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1 A FILOSOFIA DE LEIBNIZ Curso de História da Filosofia Moderna I Prof. André Chagas Parte I A estrutura metafísica segundo Leibniz 1. A origem das coisas 1.1. O Deus leibniziano: a primeira substância, fundamento de realidade Texto base: “Da origem primeira das coisas” (Pensadores: Leibniz, 1978) e DM A origem de Deus (existência necessária) Além do mundo, ou agregado das coisas finitas, existe um ser dominante, não só como em mim a alma, ou melhor, o próprio eu em meu corpo, mas num plano muito mais elevado . - Leibniz começa pela tese: um mundo finito e composto por agregação, além de um ser dominante; semelhante à alma humana em relação ao corpo, mas numa situação mais elevada, que vale para todo o mundo. - O corpo seria unificado por uma alma, acima da sua composição (forma substancial?). Não se pode concluir apenas por esse texto. Um regente e fabricante do mundo, e ele é superior a esta obra e se encontra fora de tal obra (extramundano). - Se ele fabrica tal obra, ele é causa da mesa ou expressa a razão última das coisas. Com efeito, não se pode encontrar a razão suficiente de existir, nem em cada um dos indivíduos, nem tampouco em todo agregado e série das coisas.

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A FILOSOFIA DE LEIBNIZ

Curso de História da Filosofia Moderna I

Prof. André Chagas

Parte I

A estrutura metafísica segundo Leibniz

1. A origem das coisas

1.1. O Deus leibniziano: a primeira substância, fundamento de realidade

Texto base: “Da origem primeira das coisas” (Pensadores: Leibniz, 1978) e DM

A origem de Deus (existência necessária)

Além do mundo, ou agregado das coisas finitas, existe um ser dominante, não só como em mim a alma, ou

melhor, o próprio eu em meu corpo, mas num plano muito mais elevado.

- Leibniz começa pela tese: um mundo finito e composto por agregação, além de um ser dominante; semelhante

à alma humana em relação ao corpo, mas numa situação mais elevada, que vale para todo o mundo.

- O corpo seria unificado por uma alma, acima da sua composição (forma substancial?). Não se pode concluir

apenas por esse texto.

Um regente e fabricante do mundo, e ele é superior a esta obra e se encontra fora de tal obra (extramundano).

- Se ele fabrica tal obra, ele é causa da mesa ou expressa a razão última das coisas.

Com efeito, não se pode encontrar a razão suficiente de existir, nem em cada um dos indivíduos, nem tampouco

em todo agregado e série das coisas.

- Há a ideia de que o mundo é composto por agregação (o que significa o conjunto de certas unidades,

provavelmente indivisíveis, pois do contrário restariam apenas fenômenos, fantasmas etc.).

- A razão do que há neste mundo ou causa de sua realidade não poderia ser encontrada a partir de tais

agregados, seja tomando cada um ou algum dentre eles, seja mesmo a partir da totalidade. Eles não revelam a

razão suficiente para a realidade.

- O exemplo do livro Elementos de Geometria de Euclides: não se acha a razão de tal obra em meio à série de

cópias, ainda que se possa ter uma lei para explicar o processo das cópias. É preciso sair do conjunto das cópias

para se chegar a uma razão ou causa da produção de tal obra.

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Prova da existência de Deus a partir de uma falta de autorealização, de autoprodução, de causa-de-si-mesmo

por parte do mundo (de agregados, de coisas contingentes).

Embora, imaginássemos um mundo eterno... em cada um desses estados... em conjunto...

Hipótese: mesmo que o mundo seja eterno ou se dê na forma de uma série eterna, isso não seria suficiente para

revelar tal razão (▲ imaginar que a série de cópias dos Elementos seja eterna; isso ainda seria insuficiente para

explicar a causa ou a razão suficiente de tal livro).

...evidencia-se que a razão deve ser procurada noutra parte.

Se em tal série não se encontra a causa e a razão para a mesma ou para aquilo que nela existe, a razão deve estar

em outro lugar, não na série ou fora da série.

Nas coisas eternas, com efeito, mesmo não havendo nenhuma causa, dever conceber-se uma razão, que nas

coisas persistentes é a própria necessidade ou essência, mas na série das coisas mutáveis, se imaginássemos

eternamente produzida pela anterior, seria a própria predominância das inclinações (...) as razões não

necessitam (por uma necessidade absoluta ou metafísica, de modo que o contrário implique contradição), mas

inclinam. Disso tudo se conclui que nem na hipótese da eternidade do mundo se pode escapar à razão última

extramundana das coisas, que é Deus.

Coisas eternas

Sem causa, mas com razão: distinção entre causa e razão.

Apenas essência: a razão já se expressa na proposição; por necessidade.

Nas coisas mutáveis: se eternas, apenas na inclinação (mas é insuficiente considerar a determinação por uma

situação anterior para comprovar a realidade de algo).

Ao contrário das coisas eternas, não se prova apenas pelo princípio de não contradição, nem para a forma como

se dá, pois o que se passa antes não necessita, muito menos para comprovar a realidade.

▲Pressuposição de dois tipos de verdades ligadas a dois tipos de proposição (necessárias ou contingentes).

Mais comprovado que a suposta eternidade do mundo não pode provar a razão do mesmo.

razão última extramundana das coisas, que é Deus: a razão última deve estar fora da série, que no caso é Deus.

há de chegar-se da necessidade física, ou hipotética, que determina as coisas posteriores do mundo pelas

anteriores, a alguma coisa que seja de necessidade absoluta, ou metafísica, da qual não se possa dar a razão:

A partir da série de coisas do mundo, sem necessidade por si, que podem gerar uma série, pode-se chegar à

ideia de uma razão última necessária, que ela sim não depende de outra razão para ser sustentada.

o mundo presente é necessário física ou hipoteticamente, mas não absoluta ou metafisicamente:

Os fatos do mundo apresentam certa necessidade, não absoluta, mas física ou hipoteticamente, ou seja, uma

regularidade, não absolutamente necessária e independente de algo para lhe fornecer razão.

a última raiz deve estar em algo que seja de necessidade metafísica, e dado que a razão do existente não pode

provir senão de um existente, deve existir algum Ser único de necessidade metafísica, ou a cuja essência

pertence a existência, e portanto existir algo diverso da pluralidade dos seres, ou o mundo, que concedemos e

mostramos não ser de necessidade metafísica.

- Uma raiz última ou razão das coisas.

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- Com necessidade metafísica ou absoluta (em oposição à necessidade física, hipotética, ou mera determinação

básica).

- algum ser único (torna-se mais claro com o DM).

- cuja essência inclui existência: a existência já faz parte de sua definição.

- algo que se distingue da pluralidade encontrada no mundo.

▲ Foi dado um lugar a deus, provada a sua origem, enquanto ser necessário e causa de tudo. É preciso revelar o

deus leibniziano, mostrar suas características.

1.2 A perfeição divina

Texto base: DM I et seq.

- Um pouco da história desse texto (início da fase madura de Leibniz, sua discussão com o cartesianismo e com

Arnauld). O texto e o sumário, posteriormente fundidos.

1. Da perfeição divina e de que Deus faz tudo da maneira mais desejável.

A noção mais aceita e mais significativa que possuímos de Deus exprime-se muito bem nestes termos: Deus é

um ser absolutamente perfeito.

- Perfeição: deus é um ser absolutamente perfeito, mas por que?

Não se tem considerado, porém, devidamente, suas consequências e, para aprofundá-las mais, convém notar

que há na natureza várias perfeições muito diferentes, possuindo-as Deus todas reunidas e que cada uma lhe

pertence no grau supremo.

- Leibniz começa a explicar sua noção de perfeição.

- Diferentes perfeições, deus possuindo todas, em grau supremo.

É preciso também conhecer o que é a perfeição. Eis uma marca bem segura dela, a saber: formas ou

naturezas insuscetíveis do último grau não são perfeições, como, por exemplo, a natureza do número ou da

figura; pois o número maior de todos (ou melhor, o número dos números), bem como a maior de todas as

figuras, implicam contradição;

- formas ou naturezas insuscetíveis do último grau não são perfeições: aquilo que não atinge um máximo não

seria perfeição (por exemplo, aquilo que tem natureza numérica infinita – o maior de todos os números.

▲Indeterminação para os gregos)

- o maior dos números implica contradição.

(...) mas a máxima ciência e a onipotência não encerram qualquer impossibilidade.

- Coisas que não implicam contradição: ciência e onipotência.

- O máximo conhecimento (onisciência) e o máximo poder (onipotência): sem limites (esse é o sentido, mesmo

que se fale em infinito.

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- Onisciência: conhecer tudo aquilo que permite ser conhecido.

- Onipotência: fazer qualquer coisa, ou melhor, não poder ser impedido por nada.

Por conseguinte, o poder e a ciência são perfeições, e enquanto pertencem a Deus não têm limites.

Donde se segue que Deus, possuindo suprema e infinita sabedoria, age da maneira mais perfeita, não só em

sentido metafísico, mas também moralmente falando, podendo, relativamente a nós, dizer-se que, quanto mais

estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus, tanto mais dispostos estaremos a achá-las

excelentes e inteiramente satisfatórias em tudo o que possamos desejar (souhaíter).

- Deus possui a onisciência, o máximo sabe, sem que nada possa impedi-lo, podendo então realizar qualquer

coisa. Mas ele não se limita a operar conforme a perfeição do seu ser.

- Deus age da melhor forma também sentido moral, realiza aquilo que seria mais adequado em sentido moral

(realiza o bem em sentido absoluto, p.ex). Opera da melhor forma segundo o seu entendimento.

- Uma terceira perfeição: a bondade.

- Se estivermos mais esclarecidos, observar racionalmente a obra divina, tendemos a considerá-la bela e a nos

contentarmos com que é feito pelo criador.

1.3. O Criador e sua Obra

2. Contra os que sustentam que não há bondade nas obras de Deus, ou então que as regras da bondade e da

beleza são arbitrárias.

Assim, afasto-me muito da opinião dos que sustentam que não há quaisquer regras de bondade e de perfeição

na natureza das coisas ou nas ideias que Deus tem delas, e que as obras divinas são boas apenas pela razão

formal que Deus as fez. Se assim fosse, Deus, que bem sabe ser o seu autor, não precisaria contemplá-las

depois e achá-las boas, como testemunha a Sagrada Escritura, que parece ter recorrido a esta antropologia

apenas para nos mostrar que se conhece sua excelência olhando-as nelas mesmas, mesmo quando não se faça

reflexão alguma sobre essa pura denominação extrínseca que as refere à sua causa. Isto é tanto mais

verdadeiro quanto é pela consideração das obras que se pode descobrir o operário. Portanto, é preciso que

estas obras tragam em si o caráter de Deus. Confesso que a opinião contrária me parece extremamente

perigosa e bastante semelhante à dos últimos inovadores, cuja opinião é a beleza do universo e a bondade

atribuída por nós às obras de Deus não passarem de quimeras dos homens que concebem Deus à sua maneira.

Também me parece que afirmando que as coisas são boas tão-só por vontade divina e não por regra de

bondade destrói-se, sem pensar, todo o amor de Deus e toda a sua glória''.

- Leibniz atribui a vontade a Deus, e para que haja vontade é preciso que haja alguma forma de exercê-la, por

meio de opções. Se Deus não tivesse opções para agir, ele seria limitado no seu campo de ação e não teria como

exercer sua vontade (Espinosa, por exemplo, recusa a vontade divina).

