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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA Romana Valente Pinho O essencial sobre AGOSTINHO DA SILVA

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Romana Valente Pinho

O essencial sobre

AGOSTINHO DA SILVA

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INTRODUÇÃO

O ESSENCIAL EM E DE AGOSTINHO DA SILVA

Definir, no essencial, a vida e a obra de Agosti-nho da Silva é uma tarefa delicada e extremamentecomplexa. Por um lado, porque o seu percurso bio-bibliográfico é demasiado longo e vasto e, por ou-tro, porque apontar essências e essencialidades con-duz-nos voluntária ou involuntariamente a escolhas eselecções. Para definirmos o essencial é necessáriopreterirmos o circunstancial e o transitório. No en-tanto, na vida e na obra deste autor, é, por vezes,aquilo que é fugaz e pontual que caracteriza a suaessência. O trabalho torna-se, por este aspecto, maisdifícil de enredar. De modo que, além de convocar-mos inevitavelmente aquilo que, aos nossos olhos,Agostinho é no essencial, optamos por seguir a vi-são que o autor tece da sua própria essencialidade,para que ela se apure e desvele o mais objectivapossível.

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Diante de uma vida tão densa, existem, porém,obviedades às quais não podemos nem queremosescapar. Uma delas é a de que o pensamento e a obrade Agostinho não se circunscrevem somente a umaou outra orientação. Sendo assim, salientaremos apluridimensionalidade da sua intervenção cultural, namedida em que abordarmos as vertentes sócio-peda-gógica, ético-política e filosófico-religiosa como fun-dos estruturais de toda a sua especulação e acção.Na verdade, se quisermos definir, em essência, aparticipação agostiniana no século XX português ebrasileiro, teremos que assumir inapelavelmente a suamultiplicidade. Porventura, essa é a sua maior es-sência.

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1O ESSENCIAL DO PERCURSO BIOGRÁFICO

DE AGOSTINHO DA SILVA

1.1. Dos anos de formação ao conflitocom o Governo Português (1906-1944)

George Agostinho Baptista da Silva, filho de Fran-cisco José Agostinho da Silva e de Georgina doCarmo Baptista da Silva, nasce no Porto a 13 deFevereiro de 1906 (na Travessa da Nova Sintra), maspouco permanece na cidade, já que, ainda nessemesmo ano (lá pelos seus 6 ou 7 meses), a suafamília muda-se para Barca d’Alva devido ao factode o seu pai (alfandegário) ter sido transferido paraa delegação da fronteira.

É nas terras da Beira Interior e do Alto Douro queAgostinho da Silva cresce, que se faz menino eaprende a ler, aos 4 anos, sob a orientação da mãe.É na Barca que, pela primeira vez, contacta comaquilo que, posteriormente, virá a conceptualizar

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como iberismo, afinal, no outro lado do rio, quasese respira o ar de Leão e de Castela. Até ao fim dasua vida, Agostinho considerará esta pequena aldeiacomo o seu real berço.

Algum tempo depois, lá pelos anos de 1912/1913,com a promoção profissional do pai, a família deAgostinho regressa ao Porto. Como já sabia ler e es-crever, a mãe matricula-o no ensino primário (na Es-cola de São Nicolau) para ganhar consistência emdisciplinas como Aritmética, Gramática e História.Nessa altura, Agostinho da Silva manifesta-se a gló-ria da Escola. Aos 7 anos de idade faz o exame deprimeiro grau e, como ele próprio afirma, fica dis-tinto. Em 1914 ingressa na Escola Industrial Mouzi-nho da Silveira, mas, desagradado com o ambienteescolar e com o método pedagógico dos professo-res, o jovem George opta por desprezar o rendimentoescolar, autoconduzindo-se a um insucesso que o seupai, inapelavelmente, castiga e não compreende. Trêsanos mais tarde, Francisco José Agostinho da Silvamatricula o filho no Liceu Rodrigues de Freitas, queserá por si frequentado até à entrada na Faculdadede Letras da Universidade do Porto (criada por Leo-nardo Coimbra).

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No ano de 1924, Agostinho entra para a Facul-dade com o objectivo de cursar Filologia Românica,no entanto, devido a um desentendimento de natu-reza intelectual com o Prof. Hernâni Cidade, trans-fere-se para o curso de Filologia Clássica. Será aluno,entre outros, de Leonardo Coimbra, de Teixeira Rego,de Francisco Torrinha e de Urbano Canuto Soares.A esse tempo, Agostinho dedica-se já à crítica daAcademia, da política e da sociedade de uma formageral, escrevendo sobretudo na Acção Académica,n’O Comércio (edição da tarde d’O Comércio doPorto), no Porto Académico e na Ideia Nacional.Termina a sua licenciatura em 1928 (ano em quepassa a colaborar na Seara Nova) e é nomeado pro-fessor provisório no Liceu Alexandre Herculano (Por-to). No ano imediatamente a seguir, quando os mili-tares ameaçam fechar a Faculdade, é obrigado aescrever a sua tese de doutoramento (O Sentido His-tórico das Civilizações Clássicas) em tempo relâm-pago.

Em 1930, para além de publicar A Religião Grega,frequenta a Escola Normal Superior, em Lisboa. Nestainstituição é aluno de Matos Romão, e prepara o seuestágio no Liceu Pedro Nunes. Porém, no ano se-guinte, ruma a Paris, como bolseiro, e estuda na

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Sorbonne e no Collège de France. Escreve MiguelEyquem, Senhor de Montaigne. Nesta cidade esta-belece contactos com alguns intelectuais portugue-ses de renome que aí se encontravam exilados,mormente com António Sérgio.

Quando regressa a Portugal, no ano de 1933, écolocado em Aveiro como professor de liceu, ondeensina durante dois anos. Entretanto, sai, em 1935,a Lei Cabral. Tal lei obrigava que todos os funcio-nários públicos declarassem que não pertenciam anenhuma sociedade secreta. Como Agostinho nãoconcorda com a lei, não assina o documento que odissociaria aparentemente do comunismo ou da maço-naria e é demitido do ensino oficial. Na sua perspec-tiva, embora não pertencesse a qualquer sociedade se-creta, isso não significava que, no futuro, não viessea pertencer. Ajudado por Joaquim de Carvalho, nessemesmo ano ganha uma bolsa do Ministério das Rela-ções Exteriores de Espanha e vai estudar, sob a orien-tação de Américo Castro, para o Centro de EstudosHistóricos de Madrid. Aí, dedica-se essencialmente aoestudo dos místicos espanhóis do século XVI (FreiLuís de Leão, São João da Cruz e Santa Teresa deÁvila).

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Com a eminência da guerra civil espanhola, em1936, Agostinho da Silva volta para Portugal. Nessaaltura, a sua sobrevivência depende exclusivamentedo ensino em colégios privados e da assistência ameninos ricos em aulas particulares. Ao mesmo tem-po, George Agostinho continua a colaborar com aSeara Nova (tarefa que se estende até 1938), ondevai publicando algumas biografias [A Vida de Moi-sés (1937), A Vida de Francisco de Assis (1938)],cria o Núcleo Pedagógico de Antero de Quental(1939), participa das reuniões em casa de AntónioSérgio e começa a elaborar Iniciação — Cadernos deInformação Cultural (1940).

Entusiasmado com os princípios do Núcleo Peda-gógico de Antero de Quental, Agostinho concebe umamissão sócio-pedagógica alternativa que se estendeaté 1943: escreve folhetos de iniciação cultural, rea-liza palestras por todo o País, colabora em progra-mas de rádio, tenta manter uma escola (Escola Novade São Domingos de Benfica) de tendências peda-gógicas novas e contrastivas com aquelas que vigo-ravam no ensino oficial português. Toda esta empresa,aliada às edições de O Cristianismo (1942) e de Dou-trina Cristã (1943), vai despertar a curiosidade dapolícia política de Salazar sobre a pessoa e a acção

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de Agostinho da Silva. Deste modo, o professorpassa a ser perseguido e espiado (este processo ini-cia-se em 1939 e termina apenas em 1970). Para aPVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado),Agostinho era um defensor do comunismo e do anar-quismo, tão simplesmente porque a sua intervençãocultural e a edição dos folhetos sobre o cristianismopareciam apontar propostas subversivas. Emboranegasse tais acusações, sobretudo depois da apreen-são da sua biblioteca (onde existiam cinquenta e setetítulos de literatura russa), a pressão agudiza-se detal maneira que Agostinho é preso, no Aljube, a 24de Junho de 1943. Fica encarcerado durante dezoitodias e é condenado à pena de residência fixa, quecumpre no Algarve e no Minho.

1.2. A vivência da América do Sul: Argentina,Uruguai e Brasil (1944-1969)

Para além de publicar, em 1944, Conversação comDiotima, George Agostinho da Silva mostra-se desilu-dido com Portugal e auto-exila-se na América do Sul.O destino é o Brasil. Na viagem que o leva para oAtlântico Sul, pernoita no Senegal e aproveita a peque-na estada para conhecer a cidade de Dakar. Instala-se

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no Rio de Janeiro mas, pouco tempo depois, rumapara São Paulo, onde estabelece contacto com algunsintelectuais. Contudo, pelo facto de o Brasil não cor-responder às suas expectativas, no ano seguinte, passapela Argentina e muda-se para o Uruguai. Leccionana Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires.Em simultâneo, em Portugal são editados, no ano de1945, Diário de Alcestes, Glossas e Sete Cartas aum Jovem Filósofo. Em 1946, deambula pelo Uruguaie trabalha nos Colégios Libres de Montevideu. Porconsiderar, todavia, os dois países confusos e desor-ganizados, Agostinho regressa ao Brasil, em 1947.Neste ano, acomoda-se definitivamente em terras bra-sileiras. Instala-se em São Paulo, mas, tempos depois,muda-se para a Serra de Itatiaia (Penedo), onde for-ma uma comunidade de cariz monástico e ecumé-nico com Judith Cortesão e com os intelectuais bra-sileiros Dora e Vicente Ferreira da Silva.

Em 1948, Agostinho abandona a Serra e fixa-seno Rio de Janeiro. Trabalha no Instituto OswaldoCruz (dedicando-se ao estudo de Entomologia), en-sina Filosofia da Educação na Faculdade Fluminensede Filosofia e colabora com Jaime Cortesão, na Bi-blioteca Nacional, no aprofundamento da obra deAlexandre de Gusmão.

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Quando surge a possibilidade de integrar o corpodocente da Universidade da Paraíba como professorde História Antiga e de Literatura Portuguesa, ele nãohesita. Assim, em 1952, Agostinho muda-se para JoãoPessoa e vive uma das maiores experiências da suavida. Chega a afirmar que foi na Paraíba que se li-bertou da armadura de ser português e que, simul-taneamente, compreendeu o verdadeiro sentido dePortugal. Nessa altura, ensinava também em Pernam-buco (chegando a viver, aliás, em Olinda).

Em 1954, sem abandonar oficialmente João Pes-soa, colabora, ao lado de Jaime Cortesão, na orga-nização da Exposição Histórica do IV Centenário daCidade de São Paulo. No ano imediatamente a se-guir, e por sugestão e recomendação de Hernâni Ci-dade (também instalado no Brasil), encaminha-separa o Sul com o objectivo de ajudar a fundar aUniversidade de Santa Catarina. Por lá, ensina Lite-ratura Portuguesa e Filologia Românica. Ainda no Sul,em 1955, a pedido do secretário da Cultura do RioGrande do Sul, escreve Um Fernando Pessoa.

Nesse período, Agostinho da Silva assume funçõesde director de Cultura do Estado e trabalha na Direc-ção-Geral do Ensino Superior, do Ministério da Edu-cação. Em 1956, publica Ensaio para uma Teoria do

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Brasil, que só viria a ser editado em Portugal dezanos mais tarde e, em 1957, publica Reflexão à Mar-gem da Literatura Portuguesa. Permanece em SantaCatarina até 1959, ano em que se muda para Salva-dor. No Nordeste, cria o Centro de Estudos Afro--Orientais (CEAO) e dá aulas de Filosofia do Teatrona Universidade da Bahia.

Em 1960 é editada a compilação As Aproximações.Ora, o seu interesse pela política externa do Brasil

(mormente no que respeita a África) aproxima-o doPresidente da República Jânio Quadros, do qual setorna assessor para a política externa africana, em1961.

O seu rumo é, então, Brasília. Embora a Univer-sidade já esteja fundada (Agostinho havia lido e con-cordado com todos os estatutos e objectivos, ape-nas sugeriu que a Universidade fosse coroada poruma Escola, por um Centro e por um Instituto deTeologia), na nova cidade, colabora com individuali-dades como Darcy Ribeiro, por exemplo, na suaredefinição e na concepção dos centros de estudos.Especificamente, cria o Centro Brasileiro de EstudosPortugueses. Esta última iniciativa vai trazê-lo, noano de 1962, a Portugal, já que existe o objectivo,por parte do Governo Português, de discutir os es-

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tatutos do Centro recém-criado. Nesse mesmo anosai, em Salvador, a compilação Só Ajustamentos.

Como bolseiro da UNESCO, no ano de 1963,desloca-se ao Japão. Na cidade de Tóquio, dá aulasde Português e aproveita a viagem ao Oriente paravisitar também Macau e Timor.

Agostinho da Silva passa os primórdios da décadade 1960 em Brasília, dedicando-se sobretudo à Uni-versidade e ao Centro de Estudos. Como, em 1964,se instala no Brasil uma ditadura militar, as suasacções pedagógica e intelectual começam a ser ques-tionadas e até pressionadas. Por este motivo, Agosti-nho da Silva assenta moradia entre Cachoeira (no Re-côncavo baiano), Salvador (onde concebe a formaçãodo Museu do Atlântico Sul, no Forte de São Marcelo)e Brasília. Em Cachoeira, funda a Casa Reitor EdgarSantos. Em 1965, com assinatura pseudonímica,escreve As Folhas de S. Bento e Outras. Em 1968é eleito, por intermédio de Adriano Moreira, mem-bro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa.No mesmo ano, vai aos Estados Unidos da Américaleccionar em cursos de mestrado e doutoramento doQueens College (Nova Iorque).

Incomodado com a ditadura, George Agostinho saido Brasil em 1969 e regressa a Portugal.

