ALENCAR, José - A Pata Da Gazela

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A PATA DA GAZELA

José de Alencar

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Estava parada na Rua da Quitanda, próximo à da Assembléia, uma linda vitória, puxada por soberbos cavalos do Cabo.

Dentro do carro havia duas moças uma delas, alta e esbelta, tinha uma presença encantadoraa outra, de pe!uena estatura, muito delicada de talhe, era talve" mais linda !ue sua

companheira.

Estavam ambas ele#antemente vestidas, e conversavam a respeito das compras !ue $% tinhamreali"ado ou das !ue ainda pretendiam &a"er.

' Da!ui aonde vamos( ' per#untou a mais baixa, vestida de roxo claro.

' Ao escritório de papai) talve" ele !ueira vir conosco. *a volta passaremos pela Rua do+uvidor, respondeu a mais esbelta, cu$o talhe era desenhado por um roupo cin"ento.

+ vestido roxo debruçou'se de modo a olhar para &ora, no sentido contr%rio à!uele em !ue

se#uia o carro, en!uanto o roupo, recostando'se nas almo&adas, consultava uma carteirinhade lembranças, onde naturalmente escrevera a nota de suas encomendas.

' + lacaio &icou'se de uma ve"- ' disse o vestido roxo com um movimento de impacincia.

' / verdade- ' respondeu distraidamente a companheira.

Estas palavras con&irmavam o !ue, ali%s, indicava o simples aspecto da carrua#em) assenhoras estavam à espera do lacaio, mandado a al#um ponto próximo. A impacincia damoça de vestido roxo era partilhada pelos &o#osos cavalos, !ue di&icilmente conse#uia so&rear um cocheiro a#aloado.

Depois de al#uns momentos de espera, sobressaltou'se o roupo cin"ento, e conche#ando'semais às almo&adas, como para ocultar'se no &undo da carrua#em, murmurou)

' 0aura-... 0aura-...

E como sua ami#a no a ouvisse, puxou'lhe pela man#a.

' + !ue é, Amélia(

' *o vs( A!uele moço !ue est% ali de&ronte nos olhando.

' Que tem isto( ' disse 0aura sorrindo.

' *o #osto- ' replicou Amélia com um movimento de contrariedade. 1% !uanto tempo est%ali e sem tirar os olhos de mim(

' 2olta'lhe as costas-

' 2amos para diante.

' Como !uiseres.

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Avisado o cocheiro, avançou al#uns passos, de modo a tirar ao curioso a vista do interior docarro mas o mancebo no desanimou por isso, e passando de uma a outra porta, tomou

 posiço conveniente para contemplar a moça com admiraço &ranca e apaixonada.

3imples no tra$e, e pouco &avorecido a respeito de bele"a os dotes naturais !ue excitavam

nesse moço al#uma atenço eram uma vasta &ronte meditativa e os #randes olhos pardos,cheios do brilho pro&undo e &os&orescente !ue na!uele momento derramavam pelo semblantede Amélia.

1avia minutos !ue, percorrendo a Rua da Quitanda em sentido oposto à direço do carro,avistara a moça recostada nas almo&adas, e sentira a seu aspecto viva impresso. 3em dis&arceou acanhamento, recostando'se à ombreira de uma porta de escritório, es!ueceu'se na!uelaardente contemplaço.

+ coraço é um solo. 2ale onde brotam as paix4es, como os outros vales da nature"ainanimada, ele tem suas estaç4es, suas !uadras de aride" ou de seiva, de esterilidade ou de

abund5ncia.

Depois das #randes borrascas e chuvas, os calores do sol produ"em na terra uma &ermentaço,!ue &orma o h6mus a semente, caindo a7, brota com rapide". Depois das #randes dores e dasl%#rimas torrenciais, &orma'se também no coraço do homem um h6mus poderoso, umaexuber5ncia de sentimento !ue precisa de expandir'se. Ento um olhar, um sorriso, !ue a7

 penetre, é semente de paixo, e pulula com vi#or extremo.

+ moço parecia estar nessas condiç4es) ele tra$ava luto pesado, no somente nas roupasne#ras, como na cor macilenta das &aces nuas, e na m%#oa !ue lhe escurecia a &ronte.

 *otando Amélia a insistncia do mancebo, &icou vivamente contrariada. A!uele olhar  pro&undo, !ue parecia despedir os &o#os surdos de uma labareda oculta, incutia nela umdesassosse#o 7ntimo. A#itava'se impaciente, como uma criatura no meio de um sono in!uietoou mesmo de um li#eiro pesadelo.

Até !ue abriu o chapeu"inho'de'sol, para interceptar a contemplaço apaixonada de !ue eraob$eto. *esta ocasio, 0aura, !ue &re!8entemente se debruçava para ver !uando vinha olacaio, retraiu o corpo com vivacidade)

' En&im a7 vem-

' 9eli"mente- ' disse Amélia.

+ lacaio aproximava'se a passos medidos tra"ia na mo um embrulho de papel a"ul, !ue oatrito dos dedos e a oscilaço dos ob$etos envoltos des&i"era, obri#ando o portador a apert%'lode ve" em !uando.

:ul#ando ao cabo de al#uns instantes !ue o lacaio $% tocava o estribo da carrua#em, Amélia,tomando um tom imperativo, disse para o cocheiro)

' 2amos- 2amos-

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Ao aceno !ue lhe &e" o cocheiro, o lacaio correu, che#ando a tempo de apanhar o carro, !ue partia ao trote lar#o da &o#osa parelha. Deitar o embrulho na caixa da vitória, rodear em doissaltos e #al#ar o estribo da almo&ada, &oi para o criado, habituado a essa manobra, ne#ócio deum instante. *o percebera ele, porém, !ue abrindo'se o papel com a corrida, um dos ob$etosnele contidos escorre#ara e, $ustamente na ocasio de deitar o embrulho na caixa do carro,ca7ra na calçada.

0aura, !ue se inclinara com vivo interesse para tomar o embrulho das mos do lacaio, tiveraum pressentimento do acidente, ao ver o papel desenrolado. 9echando'o rapidamente eescondendo'o por baixo do assento da vitória, ela debruçou'se ainda uma ve" para veri&icar se, com e&eito, al#uma coisa havia ca7do. Ao mesmo tempo acompanhava o movimento comestas palavras de contrariedade)

' Como ele manda isto- ;or mais !ue se lhe recomende-

0aura nada viu, por!ue $% a vitória rodava li#eiramente sobre os paralelep7pedos.

 *esse momento, porém, dobrando a Rua da Assembléia, se aproximara um moço ele#ante nosó no tra$e do melhor #osto, como na #raça de sua pessoa) era sem d6vida um dos pr7ncipes damoda, um dos le4es da Rua do +uvidor mas desse podemos asse#urar pelo seu parecer distinto !ue no tinha usurpado o t7tulo.

+ mancebo viu casualmente o lacaio !uando passara por ele correndo, e percebeu !ue umob$eto ca7ra do embrulho. *aturalmente no se di#naria abaixar para apanh%'lo, nem mesmodeitar'lhe um olhar, se no visse aparecer ao lado da vitória o rosto de uma senhora, !ue oaspecto da carrua#em indicava pertencer à melhor sociedade.

Ento apressou'se, para ter ocasio de &a"er uma &ine"a, e pretexto de conhecer a senhora, !uelhe parecera bonita. +s le4es so apaixonad7ssimos de tais encontros acham'lhes um sainete!ue destrói a monotonia das relaç4es habituais.

Quando o moço er#ueu'se com o ob$eto na mo, $% o carro dobrava a Rua 3ete de 3etembro.9icou ele um momento indeciso, olhando em torno, como se esperasse al#uma in&ormaço arespeito da pessoa a !uem pertencia o carro. 3em d6vida a senhora era conhecida em al#umalo$a de &a"endas talve" tivesse a7 &eito compras.

 *o obtendo, porém, in&ormaç4es, nem colhendo resultado da per#unta !ue &i"era a umcaixeiro próximo, resolveu'se a meter o ob$eto no bolso e se#uir seu caminho.

  <<

1or%cio de Almeida, o nosso leo, voltou a casa à hora do costume, !uatro da tarde.

+s sucessivos encontros da Rua do +uvidor a conversa no =ernardo a visita indispens%velao al&aiate as anedotas do Alc%"ar na noite antecedente a cr>nica anacre>ntica do Rio de:aneiro, chistosamente comentada al#umas ra$adas de maledicncia, !ue é a pimenta socialtodas essas ocupaç4es importantes, !ue absorvem a vida do leo, distra7ram 1or%cio a pontode se es!uecer ele do ob$eto #uardado no bolso do paletó.

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Como admitir !ue um pr7ncipe da moda no aproveitasse a aventura do carro, para sobre ela bordar um romance de rua, com !ue excitasse a curiosidade dos ami#os( Realmente éadmir%vel e seria incompreens7vel se no &osse a circunst5ncia de ter poucos passos adianteencontrado uma das mais ricas herdeiras do =rasil, a !uem o nosso leo arrastava... ia di"er aasa, mas isso seria anacronismo di"ia'se no tempo em !ue os le4es se chamavam #alos ho$edeve di"er'se arrastar a $uba é mais bonito e indica mais submisso. Arrastar a asa é en&unar'

se arrastar a $uba é prostrar'se.

9oi só !uando, encostado em sua otomana, descansava para o $antar, !ue 1or%cio, procurandoa carteira de charutos no bolso do &ra!ue, lembrou'se do ob$eto. ?eve ento curiosidade deexamin%'lo) sabia o !ue era na ocasio de apanh%'lo reconhecera o pé de uma botina desenhora mas no &i"era #rande reparo.

A#ora, porém, !ue de novo o tinha diante dos olhos, a sós em seu aposento, e despreocupadoda idéia de o restituir, 1or%cio achou o ob$eto di#no de séria atenço e aproximando'se da

 $anela, começou um exame consciencioso.

Era uma botina, $% o sabemos mas !ue botina- @m primor de pelica e seda, a concha mimosade uma pérola, a &aceira irm do lindo chapim de ouro da borralheira em uma palavra a

 botina desabrochada em &lor, sob a inspiraço de al#um artista i#noto, de al#um poeta de ceiróe tor!us.

 *o era, porém, a per&eiço da obra, nem mesmo a excessiva delicade"a da &orma, o !uesedu"ia o nosso leo eram sobretudo os debuxos suaves, as ondulaç4es voluptuosas !uetinham deixado na pelica os contornos do pe"inho desconhecido. A botina &ora servida, emuitas ve"es embora estivesse ainda bem conservada, o desmaio de sua primitiva cor 

 bron"eada e o es&rolamento da sola indicavam bastante uso.

3e &osse um calçado em &olha, sa7do da lo$a, no teria #rande valor aos olhos do nosso leo,habituado no só a ver, como a calçar, as obras primas de illiBs e Campàs. ?alve" reparandomuito na!uela peça !ue tinha nas mos, notasse maior ele#5ncia no corte, e um apuroescrupuloso na execuço porém mais natural seria escapar'lhe essa m7nima circunst5ncia.

as a botina achada $% no era um arti#o de lo$a, e sim o traste mimoso de al#uma bele"a, o#entil companheiro de uma moça &ormosa, de !uem ainda #uardava a impresso e o per&ume.+ rosto estu&ava mostrando o &irme relevo do pe"inho ar!ueado. *a sola se desenhava a curva#raciosa da planta sutil, !ue só nas extremidades bei$ava o cho, como o sil&o !ue &risa asuper&7cie do la#o com a ponta das asas.

1% um aroma, !ue só tem uma &lor na terra, o aroma da mulher bonita) &ra#r5ncia voluptuosa!ue se exala ao mesmo tempo do corpo e da alma per&ume inebriante !ue penetra no coraçocomo o amor volatili"ado. A botina estava impre#nada desse aroma delicioso o delicado tubode seda, !ue se elevava como a corola de um l7rio, derramava, como a &lor, ondas suaves.

+ mancebo colocara lon#e de si o charuto para no desvanecer com o &umo os ba&e$osda!uele odor suave. *o havia a7 o menor laivo de essncia arti&icial preparada pela arte do

 per&umismo era a pura exalaço de uma c6tis acetinada, esse h%lito de sa6de !ue perspiraatravés da &ina e macia te", e como através das pétalas de uma rosa.

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De repente uma idéia perpassou no esp7rito do moço, !ue o &e" estremecer. Essa botina #r%cil,em !ue mal caberia sua mo aristocr%tica, essa botina mais mimosa do !ue sua luva de pelica,no podia ter um n6mero maior do !ue o de seus anos, vinte e nove-

' 3er% de uma menina- ' murmurou ele um tanto desconsolado.

Examinou novamente a obra'prima, voltou'a de todos os lados, apalpou docemente o salto e o bico, dobrou a orla da haste, sondou o interior da concha, !ue servira de re#aço ao &eiticeiro pe"inho. Depois de al#uns instantes deste exame pro&undo e minucioso, um sorriso expandiuo semblante de 1or%cio.

' / de moça, é de mulher- ' murmurou ele. A!ui esto os sinais evidentes no podem &alhar.A &%bula de /dipo é uma verdade eterna, no eni#ma da es&in#e est% realmente o mito da vida.+ homem é o animal !ue de manh anda sobre !uatro pés ao meio'dia sobre dois à tardesobre trs. *a in&5ncia, a criatura, como a planta, conserva'se rasteira, brota, pulula, masconche#a'se mais ao solo de !ue recebe toda a nutriço as mos servem'lhe de pés. Depoisda $uventude, na época da expanso, a criatura se lança para o espaço, exalta'se é a %rvore

!ue hasteia e procura as nuvens a planta pede ao céu os orvalhos e a lu" do sol a alma pede acrença, a &é, a esperança, de !ue se #eram as &lores, !ue nós chamamos paix4es. *a velhice, ohomem se inclina de novo para a terra, como o tronco carcomido é o pó, !ue, depois derevoar no espaço, deposita'se outra ve" no cho. Ento o velho precisa do bordo uma dasmos torna'se pé e calça esse coturno da mais triste das tra#édias humanas, a decrepitude.

1or%cio observou de novo atentamente o ob$eto !ue tinha entre as mos.

' A menina de !uin"e anos $% no é a corça de !uatro patas no est% mais na alvorada da vida,na puer7cia também ainda no che#ou ao meio'dia do !ual aproxima'se. Contudo, seu andar conserva ainda a!uela atraço para a terra é pesado calca o cho com &orça tem o !uer !uese$a de sacudido, !ue revela os impulsos da alma para desprender'se do pó e elevar'seassemelha a sin#radura do batel, !ue ora se levanta, ora se submer#e. 3e esta botina &osse deuma menina, a!ui estariam impressos esses caracteres de sua idade. A sola, em ve" delevemente triturada nas extremidades, estaria estra#ada o salto cambado. / uma observaço!ue todo sapateiro con&irmaria) o menino #asta o calçado pela sola, o homem pelo couro ara"o, o sapateiro a i#nora, mas o &ilóso&o a conhece) o menino é o inseto !ue raste$a, a larvao homem é o inseto !ue voa, o besouro a!uele anda com o ventre, este com a asa.

1or%cio sorriu.

' Esta botina é de moça e moça em todo o viço da $uventude) a sola apenas roçada $unto à ponta, o salto !uase intacto, no esto descrevendo com a maior elo!8ncia a sutile"a do passo li#eiro( Eu sinto, posso di"er eu ve$o, esse andar #entil, !ue mani&esta a deusa, comodisse o poeta a deusa, a 2nus deste olimpo em !ue vivemos, a mulher. 3ó !uando toda seivase precipita para o coraço, !uando #erminam os bot4es !ue mais tarde abriro em &lor, sónesse momento de assunço é !ue a mulher tem este andar sublime e au#usto. / o andar do

 passarinho !ue, roçando a relva, sente o impulso das asas é o andar do astro nascente,caminhando para a ascenso é o andar do an$o !ue, mesmo tocando a terra, parece prestes a&u#ir ao céu e é, &inalmente, a elaço dalma !ue aspira de Deus os e&l6vios do amor, doamor, 6nico ambiente do coraço-

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 *isto o moço descobriu na &ivela do laço da botina al#uma coisa !ue lhe excitou vivo reparoche#ando'se à lu", viu as voltas de um &io, !ue prendeu entre as brancas unhas a&iladas,verdadeiras #arras de leo da moda. Com al#uma pacincia retirou um lon#o cabelo castanhoe muito crespo.

' +utra prova de !ue, ali%s, no carecia- Este cabelo é de mulher no h% menina !ue possa ter.

Quatro palmos, além do !ue se partiu naturalmente- =em se v !ue é uma palmeira &rondosa,e no um arbusto- ?em o cabelo castanho e crespo, duas coisas lindas sem d6vida, emboraminha paixo se$a a trança basta e lisa, ne#ra como uma asa de corvo. Esse ne#rume d% àmulher o !uer !ue se$a de sat5nico) lembra !ue ela também #erou se da terra no é an$osomente no é somente &ilha do céu. Eu no posso suportar a mulher'sera&im, !ue parecedesdenhar do mundo onde vive, e do pó de !ue é &eita.

1or%cio voltou a botina.

' as se$a embora castanha, ou mesmo loura, !ue é uma cor ins7pida de cabelo- Que meimporta isto( ?enho al#uma coisa com seu cabelo( + !ue amo nela é o pé) este pé sil&o, este

 pé an$o, !ue me &ascina, !ue me arrebata, !ue me enlou!uece-...

