Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

25
Agostinho da Silva Diário de Alcestes Sai a público esta reedição do belo livro, DIÁRIO DE ALCESTES, do Prof. Agostinho da Silva publicado originalmente em Edição do Autor. Tal como em todas as restantes reedições de livros seus que honram o nosso Catálogo, o Prof. Agostinho da Silva não efectuou qualquer revisão destes textos. Ao contrário de um certo jornalismo dito cultural e de algumas figuras do nosso meio universitário, nós entendemos que a descoberta da sua obra (e da sua vida!) por parte em especial da juventude é um bom augúrio para os exaltantes tempos de mudança que estamos a viver à entrada do terceiro milénio. SACRIFÍCIO Há países em que os espíritos mais dados à carreira de pensar a cada momento se sentem obrigados à explicação do que é mais simples, mais elementar, mais suposto em todos os discursos. O esclarecimento do vocabulário, o regresso pedagógico a noções-base, o desfazer dos enganos inverosímeis que surgem da incultura e dos adormecidos raciocínios impedem-nos de atingir as alturas e de nos dar as obras para que estavam preparados e que, noutro terreno, romperiam seguras. Eles próprios, naturalmente, têm consciência desse contínuo quebrar de voos; a maior extensão e maior vigor da consciência são, de facto, o que eleva o homem sobre o homem; e, como o percebem, como sabem medir, melhor do que ninguém, a distância a que ficam do ponto que se tinham destinado, têm um momento de desânimo, uma dúvida sobre a utilidade dos anos gastos, um desespero de, por impossibilidade dos outros, não terem chegado à meta desejada; não valeria mais a pena agrilhoar-se ao mastro grande e vogar direito à sua pátria? Certamente o podem fazer os que só têm talento, pela perfeita razão de que lhes está vedado qualquer outro caminho; o especialismo filológico ou o especialismo poético ou o especialismo filosófico renunciam a explicar e nem sequer chegam a sentir, na maior parte das vezes, o seu afastamento do comum; se o sentem transformam-no em virtude 1

Transcript of Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Page 1: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Agostinho da Silva

Diário de Alcestes

Sai a público esta reedição do belo livro, DIÁRIO DE ALCESTES, do Prof. Agostinho da Silva publicado originalmente em Edição do Autor.

Tal como em todas as restantes reedições de livros seus que honram o nosso Catálogo, o Prof. Agostinho da Silva não efectuou qualquer revisão destes textos.

Ao contrário de um certo jornalismo dito cultural e de algumas figuras do nosso meio universitário, nós entendemos que a descoberta da sua obra (e da sua vida!) por parte em especial da juventude é um bom augúrio para os exaltantes tempos de mudança que estamos a viver à entrada do terceiro m i l é n i o .

SACRIFÍCIO

Há países em que os espíritos mais dados à carreira de pensar a cada momento se sentem obrigados à explicação do que é mais simples, mais elementar, mais suposto em todos os discursos. O esclarecimento do vocabulário, o regresso pedagógico a noções-base, o desfazer dos enganos inverosímeis que surgem da incultura e dos adormecidos raciocínios impedem-nos de atingir as alturas e de nos dar as obras para que estavam preparados e que, noutro terreno, romperiam seguras.Eles próprios, naturalmente, têm consciência desse contínuo quebrar de voos; a maior extensão e maior vigor da consciência são, de facto, o que eleva o homem sobre o homem; e, como o percebem, como sabem medir, melhor do que ninguém, a distância a que ficam do ponto que se tinham destinado, têm um momento de desânimo, uma dúvida sobre a utilidade dos anos gastos, um desespero de, por impossibilidade dos outros, não terem chegado à meta desejada; não valeria mais a pena agrilhoar-se ao mastro grande e vogar direito à sua pátria?Certamente o podem fazer os que só têm talento, pela perfeita razão de que lhes está vedado qualquer outro caminho; o especialismo filológico ou o especialismo poético ou o especialismo filosófico renunciam a explicar e nem sequer chegam a sentir, na maior parte das vezes, o seu afastamento do comum; se o sentem transformam-no em virtude e para eles talvez seja virtude; um homem de talento, de particular habilidade, atirado para o campo do geral, arrisca-se a nem colher o fruto que as limitações lhe oferecem, nem flutuar no mar da relação.Mas há mais perfeitas criações; da mão de Deus saiu, num grau mais alto que o talento, a inteligência que permite ao homem regressar até ele; os que a possuem não podem afastar-se das estradas e deixar seguir, na escura noite, por entre as névoas, o bando cego; é neles que reside, por eles que se alcança a redenção de todo o género; descobrem o norte a que rumar e amparam os fracos, levantam os que tombam na marcha; devem tomar como bênção o espinho que os rasga; toda a salvação tem uma cruz; e quanto mais pesada for a cruz, tanto mais valiosa será a salvação.

INTEMPORALIDADE

1

Page 2: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz.

Por outra parte, é muito difícil lutar contra uma tendência que anda inerente ao homem, à sua pequenez, à sua fragilidade ante o universo e que rompe através dos raciocínios mais fortes e das almas mais bem apetrechadas: não damos ao futuro toda a extensão que ele realmente comporta, supomos que o progresso se detém amanhã e que é neste mesmo momento, embora transigindo, embora feridos de incoerência, que temos de lançar o grão à terra e de puxar o caule verde para que a planta se erga mais depressa.

Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava, embora sob a forma de vago desejo, no espírito do povo; a criação do estado de alma aparece-nos assim como bem mais importante do que o articular dos decretos; e essa disposição não a consegue o oportunismo por mais elevadas e limpas que sejam as suas intenções: vincam-na e profundam-na os exemplos de resistência moral, a perfeita recusa de se render ao momento.

Depois, tempo virá na humanidade - para isso trabalham os melhores - em que só hão-de brilhar os puros valores morais, em que todos se voltarão para os que não quiseram vencer, para os que sempre estacaram ante o meio que lhes pareceu menos lícito; eis a hora dos grandes; para ela desejaríamos que se guardassem, isentos de qualquer mancha de tempo, os que ais admiramos pela sua inteligência, pela sua compreensão do que é ser homem, os que mais destinados estavam a não se apresentarem diminuídos aos olhos do futuro.

DA FRIALDADE CIENTÍFICA

É frequente levantarem as almas sensíveis as suas acusações contra a ciência e apresentarem como prova de vida em mais altos planos a sua repugnância por uma actividade que denominam fria e por um resultado que lhes despe o universo de toda a variedade, de toda a riqueza, de toda a beleza; o claro mundo inteligível aterra-os como um não-ser; a geometria ou a física (no que não tem de pitoresco) só podem interessar os espíritos secos e fechados; em outros climas devem viver os palpitantes, os generosos.

