Alceu Garcia - A Função Social Do Dinheiro

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28/07/2015 A Função social do Dinheiro http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0148.htm 1/11 Leituras recomendadas – 148 A função social do dinheiro Por Alceu Garcia 18 de abril de 2002 Introdução O dinheiro é parte importante de nossas preocupações e afazeres cotidianos. No diaadia de cada um, porém, o "vil metal" é apenas mais um dado de realidade; sua natureza última e funções sociais não despertam nenhum interesse. As pessoas contentamse em conseguir o dindin para pagar suas contas e está muito bom assim. O estudo da moeda em si, assunto mortalmente entendiante para quase todo mundo, é deixado para os especialistas. E é aí onde mora o perigo. Se os especialistas adotam teorias errôneas sobre o dinheiro, que servem posteriormente de esteio intelectual para a ação maliciosa do Estado nesse campo, todos nós somos gravemente afetados e lesados. Talvez não seja de todo inútil, pois, esboçar aqui – muito imperfeitamente os rudimentos teóricos sobre a natureza e função da moeda, de maneira que os interessados possam municiarse de conhecimento sobre um aspecto crucial de suas vidas e, com base nele, tentar defender sua propriedade do larápiomor que, como sempre, é o governo. Troca Direta e Troca Indireta Em toda sociedade cedo se percebe a vantagem da divisão e especialização do trabalho, pois o esforço especializado rende muito mais do quer sua dispersão em múltiplas tarefas

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Leituras recomendadas – 148

A função social do dinheiroPor Alceu Garcia18 de abril de 2002

Introdução

O dinheiro é parte importante de nossas preocupações eafazeres cotidianos. No dia­a­dia de cada um, porém, o "vilmetal" é apenas mais um dado de realidade; sua naturezaúltima e funções sociais não despertam nenhum interesse. Aspessoas contentam­se em conseguir o din­din para pagar suascontas e está muito bom assim. O estudo da moeda em si,assunto mortalmente entendiante para quase todo mundo, édeixado para os especialistas. E é aí onde mora o perigo. Se osespecialistas adotam teorias errôneas sobre o dinheiro, queservem posteriormente de esteio intelectual para a açãomaliciosa do Estado nesse campo, todos nós somos gravementeafetados e lesados. Talvez não seja de todo inútil, pois, esboçaraqui – muito imperfeitamente ­ os rudimentos teóricos sobre anatureza e função da moeda, de maneira que os interessadospossam municiar­se de conhecimento sobre um aspecto crucialde suas vidas e, com base nele, tentar defender sua propriedadedo larápio­mor que, como sempre, é o governo.

Troca Direta e Troca Indireta

Em toda sociedade cedo se percebe a vantagem da divisão eespecialização do trabalho, pois o esforço especializado rendemuito mais do quer sua dispersão em múltiplas tarefas

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concomitantes. Daí decorrem naturalmente as trocas entreprodutores de mercadorias específicas. Desse intercâmbiosurgem razões de troca entre os diversos produtos, preços debens em termos de outros bens, conforme as valorações decompradores e vendedores. É a troca direta, ou escambo, quetem a desvantagem óbvia de exigir dupla coincidência de finsentre comprador e vendedor, i.e., aquele que deseja venderbananas para adquirir sapatos, por exemplo, precisa acharalguém que possua sapatos e queira trocá­los por bananas.Com o passar do tempo e com a intensificação dosintercâmbios, aparecem espontaneamente certas mercadoriasdotadas de grande aceitação geral, que terminam por adquirir aqualidade de meio comum de troca, ou seja, de moeda. Nasceassim a troca indireta, na qual o aludido produtor de bananastroca sua mercadoria por dinheiro e depois dinheiro porsapatos, o que facilita enormemente o comércio. A históriaregistra os mais variados tipos de mercadoria­moeda, tais comogado (em latim, pecus, donde pecuniário), sal (daí salário),conchas, pedras, anzóis, tabaco etc. No curso do tempo o usomonetário do ouro e da prata prevaleceu, dada a raridade,divisibilidade, homogeneidade, durabilidade e facilidade detransporte e estocagem desses metais.