1or%cio, !ue até ento se contentava com olhar e apalpar a botina, inclinou'se e bei$ou'a norosto mas t7mida erespeitosamente. *o era essa a ima#em do pé sedutor, !ue ele adorava como um 7dolo(

' as onde encontr%'lo( Como reconhec'lo( ' exclamou dolorosamente 1or%cio, sentindo arealidade da situaço.

 *enhum ind7cio !ue lhe revelasse o nome da mulher a !uem pertencia essa #entil botina, oulhe indicasse ao menos os traços de sua passa#em A lembrança va#a de libré de um lacaio erao 6nico vest7#io !ue restava, mas com este di&icilmente poderia descobrir o ob$eto de suaadoraço 1% tantos lacaios no Rio de :aneiro e tantas librés !ue se con&undem- ?alve" nuncamais encontrasse a!uele !ue procurava e encontrando, nem o reconhecesse.

' Des#raçado- ' di"ia o leo. Quase nem o olhaste mas podias tu adivinhar, 1or%cio, !uetesouro deixara cair a!uele bruto(

+ mancebo inclinara ao peito a bela cabeça esmorecida a ventura lhe tinha sorrido de lon#e, para escarnecer dele, o leo mais !uerido das bele"as &luminenses, o tila do Cassino, oenserico da Rua do +uvidor.

De repente er#ueu'se dum 7mpeto)

' 1ei de possu7'lo-...' exclamou ele com o tom com !ue Alexandre se prometeu o império dasia.

  <<<

 *in#uém ima#ina !ue belos talentos sorve essa vora#em do mundo !ue chamam a vidaele#ante.

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3o como as %rvores luxuriantes !ue se vestem de linda &olha#em, e consomem toda a seivanessa #ala estéril e e&mera. *unca elas do &ruto, nem se!uer &lor.

1or%cio de Almeida era uma de tantas inteli#ncias desperdiçadas no incessante bul7cio damoda.

uitos poetas, dos !ue tm seu nome estampado em rosto de livro no empre#aram na &%bricade seus versos o aticismo, a inspiraço e a #raça com !ue o nosso leo torneava no baile um#alanteio, ou a#uçava um epi#rama.

;intores so &este$ados, !ue no sabem o se#redo dos to!ues delicados, e do supremo #osto,!ue 1or%cio imprimia no laço de sua #ravata, em suas maneiras distintas, nos m7nimosacidentes de seu tra$e apurado.

E a &isiolo#ia(

;oucos homens conheciam como 1or%cio o coraço da mulher por!ue bem raros o teriam

estudado com tanta assiduidade. + mais s%bio pro&essor &icaria estupe&ato da lucide"admir%vel, com !ue o leo costumava ler nesse caos da paixo, !ue a anatomia chamoucoraço de mulher.

A ra"o é simples. + pro&essor estudou no #abinete consultou as obras dos mestres, coli#iuobservaç4es alheias, e arran$ou um sistema sobre o !ue no so&re re#ras) sobre a paixo cu$aessncia é o imprevisto, o an>malo, o inde&in7vel.

Ao contr%rio, 1or%cio tinha estudado na realidade da vida devassara os re&olhos do pólipo,lhe sentira as pulsaç4es, e &i"era experincias in anima 2ili. *o &ati#ou sua memória com ain6til ba#a#em dos termos técnicos e das noç4es cient7&icas) lia os hieró#li&os do amor com alin#ua#em #arrida do homem da moda.

A perspic%cia do olhar, a pro&unde"a da investi#aço e a certe"a de observaço, com !ue onosso leo sondava o abismo do coraço e rastreava no semblante da mulher os va#ossintomas de uma inclinaço nascente, ou de uma a&eiço expirante, só os #randes médicos

 possuem to altos dotes.

Assim #astava Almeida a mocidade, des&olhando seu belo talento pelas salas e pontos dereunio. As ri!ue"as de sua elevada inteli#ncia, as ia ele espar"indo nas ele#antes &utilidadesde um ócio to laborioso, como é o &ar niente de um leo.

Consumir o tempo no se apercebendo de sua passa#em livrar'se do &ardo pesado das horassem ocupaço h% nada mais di&7cil para o homem !ue i#nora o trabalho(

3e o Almeida poupasse desse tempo to esperdiçado al#uns momentos no dia para dedic%'losa um &im sério e 6til, à cincia, à literatura, à arte, !ue belos triun&os no obteria sua ricaima#inaço servida por um esp7rito cintilante(

as o nosso leo tinha a este respeito idéias excntricas.

' A pol7tica, di"ia ele, !uando no d% em especulaço, passa a misti&icaço. A cincia, se

escapa de mania, torna'se uma #leba em !ue o s%bio trabalha para o néscio. 0iteratura e arte

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so pl%#ios !uem pode &a"er poesia e romance ao vivo, no se d% ao trabalho de reprodu"i'los nem contempla est%tuas, !uem lhes admira os modelos animados e palpitantes.

Com tais paradoxos, 1or%cio no achava empre#o mais di#no para a inteli#ncia, do !ue adi&7cil cincia de consumir #radualmente a vida e atravessar sem &adi#a e sem re&lexo por este vale de l%#rimas, em !ue todos pere#rinamos

A mulher era para ele a obra suprema, o verbo da criaço. ?oda a reli#io como toda a&elicidade, toda a cincia como toda a poesia, Deus a tinha encarnado nesse mistoincompreens7vel do sublime e do torpe, do celeste e do sat5nico) am%l#ama de lu" e cin"as, delodo e néctar.

' Amar é adorar a Deus na sua ara mais santa, a mulher. Amar é estudar a lei da criaço emseu mais pro&undo mistério, a mulher. Amar é admirar o belo em sua mais esplndidarevelaço é &a"er poemas e est%tuas como nunca as reali"ou o #nio humano.

as o !ue sentia 1or%cio era apenas o culto da &orma, o &anatismo do pra"er.

+ amor, o verdadeiro amor consiste na possesso m6tua de duas almas e essa, pode o homemiludir'se al#uma ve", mas !uando se reali"a, é indissol6vel. *ada separa duas almas #meas!ue prende o v7nculo de sua ori#em divina.

+ mancebo admirava na mulher a &ormosura unicamente) apenas artista, ele procurava umtipo. Durante de" anos atravessara os sal4es, como uma #aleria de est%tuas animadas e vivos

 painéis, parando um instante em &ace dessas obras'primas da nature"a.

2ieram uns após outros todos os tipos) a bele"a ardente das re#i4es tépidas, ou a suave#entile"a da rosa dos Alpes o moreno voluptuoso ou a alvura do $aspe a &ronte soberana ealtiva ou o #esto #racioso e mei#o o talhe opulento e #arboso ou as &ormas esbeltas e&lex7veis.

3eu #osto &oi'se apurando e ao cabo de al#um tempo tornou'se di&7cil. A bele"a comum $%no o satis&a"ia era preciso a obra'prima para excitar'lhe a atenço e comov'lo.

as os sentidos se #astam os mesmos primores da &ormosura ca7ram na monotonia. :% o leono sentia pela mais bela mulher a!ueles entusiasmos ardentes da primeira mocidade. 3euolhar era &rio e severo como o de um cr7tico.

Ento, começou o moço a amar, ou antes, a admirar, a mulher em detalhe. 3ua alma embotadacarecia de um sainete. 9oi a princ7pio uma boca bonita, co&re de pérolas, de sorrisos, de bei$ose harmonias. 2eio depois uma trança densa e ne#ra, como a asa da procela !ue se in&lama.@ma cintura de s7l&ide, um colo de cisne, um re!uebro sedutor, um sinal da &ace, uma #raçaespecial, um no sei !ue) tudo recebeu culto do nosso leo.

Como um conviva, a !uem as i#uarias do ban!uete $% no excitam, sua alma babu$ava na salaessas #ulosinas. as a&inal embotou'se e o pra"er no &oi para ela mais do !ue a vul#ar satis&aço de um h%bito.

+ moço corte$ava as senhoras como uma ocupaço indispens%vel à sua vida, como o

desempenho da tare&a di%ria mas sem a menor comoço.

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Amar era um entretenimento do esp7rito, como passear a cavalo, &re!8entar o teatro, $o#ar uma partida de bilhar.

+ amor $% no tinha novidades nem se#redos para ele, !ue o #o"ara em todas as &ormas nacomédia e no drama no id7lio e na ode. Como Richelieu, di"iam até !ue ele $% o havia calcado

com o taco da bota.

 *estas circunst5ncias bem se compreende a impresso pro&unda !ue nele produ"ia a mimosa botina, achada na!uela manh.

Almeida tinha admirado a mulher em todos os tipos e em todos os seus encantos mas nunca atinha amado sob a &orma sedutora de um pe"inho &aceiro. Era realmente para surpreender.Como lhe passara despercebido esse condo m%#ico da mulher, a ele !ue $ul#ava ter es#otadotodas as emoç4es do amor(

3ucedeu, como era natural, !ue uma ve" percutidas as ener#ias dessa alma enervada por lon#a

apatia, a reaço &oi violenta. <n&lamou'se a ima#inaço e especialmente com o to!ue domistério !ue tra"ia a aventura. 3e o dono da botina, o sonhado pe"inho, se mostrasse desdelo#o, no produ"iria o mesmo e&eito no teria o sabor do desconhecido, !ue é irmo do

 proibido.

<ma#ine, !uem conhecer o coraço humano, a veemncia dessa paixo, excitada pelo tédio do passado e alimentada por uma ima#inaço ociosa. De !ue loucuras no é capa" o homem !uese torna lud7brio de sua &antasia(

As extrava#5ncias de 1or%cio, contemplando a botina, verdadeiras in&antilidades de homem&eito, bem revelavam a a#itaço dessa existncia, embotada para o verdadeiro amor e #asta

 pelo pra"er.

 *o se riam, homens sérios e #raves, no "ombem de semelhantes extrava#5ncias so elas odel7rio da &ebre do materialismo !ue ataca o século.

Essa paixo de 1or%cio, o !ue é seno aberraço da alma, consa#rada ao culto da matéria( Avoracidade insaci%vel do dese$o vai criando dessas monstruosidades incompreens7veis.

3ucede a esta embria#ue" do amor o mesmo !ue à embria#ue" do %lcool. A princ7pio basta'lhe o vinho &ino e aristocr%tico depois carece da a#uardente e por &im $% no a satis&a" a

in&uso do #en#ibre em rum, isto é, a larva de um vulco preparada à #uisa de #ro#ue.  <2

Ao mesmo tempo !ue o nosso leo, entrava 0eopoldo de Castro na modesta habitaço !ueento ocupava na lória.

Quando lhe &u#ira a celeste viso, o mancebo &oi se#uindo com o passo e com os olhos ocarro !ue levava sua alma presa à!uele rosto encantador. + passo era r%pido e o olhar ardenteum ansiava por che#ar o outro !uisera atrair pela &orça da paixo, pelo 7m das centelhasma#néticas !ue des&eria a alma.

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9osse iluso dos sentidos perturbados pela comoço interior, ou breve e con&usa percepço darealidade, $ul#ou o moço ver, no momento do dobrar o carro pela Rua 3ete de 3etembro, umtalhe esbelto inclinar'se para a &rente, e aparecer de relance um rosto alvo, donde escapou'sevivo e r%pido olhar.

0eopoldo no tinha o intento de alcançar, nem mesmo se#uir, o carro !ue &u#ia com

velocidade mas embalava'o a esperança de !ue um obst%culo !ual!uer, impedindo por instantes o livre transito, lhe permitisse outra ve" contemplar a moça. Quando, porém, issono sucedesse, consolava'o a idéia de conhecer a direço !ue tomaria a linda vitória.

' 3e eu soubesse ao menos para !ue lado mora ela-... Esse ponto seria o meu hori"onte, o meucéu. e voltaria para ali !uando adorasse a Deus e !uando conversasse com ela. Amaria asestrelas, as nuvens e até as borrascas dessa banda do &irmamento amaria as ruas, as calçadas eaté a poeira desse arrabalde da cidade.

+ mancebo va#ou assim durante duas horas, percorrendo as ruas sem destino. *o era tanto aesperança de ver a moça, ou somente o carro, como a necessidade de ocupar seu esp7rito, o

!ue o impelia nessa perse#uiço de uma sombra.

' Eu tornarei a v'la, pensava ele consi#o e ela me h% de amar, tenho convicço. + amor é umma#netismo eu acredito !ue o ma#netismo se resume nele !ue a lei da atraço no é seno alei da simpatia os pólos so a cabeça e o coraço, na terra como no homem. 3e ela &or amesma !ue eu vi com os olhos de minha alma, a mesma !ue se revelou à minha paixo,a!uela a !ue devo unir'me eternamente para &ormar um ser mais per&eito, eu caminharei paraela, como ela para mim, impelidos por uma &orça misteriosa, por m6tua aspiraço.

Com o animo repousado por essa convicço !ue nele se derramara, entrou 0eopoldo em casa.A7 o esperava o isolamento em !ue se ia escoando sua vida, depois da perda de uma irm a!uem adorava.

 *essa irm tinha ele resumido todas as a&eiç4es da &am7lia, prematuramente arrebatada à suaternura o amor &ilial, !ue no tivera tempo de expandir'se, a ami"ade de um irmo, seucompanheiro de in&5ncia, todos esses sentimentos cortados em &lor, ele os transportara paraa!uele ente !uerido, !ue era a ima#em de sua me.

Essa perda deixara um v%cuo imenso no coraço de 0eopoldo a princ7pio enchera'o a dor,depois a saudade a#ora essa mesma terna saudade sentia'se desamparada na pro&unda solidoda!uele coraço ermo. + mancebo carecia de uma a&eiço para povoar esse deserto de sua

alma, de uma vo" !ue repercutisse nesse l6#ubre silncio. / to doce partilhar sua melancolia,ou seu pra"er, com um outro eu, com um ami#o ou uma esposa. 3o dois ombros para a cru",e dois peitos para a ale#ria alivia'se o peso, mas duplica'se o #o"o.

Ao cair da tarde, !uando o crep6sculo $% desdobrava sobre a cidade o véu de #a"a pardacenta,0eopoldo, sentado à $anela de peitoril de sua casa, &umava um charuto, com os olhosen#ol&ados no a"ul di%&ano do céu, onde cintilava a primeira estrela. A seus pés desdobrava'sea ba7a pl%cida e serena como um la#o, com a sua #raciosa cintura de montanhas,caprichosamente recortadas.

+ esp7rito do moço no se embebia decerto na perspectiva dessa encantadora nature"a,

sempre admirada e sempre nova. Ao contr%rio, abandonava'se todo às recordaç4es de seu

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encontro pela manh e aos enlevos !ue lhe deixara a contemplaço da linda moça. ;assava erepassava em sua memória, como em um cadinho, todas as circunst5ncias m7nimas deste#rande e importante acontecimento, desde o momento em !ue assomou a viso até !uedesapareceu por 6ltimo ao dobrar o canto da rua.

Achava nisso o mesmo pra"er !ue um menino #uloso experimenta em chupar novamente os

&avos $% saboreados) l% &icou um raio de mel, !ue o l%bio %vido colhe. ;ara 0eopoldo essesraios de mel eram os olhares, os movimentos, os sorrisos da moça, avivados pela maior contenso do esp7rito.

1ouve uma ocasio em !ue o mancebo !uis representar em sua lembrança a ima#em da moçanaturalmente começou interro#ando sua memória a respeito dos traços principais. Como eraela( Alta ou baixa, torneada ou esbelta, loura ou morena( Que cor tinham seus olhos(

A nenhuma dessas interro#aç4es satis&e" a memória por!ue no recebera a impresso particular de cada um dos traços da moça. *o obstante, a apariço encantadora ressur#iadentro de sua alma ele a revia tal como se desenhara a seus olhos al#umas horas antes. Era a

ima#em di%&ana de um sonho !ue tomara vulto #racioso de mulher.

' *o me lembro de seus traços, no posso lembrar'me-... ' murmurava no 7ntimo. Eu acontemplei, como se contempla uma lu" brilhante) v'se a chama, o esplendor, e nem serepara no espectro !ue a &lama envolve como uma roupa#em. Ela é minha lu" no sei a cor ea &orma !ue tem, mas sei !ue cintila, !ue me deslumbra !ue inunda meu ser de uma auroraceleste. *o poderia descrev'la, como um poeta... as !ue importa( ;ois !ue eu a sinto emmim pois !ue eu a possuo em meu coraço(

As p%lpebras do mancebo cerraram'se coando apenas uma réstia de olhar, !ue se embebia nasalvas espirais da &umaça do charuto. ;ercebia'se !ue na!uela névoa se debuxava à suaima#inaço a sedutora ima#em, diante da !ual ele ca7a em xtases de uma doçura ine&%vel.

' Quem sabe( ?alve" no se$a ela o !ue nos bailes se chama uma moça bonita talve" notenha as &eiç4es lindas e o talhe ele#ante. as eu a amo-... + amor é sol do coraço imprime'lhe o brilho e o mati"- 2nus, a deusa da &ormosura, sur#indo da espuma das ondas, no éoutra coisa seno o mito da mulher amada, sur#indo dentre as puras ilus4es do coraço- + !ueeu admiro nela, o !ue me enleva, é sua bele"a celeste é o an$o !ue transparece através doinvólucro terrestre é a alma pura e imaculada !ue se derrama de seus l%bios em sorrisos, e aenvolve como a cintilaço de uma estrela.

