Aimpossivelpretensaodosquaternionistas29082008

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A IMPOSSÍVEL PRETENSÃO DOS QUATERNIONISTAS Elysio R. F. Ruggeri Furnas Centrais Elétricas SA RESUMO A álgebra dos quatérnios foi desenvolvida por Hamilton a partir de 1843 com o objetivo de estender a interpretação geométrica dos números complexos do plano para o espaço. Seus seguidores aspiravam que essa álgebra pudesse ter utilidade na Física da época, mas ela não foi do agrado de Gibbs que a conheceu possivelmente por volta de 1870. Gibbs, então, desenvolveu uma álgebra com vetores (reais e complexos); e deu à luz o utilíssimo Cálculo Vetorial. Neste artigo apresentamos argumentos que, à época, invalidariam as aspirações dos quaternionistas e reforçariam a adoção da álgebra de Gibbs. Esses argumentos, entretanto, estão baseados na simples e útil álgebra dos diádicos que passou despercebida por físicos e matemáticos que se apegaram ao generalíssimo e emergente Cálculo Tensorial. É difícil entender como isso possa ter acontecido, pois todas essas idéias foram publicadas pela Yale University Press em conjunto com as lições de Gibbs em Analise Vetorial. O que assistimos durante o século XX foi, então, a adoção dos cálculos vetorial e tensorial, com formulações e notações bem distintas, e a conseqüente abertura de um vazio entre eles que, na visão deste autor, pode muito bem ser preenchido pelo Cálculo Poliádico que amplia o Cálculo Vetorial. 1 - FATOS HISTÓRICOS Todos os fatos históricos aqui relatados são apresentados por Crowe [1] em excelente trabalho que descreve todo o desenvolvimento do sistema vetorial e a luta de Gibbs contra os quaternionistas seguidores de Hamilton. Hamilton (Sir William Rowan Hamilton), que nasceu em 1805, em Dublin, descobriu em 1843 um celebérrimo operador que transformava vetores paralelos a um plano em vetores paralelos a esse mesmo plano, alterando-lhes direção, sentido e módulo. Durante 22 anos desenvolveu a teoria e a generalizou, até o ano de sua morte (1865). Publicou seu trabalho com o título: “Lectures on Quaternions”, em 1853, em Dublin. Em Londres, em 1866, foram publicados os “Elements of Quaternions” (como uma segunda edição das “Lectures”). Gibbs (Josiah Willard Gibbs), que nasceu em New Haven em 1839, começou a lecionar sua “Vector Analysis” em 1880 na Universidade de Yale. Foi o primeiro nos USA a conseguir um doutorado em engenharia (por Yale), em 1863. De 1866 até 1869 trabalhou na Europa (Paris, Berlin e Heidelberg) quando se interessou por ciência teórica e matemática. De 1871 até sua morte, em 1903, foi professor de física-matemática na Universidade de Yale. Entre 1881 e 1884 foram publicados seus “Elements of Vector Analysis” na forma de panfletos (apostilas) em Yale. O sistema vetorial de Gibbs (e de Heaviside) - como ficou conhecido o atual Cálculo Vetorial (ou a Análise Vetorial) parecia ser uma adaptação das idéias de Hamilton às necessidades da física da sua época. Todas as suas lições e resultados de pesquisa foram registrados e publicados por seu pupilo Wilson [2]. Os nomes de Hamilton e Gibbs estão por trás das mais expressivas pesquisas na área da matemática ideal para se expressar a física, até o ano de 1901. Com as mesmas intenções e aspirações quanto à utilidade das teorias, quaternionistas de um lado e vetorialistas do outro se envolveram em uma disputa, que durou vários anos, quanto à supremacia de suas idéias e concepções. Esses argumentos foram todos registrados nas principais revistas da época (Nature, Philosophical Magazine, Philosophical Transactions of the Royal Society of London, Proceedings of the Royal Society of Edinburgh e outras). O sistema quaternionista foi aparentemente esquecido. O sistema de Gibbs foi mais expressivo e prático; por isso mesmo, possivelmente, ainda é largamente utilizado na atualidade na física clássica. Mas é possível também que nem todas as concepções e operações com vetores, desenvolvidas por Gibbs quase todas apresentadas por Wilson (o.c.) - tenham sido realmente entendidas e exploradas. Resta, entretanto, uma adaptação daquelas concepções para a Teoria da Relatividade (com suas quatro dimensões), onde o conceito de vetor ainda subsiste.

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A IMPOSSÍVEL PRETENSÃO DOS QUATERNIONISTAS

Elysio R. F. Ruggeri

Furnas Centrais Elétricas SA

RESUMO

A álgebra dos quatérnios foi desenvolvida por Hamilton a partir de 1843 com o objetivo de estender a

interpretação geométrica dos números complexos do plano para o espaço. Seus seguidores aspiravam que

essa álgebra pudesse ter utilidade na Física da época, mas ela não foi do agrado de Gibbs que a conheceu

possivelmente por volta de 1870. Gibbs, então, desenvolveu uma álgebra com vetores (reais e

complexos); e deu à luz o utilíssimo Cálculo Vetorial. Neste artigo apresentamos argumentos que, à

época, invalidariam as aspirações dos quaternionistas e reforçariam a adoção da álgebra de Gibbs. Esses

argumentos, entretanto, estão baseados na simples e útil álgebra dos diádicos que passou despercebida por

físicos e matemáticos que se apegaram ao generalíssimo e emergente Cálculo Tensorial. É difícil entender

como isso possa ter acontecido, pois todas essas idéias foram publicadas pela Yale University Press em

conjunto com as lições de Gibbs em Analise Vetorial. O que assistimos durante o século XX foi, então, a

adoção dos cálculos vetorial e tensorial, com formulações e notações bem distintas, e a conseqüente

abertura de um vazio entre eles que, na visão deste autor, pode muito bem ser preenchido pelo Cálculo

Poliádico que amplia o Cálculo Vetorial.

1 - FATOS HISTÓRICOS

Todos os fatos históricos aqui relatados são apresentados por Crowe [1] em excelente trabalho que

descreve todo o desenvolvimento do sistema vetorial e a luta de Gibbs contra os quaternionistas

seguidores de Hamilton.