Temos aqui, naturalmente, uma questão de temperamento que olhamos com toda a serenidade e que logo classificamos entre os fenómenos, porque sabemos como ninguém pode fugir ao mau funcionamento das suas glândulas internas; até que muito se progrida, deveremos resignar-nos à existência de gigantes e dos pigmeus; se nos não indignamos contra as pessoas que não lêem a dez passos, pueril seria que perdêssemos a calma ante os que fogem das coordenadas ou acham morta e sem interesse a complicada arquitectura de um átomo de Bohr.

Mas a essa falta inicial haverá que juntar a de um ensino mal administrado, a de uma cultura insignificante; o amor da ciência, a compreensão do que ela encerra de mais sublime que todas as estátuas e todos os poemas só podem vir do seu conhecimento; e esse

2

Page 3: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

exige um esforço, uma aplicação, uma persistência de trabalho, uma abundância de informações, um poder de raciocínio que de nenhum modo se pedem na apreciação do ritmo das linhas; para o vulgo a oficina do artista há-de ser por muito tempo superior ao laboratório ou aos cálculos do sábio.

Quando muito, louvará as descobertas que venham lisonjear-lhe, engrandecer-lhe ou tornar-lhe mais fácil a vida dos sentidos; há-de coroar Marconi e esquecer-se de Hertz; só a técnica lhe poderá despertar algum interesse; o seu país começa na fronteira em que param os verdadeiros homens de ciência; perante o resto se detém como em frente da porta que não sabe ou que não pode abrir; de instinto recua ante o trabalho; e louva a comodidade das amplas estradas ou mascara a impotência, deprimindo, desprezando o que se encontra para além; atitude sincera, porque não pode ser outra.

LEALDADE

Por um maquiavelismo mais de acordo com o século e os costumes do lugar ou por um impulso de humanidade que não tinham querido reconhecer o sectarismo que pos-sivelmente nos perturba ou a nossa real ignorância de todo o giro dos fenómenos - resolveu o adversário lançar um apelo à nossa lealdade e nela confiar; embora sempre em guarda, mais abertamente ofereceu o flanco a um hábil, decidido golpe; um movimento generoso, sincero ou não, deixou-o mais desprotegido. Que vamos nós fazer? Já quero supor que tudo nele seja cálculo e falso movimento; os antecedentes que conheço autorizam-me a levantar tal hipótese; naturalmente não merece de ninguém senão desprezo ou o tédio vingador. Agora, porém, não se trata de tal homem, mas de mim próprio; não são a sua fraqueza, a sua lealdade que estão em jogo, mas o que dessas qualidades existe na minha alma; o não acreditar no que ele afirma não me autoriza a enganá-lo; se aceito a sua oferta estou obrigado a avisá-lo de todas as minhas intenções.Há dois motivos para que o faça, mesmo com a certeza de que no fim serei sacrificado. Um, move-se na esfera do geral e é o respeito pela própria ideia de lealdade que eu pretendo ver reproduzida na máquina do mundo; laço que me transcende, e me sujeita pelo que há em mim de espírito divino; o não ter eu contribuído, uma só vez que seja, por mais plausíveis que me pareçam as razões, para que se estampe no mundo o selo das ideias pode aniquilar todo o meu esforço de vogar às terras da justiça; devo fazê-lo sempre: a mesma derrota poderá servir de ascensão a muitos outros.

E, no que se refere ao indivíduo, tenho acima de tudo o dever de velar pela dignidade humana que em mim reside, não a manchando com uma traição; de esperar, também, que ainda seja possível salvar o outro; os peitos abertos desarmam em geral as mãos armadas; os maus piores retornam quando encontram à sua volta os fingimentos e as armadilhas; a superioridade pode vencer o inferior, mas na inferioridade é ele o rei; quero depois perguntar porque o acusam de perverso e dissimulado se quase ninguém tem sido como ele senão dissimulado e perverso; mostremos-lhe nós próprios o caminho: talvez nos siga.

CONSELHOS

É elementar que o artista não cria a realidade; vai buscar os materiais que se lhe oferecem, que lhe são comuns com os outros homens; na escolha deles residem o seu primeiro trabalho e a sua primeira prova; em seguida - e aqui temos a sua tarefa mais alta - tece um certo número de relações entre esses elementos; quanto mais amplas elas

3

Page 4: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

forem, de mais universal carácter e valor, tanto mais elevado será o poema; mas, até nos casos mais simples, surge com a obra um mundo novo, um mundo que não existia com tal arquitectura, com tal ordem.Se cabe ao poeta ou ao escultor criar um universo, cabe ao crítico criar um artista; dele também não existem, antes da empresa crítica, senão os elementos dispersos, os vários traços dos seus versos ou das suas estátuas; Fídias ou Milton só passam verdadeiramente a ser quando encontram Collignon e Macaulay; os Erasmos de dois autores diferentes, são diferentes, como são diferentes as árvores de Cláudio Lorena e as árvores de Beruete; se quiséssemos entrar na carreira de colocar as artes em degraus poríamos o crítico no mais alto de todos: porque é a ele que compete a missão de criar o criador; tem, na arte, o trabalho que tomam para si o teólogo e o filósofo no mundo mais vasto do pensamento.Não temos nada a objectar a que o artista não ouça o crítico, embora, se esmiuçássemos, acabássemos por ter de reconhecer tal caminho como impossível; suponhamos que é sempre o contrário que se tem que dar: é o crítico quem deve seguir, com amorosa atenção, a fantasia do artista. Nada, portanto, de crítica normativa; só explicativa e ressoadora (como se tudo isto não incluísse sempre uma norma); faça o artista o que quiser, ninguém lhe dê conselhos e se lhos derem ria o artista; a sua órbita depende da sua vontade; rume a que céus quiser e seja imprevisível.

Mas, como o crítico é também um artista, tem ele mesmo o direito de exigir que lhe não ponham barreiras, que o deixem ser à vontade juiz ou ampliador e que o expliquem depois, se quiserem; é ilógico impor limites ao crítico, quando se quebram esses limites em nome da liberdade de criação; ou um e outro os devem ter, e nesse caso o crítico pode ser pedagógico (que haverá não pedagógico?) e o artista tem de o escutar e seguir, ou se derrubam para todos e então nada de regras e manuais destinados aos críticos; a atitude a escolher é uma só: tudo o mais confusão e prosa inútil.