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- Leibniz quer montar um conceito de Deus o mais adequado possível, conforme os principais atributos do

Criador.

Pois, para que louvá-lo pelo que fez, se seria igualmente louvável se fizesse precisamente o contrário? Onde,

pois, sua justiça e sabedoria, se afinal substituísse a razão e se, conforme a definição dos tiranos, o que agrada

ao mais fone fosse por isso mesmo justo?

- Louvor: Deus não seria louvável caso fizesse qualquer coisas sem ponderação, exercendo apenas a sua

vontade. Mas não é conforme o juízo de alguém que ele se torna digno de glória.

- Caso o julgamento sobre o que ele faça se limite ao mero fato de ele realizar algo, nada haveria para louvar

legitimamente acerca da sua obra, pois se fizesse diferentemente também teria o mesmo valor.

- Semelhante a um tirano, o que faz tudo que quiser, já que ele seria o mais forte e ninguém poderia impedi-lo,

restando acatar-lhe a decisão.

Ademais, parece que toda vontade supõe alguma razão de querer, razão esta naturalmente anterior à vontade.

- A vontade supõe algo para atraí-la, pois do contrário seria vazia; deve haver um objeto para atrair a vontade

ou algo julgado bom. Vontade não é algo autodeterminante. Quer-se algo, não simplesmente querer.

Eis por que me parece inteiramente estranha a expressão de alguns outros filósofos que consideram simples

efeitos da vontade de Deus as verdades eternas da metafísica e da geometria e, por conseguinte, também as

regras da bondade, da justiça e da perfeição. A mim, pelo contrário, me parece tão somente consequências de

seu entendimento, o qual seguramente em nada depende da sua vontade, assim como a sua essência também

dela não depende.

- Contra aqueles que consideram as verdades eternas simples efeitos da vontade divina.

- O julgamento ou as regras da bondade, justiça e perfeição não

(▲ Descartes a Mersenn, 14 abril)

- Os atributos de Deus devem estar bem equilibrados, poder, saber e vontade. Aquilo que é identificado pelo

autor não é objeto de sua vontade, mas do seu entendimento, que também reconhece as verdades eternas. A

busca por uma Deus coerente, que não opere apenas por um poder (irracional) absoluto ou por uma vontade

absoluta, mas que também se guie pelo seu entendimento, o qual se depara com diversas opções ou com o

julgamento acerca de diversas opções, o que gera cenário para a vontade.

III. Contra os que crêem que Deus poderia fazer melhor.

De forma alguma poderei também aprovar a opinião de alguns modernos que ousadamente sustentam que

aquilo que Deus faz não possui toda perfeição possível e que Deus poderia ter agido muito melhor.

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- Reprovação da parte de Leibniz para quem considera que Deus não exerce da melhor forma possível o seu

papel de criador perfeito e que ele teria feito uma obra que não expressaria de fato tal artesão perfeito.

(▲Isso não significa que Deus não poderia ter realizado sua obra de outra forma, um poder que ainda se

mantém; mas lembrando que ele não cria ou modifica as verdades eternas, as quais ele apenas identifica.)

Pois parece-me que as consequências dessa opinião são inteiramente contrárias à glória de Deus: Uti minus

malum habet rationem boni, ita minus bonurn habet rationem malef. É agir imperfeita-mente agir com menos

perfeição do que se teria podido.

- Quem não age da melhor maneira possível, age mal de certa forma.

É desdizer a obra de um arquiteto mostrar que poderia fazê-la melhor. Ataca-se, ainda, a Sagrada Escritura,

que nos garante a bondade das obras de Deus, Porque, se isto fosse suficiente, descendo as imperfeições ao

infinito, de qualquer modo que Deus tivesse feito sua obra, esta teria sido sempre boa, comparada às menos

perfeitas.

Porém, uma coisa não é louvável quando o é apenas dessa maneira. Creio, também, haver uma infinidade de

passagens da Sagrada Escritura e dos Santos Padres favoráveis a minha opinião, mas não muitas à desses

modernos, que, no meu entender, é desconhecida de toda a antiguidade e baseada apenas no diminuto

conhecimento que temos da harmonia geral do universo e das razões ocultas na conduta de Deus, fazendo-

nos temerariamente julgar que muitíssimas coisas poderiam ser melhoradas.

- Novamente crítica aos inovadores, que se valem de má opinião.

- Vão contra as Escrituras e contara as opiniões dos antigos.

- Se levam por um pensamento limitado acerca do mundo, pois o esforça para se ter uma visão mais global

acerca da obra de Deus mostra que ela é boa.

- Não se notam as razões ocultas de Deus, que parecem indicar que ele produz uma obra bela, a mais bela

possível, que não poderia ser melhorada, ao contrário do que pensam precipitadamente esses inovadores.

(▲ O otimismo leibniziano: tudo tem razão e este mundo traz a perfeição divina. Mesmo que não possamos ter

todo o conhecimento acerca de todos os detalhes de tal obra, ainda seria possível entende em parte, graças à

razão, um pouco daquilo que é feito pelo criador.)

Ademais, esses modernos insistem em algumas sutilezas pouco sólidas, pois imaginam nada existir tão perfeito

que não possa haver algo mais perfeito, o que é um erro.

- A perfeição não é de ordem numérica.

Acreditam, também, salvaguardar assim a liberdade de Deus, como se não constituísse a suprema liberdade

agir com perfeição segundo a razão soberana.

- Tema para o futuro!

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Pois acreditar que Deus age em algo sem haver nenhuma razão da sua vontade, além de parecer de todo

impossível, é opinião pouco conforme a sua glória. Suponhamos, por exemplo, que Deus escolha entre A e B e

tome A sem razão alguma de o preferir a B; digo ser esta ação de Deus pelo menos indigna de louvor, porque

todo louvor deve basear-se em alguma razão não existente aqui ex hipothesi. Sustento, pelo contrário, não

fazer Deus coisa alguma pela qual não mereça ser glorificado.

IV. O amor de Deus exige completa satisfação e aquiescência no tocante ao que ele faz, sem que por isso seja

preciso ser quietista.

O conhecimento geral desta grande verdade, que Deus age sempre da maneira mais perfeita e mais desejável

possível, no meu entender é o fundamento do amor que devemos a Deus sobre todas as coisas, pois aquele que

ama busca a sua satisfação na felicidade ou perfeição do objeto amado e das suas ações. Idem velle et idem

nolle vera amicitia est.

- Uma satisfação como ponto de partida, o estar antes disposto a admirar a obra divina; um amor

desinteressado. Não apenas considerar que Deus faça o melhor, mas também desejar que ele faça o melhor, para

que isso seja bom para a natureza divina.

Penso ser difícil bem-amar a Deus quando não se está disposto a querer o que ele quer, mesmo quando fosse

possível modificá-lo. Com efeito, os que não estão satisfeitos com o que ele faz me parecem semelhantes

àqueles súditos descontentes cuja intenção não difere muito da dos rebeldes, portanto, que, segundo estes

princípios, para agir em conformidade com o amor de Deus não basta ter paciência à força, mas é preciso

estar verdadeiramente satisfeito com tudo quanto nos sucedeu, segundo sua vontade.

Entendo esta aquiescência relativamente ao passado, porque, quanto ao futuro, não é preciso ser quietista,

nem esperar, ridiculamente, de braços cruzados, o que Deus fará, segundo aquele sofisma denominado pelos

antigos lógon áergon, a razão preguiçosa, mas é mister agir segundo a vontade presuntiva1 de Deus, tanto

quanto podemos julgá-la, esforçando-nos com todo o nosso poder por contribuir para o bem geral e

particularmente para o aprimoramento e perfeição do que nos toca ou nos está próximo e, por assim dizer, ao

alcance.

- Apesar de toda a submissão à atividade divina criador, não tomar uma posição passiva.

- Agir no mundo da melhor forma possível, contribuindo para toda a ordem do mundo.

Porque, mesmo quando o acontecimento porventura mostrasse não querer Deus, presentemente, que a nossa

boa vontade tenha o seu efeito, daqui não se conclui não haver Deus querido que nos fizéssemos o que

fizemos. Pelo contrário, como é o melhor de todos os senhores, nada mais exige alem da reta intenção e a ele

pertence conhecer a hora e o lugar próprios para fazer triunfar os bons desígnios.

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- Falsa impressão de injustiça, como se Deus não quisesse que se agisse bem.

- Ele que a boa intenção e a boa ação.

- triunfo dos bons desígnios: harmonia.

1.4. O critério divino

V. Em que consistem as regras de perfeição da conduta divina e como a simplicidade das vias equilibra-se

com a riqueza de efeitos.

- Após elaborar a noção de um criador racional, Leibniz passa a investigar os critérios da ação divina no

processo de eleição da obra divina.

É suficiente, portanto, ter em Deus esta confiança: ele tudo faz para o melhor e nada poderá prejudicar a

quem o ama.

- Ter uma confiança, mas não cega, pois o olhar racional revelaria a forma como Deus opera. Já se sabe que ele

não age simplesmente por vontade, sem seguir as orientações de sua razão. Não seria digno para o criador não

cria aquilo que seria o melhor, o que expressaria a sua figura, nem que ele fosse injusto, por exemplo,

condenando quem bem age.

Conhecer, porém, em particular, as razões que puderam movê-lo a escolher esta ordem do universo, permitir

os pecados e dispensar as suas graças salutares de uma determinada maneira, eis o que ultrapassa as forças

de um espírito finito, mormente (particularmente, especialmente) se ele não tiver alcançado, ainda, o gozo da

visão de Deus. Entretanto, podem-se fazer algumas considerações gerais a respeito da conduta da

Providência no governo das coisas.

- Leibniz tem uma perspectiva otimista acerca do ordenamento do mundo, Leibniz entende que há um limite

intransponível, mesmo para criaturas racionais, para que se tenha conhecimento perfeito sobre o mundo, sua

origem, sua configuração e porque tal plano e não outro.

- Caso haja boa disposição, ao menos pode-se tocar parte da razão da criação, podendo-se realizar

considerações gerais sobre a conduta divina.

Pode-se dizer que aquele que age perfeitamente é semelhante a um excelente geômetra, que sabe encontrar as

melhores construções de um problema; a um bom arquiteto, que arranja o lugar e o alicerce, destinados ao

edifício, da maneira mais vantajosa, nada deixando destoante ou destituído de toda a beleza de que é

suscetível; a um bom pai de família, que emprega os seus bens de forma a nada ter inculto nem estéril; a um

maquinista habilidoso, que atinge seu fim pelo caminho menos embaraçoso que se podia escolher; a um sábio

autor, que encerra o máximo de realidade no mínimo possível de volumes.

- Leibniz começa a apresentar casos para gerar analogias que possam expressar o procedimento divino, a

maneira como ele operaria na criação. Analogias servem para ilustrar situações de maneira, por assim dizer,

proporcional; um recurso para tentar exprimir em parte o modo como operaria o criador.

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● excelente geômetra: resolve os problemas com menos passos (mais elegância).

● bom arquiteto: associação entre melhor aproveitamento de espaço e de estrutura sem abrir mão da beleza da

construção.

● um bom pai de família: figura zelosa que cuida dos seus bens, cultiva bem a terra (nesse caso) e gera riqueza

suficiente para sua casa.