Essa passagem da troca direta para a indireta, que ocorreu deforma independente em quase todas as civilizações conhecidas,representa um formidável progresso social por incrementar ocomércio e a acumulação de capital, que por sua vez elevam opadrão de vida geral. Por outro lado, o caminho inverso, datroca indireta para a direta, significa um retrocesso gravíssimo.O Império Romano é um bom exemplo. Da florescenteeconomia monetária do século II D.C. involuiu para a trocadireta na medida em que o governo depreciou o dinheiro parafinanciar os déficits decorrentes do custo colossal de seucrescente aparato burocrático. Vastos e improdutivos gastospúblicos, déficit orçamentário ascendente, tributação extorsiva,inflação e controle de preços. O resultado dessa combinaçãoalgo familiar foi a destruição da economia mercantil emonetária antiga. A invasão dos bárbaros e a economia feudalautárquica e estagnada foi um conseqüência natural dessaregressão econômica.

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A Natureza do Dinheiro

Dessa breve introdução pode­se deduzir que o dinheiro é todamercadoria que adquire a propriedade de meio comum detroca, passando a intermediar os atos de compra e venda. Valeassinalar que esse atributo específico se desprende totalmenteda utilidade original da mercadoria­moeda e se tornaautônomo. O ouro, por exemplo, quando usado como meio detroca, além de sua qualidade original de insumo utilizado paradiversas finalidades industriais (e a própria mística de metalprecioso) adquire a qualidade autônoma e específica de moeda.Para visualizar melhor esse fenômeno basta comparar o ouro­moeda com o nosso atual papel­moeda. Este últimopraticamente não tem valor não­monetário algum, são só tirasde papel pintado. Como dinheiro, contudo, tem a mesmanatureza e função que o ouro­moeda. Outra inferênciafundamental é que a moeda é uma criação do mercado, ou, oque é a mesma coisa, da livre interação contratual, voluntária emutuamente benéfica entre os indivíduos. O que equivale adizer que o dinheiro não é uma invenção maligna de uma classedominante exploradora ou que decorre de um contrato socialpolítico mediado pelo Estado. O controle estatal da moeda,todavia, pode resultar, e invariavelmente tem resultado, emefetiva exploração. Mas isso veremos mais à frente.

O Cálculo Econômico

A própria existência de moeda, o meio comum de troca, aopermitir que todos os preços sejam expressados em uma únicaunidade de conta, torna possível o cálculo econômico complexoindispensável ao funcionamento racional de uma economiadesenvolvida. Numa comunidade primitiva é possível umcálculo não­monetário rudimentar e empírico por parte dosagentes econômicos. Uma economia complexa, porém, nãopode subsistir sem preços em moeda. O trabalho, o capital, aterra, os bens e serviços são heterogêneos. Os diversos tipos detrabalho não são redutíveis a uma "unidade de trabalho" (comoo fracasso da teoria do valor­trabalho o demonstra), assimcomo é impossível somar siderúrgicas e ferrovias, ou ferro epetróleo. Os seus respectivos preços monetários, porém, podemlegitimamente ser comparados, somados, multiplicados etc.

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Desse modo o cálculo aritmético ex­ante e ex­post de lucros eperdas, fundamental para uma economia desenvolvida, podeser efetuado com eficácia. Não existiria desenvolvimentoeconômico sem moeda, preços monetários e a modernacontabilidade, conforme acentua Ludwig von Mises.Incidentalmente, vale recordar que sem propriedade privadanão existem preços, nem cálculo econômico, nem progressoeconômico.

Dinheiro e Incerteza

A impossibilidade de se conhecer o futuro é um dado derealidade inexorável. Dessa incerteza permanente deflui outradas funções da moeda, que é a de servir como reserva paracontingências inesperadas. Os indivíduos tendem na medida dopossível a manter saldos monetários disponíveis paraemergências, em nível mais ou menos constante. Acompreensão desse fenômeno é facilitada quando se contrasta arealidade perpetuamente cambiante com um estado imagináriode coisas em que não ocorrem mudanças, em que o futuro ésempre igual ao passado. Nesse caso, todas as pessoas sabemde antemão como será despendida a sua renda, pelo que não háa necessidade de se manter saldos de reservas monetárias. Nomundo real isso não acontece, e as preferências pessoais porreservas de dinheiro constituem um dos pontos principais dadeterminação do valor da moeda.