SOBRE O ÊXTASE

Conviria distinguir bem um do outro o caminho para o êxtase e o próprio êxtase; o primeiro ainda pode ter algum interesse por todas as lutas interiores, por todas as incertezas, por todo o esforço de pensar amplamente a que em geral dá origem; no entanto já nele mesmo poderíamos ver, além de uma preocupação egoísta, uma alternativa de esperança e desespero, um gosto da revelação e dos auxílios sobrenaturais que não poderão talvez classificar-se como superiores.Do êxtase, porém, não alimentamos grandes desejos; o amor que nele descobrimos não pertence à categoria do amor que mais nos interessa - o que eleva o amado acima de si próprio, o que se esforça por esculpir uma alma com entusiasmo e paciência; é um amor a que se chega como recompensa de tarefa cumprida; não marca as delícias do caminho difícil, apaga-as da memória; faz desaparecer do peito do homem o seu único motivo de alegria, a sua única fonte de verdadeira glória.Viver interessa mais que ter vivido; e a vida só é vida real quando sentimos fora de nós alguma coisa de diferente; se a diferença se tornar oposição, se o que era caminho diverso se transformar em muro de rocha, então no duelo que se trava, no instável equilíbrio que a cada momento se pode romper e precipitar-nos das alturas, nesta batalha em que não há um minuto de rancor pelo adversário, encontraremos a grande e forte vida; ora o êxtase consiste realmente no apagar das distinções, na identificação perfeita de dois termos.

4

Page 5: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Depois, um criador só vive pela sua criação; só se compreende que eu o ame, quando me disponho a desenvolver o que é diferente dele; destruo-o na medida em que aniquilo a sua obra; querer-me perder no seio de Deus significa, na verdade, que o não adoro bastante; é só o estudante enfastiado da matemática que deseja achar depressa a solução das equações; para os outros o prazer reside no cálculo: e o cálculo vive pelo que é antagonista; um Deus que percebi e conquistei cedo-o barato; mas daria os tesouros mais valiosos por um Deus que sempre me fugisse e me tornasse assim a vida perfeita, cheia de amor e de vontade, cheia de perigo e de beleza.

TOLERÂNCIA

Nenhum de nós poderá, num momento qualquer, garantir que a sua doutrina seja a que encerre a verdade; os desmentidos surgem a cada passo, as incertezas vão sendo mais fortes à medida que se penetra com maior informação e mais atenta inteligência no mundo que nos cerca; o afirmar categoricamente vai-nos aparecer ao fim de certo tempo tão absurdo como o negar categoricamente; a maior parte dos juízos que formámos reconhecemo-los errados, a maior parte das teorias que arquitectáramos ruíram sem remédio; há, ocultos no futuro, os factos que se preparam exactamente para nos vir desfazer a laboriosa construção; só a dúvida é boa companheira.O que podemos é tomar certas hipóteses como mais ou menos prováveis; podemos joeirá-las no curso da razão e pôr de lado as que não resistam à prova; possuiremos sobretudo a verdade e iremos pelo recto caminho na medida em que nos submetermos à experiência e formos tão ágeis de entendimento e tão poderosos de vontade que nos não importemos de abandonar a mais bela das casas se ela se re-velar desarmónica ante o mundo exterior; deixaremos Newton por Huyghens e possivelmente voltaremos a ele com a teoria nedelartig; somos como o Eremita para o qual o abandono da casca quer dizer crescimento; é com íntimo júbilo que ascendemos a nova escadaria.Fórmulas, teorias e hipóteses nada mais são do que as sucessivas instituições de um mesmo fenómeno permanente e vivo: o impulso de pensar; devemos combatê-las quando se revelem gastas, mas impedir os retrocessos ao que por sua vez se revelou deficiente em anos já remotos; não é a construção de uma geometria ou de um sistema político o que define o homem; a sua natureza revela-se na tendência a construí-los; o resultado a que chegou interessa-nos apenas pelo que mostra de poder criador; por isso veneramos tudo o que move; mas detestamos o que ressuscita; não nos agradaria viver em mundo povoado pelos fantasmas das baladas alemãs.Para que os homens possam sentir-se felizes com a minha companhia, é necessário antes de tudo que eu tenha a grande força de ver como prováveis as opiniões a que aderiram, desde que as não venham contradizer os factos que posso observar; não devo supor-me infalível; não devo considerar-me a inteligência superior e única entre o bando de pobres seres incapazes de pensar; cumpre-me abafar todo o ímpeto que possa haver dentro de mim para lhes restringir o direito de pensarem e de exprimirem, como souberem e quiserem, os resultados a que puderam chegar; de outro modo, nada mais faria de que contribuir para matar o universo: porque ele só vive da vida que lhe insufla o pensamento poderoso e livre.

INTRANSIGÊNCIA

5

Page 6: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Ser intransigente com os outros não tem grande sentido; eles são o que podem ser e creio bem que seriam melhores se o pudessem; a natureza ou o meio lhes tiraram as condições que os levariam mais alto; não os devo olhar senão com uma íntima piedade. Além de tudo. é fácil ser intransigente para os que nos rodeiam; basta que nos enchamos de incompreensão, que nos fechemos em preconceitos, que nos recusemos a escutar a voz da inteligência superior; que, sobretudo, não tenhamos a coragem de aplicar à vida humana a atitude que mantemos ante os tubos de ensaio e as gaiolas das cobaias.Não descubro no intransigente perante as opiniões e os actos alheios senão a falta daquela serena bondade que vem de uma visão clara do jogo dos fenómenos e de uma cultura realmente humana; o meu primeiro impulso é o de cortar e me abster; bom seria que o desejo de ensinar e de guiar me solicitasse com mais força; a reserva e a severidade podem ainda ser educativas, levar às reflexões que libertam, aos choques que despertam as almas; o afastamento, porém, abre ainda mais os abismos e deixa à mercê das ondas piores os que já vogavam sem rumo.

É no meu cavalo que tenho de fortalecer as mãos e os joelhos; a pé e fraco, não tenho autoridade para criticar os que passam; todo o ímpeto de intransigência o tenho de afinar, canalizar e fazer recair sobre mim próprio; não me permitir o mais ligeiro desvio e tratar-me com rudeza é ainda o caminho melhor para influir sobre os outros; dar-me-ei como exemplo de todos os defeitos e fugirei da tentação de só os ver nos restantes; de minha casa hei-de expulsar os demónios, antes dos exorcismos públicos; mas tudo isto sem a estóica rigidez: antes reine o sorriso epicurista.

Não serão poucos os casos em que a recusa ante a oferta apareça aos olhos do mundo como um insulto ao que oferece ou, pelo menos, como um acto de intransigência; muitas vezes se toma por civil o que se treina para corrupto; mas que, para nós, a atitude pensada seja a atitude vivida; grandes filósofos seríamos se a opinião nos interessasse; vamos em busca de mais certo conhecer e faremos o possível por que nos não desviem os rumores; temos de esculpir a nossa estátua e a crítica dos que passam na oficina e a vêem ainda informe não nos pode interessar; no fim se verá quem tem razão.