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1.3. O regresso a Portugal: os anosde reconhecimento popular (1969-1994)

Quando chega ao seu país de origem, reina a pri-mavera marcelista e Agostinho dedica-se essencial-mente à escrita. No início da década de 1970, es-creve curiosamente aquela que viria a ser a sua últimaobra, em formato de livro e conceptualmente sistema-tizada, Educação de Portugal. Nos anos que se se-guem, escreverá apenas pequenos ensaios e enredar--se-á no enfatismo da sua demanda epistolar. Entremuitos exemplos, salientamos a sua participação narevista Vida Mundial (1970-1972) e os escritos Pro-posição (1974), Pensamento em Farmácia de Provín-cia (1977), Fantasia Portuguesa para Orquestra deHistória e de Futuro (1982), Dez Notas sobre o CultoPopular do Espírito Santo (1984), Cartas Várias(1986-1987), É a Hora (1987-1988).

É já depois da Revolução dos Cravos que Agosti-nho regressa ao ensino, ainda que honorífica e in-formalmente. Em 1976 é reformado pelo GovernoBrasileiro. Só uns anos depois é que o Governo Por-tuguês lhe restitui os retroactivos respeitantes aosanos da ditadura do Estado Novo.

Aproximadamente quarenta anos depois (1982) deter estado fugazmente em Dakar (1944), regressa ao

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Senegal com o apoio da Fundação Calouste Gulben-kian. Durante um mês, ministra na Universidade deDakar um curso intitulado «Fernando Pessoa — Men-sagem, História, Ideologia, Mitologia e Projecto».

Apesar de ter estado ausente de Portugal durantequase três décadas, continua a ser um intelectualreconhecido e conceituado, de tal modo que, em1983, é nomeado director do Centro de EstudosLatino-Americanos do Instituto de Relações Interna-cionais da Universidade Técnica de Lisboa e doGabinete de Apoio do Instituto de Cultura e LínguaPortuguesa (ICALP).

Manifestando-se desinteressado em relação à pró-pria finança, as últimas duas décadas da sua vida sãodestinadas a viajar — regressa ao Brasil (1981) e vaia Moçambique (1988) —, a escrever e a sedimentara futuridade da Era do Espírito Santo. Mas a outraface da medalha também resplandecerá, mesmo queAgostinho a não tenha solicitado: receberá medalhas,títulos e homenagens (é-lhe oferecida, em 1987, agrã-cruz da Ordem de Santiago de Espada e, em1988, é eleito membro da Academia da Marinha,apesar de não ter sido objectivamente marinheiro),participará em programas de televisão (em 1990, naRádio Televisão Portuguesa, protagoniza o programa

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Conversas Vadias), será reconhecido como filósofopopular.

Em 1992 renacionaliza-se português.No ano de 1994, no dia da ressurreição do Se-

nhor (3 de Abril), morre em Lisboa, e o seu corpo,sob uma lápide que reza os seus próprios versos(«Atingira um silêncio tão de espanto / que era todouniverso à sua volta / um seduzido canto»), é lança-do à terra do Cemitério do Alto de São João. Ondeainda hoje está. Tão longe do Cemitério de SantoCristo (Barca d’Alva), que outrora idealizara comouma das suas moradas perpétuas.

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2A OBRA DE AGOSTINHO DA SILVA

NO SEU ESSENCIAL

2.1. Agostinho da Silva: o educador

Durante a maior parte da sua vida, George Agosti-nho foi conhecido e tratado como professor. Na ver-dade, se avaliarmos a sua acção na totalidade, con-cluímos que aquilo que sempre fez foi ensinar eaprender. Sempre. Ensinou quase tudo: literatura, filo-logia, línguas, história, filosofia, educação, política,religião, arte. E aprendeu com tudo o que natural-mente lhe interessava: entomologia, pintura, escutis-mo, antropologia, música, histologia, cultura po-pular…

Agostinho da Silva foi decerto professor quasetoda a sua vida. Contudo, só começou a ensinar jádepois de a sua veia intervencionista em termos so-ciais e culturais estar alicerçada. Antes de ser objec-tivamente professor, Agostinho já era um crítico do

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modus vivendi português, em particular da academiae da falsa intelectualidade. Por este motivo, já nestaépoca a educação o preocupava, especificamente omodo arrogante e hierárquico como os professoresse relacionavam com os seus alunos e, devido à ine-xistência dialogal, a consequente inconsistência cur-ricular dos formandos, que se julgavam, por vezes,embora equivocadamente, sábios.

O nosso autor inicia-se activamente no ensino,como educador, ainda em 1928. Todavia, cremos quesó nos primeiros anos da década de 1930 é que asua proposta educacional se manifesta, não apenasaguçada e crítica como anteriormente, mas mais ino-vadora.

Agostinho da Silva nunca mais se afasta da edu-cação e da pedagogia, de tal forma que, ao longo dasua vida, entrecruza o seu projecto com os de Pesta-lozzi, Montessori, Tolstoi, Cousinet, Freinet, do por-tuguês Faria de Vasconcelos em alguns dos seussegmentos, do plano Dalton, das Escolas de Winnetkae das pedagogias platónica, montaigniana, espinosis-ta, rosseauniana — com todos eles, George Agosti-nho partilha o sentido de liberdade a desenvolver noaluno, a importância dada à vida como denominadorde experiência e de enriquecimento pessoal e inter-

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subjectivo, o enaltecimento da Razão como guia emétodo autognósico, afinal, o professor será tão-sóum orientador, o estímulo que desencadeia o cresci-mento de cada criança.

De qualquer modo, a sua proposta pedagógica dosanos 30 é uma afronta ao movimento educacional queregia o sistema do ensino português da época. Nesteaspecto, as sugestões agostinianas são densamenteoriginais (na verdade, o autor tem em mente uma re-volução pedagógica de pendor racionalista e cientí-fico), ainda que vivam naturalmente do diálogo coma sua contemporaneidade.

A partir do momento em que esta discussão se con-textualiza temporalmente no período em que GeorgeAgostinho se relaciona mais intensamente com Antó-nio Sérgio, é natural que a filosofia da educação e opensamento pedagógico deste teórico racionalista (já tãomaduro e estruturado nesta altura) também interfiramno ajustamento e no alicerçar da pedagogia que Agos-tinho da Silva já reflectia e maturava há algum tempo.Afinal, ambos consideram os mesmos objectivos,reportam-se à mesma tradição e, uma vez que estãoinseridos no mesmo contexto sócio-cultural, preo-cupam-se com as mesmas questões e com os pro-blemas políticos e educacionais que assolam o País.

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Quando, em 1930, Agostinho da Silva escreveA Religião Grega, está, de forma explícita, a defen-der a conduta e a educação da Grécia Antiga. Julga,então, Agostinho que, se ao espírito for dado umbom uso, todas as prisões mentais, sociais e externasna generalidade podem ser ultrapassadas. No fundo,o método racional poderá conduzir o Homem à li-berdade. A boa prática da Razão, ao exercitar-se fi-losoficamente na companhia dos mestres, conduz oser colectivo para a organização da Cidade. Destemodo, entre os finais dos anos 20 e o início dos anos30, ainda inspirado pelos fundamentos pedagógicosda civilização grega, Agostinho crê que as bases daunidade social radicam na filosofia e na educação.Pensamentos e aclamações desta natureza colocamo autor em diálogo franco com Sérgio.

Em Educação e Filosofia, escrito de 1920, Antó-nio Sérgio aponta o primado da Razão, isto é, pro-põe a indissociabilidade da Filosofia e da Educação.Inspirado pelos textos de Platão, Sérgio idealiza umsistema educativo muito similar àquele que o filósofogrego expõe, sobretudo n’A República. Deste modo,a Filosofia é a ciência que norteia o processo pedagó-gico, ou seja, a Filosofia está ao serviço da constru-ção da cidadania, da ética, da sociedade e da educa-

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ção. Sinteticamente, é a matriz do Homem como seruniversal.

A partir desta óptica, António Sérgio defenderá aexistência de uma Sociedade Universal, de uma Repú-blica, de uma Sociedade Racional, à qual todos oshomens pertencerão desde que se deixem guiar pelosdesígnios da Razão. Mas o autor dos Ensaios corro-borará ainda mais a doutrina socrático-platónicaquando afirma que a objectivação desta Sociedade de-pende do uso de um método adequado (filosófico)pelos professores. Na verdade, a renovação socialestá dependente do processo pedagógico defendidoem moldes racionais. A tarefa dos mestres consisteem incentivar os alunos para a descoberta da sua pró-pria gnose. Diante destes pressupostos, a Filosofia éuma maiêutica, já que tem como objectivo, atravésda Educação, formar uma sociedade consciente elivre. Ao modo platónico, Sérgio crê que a verdadeiracomunidade é uma inter-relação racional.

Aparentemente, Agostinho considera as teses deSérgio demasiado intelectualistas, acredita até que omestre racionalista não consegue superar os postu-lados platónicos em alguns aspectos. Contudo, asugestão sergiana não se cinde completamente darealidade. Apesar de, no seu conceito, a Razão ser

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uma faculdade exclusivamente pura (criadora), elapossui, de igual modo, apetências para o pragmatis-mo. Para tal, basta citarmos a sugestão pedagógicapensada por António Sérgio. Agostinho da Silvaacrescentará ainda que a Razão conceptualizada porSérgio não é apenas um instrumento formalmentepuro, mas é também algo metagnósico e místico.Sérgio tende a concordar, embora tímida e receosa-mente. Se o racionalismo sergista não se expusessea partir das coordenadas que Agostinho propõe, seráque fazia sentido projectar-se a Escola como epicen-tro da comunidade racional, ou como sociedade quese ramifica em sindicatos, cooperativas, laboratórios,escritórios ou oficinas, tal como Sérgio sugere?

Por via de uma inversão do comum conceito deracionalidade, Sérgio e Agostinho crêem reformarsocial, ética, educativa e culturalmente o tempo pre-sente e o futuro. Essa reforma só será exequível sea implantação do cooperativismo for uma realidade.

A doutrina cooperativista começa a ser explanadapor António Sérgio, por volta de 1927 (quando eleestava exilado em Paris e, provavelmente, depois dese ter interessado pelo Movimento de Rochdale e deter lido grandes teóricos como Fourier, Proudhon,Fauquet e os franceses da Escola de Nimes — so-

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bretudo Gide), porém, já na obra Educação Cívica(1915) o autor faz menção à necessidade de existir,no universo escolar, uma base de cooperação. Nestaaltura, Sérgio já pensava que o cooperativismo era osustentáculo de qualquer sociedade democrática. Paracompreendermos a proposta sergiana, basta esclare-cermos, ainda que de uma forma resumida, que ocooperativismo é um sistema sócio-económico queestabelece a liberdade de todos os homens sobre sipróprios e sobre aquilo que produzem. Comunitaria-mente, cada homem é dono de si próprio e da suaprodução.

No sistema de cooperativas, o bem particularcoincide com o bem geral. Na medida em que o ob-jectivo final não é a produção de lucro num sen-tido estrito, não há competição entre produtores evendedores. Diante destes argumentos, concluímosque o cooperativismo só poderá vingar se florescercomo princípio pedagógico. Como se trata da abo-lição do capitalismo e do lucro desenfreado e desu-mano, é imperativo que a sua congeminação seja denatureza principial. Se assim não for, não haverárevolução. Seguindo este escopo, Sérgio concebeum conceito de cooperativa que surge, primeira-mente, como núcleo familiar e escolar e que, numa

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fase posterior, se alarga à comunidade em geral e atodas as sociedades.

Agostinho da Silva entusiasma-se, então, com estesistema económico-social que visa acolher todos oshomens de uma forma semelhante e que tem a Es-cola como modelo. Por isso, escreve, em 1942, AsCooperativas (Caderno de Iniciação Cultural) e passaa defender a doutrina cooperativista de Sérgio comoa tese mais profunda e profícua do seu pensamentosócio-pedagógico. Para além das inúmeras referên-cias que faz a esta doutrina ao longo da sua vidaintelectual [especificamente na obra de 1942 supra-citada, Educação de Portugal (1970) e em Proposi-ção, de 1974], Agostinho da Silva também a incor-pora praticamente. Lembramos que, após ter sidoexpulso do ensino oficial, funda, no Colégio Infantede Sagres, um sistema cooperativo, e que, em 1937,cria a Escola Nova de São Domingos de Benfica, quetem como pressupostos pedagógicos todos aquelesque sustentam a proposta sergista. Aos alunos é-lhesdada uma preparação moral, racional, comunitária eintervencionista que os solidifique enquanto seressociais e conscientes: «O professor nunca intervémpara ensinar, mas somente para ajudar a descobrir ea aprender. A formação moral é obtida pela prática.

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Os alunos intervêm no governo da Escola, gradual-mente, segundo o seu desenvolvimento; […] a Es-cola alarga quanto possível a acção extra-escolar dosseus alunos. Acima de tudo a Escola esforça-se, coma colaboração de todos que nela trabalham, alunos emestres, por ser um meio de ordem, de serenidade,de cortesia e de justiça. […] A Escola terá atingidoum dos seus fins principais quando a disciplina forobtida, em cada aluno, pela supremacia da sua ra-zão sobre os seus instintos» (Prospecto de Apresen-tação da Escola Nova de São Domingos de Benfica,Lisboa, 1937).

Agostinho da Silva não deixará de conceber posi-tivamente o papel do cooperativismo na evoluçãodemocrática da sociedade portuguesa. De tal modoque, já em 1970, o autor continua a crer que o sis-tema cooperativista é, em termos socialistas, o maisperfeito de todos. Nesta perspectiva, permanece fielà estreita relação que antes havia estipulado entre aEscola e o cooperativismo. No seu entender, todasas escolas primárias (na medida em que são a basepiramidal do percurso curricular e humano do alu-no) deviam ser cooperativas de produção e consu-mo. Ou seja, deviam ser auto-suficientes. Por umlado, porque permitiria à criança um maior contacto

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com a realidade, talvez até mais importante do queo prematuro ler, escrever e contar artificiais (ao fime ao cabo, a própria evolução do grupo no trabalhoda cooperativa convocaria cada um para o aprofun-damento das técnicas de registo e comunicação); poroutro, porque atenuaria os problemas económicosdaquela microssociedade. Os próprios pais poderiam,inclusive, trabalhar na cooperativa. Neste sentido, avisão cooperativista proposta por Agostinho só secompreende a partir do momento em que se idealizaa Escola como guia, em que se concebe a criançacomo primeiro objectivo social e cultural.