0eopoldo $% no estava só na existncia tinha para acompanh%'lo na esperança essa doceapariço, como para partilhar a saudade tinha a memória !uerida de sua irm. + coraçoaproximou as duas ima#ens li#ou'as por al#um v7nculo misterioso e criou assim uma &am7liaideal, em cu$o seio viveu para o &uturo, como para o passado.

 *as horas do trabalho, o moço absorvia'se completamente nas ocupaç4es habituais e cerravasua alma para no deixar !ue as misérias do mundo a7 penetrando pro&anassem o templo desua adoraço, o templo da esperança e da saudade. 9ora dessas lon#as horas, encerrava'sena!uele asilo e a7 vivia.

Al#uns dias depois do encontro da Rua da Quitanda, o Castro percorrendo distraidamente os

 $ornais da manh, deu com os olhos sobre os an6ncios de espet%culo, coisa !ue desde muito

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tempo no existia para ele. Representava'se no ?eatro 07rico a 06cia de 0amermoor, o maissublime poema de melancolia, !ue $% se escreveu na l7n#ua dos an$os.

+ mancebo teve um dese$o irresist7vel de ir a!uela noite ao espet%culo, apesar de conservar ainda o luto pesado. *o compreendia esse capricho de seu coraço atribuiu'o ao encanto dasreminiscncias da!uela m6sica to triste, e também da!uele amor to estremecido, !ue os

homens !uiseram romper, mas a &atalidade uniu para sempre no t6mulo. Ele ia saturar'se detriste"a no havia, portanto, pro&anaço de uma dor santa.

Eram perto de de" horas cantava'se o &inal do se#undo ato da ópera, e 0eopoldo, sentado emuma cadeira, do lado direito, estava completamente absorvido no canto ma#istral de 0a#ran#ee irate. @m momento, porém, er#ueu os olhos, e volvendo'os lentamente, &itou'os em umcamarote de se#unda ordem. Estremeceu o olhar morno e baço !ue se escapava de sua pupilailuminou'se de &o#os sombrios e ardentes.

2ira a mulher amada.

Amélia estava nessa noite em uma de suas horas de inspiraço, a mulher bela tem, como ohomem de inteli#ncia, em certos momentos in&luiç4es enér#icas de poesia nessas ocasi4esambos irradiam' a mulher &ica esplndida, o homem sublime.

+ talhe esbelto da moça desenhava'se através da n7vea transparncia de um lindo vestido detarlatana com laivos escarlates. Coroava'lhe a &ronte o diadema de suas belas tranças, donderesvalavam dois cachos soberbos, !ue brincavam sobre o colo. +s cabeleireiros chamam essescachos de arrependimentos, repentirs. ;or !ue motivo( A alma !ue se arrepende envolve'seda!uela &orma o pesar a con&ran#e. :% se v !ue os cabeleireiros também so poetas.

 *o &oi, porém, o suave per&il da moça, nem os contornos maciços de suas &ormas #entis, o!ue arrebatou o esp7rito do mancebo. Ele só viu a lu", o brilho dalma, rore$ando do sorriso.Contemplava a rosa, embebia'se nela, sem contar'lhe as pétalas.

Amélia, !ue apoiava o lindo braço sobre a almo&ada de veludo da balaustrada, prestavaatenço à cena, recolhendo às ve"es a vista para discorr'la va#amente pelos camarotes&ronteiros. Depois !ue o pano caiu, conservou'se na mesma posiço, conversando com suame e 0aura !ue ali estava de visita. Ento voltou rapidamente o rosto, e deixou cair sobre a

 platéia um olhar s6bito e vivo. 9oi uma centelha elétrica, listrando no espaço, para lo#oapa#ar'se.

Revelou'se no semblante da moça al#uma in!uietaço e vis7vel inc>modo. Quis dis&arçar, masa&inal er#ueu'se, para ocultar'se no interior do camarote, por detr%s de 0aura, a !ual ocupavao outro lu#ar da &rente.

+ olhar !ue deitara à platéia encontrou o olhar pro&undo e ardente de 0eopoldo e batendo deencontro a esse raio brilhante, rea#iu como estilete para &eri'la no coraço.

0eopoldo notou va#amente esse movimento mas como entre a coluna e o busto de 0aura elevia a sombra da mulher a !uem amava, no se interrompeu seu enlevo. De ve" em !uando

 passava'lhe pelo rosto um lampe$o sutil, no !ual pressentia o olhar &urtivo da moça.

  2

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Estava a subir o pano.

Amélia resolvera &icar onde estava, e no tomar o lu#ar da &rente, apesar de 0aura ter voltadoa seu camarote. as essa resoluço, to solidamente calcada em seu coraço, caiu de repente)

 bastou um olhar. 2ira na platéia, encostado à balaustrada da or!uestra, um ele#ante

cavalheiro.

Era 1or%cio.

+ sorriso brando !ue manava dos l%bios da moça, como a onda pura e cristalina de um ribeiro,desapareceu ento sob outro sorriso mais brilhante, !ue borbulhava como a &rol da cascata.Era o sorriso da vaidade, como o outro era da inocncia.

A moça colocou'se na &rente, &a"endo realçar com a #raça de seus movimentos a supremaele#5ncia do talhe. Demorou'se mais do !ue era preciso nesse ato e sentando'se, houve emseu corpo um impulso !uase impercept7vel de misteriosa expanso. Dir'se'ia !ue ela se !ueria

debuxar no !uadro iluminado do camarote.

A causa desse elance no o adivinham( + leo tinha assestado seu binóculo de mar&im e amoça com um irresist7vel assomo de &aceirice abandonava'se ao olhar do mancebo.

Durante o ato, Amélia distraiu mais a atenço do semblante p%lido de 0eopoldo. Enleava osolhos na &i#ura ele#ante de 1or%cio prendia'se ao &ino buço ne#ro !ue sombreava o l%biodesdenhoso do leo embebia'se toda na #raça de sua atitude, tentando assim resistir àcuriosidade inc>moda !ue atra7a sua atenço para o importuno desconhecido.

 *o sei por !ue, 0eopoldo, cu$a adoraço era in&ati#%vel como a emanaço de uma chama perene, sentiu na!uela ocasio a necessidade de dar um repouso à sua contemplaço. Entocomo se a lu" !ue o deslumbrava se &osse tornando mais doce, ele p>de ver destacar'se o

 per&il #racioso da moça.

' ?em o cabelo castanho- E pena- Acreditava !ue a mulher a !uem amasse al#um dia. havia deser loura. / a cor do re&lexo da lu", deve ser a cor desse véu casto !ue Deus &e" para o pudor.A madeixa &oi dada à mulher para recatar a &ace !ue enrubesce e o seio !ue palpita essa #a"a

 preciosa deve ser de ouro, ou antes de #raça e esplendor.

+ moço $% no olhava para Amélia com as p%lpebras cerradas estava a#ora vendo'a na

 penumbra dalma.' as para mim é indi&erente !ue tenha o cabelo castanho podia t'lo ne#ro como a treva. Eua amo, amo sua alma, sua essncia pura e imaculada- 3e Deus me enviou um an$o paraconsolar'me em minha a&liço, para amparar'me em meu isolamento, para encher de ine&%veis

 $6bilos meu ser saturado de amar#uras, posso eu !ueixar'me por!ue o 3enhor o vestiu de umasimples t6nica de l, e no de um suntuoso manto de ouro( Eu #ostava dos cabelos louros)

 pois a#ora só #osto, só !uero, só ve$o uns cabelos castanhos, por!ue pertencem a ela, seimpre#nam de seu per&ume e respiram seu h%lito-

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?erminara o ato. 0eopoldo, contemplando a moça, pela primeira ve" lembrou'se de saber !uem era, na sociedade, a!uela mulher !ue lhe pertencia pelo pensamento. ?inha'se habituadoa consider%'la como uma coisa sua parecia'lhe !ue nin#uém mais existia seno eles dois.

2olveu os olhos em busca de al#um conhecido, a !uem diri#isse a per#unta. *o encontroumas ao cabo de al#uns instantes descobriu o leo em seu posto.

' Ah- l% est% 1or%cio !ue pode me in&ormar, ele conhece todo o mundo- :ustamente a#ora p>so binóculo para o camarote.

Como dese$ava sair, diri#iu'se para a!uele lado mas o leo, in!uieto e preocupado, sa7raaçodadamente, e subia de um pulo as escadas !ue o separavam da se#unda ordem.

' A!uela mo é irm do meu adorado pe"inho- *o tem a #raça dele, sem d6vida, nem secompara com a!uele mimo de amor mas h% um certo ar de &am7lia, um !uer !ue se$a-...

Assim co#itando, 1or%cio che#ara à porta de um camarote, e pela &resta &itara com dis&arce o

olhar em 0aura, cu$a mo, excessivamente pe!uena e calçada por uma luva muito $usta,custava a se#urar o binóculo de madrepérola.

+ moço, apenas reconheceu o vestido de seda violeta e a mo"inha !ue lhe servira de &anal,abaixou o olhar para a &7mbria do vestido a ver se descobria al#uma coisa, o peito, a ponta, asombra ao menos do pe"inho mimoso, do 7dolo de sua alma. as no &oi poss7vel) o vestidoarrastava no cho nenhum movimento &a"ia ondular a seda e contudo o mancebo ali &icouimóvel, palpitante de emoço, como se esperasse dos l%bios da mulher amada o monoss7labo!ue devia decidir de seu destino.

A paixo !ue o mancebo concebera pela dona incó#nita da botina achada, lon#e de sedesvanecer, ad!uirira uma veemncia extrema. 1or%cio, o &eli" con!uistador, o coraço&o#oso e in&lam%vel, nunca ardera por mulher al#uma como a#ora ardia por a!uele pe"inhoidolatrado. Era um verdadeiro amor de leo, terr7vel e ind>mito era um del7rio, uma raiva.

3eus ami#os $% no o reconheciam ele aparecia nos bailes, nos teatros, nos pontos de reunio,de relance, como um meteoro, se#uindo após uma idéia &ixa, ou uma sombra !ue &u#ia diantede seus passos. Conversou'se muito na Rua do +uvidor a este respeito. @ns atribu7am o &atoinaudito à primeira derrota.

' 1or%cio, di"ia um de seus ami#os, como *apoleo, só devia ser derrotado uma ve". as

essa ve" &oi Faterloo-' Que pensa ento(

' Que o pobre rapa" caminha para o seu rochedo de 3anta 1elena. +u casa a7 com al#umamulher &eia e rica, ou en#orda como um cevado.

+utros lembravam'se de al#um desarran$o de &ortuna, ou de al#uma veleidade pol7tica, paraexplicar o mistério. as sabia'se !ue o moço tinha bom e se#uro rendimento e !uanto à

 pol7tica, ele a comparava a uma embria#ue" causada pela mais ordin%ria "urrapa de taberna.

uitas ve"es disse, #race$ando, a seus ami#os)

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' Quando me !uiser embria#ar, em ve" de "urrapa, beberei champanhe. / mais &ino, e tambémmais barato, por!ue no deixa uma irritaço de est>ma#o, cu$o preço é muito melhor ao deuma caixa de superior clic!uot.

A causa real da mudança do leo, nin#uém pois a sabia nem a suspeitava.

Depois do achado da botina, sua vida tomara um aspecto muito di&erente. *a!uela mesmatarde em !ue o deixamos na sua casa de =ota&o#o, terminado o $antar, mandou aprontar ot7lburi e voltou à cidade. 3eu aparecimento à!uela hora na Rua do +uvidor causou estranhe"a)um leo de raça, como ele, no passeia ao escurecer, sobretudo no centro do comércio, ondesó &icam os !ue trabalham. 3eria misturar'se com os leopardos !ue aproveitam a ausncia dosreis da moda, para restolhar al#uma caça retardada.

Correu 1or%cio todas as lo$as de calçado à procura de in&ormaç4es. ;ara dis&arçar sua paixo,inventara uma aposta, como pretexto à sua curiosidade. A um &re#us como ele, no serecusava to pe!ueno &avor, sobretudo !uando levava o sainete de uma anedota de bom'tom.

A todos eles o leo se diri#ia mais ou menos nestes termos)

' 9i" uma aposta com uma senhora) !ue em todo o Rio de :aneiro no se encontram trsmoças de GH anos !ue calcem nI JK. ?enho todo o empenho em #anhar a aposta, no tanto

 pelos bot4es de punho, como por!ue, se ela perder, h% de ser obri#ada a mostrar'me seu pé, para eu veri&icar se é realmente desse tamanho. ;eço'lhe, pois, !ue me d uma nota das&re#uesas a !uem costuma vender calçado deste n6mero.

 *esta pes!uisa #astou 1or%cio muitos dias, sem colher o menor resultado. +s poucos pares decalçado nI JK, vendidos pelas di&erentes lo$as, eram destinados a meninas de do"e anos ou a

 pessoas desconhecidas, cu$a idade se i#norava. Apesar de tudo o leo no desanimava todasas manhs, ao acordar, levantava um plano de campanha, !ue punha em pr%tica durante o dia.

1or%cio sentira'se de repente tomado de inde&in7vel ternura por uma classe, de !ue antes só selembrava para amaldiço%'la) a classe dos sapateiros. Quando via um su$eito de avental decouro e sovela, o leo sentia'se atra7do para a!uele indiv7duo, !ue talve" encerrasse o se#redode sua &elicidade, seu &uturo, sua existncia. +utras ve"es, porém, tinha de repente uns acessosde ci6me selva#em. 0embrando'se !ue esse oper%rio talve" $% houvesse tomado medida aoadorado pe"inho !ue essas mos calosas teriam tocado a c6tis acetinada do an$o de seus

 pensamentos, o mancebo sentia em si o &uror de +telo e procurava um punhal no seio&eli"mente só achava a carteira, a ada#a de ouro com !ue neste século se assassina mais

cruelmente.Depois de consumir as horas em suas inda#aç4es, ia contemplar a botina, prenda !uerida deseu amor, e prosse#uia à noite sua por&ia incans%vel. Corria os espet%culos e bailes, com oolhar raste$ando para descobrir por baixo da orla do vestido, o i#noto deus de suas adoraç4es.

 *o dançava para observar melhor o arre#açado dos vestidos de ordin%rio andava pelasescadas e portas, a &im de aproveitar o ense$o da subida e descida muitas ve"es ia &umar $untoao lu#ar onde se colocavam os lacaios, na esperança de conhecer o portador da botina.

Quando as rainhas da moda, as deusas do salo, surpresas e at>nitas, o viam passar semdistin#ui'las com uma palavra ou uma &ine"a, ele, atirando'lhes um olhar de compaixo, di"ia

consi#o.

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' Coitadas- no sabem !ue o leo viu a pata da #a"ela e &are$a'lhe o rastro. Que lhe importamas #arras da pantera(...

Recolhendo, 1or%cio acendia duas velas transparentes e colocava'as a um e outro lado daalmo&ada de veludo escarlate, sobre uma mesinha de charo, embutida de madrepérolas.

?irava de um ele#ante co&re de platina a mimosa botina, e com respeitosa delicade"a deitava'asobre a almo&ada, de modo !ue se visse per&eitamente a #raciosa &orma do pé !ue habitaraa!uele ninho de amor.

Ento acendia o charuto, sentava'se numa cadeira de espre#uiçar, de&ronte, porém distante, para !ue o &umo no se impre#nasse na botina, e &icava em muda e arrebatada contemplaçoaté alta noite.

3obre a!uela botina via elevar'se como sobre um pedestal, um vulto de est%tua, mas va#o,indistinto e contudo esse esboço sem &ormas sedutoras, a!uela sombra sem alma e sem calor,lhe parecia de uma bele"a deslumbrante. *o era ela a mulher a !ue pertencia o mais &ormoso

 pé do mundo, o mimo, a obra'prima da nature"a(

Recordava'se das mulheres mais bonitas !ue tinha visto, das mais lindas senhoras a !uemamara com paixo, e sua memória as tra"ia todas, uma após outra, para as colocar ao ladoda!uela &i#ura va#a e desvanecida, !ue planava sobre a almo&ada como sobre uma nuvem deouro. Como elas &u#iam abatidas e humilhadas diante de seu impetuoso desdém-

' *o so di#nas, murmurava ele, nem de bei$arem o cho pisado pela &ada desta botina-

Eis !ual tinha sido a vida de 1or%cio até o momento em !ue o vamos encontrar no mesmolu#ar de&ronte da porta entreaberta do camarote. 0aura percebeu'o a&inal, e sorriu'lhe comternura. A atenço do rei da moda era uma &ine"a, um ar de seu real a#rado cumpria'lhea#radecer.

9itando com mais &orça o olhar na pupila da moça como para travar'lhe da vontade, 1or%cioabaixou lentamente esse olhar até a &7mbria do vestido de chamalote com uma insistnciasi#ni&icativa. 0aura &e"'se escarlate e a porta do camarote, rapidamente &echada, a subtraiu àsvistas ardentes do leo.

' / ela- ' exclamou o coraço do mancebo a&o#ado em $6bilo. *o h% d6vida. ;ara sentir esse pudor exa#erado e incompreens7vel é preciso ter ali oculto um pé como a!uele !ue eu sonhei.