● maquinista habilidoso: saber desenvolver bem máquinas, com complexidade suficiente, nem mais nem

menos, para produzir certo resultado.

● sábio autor: talvez a expressão mais próxima do criador; consegue associar o máximo de realidade com a

menor quantidade volume ou de gasto possível. (▲Se fosse escolher entre os volumes, escolheria a esfera.)

Ora, os mais perfeitos de todos os seres e os que ocupam menos volume, isto é, os que menos se estorvam são

os espíritos, cujas perfeições são as virtudes. Eis por que não se deve duvidar de que o principal fim de Deus

seja a felicidade dos espíritos e de que Deus o exercite na medida em que a harmonia geral o permita. Sobre

este ponto diremos algo mais, em breve.

- Seres que menos estorvam, que podem bem agir (de modo semelhante ao criador PNG e sem considerar que

não se pode agir bem no caso da criatura, pois ela não deve se voltar ao fatalismo e considerar que não importa

o que ela fizer) e contribuir para a beleza do mundo.

● Espíritos: criaturas racionais.

- Tema muito controverso: Deus cujo principal fim seria a felicidade dos espíritos.

No que se refere à simplicidade das vias de Deus, esta se realiza propriamente em relação aos meios, como,

pelo contrário, a variedade, riqueza ou abundância se realizam relativamente aos fins ou efeitos. E ambas as

coisas devem equilibrar-se, como os gastos destinados a uma construção com o tamanho e a beleza, nela

requeridos.

- Simplicidade das vias diz respeita ao caminho para se chegar a algo; o resultado do processo é o fim ou o

efeito, ele é o fim.

Verdade é nada custar a Deus, bem menos ainda do que a um filósofo que levanta hipóteses para a fábrica do

seu mundo imaginário, pois para Deus é suficiente decretar para fazer surgir um mundo real. Em matéria de

sabedoria, porém, os decretos ou hipóteses representam os gastos, à medida que são mais independentes uns

dos outros, porque manda a razão evitar a multiplicidade nas hipóteses ou princípios, quase como em

astronomia, onde o sistema mais simples é sempre preferido.

- A busca por imagens para exprimir o criador, mas sempre imperfeitas, mas que podem dar alguma noção

acerca do processo da ação divina.

- O ser humano e seu aspecto limitado.

- Decretos e hipóteses representam gastos e geram complexidade ou multiplicidade.

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- Razão e simplicidade – vias mais simples e evidência. A razão como ordenamento, como aquilo que une da

forma mais simples.

Da origem primeira

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Recap: Deus é a causa e razão última da realidade das coisas no mundo, pois não seriam elas mesmas capazes

de se autocriar.

- Das verdades eternas, surgem as verdades temporais. O contingente depende de algo necessário para fixá-lo.

- Há algo a invés de nada, o que exigiria um motivo para tal (se Deus cria algo conforme o seu caráter de ser

perfeito absoluto, é porque ele reconhece que isso é melhor do que nada criar).

- Há diversas possibilidades de criação, ou seja, diversas coisas que podem vir a existir ou coisas, planos

possíveis, que em sua essência inclui a possibilidade de existência, sem que elas possam se autorealizar. –

pretensão a existir.

● Perfeição e quantidade de essência (▲ Deus, mais perfeito, portanto, com maior quantidade de essência). Se

algo tem essência mais rica, mais próxima da perfeição, tende mais a existir.

● Os possíveis tendem, por si só, a existir, sem que isso gere imediatamente a sua realidade; há a contraparte, o

criador.

- A existência ocorre segundo a regra do máximo e do mínimo: máximo de efeito com o mínimo de gasto.

● A busca pelo melhor preenchimento, um máximo possível com aquilo que se dispõe.

● Triângulo equilátero e a via mais curta.

● O máximo possível consonante a capacidade do tempo e do lugar (fenômenos).

VI. Deus nada faz fora da ordem e nem mesmo é possível forjar acontecimentos que não sejam regulares.

As vontades ou ações de Deus dividem-se, comumente, em ordinárias e extraordinárias. Mas é bom considera-

se que Deus nada faz fora da ordem. Assim, aquilo que é tido por extraordinário, o é apenas relativamente a

alguma ordem particular estabelecida entre as criaturas, pois quanto à ordem universal tudo está em

conformidade com ela. É tão verdadeiro isto que, não só nada acontece no mundo que seja absolutamente

irregular, mas nem sequer tal se poderia forjar.

- A posição leibniziana em defesa da máxima ordem (tudo tem razão e tudo está absolutamente em ordem).

- Há o ordinário e o extraordinário, mas apenas do ponto de vista das criaturas.

- No limite, ordem a asbsoluta.

- Aquilo que parece fora de ordem se caracteriza como tal apenas em relação à particular estabelecida entre

as criaturas (▲ máximas subalternas ou, por exemplo, leis físicas).

- De fato, nada irregular no mundo.

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Suponhamos, por exemplo, que alguém lance ao acaso muitos pontos sobre o papel, como os que exercem a

arte ridícula da geomancia. Digo que é possível encontrar uma linha geométrica cuja noção seja constante

uniforme segundo uma certa regra, de maneira a passar esta linha por todos estes pontos e na mesma ordem

em que a mão os marcara. E se alguém traçar de uma só vez, uma linha ora reta, ora circular, ora de

qualquer outra natureza é possível encontrar a noção, regra ou equação comum a todos os pontos desta

linha, mercê da qual essas mesmas mudanças devem acontecer.

- Geomancia: arte de adivinhação na terra a partir dos traços que se pode extrair de corpos lançados

aleatoriamente.

- Uma linha que passe por todos os pontos a partir de uma regra (função).

- Mesmo que se façam linhas de diversos tipos, ainda haveria uma equação comum entre elas, que revelaria

todos os opontos.

Não existe, por exemplo, rosto algum cujo contorno não faça parte de uma linha geométrica e não possa

desenhar-se de um só traço por certo movimento regulado.

- Mesmo uma figura que não parece regular também tem sua regra.

Mas, quando uma regra é muito complexa, tem-se por irregular o que lhe está conforme.

- A complexidade de uma regra ou a incapacidade de abarcá-la é que faz com que se pense que não haja

regularidade ou ordem.

Assim pode-se dizer que, de qualquer maneira que Deus criasse mundo, este teria sido sempre regular e

dentro de certa ordem geral. Deus escolheu, porém, o mais perfeito, quer dizer, ao mesmo tempo o mais

simples em hipóteses e o mais rico em fenômenos, tal como seria o caso de uma linha geométrica de

construção fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão.

- Deus, enquanto ser racional e absoluto, sempre criaria as coisas em ordem (para continuar a ser digno de

glória).

- Mas, não bastaria utilizar parcialmente sua razão e suas capacidades, pois ele deveria utilizá-las ao limite e em

acordo entre si.

- O uso máximo da razão ocorre conforme o critério de máximo e mínimo (uma linha geométrica de construção

fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão).

Recorro a estas comparações para esboçar alguma imperfeita semelhança com a sabedoria divina e dizer

algo a fim de poder, pelo menos, elevar o nosso espírito a conceber de algum modo o que não se saberia bem

exprimir. Mas de maneira alguma pretendo explicar assim o grande mistério de que depende todo o universo.

- Sempre o esforço de buscar uma imagem que revele de forma mais apropriada possível a operação divina.

- Se é imagem, é sempre imperfeita, mas não há outra forma para tentar expressar o caráter divino de criação.

Não é possível explicá-lo detalhadamente.

VII. Que os milagres são conformes â ordem geral, embora contrários às máximas subalternas, e do que

Deus quer ou permite por vontade geral ou particular.

Ora, visto nada se poder fazer fora da ordem, pode-se dizer que os milagres também estão na ordem como as

operações naturais, assim denominadas porque estão em conformidade com certas máximas subalternas, a

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que chamamos natureza das coisas; pois se pode dizer que esta natureza é apenas um costume de Deus, do

qual pode dispensar-se, por causa de uma razão mais forte do que a que o moveu a servir-se destas máximas.

Quanto às vontades gerais ou particulares, conforme as encaremos, pode-se dizer que Deus tudo faz segundo

a sua vontade mais geral, conforme à mais perfeita ordem que escolheu; mas pode-se também dizer que tem

vontades particulares, exceções dessas máximas subalternas sobreditas, porque a mais geral das leis de Deus,

reguladora de toda a série do universo, não tem exceção*.

Pode-se dizer ainda, também, que Deus quer tudo o que é objeto de sua vontade particular; mas quanto aos

objetos de sua vontade geral, tais como as ações das outras criaturas, particularmente das racionais, com as

quais Deus quer concorrer, é preciso distinguir: se a ação é boa em si, pode-se dizer que Deus a quer e

ordena algumas vezes, mesmo que não aconteça; porém, se é má em si e só por acidente se torna boa, porque

a série das coisas e especialmente o castigo e a reparação corrigem sua malignidade e recompensam seu mal

com juros, de sorte a existir, finalmente, muito mais perfeição em toda a série do que se todo o mal não tivesse

sucedido, deve-se dizer que Deus a permite, e não que ele a quer, embora concorra para ela por causa das leis

naturais que estabeleceu e porque sabe tirar daí um bem maior.

(*) VN e VC (p. 382-84)

(...) hay también [proposiciones] que son verdaderas casi siempre, al menos en el orden natural, de suerte que

la excepción se atribuye a milagro; aun más,estimo que hay en esta serie de las cosas ciertas proposiciones

universalísimamente verdaderas que no han de infringirse jamás ni siquiera por milagro, no porque Dios no

tenga el poder de infringirlas, sino porque él mismo, cuando eligió esta serie de cosas, con eso mismo decreto

observarias (como propiedades específicas de esta misma serie elegida de las cosas). Y con estas

proposiciones, uma vez establecidas en virtud dei decreto divino, puede darse razón de otras proposiciones

contingentes, ya sean universales, ya sean válidas de ordinário, que pueden constatarse en este universo [6].

Pues de las primeras leyes esenciales de la serie, verdaderas sin excepción, que contienen íntegra la meta de

Dios al elegir el universo, y que por lo mismo incluyen también los milagros, pueden derivarse las leyes

subalternas de la naturaleza, que poseen sólo una necesidad física, cuya vigência se suspende unicamente por

milagro fundado en una intuición de alguna causa final más importante; por último, de estas leyes subalternas

se desprenden otras cuya universalidad es aún menor, y Dios puede también revelar a las criaturas las

demostraciones de este género de universales intermédios derivados los unos de los otros (una parte de los

cuales constituye la ciência física). Pero nunca puede llegarse con análisis alguno a las leyes universalísimas

ni a las razones perfectas de las cosas singulares, pues este conocimiento, necesariamente, es propio sólo de

Dios.

(...)

Que esta piedra tiende hacia abajo si se le quita el apoyo no es una proposición necesaria, sino contingente, y

este evento no puede demostrarse a partir de la noción de esta piedra, recurriendo a nociones universales que

entran en aquélla, y por esto sólo Dios lo entiende perfectamente. Por una parte, él sólo sabe si acaso no va a

Page 13: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

13

suspender él mismo por milagro aquella ley subalterna de la naturaleza, en virtud de la cual las cosas pesadas

son impulsadas hacia abajo; por otra parte, los otros no comprenden las leyes universalí-simas, ni pueden

pasar por el análisis infinito que es menester para conectar la noción de esta piedra con la noción dei universo

todo, o sea, con las leyes universalísimas. Con todo, puede al menos saberse, de antemano, sobre la base de las

leyes subalternas de la naturaleza, que si la ley de la gravedad no es suspendida por mila-gro, se efectua la

caída.