Na década de 30, quer para António Sérgio querpara Agostinho da Silva, a Escola é a grande célulado cooperativismo e, consequentemente, da Demo-cracia. Contudo, para este último, não é suficiente,nem sequer necessário, conceber-se a Educação numsentido estritamente técnico. Se, no entender de Sér-gio, a filosofia da educação radica no tecnicismo eno pragmatismo, na medida em que, desde criança,o aluno é orientado para o trabalho, embora, nãonecessariamente, para a competição — na Escolaaprende o sentido de civismo, o respeito pelos ou-tros, a noção de fraternidade, o conceito de BemGeral, no fundo, torna-se um ser cooperante/coope-

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rador e integrante/integrador —, na óptica de Agosti-nho, a criança deverá ser criança a tempo inteiro, nãose devendo ocupar do sistema adulto em momentoalgum. No entanto, isto não significa que ela sejadestituída do sentido de responsabilidade, de autono-mia e de disciplina. Significa tão-só que não deveabandonar a sua inocência e criatividade primordial.

Apesar de algumas diferenças de natureza peda-gógica, os dois autores concebem analogicamente aEscola, isto é, percepcionam-na como se ela fosseum município, como se fosse um núcleo onde sedividem e distribuem as tarefas e os problemas (des-centralização) e, simultaneamente, se vive em demo-cracia e cooperação. Nesta perspectiva, e inspiradospor D. Dinis, os dois autores idealizam a Escola en-quanto oficina, laboratório, biblioteca ou como umespaço onde reina, por excelência, a Criação. SeSérgio defende «uma escola útil para a vida», Agos-tinho faz a apologia da Escola como vida, não ha-vendo, no seu pensamento, cisão entre as duas: Es-cola é vida.

Agostinho da Silva pensará deste modo até ao fimdo seu percurso intelectual e práxico, contudo, o seupensamento pedagógico sofrerá as alterações própriasde quem se dedica diariamente à educação em geral

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e ao ensino em particular. Se nos inícios dos anos40 já defendia efusivamente uma escola nova, livre,aberta ao mundo e à vida, onde cada criança apren-de, a partir de si própria e da descoberta que faz,ao relacionar-se com o que está ao seu redor, a vi-vência da América do Sul vai completar e complexi-ficar a sua acção enquanto professor. A prova desseenriquecimento é a edição, em 1970, de Educaçãode Portugal.

Apesar de ser uma das suas obras mais sistemati-zadas e consumadas, foi inicialmente considerada umTratado de Filosofia, que discutia incipientemente asquestões da educação. Não obstante ser um escritode teor filosófico, Educação de Portugal questionaa fundo os verdadeiros problemas e anseios da edu-cação em e de Portugal e aponta caminhos assazestruturados sobre o pensamento desta temática que,aos olhos do autor, não está dissociada da ética, dareligião, da política e da filosofia. Aliás, uma das pri-meiras conclusões agostinianas é a de constatar quea questão educativa (quiçá pedagógica) está estreita-mente relacionada com a missão religiosa. O acto deconhecimento é sempre um acto de religação e desalvação. No fundo, o sentido da Escola equaciona--se como preparação da vinda do Espírito.

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Ao contrário do que é usual, em Educação dePortugal, Agostinho da Silva não apresenta um fiocondutor típico de quem faz pedagogia e de quemse debruça sobre as questões da educação. Em vezde se limitar a analisar os problemas educativos, re-correndo à descrição dos males que assolam as es-colas portuguesas e, apoteoticamente, apontar solu-ções, George Agostinho assume, em primeiro lugar,que não pretende modelar ninguém com o seu livroe, em segundo, que a sua reflexão não se refugiaestritamente nos problemas particulares da Escolaportuguesa. Diante desta posição, o autor assentaclaramente que não é sua intenção dissecar os pro-blemas do ensino em Portugal na contemporaneida-de, mas antes, debruçar-se sobre o futuro, equacio-nar aquilo que se deveria fazer para que o sentidoda educação melhorasse. Apesar de se referir espe-cificamente a Portugal, Agostinho da Silva trata deum conceito universal de educação. Provavelmente,considera que os Portugueses são responsáveis pelaedificação desse conceptualismo novo.

Quando, no corpo daquele texto, o autor afirmaque o objectivo da educação é fornecer, a cada crian-ça, todos os meios para que se possa desenvolver eafirmar no mundo em que habita, permitindo que a

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sua bondade primordial esplenda e seja plenamente,está, por um lado, a criticar, de uma forma categó-rica, o sistema caduco das escolas que deturpam overdadeiro sentido da humanidade quando transfor-mam a fraternidade em domínio, quando idealizam oensino como fábrica de fortaleza e, por outro, aaclamar a ideia rousseauniana do Bom Selvagem. Noseu entender, é necessário recolocar-se, positivamente,a ideia da bondade primeva. Ou seja, se todos oshomens nascem, a priori, bons, porque é que sãodesviados da sua essência? Nesta perspectiva, Agos-tinho da Silva propõe que a criança se preserve en-quanto tal, que seja o paradigma para o Homem. Namedida em que este anseio não existe, em objectivo,na contemporaneidade das nossas sociedades, o au-tor equaciona-o para a futuridade, associando-o, emsimultâneo, ao culto popular do Espírito Santo cria-do em Portugal, no século XIII, pela Rainha SantaIsabel e por D. Dinis. Posto isto, Agostinho alia oideal educativo a uma reforma social e também a umescopo religioso.

Se educar consiste em dar todos os meios quefacultem a luz do entendimento e da vida, então,nenhuma educação obterá as expectativas e os resul-tados esperados se não se terminar, primeiramente,

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com o flagelo da fome. Afinal, só com o corpo ali-mentado, pode o espírito fecundar. A este respeito,verificamos que Agostinho se refere ao cumprimen-to de uma das fases do Culto do Espírito Santo(bodo gratuito, depois de a criança ter sido coroadacomo Imperador do Mundo; neste sentido, poder-se--á compreender a analogia que o pensador faz entrea sua proposta e a festa popular portuguesa, isto é,nos dois casos, o desenvolvimento da sociedadedepende da primazia que se dá à criança, esta é overdadeiro objectivo sócio-cultural) e, de igual modo,se reporta à efectividade de uma reforma em senti-do político, histórico e social. Na sua óptica, nenhu-ma reforma ou revolução pode ser feita se, em pri-meiro lugar, não houver uma real educação do povo.

Para se educar o povo, exige-se, como Agostinhotanto enfatiza, o fim da fome e a abolição da técni-ca e da didáctica. No fundo, questiona-se o sentidoda pedagogia. O autor escreverá, já na densidade deEducação de Portugal, que pouco crê no valor dapreparação pedagógica dos professores. Esta tendea criar pedantes em vez de homens que amam osaber. Deste modo, a educação do povo deverá tercomo linha de acção a liberdade e a criação. A Es-cola não deverá conduzir ninguém a ser isto ou aqui-

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lo, não deverá orientar para o futuro nem fazer ci-sões com a vida, mas, ao revés, deverá concedermeios para a objectividade da expressão criadora ecomunicativa do ser humano. Decerto, a Escola nãoé um fim, mas um instrumento.

Por esta reforma deverá também passar a distinçãoentre Escola Técnica e Universidade. Na concepçãode Agostinho da Silva, as escolas técnicas deverãoconstituir-se como autênticos exércitos operacionais,deverão ter como objectivo resolver os problemas quecastigam as sociedades. Por este motivo, a sua acçãodeverá incidir nas áreas fundamentais da abordagemsocial, principalmente as que estão relacionadas coma economia (para que a miséria deixe de existir), coma medicina (para que exista um melhor sistema desaúde), com a engenharia (para que as pessoas te-nham acesso a melhores meios de comunicação epara que tenham mais tempo livre), com o direito(para que, caso seja necessário, quem necessite dedefesa, não fique desamparado) e com a educação(para que a criança, em vez da humilhação secular aque tem sido votada, usufrua de um ensino huma-nista). Concebidas enquanto exércitos da técnica,estas escolas deverão multiplicar-se descentralizada-mente tanto quanto a necessidade do País. Até por-

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que, quer professores, quer alunos, são considera-dos operários ao serviço da nação, uns são pagos paraensinar, outros, para aprender e estudar.

Só depois de as escolas técnicas já estarem verda-deiramente sedimentadas e funcionarem como cen-tros propulsores da prática, é que fará sentido cria-rem-se as universidades. Com efeito, estas serão, navisão de Agostinho, pequenas escolas (não directa-mente vinculadas ao Estado — este apenas auxiliariaem termos materiais, caso fosse necessário), tambémespalhadas por todo o País, onde se dará total liber-dade à criação e maior ênfase à Filosofia e à Teo-logia Ecuménica. Porém, o autor está convencido deque esta reforma só se poderá instituir se houver tam-bém uma transformação nas bases do ensino. A pro-pósito, dar-se-á uma relevância aos ensinos primárioe secundário que, desde sempre, tem sido negada.Por um lado, a escola primária terá que ser um lugaronde a comunidade inteira se reúne, quer nas activi-dades curriculares, quer no lazer, por outro, a escolasecundária deverá constituir-se como eixo funda-mental da preparação do Homem, dever-lhe-á dartodos os instrumentos que o conduzam a entendero Mundo que há e, de preferência, que o levem tam-bém a melhorá-lo. Neste aspecto, o ensino secundá-

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rio estará atento à criação contínua de Deus, ao co-nhecimento do Mundo na sua generalidade atravésda zoologia, da botânica, da geografia, da química,da física, da matemática e, posteriormente, tambémda literatura portuguesa e universal. A missão edu-cativa é, pois, uma missão religiosa. O ensino é umaaprendizagem daquilo que já se sabe, mas, ao mes-mo tempo, daquilo que ainda se não sabe, que é mis-tério e enigma.

A materialização desta doutrina só emergirá sehouver uma abolição da didáctica convencional, ouseja, se o objectivo do professor não se basear apenasno seu ensino e no sucesso da resposta pronta eimediata, mas fazer que o aluno aprenda. Neste pontode vista, o docente deixará de ser o usual oradorpara passar a estudar ao lado do aluno. Deverá so-mente orientá-lo, dar-lhe todos os meios de que pre-cisa para que, por si mesmo, estude, investigue equestione. No fundo, quanto menos o professor apa-recer, melhor será a Escola — lugar de estudo e me-ditação, de reunião com a Natureza e de reforma doMundo, em vez do habitual rito de ensino e oralidade.Para Agostinho da Silva, a Escola é, portanto, o lu-gar onde se tecem todos os preparativos para a che-gada do Espírito (a saber, é o lugar onde a criança

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prepara a sua espiritualidade, onde aprende a conci-liar e unificar aquilo que é de natureza física com oque é de natureza metafísica), evitando a propaga-ção de um ensino punidor e almejando a criança comoguia do povo, como grande vivente da Humanidade.No fim de contas, o autor considera que educar éapontar aos meninos a relevância de servir, que é amesma de imperar. O significado da coroação doMenino, no Culto do Espírito Santo, reside precisa-mente no conceito de serviço. Imperar é servir. Poreste motivo é que George Agostinho pensa que sóas crianças vivem autenticamente e que o resto so-brevive; que aqueles que mais naturalmente têm aintuição de ser larvas de Deus (preparados para cri-salidar e voar) são os infantes.

Educação de Portugal é um texto inédito e sur-preendente, mas, de igual modo, velho e reiterador.Por um lado, porque demonstra as inovações, osacréscimos, as reformulações que Agostinho, depoisda sua experiência pedagógica na América do Sul,introduz na sua concepção pedagógica, e, por outro,porque todos os conceitos que já defendia nas dé-cadas de 30 e 40 persistem quase sem grandes mo-dificações. Apenas introduz a noção de ecumenismoe a vertente religiosa da tarefa pedagógica. Se, an-

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tes, educar era uma missão estritamente sócio-culturale ético-política, agora também é de natureza espiri-tual. A Escola é o centro de onde se auscultam osmistérios divinos, de onde se aprende a ser Homemna relação com o Mundo.

2.2. A acção político-cultural de Agostinho da Silva

Desencantado com o rumo que a I República se-guira, na medida em que esta não soube livrar Por-tugal da Primeira Grande Guerra e conduziu o Paíspara uma ditadura militar, Agostinho assenta a suaideia de organização social, política e religiosa nospostulados da cultura grega e critica veementementeo republicanismo. George Agostinho está, assim, con-vencido de que a passagem do regime monárquicopara a República foi mal preparada pelos republica-nos, chegando a duvidar até da veracidade da existên-cia de uma República, de facto, em Portugal. Con-tudo, e por mais que tenha sido colaborador no jornalAcção Académica (de pendor monárquico) entre1925-1926 e que, um pouco mais tarde — 1943 —,se tenha manifestado a favor de uma monarquia pré--absolutista, logo, popular e democrática, não signi-fica que, nesse entretanto, fosse um monárquico

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assumido. Se Agostinho chega a afirmar que o Es-tado Novo salvou Portugal do abismo (tão-só porquea I República não tinha condições para conduzir o Paíspara o futuro), nunca chega, porém, a afirmar-semonárquico. Se tal assunção se revela quase explí-cita na entrevista que dá a Bento Caldas em 24 deMaio de 1927, no jornal A Voz, nunca chega a objec-tivá-la. É, por este motivo, que não podemos assumirinapelavelmente a concretude da sua veia monárquica,embora saibamos que, na década de 20, Agostinhoé avesso à experiência republicana portuguesa. Masserá que isso faz dele um monárquico pleno? Lem-bremos que, se Antero de Quental tivesse liderado arevolução republicana, George Agostinho seria, pro-vavelmente, segundo as suas palavras, um defensorda República.