JUSTIÇA

Temos da Justiça uma ideia demasiado restrita; mesmo quando a pomos como deusa não a olhamos senão como a actividade que pune ou distribui a cada um as recompensas segundo os méritos apresentados; mais a concebemos até com a face dura e o rígido espírito do que vem castigar do que com o interesse pessoal e o poder de simpatia; as arestas draconianas que ainda se desenham em todos nós têm a sua síntese e a sua expressão na figura desta mulher que maneja a balança e a espada; a balança da gente publicana e a espada que mandou embainhar a doce voz da Galileia.Se o grande problema fosse o de conservar o mundo tal como está, de manter todas as sebes bem espessas, todos os arames bem farpados e fazer ressoar de um lado os mesmos risos e do outro correr os mesmos prantos, era certamente esta Justiça a que se devia cultivar; ela assegura as posses opulentas e obriga a recuar os que até de leve transgridem a lei estabelecida; há para a sua balança um monopólio de pesos e para a sua espada um monopólio de alfagemes; bem queremos dizer que uns são falsos e que a outra só de um lado tem gume; mas a deusa vela e a nossa voz só de longe se consegue elevar.

6

Page 7: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Não é este, porém, o pensamento divino; só lhe importa o progresso incessante; o gosto de jogar não se compadece com o brinquedo indesmontável; ao vermos os eixos partidos e as rodas deslocadas julgamos recuar; mas de facto avançamos, porque sabemos um pouco mais; a guarda severa do que existe é um empecilho para a nossa jornada; punir não tem sentido porque, se às vezes não é voltar atrás, é pelo menos calcar o mesmo palmo de terreno; de igual modo não compreendemos muito bem o que seja premiar; não há maneira de o passarmos deste mundo das formas para o mundo inteligível, para o plano do geométrico.

Só veneramos uma Justiça que eleve o homem e seja a condensação de interesse benévolo que os outros homens têm por ele; só é justa a instituição e só é justa a lei que lhe dão a possibilidade de se tornar melhor; não queremos eliminar os que o destino nos deu por companheiros, queremos somá-los ao decidido, alegre batalhão dos que marcham mais à frente; somos justos de todas as vezes que ajudamos, seja quem for, a viver uma vida mais humana; injustos, e de toda a injustiça, sempre que os deixamos caídos à borda das estradas; o crime é afinal o pretexto que damos para não pensar a sério no bruto egoísmo que nos anda no espírito.

O TERCEIRO CAMINHO

Não defendo este partido, nem o outro; se ambos diferem à superfície e podem arrastar opiniões, aprofundemos nós um pouco mais e olhemos o substracto sobre que repousa a variedade; o mundo das formas levanta oposições que se desfazem à luz do entendimento; só a esta queremos ver, nas horas mais sérias, o que nos oferece o universo; e não há motivo algum para que eu tenha diante do facto político uma atitude diversa da que tenho perante o som ou a cor.Que vejo de comum? O rebanho dos homens, ignorantes e lentos no pensar, que se deixam arrastar pelas palavras e com elas se embriagam; nos mais altos, a fuga das responsabilidades claramente assumidas, a recusa ao sacrifício de tudo ante a ideia, a disposição para manejarem a bondade e o heroísmo dos outros, o imoderado apetite do poder, o ódio cego ao adversário que procuram vencer por qualquer meio; a alimentar o fogo da acção, as mesmas confusas noções, as mesmas frases de catecismo branco ou vermelho, os mesmos ritos, as mesmas superstições.

Só posso estar ao lado de qualquer deles quando o sinta vencido; porque há então uma coincidência dos seus interesses com a defesa do Bem; enquanto mandarem, só deverão contar com a oposição mais decidida às vagas de ódio por que se deixam arrastar, às violências que ordenam ou permitem; é um dever de consciência tão imperativo salvar o homem que se afoga, como dizer a verdade ao que manda demais; e já a alma está tanto mais presa do demónio, quanto mais se recusa a escutar as palavras severas.

Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.

PERSISTÊNCIA

7

Page 8: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Há pessoas que por um certo número de circunstâncias se encontram ilógicas no meio em que vivem; são eles que destoam no quadro; tudo o resto funciona como devia funcionar, conclui-se tão bem das bases primeiras como um edifício geométrico; os gestos à primeira vista mais estranhos, as atitudes mais inverosímeis têm a sua razão de ser e apresentam-se como uma necessidade e um acordo; se alguma coisa está errada é a existência dos críticos; certamente se justifica que os tratem com desprezo e os procurem suprimir: eles perturbam a harmonia social.

Os que não são de muito boa qualidade e trazem dentro em si um grão de mal adaptam-se com o tempo; vão-se dobrando aos costumes; vai-os limando o ambiente das asperezas primitivas; subjuga-os a grande força dos pequenos acontecimentos diários; desorientam-se no anedótico; talhados para a vida universal se soubessem bater-se e reagir, caem no baixo plano do incidente; acabam por encontrar prazeres e recompensas na contínua descida; os outros, desculpando-se do que eles próprios são, animam-nos ao abandono dos altos cumes, e a vida no plano comum acaba por sorrir-lhes.

Mas o que obriga a transformar tem naturalmente maior força do que o que se transforma; intimamente despreza-o; só espera o momento de o esmagar e esquecer. Água vai na água; mas a fraga provoca os marulhos, redemoinhos e espumas; pelo que se opõe vive o rio; por ele se divide a corrente, por ele retumba além da sua linha de margem. Quem se adaptou jamais é tão perfeito que o não possam reconhecer estrangeiro e troçar-lhe os leves erros de pronúncia. Depois, a luz do bem nunca se apaga por completo; incomoda sempre as puras aves nocturnas; mas não é tão forte que as ofusque e as impeça dos voos traiçoeiros.

A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas - batalhas para os outros, não para ele, que as percebe - há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.

DESISTÊNCIA

Há países em que o escritor só tem o direito de publicar as suas obras quando elas tenham atingido um alto grau de pensamento ou de perfeição artística. Quem se não sinta possuidor da cultura ou das qualidades suficientes só tem uma resolução a tomar: a de dar descanso à sua pena até que aumente a cultura ou as qualidades se afirmem; e, se tal não acontecer, deve naturalmente desistir de continuar pelo caminho empreendido; pode-o fazer sem remorsos; a sua gota de água nenhuma falta fará ao forte rio intelectual da sua pátria.

Outras terras existem, porém, em que o valor não está na altura que se atinge, mas no rumo que se seguiu; por condições especiais, a vida de inteligência é sempre nessas nações quase infrutífera e sobretudo perigosa; não se podendo dar exemplo de altos voos, a escolha e a atitude ficarão, por mais pequeno que seja o esforço, por mais humilde que se apresente o resultado, como prova e modelo de tenacidade, de sacrifício

8

Page 9: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

e de coragem civil; por esta estrada, se por alguma, se remirá um dia a nação de todos os pecados; cumpre aos melhores mostrar-lha desde já.