● Notar o índice de racionalismo leibniziano: tudo tem razão ou para tudo há razão, desde a origem do mundo.

● Lei geral divina, sem exceção.

● Leibniz não pensaria qualquer limite para a razão?

● Para o mundo e sua origem não.

● Para as criaturas humanas, parece que sim. Já há um indício ao revelar que não se pode entender por

completo a obra divina, apenas da indicação da presença de razão na origem do mundo.

● Portanto, do ponto de vista objetivo, haveria uma razão; mas tal objetividade seria limitada no caso daquele

que conhece, pois ele teria limites subjetivos (natureza limitada da criatura).

● Conhecimento e condições ou limites de conhecimento.

2. SUBSTÂNCIA

VIII. Explica-se em que consiste a noção de uma substância individual afim de se distinguirem as ações de

Deus e as das criaturas.

É muito difícil distinguir as ações de Deus das ações das criaturas, pois há quem creia que (1) Deus faz tudo,

enquanto outros imaginam que (2) conserva apenas a força que deu às criaturas. A sequência mostrará como

se podem dizer (1+2) ambas as coisas.

- A dificuldade em separar as ações de Deus em relação às ações das criaturas, principalmente quando se

considera que aquele é o criador destas.

- 1. Deus faz tudo: ele seria o único agente, e toda vez que houvesse alguma ação no mundo, ela seria na

verdade uma ação direta divina (▲ocasionalismo?).

● Risco teológico.

- 2. [Deus] conserva apenas a força que deu às criaturas: Deus apenas interferiria na manutenção das ações,

mas a direção seria dada pelas criaturas.

- 1 + 2. ambas as coisas: Leibniz busca manter coerentemente as duas posições (▲ o costume leibniziano de

conciliar posições distintas).

● Manter Deus como criador e como conservador das atividades das criaturas, mas sem interferir na direção

por elas tomadas e sem interferir a todo tempo na ordem das coisas.

Ora, visto as ações e paixões pertencerem propriamente às substâncias individuais (actiones sunt

suppositorum), torna-se necessário explicar o que é tal substância.

Page 14: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

14

- Substância individual: a forma como Leibniz nomeia as unidades substancias básicas ou as unidades

ontológicas, segundo o seu pensamento.

● Um nome que não será sempre utilizado, mas é que uma das primeiras tentativas de expressão da base de

realidade.

- as ações e paixões pertencerem propriamente às substâncias individuais: substância é fundamento de

realidade, mas aqui também é fundamento de ação (▲ as ações e mesmo as paixões, ao contrário do que se

costuma entender na filosofia, são incorporadas na definição de substância)

● O papel de sede das ações ainda ganhará mais força no decorrer do desenvolvimento da filosofia leibniziana.

- O próximo passo é definir tal noção de substância (individual).

● Nota-se que o autor fala em indivíduo; a substância é uma um tipo de indivíduo e há diversas substâncias

(não uma ou duas, mas substâncias individuais).

É correto, quando se atribui grande número de predicados a um mesmo sujeito e este não é atribuído a

nenhum outro, chamá-lo substância individual, isto, porém, não é suficiente, e tal explicação é apenas

nominal. É preciso considerar, portanto, o que é ser atribuído verdadeiramente a um certo sujeito.

- Inspiração lógica.

A. Primeira definição:

● Grande número de predicados em um mesmo sujeito, sem que ele possa ser atribuído a outro sujeito (não S’

in S’’).

● Uma definição apenas nominal, o que significa que pode ser colocada em questão, pois ainda preciso

acrescentar outro elemento para torná-la certeira e inquestionável.

● Faltaria indicar o que significa o ser atribuído verdadeiramente a um certo sujeito.

Ora, consta que toda predicação verdadeira tem algum fundamento na natureza das coisas, e quando uma

proposição não é idêntica, isto é, quando o predicado não está compreendido (a) expressamente no sujeito, é

preciso que esteja compreendido nele (b) virtualmente. A isto chamam os filósofos in-esse, dizendo estar o

predicado no sujeito. É preciso, pois, o termo do sujeito conter sempre o do predicado, de tal forma que quem

entender perfeitamente a noção do sujeito julgue também que o predicado lhe pertence.

B. Definição complementar 1:

● Toda predicação se fundamenta na natureza das coisas (em geral, não somente em objetos sensíveis)

● Tipos (exclusivos: um ou outro) de proposição (cujo resultado deve ser verdade):

● (a) Proposições em que o predicado se encontra expressamente no sujeito (identidades, necessárias,

essenciais, definições etc.).

● (b) Proposições em que o predicado se encontra virtualmente no sujeito (contingentes, acidentais, não-

essenciais, possíveis).

● A noção geral da verdade: O predicado estar contido na noção do sujeito.

● In-esse: o estar em (S in P ou S é P).

● O predicado deve sempre se associar a algum sujeito (a dependência lógica do predicado).

Page 15: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

15

● A dependência (unilateral) do predicado é tão forte ao ponto de que quem tiver entendimento perfeito do

sujeito poderá imediatamente julgar que o predicado lhe pertence.

Isto posto, podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser completo consiste em ter

uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do

sujeito a que se atribui esta noção; ao passo que o acidente é um ser cuja noção não contém tudo quanto se

pode atribuir ao sujeito a que se atribui esta noção.

- Feita as colocações anteriores:

- B. Definição complementar 2:

● [N]atureza de uma substância individual ou de um ser completo: uma substância individual um ser completo,

indivíduo e completude.

● Noção tão completa e tão perfeita, a qual permite compreender ou deduzir (com sentido mais fraco ou não

puramente lógico) de si todos os predicados pertencentes a tal noção (lembrando que se trata de um tipo de

sujeito, o que significa que tem certos predicados que lhe pertencem, os quais por sua vez dependem em

absoluto de tal noção-sujeito).

● O acidente (o predicado) não tem o privilégio de ser a sede principal da noção do sujeito, pois ele não revela

a mesma posição do sujeito ou a centralidade do sujeito em termos de predicação.

(▲ A substância individual é montada sobre a noção de um sujeito absoluta, que não apenas é sede ou foco de

predicação, mas também é ponto em se ancoram a totalidade dos seus predicados, o que significa que ele deve

ter tudo o que lhe pertence ou pode lhe pertence em sua noção. Do contrário, ele poderia não cumprira a

primeira cláusula da não atribuição a outro sujeito. Para definir algo como substância, em primeiro lugar, isso

dever ter uma noção absolutamente completa. Isso fica mais claro com o próprio exemplo de Leibniz abaixo.)

Assim, abstraindo do sujeito, a qualidade de rei pertencente a Alexandre Magno não é suficientemente

determinada para um indivíduo, nem contém as outras qualidades do mesmo sujeito, nem tudo quanto

compreende a noção deste príncipe, ao passo que Deus, vendo a noção individual ou a ecceidade de

Alexandre, nela vê ao mesmo tempo o fundamento e a razão de todos os predicados que verdadeiramente dele

se podem afirmar, como, por exemplo, que vencerá Dario e Poro, e até mesmo conhece nela a priori (e não

por experiência), se morreu de morte natural ou envenenado, o que nós só podemos saber pela história.

- Qualidade rei: algo incompleto, pois mesmo que tenha certa definição, ela não é completa, podendo ser

atribuída a um sujeito, por exemplo, Alexandre.

- Alexandre Magno: noção completa, que contém todos os seus predicados, que por sua vez, no limite,

dependem de algo como este personagem para se associar.

- A noção de uma substância é tão completa, contendo em absoluto todos os predicados, independentemente de

sua modalidade (expressa ou virtual), que permite um conhecimento a priori.

● Existe tal tipo de conhecimento, mas ele privilégio de tal tipo de conhecimento vale apenas para Deus; para

nós, resta o conhecimento por experiência ou pela vivência do próprio fato.

Page 16: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

16

Igualmente, quando se considera convenientemente a conexão das coisas, pode-se afirmar que há desde toda a

eternidade na alma de Alexandre vestígios de tudo quanto lhe sucedeu, marcas de tudo o que lhe sucederá e,

ainda, rastos de tudo quanto se passa no universo, embora só a Deus caiba reconhecê-los todos.

- Uma noção que contém todos fotos ligados a tal sujeito-substância (passado, presente, futuro).

IX. Cada substância singular exprime todo o universo à sua maneira; e em sua noção estão compreendidos

todos os seus acontecimentos com todas as circunstâncias e toda a série das coisas exteriores.

Seguem-se daqui vários paradoxos consideráveis, entre outros, por exemplo, não ser verdade duas

substâncias assemelharem-se completamente e diferirem apenas solo numero, e o que Santo Tomás afirma

neste ponto dos anjos ou inteligências (quod ibi omne individuum sit specie infima, ▲ “que nesse caso todo

sujeito é espécie ínfima”) é verdade de todas as substâncias, desde que se tome a diferença específica como a

tomam os geômetras relativamente às suas figuras;

item, que uma substância só poderá começar por criação, e só por aniquilamento perecer; não se dividir uma

substância em duas, nem de duas se formar uma, e assim, naturalmente, o número de substâncias não

aumenta nem diminui, embora frequentemente elas se transformem.

Ademais, toda substância é como um mundo completo e como um espelho de Deus, ou melhor, de todo o

universo, expresso por cada uma à sua maneira, quase como uma mesma cidade é representada diversamente

conforme as diferentes situações daquele que a olha.

Assim, de certo modo, o universo é multiplicado tantas vezes quantas substâncias houver, e a glória de Deus

igualmente multiplicada por todas essas representações de sua obra completamente diferentes.

Pode-se até dizer que toda substância traz de certa maneira o caráter da sabedoria infinita e da onipotência

de Deus e imita-o quanto pode.

Pois exprime, embora confusamente, tudo o que acontece no universo, passado, presente ou futuro, o que tem

certa semelhança com uma percepção ou conhecimento infinito;

e como todas as outras substâncias por sua vez exprimem esta e a ela se acomodam, pode-se dizer que ela

estende seu poder a todas as outras, à imitação da onipotência do Criador.

X Que há algo sólido na opinião das formas substanciais, mas que estas formas não alteram em nada os

fenômenos e não devem de modo algum ser empregadas para a explicação dos efeitos particulares.

Page 17: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

17

Parece que tanto os antigos como muitas pessoas hábeis e acostumadas a meditações profundas, que há

séculos ensinaram teologia e filosofia, algumas sendo recomendáveis pela sua santidade, tiveram algum

conhecimento do que acabamos de dizer. Eis por que introduziram e mantiveram as formas substanciais tão

desacreditadas atualmente. Porém, não se afastam tanto da verdade nem são tão ridículos como imagina o

comum de nossos novos filósofos.

Concordo que a consideração destas formas no pormenor da física é inútil e que não se deve empregá-las na

explicação dos fenômenos em particular. Eis onde falharam

os nossos escolásticos e, a exemplo seu, os médicos do passado, pensando dar a razão das propriedades dos

corpos recorrendo às formas e qualidades, em vez de examinarem o modo de operação, como quem se

contentasse em dizer que um relógio tem a qualidade horodítica, proveniente de sua forma, sem considerar

em que consiste tudo isto.

