepção sensível de outro, que por sua vez também participa
ativamente dessas relações.
4. Cada Mônada, com seu corpo particular, constitui uma substância viva. Desse modo não só há
vida em toda parte, incorporada nos membros ou órgãos, como também há uma infinidade de graus
entre as Mônadas, e umas dominam mais ou menos as outras. Mas, quando a Mônada tem órgãos
tão ajustados que graças a eles ganham relevo e distinção as impressões que eles recebem e, por
conseguinte, também as percepções que os representam (como, por exemplo, quando, mediante a
configuração dos humores dos olhos, os raios da luz se concentram e atuam com maior força), então se
pode chegar até o sentimento, quer dizer, até uma percepção acompanhada de memória, isto é, uma
percepção cujo eco perdura durante muito tempo, fazendo-se ouvir na ocasião apropriada; tal
vivente é chamado animal e sua Mônada é chamada alma. E quando esta Alma se eleva até a Razão,
ela é algo mais sublime e pode ser incluída entre os espíritos, o que logo se explicará. É verdade que
os Animais se encontram às vezes no estado de simples viventes e suas Almas no estado de simples
Mônadas, a saber, quando suas percepções não são suficientemente distintas para que possam
recordar-se delas, como ocorre em um profundo sono sem sonhos ou em um desmaio. Mas as
percepções que se tornaram inteiramente confusas devem voltar a desenvolver-se nos animais pelas
razões que direi mais adiante no § 12. Assim, é bom distinguir entre a percepção, que é o estado
interior da Mônada representando as coisas externas, e a apercepção, que é a consciência ou

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conhecimento reflexivo desse estado interior, a qual não é dada a todas as almas e nem sempre a
mesma alma. Foi por não ter feito esta distinção que os cartesianos erraram, ao desconsiderar as
percepções de que não nos apercebemos, assim como o vulgo desconsidera os corpos insensíveis.
Foi isto também que levou estes mesmos cartesianos a acreditar que só os espíritos são Mônadas, que
não existem almas dos animais e menos ainda outros princípios de vida. E, assim como chocaram
demasiado a opinião comum dos homens recusando sentimento aos animais, conformaram-se
demasiadamente, pelo contrário, aos preconceitos do vulgo, ao confundirem um longo aturdimento,
que provém de uma grande confusão das percepções, com morte propriamente dita, na qual
cessaria qualquer percepção. Isto reforçou a opinião mal fundada da destruição de algumas almas e o
pernicioso sentimento de alguns espíritos fortemente presunçosos que combateram a imortalidade
da nossa.
- “há uma infinidade de graus entre as Mônadas, e umas dominam mais ou menos as outras” 4: Graus
entre as mônadas ou seres, e tal gradação cria uma hierarquia entre seres, o que tem reflexo no campo
dos fenômenos.
- “órgãos tão ajustados que graças a eles ganham relevo e distinção as impressões que eles recebem
e, por conseguinte, também as percepções”: Aquilo que é resultado a partir da reunião entre diversas
mônadas, havendo assim a substância composta ou mônada dominante cerca por um corpo orgânico,
permite um aprimoramento ou enriquecimento das percepções, sobretudo da dominante. Surge, assim,
a percepção sensível.
- “se pode chegar até o sentimento, quer dizer, até uma percepção acompanhada de memória, isto é,
uma percepção cujo eco perdura durante muito tempo”: O enriquecimento perceptivo permite que as
representações perceptivas ou imagens do plano exterior sejam mais fortemente gravadas, e tais
imagens podem ser recuperadas ou reavivadas. Deve-se acompanhar tal escalada perceptiva por
completo, sem saltos; sem percepção sensível, não há memória.
- “tal vivente é chamado animal e sua Mônada é chamada alma”: O caso em que há um
enriquecimento perceptivo, o que permite aparecer a percepção sensível, e em que há memória. Esse
ser, que tem corpo orgânico tem o que se pode chamar de alma, o que é ligado ao movimento animal e
à organização de tal ser.
4 Ainda o problema da substância composta, que não é o tema central a ser focado.