O Valor do Dinheiro

O dinheiro é uma mercadoria sui generis, pois não é bem deconsumo nem bem de capital. Demanda­se moeda para trocá­lapor bens de consumo ou pelos serviços dos fatores de produção.Outro ponto peculiar é que, ao contrário de quase todos osdemais bens, a sociedade não se beneficia de um aumento daquantidade de dinheiro. É um interessante paradoxo esse, poisse para cada indivíduo é em geral benéfico possuir maisdinheiro do que antes, para a comunidade como um todo ocrescimento da quantidade de dinheiro é altamente prejudicial.A sociedade vista globalmente ganha se existem cada vez maisbatatas, televisões, fábricas etc, uma vez que a elevação daoferta em geral reduz os preços e o poder aquisitivo do dinheirodos indivíduos aumenta. Se há cada vez mais dinheiro,

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contudo, não há benefício geral algum (conquanto hajavantagens para grupos particulares em detrimento dos demais)pois isso se traduz na redução progressiva do valor da unidademonetária, bem como na descoordenação das atividadeseconômicas. Se não detida essa depreciação, o sistemamonetário entra em colapso com terríveis repercussões sociais.

O poder aquisitivo da unidade monetária, que é o seu preço emrelação a tudo que é trocado por dinheiro em um dadomomento, jamais é fixo ou constante. Ele sempre varia. Osfatores que governam essas variações podem se originar no"lado do dinheiro" ou "no lado dos bens e serviços", ou aindaem ambos simultaneamente. Caso a quantidade de moedadecresça (deflação), e a produção de bens e serviços fiqueconstante, aumente ou decresça menos do que a diminuição dodinheiro, o valor da moeda se eleva. Se a oferta de dinheiro semantém fixa ao longo do tempo, o desenvolvimento econômicotraduzido em maior quantidade de bens e serviços produzidostambém acarreta uma elevação do valor da moeda (queda dospreços), que passa a comprar mais produtos do que antes. Se aquantidade de dinheiro aumenta pari passu com o aumento daprodução, o "nível geral de preços" tende a permanecerconstante. Vale notar, contudo, que esse "nível geral de preços"é um agregado imaginário, uma ficção estatística arbitrária. Oque existem são milhões de preços específicos (determinadospela interação de oferta e procura segundo as valorações decompradores e vendedores), que podem ficar acima ou abaixodo "nível geral". No caso da oferta de moeda crescer mais doque produção, o resultado é o declínio do valor da unidademonetária (aumento de preços) que passa a comprar cada vezmenos bens e serviços. Esses dois últimos casos se traduzemem inflação, que, ao contrário do que pensa o público(desinformado por legiões de pseudo­economistas), não é umaumento geral e contínuo dos preços. Este pode ocorrer ou não,e, quando ocorre, é sempre o efeito da inflação, que é oaumento da quantidade de dinheiro em relação a um totalanterior.

Outras hipóteses de flutuação do valor da moeda relacionadoao "lado do dinheiro" ocorrem quando os indivíduos elevam oureduzem seus saldos monetários, ainda que mantido fixo o