Hamilton (Sir William Rowan Hamilton), que nasceu em 1805, em Dublin, descobriu em 1843 um

celebérrimo operador que transformava vetores paralelos a um plano em vetores paralelos a esse mesmo

plano, alterando-lhes direção, sentido e módulo. Durante 22 anos desenvolveu a teoria e a generalizou, até

o ano de sua morte (1865). Publicou seu trabalho com o título: “Lectures on Quaternions”, em 1853, em

Dublin. Em Londres, em 1866, foram publicados os “Elements of Quaternions” (como uma segunda

edição das “Lectures”).

Gibbs (Josiah Willard Gibbs), que nasceu em New Haven em 1839, começou a lecionar sua “Vector

Analysis” em 1880 na Universidade de Yale. Foi o primeiro nos USA a conseguir um doutorado em

engenharia (por Yale), em 1863. De 1866 até 1869 trabalhou na Europa (Paris, Berlin e Heidelberg)

quando se interessou por ciência teórica e matemática. De 1871 até sua morte, em 1903, foi professor de

física-matemática na Universidade de Yale. Entre 1881 e 1884 foram publicados seus “Elements of

Vector Analysis” na forma de panfletos (apostilas) em Yale. O sistema vetorial de Gibbs (e de Heaviside)

- como ficou conhecido o atual Cálculo Vetorial (ou a Análise Vetorial) – parecia ser uma adaptação das

idéias de Hamilton às necessidades da física da sua época. Todas as suas lições e resultados de pesquisa

foram registrados e publicados por seu pupilo Wilson [2].

Os nomes de Hamilton e Gibbs estão por trás das mais expressivas pesquisas na área da matemática ideal

para se expressar a física, até o ano de 1901. Com as mesmas intenções e aspirações quanto à utilidade

das teorias, quaternionistas de um lado e vetorialistas do outro se envolveram em uma disputa, que durou

vários anos, quanto à supremacia de suas idéias e concepções. Esses argumentos foram todos registrados

nas principais revistas da época (Nature, Philosophical Magazine, Philosophical Transactions of the

Royal Society of London, Proceedings of the Royal Society of Edinburgh e outras).

O sistema quaternionista foi aparentemente esquecido. O sistema de Gibbs foi mais expressivo e prático;

por isso mesmo, possivelmente, ainda é largamente utilizado na atualidade na física clássica. Mas é

possível também que nem todas as concepções e operações com vetores, desenvolvidas por Gibbs – quase

todas apresentadas por Wilson (o.c.) - tenham sido realmente entendidas e exploradas. Resta, entretanto,

uma adaptação daquelas concepções para a Teoria da Relatividade (com suas quatro dimensões), onde o

conceito de vetor ainda subsiste.

2

No item 5 apresentamos um compacto de alguma matéria sobre os diádicos, necessária ao entendimento

deste artigo. Na obra [3] do presente autor todas as concepções de Gibbs foram preservadas e estendidas

aos poliádicos em geral com a finalidade de se tornarem ainda mais úteis à física.

2 – O QUATÉRNIO DE HAMILTON

2.1 - Definição

Um quatérnio real, que denotaremos pela letra Q (em negrito) com algum adorno (um índice,

asterisco, vírgula, aspas etc., em tom natural), é uma quadra ordenada de números reais D, A, B e C; e

escreveremos:

Q=(D,A,B,C), (2.1),

gozando das seguintes propriedades:

1 – A que cria o quatérnio nulo, denotado por 0 (zero, em negrito):

0=(0,0,0,0), (2.2);

2– A que estabelece um critério de igualdade. Dados: Q=(D,A,B,C) e Q’=(D’,A’,B’,C’), diremos

que Q é igual a Q’, e escreveremos Q=Q’ se e somente se A=A’, B=B’, C=C’ e D=D’.

Dentre os quatérnios distinguem-se quatro quatérnios unidades:

1=(1,0,0,0), I=(0,1,0,0), J=(0,0,1,0) e K=(0,0,0,1), (2.3);

O primeiro, 1, será denominado quatérnio unidade real e os demais quatérnios unidades imaginários I, J

e K1.

2.2 - Adição e multiplicação por número real

Definem-se e denotam-se as operações de adição de quatérnios (sinal+) e multiplicação de

quatérnio por número real (sinal×) tal como na álgebra ordinária. Tem-se:

Q+Q’=(D+D’,A+A’,B+B’,C+C’), (quatérnio soma) (2.4),

e

MQ=(MD,MA,MB,MC), (M real) (quatérnio produto) (2.5).

O oposto de um quatérnio obtém-se multiplicando esse quatérnio por -1. A subtração de dois

quatérnios tem então um significado: é a adição de um com o oposto do outro.

Propriedades

Demonstra-se que essas operações gozam das mesmas propriedades das suas análogas da álgebra

ordinária. Assim:

Q+Q’=Q’+Q, (Q+Q’)+Q”=Q+(Q’+Q”),

MQ=QM, (MA)Q=M(NQ), M(Q+Q’)=MQ+MQ’ etc., (2.6).

Os quatérnios Q e Q’=MQ serão ditos paralelos, demonstrando-se facilmente que:

a condição necessária e suficiente para que dois quatérnios sejam paralelos é que as

quadras (ordenadas) que os definem sejam proporcionais.

1 Essa nomenclatura é do autor e será justificada mais adiante.

3

2.3 - Multiplicação de dois quatérnios

Utilizando os quatérnios unitários e as operações definidas por (2.4) e (2.5), podemos escrever:

Q=(D,A,B,C)=D1+AI+BJ+CK, (2.7).

Por analogia com a nomenclatura das unidades definidas por (2.3), a parcela D1 de Q será

denominada sua parte real e AI+BJ+CK sua parte imaginária2. Escreveremos, quando necessário:

(Q)re=D1 e (Q)im=AI+BJ+CK, (2.8).