Estes ideais são atenuados a partir do momentoem que o nosso autor entra, em 1928, para a SearaNova. De pseudomonárquico, Agostinho passa a de-fender o ideário seareiro, isto é, em prol do progressocientífico da nação, menospreza o tradicionalismomeramente conservador e inócuo. Assim, e depoisdas suas estadas em Paris e Madrid, nos primeiroscinco anos de 1930, enceta uma campanha de difu-são cultural que se objectiva através da edição das

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Biografias (1937) e das conferências proferidas portodo o País. Tal empresa vai culminar com a forma-ção do Núcleo Pedagógico de Antero de Quental,composto por personalidades como Álvaro Salema,Fernando Rau, Pedro Nascimento, Castelo BrancoChaves, Vitorino Magalhães Godinho, António Sérgio.Nesta época, para além de se dedicar à publicaçãodos Cadernos de Iniciação, era usual Agostinho daSilva fazer-se acompanhar por Fernando Rau: enquan-to Agostinho da Silva discursava, Rau, com a suamáquina de slides e de projecção, exibia imagens alu-sivas à conversação de Agostinho. Na realidade, de-vido a esta iniciativa, o autor percorre grande partedo País: Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, Socie-dade Recreativa de Beja, Sociedade Recreativa de VilaFranca de Xira (juntamente com Alves Redol e SoeiroPereira Gomes), Sociedade Recreativa Os Franceses,do Barreiro, Escola A Voz do Operário em Lisboa.Nesta última instituição, Agostinho da Silva profereinúmeras conferências, a saber: em Julho de 1939,na sede da Sociedade de Instrução e BeneficiênciaA Voz do Operário, discursou sobre «Cartas sem pa-lavras»; em dia que não surge mencionado no Livrodos Relatórios de Contas desta sociedade, deu umalição na Biblioteca Infantil; no dia 29 de Dezembro

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de 1939, realizou uma palestra dedicada à «Históriado Canal do Suez»; no dia 16 de Março de 1940,deu uma lição sobre as «Abelhas»; em 1941, falousobre os «Aspectos da civilização grega»; e, em 1942,voltou a dar uma lição na mesma escola, contudo,não há referência do tema a que foi dedicada, e par-ticipou, ao lado de outros intelectuais, na exposiçãoanteriana.

Mas este empreendimento sócio-cultural não sedissocia de interesses políticos e religiosos.

Um dos primeiros textos que Agostinho publicasobre a doutrina cristã aparece escrito, em 1934, naSeara Nova. Mais tarde incluído em Glossas, essepequeno artigo apresenta-se muito generalista. Porsua vez, e já em 1942, Agostinho escreve O Cristia-nismo, cujos propósitos são completamente diversosdaqueles enunciados no artigo de 1934. Se este nãopassava de um artigo de jornal simples e inconse-quente, o outro, de cariz mais científico (ou raciona-lista, como o apelidam alguns jornalistas católicos daépoca), é já uma reflexão minuciosa sobre a origemdo cristianismo e os seus objectivos ético-sociais. Naverdade, o autor duvida da historicidade da persona-gem divina de Jesus Cristo (facto que vai levantargrande celeuma nos órgãos informativos de expres-

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são católica) e direcciona toda a demanda cristã paraa esfera da sensorialidade e do real.

Agostinho da Silva faz a apologia da reimplanta-ção do cristianismo primitivo, independentemente deJesus ter existido ou não historicamente, propondo,simultaneamente, à Igreja Católica, um repensar docaminho que trilhou ao longo de todos esses séculos.Na sua perspectiva, a Igreja afastou-se do primeirocristianismo e enveredou por coordenadas opostasaos princípios cristãos. Diante disto, e sensivelmenteum ano depois, torna a enfatizar postulados destanatureza no folheto Doutrina Cristã, associando-se,se ainda houvesse dúvidas, à noção mais primeva decristianismo. A publicação destas duas obras vai con-duzi-lo a percorrer um caminho idêntico ao de mui-tos perseguidos políticos da época: censura, persegui-ção, confiscação de livros e prisão.

Cremos, todavia, que o motivo do seu encarcera-mento não se relaciona somente com a publicaçãodestes escritos. Para a polícia política de Salazarexistem precedentes que identificam Agostinho comoum subversor e um revolucionário. No entanto, a es-tocada final que catapulta Agostinho para a Cadeiado Aljube é a polémica gerada em torno de O Cris-tianismo e de Doutrina Cristã. À imagem do que fez

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com os outros Cadernos de Iniciação, quando pu-blica especificamente estas duas obras, a sua inten-ção é criar alternativas de informação e de culturapara o povo, tão escassas, afinal, no Portugal sala-zarista. Jamais saberemos se Agostinho tinha cons-ciência das consequências que adviriam dessas edi-ções, todavia, cremos que o pensador português nãoera ingénuo e que tinha plena consciência de que, aotrazer à luz escritos daquela natureza, iria ser ardua-mente interpelado. No entanto, não mostrou receiose levou adiante os seus projectos. Para si não eraerrado contestar as fontes evangélicas, questionar-sea data e o local de nascimento de Jesus Cristo, ou,em última análise, até discutir a sua existência histó-rica. No entender de Agostinho, a doutrina de Cristo,independentemente da veracidade histórica ou lendá-ria deste líder espiritual, reside na defesa de umareligião que visa conjugar a dimensão terrena com aceleste (nesta perspectiva, só é possível falar-se deuma evolução espiritual se o homem tiver as condi-ções físicas, sociais e culturais necessárias para aabraçar), que objectiva conceder a todos os homensuma melhoria de vida e, de igual modo, a diminui-ção das suas dores, penas e sofrimentos.

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Nesse aspecto, partindo de uma leitura exegéticados Evangelhos, Agostinho defende que as propos-tas de Cristo se constituem, sobretudo, como anún-cios de um novo tempo, onde a comunidade serálivre (as hierarquias sociais e familiares serão diluí-das), justa (os problemas materiais e económicos nãoexistirão, já que tudo o que houver será de todos —não se coloca, portanto, a premência da propriedadeprivada) e espiritual (a demanda do espírito antever--se-á como questão do mundo sensível, uma vez quea concreção do Reino divino dar-se-á neste mundo,ou seja, aquilo que se convencionou chamar de Reinodos Céus é tão-só a realização do pensamento de Deusna Terra). Todavia, como aquela sociedade não es-tava preparada para acolher as propostas de Cristo,Agostinho crê que houve a necessidade de transferiresses ideais terrenos para a esfera celeste e divina.No fim de contas, os Apóstolos apresentam umatarefa mediadora, promovem uma ascese. Aquilo queantes, e primacialmente, era uma questão social,passa, consequentemente, a ser religiosa e espiritual,tão-só porque a factualidade histórica e cultural nãoa consegue suportar e assimilar.

Se Cristo proclamou uma vinda do Reino, osApóstolos aclamarão uma ida ao Reino. Cristo é

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substituído por São Paulo, «a comunidade primitivados reformadores do mundo» é substituída pelaIgreja. Ora, é a favor da restauração desta comuni-dade primitiva que Agostinho se insurreciona, criti-cando, ao mesmo tempo, a deturpação que a Igrejafez dos ensinamentos de Cristo. Por este motivo, pormais que Agostinho da Silva afirme que o seu esco-po é de origem estritamente espiritual, a realidade éque a sua postura não se dissocia de proposiçõesrevolucionárias, tanto num sentido social como polí-tico. Naturalmente, George Agostinho haveria de es-tar no centro dos ataques e das críticas da Igreja edo Estado portugueses.

Um dos primeiros jornais a criticar O Cristianis-mo e a depreciar o seu autor é o Novidades. Assim,no dia 15 de Fevereiro de 1943, na rubrica «Ecos ecomentários», erige-se uma crítica sarcástica ao ca-derno de iniciação, ao mesmo tempo que o relacio-nam à doutrina comunista. Se, por um lado, apontaas imprecisões relativas à biografia de Jesus e à vera-cidade dos Evangelhos, por outro, ofende pessoal-mente Agostinho da Silva, acusando-o de ter má-fé,de recorrer a processos indignos, de enganar pro-positadamente, enfim, de ser cobarde e desonesto.O autor de O Cristianismo responde-lhes de um

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modo veemente e ousado e a polémica acentua-se.Daqui por diante, Agostinho da Silva posiciona-sedestemidamente: escreve cartas a todos quantos, naimprensa, sobre si e sobre o caderno tratam, marcaencontros com aqueles que o confrontam, exige res-postas e pede satisfações.

À parte o jornal Almonda, que aprofunda com al-guma legitimidade as questões colocadas por Agos-tinho da Silva em O Cristianismo, os outros periódi-cos católicos limitam-se a condenar as suas propostas,associando-as à doutrina comunista. Esta reacçãodisplicente conduz Francisco de Sousa Tavares, ar-ticulista do Acção, a indignar-se com o facto de, atéao momento, nenhum jornal católico criticar cabal-mente o caderno, reservando-se unicamente à expro-bação do autor que até tinha pedido que consigodiscutissem. No fim de tudo, esta atitude só presti-gia Agostinho.

A controvérsia gerada em torno das duas ediçõessó se coloca na medida em que a leitura feita pelosintérpretes é estritamente política e não abrange umahermenêutica maior proposta por Agostinho. Se, aosolhos deste, a defesa do cristianismo primordial im-plica a assunção de ideais democraticamente éticos,sociais, culturais e económicos, para os católicos por-

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tugueses da época, tais escritos não passam de arma-dilhas subversivas, de metáforas comunistas, de ten-tativas de descristianização. Em nome de um cris-tianismo que a maioria dos católicos portuguesesassocia ao panteísmo, as teses agostinianas são tidascomo messiânico-comunistas, como perigosas paraas mentes da juventude. Na realidade, Agostinho daSilva é descrito pela imprensa e pela censura comoinsubordinado, subversivo e progressista, provavel-mente não tanto por aquilo que afirma, mas, acimade tudo, por aquilo que torna latente. No entanto,George Agostinho não é apenas encarado como ummestre refalsado que desnorteia, como um mestre depeixes, de outro ângulo, há quem o defenda na im-prensa e enfatize a sua imparcialidade, a sua tolerân-cia, a sua modéstia espiritual e o seu espírito de serviço.

Quanto à Doutrina Cristã, poder-se-á dizer que oseu conteúdo é de cariz religioso e que os seus pres-supostos não são de natureza política como a PVDEe a grande maioria dos católicos fazem crer. Aocontrário, são de teor ético, tal como Agostinho daSilva afirma numa Carta ao Director de «As Novi-dades». Afinal, o objectivo do pequeno escrito émanifestar-se a favor da preservação da dignidade doser humano em todas as suas vertentes, defender o

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direito à liberdade e à libertação de todos os homensque, pela imposição e despotismo de outrem, se en-contram privados do ser livre.

A difusão cultural que enceta por todo o País, queratravés da publicação dos Cadernos de Iniciação, daAntologia dos Grandes Autores, dos textos para ajuventude À Volta do Mundo, quer através das con-ferências que faz pela província, quer através aindada edição de O Cristianismo e da Doutrina Cristã,levaram a censura salazarista e a polícia política adenunciarem Agostinho da Silva como comunista.Ele, contudo, defende-se e explica que não é comu-nista nem cristão na integralidade, mas que, em di-versos aspectos, concorda com o comunismo e como cristianismo. Sobretudo com os ideais de reformaque ambos apregoam.

Ora, é por defender posturas como essa de umaforma pública que, no início dos anos 40, é perse-guido, censurado e considerado marginal, subversivoe perigoso. Agostinho arrisca-se em nome de umatransformação ética, religiosa, política, económica ecultural. Diante disto, no dia 24 de Junho de 1943 épreso em Lisboa, na Cadeia do Aljube.

Desacreditado pelo Estado e por alguma secção daIgreja Católica portuguesa, parte para a América do

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Sul. Por lá, as reacções ao seu pensamento não sãotão diversas das que recebeu em Portugal, pelo me-nos de um ponto de vista formal, já que, relativa-mente a conteúdos, a recepção é curiosamente in-versa. Assim, nos finais da década de 50, no Brasil,a doutrina que visa compreender as relações entre omundo de língua portuguesa (Portugal-Brasil-África)é entendida, por alguns núcleos de intelectuais (dosquais destacamos Jorge Amado, Eduardo Portella eMilton Santos), de uma forma conservadora e neo-colonialista. Agostinho da Silva, que sentia afinidadescom as perspectivas de Jaime Cortesão e de GilbertoFreyre, vê o seu pensamento ser deturpado infundadae levianamente. Embora se pronuncie explicitamenteanticolonialista e alguns intelectuais brasileiros o consi-derem anti-salazarista, há quem o apelide de colonia-lista mascarado, de chantagista sentimental, de indi-ferente perante a situação da guerra em Angola (1961).Contudo, neste tempo, Agostinho apresenta um pen-sar muito crítico sobre o Portugal presente e passa-do e formula planos para o Portugal futuro.

Se a consciência sócio-política de George Agosti-nho se manifesta, nos anos 20, através de um revi-valismo das concepções clássicas, o que é certo éque ela se forma essencialmente a partir da análise

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da conjectura nacional e da interpretação do modusvivendi internacional da época. Ao fim e ao topo,Agostinho da Silva interroga-se quanto ao futuro dePortugal e critica a postura estrangeirista (reflexo daGeração de 70) que há muito vem minando e influen-ciando a intelectualidade e a sociedade portuguesasem geral. De todo o modo, o pensamento anterianovai seduzir Agostinho um pouco mais tarde (lá pelosfinais dos anos 50, já em terras brasileiras), mor-mente a reflexão erigida em torno da História de Por-tugal e os pressupostos sócio-políticos que subjazemem toda a sua obra.

Seguindo atentamente Antero de Quental, Agosti-nho da Silva concorda com a lucubração feita sobrea decadência social, moral e política em que se en-contrava o Portugal oitocentista, estendida, no pontode vista agostiniano, aos seus dias. No seu enten-der, desde há muito que o País enveredara por umcaminho contrário àquele que havia sido traçado noalvor da Idade Média e que, inevitavelmente, foi res-ponsável pelo abismo em que o mesmo se depara nacontemporaneidade. Se, em Causas da Decadênciados Povos Peninsulares, Antero elogia a Idade Mé-dia, similarmente, em Reflexão, publicado em 1957,Agostinho considera, histórica e espiritualmente, a era

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medieval como época anunciadora da descentraliza-ção do poder, do municipalismo, da democracia e daunião das classes sociais. Para os dois autores, Por-tugal degenerou-se no momento em que decaiu mo-ral (social), política e economicamente. Isto é, quandoaceitou o Concílio de Trento, quando aderiu ao ab-solutismo e quando comungou com o capitalismo.