Por mil circunstâncias nos encontramos na trincheira; se muitas delas foram alheias à nossa vontade, outras as criamos nós; abandoná-la seria dar razão aos que vêem o inimigo como invencível e aos que se riram dos nossos primeiros passos; não é agora o momento de averiguar se possuímos os recursos; para morrer há sempre armas que cheguem; temos de nos bater seja como for; se não fizermos melhor, faremos pior, mas não deixaremos o nosso posto; só nesse momento o erro surgiria numa vida que foi boa; quem aí se encontrou aí ficou.

Um dia a obra será classificada como inferior, mas só por ela será possível esta sentença dos juízes; se o que se escreveu pode ser considerado mau já o mesmo se não dirá do acto de escrever; eis a base em que se firmaram as escadas que vão até o céu, eis o ideal alicerce dos templos perfeitos; não os erguemos nós próprios, mas que importa? Adivinhamos os homens futuros que poliriam os fustes e abririam os relevos e tudo demos à vida para que eles existissem; se recuássemos, teríamos recuado o seu aparecimento; mas foi por termos trabalhado em lodo e água turva que a ponte se lançou entre eles e a cultura; foi por nós que se fez a viagem que os limpou da baixa condição.

DA HISTÓRIA

À medida que a sua cultura se vai fortalecendo e firmando em bases mais íntimas, menos dependendo do exterior, no que respeita a conclusão e início, sente Candálio que a história se torna um domínio de presente e não um domínio de passado. Com dificuldades situa num tempo absolutamente pretérito tudo que interessa à humanidade, todas as tendências e todas as direcções que tem vindo a tentar; parece-lhe que também, quanto à alma e aos céus, a sua experiência renova a experiência da espécie; melhor ainda, que a cada minuto inventa um trecho de história adequado à ideia que o domina ou à luta que se lhe trava no espírito. Fez-se-lhe impossível ver Lutero ou o mais distante Amenofis como habitantes de outro planeta ou figuras de museu; ele próprio tem dentro em si, na sua vida perfeitamente actual, um combate de Worms e a aspiração de um culto universal. Como há-de projectar apenas no passado o que ainda o abala nas mais fundas raízes, o que existe indiscernível do que para outros homens é, na realidade, presente? E podemos olhar Candálio como um grande romancista que imaginasse um mundo completo e em cada uma das personagens pusesse uma partícula do seu ânimo, considerasse o conjunto o espectáculo fiel reprodutor da sua vida, ao mesmo tempo sabendo que nada há de verdadeiramente ido na sua criação, que tudo vem de aspirações, de esforços, de gestos actuais. Passou a viver a história, a sentir-se irmão dos que batalharam, venceram e perderam, a descobrir-se o mesmo no que de início se lhe afigurava diferente; os estudos que escreve não pretendem ressuscitar nem épocas nem homens; são os mitos de que se serve para expor uma só história, a do seu espírito; como os trágicos gregos, vê inútil o tecer dos enredos e lança mão, como forma do pensamento, do que já é familiar, aos outros homens e lhes permitirá atentarem melhor no que faz de verdade a beleza das obras: as linhas simples e claras, a proporção dos membros, a penetrante análise dos modos, o rumo ao ideal - e por outro lado a discreção, a força calma, o entusiasmo sereno com que o autor lançou a sua obra

9

Page 10: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

como um atleta o disco e logo recolheu, compassado, à sombra das arcadas. Indo mais longe, diremos que a história para Candálio é um pretexto que ele próprio engendra e vive. Como as danças dos sátiros e os diálogos de heróis para o oleiro, jovial e grave, do Cerâmico. Deste modo se compreende que lhe deixe ressaibos de tédio e uma acusada repugnância a leitura dos volumes eruditos, cautelosos e estéreis dos que vêem na história um ente do passado e a crêem independente daquele que a estuda; dos que nela vão procurar argumentos e exemplos; dos que por ela se pretendem libertar das responsabilidades e dos riscos a que os devia expor a sua condição de homens presentes em luta com as circunstâncias presentes. O "ponto de vista histórico" afigura-se-lhe de uma comodidade suspeitosa, de uma segurança demasiado grande para que o ame o apaixonado do jogo. Com algum desdém o abandona aos mestres bem-pensantes. E gosta de adorar, sorrindo à poeira dos sábios nomes, as fortes almas que a história não secou e que fizeram a história, como um escultor de deuses, a poderosas marteladas.

PRIMEIRA ORIENTAL

Não deixaremos de admirar no fenómeno japonês a vontade do povo que num momento despiu o trajo feudal e apareceu aos olhos atónitos do mundo enroupado nas vestimentas ocidentais; poremos no plano de apreciação que lhe cabe o esforço tenaz, a marcha querida que lhe permitiu colocar-se em pé de igualdade com as nações que até aí o desprezavam ou o olhavam apenas com uma curiosidade diletante; a brusca revolta contra as tentativas de exploração e contra as humilhações que os mais robustos preparavam, o despertar de todas as forças que pareciam adormecidas, a inteligência clara da maneira porque se poderiam defender, obrigam-nos a uma certa veneração das qualidades japonesas; tomaremos em conta os trabalhos dos seus laboratórios, a teimosia e a voluntária limitação dos seus especialistas, capazes de se subordinarem a todas as estreitas tarefas que lhe permitiriam possuir, nos recantos mais secretos, as técnicas europeias; arquiva remos, para exemplo, os orçamentos de cultura que chegam sempre para construir e pôr em funcionamento uma escola julgada necessária, para subsidiar as viagens de estudo, para importar tudo o que os enviados nipónicos encontram de aproveitável nos países que percorrem; iremos, mesmo, até o ponto de concedermos, como símbolo, os regimentos disciplinados, os cruzadores de batalha, as esquadrilhas e as bombas; mais um esforço, e daremos como velocidade adquirida a atitude ante Genebra, o desprezo dos tratados e a serena facilidade com que os bandidos chineses surgem nas terras do Manchukuo.