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estoque de moeda. No primeiro caso, em função decircunstâncias conjunturais que engendrem pessimismo ereceio, as pessoas reduzem seus gastos correntes einvestimentos e deixam mais dinheiro "parado", de modo que ovalor da unidade monetária aumenta (os preços caem), pois hámenos moeda sendo utilizada na aquisição de bens e serviços.Isso é o que os keynesianos denominam "entesouramento". Nahipótese inversa, as pessoas reduzem o dinheiro em caixa eaumentam seus gastos e investimentos, sendo que maisdinheiro circula e seu valor unitário cai (os preços sobem). Esseúltimo fenômeno pode gerar um tipo curioso e raro de inflaçãode preços sem aumento da quantidade de dinheiro, que ocorrequando todos os agentes econômicos se apressam em zerarseus saldos monetários a qualquer custo, livrando­se dodinheiro o mais rápido possível em troca de qualquer coisa.Mesmo com um estoque fixo de dinheiro, nesse caso os preçosdisparam até que simplesmente ninguém aceita mais odinheiro. Isso aconteceu quando os americanos invadiram asFilipinas em 1944, e os filipinos, prevendo a iminente vitóriaianque, se deram conta que a moeda posta em circulação pelosocupantes japoneses logo perderia totalmente seu valor.Previsivelmente, eles se precipitaram em gastar o dinheirojaponês à toda pressa, o que gerou uma hiperinflação colossal.Esse episódio, aliás, ilustra didaticamente o fato de que o valordo dinheiro, como o de tudo o mais, depende das avaliaçõessubjetivas individuais. A redução do fenômeno monetário àequações matemáticas, como preconizam muitos economistas,é assim inútil pois não há constantes nas ações e valoraçõeshumanas que possam se traduzir em relações matemáticasseguras.

Bancos, Moeda e Crédito

Originariamente os bancos eram casas de depósito de moeda(ouro e prata) que emitiam certificados de depósito à vista paraos clientes cobrando uma pequena taxa pelo serviço. Essescertificados passaram a circular mais do que a própria moeda,por razões de segurança e conveniência, e se tornaramsubstitutos de moeda. Como a moeda (ouro e prata)praticamente não era sacada em quantidades significativas, ascasas bancárias ficaram tentadas a emitir certificados além da

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correspondência exata com a moeda depositada, emprestando ajuros esses papéis sem lastro. Assim, se fulano depositava 100unidades de moeda­ouro no banco x, este emprestava, digamos,50 a sicrano cobrando juros, abrindo uma conta sujeita àretirada por cheque para sicrano. Desse modo, de 100 unidadesde moeda­ouro originárias havia agora 150 unidades de papel­moeda existentes. Se fulano e sicrano decidissem resgatar seuscertificados de moeda­ouro ao mesmo tempo, o banco ficariacom um passivo descoberto de 50 unidades de moeda­ouro.Dessa maneira os bancos podem criar moeda via crédito,inflacionando o meio circulante. Trata­se de fraude pura esimples, vez que os bancos e os beneficiários do créditoinflacionário estão ganhando alguma coisa em troca de coisanenhuma. O dinheiro surge do nada. Trata­se de uma violaçãodo direito de propriedade dos donos do dinheiro­metal. Esseprocesso pode ser barrado por normas jurídicas baseadas noprincípio geral do dever de não causar dano, obrigando­se osbancos a operar com reservas de 100%, i.e., proibindo­os decriar moeda via crédito inflacionário. Ademais, em um mercadodesimpedido, o banco que inflaciona logo se vê em dificuldadesna medida em que suas emissões além das reservas sãodepositadas em outros bancos e na compensação a posiçãodescoberta do banco "espertalhão" é revelada. Longe de sersolucionado, contudo, o problema foi agravado pelaintervenção estatal no mercado monetário, como se verá aseguir.

Governo e Moeda

Se o dinheiro é uma antiga criação do mercado, a interferênciado estado nesse campo é quase tão antiga quanto. Inicialmenteos governos assumiram a tarefa de garantir a pureza do metal eo seu peso, apondo seu selo nas moedas. Os particulareslevavam o ouro e a prata puros a uma oficina estatal que astransformava em moedas, cobrando uma pequena taxa peloserviço (senhoriagem), as devolvia aos proprietários e odinheiro passava a circular. Porém, não demorou muito paraque o aparelho coercitivo estatal fosse posto a serviço dospolíticos e seus clientes, em detrimento dos cidadãos comuns.O governo começou a falsificar o dinheiro misturando ouro eprata com metais baratos de um lado (aumentando a

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quantidade nominal de dinheiro para financiar seus gastos comuma crescente burocracia parasitária) e mantendo o valornominal das moedas por outro lado, exigindo que o mercadonão descontasse a depreciação. É claro que o resultado foi ainflação de preços e a destruição do sistema monetário.