Na perspectiva anteriana, a difusão do catolicismoimposto pela Contra-Reforma é considerada comouma das principais causas da ruína portuguesa. Porum lado, porque os seus objectivos consistiam em des-virtuar o espírito do cristianismo e em ocultar as pro-postas dos bispos (Lutero e, posteriormente, tambémCalvino) elaboradas na Reforma, por outro, porque en-fatizavam a imposição de um poder inquisitorial. Se aproposta papal de Roma não tivesse vingado, é pro-vável que a Península Ibérica tivesse escapado àdecadência e se encontrasse, na contemporaneidade,no mesmo degrau científico e económico daquelespaíses que, naquele tempo, aceitaram a Reforma.Esses, detentores de liberdade moral, anunciadores daindústria e da classe média, compõem-se, nos nos-sos dias, numa Inglaterra, numa Alemanha, numaHolanda, numa Suíça, nuns Estados Unidos. Deste

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modo pensa Antero. Deste modo pensa, parcialmen-te, Agostinho.

Se Agostinho da Silva corrobora a perspectivaanunciada por Antero de Quental relativamente aoelogio da Idade Média, por outro lado, difere dosideais que o açoriano proclama com veemência.Agostinho, ao contrário de Antero, crê que o futurode Portugal não poderá alicerçar-se quebrando como passado. Ao invés, prefere compreendê-lo e duvi-dar da acção do espírito moderno no atraso intelec-tual e moral do País. Para o autor de Reflexão, oproblema não será solucionado imitando os países doNorte da Europa, mas, mais precisamente, Portugaldeslocar-se para fora dela. No texto de 1957, GeorgeAgostinho afirma que a salvação de Portugal está emdesligar-se do continente europeu, uma vez que este,sim, está decadente, e em retratar-se no Brasil — esteé visto por si como a sobrevivência do Portugal daIdade Média.

A obra de Agostinho da Silva questiona fervorosa-mente o pensamento da Geração de 70. Se, em parte,admira Antero, critica, por outro lado, tudo aquilo queé defendido por intelectuais que desprezam o Mar eelogiam a Europa de além-Pirenéus. O autor quemenos o entusiasma é Eça de Queirós. Na sua pers-

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pectiva, o escritor de Os Maias nunca conseguiuapreender Portugal na sua essência, no seu sofri-mento, nunca se relacionou com a veracidade e rea-lidade do povo português. Para Agostinho da Silva,Eça foi sempre um cônsul de férias em Portugal. En-quanto escritor, apenas se limitou a caricaturar oshomens do seu meio, relativizando as molas maisíntimas do ser, afinal, sobre o Portugal que sofria,não escreveu quase nada. Esta postura significa, paraAgostinho, que o escritor oitocentista não entendeuPortugal na sua história, na sua política, na sua eco-nomia, na sua vida e na sua dor, em conclusão, nãocompreendeu Portugal no seu futuro, tão simples-mente porque não se esforçou para aprender o seupassado e o seu presente. A bem da verdade, ascríticas agostinianas são assaz percucientes, a talponto que não se limita a colocar o dedo na ferida;também defende que, apesar de possuir uma litera-tura mais fraca, Júlio Dinis é mais consistente do queEça: as suas personagens estão conscientes de quea vida não é um salão de baile nem uma sala deconferências, ao contrário, sabem que aquilo que asespera é a miséria ou a emigração desprotegida.

Se Antero de Quental continua, até ao fim da suavida, descontente com a situação de inércia em que,

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aos seus olhos, Portugal se encontra e com a terrí-vel verdade de não ser suficiente assumir que a nossafatalidade é a nossa história, Agostinho da Silvapermanecerá até ao fim dos seus dias em debate como Futuro de Portugal e com a compreensão da suaHistória, porém, e ao contrário de Antero, não morreangustiado com essa questão, jamais se comportacomo um vencido da vida.

Ao equacionarmos uma análise das orientaçõespolíticas que atravessam a vida de Agostinho da Silva,concluímos que ele quase nunca se define filiado aum pensar político específico, apesar da opiniãopública assim não o considerar. Se, nas décadas de30 e 40, é rotulado como comunista e, nos anos 50e 60, é considerado conservador, na verdade, Agos-tinho nunca assume essas posições ideológicas. Con-tudo, quando se associa o pensador a esses ideais énecessário considerar-se a contextualização de taldebate. Afinal, em pleno fervor salazarista, Agostinhocontesta as leis da ditadura e propõe uma divulga-ção cultural a que o Estado e a Igreja se opunham;igualmente, na vivência estreita e desprovida de me-diações da de certos segmentos da esquerda brasi-leira, uma visão, como a de George Agostinho, queenglobasse um debate sobre a colonização e elevas-

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se os ideais de humanismo e de ecumenismo dosPortugueses jamais seria aceite. Nestas perspectivas,poder-se-á compreender que, por mais que o autorse afaste teoricamente das doutrinas que os seusopositores lhe atribuem e contestam, o seu pensa-mento e a sua acção, devido à incompreensão queaqueles fazem da proposta agostiniana no seu todo,acabam por ser identificados com campos a que nãopertencem na sua essência. Ainda assim, o que érelevante questionar não é tanto as comparações eassociações a que está sujeito, mas a originalidade doseu pensamento.

Nesse sentido, o Reino do Espírito Santo, paraalém de se constituir como uma das teses teológico--filosóficas mais fundamentais da sua obra, configu-ra-se igualmente como reflexão sócio-político. Afinalde contas, a demanda espiritual só poderá ser ence-tada se houver um domínio daquilo que assegura omaterial. Neste caso, o Reino do Espírito Santo étambém a vitória da luta contra a fome, da melhoriadas condições de vida, do fim do capitalismo, daigualdade social, económica e cultural para todos oshomens. A bem da verdade, quando o Reino do Es-pírito Santo se tornar uma realidade objectiva, osproblemas da sociedade desigual e desequilibrada te-

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rão a sua solução, tão simplesmente porque os benspertencerão cooperativa e comunitariamente a todos.Não haverá lugar para injustiças sociais, todos terãoo que comer e as prisões serão desnecessárias.

Escusado será dizer que este projecto de Agosti-nho, que é uma reflexão madura e apurada, na me-dida em que encadeia as várias dimensões do serhumano, já estava em lucubração no início da suavida pública. Aquilo que, nos meados dos anos 20,mobiliza o seu ideário é semelhante àquilo que, nosanos 90, o anima peremptoriamente a defender comoReino do Espírito Santo. A única distinção a ser fei-ta é o nome e a maturidade que as duas propostasapresentam. De qualquer forma, a sua intenção polí-tica, apesar de ser por si interpretada como meio deum fim espiritual, é assaz clara: permitir que os ho-mens tenham condições de vida capazes de os liber-tarem das prisões sociais e económicas, a fim de seentregarem à infinitude do Espírito.

2.3. As reflexões filosófico-religiosasde Agostinho da Silva

Muito se tem já discutido a natureza do pensamen-to agostiniano. Pela pluridimensionalidade que a obra

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de Agostinho comporta, é natural que surjam herme-nêuticas diversas. Contudo, o eixo que norteia a re-flexão de George Agostinho concentra um grau filo-sófico e religioso tão premente que não pode serignorado em hipótese alguma. Mesmo que não tenhatido uma formação académica na área da Filosofiaou da Teologia, desde sempre (até já no Liceu) seinteressou pelas humanidades e literaturas de umaforma geral. Quando entra para a Faculdade deLetras do Porto, possui já uma apreciável referênciado pensamento ocidental, que é aprofundada, poste-riormente, no Curso de Filologia Clássica e por es-tudo próprio.

Por mais que se considerasse distante da Filosofia,esteve sempre em diálogo directo e constante coma tradição filosófica ocidental e oriental. Umas vezesmais abertamente, é certo, outras de uma forma maisimplícita. Entre as suas referências abundam as decariz filosófico e teológico. Exemplificamos com oscasos de Platão, Pseudo-Dioniso, Nicolau de Cusa,Joaquim de Fiore, Santa Teresa de Ávila, São Joãoda Cruz, Espinosa, Hegel, Camões, Padre AntónioVieira, Fernando Pessoa e o oriental Lao-Tse.

Em toda a sua obra, Agostinho tem o escopo deconceptualizar uma ideia de Deus em que, simulta-

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neamente, a transcendência conviva com a imanên-cia, o divino se relacione com o humano. Ao fim eao cabo, a agostiniana ideia de Deus associa-se aoEspírito Santo. O seu Deus é um Deus Pentecostal.No entanto, a reflexão em torno desta perspectivaencerra-se ao longo de mais de sessenta anos e nãopodemos afirmar que o seu pensamento tenha sidosempre idêntico, apesar de existirem questões quepermanecem inalteradas. Afinal, sem ser um historia-dor das religiões, Agostinho deambula pelos princi-pais credos do Ocidente e do Oriente, no entanto,por mais que a sua doutrina se apoie essencialmenteno cristianismo primitivo, a matriz do seu pensar re-ligioso é clássica, grega. Se, ao longo da sua vida,se cruza com o cristianismo, com o catolicismo,com o taoismo, com o budismo-zen, com o candom-blé, o certo é que a religiosidade antiga é o alicercedas suas lucubrações acerca de Deus.

O interesse de Agostinho pela temática de Deus émuito precoce. Se, na verdade, os seus escritos dajuventude se encaminham mais para uma perspecti-va sócio-política, ainda nos finais dos anos 20 e noinício dos 30, o autor já reflecte sobre a dimensãoespiritual. Citemos os exemplos de O NativismoRomano, Satura, Breve Ensaio sobre Pérsio, Senti-

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do Histórico das Civilizações Clássicas e A ReligiãoGrega. Durante o primeiro período da sua fase inte-lectual, Agostinho ocupa-se da análise das religiõesantigas, chegando a proclamar que só os ideais gre-gos têm condições de ser os guias da espiritualidadee da vida pública dos seres humanos. No entanto,uns anos depois, passará a debruçar-se sobre outrasreligiões, entre elas o cristianismo. Apesar de tudo,só em 1944, no texto Conversação com Diotima, éque Agostinho afirma de uma forma categórica queo pensamento grego já não poderá conduzir a hu-manidade futura e que cabe à doutrina cristã assu-mir essa demanda.

Com a edição das Biografias e dos Cadernos deIniciação, Agostinho apresenta pequenas reflexõescientíficas sobre formas de religiosidade diversas,todavia, é natural que, nelas, também defenda o seupróprio ideário espiritual. Isso acontece, por exem-plo, em A Vida de Moisés (1937), A Vida de Fran-cisco de Assis (1938) e Vida e Morte de Sócrates(1938). Embora, nesta época, já reflectisse sobreoutras espiritualidades, ainda se mantinha fiel à dou-trina grega. Assim, a abordagem de outras religiõesvai-se somando cada vez mais à sua reflexão primeira,tornando-se o objectivo de Agostinho da Silva a pro-

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moção de um diálogo inter e supra-religioso. De talmodo que, na década de 40, escreve O Budismo(1940), O Islamismo (1942), O Sábio Confúcio(1943), Maomet — Suratas de Meca (1943), Vida deVivekananda (1944) e Conversação com Diotima(1944).

Esta panóplia de diferentes espiritualidades repre-senta já o interesse ecuménico de George Agostinho.Levando-nos a crer que, desde sempre, por maisformas de credo que tenha defendido e estudado, oseu interesse maior é a demanda do Espírito. Nofundo, independentemente do modelo de cultuação,na sua obra só há lugar para a divinização do Espí-rito, que tudo acolhe e que tudo sustém. Contudo, ésempre possível mencionar a existência de uma últi-ma fase, que cronologicamente pode ser conotadacom o término da sua devoção católica (lá pelos finsdos anos 50), em que exorta à vivência do EspíritoSanto de uma forma englobante e não-discriminativa.Na imensidão do Espírito tudo e todos cabem, ocristianismo, o catolicismo, o islamismo, o budismo.A experiência do Espírito Santo é a vivência do ecume-nismo. No pensamento de George Agostinho da Silva,a doutrina ecuménica é uma filosofia redentora, salví-fica e unificadora: no Reino do Espírito Santo, todos

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os seres estão mais próximos da sua essência. Afinal,todos se reconhecem ontologicamente equivalentes,na medida em que, para além de assumirem a suaindividuação, reconhecem no outro a mesmidade queos compõe. Nesse processo dá-se um acréscimo deser e de servir. Cada ser dá ao outro aquilo que é eque tem.

Ora, na sua juventude intelectual, Agostinho já pen-sava parcialmente desta forma. Se analisarmos A Re-ligião Grega, concluímos que a temática de Deus jáse inscreve nas categorias de um universalismo e deum imanentismo/transcendentalismo tão acentuadascomo aquelas que, posteriormente, vai defender.Assim, nessa obra, Agostinho da Silva não só semostra entusiasmado com os preceitos da GréciaAntiga, como idealiza uma sociedade que coloca avida plena como escopo primordial, despreocupan-do-se com a moral (já que esta anula a vida), comas regras sociais (no fundo, são estas que incremen-tam a Dor) e com o tempo cronológico e mortal.Para Agostinho, no princípio da contemplação e daacção humana deverá estar subjacente um fito reli-gioso-espiritual que conduzirá o homem para o des-fazer da cisão. Unindo-se à Natureza e aos deuses,o homem unificar-se-á com tudo o que o envolve, a

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saber, com os outros homens e com a comunidadeem que vive. A vida profana reunir-se-á com o sa-grado.

Aquilo que o autor de A Religião Grega querdeixar evidente é que, ao seguir-se o ideário helénico,poder-se-á construir uma sociedade aberta e livre,onde não há cisão entre homens e deuses e onde nãofaz sentido existir maniqueísmos. Ao fim e ao cabo,o que Agostinho defende é que todas as questõesestão ao alcance do Homem, que o Mundo podefornecer respostas a todas as interrogações humanas,por mais que, aparentemente, existam divisões con-ceptuais e ontológicas. Se, no pensar da Grécia,existiam mundos distintos (o do sensível e o do in-teligível, o do humano e o do divino), por outro lado,a dimensão arquetipal manifestava-se na dimensãosensorial, os deuses conviviam com os homens.Afinal, e parafraseando Agostinho, os homens são,simultaneamente, bichos e deuses.