"Simplesmente, diz Temístio, convém talvez aprofundar um pouco mais o assunto; não creio que a humanidade tenha lucrado muito com o progresso japonês e não posso, por outro lado, ver todo este surgir de nações senão sob o aspecto do total; há no renascer de que falaste um anseio de domínio que me assusta, que me faz recear mais uma vez pela integridade do espírito; uma potência a mais sobre a terra, bem armada de gente e material, com ambições de império e uma população que olha a pátria como um ídolo a que se deve sacrificar tudo o que há de humano em peito de homem, só me aparece na verdade como uma sombra sobre o futuro; a extensão do vício ocidental da conquista de terras e da posse de rebanhos de escravos nada mais poderá fazer do que atrasar a vinda daquele reino que tem sido o sonho e o norte de vida dos melhores; ao contrário dos mais, não aplaudo a façanha; lamento que um povo que delibera recriar-se

10

Page 11: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

se limite a seguir o caminho que os outros percorreram; e recordo outra nação que, ao achar-se forte, não se voltou para a Europa, não entrou nos conluios e nas intrigas, mas saudavelmente lançou os olhos a mares desconhecidos e construiu um mundo novo; é isto, Marcos, o que me parece ter valor, é esta resolução de ser diferente, de tomar os rumos não tentados, aquela de que se orgulha a cultura, aquela que realmente pode ainda valer alguma coisa no espírito de Deus; a simples luta pelo existir, a submissão às formas embora mais violentas e temíveis, não trazem consigo, ao que descubro, nenhum auxílio para o desaterro do templo; creio, pois, meu amigo, que será bom por enquanto impor silêncio à lira épica".

OPOSIÇÕES

Sobre a mesa do mundo vai-se jogando, no tumulto ou no silêncio, o grande jogo da história. São adversários o eu e o não eu; de um lado o desejo de fazer imperar uma invenção, de ir reduzindo tudo o que aparece como diverso e absurdo à unidade e à clareza, à inteligibilidade e a Deus; do outro lado uma resistência bruta e muda, uma muralha de existir ou de aparecer que teima em se não deslocar, em se não deixar transpor, em erguer sempre ante o adversário ansioso e sereno e penetrante o mesmo inamovível obstáculo; por vezes o sabe levar ao desespero, passar-lhe sobre os olhos o véu de lágrimas que não deixa fitar o tabuleiro; então correm as marcas, batem mais triunfantes e secas as pancadas, num instante quase surge como ao início a mesma posição de inferioridade, o idêntico prenúncio da quase certa derrota. Mas o desânimo passou; agora se retesam as vontades, agora todos os recursos se apontam ao fim que se pretende alcançar, brilha de novo a esperança sobre as almas; nenhuma pedra se move sem cálculo, nenhuma jogada destrói o plano decidido; insensíveis à distracção marcham as forças ao ataque; cada casa tomada se revelou um domínio do espírito e lhe deu novo impulso na avançada; levanta-se a suspeita, cada minuto mais forte, de que o outro se rege afinal por leis iguais. Quem sabe até se, na verdade, ele recua, se não há antes adaptação de uma parte e de outra parte? A final vitória seria melhor num acordo total do que uma exclusão mutiladora e, pela exclusão, um problema mais vasto. Entretanto, passou todo o perigo de uma nova investida - assim o crê, pelo menos, o que joga; pelas horas mais próximas, nada haverá senão aquela retirada sensível e a confiança mais lacta da inteligência em si própria. É o tempo adequado, talvez, a que pense o eu nos elementos que entram no jogo enorme e vital; terá que admitir alguma coisa mais do que a sua atenção, o seu entendimento e a sua vontade e de que a resistência que o antagonista lhe opõe? Será aquele avanço que sempre tem ganhado mais um palmo condicionado apenas pelo toque dos dois? Alguns dos aspectos por que se tem visto, algumas das pessoas que têm criado por desporto e interior necessidade de fantasia, viram ainda, com intervenção na partida, uma terceira força que afinal era a única poderosa, a única a dispor realmente de todos os lances em todos os momentos: imaginaram-se levados por uma carreira fatal que independente do seu querer os conduziria ao triunfo; a muitos animou na batalha tal ideia; a outros consolou na derrota; a outros fez ainda que jogassem molemente e quase viessem a comprometer todo o trabalho de séculos. Não foram essas certamente, as suas mais belas e mais verdadeiras invenções; mesmo nos que se sentiram encorajados pela crença num progresso fatal só pode ver como alicerce a debilidade do espírito que não encontra em

11

Page 12: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

si mesmo, no pleno e forte exercício das suas qualidades o segredo das arrancadas magníficas, num adormecimento de energias a explicação das trágicas, nocturnas retiradas. Eis aí o que conta para o eu que se contempla livre do tempo e do lugar; não precisa de invocar aliados, ele sozinho saberá repelir o que se lhe deu como oposto; olha de frente e sem miragens a escuridão a que o poderão levar a falta de coragem, os raciocínios errados ou o afrouxar da atenção; conhece agora o lutador que tem em frente e considera-o mais fraco, porque lhe falta a ele a aspiração do melhor; tanto basta para que o futuro esteja por si e a história se construa como um troféu de vitória.

SÓCRATES

Creio que existe uma certa falta de clareza na atitude tomada por Boutroux perante os que trataram antes dele da figura de Sócrates; na introdução ao ensaio põe de parte os trabalhos de Zeller, Fouillée, Schleiermacher considerando-os como pouco exactos, como representando de maneira infiel o verdadeiro Sócrates. A mesma acusação já tinha sido dirigida por outros ora a Platão, ora a Xenofonte e todos os eruditos, ou quase todos, a levantavam contra as Nuvens. De facto, podem-se apontar as passagens violentas de texto para texto, a interpretação forçada de numerosas passagens, o interesse demasiado que se prende a frases obscuras ou pouco sólidas ante a crítica verbal; é fácil ainda mostrar a influência que tiveram nas páginas da história o cunho de espírito dos autores que a leram e a semelhança pitoresca que Sócrates acaba por apresentar com o sábio hegeliano ou com o defensor das ideias-forças. Contra Platão pôr-se-á como argumento o seu génio dramático, a sua capacidade de invenção e a própria frase do mestre sobre as "lindas coisas" que lhe atribuía o discípulo; a Aristófanes derrubam-no o intento conhecido de conquistar o prémio da comédia e as opiniões políticas que o faziam pender para o lado dos conservadores camponeses e olhar Sócrates como um sofista perigoso, como um revolucionário influente que se tornava preciso inutilizar; finalmente Xenofonte tem contra si uma regular incompreensão dos altos voos filosóficos, uma necessidade de terra-a-terra, uma psicologia de major reformado que o leva a ver sobretudo - e aí exactamente - os aspectos exteriores, as sucessões nas horas e no espaço.