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- “E quando esta Alma se eleva até a Razão, ela é algo mais sublime e pode ser incluída entre os
espíritos, o que logo se explicará”: Há um aprimoramento perceptivo, que faz com que surja o que é
chamado de faculdade racional; os seres dotados de razão são chamados de espíritos.
- “simples viventes e suas Almas no estado de simples Mônadas, a saber, quando suas percepções não
são suficientemente distintas para que possam recordar-se delas, como ocorre em um profundo sono
sem sonhos ou em um desmaio”: Apesar do aumento do nível perceptivo de uma mônada, ela pode
voltar a estágios inferiores, voltando a se assemelhar a simples mônadas.
- “distinguir entre a percepção, que é o estado interior da Mônada representando as coisas externas,
e a apercepção, que é a consciência ou conhecimento reflexivo desse estado interior, a qual não é
dada a todas as almas e nem sempre a mesma alma”: Percepção é representação de coisas exteriores à
mônada. Mas um ser também pode ter imagens do seu próprio interior a partir de um processo
reflexivo; surge, dessa forma, a apercepção. Um conhecimento, que não existe em todas as mônadas,
voltado para o estado interior da mesma. Mesmo os seres que têm apercepção costumam não
permanecer constantemente em estado aperceptivo.
- “desconsiderar as percepções de que não nos apercebemos, assim como o vulgo desconsidera os
corpos insensíveis”: Deve haver as percepções não apercebidas, que fundamentam os seres em estado
básico, apesar de não serem apercebidas. Os seres são definidos em termos dinâmicos, e a ausência de
atividade perceptiva significa a verdadeira morte ou fim de um ser. As apercepções podem ser
consideradas percepção de percepções.
- “ao confundirem um longo aturdimento, que provém de uma grande confusão das percepções, com
morte propriamente dita”: A morte que se nota na superfície orgânica não significa um verdadeiro
fim, visto que apenas se trata de seres em que não se nota mais sua atividade perceptiva em comum,
gerando aquela harmonia orgânica. Há apenas um tipo de retração, como poderá ser visto.
5. Existe uma ligação nas percepções dos animais que tem certa semelhança com a Razão; mas está
fundada apenas na memória dos fatos ou efeitos e de modo algum no conhecimento das causas.
Assim, um cão foge do bastão com o qual lhe bateram porque a memória lhe representa a dor que
esse bastão lhe causou. E os homens, enquanto empíricos, isto é, nas três quartas partes de suas
ações, só atuam como animais. Por exemplo, espera-se que amanhã raie o dia porque sempre se

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experimentou assim: só um astrônomo prevê tal fenômeno segundo a razão; e mesmo esta previsão
falhará, finalmente, quando a causa do dia, que não é eterna, cessar. Mas o raciocínio verdadeiro
depende das verdades necessárias ou eternas, como são a da Lógica, a dos Números e a da
Geometria, que tornam indubitável a conexão entre as ideias e infalíveis suas consequências. Os
animais, nos quais não se notam essas consequências, são chamados bestas; mas os que conhecem
essas verdades necessárias são, em sentido próprio, os que são chamados animais racionais e cujas
almas se conhece pelo nome de espíritos. Essas almas são capazes de realizar Atos reflexivos e de
considerar o que chamamos eu, Substância, Alma, Espírito, em uma palavra, as coisas e as
verdades imateriais; e é isso que nos torna capazes de ciências ou conhecimentos demonstrativos.
- “ligação nas percepções dos animais que tem certa semelhança com a Razão [...] mas está fundada
apenas na memória dos fatos ou efeitos e de modo algum no conhecimento das causas [...] um cão
foge do bastão”: Um tipo de reconhecimento de certo fato a partir de uma vivência anterior,
fundamentado no modelo da causa e efeito. O principal em tal tipo de saber é que ele se baseia na
memória, mas ainda depende da percepção. O exemplo do cão, que sofreu outrora, e que passa a
associar o fato p (pedaço de pau) com o fato q (a dor oriunda de tal objeto).
- “E os homens, enquanto empíricos, isto é, nas três quartas partes de suas ações, só atuam como
animais [...] raie o dia porque sempre se experimentou assim”: Mesmo os seres humanos, quando não
usam sua faculdade racional, derivada capacidade aperceptiva, se valem da empiria para ter
conhecimento sobre as coisas; isso de fato na maior parte do tempo. O legítimo conhecimento não
seria por conjunção de tatos, mas pelo conhecimento acerca daquilo que realmente causa algo. Como
foi afirmado, a realidade é a dimensão substancial, ao passo que há os fenômenos operando numa
superfície daquilo que se passa no campo das mônadas. O conhecimento fundamentado apenas ou,
sobretudo, em causa e efeito está muito ligado à percepção, que costuma não ser o melhor dos critérios
para revelar a verdade; mas é um conhecimento funcional5. Porém, quando se busca um conhecimento
legítimo, deve-se usar a razão, que revela a origem real dos acontecimentos no mundo, mesmo que não
se veja diretamente isso pela percepção que traz imagens do plano exterior. É a apercepção que
permite a identificação adequada daquilo que realmente acontece sob os fatos.
- “Mas o raciocínio verdadeiro depende das verdades necessárias ou eternas, como são a da Lógica,
a dos Números e a da Geometria, que tornam indubitável a conexão entre as ideias e infalíveis suas
conseqüências”: A percepção pura ou aquilo que é dado pelos sentidos, podendo ser guardado pela
memória, não é suficiente para gerar conhecimento adequado. A ligação apenas fundada em
consecução empírica não basta para revelar algo de verdadeiro, pois o fato pode não se dar como o
esperado. É preciso que seja um processo racional, o máximo possível longe das aparências, como
acontece com a lógica e a matemática.
5 Vale a pena tomar esse ponto à luz da filosofia de Hume.