@m pé(... *o um mimo,uma maravilha, um tesouro, um céu-... / o pudor da violeta, !ue se esconde na sombra é o pudor da pérola, oculta na concha é o pudor do diamante, sumido no seio da terra é o pudor da estrela, imer#indo'se no a"ul.

+ leo desceu as escadas murmurando)

' 2'lo e morrer.

;ouco depois terminou o espet%culo. Amélia com um ressaibo de melancolia na &ronte,embuçou'se na peliça e desceu. Ela perdera de vista 1or%cio, e só o tornara a ver parado em

&rente à porta do camarote de 0aura. Desamparada pelo encanto do #entil mancebo, so&rera

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todo o resto do espet%culo o desassosse#o !ue lhe incutia o olhar de 0eopoldo. ;or mais !uevoltasse o rosto, sentia a &os&orescncia estranha desse olhar repulsivo, !ue entretanto a

 prendia, mau #rado seu.

0eopoldo esperava no corredor da entrada a passa#em da moça, !uando avistou a seu lado1or%cio. + leo s>&re#o e impaciente volvia o olhar em v%rias direç4es naturalmente

 procurava al#uém, e receava !ue lhe escapasse.

' Adeus, 1or%cio.

' =oa noite, 0eopoldo.

Amélia apareceu nesse momento.

' Conheces a!uela moça, 1or%cio(

' Qual(... Espera-

1or%cio tinha avistado 0aura, !ue descia o lanço da escada oposta, e correra pressuroso, comos olhos &itos na &7mbria de seda. 3eu olhar tinha tal &orça !ue parecia um cro!ue a levantar aorla do vestido. Debalde nem a sombra do pé) o encorpado esto&o arrastava pesadamente pelocho.

Che#ou a moça à porta, onde o carro a esperava. 1or%cio teve um vislumbre de esperança, porém nova decepço o esperava. *o viu mais do !ue uma nuvem de sedas ondular e sumir'se.

+ leo &e" um movimento de desespero.

' 3enhor- por !ue em ve" de homem no me &i"este estribo de um carro- ?eria a &elicidade deser pisado por a!uele pe"inho.

  2<

3eriam duas horas da tarde.

Durante a manh tinha ca7do sobre a cidade uma &orte neblina, !ue molhara as calçadas.

0eopoldo diri#ia'se a casa pela Rua dos +urives. *aturalmente vinha pensando nadesconhecida !ue no vira desde a noite do teatro. 3ua paixo era intensa e ardente mas viviade si mesma, nutria'se da própria seiva. Esperava com plena con&iança de seu amor.

A pe!uena dist5ncia do canto da Rua do +uvidor viu ele de repente a moça !ue passava nacompanhia de outras pessoas. Amélia voltara o rosto. 3eu olhar cru"ou rapidamente com oolhar do mancebo. Ela estremeceu com o costumado cala&rio, e acelerou o passo.

2endo'a sumir'se, encoberta pela es!uina, o mancebo também se apressou para acompanh%'la mas che#ou tarde. A moça e as pessoas, !ue iam em sua companhia, acabavam de entrar em um carro) na ele#ante vitória !ue $% conhecemos. 0eopoldo apenas vira um pé, !ue na

 precipitaço de subir, levantara demais a saia.

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3em conscincia do !ue &a"ia, precipitou'se para a portinhola do carro. + lacaio !ue a &echavanesse momento,embar#ou'lhe o passo. Quando o carro partiu na direço de 3o 9rancisco de ;aula, Améliainclinou'se e lançou de es#uelha um olhar vivo para a es!uina.

0eopoldo &icara na calçada imóvel e ext%tico de surpresa.

+ pé !ue seus olhos descobriram, era uma enormidade, um monstro, um alei$o. Ao tamanhodescomunal para uma senhora, $untava a dis&ormidade. ;esado, chato, sem ar!ueaço e per&il,

 parecia mais uma base, uma prancha, um tronco, do !ue um pé humano e sobretudo o pé deuma moça.

+s traços especiais da bele"a de Amélia no tinham deixado na memória de 0eopoldo am7nima impresso, da primeira ve" !ue a vira, apesar de contempl%'la demoradamente.Entretanto o de&eito no lhe escapou, embora passasse de relance diante de seus olhos.

;arece uma sin#ularidade mas no é. *in#uém conta as pétalas da &lor !ue admira nin#uémrepara na &orma especial de cada uma das partes de !ue se comp4e um todo #racioso porém amenor m%cula se destaca imediatamente.

/ por isso !ue certos homens, no podendo distin#uir'se entre a #ente sisuda e honesta,&a"em'se nódoas da sociedade tornam'se v7cios e torpe"as. Assim ad!uirem a celebridade,!ue no obteriam com sua virtude amb7#ua e seu mes!uinho talento.

+ Castro, !ue no admirara o mati" da rosa, notou a m%cula e des#ostou'se dela. Ele sentia'secom &orças para amar o &eio e o des#racioso, mas no o dis&orme, o horr7vel. Essa aberraçoda &i#ura humana, embora em um ponto só, lhe parecia o sintoma, seno o e&eito, de umamonstruosidade moral.

?riste, acabrunhado por pensamentos acerbos, o moço continuou seu caminho pela Rua dos+uvires em direço a casa. al havia andado al#uns passos, arrependeu'se no !ueria levar àsua habitaço esse primeiro transbordamento de um dissabor to pro&undo era melhor deix%'lo escoar'se antes de recolher à solido habitual. 3e tivesse al#uma coisa a &a"er- Qual!uer ocupaço bem aborrecida e maçante, !ue lhe servisse de ant7doto ao des#osto 7ntimo-

Exco#itou. 1avia ali perto, na Rua 3ete de 3etembro, uma pe!uena lo$a de sapateiro, ou antesuma tenda, por!ue além do balco via'se apenas uma tosca vidraça, contendo a obra de trs

o&iciais !ue a7 trabalhavam.A lo$a pertencia a um mestre &luminense, !ue trabalhara por al#um tempo na casa douilherme e do Campàs, e se iniciara portanto em todos os se#redos da arte. *in#uém aexercia com mais habilidade, esmero e entusiasmo do !ue ele sua obra, !uando !ueria, notinha !ue inve$ar ao produto das melhores &%bricas de ;aris, se no o excedia na ele#5ncia edelicade"a.

A ra"o cardeal de toda a superioridade humana é sem d6vida a vontade. + poder nasce do!uerer. 3empre !ue o homem apli!ue a veemncia e perseverante ener#ia de sua alma a um&im, ele vencer% os obst%culos, e se no atin#ir o alvo, &ar% pelo menos coisas admir%veis. as

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 para !ue o homem se entre#ue assim a uma idéia e se cative a um pensamento, é necess%rioser atra7do irresistivelmente, ser impelido pelo entusiasmo.

/ o entusiasmo !ue &a" o poeta e o artista, o s%bio e o #uerreiro é o entusiasmo !ue &a" ohomem'idéia di&erente do homem'm%!uina. A &%bula de ;rometeu no exprime seno aale#oria desse &o#o celeste dalma, !ue anima as est%tuas de alatéia, embora depois dilacere

o coraço como a %#uia do rochedo. @ma &a7sca dessa eletricidade moral opera maravilhasi#uais à centelha do raio. + !ue é o telé#ra&o a par com a elo!8ncia(

+ atos tinha o entusiasmo de sua arte descobrira nela se#redos e encantos desconhecidosaos mercen%rios. ;ara ele o calçado era uma escultura copiava em seda e couro, assim comoo cin"el copia em #esso e m%rmore. +s outros artistas da &orma reprodu"em todo o vultohumano ou pelo menos o busto ele só tinha um assunto, o pé. as !ue import5ncia notomava a seus olhos esta parte do corpo- Era preciso ouvi'lo, em al#um momento de arroubo,

 para &a"er idéia de sua admiraço por esse membro da criatura racional.

Depois de trabalhar muitos anos em casas &rancesas, o mestre &luminense resolveu

estabelecer'se por sua conta. Alu#ou uma pe!uena lo$a de duas portas, onde trabalhava comdois o&iciais. A necessidade de #anhar o po o obri#ava a tornar'se mercen%rio, &a"endo obrade carre#aço para vender barato. as no meio dessa tare&a in#rata tinha ele suas del7cias deartista. eia d6"ia de &re#ueses, conhecedores da habilidade do sapateiro, pre&eriam seucalçado ao melhor de ;aris, e o pa#avam #enerosamente. Essas raras encomendas, o atos asexecutava com enlevo revia'se em sua obra, verdadeiro primor.

0eopoldo no era um &re#us da 6ltima classe ele no conhecia a voluptuosidade de umcalçado macio, antes luva do !ue sapato seu pé no era um en&ant #até, um ben$amimacostumado a essas del7cias desde a in&5ncia o habituara a uma vida rude e austera entre asola ri$a e o be"erro. Além de !ue seus haveres no che#avam para tais prodi#alidades.

+ moço pertencia à classe dos &re#ueses da obra de carre#aço, e pre&eria a lo$a do atos pelamodicidade do preço, e boa !ualidade do cabedal, como do trabalho.

Que misteriosa associaço de idéias trouxera à lembrança de 0eopoldo, na!uele momento, atenda do sapateiro( E por !ue motivo se diri#iu ele para ali onde estivera na véspera, e no

 para !ual!uer outro lu#ar, em !ue poderia melhor espancar seu dissabor(

+ motivo, nem ele mesmo o sabia na!uele instante.

' =om dia- As botinas esto prontas( ' disse entrando.+ atos, !ue atendia a al#uns &re#ueses perto da vidraça, olhou'o surpreso)

' *o disse ontem a 2. 3a !ue só para o &im da semana(

' / verdade-

' ?inha entre mos esta encomenda. as $% acabei a#ora posso a$udar os companheiros.

+ atos indicara al#uns pares de calçado !ue estavam no mostrador sobre &olhas de papel e

 prontos a serem embrulhados.

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0eopoldo, che#ando'se para o balco, principiou a examinar a obra acabada, com a distra7dacuriosidade de !uem dese$a esperdiçar al#uns momentos, para escapar a um aborrecimento ou

 para apressar um pra"er. Era trabalho &ino do mestre, e contudo no excitaria #rande atençoda parte do moço, se no &osse um par de botinas de senhora $% usadas e meio encobertas pelo

 papel com outra obra. A medida era enorme no comprimento e na altura por isso, como pelo

&eitio, devia excitar'lhe reparo.

 *a véspera !uando viera à lo$a, casualmente observara a obra !ue o atos estava acabando.2endo h% pouco na Rua do +uvidor o pé monstruoso da moça, tivera uma con&usa e tnuereminiscncia das botinas da lo$a. 9ora esse o &io misterioso !ue o condu"ira insensivelmenteà!uela casa. A#ora compreendia a encadeaço) a botina monstro pertencia sem d6vida ao péalei$o.

0eopoldo depois !ue entrevira sob a orla do vestido o pé da moça, ainda alimentava umad6vida, !ue pretendia cevar com todas as sutile"as e ar#6cias de seu esp7rito. ?alve" ele vissemal talve" a sombra, o estribo do carro, !ual!uer outro ob$eto o tivesse iludido. + alei$o só

existia em sua ima#inaço &ora um desvario dos sentidos. Com e&eito, como supor !ue umasenhora pudesse andar #raciosamente com semelhante pata de ele&ante(

as as botinas a7 estavam sobre o balco !ue no lhe deixavam a menor d6vida. + pédis&orme existia era a!uele o seu molde, o seu corpo de delito, e por ele se podia ver !uantodevia ser horr7vel a realidade. A#ora 0eopoldo podia apreciar os traços parciais !ue lhetinham escapado pela manh esse pé era cheio de bossas como um tubérculo no arremedavanem de lon#e o contorno dessa parte do corpo humano) era uma posta de carne, um cepo-

:unto dessa de&ormidade morta, inventada para cobrir a de&ormidade viva, havia outra obra!ue chamara a atenço do mancebo por sua sin#ularidade. L primeira vista era um volumesemelhante ao das botinas monstruosas embora de linhas re#ulares) parecia uma li#eiraalmo&ada preta sobre a !ual se elevasse uma botina de senhora, muito ele#ante apesar decomprida. + tubo cin"ento &icava oculto sob &rocos de cetim escarlate. Do rosto ao bico desciaum #alho de rosas, cu$as hastes cin#iam #raciosamente, como uma #rinalda, toda a volta do

 pé até o calcanhar.

@ma das botinas ainda tinha dentro a &>rma en!uanto a outra $% estava sem ela. *aturalmenteo atos procedia à!uela operaço !uando &oi distra7do pelos &re#ueses e compradoresdeixara'a pois em meio, deitando em cima da obra, para encobri'la, uma &olha de papel.

A &>rma no podia passar despercebida ao observador. 2endo pouco antes a botina dis&orme,0eopoldo a tinha considerado o modelo exato do pé monstruoso, !ue ele avistara. En#anara'se) a botina era $% o dis&arce, a m%scara do alei$o. 3ua cópia ali estava em horr7vel nude", no#rosseiro toco de pau, cheio de buracos e protuber5ncias.

as se essa observaço acabou de esma#ar o coraço do mancebo, levou insensivelmente seuesp7rito a apreciar pela primeira ve" a superioridade do atos em sua arte. Ali estava aima#em do alei$o, o calçado !ue outros sapateiros lhe &ariam para cobrir a monstruosidade,sem a dissimular. Entretanto, o mestre &luminense conse#uira, por um es&orço &eli",desvanecer a de&ormidade sob a aparncia de uma botina ele#ante.

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A almo&ada sobre !ue parecia descansar a botina, era um solado alto porém oco, onde ascarnes moles do pé monstruoso, comprimidas pela botina superior, podiam abri#ar'se.

+s &rocos de cetim e as #rinaldas de rosas enchiam as covas e desvaneciam as protuber5nciasósseas, com muita delicade"a, sem avolumar o tamanho do coturno. *a sola ne#ra sedebuxava, em proporço à botina superior, a alva palmilha com seus contornos harmoniosos

de modo !ue olhando'se andar a pessoa, no se perceberia &acilmente o tamanho do calçado.

Acabara o atos de aviar os &re#ueses, e che#ando'se para o balco, incomodou'se com ver omoço a observar a obra ia talve" interromp'lo rispidamente, !uando percebeu em seu rostouma expresso viva de ardente admiraço. + artista &icou lison$eado com esse elo#io toelo!8ente em sua mude" e à contrariedade sucedeu a satis&aço do amor'próprio.

9oi 0eopoldo, !ue, percebendo $unto de si o sapateiro parado, a&astou'se do balco, receandoter sido indiscreto. <a sair, !uando entrou na lo$a um lacaio de libré a"ul com vivos deescarlate e branco. + mancebo o reconheceu pelas &eiç4es era o mesmo !ue o impedira deche#ar à portinhola do carro, na Rua do +uvidor.

' Ah- ' exclamou o atos, avistando o criado. Est% !uase pronto.

' *o posso esperar- ' replicou o lacaio com a insolncia do ra&eiro de casa rica.

' / só embrulhar.

0eopoldo dis&arçava &in#indo olhar o calçado exposto na vidraça, viu de es#uelha o sapateirotirar a &>rma da outra botina, bater o ponto e dar o 6ltimo polimento à sua obra &eito o !uearran$ou o embrulho.

' Est% bem amarrado( ' per#untou o lacaio. +lhe !ue da outra ve" $% se perdeu uma botina por sua causa, e eu é !ue levei a culpa.

' *o tenha susto desta ve" est% bem se#uro, respondeu o atos.

9oi'se o lacaio e 0eopoldo com o semblante carre#ado de triste"a, despediu'se, arrependidode ter ido à lo$a. Que saudades tinha da sua d6vida-

' A d6vida, pensava ele, é ainda um raio de esperança-

  2<<A esse tempo 1or%cio, sentado em uma poltrona na casa de =ernardo, &umava o seu conchita,com o olhar, ora na calçada, ora no espelho &ronteiro, à espreita do menor vulto de mulher.

+ leo pensava)

' Choveu as ruas ainda esto molhadas. Qual é a senhora !ue tendo um pé mimoso e uma perna bonita, no aproveita um destes dias para atravessar a Rua do +uvidor( 3e deixaremescapar estes pretextos de mostrar semelhantes maravilhas, morrero elas desconhecidas,apenas vistas por um dono avaro, mas nunca admiradas, por!ue a admiraço é sentimento !ue

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 precisa da lu" plena, da #rande expanso. 3e a 2nus de ;rax7teles existisse, mas só paramim, palavra de honra !ue sua bele"a no excitaria em minha alma o menor entusiasmo.

 *essa ocasio Amélia passava diante da lo$a, e voltando'se recebeu a cortesia do leo, a !uemrespondeu com um sorriso am%vel. ;arando na vidraça, achou ela pretexto para entrar, ecomprou uma #alanteria Durante esse tempo 1or%cio recebeu por diversas ve"es o olhar e o

sorriso da moça.

Acompanhando com a vista o passo airoso e sutil de Amélia, 1or%cio exclamou, diri#indo'seao caixeiro do =ernardo)

' Que passo #racioso- / o andar da #arça-

Estas palavras &oram ditas em vo" bastante alta, para !ue a moça ouvisse um li#eiroestremecimento !ue se notou na suave ondulaço do talhe revelou !ue o leo lo#rara seudese$o. A moça ouvira com e&eito a &ine"a.