O que, com efeito, pode bastar ao comprador, desde o momento em que abandone esse cuidado a outrem. Mas

esta falha e mau uso das formas não devem nos levar a rejeitar uma coisa cujo conhecimento é tão

necessário em metafísica que, sem ele, creio que não se poderia conhecer bem os primeiros princípios, nem

elevar suficientemente o espírito ao conhecimento das naturezas incorpóreas e das maravilhas de Deus.

No entanto, assim como um geômetra não tem necessidade de embaraçar o espírito no famoso labirinto da

composição do contínuo, e nenhum filósofo moral, e ainda menos um jurisconsulto ou político, precisa entrar

a fundo nas grandes dificuldades existentes na conciliação do livre-arbítrio com a providência de Deus, visto

poder o geômetra terminar todas as suas demonstrações e o político todas as suas deliberações sem nenhum

deles entrar nestas discussões, que, contudo, são necessárias e importantes na filosofia e teologia; do mesmo

modo pode um físico explicar as experiências servindo-se quer das experiências mais simples já realizadas,

quer das demonstrações geométricas e mecânicas, sem necessidade do recurso a considerações gerais, que

pertencem a uma outra esfera;

e se recorre, para esse fim, ao concurso de Deus, ou então de alguma alma, arquê ou outra coisa desta

natureza, é tão extravagante como quem numa importante deliberação prática quisesse entrar em grandes

raciocínios sobre a natureza do destino e da nossa liberdade. Com efeito, os homens cometem com frequência

esta falta, inconsideradamente, quando embaraçam o espírito na consideração da fatalidade, e mesmo, por

vezes, afastam-se por este motivo de alguma boa resolução ou de algum cuidado necessário.

XI. Que não são completamente de desprezar as meditações dos teólogos e filósofos chamados escolásticos.

Page 18: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

18

Sei afirmar um grande paradoxo ao pretender reabilitar de certo modo a antiga filosofia, e recordar

postlitninio as quase banidas formas substanciais. Porém, talvez não me condenem levianamente quando

souberem que meditei demoradamente sobre a filosofia moderna; dediquei muito tempo às experiências da

física e demonstrações da geometria, e bastante tempo estive persuadido da vacuidade destes entes, retomados

afinal quase à força e bem contra minha vontade, depois de eu próprio ter procedido a investigações que me

levaram a reconhecer não fazerem os nossos modernos justiça devida a Santo Tomás e a outros grandes

homens daquele tempo, e haver nas opiniões dos filósofos e teólogos escolásticos bem maior solidez do que se

imagina, desde que delas nos utilizemos com propriedade e no lugar devido.

Estou mesmo persuadido de que um espírito exato e meditativo encontraria nelas um tesouro de imensas

verdades muito importantes e absolutamente demonstrativas, desde que se desse ao trabalho de esclarecer e

assimilar os pensamentos deles à maneira dos geômetras analíticos.

XII Que as noções que consistem na extensão contêm algo de imaginário e não poderiam constituir a

substância dos corpos.

Porém, para retomar o fio das nossas considerações, creio que quem meditar sobre a natureza da substância,

acima explicada, verificará não consistir apenas na extensão, isto é, na grandeza, figura e movimento, toda a

natureza do corpo, mas ser preciso necessariamente reconhecer nela algo relacionado com as almas e que

vulgarmente se denomina forma substancial, muito embora esta não modifique em nada os fenômenos, tanto

como a alma dos irracionais, se a possuem.

Pode-se até mesmo demonstrar que a noção da grandeza, da figura e do movimento não possui a distinção que

se imagina e que contém algo imaginário e relativo às nossas percepções, como o são ainda (embora bastante

mais) a cor, o calor e outras qualidades semelhantes, cuja existência verdadeira na natureza das coisas fora

de nós se pode pôr em dúvida.

Por isso tais espécies de qualidades não podem constituir qualquer substância. E se não há nenhum outro

princípio de identidade no corpo, além do que acabamos de dizer, nunca um corpo subsistirá mais do que um

momento. No entanto, as almas e as formas substanciais dos outros corpos são bem diferentes das almas

inteligentes, únicas que conhecem as suas ações e, não só nunca perecem naturalmente, mas também

conservam sempre o fundamento do conhecimento do que são.

Eis o que as torna únicas suscetíveis de castigo e de recompensa e cidadãs da república do universo, de que

Deus é monarca. Também se deduz daqui o dever de todas as restantes criaturas as servirem. A este

propósito voltaremos a falar mais amplamente.

(Passa-se a sessão XIII)

Page 19: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

19

XIV Deus produz diversas substâncias conforme as diferentes perspectivas que tem do universo e, por sua

intervenção, a natureza própria de cada substância implica que o que acontece a uma corresponda ao que

acontece a todas as outras, sem que ajam imediatamente umas sobre as outras.

Conhecido, de certo modo, em que consiste a natureza das substâncias, temos de explicar a dependência que

têm umas das outras e as suas ações e paixões. Ora, em primeiro lugar, é bem manifesto que as substâncias

criadas dependem de Deus, que as conserva e até continuamente as produz por uma espécie de emanação,

como produzimos os nossos pensamentos. Pois Deus, virando, por assim dizer, de todos os lados e maneiras o

sistema geral dos fenômenos que considera bom produzir para manifestar a sua glória, e observando todos os

aspectos do mundo de todas as formas possíveis (porque não existe nenhuma relação que escape à sua

onisciência), faz com que o resultado de cada visão do universo, enquanto contemplado de um certo lugar, seja

uma substância expressando o universo conforme a essa perspectiva, desde que Deus ache conveniente

realizar o seu pensamento e produzir esta substância.

E como a visão de Deus é sempre verdadeira, as nossas percepções igualmente o são, mas nossos juízos, que

são apenas nossos, nos enganam.

- A diferença entre a percepção e o juízo sobre aquilo que é percebido. No segundo caso é que se fala em V ou

F.

● As nossas ideias e a verificação de tais ideias (representação e conteúdo da ideia).

● Diversas formas de representação (p. ex., pictórica ou simplesmente conceitual, função, πR2).

● As ideias podem assumir a estrutura proposicional.

▲A busca cartesiana por conhecimento perfeito, intuitivo (cogito), ou o correspondente (idêntico) da ideia,

gerando verdade inquestionável.

▲ O ideal é o conhecimento distinto, intuitivo.

Ora, já dissemos mais acima, e segue-se do que acabamos de dizer, que cada substância é como um mundo à

parte, independente de qualquer outra coisa, excetuando Deus. Assim, todos os nossos fenômenos, quer dizer,

tudo quanto alguma vez pode acontecer-nos, são apenas consequências de nosso ser.

E como esses fenômenos conservam uma certa ordem conforme à nossa natureza ou, por assim dizer, ao

mundo existente em nós, o que nos permite, para regular nossa conduta, a possibilidade de efetuar observações

úteis, justificadas pelo acontecimento de fenômenos futuros e assim podermos, muitas vezes, sem engano

julgar o futuro pelo passado, isto seria suficiente para se afirmar que esses fenômenos são verdadeiros, sem

nos afligirmos a investigar se existem fora de nós e se outros os apercebem também.

- Conservação dos fenômenos, que expressam certa ordem (▲ Mas, não uma ordem lógica-dedutiva, pois do

contrário risco para a liberdade).

No entanto, é bem verdade que as percepções ou expressões de todas as substâncias se entrecorrespondem de

tal sorte que qualquer um, seguindo atentamente certas razões ou leis que observou, se encontra com outro

que fez o mesmo, como quando várias pessoas, tendo combinado encontrar-se reunidas em algum lugar e em

Page 20: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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um dia prefixado, podem efetivamente fazê-lo, se o desejarem. Ora, se bem que todos exprimam os mesmos

fenômenos, nem por isso as suas expressões se identificam; é suficiente que sejam proporcionais.

- Uma situação de encontro pode ser exprimida por duas perspectivas, conforme os pontos de vista de cada

agente no evento.

Do mesmo modo vários espectadores crêem ver a mesma coisa e efetivamente se entendem entre si, embora

cada um veja e fale na medida da sua perspectiva. Somente Deus, de quem todos os indivíduos emanam

continuamente, e que vê o universo não só como eles vêem, mas também de modo inteiramente diverso de

todos eles, pode ser causa desta correspondência dos seus fenômenos e tornar geral para todos o que é

particular a cada um. De outra forma não haveria possibilidade de ligação.

- Deus faz a ligação.

De certo modo e no bom sentido, embora afastado do usual, poder-se-á dizer que nunca uma substância

particular atua sobre uma outra substância particular, e tampouco padece, se os eventos de cada uma são

considerados apenas como consequência de sua simples ideia ou noção completa; pois esta ideia contém já

todos os predicados ou acontecimentos e exprime todo o universo.

Com efeito, nada pode acontecer-nos além de pensamentos e percepções, e todos os nossos futuros

pensamentos e percepções não passam de consequências, embora contingentes, dos nossos pensamentos e

percepções anteriores, de tal modo que, se eu fosse capaz de considerar distintamente tudo quanto nesta hora

me acontece ou aparece, nessa percepção poderia ver tudo quanto me acontecerá e aparecerá sempre, o que

não falharia e aconteceria da mesma maneira, embora tudo quanto existisse fora de mim fosse destruído,

desde que restassem Deus e eu.

Visto, porém, atribuirmos a outras coisas, como às causas agentes sobre nós, aquilo de que nos apercebemos

de uma certa maneira, é preciso considerar o fundamento deste juízo e o que há de verdadeiro nele.

- Juízo e apercepção.

XV. A ação de uma substância finita sobre outra consiste apenas no acréscimo do grau de sua

expressão, junto à diminuição do da outra, na medida em que Deus as obriga a se acomodarem

entre si.

A fim de conciliar a linguagem metafísica com a prática, mas sem entrar em longa discussão, basta

notar por ora que nos atribuímos de preferência e com razão os fenômenos que exprimimos mais

perfeitamente, e atribuímos às outras substâncias o que cada uma exprime melhor. Assim, uma

substância de extensão infinita, enquanto exprime tudo, torna-se limitada pela maneira da sua

expressão mais ou menos perfeita.

- A diferença entre registros discursivos: realidade/racional X fenômenos.

E assim, portanto, que se pode conceber que as substâncias se estorvem mutuamente ou se limitem e,

por conseguinte, neste sentido pode-se afirmar que elas agem umas sobre as outras, sendo por assim

Page 21: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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dizer obrigadas a acomodar-se entre si, pois pode suceder que uma mudança aumente a expressão de

uma, diminuindo a de outra. Ora, a virtude de uma substância particular é exprimir bem a glória de

Deus, e é por isso que ela é menos limitada. E cada coisa, quando exerce sua virtude ou potência,

quer dizer, quando age, muda para melhor e se estende enquanto age.