Em A Religião Grega, Agostinho da Silva propõeuma reflexão religiosa já muito apurada. Ou seja,afirma categoricamente o quão relevante é assumir--se a religião e o espírito como pilares da formaçãopública do ser humano e, em simultâneo, considerao modelo grego como paradigma dessa proposta. Ao

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reconhecer na cultura antiga os valores basilares davida em sociedade, George Agostinho está a sugerirque o Homem se deve desprender das peias que ominoram e mergulhar no sentido espiritual profundo.Se pretende transformar social e politicamente a vidados homens, está convicto de que essa mudança sóé possível por via do reconhecimento do espírito.

Quando parecia que Agostinho já não voltava adissertar sobre a Grécia, eis que surge, em 1952,A Comédia Latina, um dos primeiros grandes textosque o autor escreve na América do Sul. Nessa obra,o autor mostra-se convicto de que a Idade de Ouronão é apenas uma sociedade mítica, até porque, noséculo XIX, surgem pesquisas científicas que atestama existência de comunidades, espalhadas um poucopor todo o mundo, que vivem segundo os relatossupostamente mitológicos: alimentam-se de frutos,são efusivamente alegres e exclusivamente monogâ-micas, tratam as mulheres de forma idêntica, nãocastigam as crianças e, finalmente, não praticam apropriedade privada e não se organizam social e re-ligiosamente. Segundo Agostinho, poder-se-á concluirque a Idade de Ouro corresponde a uma existênciabeatífica, que a ideia de um Deus transcendente (jáque os povos primitivos não tinham religião) só se

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constitui a partir da evolução social (no fundo, surgecom as noções de propriedade e de Estado e, conse-quentemente, com o adensamento da ideia de medo)e que a queda desta era primordial se dá com oadvento da guerra do Homem com a Natureza. Postoisto, desvelam-se as primeiras sociedades e as pri-meiras religiões sistematizadas, fomenta-se a escra-vização da mulher e dos animais, o sentido de posseé aguçado e as crianças passam a ser pedagogica-mente educadas.

Esta nova reflexão de Agostinho sobre a religiosi-dade vai entroncar-se inevitavelmente na matriz clás-sica do seu pensamento, no entanto, para além doenaltecimento da acepção de imanência de Deus (quenão exclui o conceito de transcendência, afinal, am-bos não se opõem), neste texto, o autor vai adensaras críticas à evolução tecnicista e apresentar o Cris-tianismo como agente ressacralizador do devir huma-no, interditado a partir da queda e reconquistadoprovisoriamente pelos Gregos.

No texto de 1952, Agostinho da Silva, na linha doque havia exposto em 1944, na obra Conversaçãocom Diotima, antevê o cristianismo como agenteremissor da humanidade. Afinal de contas, a anuncia-ção do Reino de Deus não é outra coisa senão o

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regresso à Idade de Ouro, agora ampliada «pela ale-gria da redenção». No pensar agostiniano, Jesus pro-põe aos homens um processo de ressacralização domundo, isto é, concede-lhes a oportunidade de seunirem entre si e com o Criador. Nesta perspectiva,o cristianismo é liberdade, afecto (caridade) e con-templação, e mostra-se contrário aos ideais de segu-rança, disciplina e corporativismo social que o Im-pério Romano defende.

Agostinho crê, então, que a vinda de Cristo re-presenta a melhor oportunidade para que uma trans-mutação axiológica possa ser efectuada e a IdadeMédia, como tempo que se dedica ao aprofundamen-to dos ensinamentos cristãos, é o período da Histó-ria em que mais comparações podem ser estabeleci-das com a civilização grega. Para o autor, a IdadeMédia não é o símbolo do obscurantismo nem ésequer um sinal abstruso de maniqueísmos e dog-matismos. Inversamente, a Idade Média «é o verda-deiro Renascimento», o «corpo místico governadopor um espírito santo», tal como escreve em A Co-média Latina.

Na verdade, na concepção agostiniana, a IdadeMédia é uma era fraterna, onde se propagam osideais de irmandade, de comunidade e de comunhão,

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profundamente assimilados pelos Ibéricos. Na mís-tica, na navegação, nos descobrimentos, no teatro,na exploração, tanto Portugueses como Espanhóislutam pela permanência do ideário cristão, por isso,adoptam uma ciência de linha franciscana (que seopõe naturalmente à lógica da ciência aristotélica),defendem a cumplicidade entre religião e ciência eentre mística individual e mística colectiva, apelampara a liberdade do espírito individual sem menos-prezar o corpo místico da Igreja e a concepção deDeus transcendente. Contudo, esses objectivos aca-bam por ser vencidos pelo capitalismo, pelo cien-tismo e pelo protestantismo anunciados pelos povosnórdicos. A irmandade cristã é desfeita e o real su-pera o ideal, o sagrado é sotoposto pelo profano.A monarquia popular e democrática é substituídapela monarquia absolutista; surge a Inquisição e oculto do Espírito Santo é banido do continente por-tuguês; os judeus são expulsos e perseguidos. Ao fime ao topo, o ideal cristão de fraternidade e, porven-tura, de aceitação do outro (independentemente doseu credo) é absolutamente eliminado e procrastina--se, mais uma vez, a implantação da Idade de Ourosobre a Terra. No entanto, Agostinho da Silva, en-quanto defensor de uma doutrina positiva da Histó-

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ria, ainda acredita no ser humano, ainda crê nassuas potencialidades divinas.

O Deus de Agostinho é, então, Imanente e Trans-cendente, Tudo e Nada, Sensível e Racional. De talmaneira que pode ser auscultado tanto pela matériacomo pelo espírito. Por isso é que George Agosti-nho, ao jeito de António Sérgio, se autodefine racio-nalista-místico, por isso é que aprecia os pensamen-tos dos neoplatónicos, de Espinosa, de Hegel e doOriente.

Aparentemente, a posição de Agostinho é parado-xal, ou seja, preconiza um Deus que, apesar de semanifestar de duas maneiras, em si, não é portadorde diferença. No pensar metafísico de Agostinho daSilva existe um Deus, omnipresente e omnipotente,paradoxal, que Tudo e Nada é, que Tudo e a Tudoreúne, inacessível à percepção humana porque é oseu princípio e o seu fim. Contudo, existe um mes-mo Deus que se manifesta complementarmente a sipróprio e se desvela em humanização. Nesta pers-pectiva, Deus e o Homem fundem-se: Deus será oHomem sendo.

A fusão do Homem em Deus e de Deus no Ho-mem é uma mediação que almeja uma ultrapassagem.Nela, Deus é mais do que a união entre si e o Ho-

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mem e o Homem é mais do que a união entre si eDeus, provavelmente regressam às suas essências.Este processo consiste num acréscimo de ser e, aomesmo tempo, é o patamar em que realidades diver-sas e perspectivas duais se congregam. Aí, serãotodos os binómios juntos e a sua superação. Tantoo Homem como Deus serão mais do que eram an-teriormente. Ainda assim, não podemos esquecer queo mesmo Deus nem sempre se manifesta desta for-ma, dir-se-á que vive impassível, longe de qualqueratitude transantinómica.

O Deus da visão agostiniana manifesta-se sempredualmente porque é o Paradoxo Puro. Em últimaanálise, este Deus-Paradoxo, o leitmotiv para a trans-censão, é uma síntese superadora, o extremo degrau,o fim de todas as oposições. Sem embargo, isso nãoimplica que seja um proto-estádio divino, significa queé um processo ocorrido já no seio do próprio Deus.Neste caso, se Deus é o Paradoxo é, simultaneamen-te, a resolução paradoxal.

Agostinho da Silva concorda, deste modo, comNicolau de Cusa. Para ambos, Deus é um ser parado-xal, é a coincidência dos contrários e, igualmente, éum ser que se desvela em humanidade e humaniza-ção. Já que, para ser perfeito e divino, é necessário

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não só ser Tudo (o ser que tudo abarca e que nadadeixa de fora), mas também ser o seu oposto — oNada. O Tudo engloba o Nada (porque senão nãoseria o Tudo), mas o Nada, enquanto contrário, é aoutra face do Tudo. Assim, Deus é, ao mesmotempo, o Tudo e o Nada porque, em e para Deus,estas categorias são semelhantes. A acentuação queAgostinho da Silva acrescenta ao pensamento deNicolau de Cusa, neste ponto, é deveras significa-tiva: Deus, para além de ser (o) Nada, pode tambémEle próprio ser fruto da acção primacial e fundantedessa Entidade Originária (Nada), tal como propõemos orientais, mormente o budismo-zen e o taoismoque o autor tanto aprecia e cita. Deus é Nada, por-que Tudo é, mas, sobretudo, porque participa doNada — fundo primevo e final de Tudo.

Estes argumentos afastam Agostinho das propos-tas de Nicolau, contudo, os seus pensamentos asse-melham-se porque, para ambos, existe um entendi-mento de Deus que é explanado na coincidência doscontrários. Com efeito, escreve Nicolau de Cusa quea morada de Deus é um lugar transcendente, não sóaos contrários mas à coincidência dos contrários.Deus será já a superação dos opostos, isto é, a suafusão e transcensão. No fundo, Deus é, paradoxal-

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mente, a mesmidade dos opostos, já que, no Seu ser,não há distinções, apenas há contrariedades que seanulam, tornando-se complementaridades ou, parafra-seando Nicolau, contradições que não são contradi-ções.

George Agostinho é, porém, mais heterodoxo einovador do que o teólogo alemão. Apesar deste, emdeterminada passagem de A Visão de Deus, questionarse a visão de Deus também não é a visão do Ho-mem. É possível que Nicolau de Cusa esteja a equa-cionar duas premissas: a visão de Deus só é e existeporque a visão do Homem concebe o ver divino, nofundo, Deus estaria dependente do Homem (contudo,não cremos que Nicolau, de uma forma tão linear,supusesse esse argumento); ou a visão de Deus é aconcedência, ao Homem, da Sua visão. É muitoprovável que o teólogo esteja, então, a pressupor asegunda hipótese, no entanto, uma hermenêutica deAgostinho apontaria a primeira. No seu pensamento,Deus também é humano, o Homem também é divino.Sem qualquer dúvida, o ver ou o ser de Deus estádependente do ver e do ser do Homem. Deus é oHomem sendo. De qualquer forma, na perspectiva deAgostinho da Silva, o argumento de Nicolau é muitoexplícito: só a partir do momento em que o Homem

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se reconhece humano, poderá reconhecer-se divino,ou seja, só a partir do momento em que assumir assuas fraquezas e as suas transcendências, poderá serenglobado no ser de Deus. Já que, no seio do serdivino, tudo se explica e se supera, já que a condi-ção da divindade, em sua manifestação dual, é seressencialmente humanidade. A essência de Deus e doHomem confundem-se, finalmente. Porém, o que érelevante é o acréscimo de ser que as entidades en-volvidas ganham: Deus reconhece-se mais Deus, Deusreconhece-se mais humano, o Homem reconhece-semais Homem e o Homem reconhece-se mais divino.

Estas questões interessam vivamente a Agostinho,sobretudo quando são questionadas por aqueles queconsidera grandes homens de pensamento e de acção.O caso de Espinosa, por exemplo. Na obra agostinia-na existem múltiplas referências ao pensador holan-dês de ascendência lusíada, que interferiram, natural-mente, na construção do seu próprio pensar. Para si,o que Espinosa quer dizer, essencialmente na Ética,é que tudo o que existe, existe em Deus ou, ao seujeito, tudo o que existe é Deus sendo, e que Deus éa causa primeira de tudo; Deus determina tudo o queexiste. Quando Espinosa escreve Deus, está, comoé sabido, a escrever Substância, na medida em que

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esta é aquilo que existe em si e por si mesma éconcebida. De qualquer modo, a temática do deter-minismo desenvolvida pelo filósofo holandês colocaquestões pertinentes que estão associadas à concilia-ção do determinismo de Deus com o tema da liber-dade. Espinosa afirma categoricamente que Deus édeterminista e que só Ele é livre; contudo, na pró-pria Ética, contrapõe tal argumento, proclamandoque, se for guiado pela Razão, o Homem poderáatingir a liberdade. Ora, esta contradição é, paraAgostinho da Silva, propositada. Típica de quem sedeixa orientar pela expressividade máxima do ser-seportuguês.

A perspectiva monista da Substância defendida porEspinosa interessa a Agostinho, não num sentidoestrito, onde a única substância que existe é Deus,mas numa apologia do Espírito, entendida como umaentidade ou força que percorre, de igual forma, todoo Cosmos. Nesta óptica, o Espírito é a centelha cos-mologicamente única, una e transversal. No fundo,a mónada agostiniana é o Espírito, não enquantoDeus (tal como a Substância é para Espinosa), masenquanto sopro divino (venha ele de Deus ou doNada). Assim sendo, também Agostinho é defensor

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de um monismo espiritual, embora a sua manifesta-ção seja sempre dual ou contraditória/paradoxal. Se,através da leitura da obra de Espinosa, podemos afir-mar que no princípio e para sempre é o Um, nopensamento de Agostinho somos conduzidos a infe-rir que no princípio e para sempre é o Dois.

O Espírito, a que o pensador português, quasehegelianamente, chama de Absoluto, ainda que tenhauma acção determinista (a partir do instante em quetudo abrange e a tudo preside), é, acima de tudo,um promotor de liberdade. Se há acções que o ho-mem não pode definir, prever e calcular, de outromodo, é-lhe dada a possibilidade de optar, de mudare de escolher a sua própria acção, a sua própria vida.

Quando o Espírito se manifesta dualmente atravésde Deus, ou seja, quando concede, no seio do seudeterminismo, liberdade ao Universo, e especificamen-te aos homens, está a expressar-se de uma formaimanente. O Espírito e/ou Deus, enquanto díades edualidades, são simultaneamente transcendentes eimanentes. Deus é transcendente quando, determi-nista, cria o Universo e lhe é omnipotente e omni-presente. Deus é imanente quando permite ao Uni-verso que recrie livremente o seu caminho, a sua

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acção e a sua vida. Neste sentido, Deus é presenteao Universo, ou melhor, faz-se presente, inclui-se noUniverso, a ponto de se confundir com ele, a pontode ser tão divino como humano. Deus é, destemodo, para os dois autores, presente ao mundo e àNatureza.