Boutroux não aceita como verdadeiro nenhum dos Sócrates dos seus colegas historiadores; mas esqueceu de dizer o que entende por um Sócrates real. E quem o viu jamais, ao Sócrates real? Quanto a esse, aplaudiria eu o senhor belga que negou a sua existência e a olhou sob o aspecto mítico que tomaram no teatro os vultos do rei Édipo ou de Orestes. Sucessivamente o criaram Alcibíades, o generoso Crítone e o tímido Lisis; deram-lhe uma vida os diálogos de Platão, outra diferente os versos da comédia; reinventaram-no Zeller e Fouillée; o próprio Boutroux apresentou o seu Sócrates; fizeram todos eles como os poetas que aproveitam uma fábula e a deformam no sentido do seu espírito, a impregnam de um simbolismo, a enchem de uma significação que ninguém tinha pensado em lhes dar antes deles. Não há um Sócrates verdadeiro por oposição a outros Sócrates falsos; o que podemos é escolher dentre todos, como o que mais nos satisfaz, o mais lógico, o mais coerente, o que melhor une e explica os factos chamados históricos que nos ficaram da sua biografia; não me importo que nos dêem um Sócrates místico ou político, um Sócrates sofista ou moralista, um Sócrates anaxagórico ou Sócrates bravio contra a física dos jónios; mas exijo uma construção

12

Page 13: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

que justifique as acusações de Aristófanes, a crença em Apolo, o galo de Esculápio, a estima dos moços, a influência em Platão, a firmeza final ante a cidade. De bom grado assimilaria este problema socrático àqueles problemas de geometria em que se pede uma curva a traçar sobre um certo número de pontos; tomarei como a melhor a resolução que me parece a mais simples, a mais elegante e a mais exacta, entendendo por grau de exactidão a quantidade de pontos absorvidos na curva; e esta mesma será a base em que nos podemos apoiar para apenas nos rirmos do Sócrates das Nuvens e sermos um tanto cépticos em face do Sócrates platónico.

DA VIDA INVOLUNTÁRIA

Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza, de liberdade e de amor guia através das noites obscuras e dos cerrados nevoeiros aqueles mesmo que nasceram mais fortemente desprendidos das animalidades primitivas. Há como que o prazer da desordem, da irresolução, do pensamento confuso; quase se tornou censurável marchar com a regularidade dos astros, divinizou-se o acto imprevisível e o gesto que vem contrariar o do momento anterior; ninguém pára um instante para reflectir, coordenar as ideias, eliminar as que se mostram incapazes de em acordo se ligarem ao que de seguro ficou estabelecido. A fala medida e o silêncio que fazem possível o diálogo e pelo diálogo a viagem aos bordos mais longínquos do universo cederam o lugar a um discurso plural que deve ser aos ouvidos de Deus como zumbido importuno de insecto que teima em passar através da vidraça; quebra-se a barreira ateniense da harmonia e a barreira espartana da vontade e dá-se livre curso aos ímpetos, aos repentes, aos caprichos; troca-se o manso fluir dos grandes rios, a ondulação poderosa e calma do mar largo pelos cachões e as espumas das correntes que se entrechocam e batem. Que loucura vos tomou, meus irmãos homens? Urge que apeeis o Acaso do lugar divino que lhe destes, que lanceis, como diques e caminho da vida, as fortes linhas da inteligência ordenadora e da vontade, que acima de tudo se habitue a vossa alma a construir a existência com a pureza, o nítido recorte e a querida abstenção da estrofe de um poema.

SOBRE A MORTE

13

Page 14: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

Duas fontes se podem marcar às preocupações de um grande espírito: por um lado, o que aflige ou alegra o comum dos homens, por outro lado, a força de contemplação quase divina que o lança no giro dos maiores problemas. Os pés tocam ainda a terra que constitui para os outros a única base de ser, a fronte já mergulha na luz alta e plena de que desejariam banhar e nutrir toda a sua vida da alma. Facilmente, por orgulho e descuido ou porque em segredo nos não queremos colocar num plano totalmente inferior, tomamos como característica da profundidade que atingiu um pensamento o ter sentido, só com maior ressonância, maior vivacidade, as inquietações de que nós mesmos nos sabemos possuídos. Não era matéria mais nobre do que o barro das bilhas o barro da estátua vista em sonhos; a imensidade não conseguiu transmudá-la no oiro e na prata que tornavam o colosso precioso. Nem o que se mede pela nossa medida é notável aos olhos do eterno.

Conviria, pois, averiguar-se por qual dos caminhos chegou ao círculo do génio o problema da morte e se é fundada a opinião dos que vêem na maior ou menor intensidade que ele toma no espírito a escala porque se deve aferir o valor de um pensamento. É possível que estejamos reduzindo em lugar de elevar e que ainda aqui lancemos mão de artifícios sem real valor para fortificar e alargar a ponte que nos liga a um outro mundo distante. A angústia ante a morte, o desespero à ideia de sulcar um mar desconhecido e porventura tenebroso não me parecem compatíveis com a linha opolínea sem a qual não existe o verdadeiro génio; são ainda uma herança das forças obscuras e revoltas de que saiu o homem, uma acção da gravidade, não da asa celeste que o aproxima dos deuses. Grande é aquele que revolveu o problema, o tomou serenamente como um dos momentos do pensar e logo, com uma alma imortal, partiu a abraçar mais ricos e mais amplos conjuntos.

É talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quanto menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas.

DEMOCRACIA E PODER

Foi talvez pior do que se julga suprimir abruptamente as monarquias de direito divino e não ajustar a tal molde as democracias nascentes. A segurança de que eram os representantes na terra da autoridade de Deus, da ordem que o criador imprimira a toda a criatura, dava aos reis uma confiança em si próprios que os abalançava às grandes empresas e os fazia temer pouco os protestos e as revoltas dos povos; à força de se julgarem delegados do céu tinham adquirido uma firme certeza dos seus direitos e de nenhum modo se mostraram dispostos a cedê-los senão depois de rijas batalhas; em face do número, da riqueza e da audácia dos súbditos, eles tinham os auxílios do pensamento divino, o apoio da Igreja, a firmeza das convicções e o sustentáculo mais poderoso ainda da tradição secular. Há no rei que defende os seus direitos ligando-os a

14

Page 15: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

um movimento espiritual, não se dando ele mesmo como fonte do poder, uma figura a admirar e porventura a imitar em nossos dias.

Por seu turno o povo teria, creio eu, suportado com menos facilidade e por menos tempo o jugo do poder real se este lhe aparecesse como puramente emanado de um homem como os homens da plebe, com dois braços, duas pernas e um raciocínio falível: Havia, porém, uma qualidade superior que o tornava respeitado ou, pelo menos, temido: era o ungido do Senhor, aquele que desde o início dos séculos fora escolhido para o cargo que desempenhava como o mais competente, o mais justo, o mais nobre. Para que a realeza caísse foi preciso sapar primeiro a religião, abater o prestígio do velho Jeová e a tenaz organização da burocracia papal; foi necessário sobretudo desligar a moral do indivíduo dos conceitos teológicos e construir depois sobre o indivíduo libertado, uma moral política. É por isso que constitui espectáculo extremamente saboroso ver os estadistas cristãos, soldados do absolutismo por delegação divina, empenharem-se com todas as forças na defesa das cláusulas do Príncipe.