Assim, pois, quando se dá uma mudança afetando várias substâncias (como efetivamente qualquer

mudança toca a todas), creio poder dizer-se que, devido a isso, aquela substância que passa

imediatamente a um mais alto grau de perfeição ou a uma expressão mais perfeita exerce sua

potência e age, e a que passa a um menor grau revela sua fraqueza e padece. Também sustento que

toda ação de uma substância que tem perfeição implica algum prazer e toda paixão, alguma dor, e

vice-versa. Pode muito bem acontecer, no entanto, uma vantagem presente ser desfeita em seguida por

um mal muito maior. Donde se conclui a possibilidade de pecar agindo ou exercendo sua potência e

encontrando prazer nela

XVI. O concurso extraordinário de Deus está compreendido no que a nossa essência exprime, pois

esta expressão se estende a tudo, mas ultrapassa as forças da nossa natureza ou da nossa expressão

distinta, que é finita e segue certas máximas subalternas.

Presentemente, só resta explicar a possibilidade de Deus exercer algumas vezes influencia sobre os

homens ou sobre as outras substâncias por um concurso extraordinário e miraculoso , pois, segundo

parece, nada pode suceder-lhes de extraordinário ou de sobrenatural, já que todos os seus

acontecimentos são apenas consequências da sua natureza.

Mas é preciso recordar o que dissemos antes relativamente aos milagres do universo, sempre

conformes à lei universal da ordem geral, embora acima das máximas subalternas. E, desde que

toda pessoa ou substância é como um pequeno mundo exprimindo o grande, pode-se dizer,

igualmente, que essa ação extraordinária de Deus sobre essa substância não deixa de ser miraculosa,

muito embora compreendida na ordem geral do universo, enquanto expressado pela essência ou

noção individual dessa substância. Por isto, se compreendemos na nossa natureza tudo que ela

expressa, nada é nela sobrenatural, pois se estende a tudo, já que um efeito exprime sempre a sua

causa, e Deus é a verdadeira causa da substância.

- No limite, nada sobrenatural.

Porém, como o que a nossa natureza expressa com maior perfeição lhe pertence de maneira

particular (pois nisto consiste a sua potencia, e esta é limitada, como acabo de explicar), há muitas

coisas ultrapassando as forças da nossa natureza e ainda a de todas as naturezas limitadas. Por

conseguinte, no intuito de falar mais claramente, digo que os milagres e concursos extraordinários de

Deus possuem de característico o não poderem ser previstos pelo raciocínio de algum espírito

criado, por mais esclarecido que seja, porque a distinta compreensão da ordem geral ultrapassa a

Page 22: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

22

todos, ao passo que tudo o que chamamos de natural depende das máximas menos gerais, que as

criaturas podem compreender.

- Um Gap intransponível.

- Os fenômenos na natureza são apenas conforme nossa perspectiva, mas não revelam a ordem mais

geral.

Para as palavras serem tão irrepreensíveis como o sentido, seria bom unir certas maneiras de falar a

certos pensamentos, e poderia denominar-se nossa essência ou ideia o que compreende tudo quanto

exprimimos, e, como exprime a nossa união com o próprio Deus, não tem limites e nada a

ultrapassa. Porém, o que em nós é limitado poderá chamar-se a nossa natureza ou potência , e, a

esse respeito, tudo o que ultrapassa as naturezas de todas as substâncias criadas é sobrenatural.

Page 23: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

23

O novo aspecto das substâncias

G. W. LEIBNIZ, Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão, acrescentado de

comentário1.

Assim como a Monadologia, o Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão texto da fase

madura do autor, quase final da sua vida. O Discurso de Metafísica pertence a um período

intermediário (por volta de 1684), mas representa uma fase em que o autor esboça conceitos essenciais

acerca da substância, os quais ele antes modificará ao invés de abandoná-los.

1. A substância é um Ser capaz de Ação. Ela é simples ou composta. A substância simples é aquela

que não tem partes. A composta é a reunião das substâncias simples ou Mônadas. Monas é uma

palavra grega que significa unidade ou o que é uno. Os compostos ou os corpos são Multiplicidades, e

as Substâncias simples, as Vidas, as Almas, os Espíritos são unidades. É preciso que em toda parte

haja substâncias simples porque sem as simples não haveria as compostas. Por conseguinte, toda a

natureza está plena de vida.

- Substância: ser capaz de ação: começa-se por uma perspectiva dinâmica, não por um composto

das coisas; será importante notar o que é fundamento daquilo que existe, mas não tem característica

estática, como foi por muito tempo pensado acerca do ser. (▲Fala-se em ação, mas não significa

ênfase no deslocamento espacial, pois substância não é definida em termos espaciais, de extensão

ou de figura.)

● Enfatiza-se a ideia de ação, não começando pela perspectiva lógica, como no DM.

- Simples ou composta: problema, pois ao se procurar o que é fundamento, busca-se um

indivisível. Se composto, tem partes mais básicas. A substância em sentido estrito ou

propriamente dita deve ser simples. O que seria essa substância composta?

- A noção de que deve haver uma simples, um elemento último.

- Entra o termo Mônada para referir-se à substância. Monas: unidade ou o que é uno.

- Vidas, as Almas, os Espíritos são unidades. Substâncias simples, vidas, almas, espíritos:

unidades. Sinônimos, mas com carga conceitual distinta.

- Composto ou corpos: multidões.

- Em toda parte, há substâncias simples, a base do que há. Sem elas, não haveria o composto, que

não é substancia propriamente dita.

- Sempre substância: em todas as partes.

1 Ter mais atenção com os termos em negrito. O que vem grifado expressa uma problema que pode ser tratado mais à frente. O símbolo “▲” expressa minha interpretação.

Page 24: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

24

- Vitalismo leibniziano: Toda a natureza está plena de vida: em tudo, há substância.

2. As Mônadas, não tendo partes, não podem ser formadas nem destruídas. Não podem começar

nem terminar naturalmente e duram, por conseguinte, tanto quanto o universo, que será mudado,

mas não será destruído. Não podem ter figuras, caso contrário, teria partes; e, por conseguinte, uma

Mônada em si mesma, e em um momento dado, não poderia distinguir-se de outra a não ser pelas

qualidades e ações internas, que não podem ser outra coisa senão suas percepções (isto é, as

representações do composto ou do que é externo no simples) e suas apetições (isto é, suas passagens

ou tendências de uma percepção a outra), que são os princípios da mudança. Pois a simplicidade da

substância não impede a multiplicidade das modificações, que devem ocorrer simultaneamente nesta

mesma substância simples, e devem consistir na variedade das relações com as coisas que estão fora.

É como um centro ou ponto no qual, por mais simples que seja, existem uma infinidade de ângulos

formados pelas linhas que para ele convergem.

- Nem formadas, nem destruídas, pois não têm partes; não existem por composição.

- Não começar nem acabar naturalmente, por si ou por algo espontâneo (lembrar criação); mas

agem espontaneamente.

- Não poder ter figura, pois isso faz com que haja partes (por isso a impossibilidade de substância

composta – investigar mais isso na sequência). Não pode também ser por extensão; contra

Descartes.

- Duração enquanto durar o universo (criado); o mundo é composto por substâncias, o que revela

uma reciprocidade na questão do existir.

(▲ O número de substâncias no mundo não se altera; ele se mantém integralmente como é. Lembrar

também que Deus não intervém no mundo, alterando a ordem das coisas ou lhe extraindo ou lhe

acrescentando substâncias.)

- Diferenciam-se de outra pelas qualidades e ações internas, as quais são tão-só as suas percepções, a

representações do composto ou daquilo que lhe é exterior. (▲Duas substâncias não podem ter as

mesmas propriedades, pois do contrário serão o mesmo ser; essa diferença doravante será marcada

pelas percepções).

Percepção: algo próximo do que entendemos por nossas percepções, sentidos, mas numa dimensão

mais básica, pois as nossas percepções já exprimem um grau de riqueza superior à nossa percepção

animal. Isso permite o acesso ao mundo, àquilo que é exterior a uma substância ou o mundo que a

cerca.

(▲ Uma perspectiva do mundo, um espelho local.)

Page 25: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

25

- Apetições: tendências de uma substância para se mover de uma percepção para outra. São seres

simples, mas se mantém em movimento; apesar da sua simplicidade de essência, sem partes, há uma

multiplicidade perceptiva. Por isso a ideia de um ponto e de infinitos ângulos que o atravessam.

- O movimento é essencial para as mônadas, pois enquanto existirem, se moverão. A natureza de tal

movimento se deve à passagem de uma percepção para outra. A apetição é princípios da mudança,

cujo fundamento é a percepção.

- Isso gera uma variedade de relações com as coisas que estão fora, graças às diversas representações

do plano exterior que lhe adentrarão.

▲A blindagem da noção de uma mônada. Cf. Monadologia: 7, 8,13, 14 15.

Percepção (in: André C. F. Souza, Tese, pp. 113-115):

No ambiente fechado dos infinitos seres, o filósofo [Leibniz] conclui que uma substância

mantém relação com outra por meio do que ele chamou de percepção, que pode ser genericamente

definida como a representação do múltiplo na unidade (Mon 10-14). Além das ações ou das

tendências (qualidades que estão no cerne da noção de enteléquia), as substâncias têm percepções, que

dizem respeito às suas qualidades internas. Leibniz reforça constantemente a tese da necessidade de

distinção entre as substâncias graças ao que está no interior de cada uma. Os seres não podem se

diferenciar apenas numericamente. A extensão e a matéria não se demonstram aptas para tal

diferenciação; as propriedades individuais são o principal critério para essa distinção. As propriedades

estão diretamente ligadas ao conjunto das ações de cada substância; é preciso entender a fonte desses

atos. Nesse ponto, entram as percepções, que têm não apenas a função de gerar as ações e a distinção

de cada ser, como também o papel extra de ligar cada substância ao mundo com que ela se harmoniza.

Sem que estas duas dimensões não estejam separadas, no seu registro fundamental metafísico,

o conceito de percepção não se limita à percepção sensível2, o que torna difícil apreender todo o seu

sentido, o que não proíbe que se tente explicar um pouco no que consistiria a percepção em uma

substância.

Na filosofia leibniziana, de alguma maneira um ser (de noção independente e completa) pode

ter acesso ao que se passa no mundo que ele integra e se distinguir dos outros seres que o acompanham

na formação do mundo que habita. Cada ser se diferencia pela sua atividade ou pelas suas tendências,

que lhe são exclusivas, pois se outro ser praticasse as mesmas ações, isso poderia significar que se

trataria de um só conceito para mais de um ser; algo inaceitável na filosofia de Leibniz. Para auxiliar

na compreensão dessas características da substância que Leibniz encontrou apoio na percepção.

2 A percepção sensível é um desdobramento do conceito fundamental de percepção como se notará em seguida.

Page 26: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

26

Uma substância sempre está em estado perceptivo, pois perceber é o fundamento básico

ligado à própria existência dos seres. Em virtude da percepção, o mundo exterior entra na substância.

A contraparte disso são as representações do plano em que os seres vivem. Pode-se dizer que enquanto

percebe uma substância tem, por assim dizer, imagens do mundo.

A percepção se liga intimamente à atividade de um ser, porque assim como ele não

interrompe seu estado perceptivo, ele também não se detém em uma percepção, mas busca novas

percepções. A passagem de uma percepção para outra é chamada por Leibniz de apetição. Da mesma

forma como as percepções são constantes, as apetições também o são. Elas também estão no centro das

ações; são o princípio de mudança (PNG 2).

No pensamento de Leibniz, toda criatura age em função de um fim caso se pense que ela se

move na busca por percepção. As percepções podem ser tomadas como direcionadoras das ações. Cada

substância busca novas imagens no mundo e, dessa maneira, cada ser se liga a um plano graças às suas

percepções, que também serão fonte de ações por levarem a ocorrência de apetição. O conjunto das

percepções de uma substância diz respeito diretamente ao seu conceito e faz com que a substância seja

um ponto de vista exclusivo no mundo.