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- “almas são capazes de realizar Atos reflexivos e de considerar o que chamamos eu, Substância,
Alma, Espírito, em uma palavra, as coisas e as verdades imateriais”: Capacidade de não se manter
apenas com simples percepções, sensíveis ou sem apercepção. Os atos reflexivos originados a partir da
apercepção permite a revelação de coisas que não são dadas pelo campo perceptivo primordial e
permite a formulação de conceitos (Eu, espíritoa etc. ▲ O próprio estudo aqui realizado.)
- os que conhecem essas verdades necessárias são, em sentido próprio, os que são chamados animais
racionais e cujas almas se conhece pelo nome de espíritos
- “nos torna capazes de ciências ou conhecimentos demonstrativos”: O conhecimento superior, dado
por apercepção, permite ciência e a demonstração, que são conhecimentos estritamente racionais que
independem de experiência para se instaurar como verdade (o nascimento do sol e o astrônomo).
6. As investigações dos modernos nos ensinaram, e a razão o confirma, que aqueles seres vivos cujos
órgãos conhecemos, isto é, as plantas e os animais, não provêm em absoluto de uma putrefação ou
de um Caos, como acreditavam os antigos, mas de sementes preformadas e, por conseguinte, da
Transformação dos viventes preexistentes. Nas sementes dos animais grandes há pequenos
animais que, mediante a concepção, adotam um novo revestimento do qual se apropriam, que lhes
permite se alimentar e crescer para passar a um teatro maior e realizar a propagação do animal grande.
É verdade que as Almas dos Animais Espermáticos humanos não são racionais e só chegam a sê-lo
quando a concepção destina estes animais à natureza humana. E, assim como em geral os animais não
nascem inteiramente na concepção ou geração, tampouco perecem completamente nisso que
chamamos morte, porque é razoável que o que não começa naturalmente tampouco termine
naturalmente na ordem da natureza. Assim, ao abandonar sua máscara ou seus despojos, voltam
simplesmente a um teatro mais sutil onde, contudo, podem ser tão sensíveis e estar tão bem
regulados como no maior. E o que se acaba de dizer dos grandes animais tem lugar também na
geração e na morte dos animais espermáticos; isto é, estes são desenvolvimentos de outros animais
espermáticos menores, comparados com os quais podem ser considerados grandes, pois na natureza
tudo vai ao infinito. Assim, pois, não só as Almas como também os animais são ingênitos e
imperecíveis; são apenas desenvolvidos, envolvidos, revestidos, despojados; transformados; as Almas
nunca abandonam totalmente seu corpo e não passam de um corpo a outro inteiramente novo.
Não há metempsicose, mas sim metamorfose. Os animais mudam, tomam e abandonam só partes. Isto
ocorre pouco a pouco e segundo pequenas porções insensíveis, mas continuamente, na Nutrição; e de
uma só vez, de maneira sensível, ainda que raramente, na concepção ou na morte, quando adquirem ou
perdem muito de uma vez.

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- “não provêm em absoluto de uma putrefação ou de um Caos, como acreditavam os antigos, mas de
sementes preformadas e, por conseguinte, da Transformação dos viventes preexistentes”: Não há
nascimento ou morte em absoluto, mas transformação dos seres que já povoam o mundo
(reconfiguração das coisas). Um ser que é considerado em sua plenitude, por exemplo, um ser humano
adulto preexiste de certam maneira no embrião que serviu de ponto de partida para o surgimento de tal
ser.
- “sementes dos animais grandes há pequenos animais que, mediante a concepção, adotam um novo
revestimento do qual se apropriam, que lhes permite se alimentar e crescer para passar a um teatro
maior e realizar a propagação do animal grande”: Apenas alteração na configuração orgânica.
- os animais não nascem inteiramente na concepção ou geração, tampouco perecem completamente
nisso que chamamos morte
- ao abandonar sua máscara ou seus despojos, voltam simplesmente a um teatro mais sutil onde,
contudo, podem ser tão sensíveis e estar tão bem regulados como no maior
- “Não há metempsicose, mas sim metamorfose”: as almas não transitam entre corpos, mas tem o
corpo como sua expressão enquanto ela se trata de um ponto de vista. O corpo se modifica graças ao
jogo perceptivo fundamental.
Meditação sobre o conhecimento e tipos de verdade
Voltar ao DM XXII et seq para tratar do conhecimento.