Recostado de novo na poltrona o leo continuou a pensar)

' Realmente, !ue ele#5ncia no andar- Eu seria capa" de apostar !ue esse andar era do pe"inho,do meu adorado pe"inho, se $% no tivesse descoberto a dona do primor. as 0aura novem-... + criado me disse !ue ao meio'dia, e é !uase uma hora- ?er% mudado de resoluço(...

 *o duvido, com a!uele "elo &ero" !ue tem por sua $óia, talve" no !uisesse vir para no ser obri#ada a mostr%'la. @m avaro no &echa com mais cuidado a burra, do !ue ela esconde seutesouro. Que pecado- 3ubtrair ao mundo essa maravilha !ue Deus &e" para ser admirada- Ah-eu dese$ava ser uma naço assim como h% dem>nios'le#i4es, por !ue no pode haver homens'povos( 3e o &osse, daria um trono a essa mulher, somente para !ue ela institu7sse o

 bei$a'pé. Como eu seria corteso- Como eu a bei$aria por minhas cem bocas de s6dito-

+ mancebo sobressaltou'se vira uma sombra !ue assomava no espelho &ronteiro. Era 0aura.Que devia &a"er( Correr à porta para ser visto pela moça ou deixar'se &icar na poltrona paramelhor descobrir o pé adorado(

A atitude do leo revelava a hesitaço de seu esp7rito com o corpo lançado à &rente parecia&a"er um es&orço para se conservar sentado. 0aura, !ue de seu lado $% o tinha avistado noespelho, &icara em um estado de perturbaço indi"7vel.

' Que tem, prima( ' per#untou'lhe um senhor !ue a acompanhava.

' *ada- ' balbuciou a moça.

A princ7pio 0aura &i"era um movimento para recuar, mas arrependendo'se avançou coma&oite"a, e passou rapidamente pela &rente da lo$a, sem volver um olhar para dentro. ;or mais!ue o leo se derreasse na poltrona, no lo#rou ver coisa al#uma a senhora arrastava a&7mbria do vestido pela calçada coberta de lama, com o mesmo descuido !ue teria secaminhasse sobre rico tapete.

' Est% "an#ada comi#o est% &uriosa- Desde a noite do teatro !ue no me pode ver e parece!ue preparou'se para o assalto, por!ue achei as avenidas da praça $% tomadas e vi#orosamente

de&endidas. A mucama é uma ór#ona, o porteiro um Cérbero apenas conse#ui abrandar o

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mole!ue, por!ue é um idiota-... *unca vi uma &erocidade i#ual creio !ue a leoa da &lorestano de&ende seu cachorrinho com sanha i#ual à desta leoa de sala. ;arece incr7vel mas euconheço de !uanto é capa" a vaidade da mulher. ?odo este &uror no é mais do !ue umassomo de &aceirice percebeu !ue estou apaixonado pelo pe"inho mimoso, e !uer'me tra"er atado como um cativo ao seu carro de triun&o. Realmente uma moça bonita no pode ter maior satis&aço) ver'me a mim, 1or%cio de Almeida, o primeiro con!uistador do Rio de :aneiro,

curvar'se humilde, no a seu olhar, a seu sorriso, à bele"a de seu rosto, ou à #raça de seutalhe, mas à planta de seus pés divinos- 9a"er'me tapete de seus passos-... Que pode maisdese$ar a rainha dos sal4es &luminenses(

+ moço mordeu a ponta do bi#ode ne#ro e &icou al#uns instantes muito pensativo.

' / preciso mudar o plano de ata!ue- Comecei à maneira de César, atacando comimpetuosidade. 2ou contempori"ar con&orme a escola de 9%bio simulo uma retirada oinimi#o avança, eu o envolvo corto'lhe a retirada, e ele rende'se. Arraso o 1umait% da!uelevestido !ue de&ende o meu pe"inho adorado como uma casamata. A indi&erença é a serpentetentadora da mulher.

Em conse!8ncia destas re&lex4es, 1or%cio deixou'se &icar onde estava, e no se#uiu a moça.Quando sup>s !ue ela $% ia distante, &oi procurar al#ures, em um bilhar, o preservativo contraa tentaço de corte$%'la, ou antes o seu pe"inho.

' Ela h% de reparar no meu eclipse- ' murmurou com certa con&iança.

Entretanto 0aura, descendo a Rua do +uvidor, encontrara pouco adiante, na casa do asset,Amélia em companhia da me. As duas ami#as no podendo vir $untas, tinham a$ustado seuencontro para a!uele ponto. + primo despediu'se, e as senhoras continuaram seu itiner%rio

 pelas di&erentes lo$as e casas de modas.

Ao cabo de duas ou trs horas, tomaram o carro !ue estava parado próximo à Rua dos +uvirese partiram na direço do Catete. A poucos passos dali, Amélia per#untou ao lacaio sentado naalmo&ada)

' ?rouxe(

' 3im, senhora est% a7 dentro.

' =em-

+ carro aproximava'se do 0ar#o da 0apa, !uando Amélia disse)

' ;od7amos ir a#ora ao ;asseio ;6blico(

' ?o tarde- ' replicou 0aura.

' Deixa'te disso- ' observou a me da moça.

' ;or !u, mame( 1% tanto tempo !ue l% no vamos.

' *o h% nada de novo.

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' +ra, eu !ueria ver a #arça. Ainda no a vi.

' 2iste, sim-

' as no reparei numa coisa-...

' Em !u(

' @ma coisa. Depois direi.

?anto insistiu !ue a me cedeu a seu capricho, e deu ordem ao cocheiro !ue che#asse até o porto do ;asseio ;6blico. As senhoras desapareceram na curva de uma das alamedas do par!ue, em direço ao la#o. Amélia !ueria ver o andar da #arça, !ue 1or%cio tinha comparadoao seu.

 *essa ocasio passava o t7lburi do nosso leo, !ue vinha do lado da A$uda. @m atropelo,

 produ"ido por uma #>ndola mal condu"ida, ia atirando o t7lburi sobre o carro parado no porto do ;asseio ;6blico. Este incidente chamou a atenço do moço para o cocheiro, !uederreado sobre a almo&ada no se movera.

A memória apresenta às ve"es um &en>meno curioso conserva por muito tempo oculta esopitada uma impresso de !ue no temos a menor conscincia. De repente, porém, umacircunst5ncia !ual!uer evoca essa reminiscncia apa#ada e ela ressur#e com vi#or e&idelidade.

9oi o !ue sucedeu a 1or%cio. inutos antes, por maiores es&orços !ue &i"esse para recordar'seda libré do lacaio, portador da botina perdida, no o conse#uiria decerto. Entretanto bastou'lhe ver a roupa do cocheiro, para acudir'lhe imediatamente ao esp7rito a ima#em desvanecida.Era esse o carro, !ue vira !uin"e dias antes na Rua da Quitanda no havia d6vida.

+ leo mandou parar o t7lburi e entrou no ;asseio ;6blico depois de percorrer inutilmentev%rias alamedas, a&inal descobriu entre as %rvores, além do la#o, as ondulaç4es dos vestidosde al#umas senhoras acompanhadas por um lacaio, e tomou apressadamente a!uela direço.

+ terreno estava 6mido da chuva da manh e por isso o pé dos passeadores deixava o rastoimpresso na branca e &ina areia das alamedas. *otando esta circunst5ncia, 1or%cio procurou ovest7#io de al#uma botina irm da !ue achara, e #uardava como uma rel7!uia &icou ébrio de

contentamento reconhecendo entre muitas pe#adas o leve debuxo !ue deixara no cho omimoso pe"inho.

3e no &osse o anelo de alcançar as senhoras e reconhecer a dona incó#nita do tesouro,1or%cio se houvera a$oelhado a bei$ar o rasto da &ada de seus amores mas as senhorascaminhavam rapidamente para o porto.

;or mais !ue se apressasse o leo, che#ando à sa7da, apenas viu o carro !ue partia. 9eli"menteadiantando'se p>de reconhecer Amélia, !ue lhe sorriu e inclinou'se para acompanh%'lo comos olhos.

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' E ela- Que pateta sou eu- Devia ter adivinhado. 1% pouco, vendo'a passar pela Rua do+uvidor, tive um pressentimento- A!uele andar cheio de #raça no podia en#anar.

 *o dia. se#uinte o leo &e"'se apresentar ao pai de Amélia, abastado consi#nat%rio de ca&é,estabelecido à Rua Direita. + encontro deu'se na ;raça do Comércio. 1or%cio a7 &oi a pretextode comprar apólices e um ami#o, corretor de &undos, prestou'lhe a!uele serviço. +

ne#ociante o&ereceu a casa ao moço !ue aceitou a &ine"a com e&uso de contentamento.

+ 3r. ;ereira 3ales habitava nas 0aran$eiras uma bela ch%cara. Amélia era &ilha 6nica, e seudote, convertido em cem apólices, só esperava o noivo. Quanto à mulher, tinha uma boa

 penso institu7da no montepio #eral. 3e#uro assim o &uturo, vivia o ne#ociante com certalar#ue"a, economi"ando pouco ou nada de seus lucros anuais.

Quando 1or%cio teve conhecimento destas particularidades domésticas, sorriu.

' =em- + meu pe"inho tem um dote para seu calçado. ;ode andar com luxo-

A primeira ve" !ue 1or%cio visitou a &am7lia de ;ereira 3ales, encontrou 0aura na sala amoça &ora passar a noite com a ami#a, e conversava $ovialmente. Apenas viu o leo,demudou'se e instantes depois, inventou um pretexto para retirar'se, apesar das inst5ncias deAmélia.

1or%cio pouca ou nenhuma atenço deu à mudança !ue se tinha operado em 0aura, em suaretirada repentina. Desde !ue a moça no era a dona &eli" do mais lindo pé do mundo,tornava'se para ele uma criatura indi&erente tanto mais !uanto sua alma estava ali de ro$o

 bei$ando a &7mbria de seda, !ue lhe ocultava o to ansiado tesouro.

Em Amélia, v%rias impress4es produ"iu a apresentaço do moço. *o primeiro momentoacreditou !ue o leo viera atra7do por ela mais tarde, lembrando'se do teatro, suspeitou !ue&osse apenas um meio de aproximar'se de 0aura &inalmente ocorreu'lhe !ue podia no passar de um encontro casual de seu pai, e de uma delicade"a da parte de 1or%cio.

3uas d6vidas porém se dissiparam poucos dias depois.

@ma noite a moça, impelida por um movimento de &aceirice, soltou estas palavras, no meio deuma conversa com o leo)

' 0aura est% uma in#rata- 1% tanto tempo !ue no vem passar uma noite comi#o.

Ao mesmo tempo &itava os olhos no moço para ver a expresso de sua &isionomia.

' / uma &ine"a de sua ami#a, !ue eu a#radeço de coraço, respondeu 1or%cio.

' @ma &ine"a(... ' per#untou Amélia pressentindo laivos de ironia.

' Quando sua ami#a est% a!ui, a senhora sem d6vida no a deixa-

' / muito natural.

' :% v pois !ue eu tenho ra"o. 3e ela viesse...

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' Eu teria ci6mes, D. Amélia,

A moça corou.

' ;ois amanh 0aura h% de passar a noite comi#o.

Estas palavras &oram ditas com o estouvamento da menina, !ue procura dis&arçar um pra"er sob a m%scara da contrariedade. as a m%scara é to risonha, !ue no ilude.

' Quer'me tanto mal assim( ' per#untou 1or%cio. *o admira uma paixo ardente eimpetuosa, como eu sinto pela senhora, no devia ter outra sorte. + verdadeiro amor &oi e ser%sempre in&eli" no h% mulher !ue o compreenda.

Amélia com as &aces a arder no sabia !ue &i"esse sua mo trmula brincava com as &lores deum vaso, !ue vacilou sobre o consolo e caiu no cho. + &racasso da porcelana, despedaçando'se, chamou a atenço das pessoas !ue estavam na sala assim rompeu'se o enleio de Amélia

A moça retirou'se con&usa para o interior da casa. omentos depois entrou de novo na sala, $%serena e pra"enteira. 3eus olhos procuraram 1or%cio, para o&erecer'lhe o mei#o sorriso !uetra"ia nos l%bios.

Esse sorriso di"ia em sua elo!8ncia muda o se#uinte)

' 3e nunca a mulher soube compreender a verdadeira paixo, serei eu a primeira.

9oi esta pelo menos a traduço de 1or%cio, per&eito &ilólo#o do amor, e habituado a deci&rar esses hieró#li&os dos l%bios de mulher.

  2<<<

 *o abandonemos o pobre 0eopoldo à sua amar#a decepço.

+ moço che#ara a casa mer#ulhado na triste"a pro&unda, !ue sobre ele derramaram osacontecimentos da manh. ?alve" a morte de Amélia no lhe causasse tamanho pesar, como oda!uela cruel decepço !ue estava presentemente curtindo.

+ alei$o excita #eralmente uma invenc7vel repu#n5ncia, repassada de terror. A aberraço da

&orma humana abate o or#ulho do b7pede implume, &a"endo'o descer abaixo do oran#otan#o.Ao mesmo tempo, é ameaça viva a uma das mais caras aspiraç4es do homem) a esperança derenascer em outra criatura, #erada de seu ser. 3e a &atalidade pesar sobre a prole !uerida(

<ma#ine'se !ue dor era a do mancebo, !uando via a de&ormidade sur#ir de repente paraesma#ar em seu coraço a ima#em da mulher amada, da vir#em de seus castos sonhos(

+ contraste sobretudo era terr7vel. 3e Amélia &osse &eia, o seno do pé no passara de umde&eito no !uebraria a harmonia do todo. as Amélia era linda, e no somente linda tinha a

 bele"a re#ular, suave e pura !ue se pode chamar a melodia da &orma. A desproporço#rosseira de um membro tornava'se pois, nessa est%tua per&eita, uma verdadeira

monstruosidade. Era um berro no meio de uma sin&onia era um disparate da nature"a, uma

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super&etaço do horr7vel no belo. 9a"ia lembrar os 7dolos e &etiches do +riente, onde aima#inaço doentia do povo re6ne em uma só ima#em o s7mbolo dos maiores contrastes.

 *essa an#6stia passou 0eopoldo o resto da!uele dia e os !ue se lhe se#uiram.

' *o amo a sua bele"a material, oh, no- ' pensava o mancebo. + !ue eu adoro nela é a

 bele"a moral, a alma nobre e pura, a criatura celeste, a lu", o an$o. Qual!uer !ue &osse oinvólucro de seu esp7rito imaculado, creio !ue havia de ador%'la tanto, como a adorei desde omomento em !ue primeiro a vi.

M9osse ela &eia para os outros, !ue chamam &ormosura o !ue lhes encanta os sentidos, paramim seria sempre bela, por!ue meus olhos haviam de v'la através de seu esplndido sorriso.+ !ue é o corpo humano no &im de contas( + !ue é o contorno suave de um talhe ele#ante, e ac6tis acetinada de um rosto ou de um colo mimoso( @m pouco de matéria a !ue a lu"transmite a cor, o esp7rito e a vida. ?irem'lhe esses dois alentos, e vero !ue lodo impuro enauseante &icam sendo a!uelas &ormas sedutoras.M

M;ois lu" e esp7rito no eram a essncia da alma de Amélia( Quando essa alma a vestia comuma t6nica resplandecente, !ue mulher se lhe podia comparar em linde"a( Ento no erasomente &ormosa, &lutuava em um éter de bele"a deslumbrante.M

Mas ela no é &eia, é alei$ada-...M.

@m soluço a&o#ou as tristes lucubraç4es do mancebo. Ele repassou outra ve" na mente ascircunst5ncias de sua triste descoberta !uis duvidar, combateu pertina"mente sua própriara"o !ue lhe apresentava a realidade, e a&inal sucumbiu, curvando'se à implac%vel certe"a.?inha visto uma ve", e como essa no bastasse, o acaso lhe o&erecera ocasio de apalpar averdade e saciar'se dela.

' *o se admira a 2nus de ilo, uma est%tua mutilada( ' di"ia o mancebo relutando contrasua viva repu#n5ncia. *o se admira o primor da arte #re#a, apesar de no restar dela mais do!ue uma cabeça e um torso de mulher( Essa bele"a truncada no vale a bele"a alei$ada( Amutilaço no repu#na tanto ou mais do !ue a de&ormidade(

A ra"o de 0eopoldo no o deixava embalar'se muito tempo nesse pensamento consolador Replicava lo#o, re&utando vi#orosamente as ar#6cias do coraço)

' A est%tua mutilada, !ue excita a admiraço do mundo, no é a cópia inte#ral da bele"a !ue

lhe servia de tipo, mas um &ra#mento apenas dessa cópia. A alma, !ue se extasia nacontemplaço desse &ra#mento, recomp4e o ideal do artista. Admira'se a 2nus de ilo,como se admira um esboço no acabado de Ra&ael como se admira a pétala de uma rosa,arrancada da corola. as, &osse embora a!uele primor de estatu%ria a reproduço exata deuma mulher, a mutilaço respeita a bele"a o alei$o a deturpa. 3e a mulher !ue se ama

 perdesse um pé, seria des#raçada com um pé monstruoso, é mais do !ue des#raçada, érepulsiva.