Com a representação (2.7), Hamilton definiu o produto de dois quatérnios Q=(D,A,B,C) e

Q’=(D’,A’B’,C’), que indicaremos por Q.Q’3, como se estes fossem polinômios, mas aplicando a

seguinte tábua de multiplicação dos quatérnios unidades:

Tábua de multiplicação das unidades

1 I J K

1 1 I J K

I I -1 K -J

J J -K -1 I

K K J -I -1

com a condição de que os elementos da primeira coluna representem o primeiro fator do produto a

formar. Assim, segundo a tabela:

I.J=K, J.I=-K, J.K=I, ..., K.J=-1, I.I=J.J=K.K=-1 etc.,

devendo observar-se que o algarismo 1 em tom natural representa o número real 1. Os produtos das

unidades imaginárias por si mesmas (seus quadrados) mostram que todas têm uma “norma” idêntica à da

clássica unidade imaginária i dos números. Tem-se, então:

Q.Q’=(D1+AI+BJ+CK).(D’1+A’I+B’J+C’K)=

=DD’-(AA’+BB’+CC’)+

+D (A’I+B’J+C’K)+D’(AI+BJ+CK)+

'C'B'A

CBA

KJI

, (2.9),

o pseudo-determinante devendo ser desenvolvido segundo a regra de Laplace pelos elementos da primeira

linha. É claro que o produto de dois quatérnios é um quatérnio, sendo:

(Q.Q’)re=DD’-(AA’+BB’+CC’) e (Q.Q’)im=D (Q’)im+D’(Q)im+

'C'B'A

CBA

KJI

, (2.9)1,

Se calculássemos o produto Q’.Q - e o resultado equivaleria a substituir na expressão (2.9) A por

A’, B por B’, C por C’ e D por D’ - veríamos que apenas o sinal do determinante em (2.9) seria trocado;

somos, assim, levados a concluir que a multiplicação de quatérnios não é operação comutativa em geral, a

não ser que (para certo par de quatérnios fatores) aquele determinante fosse nulo (os números A, B, C e

A’, B’ e C’ seriam proporcionais).

A tábua de multiplicação dos quatérnios unidades mostra que o produto de qualquer um deles pelo

quatérnio unidade real 1 é quatérnio idêntico ao quatérnio fator; e que o produto de I por si próprio (seu

quadrado) é igual a +1. Têm-se, também:

2 Esta nomenclatura também é do autor e será justificada mais adiante. 3 A notação é do autor.

4

M1=(M,0,0,0), (M1).Q=Q.(M1)=MQ,

(M1).(M’1)=(M,0,0,0). (M’,0,0,0)= (MM’,0,0,0)=(MM’)1MM’1,

(M1)+(M’1)=(M,0,0,0)+(M’,0,0,0)=(M+M’,0,0,0)=(M+M’)1.

Então, quatérnios da forma M1 se comportam algebricamente como números reais, o que mostra que o

conjunto dos quatérnios encampa o conjunto dos números reais; e como sejam da forma (M,0,0,0), fica

justificado denominar-se D em (2.7), ou D1, a parte real do quatérnio (D,A,B,C). Além disso,

poderemos, também, simplesmente escrever: D1=D e eliminar, sem perigo de confusão, o símbolo

operatório para indicar multiplicação entre números reais e entre reais e quatérnios. Manteremos,

entretanto o símbolo operatório (o ponto: .) para indicar a multiplicação de quatérnios.

O produto indicado em (2.9) pode, então, ser escrito na forma mais compacta:

Q.Q’=(D1+AI+BJ+CK).(D’1+A’I+B’J+C’K)=

=DD’-(AA’+BB’+CC’)+

+D (A’I+B’J+C’K)+D’(AI+BJ+CK)+

'C'B'A

CBA

KJI

, (2.10),

Teorema: (do produto nulo)

Um produto de quatérnios só se anula se um deles é o quatérnio nulo.

Vamos demonstrar esse teorema por redução ao absurdo. Suponhamos seja nulo o produto de dois

quatérnios não nulos Q e Q’. A definição (2.10) exige que as quadras definidoras dos quatérnios

satisfaçam o sistema:

0,CD'DC'AB'BA'

0BD'AC'DB'CA'

0AD'BC'CB'DA'

0DD'CC'BB'AA'

do qual poder-se-á determinar a quadra não nula (D’,A’,B’,C’) – a quadra das incógnitas – se dada a

quadra (D,A,B,C); isto é, o sistema acima deve admitir uma solução não trivial (porque, por hipótese, o

quatérnio Q’ é não nulo). A condição necessária e suficiente para que exista essa solução é que o

determinante do sistema seja nulo:

0

CDAB

BADC

ABCD

DCBA

.

Mas esse determinante é igual a –(A2+B

2+C

2+D

2)

2 , e só se anula se Q=0; o que é absurdo.

Em outras palavras:

É impossível anular um produto de quatérnios não nulos.

2.4 - Quatérnios especiais

Consideremos o conjunto dos quatérnios do tipo especial: Q=(D,A,0,0), Q’=(D’,A’,0,0) ....

Temos:

Q+Q’=(D1+AI)+(D’1+A’I)= (D+D’)1+(A+A’)I,

e

Q.Q’=(D1+AI).(D’1+A’I)=DD’-AA’+(DA’-AD’)I=Q’.Q.

5

Esses resultados mostram que os quatérnios do tipo Q=(D,A,0,0) se identificam com os clássicos

números complexos. De fato, pois na álgebra desses quatérnios especiais o quatérnio unidade real pode

ser identificado com o número real 1 e o quatérnio unidade imaginária I como a unidade imaginária i. Isto

justifica parcialmente a nomenclatura adotada para a parte imaginária do quatérnio.

É fácil constatar que os quatérnios do tipo Q=(D,0,B,0), Q’=(D’,0,B,0) ..., bem como os do tipo

Q=(D,0,0,C), Q’=(D’,0,0,C’) ..., são também números complexos.