Nos tempos modernos o mesmo processo se sofisticoubastante, malgrado a finalidade tenha permanecido a mesma:exploração. O aparecimento dos bancos, da moeda­papel e damoeda­escritural (simples magnitudes contábeis) criaramoportunidades para os governos roubarem mais do que nunca.Longe de editar leis que obrigassem os bancos a operar comreservas de 100%, os governos intervieram no mercadofinanceiro associando­se a (ou criando) certos bancos pseudo­privados, aos quais outorgavam privilégios como monopóliosterritoriais e de emissões de notas, suspensões de pagamentos,obrigatoriedade dos bancos particulares manterem depositadosneles as suas reservas, administração dos fundos públicos etc.Essas instituições privilegiadas, como o Banco da Inglaterra,foram os protótipos dos atuais bancos centrais. O objetivoúltimo desse processo é o de politizar totalmente o dinheiro,retirando do mercado, isto é, de nós, o poder de criar moeda.Para tanto foi necessário destruir o padrão­ouro internacional.Na vigência deste, a moeda mundial era o ouro, sendo asmoedas nacionais vinculadas ao metal em uma paridade fixa.As notas bancárias nacionais podiam ser convertidas em ouro aqualquer tempo por qualquer um que assim o desejasse,bastando exigir dos bancos a troca das notas pelo ourocorrespondente. Como tudo o que é humano, o padrão­ouronão é perfeito. A quantidade de moeda aumenta na medida emque mais ouro é descoberto e monetizado. Subsiste, pois,inflação que beneficia os mineradores. A grande vantagem,porém, é que a criação da moeda fica fora do alcance dospolíticos e seus amigos. O estoque de moeda­ouro aumenta namedida em que os custos de mineração compensam a obtençãodo metal, isto é, quando se gasta menos ouro na mineração doque se extrai da terra. Mas se o dinheiro é apenas papel, não hácusto quase nenhum na sua impressão, e há menos custo aindana criação contábil de dinheiro, de maneira que os governospodem inflacionar o meio circulante em escala semprecedentes. Outro ponto positivo era o freio imposto à

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políticas inflacionárias dos estados nacionais. Se o governo dopaís x decidisse criar dinheiro além das reservas­ouro, o bancocentral baixava artificialmente a taxa de juros, criando moedado nada via depósitos bancários. Em reação, as pessoasconvertiam suas notas em ouro e mandavam o metal para opaís y, onde os juros eram mais altos; por outro lado, a maiorquantidade de dinheiro elevava os preços internos e, com isso,incentivava a importação de similares estrangeiros maisbaratos, sendo que os estrangeiros passavam a trocar a moedapor ouro e transferi­la para seus países de origem. A contraçãodas reservas do país x punha todo o seu sistema financeiro emcheque (pois havia cada vez menos ouro em relação a papel), eo seu banco central era obrigado a elevar a taxa de juros paraatrair ouro de fora e recompor suas reservas.

Desde o fim do padrão­ouro internacional em 1914 os governosficaram cada vez mais livres para inflacionar a moeda, inclusive"teorias" como o keynesianismo foram concebidas epopularizadas como forma de propaganda ideológica parajustificar os "benefícios" da moeda gerenciada pelo governo epara pintar o padrão­ouro como velharia ultrapassada,"relíquia bárbara" etc. O monetarismo de Chicago não diferemuito nesse aspecto. E os marxistas continuam pensando que ofuturo comunismo inaugurará uma era de abundância tamanhaque o próprio dinheiro será abolido. Desde então a inflaçãotornou­se uma praga mundial sem igual na História. O dólaramericano desvalorizou­se em mais de 90%, enquanto quemoedas de países mais bagunçados como o nosso perderammais de um quatrilhão % de seu poder de compra. Com ainflação os governos, via cartelização do sistema bancário sob abatuta dos bancos centrais, podem beneficiar seus clientes (oestamento burocrático, empresários privilegiados, bancos etc) àvontade, enquanto surrupiam o poder aquisitivo da maioria dapopulação (sobretudo os mais pobres).