0eopoldo deixava'se convencer por estas su#est4es)

' <n&eli"mente assim é. as por !ue h% de ser assim( A mutilaço é um &ato humano o alei$o

é um &ato natural. Essa aberraço do princ7pio criador, esse desvio da &orma primitiva,

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indicam sem d6vida um v7cio na essncia do or#anismo. *o se tem veri&icado !ue noscorpos mal con&ormados de nascença habita sempre uma alma en&erma( *os corcundassobretudo, por!ue a espinha dorsal é o tronco da inteli#ncia. A de&ormidade de um membro,de um ramo apenas, no denota eiva to pro&unda do esp7rito, é certo, mas revela !ue a almano é nobre e superior. *o se concebe o an$o dentro de um alei$o.

+ resultado destas co#itaç4es era a #ota de &el espremido, !ue ia &iltrando a pouco e pouco nocoraço e acabaria por saturar todas as doces reminiscncias dos 6ltimos dias. 0eopoldoconvenceu'se !ue no devia amar a desconhecida mas, ao contr%rio, arrancar de sua alma os#ermes da paixo nascente.

?omando esta resoluço, o moço, !ue vivia muito retirado depois de suas des#raças de&am7lia, esteve a lembrar'se de al#umas anti#as relaç4es. 2eio'lhe o dese$o de cultiv%'las denovo. @m instinto lhe di"ia !ue para #astar as prim7cias de um coraço vir#em, no h% como oatrito do mundo.

Entre as casas !ue outrora &re!8entava, escolheu para a primeira noite a de D. Clementina,

ami#a 7ntima de sua irm. Era uma senhora $% no decl7nio da idade e da &ormosura #ostavamuito de dançar, e por isso reunia constantemente em sua sala as moças de sua ami"ade. 0o#o!ue se achavam presentes !uatro pares, a dona da casa dava o sinal, o marido arredava a mesado centro, o &ilho, menino de !uin"e anos, sentava'se ao piano e...

' Chassé'croisé- ' #ritava D. Clementina.

 *esta casa 0eopoldo tinha certe"a, no só de ser bem recebido, como de encontrar bastantearru7do para aturdir'se e aba&ar uns #emidos !ue sentia às ve"es repercutirem no coraço.?inham decorrido cinco dias depois da decepço às oito horas da noite entrou o moço na salade D. Clementina, !ue o recebeu com surpresa cheia de amabilidades.

Além de estimado, acontecia !ue ele era $ustamente o !uarto par. ?irado o dono da casa, o 3r.Campos, o &ilho Al&redo, e trs velhas, inv%lidas da dança, havia na sala cinco senhoras paradois cavalheiros servindo uma senhora de cavalheiro, ainda &altava metade de um par.

Quando a campainha anunciou mais uma visita, D. Clementina de olhos &itos na porta da sala,disp>s'se a receber o recém'che#ado com o seu mais a&%vel sorriso. 2endo 0eopoldo, correu aele, e des&olhando'lhe um ramalhete de amabilidades, trançou'lhe o braço antes !ue o moçotomasse pé na sala, era arrebatado pela !uadrilha, a compasso de #alope.

Realmente ele no podia escolher melhor. A a#itaço da!uela dança r%pida, sem pausa acon&uso !ue os pares criavam de propósito para aumentar a animaço os risos e #race$os !ue provocavam os menores incidentes da !uadrilha todo esse rumor e atropelo tinham por tal&orma sacudido o esp7rito de 0eopoldo, !ue as idéias e recordaç4es tristes lhe ca7ram, como as&olhas secas de uma %rvore, abalada pelo vento ri$o do outono.

3entiu o coraço va"io, porém tran!8ilo o pra"er vivo e cintilante da!uela reunio, apenasroçava'lhe pela super&7cie no penetrava, mas também $% no transudavam'lhe do 7ntimo asamar#uras de !ue nos 6ltimos dias se tinha saturado.

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De repente operou'se na perspectiva da sala uma trans&ormaço inesperada. Amélia entrara esua #raça di&undiu'se com um in&luxo celeste, no meneio de seu talhe ele#ante, na suavidadede sua vo", na irradiaço de seus olhares.

0eopoldo embebeu'se na!uela suave apariço, como da primeira ve" !ue a vira, mas para percorrer em um %pice, as &ases de seu amor, e cair de novo na esma#adora decepço.

De repente a!uela est%tua luminosa escureceu a seus olhos deixando apenas um res7duone#ro) es!ueleto calcinado !ue arrastava uma de&ormidade. Debalde Amélia se ostentava no&ul#or de sua bele"a, toucada pelos primeiros arrebóis do amor debalde as ondulaç4es de seucorpo debuxavam &ormas encantadoras, e o sorriso de seus l%bios destilava uma &ra#r5nciam7stica de bei$os puros os olhos de 0eopoldo no viam nenhum desses encantos. Através dos&olhos do vestido roça#ante, sua vista &itava'se implac%vel no pé monstruoso !ue lheesma#ava o coraço como a pata #rosseira de um animal.

?odos os encantos dessa criatura, ele os despia de seu manto sedutor e dissecava'os com &riorancor. A in&lexo voluptuosa do talhe provinha da resistncia !ue opunha ao andar o enorme

 pé o passo li#eiro era um es&orço supremo para dis&arçar o alei$o, o sorriso #racioso umenleio para prender os olhos estranhos, no permitindo !ue eles se abaixassem até à &7mbriado vestido.

E por isso mesmo o olhar de 0eopoldo, olhar &rio, cruel, inexor%vel, se tinha cravado na orlada saia ele#ante, donde no havia &orças para arranc%'lo.

Amélia sentiu esse olhar cruciante e estremeceu, tomada de um va#o terror. <mediatamentesentou'se, e arran$ando as dobras do vestido, procurou dis&arçar mas em vo) o olhar domoço continuava &ito no mesmo ponto e produ"ia nela uma sensaço inc>moda.

' / D. Amélia, &ilha de um ne#ociante, chamado 3ales. *o conhece(

Estas palavras &oram diri#idas a 0eopoldo por D. Clementina, !ue sentando'se a seu lado,acompanhou'lhe o olhar &ito.

' *o, minha senhora.

' Ento vou apresent%'lo.

' +bri#ado, D. Clementina depois.

' *o acha muito #alante(

0eopoldo hesitou)

' +h- uito- . . .

2iera'lhe nessa ocasio o mesmo 7mpeto !ue sentem de ordin%rio os amantes em i#ualsituaço) o de criticar e desmerecer nas prendas da mulher !ue os &a" so&rer. / uma reaçonatural do coraço 0eopoldo, porém, $ul#ou indi#no de si tal procedimento tinha o direito dea&astar'se, de &u#ir com horror dessa mulher, mas no o de o&end'la. A culpa de am%'la era

sua, e no dela.

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Aproveitou um momento de distraço da dona da casa, para tomar o chapéu e es!uivar'se sem!ue o percebessem.

Amélia, porém, o viu seus olhos &icaram por al#um tempo presos na porta por onde acabavao moço de sair. Quando, passado um instante, caiu em si, &icou surpreendida. Que tinha ela

com a!uele desconhecido(

Ao che#ar, vendo o rosto p%lido e os olhos pro&undos, !ue to desa#rad%vel impresso haviamdeixado em seu esp7rito, a moça havia sentido um mal'estar 7ntimo. 2inha com a alma cheiadas primeiras del7cias de um amor nascente com as doces emoç4es da declaraço de 1or%cio.A presença de 0eopoldo &oi um travo.

as também para !ue viera( ;or !ue no &icara em sua casa esperando 1or%cio(

2o l% sondar o coraço &eminino. A#ora !ue sabia'se amada, a moça !ueria #o"ar de seutriun&o, e ver humilde e abatido a seus pés o rei da moda, o soberbo leo. + meio era &a"er'se

ardentemente dese$ada, tornar'se di&7cil e es!uiva, embora lhe custasse o sacri&7cio dosmomentos a#rad%veis !ue podia passar $unto de 1or%cio.

A presença de 0eopoldo em casa de D. Clementina a incomodara, e entretanto seu olhar  parecia a#ora sentir a ausncia do mancebo.

A princ7pio havia ali uma pessoa demais a#ora &altava al#uma coisa. 3e no era um homem,era uma curiosidade, uma emoço.

' Amélia-

A moça voltou'se para ouvir D. Clementina !ue a chamava.

' Quero apresentar'lhe um moço, !ue a acha muito bonita.

Di"endo estas palavras, a dona da casa corria os olhos pela sala à busca de al#uém.

' *o o ve$o a#ora.

' Quem é(

' + Castro... Conhece(...' *o, senhora.

' Querem ver !ue $% se retirou(

Amélia p>de reter o monoss7labo !ue ia cair'lhe do l%bio, con&irmando a suposiço da donada casa. ?inha adivinhado !ue se tratava do seu desconhecido.

' Ento ele me acha bonita(

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' + Castro(... uito. Creio !ue &icou apaixonado- 3e visse os olhos !ue lhe deitava !uando asenhora che#ou-

' Ento &oi de paixo !ue ele &u#iu(

' Quem sabe( A paixo é como o vinho !ue em uns d% para rir, e em outros para chorar. 1%

namorados !ue perse#uem, e outros !ue &o#em-

Amélia $ul#ou prudente desviar a conversa da!uele assunto escabroso, no !ual D. Clementinase compra"ia, por!ue lhe recordava sua mocidade $% desvanecida.

  <N

Depois da!uela noite 0eopoldo viu Amélia duas ou trs ve"es e de todas sentiu a mesmaimpresso !ue lhe causara a presença da moça em casa de D. Clementina.

Era o mesmo desencanto, a mesma insistncia de seu esp7rito para enxer#ar a &ormosura da

don"ela através de um prisma de&orme e caricato. *essas ocasi4es ele so&ria diante da moça a&ascinaço do horr7vel, como o poeta so&re muitas ve"es a &ascinaço do belo em &ace de umob$eto des#racioso. Era ento um poeta pelo avesso um vate do monstruoso. ?inha naima#inaço um #nomo de 2ictor 1u#o) criava Quas7modos e OPnplaines do sexo &emininocom uma &ecundidade espantosa.

Quando porém a moça desaparecia de seus olhos, operava'se em seu esp7rito completamutaço. Es!uecia completamente o alei$o, para só lembrar a linda e #raciosa &i#ura, !ue

 poucos momentos antes sua vista repelia. Amélia ausente vin#ava Amélia presente. + coraçodo mancebo detestava tanto esta, !uanto adorava ainda a outra.

' Este amor é um in&erno, pensava ele tem um v7cio or#5nico. 1% de viver de dores el%#rimas h% de alimentar'se de minhas triste"as. E assim ir% de&inhando até morrer deconsunço, depois !ue me tiver devorado todo o coraço. Que importa( 3ervirei de pasto aeste abutre. + !ue somos nós a&inal de contas( @ma presa en!uanto vivos, a presa dasmoléstias e das paix4es próprias ou alheias depois de mortos, a presa dos vermes ou daschamas.

Com tal disposiço de esp7rito voltou ele dias depois à casa de D. Clementina. *esta noitehavia uma pe!uena partida 0eopoldo contava, pois, encontrar Amélia.

Ali estava com e&eito, vestida de escarlate e branco e adornada com a sua #raça arrebatadora.Quando o moço entrou, ela dançava com as costas voltadas para a porta e no o viu porém,momentos depois virou o rosto como se obedecesse a um impulso estranho, e encontrou oolhar ardente de 0eopoldo.

A moça &e" insensivelmente um movimento para a&astar'se, !ue entretanto a aproximou da porta. A!uele olhar !ue a atra7a ao mesmo tempo !ue a repelia, causou'lhe umdesvanecimento misturado de terror. 9eli"mente a terceira &i#ura da marca da contradançacomeçava, e a distraiu de sua emoço.

Estava ela outra ve" parada conversando com o par, !uando sentiu um cala&rio sem ver,

conheceu !ue o mancebo se aproximava, !ue seus l%bios se abriam para diri#ir'lhe a palavra)

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' inha senhora, terei a honra de dançar com 2. Exa a se#uinte !uadrilha...

Continham uma per#unta ou uma asseveraço estas palavras( 9ora imposs7vel di"'lo. + tom parecia mais a&irmativo do !ue interro#ativo, porém o olhar do mancebo esperava, se noexi#ia resposta.

A con&uso da dança permitiu a Amélia es!uivar'se, sem responder. Quando, terminada a!uadrilha, voltou a seu lu#ar, &icou perplexa. ?inha ela se comprometido ou no a dançar ase#uinte !uadrilha com 0eopoldo( *o respondera, é certo mas recordava'se va#amente deter &eito uma leve inclinaço com a cabeça. 3em d6vida o moço vira esse movimento e otomara por um sinal de assentimento.

Quando um de seus in6meros admiradores vinha pedir'lhe a próxima !uadrilha, ela respondiahesitando !ue $% tinha par apenas o cavalheiro se a&astava, arrependia'se de no o ter aceitado, rompendo assim o compromisso t%cito e &icava ansiosa por outro convite.Entretanto novo par se apresentava, !ue recebia a mesma recusa.

 *esse $o#o, muitas ve"es repetido, passou o intervalo. + piano deu o sinal da !uadrilha0eopoldo aproximou'se de Amélia, e inclinando'se, sentiu no seu estremecer o braço tépidode Amélia. A moça no teve conscincia do !ue se passou até o momento em !ue o moço acondu"iu a seu lu#ar. Recordava'se apenas de !ue seu par lhe &alara por muito tempo, com avo" baixa, porém palpitante de emoço.

Assim &ora. ;assada a primeira con&uso da !uadrilhas 0eopoldo, &itando o olhar nosemblante da moça, deu expanso aos sentimentos !ue lhe tumultuavam dentro d alma. Coma &ronte baixa e as &aces cheias de rubores, Amélia parecia absorvida e reconcentradaen!uanto o moço &alava. Dir'se'ia !ue ela no o ouvia.

' A senhora acredita, D. Amélia, na atraço irresist7vel, !ue impele duas almas entre si, e aschama &atalmente a se unirem e absorverem uma na outra(... Eu acreditava nessa &orçamisteriosa, mas ainda no tinha che#ado o momento de experiment%'la em mim, de sentir emmeu ser este elo divino !ue prende as almas através do tempo e da matéria. 3enti'o h% vintedias, !uando a vi pela primeira ve", !uando a senhora se revelou ao meu coraço.

0eopoldo re&eriu as emoç4es !ue sentira, na ocasio de seu primeiro encontro com Amélia aimpresso !ue ela deixara em seu esp7rito e os sonhos em !ue se embalara sua ima#inaçonos dias se#uintes.

' ?ive ento, continuou o mancebo com acento pro&undo e comovido, tive, ento, e depois, a prova de !ue esse enlevo de meu ser. essa abstraço de minha existncia para absorver'senoutra, era a atraço moral e nada mais. 2ia, admirava, adorava na senhora uma coisasomente) sua alma. *o sabia, ainda ho$e no sei, se a mulher !ue eu amo é bonita para osoutros sei !ue para mim é de uma bele"a divina. ;erdesse ela a #raça e a &ormosura !ue aosoutros sedu", para mim seria a mesma eu havia de ador%'la com o mesmo ardor. 3ua alma é&ilha de Deus, e como ele de uma ma#ni&icncia imortal. / uma estrela !ue no tem eclipse.

0eopoldo inclinou a &ronte para &alar !uase ao ouvido da moça)

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' +utrora $ul#ava imposs7vel !ue se amasse o horr7vel. A#ora reconheço !ue tudo é poss7velao amor verdadeiro, ao amor puro e imaterial. *o só reconheço, mas sinto'me capa" denutrir uma dessas paix4es m%rtires- +h- sinto'me capa" de amar o an$o ainda mesmoencarnado em um alei$o- . . .

0eopoldo &alou ainda por muito tempo de seu amor a Amélia, sem !ue ela se animasse a

interromp'lo. A!uela palavra ardente, impetuosa, embora vendada por certo pudor dalma, asub$u#ava ela no tinha cora#em, nem mesmo vontade de subtrair'se à sua in&luncia.

Quando Amélia, condu"ida por 0eopoldo, se diri#ia a uma cadeira, D. Clementinaaproximou'se)

' Ah- Eu !ueria apresent%'lo, disse a 0eopoldo mas no teve pacincia para esperar.

Depois reclinando ao ouvido de Amélia, per#untou'lhe)

' Ento( *o lhe disse !ue a achava muito bonita(

' Ao contr%rio, D. Clementina deu'me a entender !ue me acha horr7vel.

' Ande l%.

' Deveras-

' / imposs7vel.

Amélia, sentando'se, evocou a lembrança de 1or%cio, para &a"er no seu esp7rito o paraleloentre o ele#ante leo e o estranho mancebo com !uem acabava de dançar. @m tinha todas as

 prendas !ue sedu"em a ima#inaço) era &ormoso, tra$ava com esmero, conversava com muita#raça. + outro no possu7a nenhum desses atrativos seu exterior alheava as simpatias !uando&alava di&undia a triste"a no esp7rito dos !ue o escutavam.

A moça no concebia !ue se pre&erisse 0eopoldo a 1or%cio e contudo no podia es!uivar'secompletamente à in&luncia da!uela ima#em p%lida, !ue lhe aparecia no meio dos sonhosmais brilhantes

uitas ve"es, depois de al#umas horas a#rad%veis passadas $unto do leo, !uando a moça,recolhida à sua alcova, repassava na memória os doces protestos de amor !ue ainda lhe

ressoavam ao ouvido, de repente sur#ia a lembrança de 0eopoldo. ;arecia'lhe ento !ue da&ronte do mancebo se desprendia uma sombra para anuviar seus pensamentos risonhos.