O conjunto dos quatérnios do tipo Q=(D,A,B,0), Q’=(D’,A’,B’,0) ...., por outro lado, embora

encampe o conjunto dos números complexos, não se identifica com nenhum conjunto especial de novos

números da Álgebra. Por outro lado, se decompusermos (arbitrariamente) o real D em duas parcelas M e

N, escreveremos: Q=M+AI+N+BJ. Como os quadrados de I.I=J.J=-1, I e J poderiam ser vistos, sem

impedimento, por força de postulado, como duas unidades imaginárias distintas embora apresentem

quadrado e raiz quadrada iguais. Nesse caso, Q seria uma soma de dois números complexos “de campos

diferentes”, álgebra essa possivelmente desenvolvida por Hamilton. Por esse caminho talvez pudesse ser

mantida a cadeia da criação de conjuntos de novos números, cada um encampando os anteriores, como

tem acontecido historicamente na Álgebra. Não sendo válido esse caminho, parece frustrar-se a

“expectativa matemática” por uma “simetria” estrutural; mas isso parece não ser uma questão

fundamental. O conjunto dos quatérnios em referência deve ser considerado, então, apenas um sub-

conjunto do conjunto de todos os quatérnios.

Entretanto, pode ser que essa interpretação do quatérnio – uma soma de três números complexos

de “campos” distintos – possa retratar a preocupação de Hamilton relacionada com a extensão do conceito

de número complexo ao espaço tridimensional.

Devemos, finalmente considerar os quatérnios especiais do tipo Q=(0,A,B,C), Q’=(0,A’,B’,C’) ....

O produto de dois quaisquer é obtido de (2.10) onde se façam, simplesmente: D=D’=0:

Q.Q’=(01+AI+BJ+CK).(01+A’I+B’J+C’K)=-(AA’+BB’+CC’)+

'C'B'A

CBA

KJI

, (2.11),

com

(Q.Q’)re=-(AA’+BB’+CC’) e (Q.Q’)im=

'C'B'A

CBA

KJI

, (2.11)1,

2.5 - Posturas impossíveis

Segundo os seguidores e interpretes de Hamilton ([4], [5]): 1) - cada um dos três quatérnios

imaginários foi associado com um dos três eixos cartesianos ortogonais de um sistema de coordenadas

cartesianas; 2) - esses quatérnios foram postulados como vetores reais (como os entendemos hoje). Mas

não está claro que esta tenha sido de fato a postura de Hamilton.

Válidas as interpretações do item 2.4, os quatérnios do tipo (0,A,B,C) poderiam ser imaginados

representados por flechas, dotadas de origem e extremidade, e aplicados na origem O do sistema. Nesse

caso o produto AI (um quatérnio particular) seria um vetor real paralelo ao eixo OX, BJ paralelo ao eixo

OY, CK paralelo ao eixo OZ; e o quatérnio AI+BJ+CK um vetor real cuja flecha seria diagonal do

paralelepípedo construído sobre os três primeiros vetores e teria origem em O.

O produto (2.11) e o teorema do produto nulo, entretanto, mostram que esses postulados estão em

visível contradição com a álgebra de Gibbs. De fato, para que o produto de dois vetores (reais) fosse nulo

– ou seja, insistimos, que o produto de dois quatérnios não nulos do tipo Q=(0,A,B,C), Q’=(0,A’,B’,C’)

fosse nulo – o produto escalar (Q.Q’)re (parte real de (2.11)) e o vetorial (Q.Q’)im (parte imaginária de

(2.11)) desses vetores deveriam ser simultaneamente nulos. Se a parte real fosse nula, os vetores seriam

ortogonais; se parte imaginária fosse nula, eles seriam paralelos. Logo, esses vetores reais devem

simultaneamente paralelos e ortogonais, o que é impossível.

Hamilton morreu em 1865. Até 1863, Gibbs estava preocupado em conseguir seu doutorado em

Yale, sendo pouco provável que Hamilton soubesse da sua existência ou de seu trabalho. Assim,

Hamilton não teve certamente a chance de esclarecer esse sofisma inserido (inadvertidamente?) em suas

“Lectures on Quaternions”.

6

Em resumo, o teorema do produto nulo permitiu comprovar vez por todas, que a associação e o

postulado atrás referidos não são compatíveis com os resultados de Gibbs; e nem poderia ser porque a

própria tábua de multiplicação adotada por Hamilton não permite essa identificação. Isso justifica por que

é repugnante a idéia de somar um escalar com um vetor real (imagine o leitor o que seria a soma de uma

força com o momento de uma força em relação a um ponto!). Isso comprova também que as duas

álgebras são distintas e válidas desde que a parte imaginária de um quatérnio seja entendida como um

“vetor imaginário”, ou qualquer outro nome que o valha (pseudo-vetor, por exemplo). Logo, a geometria

a ser desenvolvida com os quatérnios (candidata a valer, quem sabe, no espaço de Minkowsky) é

diferente da geometria desenvolvida com os vetores reais (válida no espaço euclidiano). Mas deve ser

precisamente nesse ponto que Gibbs pode ter sentido a necessidade de adaptar melhor as idéias de

Hamilton às necessidades da Física de sua época. E isso foi providencial!

3 – DUAS IDÉIAS COM A MESMA INTENÇÃO

As adaptações das idéias de Hamilton4, feitas por Gibbs, foram fundamentais para a estruturação do

sistema vetorial (que se contrapunha ao sistema quaternionista). Essas adaptações, como as operações

entre vetores definidas por Gibbs, tornaram mais úteis os vetores, inclusive do ponto de vista gráfico.

Conseguimos desenhar um vetor numa escala, para representar uma força, mas nunca representaremos um

quatérnio. Com alguma aproximação podemos determinar graficamente o vetor soma de dois outros, mas

nunca o quatérnio soma de dois outros; etc. O sistema vetorial de Gibbs (e Heaviside) era prático por

demais para ser abandonado, como o foram os quatérnios; por isso o utilizaremos sempre.

O sistema vetorial de Gibbs não só resolveu todos os problemas apresentados pelos quaternionistas

como resolveu outros possivelmente não abordados por eles. Isso, porém, não significa que tais

problemas não possam ser resolvidos (algebricamente) pelos quatérnios; mas existem dúvidas porque não

existem vetores reais na teoria dos quatérnios.