Para ilustrar o processo pelo qual o governo rouba o povo viamanipulação da moeda, imagine o leitor que o seu prédio é umpaís. Suponhamos que o síndico, o Seu Palhares do 402, é ogoverno desse país e dispõe do poder de criar dinheiro. Essesíndico­governo logo cede à tentação de criar moeda ex­nihilopara comprar as coisas que os outros moradores do "país"

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produzem. O "governo" está ganhando alguma coisa em trocade nada. Para criar um ambiente favorável a esse roubosistematizado, o Seu Palhares alicia outras famílias,distribuindo o dinheiro novo entre eles. Surge um processo dedepreciação acelerada do poder de compra da moeda do "país",pois há cada vez mais dinheiro comprando as mesmas coisas deantes, mas nem todo mundo perde ao mesmo tempo. Quemrecebe a grana inflacionária primeiro ganha mais do que quemrecebe por último, pois para estes os preços já subiram quandoa moeda nova circulou. A cereja do bolo é a ideologialegitimadora difundida pelos intelectuais do prédio, todosdevidamente inseridos na folha de pagamento do Seu Palhares,a qual garante ao "povo" que o sábio e idôneo governo sabe oque é melhor para seus cidadãos e que a administração damoeda é assunto científico complexo que deve necessariamenteficar à cargo dos especialistas. Quando a coisa começa a darmuito na vista, o síndico e seus intelectuais de aluguel põem aculpa do aumento generalizado de preços na ganância de certosmoradores, como a D. Maria do 301, que vende doces esalgados, e decreta um congelamento de preços. Quando ocongelamento fracassa, o "governo" então contém um pouco aemissão e impõe o sistema de "metas inflacionárias", que é umroubo generosamente auto­delimitado pelo próprio ladrão. Poroutro lado, para financiar a boa vida do síndico e seus amigos ealiados, a taxa de condomínio (ou seja, os impostos) sobe paraas alturas. Ninguém reclama, pois é consensual que o produtoarrecadado será "investido no social". Deu pra entender?

Outros fatores desastrosos na inflação são a falsificação damoeda como unidade de conta, com a conseqüentedesorganização do sistema produtivo, bem como adescoordenação dos estágios da estrutura de capital, gerando osfamigerados ciclos econômicos com suas fases de prosperidadeartificial e posterior recessão ou depressão.

Solução: Despolitizar o Dinheiro

O absoluto controle estatal do dinheiro hoje reinante acarretoudesgraças inenarráveis a povos inteiros. A inflação desbragadaem nosso país é a principal responsável pela miséria de tantosde nossos compatriotas. Desde Hilferding, os marxistas juram

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que o "capital financeiro" se apossou do Estado para explorar asociedade, inclusive o "capital produtivo". A verdade é bemoutra: o estado é que se assenhoreou do sistema financeiro embenefício próprio para explorar a sociedade. Enquanto nós, opovo, o mercado, não recuperarmos o nosso legítimo podersobre o dinheiro, retornando ao padrão­ouro internacional (ououtro padrão qualquer não imposto pelos governos) e bancoscom reservas de 100%, a instabilidade econômica global nãoterá solução e uma grande crise como a dos anos 30 podesobrevir a qualquer momento. Trata­se antes de tudo de umaquestão moral: não é justo (nem conveniente) que um grupo deindivíduos munidos do monopólio da violência e da coerção –ou seja, o Estado – detenha o privilégio socialmentecatastrófico de determinar a oferta de moeda. Esse podersempre será usado para o mal, como a experiência demonstra àsaciedade.

Referências

The Value of Money, de B. Anderson;

A Desestatização do Dinheiro, de F. Hayek

From Bretton Woods to World Inflation e The Inflation Crises and How to

Resolve it, de H. Hazlitt;

The Theory of Money and Credit e Ação Humana de L. von Mises.

Man, Economy and State, Power and Market e What the Government Has

Done to Our Money?, de M. Rothbard;

The Age of Inflation, de H. Seinholz;

Lectures of Political Economy, vol. II, de K. Wicksell;

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