Já é preciso deixar claro que as atividades de todos os seres são primordialmente perceptivas e

representativas (NE II xxi 35). Isso é apenas um passo inicial que não se interrompe por aí, já que as

substâncias não buscam apenas aumentar suas percepções, mas também aprimorá-las, o que tem

reflexo no o seu estado ou nível de ser. Isso permite um enriquecimento de um ser, graças a um

processo ligado às percepções, às apetições e mesmo ao prazer. Na filosofia de Leibniz, todo ser é

movido por prazer, porém não pelo prazer como normalmente se conhece. Resta saber como se dá

essa escalada na atividade perceptiva e que mudanças ela ocasiona nas substâncias e nas suas

atividades.

3.3 Na natureza tudo é pleno. Há substâncias simples em toda parte, efetivamente separadas umas

das outras por ações próprias, que mudam continuamente suas relações; e cada substância simples

ou Mônada distinta, que constitui o centro de uma substância composta (como, por exemplo, de um

animal) e o princípio de sua unicidade, está rodeada por uma massa composta de uma infinidade de

outras Mônadas, que constituem o corpo próprio desta Mônada central, a qual representa, segundo

as afecções desse corpo, como em uma espécie de centro, as coisas que estão fora dela. E este corpo é

orgânico quando forma uma espécie de Autômato ou Máquina da Natureza, que é máquina não

apenas no todo, como também nas mais ínfimas partes, que podem ser observadas. E como tudo

está ligado devido à plenitude do mundo, e cada corpo atua em maior ou menor medida sobre

cada um dos demais, segundo a distância, sendo por sua vez afetado por reação, segue-se que cada

3 ▲ATENÇÃO: Parte mais difícil do texto, acerca da substância composta. Mas não exigirei a compreensão perfeita dessa parte, mas antes uma noção do problema a ela ligado. Prestar mais atenção nas características da substância simples, mônada.

Page 27: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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Mônada é um Espelho vivo, ou dotado de ação interna, representativo do universo, segundo seu

ponto de vista, e tão regulado como o próprio universo. Na Mônada, as percepções nascem umas de

outras segundo as leis dos Apetites ou das causas finais do bem e do mal, que consistem nas

percepções notáveis, reguladas ou desreguladas, assim como as mudanças dos corpos e os fenômenos

externos nascem uns de outros segundo as leis das causas eficientes, isto é, dos movimentos. Assim,

há uma harmonia perfeita entre as percepções da Mônada e os movimentos dos corpos,

preestabelecida de antemão entre o sistema das causas eficientes e o das causas finais, e nisto

consiste o acordo e a união física da alma e do corpo, sem que um deles possa mudar as leis do

outro.

- Na natureza tudo é pleno; substâncias simples em toda parte: Ser, substância ou mônada em tudo o

que existe. [▲Há apenas o pleno, sem vazio (o existente é ser, é substância; o vazio expressaria o não

ser, o que não é.)].

- Substâncias separadas umas das outras por ações próprias: cada ser se diferencia do outro (nunca

identidade de noção) graças às suas ações, que ocorrerem graças às apetiçoes, as quais por sua vez têm

as percepções como fundamento.

- Substâncias mudam continuamente suas relações: as substâncias se relacionam umas com as outras

graças às percepções, não por uma relação causal direta. Assim como há variação nas percepções, por

causa da constante busca por novas percepções, as apetiçoes, há variação também nas relações entre

substâncias.

- Substância constitui o centro de uma substância composta, por exemplo, de um animal.

- O princípio de sua unicidade, rodeada por uma massa composta de uma infinidade de outras

Mônadas, que constituem o corpo próprio desta Mônada central: uma mônada rodeada por outras, uma

massa, o que faz com que surja o corpo.

- Autômato ou Máquina da Natureza, que é máquina não apenas no todo, como também nas mais

ínfimas partes, que podem ser observadas. Não é uma máquina movida por um mecanismo de

engrenagens, mas por máquinas menores.

- Aparece o corpo próprio, em que há uma mônada central ou dominante.

- Um ser que se destaca em relação aos outros que o cercam; suas afecções e percepções também se

destacam. O corpo orgânico expressa a mônada central. Todos os seres que estão nessa composição

agem conforme uma dinâmica de grupo, mas por si mesmo (Futuramente será tratado o índice de

adequação perceptivo).

Page 28: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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(▲Em suma, substância composta: uma mônada dominante cercada por diversas substâncias que

contribuem para a formação de um corpo orgânico. Tal corpo não existe na dimensão metafísica, mas

apenas na física, em que impera os fenômenos, aquilo que aparece ou que surge para os sentidos.)

- Como tudo está ligado devido à plenitude do mundo, e cada corpo atua em maior ou menor medida

sobre cada um dos demais, segundo a distância: tudo no mundo está ligado, todas as substâncias se

relacionam graças às percepções; todas as mônadas se afetam de forma perceptiva.

- Espelho vivo, ou dotado de ação interna, representativo do universo, segundo seu ponto de vista, e

tão regulado como o próprio universo: lembrar que o mundo é absolutamente organizado, pois seus

componentes são completamente ordenados. Tudo ligado como num “quebra-cabeça”, mas sem

qualquer espaço entre as peças, pois o mundo é um pleno.

- Mônada sempre ligada a um corpo; particular e ponto de vista (▲ distinta de Deus, que é totalidade,

sendo que apenas o mundo completo o reflete).

- As percepções nascem umas de outras segundo as leis dos Apetites, a busca por uma nova percepção.

- As causas finais do bem e do mal, que consistem nas percepções notáveis: uma linguagem já para

percepções mais ricas, as dos seres humanos; por isso percepções notáveis. A apetição pode ser tratada

como o desejo (perseguir um bem, evitar um mal)

- Uma harmonia perfeita entre as percepções da Mônada e os movimentos dos corpos.

- Causas eficientes: a grande novidade no período moderno da filosofia. A relação causal entre corpos.

- Causas finais (teleologia): noção clássica para o movimento; a perseguição de um bem ou o

cumprimento de uma natureza.

Forma para explicar a união física da alma e do corpo, sem que um deles possa mudar as leis do outro.

Duas dimensões distintas, mas que podem entrar em harmonia.

▲Real (dimensão da substância, da alma) e fenômeno (dimensão da matéria, do corpo).

André C. F. de Souza, Tese pp. 111-112

A radicalização da tese sobre as substância individuais gerou uma forte separação entre esses

componentes do mundo. Essa explicação se diverge do que se nota no mundo visível, onde acontecem

diversas relações causais entre coisas, onde há a impressão de umas serem empurradas por outras, o

que traz novamente o problema da relação inter-substâncias. Leibniz entende que a legítima maneira

Page 29: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

29

como acontecem os atos é tão difícil de ser notada quanto a distinção das reais unidades do mundo,

que vão para além da matéria. Dessa forma, ele distingue duas regiões, a real, expressa pela metafísica

e notada intelectualmente, onde se entende que estão as substâncias, e a dos fenômenos, onde acontece

a percepção sensível. São duas zonas que podem entrar em harmonia, pois aquilo que ocorre no âmbito

das substâncias pode se exprimir no plano dos fenômenos. No campo das substâncias, há o império das

causas finais por causa do argumento que trata das ações pertencentes aos respectivos seres. Mas esse

plano da pura finalidade pode ser expresso pela relação de causalidade no plano sensível. [...]

Leibniz pede para que se fique atento ao que está escondido na região alcançada pelos

sentidos. Graças a vários problemas, Leibniz se viu obrigado a retomar o pensamento dos antigos para

alcançar respostas que lhe fossem satisfatórias (DM X-XI). A ideia de substâncias fundamentadas nas

noções de matéria e extensão e a de que os movimentos se dariam apenas por causalidade eficiente

foram as que não resistiram às investigações leibnizianas, mesmo que o plano visível as corroborasse.

Ele nota a necessidade de tratar as unidades substancias em outros moldes, o de acompanhar a

tendência clássica da filosofia de buscar realidades para além do visível com o auxílio do logos. O

mundo dos fenômenos, captado pelos sentidos, torna velado aquilo que pode ser visto apenas

intelectualmente pelas criaturas, e não pelos seus olhos convencionais. O mundo dos fenômenos é a

representação do assentamento das substâncias, que é o encadeamento de suas ações, que são

detectadas por um terceiro. Em suma, há relação entre seres por encontros marcados (em função da

noção completa), os quais são objeto de percepção sensível de outro, que por sua vez também participa

ativamente dessas relações.

4. Cada Mônada, com seu corpo particular, constitui uma substância viva. Desse modo não só há

vida em toda parte, incorporada nos membros ou órgãos, como também há uma infinidade de graus

entre as Mônadas, e umas dominam mais ou menos as outras. Mas, quando a Mônada tem órgãos

tão ajustados que graças a eles ganham relevo e distinção as impressões que eles recebem e, por

conseguinte, também as percepções que os representam (como, por exemplo, quando, mediante a

configuração dos humores dos olhos, os raios da luz se concentram e atuam com maior força), então se

pode chegar até o sentimento, quer dizer, até uma percepção acompanhada de memória, isto é, uma

percepção cujo eco perdura durante muito tempo, fazendo-se ouvir na ocasião apropriada; tal

vivente é chamado animal e sua Mônada é chamada alma. E quando esta Alma se eleva até a Razão,

ela é algo mais sublime e pode ser incluída entre os espíritos, o que logo se explicará. É verdade que

os Animais se encontram às vezes no estado de simples viventes e suas Almas no estado de simples

Mônadas, a saber, quando suas percepções não são suficientemente distintas para que possam

recordar-se delas, como ocorre em um profundo sono sem sonhos ou em um desmaio. Mas as

percepções que se tornaram inteiramente confusas devem voltar a desenvolver-se nos animais pelas

razões que direi mais adiante no § 12. Assim, é bom distinguir entre a percepção, que é o estado

interior da Mônada representando as coisas externas, e a apercepção, que é a consciência ou

Page 30: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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conhecimento reflexivo desse estado interior, a qual não é dada a todas as almas e nem sempre a

mesma alma. Foi por não ter feito esta distinção que os cartesianos erraram, ao desconsiderar as

percepções de que não nos apercebemos, assim como o vulgo desconsidera os corpos insensíveis.

Foi isto também que levou estes mesmos cartesianos a acreditar que só os espíritos são Mônadas, que

não existem almas dos animais e menos ainda outros princípios de vida. E, assim como chocaram

demasiado a opinião comum dos homens recusando sentimento aos animais, conformaram-se

demasiadamente, pelo contrário, aos preconceitos do vulgo, ao confundirem um longo aturdimento,

que provém de uma grande confusão das percepções, com morte propriamente dita, na qual

cessaria qualquer percepção. Isto reforçou a opinião mal fundada da destruição de algumas almas e o

pernicioso sentimento de alguns espíritos fortemente presunçosos que combateram a imortalidade

da nossa.

- “há uma infinidade de graus entre as Mônadas, e umas dominam mais ou menos as outras” 4: Graus

entre as mônadas ou seres, e tal gradação cria uma hierarquia entre seres, o que tem reflexo no campo

dos fenômenos.