Tanto na obra de Wilson [2], com na do presente autor [3], podemos encontrar vários tipos de

diádicos regentes de transformações sobre vetores do espaço. Existem quatérnios regentes de rotações no

espaço e no plano5, tal como existem diádicos de rotação; mas ao diádico cíclico (de Gibbs)

6, que rege

rotações elípticas, parece não corresponder algum quatérnio com as mesmas prerrogativas.

Mas não caberá mostrar aqui todo o potencial dos vetores e diádicos conforme concebidos por

Gibbs. Caberá simplesmente, através de um exemplo prático, mostrar uma “infeliz coincidência” que

corrobora a admissão das incompatibilidades referidas no item 2.

4 – AS ROTO-HOMOTETIAS

Se, conforme os intérpretes de Hamilton, um quatérnio é a soma simbólica de um número real com um

vetor, então um vetor é um quatérnio cuja parte real é nula (como visto no item 2.4). Ponhamos, para

dado quatérnio Q: Q=(D,A,B,C)=D+AI+BJ+CK=D+u, e para outro quatérnio (vetor) qualquer, r,

r=(0,P,Q,R)=0+r.

Então, efetuando o produto desses dois quatérnios aplicando (2.10), temos:

Q.r=0-u.r+Dr+ur, (4.1),

expressão em que u.r e ur representam, respectivamente, o produto escalar e o vetorial dos vetores u e

r. Nesse ponto o leitor pode muito bem, mais uma vez, notar a proximidade das duas concepções

algébricas. Deve notar, ainda, que, para um vetor qualquer, r, o produto Q.r é um quatérnio e não

conseguimos representá-lo geometricamente. Mas para todos os vetores r=m ortogonais a u (logo, todos

paralelos a um plano ortogonal a u) tem-se:

Q.m=Dm+um=m’, pois u.r=0, (4.2),

4 Outro trabalho que pode ter inspirado Gibbs nessa reestruturação, talvez de forma mais expressiva que o de Hamilton em alguns

aspectos, foi o do alemão Grassmann. 5 Brant., p. 417; Chatelun, p. 496. 6 Wilson, Capítulo VI, especialmente, p. 348 em diante.

7

caso em que m’(=Q.m) teria representação geométrica porque é um vetor. Assim, Q transforma um vetor

ora num quatérnio (sem representação geométrica), ora num vetor com representação geométrica, como é

o caso da expressão (4.2). O quatérnio Q transforma por multiplicação, quando usado como pré-fator, o

vetor m de num vetor m’ do mesmo plano. O vetor transformado é a soma de dois vetores: um deles é o

vetor Du que é paralelo a u, logo paralelo ao plano ; o outro é um vetor ortogonal a u e a m, logo

também paralelo a .

Consideremos agora um vetor a qualquer do plano , e seja a’ o seu transformado por Q nas

condições (4.2). Imaginemos todos os vetores a, a’, m e m’ aplicados num ponto I de ; e sejam A, A’, M

e M’ as suas extremidades. É fácil comprovar que os triângulos MIM’ e AIA’ são diretamente

semelhantes. Isto significa que a’ provem de a por uma rotação de certo ângulo, seguida de uma

homotetia de centro I, rotação e homotetia essas que não dependem de a.

Podemos escrever (4.2) na forma simbólica:

Q.m= m, com (D+u), (4.3),

e entender o símbolo como um operador que age sobre um vetor qualquer, m, de , transformando-o

em um novo e bem determinado vetor m’ do mesmo plano . Esse operador faria, então, o mesmo papel

que o quatérnio Q atuando como pré-fator em produto com vetores (que são quatérnios especiais)

paralelos ao plano , transformando-os por roto-homotetia.

Não fossem as impossibilidades assinaladas no item 2, seria absolutamente correto denominar

quatérnio o operador , seguindo a proposta de Chattelun7.

5 – RÁPIDA NOÇÃO DE DIÁDICOS

Consideremos dois conjuntos ordenados de três vetores: {a1, a

2, a

3} e {b1, b2, b3} tais, que a um vetor

com certo índice de um conjunto corresponda o vetor de mesmo índice no outro. Esses conjuntos ocorrem

com fartura nos fenômenos físicos. Com dois vetores correspondentes (de mesmo índice), digamos a1 e

b1, Gibbs concebeu o símbolo a1b1: um produto indeterminado de vetores simplesmente justapostos em

dada ordem; e com a soma simbólica de díades, concebeu o novo símbolo: =a1b1+a

2b2+a

3b3. Ao

primeiro símbolo Gibbs denominou díade e ao segundo diádico. Mas poderia ter sido considerada a soma

de igual status que a anterior: T=b1a

1+b2a

2+b3a

3, um novo diádico, denominado transposto (ou

conjugado) do primeiro. Diremos que o primeiro diádico tem os vetores as por antecedentes e os vetores

bs por conseqüentes; o diádico T pode, então, ser obtido de trocando-se neste antecedentes pelos

respectivos conseqüentes.

Do diádico podemos gerar dois números reais, denotados por E e 3, e um vetor, denotado por

V, definidos pelas expressões respectivas:

E=a1.b1+a

2.b2+a

3.b3, 3=(a

1a

2a

3)(b1b2b3) e V=a

1b1+a

2b2+a

3b3, (5.1),

onde utilizamos as notações tradicionais: ponto para a multiplicação escalar de vetores, vê invertido para

a multiplicação vetorial de dois vetores e duplo parênteses para o produto misto dos vetores dentro do

mesmo. O diádico será dito completo se for 30; incompleto em caso contrário (pelo menos um dos

produtos mistos em (5.1) é nulo).

Se, digamos, os vetores do terceto {a1, a

2, a

3} forem não coplanares, caso em que (a

1a

2a

3)0, ele

admitirá um terceto recíproco, denotado por {a1, a2, a3}, seus vetores tendo com os vetores do primeiro

terceto as relações representadas sinteticamente por ai.aj=i

j, os números i

j sendo os deltas de Kronecker

(valem +1 para índices i=j e 0 para índices ij). Vetores não coplanares (ou linearmente independentes),

como {a1, a2, a3} constituem uma base vetorial no espaço dos vetores; da mesma forma, {a1, a

2, a

3}

constitui uma base. Demonstra-se que qualquer vetor v desse espaço pode ser escrito na forma:

v=(v.a1)a1+(v.a

2)a2+(v.a

3)a3, (5.2)1,

ou na forma equivalente:

7 Chatelun, item 163, p. 479.

8

v=(v.a1)a1+(v.a2)a

2+(v.a3)a

3, (5.2)2.