1or%cio, sabendo onde Amélia passava as noites em !ue ele a no via, mostrara dese$os de&re!8entar a casa de D. Clementina a moça porém op>s'se. Duas ra"oes atuaram em seuesp7rito.

A!uela casa servia'lhe de abri#o contra a seduço !ue exercia em seu esp7rito a ele#5ncia de1or%cio. Quando sentia'se vencida, &u#ia para ali, onde recobrava &orças para resistir dedomar completamente o leo, soberbo de suas con!uistas passadas.

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Era essa uma das ra"oes a outra era o receio de achar'se em &ace dos dois moços, repartidaentre a seduço de um e a &ascinaço do outro. ;ressentia !ue desse con&lito, resultaria al#umacoisa, !ue ela no podia de&inir, mas !ue a enchia de sustos e in!uietaç4es.

;or isso exi#iu de 1or%cio !ue no &osse à casa de D. Clementina)

' Costumam l% ir al#umas dessas pessoas !ue se ocupam em inventar novidades 3uaapresentaço, 3r. 1or%cio, daria pretexto a al#um romance.

' as por !ue ainda &re!8enta semelhante casa(

' ;edidos... =em sabe nem sempre uma pessoa se pode recusar. as se o senhor aparecer l%,eu deixarei de ir.

' Este$a tran!8ila.

Amélia continuou a passar de ve" em !uando uma noite em casa de D Clementina. A princ7pio

no tinha dia certo, e sucedeu por isso !ue 0eopoldo desencontrou'se dela duas ve"es. @manoite porém o moço per#untou'lhe)

' 2em s%bado(

' ?alve".

Desde ento o dia escolhido era o s%bado, a menos !ue no precedesse aviso especial da donada casa para al#uma partida. *unca mais houve desencontro Amélia achava sempre omancebo no seu posto, de&ronte da porta para v'la entrar.

Em uma dessas noites deu'se um incidente !ue é preciso re&erir.

9alava'se a respeito de uma senhora casada, a !uem o marido causava sérios des#ostos.;essoa !ue sabia das particularidades dessa &am7lia explicava o &ato à sua maneira.

' Ela era muito linda, o marido a adorava casou'se por paixo. ;oucos dias depois de casada,teve ela uma #rave moléstia !ue a redu"iu à!uele estado. *o h% paixo !ue resista-

' Com e&eito, sabe ser &eia-

' *in#uém acreditar% !ue &oi bonita.' ;ois &oi uma bele"a.

0eopoldo, !ue ouvia calado, interveio)

' + marido nunca a amou-

' Asse#uro'lhe !ue teve uma paixo louca.

' E eu a&irmo'lhe !ue no !ue ele nunca teve paixo pela mulher. + !ue ele adorava era

unicamente a sua bele"a, a &orma isto é, um acidente. + homem !ue ama a mulher destinada

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a ser companheira de sua existncia, o complemento de seu ser imper&eito, no despre"a essamulher, por!ue a des#raça a &eriu no invólucro material de sua alma. Ele pode so&rer coma!uela des#raça mas deve redobrar de amor e adoraço, para !ue nem seus olhos ve$am ode&eito, nem ela, a mulher amada, se lembre nunca de !ue o tem para ele, embora o tenha bemclaro para os indi&erentes.

' / bonito de di"er- acudiu um apreciador das mulheres &ormosas.

' ?odos di"em o mesmo, mas &o#em das &eias, observou uma senhora idosa, talve" por experincia própria.

' + !ue eu di#o, minha senhora, $% o experimentei em mim mesmo, replicou 0eopoldo.

' Ah-

+ mancebo cravou em Amélia um olhar elo!8ente, e disse com a palavra lenta e calma)

' / verdade $% o experimentei em mim. ;or !ue hei de ocult%'lo( inha alma $% passou por esta dura prova, e saiu triun&ante. 1o$e sei !ue tenho &orças para amar até os de&eitos damulher !ue Deus me destinou.

Amélia perturbou'se com a!uelas palavras, e o olhar ardente !ue parecia #rav%'las em suaalma. *essa noite retirou'se pensativa e por muito tempo a &i#ura p%lida de 0eopoldoesvoaçou na penumbra de seu leito de vir#em.

  N

;ela manh se dissiparam essas névoas !ue no esp7rito de Amélia deixara a noite antecedente.

Era domin#o. A moça, envolta em seu roupo alvo, com os cabelos soltos pelas esp%duas,encostou o rosto à vidraça da $anela. A&astando a cortina de cassa branca, podia enxer#ar 

 per&eitamente a rua, sem !ue de &ora vissem o seu #racioso desalinho.

 *o tardou !ue se ouvisse um tropel de cavalo. Era o leo !ue ia dar seu passeio matutino.2endo a#itar'se a cortina, e desenhar'se no vidro a ponta de uns dedos cor'de'rosa, 1or%ciocorte$ou enviando um sorriso à $anela.

L noite o moço diri#iu'se à casa do 3ales Amélia o esperava. A sala estava cheia de visitas.

Entrando, o olhar de 1or%cio encontrou um olhar terno !ue o saudava de lon#e.as o sorriso se des&e" com a perturbaço !ue de repente sentiu a moça. A vista do leo tinhadescido até o tapete, e se &ixara com uma insistncia vis7vel na &7mbria do vestido,li#eiramente arre#açada. 1or%cio $ul#ou !ue pudesse lobri#ar a ponta do pe"inho !ueidolatrava.

A moça concertou as dobras da saia de modo a interceptar o olhar curioso e dis&arçouconversando com uma ami#a.

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Desde princ7pio notara Amélia a!uele sestro de 1or%cio. Quando ela o supunha maisembebido em seus encantos, mais rendido à sua bele"a, surpreendia o olhar do moço a raste$ar 

 pelo cho, procurando insinuar'se por baixo da orla de seu vestido.

uitas ve"es ela perdia os seus mais ternos sorrisos, por!ue o moço, em ve" de procurar'lheno rosto a esperança de ser amado, es!uecia'se a catar sobre o tapete al#uma idéia !ue no se

animava a revelar. :% tinha sucedido, durante !ue ela tocava, distrair'se o leo, e com aatenço presa no pedal, nem ouvir a peça de m6sica.

1or%cio a amava sem d6vida $% lhe tinha dado provas de !ue sentia por ela uma paixoveemente. Ele, o rei da moda, o &este$ado con!uistador, para !uem todas as portas e todos oscoraç4es abriam'se como a #ruta encantada de Aladino, a uma só palavra ele ali estava cativoda vontade dela, e atado ao seu carro triun&al. Que prova mais elo!8ente de pro&undo amor, do!ue essa submisso espont5nea do altivo leo(

A &orça nunca se revela tanto como na posse de si mesma, no vi#or com !ue se domina.1ércules, &iando aos pés de +n&ale, é o 6ltimo canto, o ep7lo#o sublime da epopéia da &orca

humana. Exterminando a &era, a nature"a e até os deuses, 1ércules &oi #rande abatendo a simesmo, &oi maior, por!ue venceu o vencedor.

Amélia compreendia !ue homena#em elo!8ente à sua bele"a havia na!uela adoraço doele#ante cavalheiro sentia'se or#ulhosa com esse amor, !ue tantas mulheres lhe inve$avamconsiderava'se rainha, desde !ue via a seus pés sub$u#ado e humilde o rei da moda.

as l% no 7ntimo al#uma coisa lhe remordia !uando notava a pertin%cia com !ue o olhar de1or%cio procurava a &7mbria de seu vestido. *esses momentos sentia nalma um alvoroçoche#ava a suspeitar !ue 1or%cio no lhe tinha amor, e estava escarnecendo dela com uma

 paixo &in#ida.

A verdade, porém, é a !ue sabemos. 1or%cio tinha paixo louca pelo pe"inho de !ue sóconhecia a botina e o rasto &a"endo a corte a Amélia, ele prestava culto ao deus i#noto, !ueadorava sob a!uela &orma encantadora. ;elo cuidado !ue tinha a moça em no desconcertar os

 babados de seu vestido comprido demais, conheceu ele o "elo com !ue a dona recatava otesouro. Contudo no desesperou o cuidado da moça havia de adormecer um momento podiamesmo sobrevir um acidente inesperado !ue reali"asse a sua mais cara esperança.

Até a!uela noite todos os es&orços se tinham &rustrado à sua insistncia a moça tinha oposto a pertin%cia do capricho &eminino. Quanto mais atento ele estava para aproveitar !ual!uer 

descuido, mais alerta ela &icava para no cometer a m7nima &alta.1or%cio porém resolveu dar o #olpe e com essa intenço, &ora à casa de 3ales, no domin#oem !ue estamos.

Quando se o&ereceu ocasio, travou com Amélia, recostada à $anela, o se#uinte di%lo#o)

' Como é bonita- ' disse ele contemplando a moça com enlevo.

' Ainda no tinha percebido( ' per#untou ela com ir>nica &aceirice.

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' *o, D. Amélia, no por!ue de cada ve" a acho mais bonita todos os dias a senhora muda ameus olhos torna'se outra, mais linda, mais &ormosa, do !ue era a!uela !ue eu conheciaanteriormente. Como ho$e, acredite, nunca a vi.

' Que tenho eu demais(

' *o sei tem uma auréola de bele"a- 3eus olhos des&erem raios de lu" to pura sua bocasorri como a &lor em boto, !ue abriu com a &rescura da noite. +s anéis de seus cabeloscastanhos parecem impre#nados de um &luido misterioso, !ue se derrama em torno. as detoda a sua &ormosura h% uma coisa sobretudo !ue eu admiro, !ue eu adoro. *o é, nem seusolhos brilhantes, nem seus l%bios mimosos, nem seu talhe ele#ante, nem suas tranças toopulentas no é nada disto-

' + !ue é ento(

' ;ara !ue di"'lo( ;ara !ue revelar a minha paixo a !uem dela escarnece( 3e eu ocon&essasse, cessariam o supl7cio !ue tenho so&rido, as 5nsias !ue estou curtindo( *o

haviam de aumentar se isso &osse poss7vel. A senhora teria pra"er em torturar'me ainda mais.

' Expli!ue'se) con&esso !ue no o entendo. Que supl7cio tem o senhor so&rido(

' A mulher é caprichosa, muitas ve"es &a" padecer a!uele !ue a ama sinceramente, e só por esp7rito de contradiço. @ma coisa inocente, um &avor pe!uenino... permite aos estranhos eindi&erentes, e entretanto recusa ao homem !ue morre de paixo por ela. *o é umacrueldade( A senhora per#unta, D. Amélia, !ue supl7cio tenho eu so&rido. Este, de ser consumido a &o#o lento por um dese$o, !ue um #esto seu podia tornar em #o"o in&inito-

A moça, com as &aces incendidas em rubor, lutava no alvoroço e con&uso, !ue iam seapoderando de toda sua pessoa.

' Entende a#ora, D. Amélia(

' *o- ' murmurou trmula.

' ;ois no percebeu ainda, !ue h% uma coisa !ue eu sobretudo amo na senhora( ?anto percebeu, !ue &e" o propósito de escond'la a meus olhos, cansados de a procurarem a cadainstante. *o est% contente ainda de ver'me arrastando assim a alma pelo pó, no vo intentode entrever de lon#e o ob$eto de minhas adoraç4es(

+ leo &itou um olhar &ascinador no semblante da moça.

' ;ara !ue ne#ar, D. Amélia( A senhora o sabe, e &in#e i#norar para mais torturar'me.

' Eu, no-

' A senhora sabe por !uem deliro de paixo, por !uem darei a minha vida sem hesitar. 3e nosoubesse, $% eu teria visto e admirado esse pe"inho mimoso, !ue me mata com seu ri#or.

@ma visita !ue entrava na sala, deu a Amélia um pretexto para &u#ir, dis&arçando seu rubor e

 perturbaço, no a& da recepço das senhoras !ue che#avam.

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Ao retirar'se, 1or%cio achou ense$o de trocar uma palavra com a moça, en!uanto lhe apertavaa mo)

' *o se$a cruel-

' +h- cruel no sou eu, replicou a moça com expresso de ressentimento.

ais tarde, em sua alcova, en!uanto des&a"ia o penteado, soltando os lindos anéis do cabelocastanho, Amélia recordou'se das palavras apaixonadas !ue ouvira de 0eopoldo na véspera, ecomparou'as com as !ueixas de 1or%cio. A lin#ua#em do primeiro tinha a elo!8ncia da

 paixo parecia vir do 7ntimo, do mais pro&undo do coraço. A lin#ua#em do se#undo tinha a#raça da seduço) era a vibraço passa#eira das cordas dalma.

as a palavra do leo vinha envolta em um sorriso #racioso, sombreado por um bi#ode &ino eele#ante-

Durante uma semana, Amélia no viu 1or%cio, por uma ra"o muito simples. + moço, dearru&ado, no apareceu durante dois dias !uando se resolveu a aparecer, a moça despeitadainventou um inc>modo, e no desceu à sala de visita, pelo dobro do tempo. 3e 1or%ciosustentasse a luta, podia haver sério rompimento.

+ leo porém estava domado tinha achado a sua Diana. *o !uinto dia &oi humildementerender preito e homena#em à suserana de seu coraço. Amélia o recebeu como rainhama#n5nima e tratou'o nesse dia com amabilidade extrema. ;ela primeira ve", 1or%cio p>de

 bei$ar'lhe a ponta dos dedos.

Animado com esse acolhimento, o leo arriscou de novo a #rande !uesto. 9itando o olhar norosto da moça e abaixando'o à orla do vestido, disse em tom suplicante)

' e deixa ver(

' *o, respondeu a moça com vivacidade, e demudando'se)

' Quando cessar% este capricho(

' *unca.

1or%cio teve um assomo de impacincia.' =em. *o me !uer mostrar a mim, 1or%cio de Almeida pois h% de mostr%'lo a uma pessoa.

' A !uem( ' per#untou a moça irritada.

' A seu marido.

Amélia tornou'se p%lida, e sentiu passar'lhe nos olhos uma verti#em mas recobrou'se lo#o àidéia de !ue as palavras de 1or%cio no passavam de um #alanteio.

' 3e al#um dia me casar, replicou ela sorrindo, h% de ser com a condiço de no mostrar.

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' 1avemos de discutir essa condiço.

' 2amos mudar de conversa(

' Como !uiser temos muito tempo para continu%'la.

En!uanto Amélia o olhava surpresa, 1or%cio voltando'se para o #rupo das senhoras, tomou parte na conversaço #eral.

' :% sabem a novidade, minhas senhoras(

' Qual delas( 1% tantas.

' A novidade nova, a ultimamente inventada, !ue eu acabo de receber em primeira mo, decaminho para a!ui.

' Al#um casamento, aposto.

' E eu sei de !uem.

' *o adivinhou. ?alve" !ue a novidade de amanh se$a al#um casamento !uem sabe(respondeu 1or%cio, relanceando um olhar para Amélia. as a novidade de ho$e, é apenas um

 baile, um baile, um baile de estrondo.

' Aonde(

' *o Cassino(

' *o clube(

' Em casa de A"evedo.

' / verdade- Eu $% tinha ouvido di"er-

' Quer a senhora &a"er de velha a minha novidade. + !ue se di"ia era !ue o A"evedo tinhatenço de dar um baile, mas disso à reali"aço vai uma #rande dist5ncia. Eu dese$o muitacoisa !ue no alcanço, e nem ao menos posso ver. 9oi ho$e e ao $antar !ue resolveu'se a

#rande !uesto, por ocasio de uma sa6de. @m ami#o !ue vinha de l%, encontrando'me a dois passos da!ui, me deu a not7cia do #rande acontecimento. ;ortanto, minhas senhoras, preparem'se-

' Quando é o dia(

' *o primeiro do ms próximo. ;onham desde $% em contribuiço as lo$as e modistas eu, o!ue posso, é o&erecer'me com muito #osto para admir%'las a todas, e achar a cada uma de per si mais ele#ante do !ue as outras $untas. 3e ;%ris me tivesse ouvido, no haveria #uerra de?róia.

' *em 1omero, por conse#uinte, replicou um literato.

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' 1omeros sempre os h%. Quando no encontram os heróis $% &eitos, inventam'nos, e com talhabilidade, !ue esses #randes homens postiços parecem verdadeiros, como os dentes deosana, e os co!ues das moças. + mesmo sucede com os Anacreontes, cu$a raça é muito maior!uando no acham nin&as para cantar, !ual!uer bruxa lhes serve de pretexto ou de cabide para

 pendurarem a lira.

Amélia &icara triste e preocupada escutava a palavra vol6vel do moço com um sentimentoinde&in7vel de an#6stia parecia'lhe !ue era seu amor por ela, !ue 1or%cio ras#ava aos

 pedacinhos, como uma p%#ina !uerida, abandonando'os ao sopro do vento, ao caprichoda!uela conversa.

@ma ami#a reparando na triste"a da &ilha de 3ales e no olhar !ue em certa ocasio lhe deitara1or%cio, disse ao ouvido da moça sentada a seu lado)

' Amélia &icou lo#rada-

' Como(

' Creio !ue 1or%cio est% $usto com outra.

' Quem lhe disse(

' A triste"a de Amélia, e o olhar !ue o su$eito lhe deitou, !uando &alava de um casamento !uese h% de saber amanh.