Através destas tábuas de conceitos, Agostinho daSilva desenvolve o seu próprio pensar. Assimila omonismo espinosista como ponto de partida paraaquilo que vai conceber como monismo espiritual.O Espírito é o Absoluto e é em absoluto. Diante disto,podemos questionar a legitimidade de as doutrinas deJoaquim de Fiore e de Hegel contribuírem para aformação da agostiniana filosofia do Espírito Santo.Afinal, a sua acepção do Espírito comunga de algunsdos pressupostos defendidos pelos dois pensadores.

Um dos autores que mais surge citado nos textosde Agostinho, a partir dos anos 50, é Joaquim deFiore. O interesse pelo monge calabrês advém so-bretudo da conduta por si praticada e da sua teseem torno da teoria/teologia da História. Afinal, Fioreera um seguidor de São Bento, um homem que seencontrava na charneira entre a reforma da regrabeneditina e as ordens mendicantes do século XIII (ade São Francisco e a de São Domingos), que tanto

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entusiasmavam Agostinho da Silva. No fim de con-tas, o que o autor português mais aprecia no mongecalabrês é o facto de ele ter sido um monástico de-fensor do eremitismo primitivo e do anti-intelectua-lismo/clericalismo.

Para além de estar em sintonia com os ideais mo-násticos de Joaquim de Fiore, George Agostinho en-tusiasma-se com a interpretação teológica da Históriafeita através da análise simbólica dos quatro evan-gelhos. Interpretação que, curiosamente, terá influen-ciado alguns dos pensadores ocidentais (Dante, PadreAntónio Vieira, Hegel), sobretudo aqueles que estãoligados ao franciscanismo espiritual. Ou seja, Agos-tinho terá assimilado a hermenêutica do desenvolvi-mento histórico do mundo, concebida profeticamentepor via das três idades (Pai, Filho e Espírito Santo),como pressuposto da instauração do Culto do DivinoEspírito Santo em Portugal e também como apologiade um Império Espiritual Futuro. Contudo, esta ques-tão não é tão linear quanto aparenta ser e, no nossoponto de vista, Agostinho descomplexifica a propostado monge da Calábria.

Não sabemos ao certo se George Agostinho leudirectamente Joaquim de Fiore ou se as suas teses

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lhe chegaram através do entusiasmo que Jaime Cor-tesão sentia pelo profeta italiano. De qualquer forma,é por via do estudo da tradição popular portuguesaque Agostinho se interessa pelas teorias do mongecisterciense. É por de mais sabido que o Reino doEspírito Santo, exposto na obra agostiniana, repre-senta o auge místico e popular da era medieval por-tuguesa. Para o autor, o futuro da Humanidade as-senta no renascimento dos ideais de serviço, desimplicidade e de liberdade exaltados quer por SãoBento quer por São Francisco, e que são simbolica-mente exaltados no Culto Popular Português do Es-pírito Santo, criado pela Rainha Santa Isabel e porD. Dinis.

Com efeito, baseados na teoria das três idades deJoaquim de Fiore que Arnaldo Vilanova (médico daprincesa de Aragão) lhes apresentou, os monarcasinventam uma festa que celebra a vinda de uma novaera. Depois de ter existido a Idade do Pai (criadorae legisladora) e a Idade do Filho (amorosa e cari-dosa), seguir-se-á a Idade do Espírito Santo (gracio-samente plena), isto é, o tempo da abundância, daliberdade e da criatividade, e que é metaforicamenteretratado através da coroação de uma criança (ou de

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uma pessoa pobre), do dote concedido às donzelaspara os seus casamentos e da gratuidade do bodo.

Agostinho da Silva também está mais próximo dasleituras que os discípulos de Joaquim (sobretudo dainterpretação apresentada por Gerardo — franciscanoespiritual radical) fizeram das Três Idades do Mundodo que propriamente da doutrina do abade calabrêsem estrito senso. É nesta perspectiva que afirmamosque o autor português simplificou o pensar de Fiore.

O objectivo essencial da obra fiorina é a análisedo desenvolvimento histórico, social e ético do mun-do e, como tal, a Igreja não pode alhear-se desteprocesso que, ao fim e ao cabo, é essencialmentede carácter místico e espiritual. De igual forma,Agostinho apresenta um escopo semelhante quando,no início dos anos 40, em Portugal, propõe que aIgreja se reestruture, que regresse aos seus ensina-mentos primordiais. Joaquim, através do EvangelhoEterno, propõe que a Igreja se renove e inverta asdemandas institucionais e intelectualistas que se dis-sociam flagrantemente dos pressupostos espirituais ecomunitários do cristianismo primitivo. Afinal, a criseda Idade do Filho não é outra senão a da transgres-são dos valores primaciais da Igreja que, por meio

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do Espírito, pode ser ultrapassada. Agostinho, porsua vez, sugere que a Igreja se afaste do seu aspectocatolicizante e se reaproxime do seu sentido essencial.

O Reino do Espírito Santo pode constituir-se comoa melhor alternativa para a concretização dessa pro-posta. Decerto porque se manifesta como o ambientepropício para a vivência do comunitarismo e da li-berdade espiritual ensinada por Cristo. Conquanto,sabemos que essa passagem implica uma transver-são de valores sociais, culturais, históricos que, apriori, estão dependentes de uma dialéctica rigorosae cronologicamente delicada. Ainda assim, o pensa-dor português não se abstém de afirmar que tal pas-sagem é, acima de tudo, de teor instantâneo e im-pulsivo. Se George Agostinho nos garante que, defacto, o processo se revela adialéctico, não podemosmascarar a complexa demanda que o sujeito atravessano seu próprio ser. Por mais que a vinda do (ou aida ao) Império do Espírito Santo seja instantânea, oque é certo é que a consciencialização humana ja-mais se demite da sua função gradativa. E se o Im-pério do Espírito Santo é, primeiramente, um ReinoEspiritual e Interior e só depois Social e Histórico,não podemos apartar desta transferência o aspecto

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processual e dialéctico que lhe é, naturalmente, implí-cito. No fundo, quando Agostinho se refere ao carác-ter adialéctico do Império do Espírito está, provavel-mente, a ter em conta a percepção intuitiva e imediata,ou seja, espiritual da sua condição. Porém, o pro-cesso que medeia essa consciencialização e a suaconcretização objectiva e social requer um percursodialéctico.

Joaquim de Fiore, ao contrário de Agostinho, expli-cita categórica e minuciosamente todos os passos queenglobam a transformação do processo histórico--escatológico do mundo. Enquanto o monge apresentauma doutrina complexa, baseada numa exegese apu-rada dos quatro evangelhos (afinal, para o autor, osquatro evangelistas foram não só inspirados pelo Es-pírito, como os seus testemunhos representam umaprogressão espiritual e ordenada da História e davinda de Jesus) e numa leitura abrangente do AntigoTestamento, o autor português, guiado pela perspec-tiva joaquimita, aponta uma inversão mental, econó-mica e cultural das sociedades. Embora a sua suges-tão se oriente pela visão profética e apocalíptica deFiore, de facto, a interpretação de Agostinho é mui-to mais descomplexificada e linear do que a do ere-mita medieval. No fundo, Agostinho da Silva apenas

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se entusiasma com a tripartição do movimento histó-rico e com a visão soteriológica associada à era doEspírito Santo. Como sabemos, Joaquim terá formu-lado uma teoria mais enredada.

De Fiore concebe o sentido geral da História deuma forma ordenada e ritmada por etapas (às quaischama idades ou tempos — estruturas puramente for-mais) que são reveladoras de uma espiritualizaçãoprogressiva. Na realidade, o arcabouço do mundo éessencialmente temporal, isto é, divide-se em perío-dos sucessivos, e pode ser simbolicamente represen-tado pela dinâmica semanal. No fundo, o desenvol-vimento mundano processar-se-ia em sete idades,correspondendo a sétima ao advento do Espírito.Contudo, o monge cisterciense preconiza, de igualmodo, uma teoria da História que se desvela em trêsidades: a Idade do Pai, a Idade do Filho e a Idadedo Espírito Santo. No pensamento de Joaquim, pare-ce que há uma inversão no processo da comum tem-poralidade (parte-se da velhice para se chegar à infân-cia), bem como é provável que haja uma depuraçãoreligiosa (do monacal chega-se ao laicismo) e umaafinação espiritual e intelectiva (o medo, depois dese ter transmutado em fé, é substituído pela cari-

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dade). O Pai seria a maturidade, o Filho a paciên-cia e o Espírito a sinceridade infantil.

Esta aparente divisão tripartida do sentido da His-tória não é unidimensional nem tão-pouco é circular,ainda que, na visão do monge, a dialéctica temporalpossa ser entendida como um conjunto de três cír-culos que se cruzam e sobrepõem (no fim de con-tas, todos os estádios se articulam organicamente).Até porque só assim se compreende que a Idade doPai se frutifique em Abraão, que a Idade do Filho sefrutifique em Ozias e que a Idade do Espírito sefrutifique em São Bento ou que à ordem conjugalcorresponda Moisés, à clerical, João Baptista e à es-piritual, Elias. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma visãosimultânea de ordens e de idades, de uma dialécticaintermediária, já que, ao mesmo tempo, se participaainda de uma idade e se anuncia já uma outra.

Se o objectivo dos dois autores se constitui simi-lar, não podemos aceitar que as suas justificaçõessejam idênticas. No nosso ponto de vista, Agostinholê, na maioria das vezes, metaforicamente Joaquimde Fiore. Ora, essa expressão é própria de quem estámais interessado no joaquimismo espiritual do que natese do próprio Joaquim. Contudo, George Agosti-nho não interpreta Fiore a seu bel-prazer, deixando

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de parte os postulados do monge. Pelo contrário, asua percepção teológica vai ao encontro da dimen-são histórica, tal como propõe o abade medieval. Parao autor português, a era futura só se compreendeatravés de uma hermenêutica aprofundada de todo oprocesso histórico-social e tal análise desemboca,irrefragavelmente, na antevisão de um tempo quali-tativamente superior àqueles que já passaram. Noentrementes desse processo, devido à caocidade ba-bélica em que o mundo se transformou, é possívelque «haja, antes dela, uma apocalíptica Idade», con-tudo, o Império do Divino há muito que está anun-ciado e espera abditamente, nos espíritos dos homensmais esclarecidos e voluntariosos, uma oportunidadepara vingar de uma forma categórica e universal. Pormais que, ao longo dos últimos séculos, tenha sidoablegado pelo poder político e religioso, o que é certoé que ele continua vivo na alma do povo e na tradi-ção além-atlântica.

A doutrina de Agostinho sobre Deus apresenta-seespiritualmente monista e ecuménica. Curiosamente,sempre foi. Se, no início do seu pensamento sobreDeus, espiritualidade e religiosidade (ainda demasia-damente científico, porventura), estas questões eramcolocadas à luz do classicismo e do cristianismo, por

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outro lado, eram também já incluídas numa reflexãomais global, onde se relacionavam com as demaisformas de expressão espiritual. Deste interesse trans-religioso para uma interpretação ecuménica o passoé curto e, provavelmente, inevitável. Assim, a partirda sua vivência no Brasil, quando estreita o contac-to com Jaime Cortesão e conhece novos cultos (deentre eles, o candomblé), Agostinho da Silva conce-be uma teoria ecuménica da religião que tem comopressuposto a metafísica do Espírito Santo. O Espí-rito, nesta perspectiva, é uno mas a sua manifesta-ção é plural. Por isso é que todos os credos, ou atémesmo religiões, são formas diversas de vivência doEspírito. Por isso é que também é possível, na visãode Agostinho, celebrarem-se, em conjunto e simul-taneamente, todas as manifestações do Divino quecada religião interpreta à sua maneira. No fundo,ainda que Deus não seja o mesmo para todos e omodo de interpretá-lo seja diferente, não há modifi-cações essenciais. No Espírito tudo é semelhante.

Explorar a noção de Deus no pensamento de Agos-tinho da Silva não é, por todos os motivos que apon-támos, uma tarefa linear e objectiva. Se, na verdade,uma concepção de Deus que inclua, simultaneamente,a unicidade, a dualidade e a trindade é ortodoxa e

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comum na história do pensamento ocidental, torna--se, porém, mais radical e relevante quando acres-centa outros aspectos que se prendem com a fusãode categorias que, a priori, não são fundíveis. Nofundo, aquilo que enriquece a reflexão agostiniana éa ousadia de pensar o imprevisível e o tremendamentediscutível. Afinal, na sua óptica, Deus é, ao mesmotempo, transcendente e imanente, divino e humano,tudo e nada. Apesar de uma asserção desta naturezaimplicar uma maturação de algumas décadas emtorno da questão de Deus e do sentimento religioso,cremos que ela está sempre presente na obra deAgostinho da Silva. Umas vezes menos apurada, écerto, mas outras profundamente fundamentada. Detal maneira que pode ser tida como a melhor inter-pretação agostiniana da visão de Deus. E, consequen-temente, daquilo que formula, em essência, sobremetafísica, filosofia e religião.

Em jeito de conclusão, diremos que Agostinho daSilva, no essencial, é um ser da pluridimensionali-dade. Não só porque na sua obra ousa convocar adiversidade temática, mas também porque no seio decada tematização busca o verso, o reverso e o trans-verso. Ousadia e busca que, de forma análoga, exer-citou na sua própria vida.

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De tal modo que o que mais importa, numa aná-lise essencial sobre Agostinho da Silva, é a reflexãoacerca da harmonia entre o seu pensamento e a suaacção, que, em última análise, cremos estar na sen-da da multiplicidade universal. *

* Agradeço a Amon Pinho pela leitura, comentários críticos esugestões feitas, assim como pela indicação das edições originaisde alguns textos de Agostinho da Silva por si pesquisadas.

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TÁBUA BIOBIBLIOGRÁFICADE AGOSTINHO DA SILVA

1906 — Agostinho da Silva nasce no Porto no dia 13 de Feverei-ro, mas, no fim do Verão, os seus pais mudam-se paraBarca d’Alva.

1912 — Com a promoção profissional do pai, a família regressaao Porto e o pequeno Agostinho frequenta a Escola Pri-mária de São Nicolau.