As expressões (5.2) representação a “decomposição cartesiana” do vetor v nas bases recíprocas.

Com uma das decomposições (5.2) pode ser provado que, dado um diádico qualquer, este pode ser

representado na forma =b1a1+b

2a2+b

3a3, dita trinomial, de que os antecedentes ou os conseqüentes

sejam vetores linearmente independentes.

Escritos dois diádicos quaisquer, e , em forma trinomial com os mesmos antecedentes

independentes (ou conseqüentes), diremos que eles são iguais se tiverem conseqüentes iguais (ou

antecedentes). Poderá acontecer, por exemplo, que =T e o diádico será dito simétrico; nesse caso, será

necessariamente: V=o (o vetor de é o vetor nulo); e reciprocamente, se o vetor do diádico é nulo, ele é

simétrico.

Na representação trinomial, pelo menos um dos fatores do terceiro do diádico é sempre diferente

de zero; logo o diádico será completo ou incompleto se o outro fator for nulo ou não nulo. O diádico

será dito planar se, sendo independentes os conseqüentes de uma sua representação trinomial, seus

antecedentes forem paralelos a um mesmo plano; será dito linear se os antecedentes forem paralelos. Aos

diádicos planares está associado sempre um par de planos e estes podem ser: ortogonais, e o diádico é dito

ortoplanar; ou coincidentes, e o diádico é dito uniplanar. Aos diádicos lineares está associado um par de

retas e estas podem ser: ortogonais, e o diádico é dito ortolinear; ou paralelas, e o diádico é dito

unilinear.

As operações de adição de diádicos e multiplicação de diádico por número real são definidas

como na álgebra dos vetores. Uma propriedade útil é a da transposição na adição de diádicos:

(+)T=

T+

T. Particularmente, para qualquer , o diádico +

T é sempre simétrico. Diádicos do tipo -

T serão ditos anti-simétricos, sendo -

T=-(-

T)

T.

O produto ponteado (ou pontuado) do diádico pelo vetor r é definido pela expressão:

.r=(a1b1+a

2b2+a

3b3).r=(b

1.r)a1+(b

2.r)a2+(b

3.r)a3, sendo, em geral, .rr. (a operação não é

comutativa), mas .r=r.T. O produto r’=.r é um vetor (combinação linear dos antecedentes de ); para

um conjunto qualquer de vetores r, o diádico pode ser entendido como um operador. Se as coordenadas

do vetor transformado, r’, forem funções lineares das do vetor r a transformar - por exemplo, se os

vetores a’s de base forem constantes e os v’s não forem funções dos a’s - o diádico “regerá” ou

“executará” uma “transformação linear” dos vetores r’s.

Resulta imediatamente da definição de produto de diádico por vetor que o diádico

I=a1a1+a

2a2+a

3a3=a1a

1+a2a

2+a3a

3, (5.3),

um diádico completo (cujo terceiro é igual a +1), executa uma “transformação idêntica”, ou seja, deixa

inalterado qualquer vetor; Gibbs deu a esse diádico o nome de idem fator, ou diádico unidade.

Uma segunda operação definida na álgebra dos diádicos é idêntica à anterior onde se troque o sinal

da multiplicação escalar (ponto) pelo sinal de multiplicação vetorial (ou multiplicação cruzada). Assim,

tem-se o produto cruzado de diádico por vetor: r=(a1b1+a

2b2+a

3b3)r=a

1(b1r)+a

2(b2r)+a

3(b3r) –

um novo diádico - onde a ordem dos vetores deve ser considerada. Essa operação também não é

comutativa em geral, isto é, rr, podendo ser comprovado facilmente que r=-rT. Para qualquer

r, o diádico r é sempre incompleto (prove isso): planar se é completo e não simétrico; uniplanar se

é completo e simétrico; linear se é planar e não simétrico e unilinear se é planar e simétrico.

O diádico anti-simétrico Ir, dito em [3] diádico de Argand do vetor r, é uniplanar qualquer que seja r.

Tem-se, particularmente, para quaisquer r e v:

Ir=rI e r.(Iv)=rv=rI.v=-(vI).r, (5.4).

6 – CONTORNANDO A SITUAÇÃO EMBARAÇOSA

É conhecida do Cálculo Vetorial (de Gibbs) a chamada “fórmula do duplo produto vetorial” com três

vetores quaisquer a, b e c:

ac.bba.ccba )()()( , (6.1),

9

vetores esses que, sem qualquer prejuízo, poderiam ser imaginados aplicados num mesmo ponto I do

espaço (pois são vetores livres). O vetor resultante da operação (de dupla multiplicação vetorial) é,

sempre, um vetor do plano definido pelos vetores dentro dos parênteses no primeiro membro de (6.1) e

poderia também ser imaginado aplicado ao ponto I. Então, o vetor c é inclinado em relação ao plano

que contem os vetores a, b e (ab)c.

Particularmente, poderíamos aplicar esta fórmula para o cálculo de (aa’)a, usando dois dados

vetores apenas (ao e a’), aplicados em I, bastando substituir-se, em (6.1), b por a’ e c por a;

deduziríamos então, sem dificuldades:

aaaa

aa.aa

a )'(1

)'(1

22, (6.2).

Nesse caso particular, o plano está definido por ao e a’.

Podemos escrever, sinteticamente:

auaa D' , (6.3).

fazendo

)'(1

D2

a.aa

e )'(12

aaa

u , (6.4).

O vetor u, perpendicular ao plano , é bem determinado pela segunda das expressões (6.4). S é um

número real também bem determinado pela primeira das expressões (6.4). Não é acidental a semelhança

de (6.3) com (4.2).