- “órgãos tão ajustados que graças a eles ganham relevo e distinção as impressões que eles recebem

e, por conseguinte, também as percepções”: Aquilo que é resultado a partir da reunião entre diversas

mônadas, havendo assim a substância composta ou mônada dominante cerca por um corpo orgânico,

permite um aprimoramento ou enriquecimento das percepções, sobretudo da dominante. Surge, assim,

a percepção sensível.

- “se pode chegar até o sentimento, quer dizer, até uma percepção acompanhada de memória, isto é,

uma percepção cujo eco perdura durante muito tempo”: O enriquecimento perceptivo permite que as

representações perceptivas ou imagens do plano exterior sejam mais fortemente gravadas, e tais

imagens podem ser recuperadas ou reavivadas. Deve-se acompanhar tal escalada perceptiva por

completo, sem saltos; sem percepção sensível, não há memória.

- “tal vivente é chamado animal e sua Mônada é chamada alma”: O caso em que há um

enriquecimento perceptivo, o que permite aparecer a percepção sensível, e em que há memória. Esse

ser, que tem corpo orgânico tem o que se pode chamar de alma, o que é ligado ao movimento animal e

à organização de tal ser.

4 Ainda o problema da substância composta, que não é o tema central a ser focado.

Page 31: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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- “E quando esta Alma se eleva até a Razão, ela é algo mais sublime e pode ser incluída entre os

espíritos, o que logo se explicará”: Há um aprimoramento perceptivo, que faz com que surja o que é

chamado de faculdade racional; os seres dotados de razão são chamados de espíritos.

- “simples viventes e suas Almas no estado de simples Mônadas, a saber, quando suas percepções não

são suficientemente distintas para que possam recordar-se delas, como ocorre em um profundo sono

sem sonhos ou em um desmaio”: Apesar do aumento do nível perceptivo de uma mônada, ela pode

voltar a estágios inferiores, voltando a se assemelhar a simples mônadas.

- “distinguir entre a percepção, que é o estado interior da Mônada representando as coisas externas,

e a apercepção, que é a consciência ou conhecimento reflexivo desse estado interior, a qual não é

dada a todas as almas e nem sempre a mesma alma”: Percepção é representação de coisas exteriores à

mônada. Mas um ser também pode ter imagens do seu próprio interior a partir de um processo

reflexivo; surge, dessa forma, a apercepção. Um conhecimento, que não existe em todas as mônadas,

voltado para o estado interior da mesma. Mesmo os seres que têm apercepção costumam não

permanecer constantemente em estado aperceptivo.

- “desconsiderar as percepções de que não nos apercebemos, assim como o vulgo desconsidera os

corpos insensíveis”: Deve haver as percepções não apercebidas, que fundamentam os seres em estado

básico, apesar de não serem apercebidas. Os seres são definidos em termos dinâmicos, e a ausência de

atividade perceptiva significa a verdadeira morte ou fim de um ser. As apercepções podem ser

consideradas percepção de percepções.

- “ao confundirem um longo aturdimento, que provém de uma grande confusão das percepções, com

morte propriamente dita”: A morte que se nota na superfície orgânica não significa um verdadeiro

fim, visto que apenas se trata de seres em que não se nota mais sua atividade perceptiva em comum,

gerando aquela harmonia orgânica. Há apenas um tipo de retração, como poderá ser visto.

5. Existe uma ligação nas percepções dos animais que tem certa semelhança com a Razão; mas está

fundada apenas na memória dos fatos ou efeitos e de modo algum no conhecimento das causas.

Assim, um cão foge do bastão com o qual lhe bateram porque a memória lhe representa a dor que

esse bastão lhe causou. E os homens, enquanto empíricos, isto é, nas três quartas partes de suas

ações, só atuam como animais. Por exemplo, espera-se que amanhã raie o dia porque sempre se

Page 32: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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experimentou assim: só um astrônomo prevê tal fenômeno segundo a razão; e mesmo esta previsão

falhará, finalmente, quando a causa do dia, que não é eterna, cessar. Mas o raciocínio verdadeiro

depende das verdades necessárias ou eternas, como são a da Lógica, a dos Números e a da

Geometria, que tornam indubitável a conexão entre as ideias e infalíveis suas consequências. Os

animais, nos quais não se notam essas consequências, são chamados bestas; mas os que conhecem

essas verdades necessárias são, em sentido próprio, os que são chamados animais racionais e cujas

almas se conhece pelo nome de espíritos. Essas almas são capazes de realizar Atos reflexivos e de

considerar o que chamamos eu, Substância, Alma, Espírito, em uma palavra, as coisas e as

verdades imateriais; e é isso que nos torna capazes de ciências ou conhecimentos demonstrativos.

- “ligação nas percepções dos animais que tem certa semelhança com a Razão [...] mas está fundada

apenas na memória dos fatos ou efeitos e de modo algum no conhecimento das causas [...] um cão

foge do bastão”: Um tipo de reconhecimento de certo fato a partir de uma vivência anterior,

fundamentado no modelo da causa e efeito. O principal em tal tipo de saber é que ele se baseia na

memória, mas ainda depende da percepção. O exemplo do cão, que sofreu outrora, e que passa a

associar o fato p (pedaço de pau) com o fato q (a dor oriunda de tal objeto).

- “E os homens, enquanto empíricos, isto é, nas três quartas partes de suas ações, só atuam como

animais [...] raie o dia porque sempre se experimentou assim”: Mesmo os seres humanos, quando não

usam sua faculdade racional, derivada capacidade aperceptiva, se valem da empiria para ter

conhecimento sobre as coisas; isso de fato na maior parte do tempo. O legítimo conhecimento não

seria por conjunção de tatos, mas pelo conhecimento acerca daquilo que realmente causa algo. Como

foi afirmado, a realidade é a dimensão substancial, ao passo que há os fenômenos operando numa

superfície daquilo que se passa no campo das mônadas. O conhecimento fundamentado apenas ou,

sobretudo, em causa e efeito está muito ligado à percepção, que costuma não ser o melhor dos critérios

para revelar a verdade; mas é um conhecimento funcional5. Porém, quando se busca um conhecimento

legítimo, deve-se usar a razão, que revela a origem real dos acontecimentos no mundo, mesmo que não

se veja diretamente isso pela percepção que traz imagens do plano exterior. É a apercepção que

permite a identificação adequada daquilo que realmente acontece sob os fatos.

- “Mas o raciocínio verdadeiro depende das verdades necessárias ou eternas, como são a da Lógica,

a dos Números e a da Geometria, que tornam indubitável a conexão entre as ideias e infalíveis suas

conseqüências”: A percepção pura ou aquilo que é dado pelos sentidos, podendo ser guardado pela

memória, não é suficiente para gerar conhecimento adequado. A ligação apenas fundada em

consecução empírica não basta para revelar algo de verdadeiro, pois o fato pode não se dar como o

esperado. É preciso que seja um processo racional, o máximo possível longe das aparências, como

acontece com a lógica e a matemática.

5 Vale a pena tomar esse ponto à luz da filosofia de Hume.

Page 33: A+Filosofia+de+Leibniz Curso

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- “almas são capazes de realizar Atos reflexivos e de considerar o que chamamos eu, Substância,

Alma, Espírito, em uma palavra, as coisas e as verdades imateriais”: Capacidade de não se manter

apenas com simples percepções, sensíveis ou sem apercepção. Os atos reflexivos originados a partir da

apercepção permite a revelação de coisas que não são dadas pelo campo perceptivo primordial e

permite a formulação de conceitos (Eu, espíritoa etc. ▲ O próprio estudo aqui realizado.)

- os que conhecem essas verdades necessárias são, em sentido próprio, os que são chamados animais

racionais e cujas almas se conhece pelo nome de espíritos

- “nos torna capazes de ciências ou conhecimentos demonstrativos”: O conhecimento superior, dado

por apercepção, permite ciência e a demonstração, que são conhecimentos estritamente racionais que

independem de experiência para se instaurar como verdade (o nascimento do sol e o astrônomo).

6. As investigações dos modernos nos ensinaram, e a razão o confirma, que aqueles seres vivos cujos

órgãos conhecemos, isto é, as plantas e os animais, não provêm em absoluto de uma putrefação ou

de um Caos, como acreditavam os antigos, mas de sementes preformadas e, por conseguinte, da

Transformação dos viventes preexistentes. Nas sementes dos animais grandes há pequenos

animais que, mediante a concepção, adotam um novo revestimento do qual se apropriam, que lhes

permite se alimentar e crescer para passar a um teatro maior e realizar a propagação do animal grande.

É verdade que as Almas dos Animais Espermáticos humanos não são racionais e só chegam a sê-lo

quando a concepção destina estes animais à natureza humana. E, assim como em geral os animais não

nascem inteiramente na concepção ou geração, tampouco perecem completamente nisso que

chamamos morte, porque é razoável que o que não começa naturalmente tampouco termine

naturalmente na ordem da natureza. Assim, ao abandonar sua máscara ou seus despojos, voltam

simplesmente a um teatro mais sutil onde, contudo, podem ser tão sensíveis e estar tão bem

regulados como no maior. E o que se acaba de dizer dos grandes animais tem lugar também na

geração e na morte dos animais espermáticos; isto é, estes são desenvolvimentos de outros animais

espermáticos menores, comparados com os quais podem ser considerados grandes, pois na natureza

tudo vai ao infinito. Assim, pois, não só as Almas como também os animais são ingênitos e

imperecíveis; são apenas desenvolvidos, envolvidos, revestidos, despojados; transformados; as Almas

nunca abandonam totalmente seu corpo e não passam de um corpo a outro inteiramente novo.

Não há metempsicose, mas sim metamorfose. Os animais mudam, tomam e abandonam só partes. Isto

ocorre pouco a pouco e segundo pequenas porções insensíveis, mas continuamente, na Nutrição; e de

uma só vez, de maneira sensível, ainda que raramente, na concepção ou na morte, quando adquirem ou

perdem muito de uma vez.

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- “não provêm em absoluto de uma putrefação ou de um Caos, como acreditavam os antigos, mas de

sementes preformadas e, por conseguinte, da Transformação dos viventes preexistentes”: Não há

nascimento ou morte em absoluto, mas transformação dos seres que já povoam o mundo

(reconfiguração das coisas). Um ser que é considerado em sua plenitude, por exemplo, um ser humano

adulto preexiste de certam maneira no embrião que serviu de ponto de partida para o surgimento de tal

ser.

- “sementes dos animais grandes há pequenos animais que, mediante a concepção, adotam um novo

revestimento do qual se apropriam, que lhes permite se alimentar e crescer para passar a um teatro

maior e realizar a propagação do animal grande”: Apenas alteração na configuração orgânica.

- os animais não nascem inteiramente na concepção ou geração, tampouco perecem completamente

nisso que chamamos morte

- ao abandonar sua máscara ou seus despojos, voltam simplesmente a um teatro mais sutil onde,

contudo, podem ser tão sensíveis e estar tão bem regulados como no maior

- “Não há metempsicose, mas sim metamorfose”: as almas não transitam entre corpos, mas tem o

corpo como sua expressão enquanto ela se trata de um ponto de vista. O corpo se modifica graças ao

jogo perceptivo fundamental.

Meditação sobre o conhecimento e tipos de verdade

Voltar ao DM XXII et seq para tratar do conhecimento.