1913 — Faz o exame do primeiro grau e fica distinto.1914 — Faz o exame do segundo grau e ingressa na Escola Indus-

trial Mouzinho da Silveira.1917 — Matricula-se no Liceu Rodrigues de Freitas.1924 — Entra para a Faculdade de Letras do Porto para cursar

Filologia Românica, mas, no mesmo ano lectivo, trans-fere-se para o curso de Filologia Clássica.

1928 — Termina a sua licenciatura, é nomeado professor provi-sório do Liceu Alexandre Herculano (Porto) e passa acolaborar na Seara Nova.

1929 — Conclui a sua tese de doutoramento, O Sentido Históricodas Civilizações Clássicas, e é nomeado professor provi-sório do Liceu Central de Gil Vicente.

1930 — Frequenta a Escola Normal Superior em Lisboa, estagiano Liceu Pedro Nunes e publica A Religião Grega.

1931 — Como bolseiro, estuda em Paris (Sorbonne e Collège deFrance). Escreve Miguel Eyquem, Senhor de Montaigne.É nomeado professor efectivo no Liceu do Padre Jeró-

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nimo Emiliano de Andrade, em Angra do Heroísmo, masnão assume funções.

1932 — Embora continue em Paris, é nomeado professor efecti-vo no Liceu Mouzinho da Silveira, em Portalegre.

1933 — Regressa de Paris e é colocado, em Aveiro, como profes-sor efectivo no Liceu José Estêvão.

1935 — É demitido do ensino oficial por não ter assinado a LeiCabral. Ganha uma bolsa do Ministério das Relações Ex-teriores de Espanha e vai estudar para o Centro de Estu-dos Históricos de Madrid.

1936 — Com a eminência da guerra civil espanhola, volta paraPortugal. Lecciona em colégios privados e dá aulas par-ticulares a meninos ricos.

1937 — Cria a Escola Nova de São Domingos de Benfica e passaa publicar, na Seara Nova, as Biografias.

1939 — Cria, conjuntamente com outros intelectuais, o NúcleoPedagógico de Antero de Quental. Passa a ter processopolítico na PVDE.

1940 — Dedica-se à elaboração de Iniciação — Cadernos de In-formação Cultural.

1942 — Edita O Cristianismo.1943 — Publica Doutrina Cristã e é preso, no Aljube, a 24 de

Junho.1944 — A obra Conversação com Diotima é publicada e, nesse

mesmo ano, auto-exila-se na América do Sul. A primeiraestada é no Brasil.

1945 — Vai para a Argentina, lecciona na Escola de Estudos Su-periores de Buenos Aires. Em Portugal são editadas asobras Diário de Alcestes, Glossas e Sete Cartas a umJovem Filósofo.

1946 — Muda-se para o Uruguai e ensina nos Colégios Libres(Montevideu).

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1947 — Regressa ao Brasil e instala-se na Serra de Itatiaia (Pe-nedo).

1948 — Fixa-se no Rio de Janeiro e trabalha no Instituto Oswal-do Cruz, na Faculdade Fluminense de Filosofia e na Biblio-teca Nacional.

1952 — Integra o corpo docente da Universidade da Paraíba comoprofessor de História Antiga e de Literatura Portuguesa.

1954 — Colabora na organização da Exposição Histórica doIV Centenário da Cidade de São Paulo.

1955 — Contribui para a fundação da Universidade de Santa Ca-tarina e, aí, ensina Literatura Portuguesa e Filologia Ro-mânica. Escreve Um Fernando Pessoa. Assume as fun-ções de director de Cultura do Estado de Santa Catarinae trabalha na Direcção-Geral do Ensino Superior, do Mi-nistério da Educação.

1956 — Publica Ensaio para uma Teoria do Brasil (editado emPortugal em 1966).

1957 — Edita Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa.1959 — Cria o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), em

Salvador, e ensina Filosofia do Teatro na Universidadeda Bahia. Naturaliza-se brasileiro.

1960 — Edita As Aproximações.1961 — Torna-se assessor para a política externa do Presidente

da República Jânio Quadros.1962 — Cria o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses na Uni-

versidade de Brasília. Sai, em Salvador, a compilação SóAjustamentos.

1963 — Desloca-se ao Japão como bolseiro da UNESCO. Visitatambém Macau e Timor.

1964 — Assenta moradia entre Brasília, Cachoeira (no Recôncavobaiano) e Salvador (onde concebe a formação do Museudo Atlântico Sul, no Forte de São Marcelo).

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1965 — Escreve As Folhas de São Bento e Outras.1968 — É eleito membro da Academia Internacional de Cultura

Portuguesa. Vai aos Estados Unidos da América leccionarem cursos de mestrado e doutoramento do Queens Col-lege (Nova Iorque).

1969 — Regressa a Portugal.1970 — Escreve Educação de Portugal (só editada em 1989) e

colabora na revista Vida Mundial.1976 — É reformado pelo Governo Brasileiro.1981 — Regressa esporadicamente ao Brasil.1982 — Vai ao Senegal com o apoio da Fundação Calouste Gul-

benkian e ministra, na Universidade de Dakar, um cursointitulado «Fernando Pessoa — Mensagem, História, Ideo-logia, Mitologia e Projecto».

1983 — É nomeado director do Centro de Estudos Latino-Ame-ricanos do Instituto de Relações Internacionais da Uni-versidade Técnica de Lisboa e do Gabinete de Apoio doInstituto de Cultura e Língua Portuguesa (ICALP).

1986 — Escreve Cartas Várias.1987 — Recebe a grã-cruz da Ordem de Santiago de Espada.1988 — Vai a Moçambique e é eleito membro da Academia da

Marinha.1990 — Participa em programas de televisão (protagoniza o pro-

grama Conversas Vadias).1992 — Renacionaliza-se português.1994 — Morre em Lisboa, no dia 3 de Abril (domingo de Pás-

coa).

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SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA

Textos de Agostinho da Silva *

Obras

Breve Ensaio sobre Pérsio, Lisboa, edição de autor, 1929.Sentido Histórico das Civilizações Clássicas, Porto, 1929.A Religião Grega, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1930.Miguel Eyquem, Senhor de Montaigne, Coimbra, Imprensa da Uni-

versidade, 1933.Sanderson e a Escola de Oundle, Lisboa, Inquérito, 1941.O Cristianismo, Vila Nova de Famalicão, edição de autor, 1942.Doutrina Cristã, Lisboa, edição de autor, 1943.Conversação com Diotima, Vila Nova de Famalicão, edição de au-

tor, 1944.Diário de Alcestes, Vila Nova de Famalicão, edição de autor, 1945.Glossas, Vila Nova de Famalicão, edição de autor, 1945.Moisés e Outras Páginas Bíblicas, Lisboa, edição de autor, 1945.Sete Cartas a um Jovem Filósofo, Vila Nova de Famalicão, edição

de autor, 1945.

* Parte significativa da obra de Agostinho da Silva está reeditada emAgostinho da Silva, Obras de Agostinho da Silva, coordenação de PauloBorges, Lisboa, Âncora Editora, 1999-2003 (12 vols.).

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Herta, Teresinha, Joan ou Memórias de Mateus Maria Guada-lupe, Lisboa, Portugália Editora, 1953.

Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, Brasil, Ministérioda Educação e Cultura, 1957.

Um Fernando Pessoa, Porto Alegre, Instituto Estadual do Livro,1959.

As Aproximações, Lisboa, Guimarães Editores, 1960.Só Ajustamentos, Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, Colecção

Tule 7, Série Ensaio, 1962.Lembranças Sul-Americanas de Mateus-Maria Guadalupe segui-

das de Tumulto Seis e Clara Sombra a das Faias, Lisboa, Co-tovia, 1989.

Educação de Portugal, Lisboa, Ulmeiro, 1989.Vida Conversável, organização de Henryk Siewierski, Lisboa, Assí-

rio & Alvim, 1994.«Pensamento à solta», Agostinho da Silva, Obras de Agostinho

da Silva, Textos e Ensaios Filosóficos II, coordenação de PauloBorges, Lisboa, Âncora Editora, 1999.

Artigos e outras referências bibliográficas

A Comédia Latina, prefácio do volume da sua tradução de peçasde Plauto e Terêncio, Anfitrião, Os Cativos, Os Adelfos, Aulu-lária, O Gorgulho, O Eunuco, Porto Alegre, Editora Globo,1952 [pesquisa de Amon Pinho].

«Considerando o Quinto Império», Tempo Presente, n.o 17-18,II ano, Set.-Out., 1960.

As Folhas de São Bento e Outras, 1 a 7, Rio de Janeiro, publica-ção de autor, Fevereiro de 1965 a Outubro de 1968.

«Quinze princípios portugueses», Espiral, ano II, n.o 8-9, Invernode 1965.

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«Ensaio para uma teoria do Brasil», Espiral, ano III, n.o 11-12,1966.

Barca d’Alva, Educação do Quinto Império, fascículo 1-2, assi-nado João Cascudo de Morais, publicação do autor, Lisboa,1971.

«Cartas a São Félix», Correio de São Félix, Maio a Novembro de1971.

«Carta chamada Santiago» (25 de Julho de 1973, 1 de Maio de1974, 21 de Maio de 1974, 17 de Junho de 1974, 1 de Julhode 1974, 2 de Julho de 1974, 17 de Agosto de 1974, 18 deAgosto de 1974, 3 de Setembro de 1974), in Agostinho da Silva,Dispersos, organização de Paulo Borges, Lisboa, ICALP, 1989.

«Pensamento em farmácia de província», 1 a 10, Fevereiro a Julhode 1977, assinado João Cascudo de Morais, in Agostinho daSilva, Dispersos, organização de Paulo Borges, Lisboa, ICALP,1989.

«É a hora», Dezembro de 1987, Janeiro de 1988, Fevereiro de1988, Março de 1988, Abril de 1988, Maio de 1988, Junho de1988, Julho de 1988, Agosto de 1988, Setembro de 1988,Outubro de 1988, Novembro de 1988, Dezembro de 1988, inAgostinho da Silva, Dispersos, organização de Paulo Borges,Lisboa, ICALP, 1989.

«Cartas várias», in Agostinho da Silva, Dispersos, organização dePaulo Borges, Lisboa, ICALP, 1989.

Textos sobre Agostinho da Silva

BORGES, Paulo A. E., «Agostinho da Silva ou a divina paradoxia»,in AA. VV., Agostinho, São Paulo, Green Forest do Brasil Edi-tora, 2000.

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——, «Do ‘nada que é tudo’. A poesia pensante e mística de Agos-tinho da Silva», in AA. VV., Agostinho da Silva — Um Pensa-mento a Descobrir, Torres Vedras, Cooperativa de Comunica-ção e Cultura, 2004.

CARVALHO, Margarida, e MOTA, Helena M. B., Uma Introduçãoao Estudo do Pensamento Pedagógico do Professor Agosti-nho da Silva, Lisboa, Hugin Editores, 1996.

CÉSAR, Constança Marcondes, «Agostinho da Silva e o Brasil»,A Phala, Lisboa, Assírio & Alvim, Julho/Agosto de 1994.

——, «Entre o oriente e o ocidente: Agostinho da Silva», inAA. VV., Agostinho, São Paulo, Green Forest do Brasil Editora,2000.

DAVI, Amon Pinho, «Breve interpretação da teoria agostiniana dahistória portuguesa», in AA. VV., Agostinho da Silva e o Pensa-mento Luso-Brasileiro, Lisboa, Âncora Editora, 2006.

DOMINGUES, Joaquim, «Agostinho da Silva e a Faculdade de Letrasdo Porto», De Ourique ao Quinto Império — Para uma Filo-sofia da Cultura Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casada Moeda, 2002.

EPIFÂNIO, Renato, «Entre Portugal e o Quinto Império — a Men-sagem de Fernando Pessoa à luz da Visão/Viagem de Agostinhoda Silva», in AA. VV., Agostinho da Silva — Um Pensamentoa Descobrir, Torres Vedras, Cooperativa de Comunicação e Cul-tura, 2004.

POMBO, Olga, «Educação de Portugal», in Revista de Educação,Lisboa, Departamento de Educação da Faculdade de Ciênciasda Universidade de Lisboa, vol. II, n.o 1, Maio de 1991.

QUADROS, António, «Agostinho da Silva, profeta do Terceiro Mi-lénio», in Jornal de Letras, Lisboa, 22 de Setembro de 1986.

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SILVA, Dora Ferreira da, «A complexa simplicidade», A Phala, Lis-boa, Assírio & Alvim, Julho/Agosto de 1994.

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——, «Agostinho na tradição 5.o-imperial», in AA. VV., Agosti-nho, São Paulo, Green Forest do Brasil Editora, 2000.

——, «Da razão e da mística: as heterodoxias de Espinosa e deAgostinho da Silva», in AA. VV., Agostinho da Silva — UmPensamento a Descobrir, Torres Vedras, Cooperativa de Co-municação e Cultura, 2004.

——, «Olhares sobre o amor e o feminino na obra de Agostinhoda Silva», in AA. VV., Actas do I Ciclo Agostiniano no Faial,Horta, FaiAlentejo, 2003.

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ÍNDICE

Introdução — O essencial em e de Agostinho da Silva 3

1 — O essencial do percurso biográfico de Agostinhoda Silva ..................................................................... 5

1.1. Dos anos de formação ao conflito com oGoverno Português (1906-1944) ............... 5

1.2. A vivência da América do Sul: Argentina,Uruguai e Brasil (1944-1969) .................... 10

1.3. O regresso a Portugal: os anos de reconhe-cimento popular (1969-1994) .................... 15

2 — A obra de Agostinho da Silva no seu essencial ... 18

2.1. Agostinho da Silva: o educador ................. 182.2. A acção político-cultural de Agostinho da

Silva ............................................................ 372.3. As reflexões filosófico-religiosas de Agos-

tinho da Silva ............................................. 55

Tábua biobibliográfica de Agostinho da Silva ............ 85

Síntese bibliográfica ..................................................... 89

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Composto e impressona

Imprensa Nacional-Casa da Moedacom uma tiragem de 800 exemplares.

Orientação gráfica do Departamento Editorial da INCM.

Acabou de imprimir-seem Março de dois mil e seis.

ED. 1012578ISBN 972-27-1455-4

DEP. LEGAL N.o 238 613/06

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839 789722 714556

ISBN 972-27-1455-4

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AGOSTINHODASILVA

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Romana Valente Pinho

O essencial sobre

AGOSTINHO DA SILVA

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