Observa Chattelun8 que o símbolo (D+u) também é um operador, mas este poderia ser aplicado a

qualquer vetor do espaço, e não é um quatérnio. Insiste Chattelun que o operador (4.3) é um quatérnio

apenas para vetores ortogonais a u, ou paralelos ao plano definido por a e a’, razão pela qual dá a esse

plano o nome de “campo de aplicação” do quatérnio9.

É simples perceber a situação incômoda acarretada pela introdução dos postulados assinalados no

item 2. Para certos quatérnios (vetores paralelos a ) o operador é um quatérnio; mas não o é para os

demais quatérnios do espaço (vetores não paralelos a ), muito embora para esses o resultado da operação

seja um quatérnio!

7 – UM DIÁDICO PARTICULAR DE ROTAÇÃO

Denotando-se por u o vetor unitário de u e por I o diádico unidade, a expressão análoga a (6.3), no

contexto dos diádicos, representa o produto pontuado seguinte do diádico completo H pelo vetor qualquer

a:

H.aa , com uuH ˆ|| D , (7.1).

Como visto (item 5), o diádico deArgand u é anti-simétrico e uniplanar. Tem-se: ( u )V=-

2 u , isto é, o vetor de um diádico de Argand é ortogonal ao seu plano.

O transformado de qualquer vetor r do espaço, mediante H, usado como pré-fator em

multiplicação pontuada, é o vetor do espaço: r’=Dr+ur, vetor esse muito bem determinado (item 4).

Sem quaisquer restrições no tocante aos vetores r, o diádico H executa a mesma transformação que a

parte imaginária do quatérnio (4.1).

Para qualquer a de tem-se, da mesma forma: a’=Da+ua. Observando-se que ua é ortogonal a

a deduzimos que |a’|=T|a| sendo T2=D

2+u

2. Denotando por o ângulo dos vetores a e a’ tem-se:

tg=|u|/D (sendo agudo para D>0, e obtuso em caso contrário) e T=D/cos. Considerando que u=|u| u

resulta de (7.1), dividindo ambos os membros por D e lembrando as igualdades anteriores:

uH ˆsen cosT

1, (7.2).

8 Chatelun, p.480. 9 Chatelun, p. 474.

10

O diádico H/T rege transformação dos vetores no plano , transformação esta que preserva o

módulo dos vetores. De fato tem-se, para qualquer m desse plano:

mumm ˆsencos , donde 22222222 sencosˆsencos mmmmumm .

Então o diádico H/T rege uma rotação no plano . Conseqüentemente H rege uma rotação de eixo u e

ângulo , seguida (ou precedida) de uma homotetia de razão T, no plano .

Com as restrições especificadas – vetores todos paralelos ao plano ou ortogonais a u - o diádico

H, dado por (7.1), torna-se um operador que executa precisamente as mesmas operações que a parte

imaginária do quatérnio (4.1). Mesmo que os quatérnios pudessem representar vetores reais eles só

poderiam representar rotações de vetores no plano, como o diádico particular H/T.

8 – GENERALIZAÇÃO DO CONCEITO

Gibbs mostrou que o diádico

uuuuuuˆsen )ˆˆ( cosˆˆ

),ˆ( , (8.1),

onde I é o diádico unidade, rege uma rotação no espaço tridimensional (de eixo u e ângulo ), para

qualquer vetor r desse espaço; por isso mesmo foi denominado um “diádico de rotação”.

Decomponhamos r numa componente paralela a u e numa componente pertencente a um dado plano

ortogonal a u . Na rotação regida por ),ˆ( u , a componente de r paralela a u fica preservada, e a do

plano é (circularmente) rodada em torno de u , no plano , de um ângulo igual .

Mas o diádico (8.1), posto na forma

uuuuˆsen cosˆˆ)cos1(),ˆ( , (8.2),

mostra também, sem qualquer restrição, que todos os vetores do plano são rodados da mesma forma

como os rodariam (em torno de u e do ângulo ) o diádico referido no item 7.

É evidente que, se D é um escalar, o diádico ),ˆ(D u rege uma roto-homotetia (de eixo u , ângulo

e razão D) no espaço.

*

Consideremos agora os mesmos três vetores não coplanares a, b e c, com os quais calculamos o

duplo produto vetorial (6.1); e denotemos por a*, b

* e c

* os seus respectivos recíprocos, isto é, vetores

tais, que:

a.a*=b.b

*=c.c

*=1 e a.b

*=a.c

*=b.a

*=b.c

*=c.a

*=c.b

*=0.

Gibbs foi, ainda, o descobridor do diádico

(aa*, ) )(sen)(cos bccbccbbaa , (8.3),

cujas propriedades são muito parecidas com as do diádico de rotação (8.1), mas esses diádicos operam de

modos um pouco diferentes. O plano definido por um vetor qualquer r e o vetor a intercepta o plano

definido por b e c segundo uma reta p. Decomponhamos o vetor r em duas componentes: uma paralela ao

vetor a e outra paralela a p. Ponhamos então, de conformidade com a decomposição cartesiana (5.2):

cbar CBA , com A

*=r.a

*, B

*=r.b

* e C

*=r.c

* ,

ou,

r=A*a+p, com p=B

*b+C

*c, (8.4).

11

O vetor r’, transformado de r mediante usado como pré-fator é, então: r’=.r= A*a+p’, com

p’=cos p+sen q, (8.5),

e

q=B*c-C

*b, (8.6).

Logo:

O diádico , atuando como pré-fator em multiplicação pontuada por vetor, deixa

inalterada a componente desse vetor paralela ao vetor a.

A igualdade (8.5) mostra que p' é raio vetor de argumento da elipse (E’) de que p (de argumento

zero) e q (de argumento /2) são semi-diâmetros conjugados. Logo:

A componente p de r, contida em , é rodada elipticamente para o raio vetor de argumento

da elipse (E’).

Substituindo (8.4) e (8.6) em (8.5), temos:

p’=B*r()+C

*r(+/2), (8.7),

com

r()=cos b+sen c, (8.8),

e

r(+/2)=-sen b+cos c, (8.9).