Ora a democracia cometeu, a meu ver, o erro de se inclinar algum tanto para Maquiavel, de ter apenas pluralizado os príncipes e ter constituído em cada um dos cidadãos um aspirante a opressor dos que ao mesmo tempo declarava seus iguais. Ser esmagada pelos condottieri que dispõem das lanças mercenárias ou pela coalição dos que manejam o boletim de voto é para a consciência o mesmo choque violento e o mesmo intolerável abuso; um tirano das ilhas vale os trinta de Atenas e os milhares de espartanos. Pode ser esta a origem de muita reacção que parece incompreensível; há almas que se entregaram a outros campos porque se sentiam feridas pela prepotência de indivíduos que defendiam atitudes morais só fundadas na utilidade social, na combinação política. E de facto, o que se tem realizado é, quase sempre, um arremedo de democracia sem verdadeira liberdade e sem verdadeira igualdade, exactamente porque se tomou como base do sistema uma relação do homem com o homem e não uma relação do homem com o espírito de Deus. Por outras palavras: para que a democracia se salve e regenere é urgente que se busque assentá-la em fundamentos metafísicos e se procure a origem do poder não nos caprichos e disposições individuais, mas nalguma coisa que os supere e os explique, aprovando-os ou reprovando-os. O indivíduo passaria a ser não a fonte mas o canal necessário ao transporte das águas; nenhuma autoridade sem ele, nenhuma autoridade dele. Seria assim possível sacudir de vez as morais biológicas que nos têm proposto e, construindo um decálogo sobre os princípios divinos, ligar-lhe indissoluvelmente a política com uma simples extensão ou como outro aspecto de uma idêntica actividade. Não vejo outro alicerce senão o entendimento, o que, fazendo do animal a pessoa, ao mesmo tempo se coloca acima do indivíduo é se impõe como norma universal; e as maiorias, assim, só viriam a obrigar, quando as suas resoluções coincidissem com a razão e com os fins últimos que a humanidade se propõe atingir.

CONSTRUÇÃO

Desprendo-me da história e imagino um Pisístrato válido para todos os tempos e todos os lugares. Dou-lhe um gosto imoderado do poder, a sede de se sentir possuidor de um rebanho que lhe obedece sem protesto e evoluciona exactamente a seu mandado;

15

Page 16: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

atribuo-lhe em seguida a desconfiança ante os colaboradores, a contínua suspeita de que algum deles esteja valendo mais perante o povo; não extinguirá de todo a assembleia da cidade, para que haja alguém que, às vezes sob cor de o contrariar, o esteja ruidosa ou discretamente aplaudindo; quanto aos adversários mais temíveis, aos que podem usar da força ou da tranquila ironia, lançá-los-á na prisão ou tentará esmagá-los pela calúnia. O fim a atingir é bem simples: que seja só ele a mandar, que seja a sua passagem a única que chame as saudações da multidão, que a sua voz ressoe sozinha e imperativa ante o silêncio que a violência e o medo provocaram. Nenhuma estima pela natureza humana, nenhuma alta cotação dos valores mais nobres que em séculos de colaboração e batalha se têm erguido na terra. Ficam os poetas obrigados a lisonjeá-lo nos teatros, a faze-lo herói de tragédia; os sacerdotes já puseram o seu busto entre as estátuas dos deuses que o cidadão deve adorar; deixa com enlevo que a garotada das ruas lhe grave ou pinte o nome nas esquinas; e os que mandam notícias para as ilhas remotas e para as províncias distantes, do outro lado do mar e das montanhas, já sabem que os feitos e ditos de Pisístrato, exaltados como os mais belos de toda a criação, necessariamente lhes garantem um fácil transporte e uma parte regular dos tesouros da Acrópole. É uma vaidade imensa que não conhece limites, que enche o espaço de pedantismo e suficiência, que não estará satisfeita enquanto o povo inteiro não pensar como ele pensa, lhe não copiar todos os gestos e reproduzir, como única fala aceitável, todas as suas palavras.

Há, porém, uma qualidade que não consigo introduzir neste Pisístrato que invento: a inteligência; posso conceder-lhe bravura, honestidade estritamente pessoal, frugalidade e outros méritos; não lhe hei-de negar habilidade e esperteza - como a um rato em diâmetro de homem; mas a inteligência que se confunde com a perfeição moral, a inteligência que anima o sábio na escultura da verdade, o poeta da criação na beleza e o santo no amor do bem - essa jamais brilhará com sua luz fecunda e poderosa no ânimo da minha personagem. Se a tivesse - quem menos talhado para erguer o seu trono na lama da covardia e da impotência dos outros? Teria prazer em encontrá-los da rocha dura dos montes em cujo trabalho se afinam os golpes, se dobram os músculos; não o irritariam as resistências, mas a moleza da argila. O intelectual, aquele que representa na humanidade o que ela tem de realmente humano, gosta mais de quem dele se afasta do que de quem segue sem condições, disposto a transformar a doutrina que ouve numa ortodoxia opressora; como se sente diminuído nos ambientes de serralho, anseia pelo que lhe ofereça ocasião de jogo e se constitua adversário. O campo em frente da sua tenda está aberto a todos os campeões amigos de ajustar e quebrar lanças. Suscita o seu aparecimento, morrerá contente se sentir galopar por cima e para além do seu corpo uma forte, decidida e esclarecida mocidade. Não abafa nos seus concidadãos o que eles têm de bom, desenvolve, carinhoso e enérgico, as ásperas virtudes, as rijas possibilidades que os lancem com passo de vitória no caminho do futuro. Quer na gratidão uma secura espartana, para que se não possa confundir com a adulação a Pisístrato. E o seu drama começa na altura em que nele buscam mais a autoridade que a razão.

16

Page 17: Agostinho da Silva - Diário de Alcestes.docx

ÍNDICE

SacrifícioIntemporalidade

Da frialdade científicaLealdadeConselhos

Sobre o êxtaseTolerância

IntransigênciaJustiça

O terceiro caminhoPersistênciaDesistênciaDa história

Primeira orientalOposiçõesSócrates

Da vida involuntáriaSobre a morte

Democracia e poderConstrução

DO AUTOR NESTA EDITORA

1 - UNS POEMAS DE AGOSTINHO2 - EDUCAÇÃO DE PORTUGAL3 - VIDA DE MIGUEL ÂNGELO4 - VIDA DE PASTEUR5 - DO AGOSTINHO EM TORNO DO PESSOA6 - SETE CARTAS A UM JOVEM FILÓSOFO7 - DIÁRIO DE ALCESTES

17