O vetor r() é raio vetor de argumento da elipse (E) de da qual b e c são semi-diâmetros

conjugados; r(+/2) é semi-diâmetro conjugado de r() em (E). Da segunda das igualdades (8.4) e de (8.6)

vemos que p e p' são combinações lineares, de mesmos coeficientes (B e C), de dois pares de semi-

diâmetros conjugados (b,c e r() ,r(+/2) ) da elipse (E). Então, as elipses (E) e (E’) são homotéticas.

Seja o valor do argumento ao qual corresponde em (E) um raio vetor r(), tal que p’=KA r(),

isto é, p' e r() paralelos, KA sendo a razão da homotetia das elipses. Tem-se, então, escrevendo p' em

função de b e c, por substituição de (8.8) e (8.9) em (8.7):

p'=(B*cos-C

*sen)b+(C

*cos+B

*sen)c, (8.10).

Para = em (8.8) escrevemos:

r()=cos b+sen c.

Logo:

senBcosCsenK

senCcosBcosK

A

A

donde,

(KA)2=B

*2+C

*2, ou

22A CBK , (8.11).

Gibbs denominou o diádico (8.3), que dá mais amplitude ao diádico de rotação, de diádico cíclico.

Dentre os cíclicos destaca-se aquele cujo argumento seja do tipo 2/K, com K inteiro positivo. A potência

de expoente K desse diádico é o diádico unidade.

*

Consideremos agora o diádico (8.3) escrito na forma

(aa*, ) )(sencos)cos1( bccbaa , (8.12),

em que, relembremos, os vetores formam sistemas recíprocos. Se o campo de aplicação desse diádico for

o plano exclusivamente, poderemos escrevê-lo na forma

(aa*, ) )(sencos)cos1( cbbcaa , (8.13),

12

em que, agora, os pares (b,c) e (b’,c’) são recíprocos no plano , isto é (b.b’=c.c’=1 e b.b’=c.c’=0), além

de (a,b,c) e (a’,b’,c’) constituírem também sistemas recíprocos (no espaço), a e a' sendo paralelos (e

ortogonais a ). Assim, tal como justificado, e tendo a elipse de semi-diâmetros conjugados b e c como

referência, esse diádico roda elipticamente todo vetor de (ou todo vetor ortogonal a a*). O diádico

unidade I pode agora ser escrito na forma: I=aa’+bb’+cc’ e para qualquer vetor m de , tem-se:

m=(m.b’)b+(m.c’)c=(m.b)b’+(m.c)c’. O diádico (8.13) é, então, um diádico uniplanar, sendo o seu

plano.

Assim, um diádico mais geral que o diádico (7.2), é o diádico uniplanar

)(sencosT

1)a( cbbcH , (8.14),

em que I=aa’+bb’+cc’=b’b+c’c com (b,c) e (b’,c’) recíprocos no plano de aplicação do diádico;

diádico esse que roda elipticamente os vetores desse plano.

Um diádico tão geral quanto T-1

H(a) é o seu transposto:

)(sencosT

1 T)a( bccbH , (8.15),

de mesmo campo de aplicação que o primeiro.

É evidente que tudo o que foi formulado nesta seção em relação ao plano (b,c) é válido também,

mutatis mutandis, para os outros dois planos definidos pelo terno (a,b,c).

9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somas simbólicas são “somas lógicas” e seus resultados podem não ser concretizáveis. Não se conhece

nenhum conjunto cujo número de elementos seja um número complexo, nem alguma régua cuja medida

seja um número complexo. Da mesma forma, não conhecemos nenhuma grandeza física representável por

um vetor complexo (símbolo da forma a+ib em que a e b sejam vetores reais). Mas é sabido que com

variáveis complexas são resolvidos muitos problemas em Física, por exemplo, e, portanto, em

Engenharia.

A díade – produto justaposto de dois vetores reais – é um símbolo, bem como o diádico (item 5)

que é uma soma (simbólica) de díades. Uma grande e sensível diferença entre os diádicos e os quatérnios

está em que nos primeiros somam-se objetos de mesma natureza.

Com todos esses objetos podem ser formuladas diferentes álgebras, duas quaisquer delas podendo

ser equivalentes em termos dos resultados concretos que podem alcançar. A transformação do vetor real

m, ortogonal a u , no vetor real m', pelo quatérnio Q, mediante a lei (4.2), é um resultado concreto. A esse

mesmo resultado podemos chegar, como um resultado particular, quando um diádico opera sobre um

vetor mediante a chamada “multiplicação pontuada” entre diádico e vetor.

Utilizar a álgebra dos quatérnios ou a dos diádicos não pode ser, pelo exposto, simples questão de

escolha porque na primeira existem posturas impossíveis (item 2.5) sem as quais não se chega a

resultados concretizáveis (como é possível ao se utilizarem diádicos, números e vetores complexos,

funções de variáveis complexas etc.). Na opinião do presente autor a teoria desenvolvida por Gibbs é

admiravelmente prática por utilizar pouca simbologia, o que torna o raciocínio menos abstrato.

Com um pequeno esforço intelectual adicional e alguma abstração mais, os conceitos podem ser

ampliados para que a matéria possa tornar-se ainda mais útil na Física com a abordagem de problemas

mais complexos. Pode ser erigida, então, uma álgebra de poliádicos [3] cujos resultados são

espantosamente admiráveis e generosos frente às necessidades da Física.

13

REFERÊNCIAS

1 – CROWE, M. J. – A History of VECTOR ANALYSIS (The evolution of the idea of a Vectorial System),

Dover Publications, New York, 1967.

2 – WILSON, E. B. - “Vector Analysis”, Yale University Press, New Haven, 1901.

3 – RUGGERI, E. R. F. – Lições de Cálculo Poliádico: Tomo I – Álgebra dos Poliádicos: volume I

(Vetores e diádicos) ISBN 978-85-907001-0-4, volume II (Poliádicos reais e complexos) ISBN 978-85-

907001-1-1; Tomo II (Análise), em preparação.

4 – BRAND, Louis, “Vector and Tensor Analysis”, John Wiley, London, 1947.

5 – CHATTELUN, L., “Calcul Vectoriel”, Gauthier-Villars, Paris, 1952.