' / verdade. Com !uem ser%(

' *aturalmente com al#uma &a"endeira de mil contos. Depois !ue sa7rem da i#re$a, o maridoleva'a para o colé#io do 1itchin#s e deixa'a l% como pensionista, en!uanto ele vai a ;arisaper&eiçoar'se na escola dos maridos.

Esta senhora é uma s%tira viva sua conversa parece um &o#o de arti&7cio dir'se'ia !ue o seu#racioso tra$e é todo composto de al&inetes, !ue ela vai deixando em sua passa#em envoltosem sorrisos açucarados, como con&eitos de carnaval.

M+culto seu nome por!ue é muito conhecida na boa sociedade do Rio de :aneiro, e no !uerocompromet'la com os noivos presentes e &uturos das &a"endeiras ricas.M

Depois de ter durante al#uns instantes ainda polvilhado a conversa com sua palavra ele#ante echistosa, 1or%cio tomou o chapéu e retirou'se. *o eram nove horas esta circunst5ncia maisentristeceu Amélia, e mais excitou a atenço da moça maliciosa.

L porta da casa de 3ales encontrou 1or%cio seu t7lburi. andou o cocheiro esper%'lo no0ar#o do achado, e ele, tendo acendido o charuto e vestido o sobretudo, se#uiu a pé. Queria

 pensar.

1or%cio pertencia à escola da!ueles !ue entendem, !ue nunca é tarde para arrepender'se ohomem de um compromisso. Ele compreendia o alea $acta est por esta &orma prudente e

ra"o%vel. César, tendo lançado a ponte sobre o Rubico, via de lon#e em Roma a ditadura, e

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mais tarde a p6rpura imperial, portanto &e" ele muito bem em passar, sobretudo desde !ue orio $% no opunha obst%culo. as se em ve" do poder, César encontrasse no caminho aderrota, a ponte lançada lhe serviria para voltar às %lias, e ele teria o cuidado de !ueim%'ladepois !ue tornasse a passar.

Como César, ele tinha lançado a ponte com a!uela palavra dita a Amélia, em um momento de

despeito. Devia porém passar o Rubico do casamento(

Era sobre to importante !uesto !ue o leo !ueria re&letir, &a"endo a pé o tra$eto entre as0aran$eiras e o 0ar#o do achado.

' + casamento é o supl7cio de ;rometeu, pensava ele um homem atado ao rochedo da &am7lia,com o coraço devorado pelo tédio uma criatura dividida em duas metades, !ue se contrariama cada instante, por!ue esto li#adas. Em ve" do romance, do id7lio, do drama, a prosamonótona de uma história !ue se l todos os dias. Esse pra"er incompar%vel de sentir'se tododentro de si, de resumir'se no seu 6nico eu, de dispor livremente de sua pessoa e vida, no otem o marido a menos !ue se$a um biltre. + casamento dilata a super&7cie da alma em ve" de

so&rer'se no seu coraço apenas, so&re'se na mulher, no &ilho, e em cada um dos &ios dessa#rande teia humana !ue se chama &am7lia.

1or%cio recordou'se de al#uns de seus ami#os !ue haviam casado, e achou nessasreminiscncias a prova de sua opinio.

' + casamento é tudo isso mas !ue importa, desde !ue no h% outro meio de reali"ar o meudese$o e satis&a"er esta paixo ardente e impetuosa( Daria a vida inteira, e sem hesitar, pela&elicidade !ue eu sonho. ;ois se eu a daria de uma ve", por !ue no a emprestarei sobhipoteca(

?endo che#ado ao 0ar#o do achado, o moço entrou no t7lburi, !ue o condu"iu a casa.

A7, contemplando a mimosa botina, #uardada como uma rel7!uia encheu'se cada ve" mais daresoluço !ue havia tomado.

  N<

Eram on"e horas da manh.

Amélia estudava ao piano os exerc7cios de 1er". As $anelas cerradas deixavam entrar &rouxa

claridade, coada pela cassa transparente das cortinas. *esse crep6sculo arti&icial a bele"a da moça tomava uns tons suaves e mei#os, !ue maissedu"iam.

+s lindos cabelos, ainda 6midos do banho, cobriam'lhe as esp%duas de uma t6nica de veludocastanho. + ba$ó de cassa !ue tra"ia no seu desalinho matutino, conche#ado à c6tis, coloria'secom os re&lexos rosados do colo mimoso.

?anta #raça e &ormosura, realçadas pela sin#ele"a do tra$e e pela naturalidade da posiço,&icavam ali ocultas na doce penumbra da sala e recatadas à admiraço. Ls duas horas Amélia

costumava subir à sua alcova para se pentear e o #racioso desalinho desaparecia, substitu7do

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 por um tra$e mais apurado e ele#ante. Era a &lor sin#ela !ue o vento des&olha na mata e passae&mera e desconhecida.

?antas moças despendem um avultado cabedal de sorrisos, de olhares e #estos, e p4em emcontribuiço a seda, a renda e a moda para realçarem sua &ormosura- al sabem, entretanto,!ue nunca so elas to bonitas e &eiticeiras como um certo momento de sedutora ne#li#ncia,

!uando parece !ue a bele"a desabrocha de seu #racioso boto.

A porta da sala abriu'se e deu entrada ao 3r. 3ales ;ereira.

+ aspecto do ne#ociante era #rave mas da #ravidade serena !ue anuncia uma preocupaçoa#rad%vel. ?ra"ia na mo uma carta aberta.

Amélia assustou'se vendo entrar na sala o pai, !ue ela supunha na cidade. Como todos osne#ociantes, o 3r. 3ales ;ereira passava a manh em seu escritório partia lo#o depois doalmoço e só voltava à hora do $antar A surpresa da moça era pois natural.

' Ah- ;apai- ' exclamara ela, voltando'se ao rumor da porta. :% veio do escritório(

' Ainda no &ui, respondeu 3ales ;ereira sorrindo. Recebi uma carta, !ue me obri#ou ademorar'me até a#ora para conversar com tua me e... conti#o, a !uem o ob$eto maisinteressa.

' A mim( + !ue ser%, papai( Al#um convite de baile(

' 0, disse o ne#ociante apresentando'lhe a carta.

Amélia correu os olhos pelo papel, e seu rosto cobriu'se de vivos rubores. + coraço palpitava'lhe com tanta &orça !ue debuxava no linho o contorno dos lindos seios.

A carta era de 1or%cio, !ue pedia ao ne#ociante a mo da &ilha.

Acabando de a ler, a moça de olhos baixos e o corpo trmulo, parecia vendar'se com suainocncia para subtrair'se ao olhar terno e curioso de seu pai. *esse momento ela dese$ava, se

 poss7vel &osse, esconder'se dentro de si mesma.

' Que devo eu responder, Amélia( ' per#untou o ne#ociante.

' + !ue papai !uiser- ' balbuciou a menina.' Est%s bem certa de !ue meu dese$o é o teu( 3e eu no aceitar a honra !ue nos !uer &a"er o3r. 1or%cio de Almeida(

As p%lpebras da moça er#ueram'se, desvendando seus olhos l7mpidos. ' ;apai no acha bom(

' 3e ele te &or indi&erente, eu por mim no tenho #rande empenho. / um excelente moço temal#uma coisa de seu mas anda em certa roda !ue no me a#rada.

' Que roda, papai(

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' De moços da moda.

' ;or!ue é solteiro.

' Ento o !ue decides(

' Desde !ue papai e mame dese$am, eu...

' *ós no dese$amos coisa al#uma !ueremos saber tua vontade.

Amélia emudeceu.

' =em, $% ve$o !ue no é de teu #osto. 2ou responder ao homem com um no.

3ales ;ereira encaminhou'se para a porta.

' as, papai-...' murmurou a moça.

' Que temos(... 9ala, !ue $% me demorei muito. Quase meio'dia-

' 2ai responder $%(

' :%.

' Deixe para amanh.

' *ada so coisas !ue se decidem lo#o.

' + !ue vai responder ento(

' Que no.

' as eu no disse isto-

' ?u nada disseste.

' ;ois se eu no #ostasse, diria lo#o.

' Ah- neste caso, #ostou(Amélia sorrindo acenou com a cabeça.

' *o entendo esta lin#ua#em. 2amos a saber. Amas a 1or%cio(

A moça &e" um supremo es&orço)

' Amo- ' disse ela escondendo o rosto no seio do pai.

+ ne#ociante bei$ou'a na &ronte com ternura e carinho.

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' Ah- inha sonsa, no !ueria con&essar o !ue tinha a!ui dentro deste coraço"inho- E eu !ue pensava !ue ele só !ueria bem a mim(

' +h- ;apai-

' =em, bem, no tenho ci6mes- 2ai consolar tua me, !ue eu vou responder ao homem mais

&eli" deste Rio de :aneiro.

+ ne#ociante voltou ao #abinete, e Amélia diri#iu'se ao interior. 3ua me estava no !uarto,com os olhos ainda 6midos de l%#rimas. Quem no conhece essas l%#rimas abençoadas, !ue ame derrama pelos &ilhos, e !ue so b%lsamos para as a&liç4es e orvalhos para as &lores daventura(

D. 0eonor bei$ou a &ilha e estreitou'a ao seio como receosa de !ue lha arrancassem dos braços. 3eu coraço ora ale#rava'se com a &elicidade próxima da moça, ora se entristecia coma lembrança da separaço.

De repente Amélia sobressaltou'se com uma idéia !ue lhe acudiu e deixando a me, correuao #abinete do ne#ociante. Achou'o sentado à escrivaninha, passando por cima da carta !ueterminara, um rolete de mata'borro.

+ pai sorriu vendo entrar a &ilha.

' Curiosa-

' :% acabou( ' disse a moça recostando'se com #entile"a à poltrona.

' 2 se est% de teu #osto, disse o 3ales cin#indo'lhe a cintura com o braço.

Amélia leu a carta rapidamente ela $% sabia de antemo !ue &altava al#uma coisa.

' Ento, !ue tal( ' per#untou o ne#ociante com certo desvanecimento.

' Est% muito boa, papai. 3ó acho uma coisa.

' + !u(

+ ne#ociante so&reu uma decepço. ;ensava ter &eito uma obra'prima com a!uela carta,

escrita em seu mais belo estilo comercial, mas recheada de al#uns ras#os sentimentais.' *o acha, papai, !ue ele &icar% todo cheio de si, obtendo lo#o, assim com tanta &acilidade, o!ue dese$a( A carta é de ho$e responder no mesmo dia... mostra muita vontade demais.

' Que mal h% nisso( ;ara !ue deix%'lo na d6vida, !uando podes torn%'lo &eli" desde $%(

' ;apai pensa !ue ele duvida(

' Ah- :% sabe ento- uito bem-

' Eu no lhe disse nada, papai.

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' Ento como sabe ele( Adivinhou(

' *o adivinhou nada. ;apai bem sabe como so esses senhores da moda cuidam !ue todas asmoças andam morrendo por eles, e !ue a di&iculdade est% somente em escolher. Como eu no!uero !ue o 3r. 1or%cio me $ul#ue uma de suas con!uistas, estou resolvida, papai, a pensar 

 bem durante !uin"e dias, antes de dar a resposta.

' ;ortanto esta carta no serve, disse o 3ales com um suspiro.

' 1% de servir, mas da!ui a !uin"e dias. A#ora papai deve di"er unicamente, !ue tendo'meconsultado, eu pedi al#um tempo para dar a resposta.

+ ne#ociante escreveu, e Amélia esperou até !ue partiu a carta, con&iada a um criado.

omentos depois, 3ales sa7a para a cidade, e Amélia entrava em sua alcova, descantandotrechos de %rias e romances. *o se podia di"er !ue estivesse ale#re, apesar do tom #arrido

com !ue modulava, e do &resco riso !ue trinava em seus l%bios.

+ !ue ela sentia era um alvoroço 7ntimo, uma s>&re#a a#itaço, estado inde&in7vel dalma prurida por mil dese$os e contida por mil receios.

2e$amos se é poss7vel descobrir o !ue passava ali, dentro da!uele seio mimoso.

Desvanecida a primeira comoço produ"ida pela carta de 1or%cio, Amélia recordara'se do!ue tinha ocorrido na véspera, e sobretudo das palavras pro&eridas pelo moço. 3ua vaidaderevoltou'se como era natural.

' 1ei de mostrar'lhe !ue no basta !uerer, para ser meu marido e !ue no basta ser meumarido para ver...

9oi ento !ue se diri#iu ao #abinete do pai e adiou a resposta de&initiva. 2oltando, sentiu l%num cantinho do coraço uns receios !ue estavam nascendo. *o &osse 1or%cio "an#ar'secom a demoras e retirar o pedido( Quin"e dias talve" &ossem demais.

Eis !ual era o estado de animo de Amélia) or#ulho de ver sub$u#ado a seus pés o rei da moda pra"er de o ter cativo de uma palavra sua durante muitos dias arrependimento do !ue &i"erasusto do !ue podia acontecer #o"o da ventura !ue sorria tais &oram os sentimentos

desencontrados !ue vibraram na alma da moça. *essa tarde Amélia preparou'se com maior esmero do !ue se &osse a um baile. 3eu adornosimples, um modesto vestido branco com &itas a"uis, tomou'lhe mais tempo, do !ue nolevaria a compor um tra$e suntuoso.

Ela esperava 1or%cio.

?oda a noite passou, indo do so&% à $anela, e da $anela ao consolo, onde estava a pndula dealabastro.

As horas se escoaram, sem !ue o t7lburi do moço parasse à porta do ne#ociante.

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 *o dia se#uinte, Amélia per#untou ao criado se a carta &ora entre#ue a 1or%cio.

' Entre#uei em mo, !uando entrava no t7lburi.

' E !ue disse ele(

' *ada leu e riu'se.

' Ah- Ele riu'se, murmurou Amélia consi#o. ;ois eu lhe mostrarei.

Desde ento, empenhada sua vaidade, os sustos se desvaneceram. Estava decidida a no ceder.1or%cio depois de vencido tentava ainda resistir'lhe( ;ois havia de sub$u#%'locompletamente.

L noite &oi à casa de D. Clementina, onde estava reunida a roda do costume. 0eopoldo ali seachava também e

cumprimentou'a com um modo triste e resi#nado.

Deve existir urna corrente ma#nética entre os homens, um &luido !ue serve de ve7culo ao pensamento rec>ndito e ainda no divul#ado. *o se explicam de outro modo certasrevelaç4es de um &ato somente conhecido de poucas pessoas e por estas recatado. A emoço,!ue desperta esse &ato nalma de al#uns, repercute nalma de outros, e produ" uma espécie deintuiço.

 *a casa de D. Clementina sabia'se $% !ue Amélia &ora pedida em casamento, embora sei#norasse o nome do pretendente, talve" por no ser conhecido das pessoas presentes. 3ales;ereira, a mulher e a &ilha no tinham dito a menor palavra sobre o ob$eto da carta de 1or%ciomas a impresso produ"ida por essa carta, a preocupaço !ue deixara nas pessoas da &am7lia,as conversas 7ntimas e recatadas, no escaparam aos escravos.

Da7 #erou'se o boato, !ue $% tinha passado à casa de D. Clementina.

' Ah- Che#ou a Amélia 3ales- 3abia !ue vai casar'se( :% &oi pedida, disse uma senhora a0eopoldo.

' *o, senhora, no sabia, respondeu o moço com m%#oa, mas sem perturbar'se.

' Com !uem( ' per#untou outra moça.' Com um moço bonito e rico. Disseram'me o nome, mas $% no me lembro.

 *isso Amélia entrou na sala, onde &oi muito &este$ada pelas ami#as e conhecidas.

As alus4es e #race$os a respeito do se#redo incomodaram a moça, embora por outro lado lhecausassem certodesvanecimento.

;elo meio da noite, 0eopoldo aproximou'se de Amélia para lhe pedir uma contradança.

?inham dançado a primeira marca sem trocar palavra a&inal o mancebo rompeu o silncio)

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' / verdade !ue &oi pedida em casamento(

Amélia empalideceu !uis dis&arçar iludindo a per#unta, mas encontrou o olhar de 0eopoldo,olhar to doce e sincero, !ue no se animou a en#an%'lo.

' / verdade, murmurou em vo" !uase impercept7vel. as ainda no respondi.

' Estimo !ue se$a muito &eli".

' +bri#ada.

Amélia &icou surpresa ela supunha !ue 0eopoldo tinha'lhe ardente paixo, e !ue portantosentiria pro&undo pesar, seno desespero, com a not7cia de seu casamento. Em ve" disso, omancebo mostrava uma resi#naço serena.

' Quando comecei a am%'la, D. Amélia, disse 0eopoldo depois de al#uns instantes, acreditei

na &elicidade, e esperei alcanç%'la neste mundo. inha alma pressentiu a aproximaço da irm!ue Deus lhe destinara e cuidou atra7'la e embeb'la em seu seio. as essa iluso sedesvaneceu lo#o. 3oube !ual era sua posiço, e compreendi !ue a senhora no me podia

 pertencer. Resi#nei'me, pois, a amar unicamente sua alma essa, nin#uém me pode roubar,nem mesmo a senhora, por!ue Deus a &e" para mim. Eu estava desde muito preparado para anot7cia de seu casamento ela no me surpreendeu, embora me entristecesse. Até a#ora adoreisua alma, como se adora a ima#em da 2ir#em no templo de a#ora em diante terei de adorar essa alma !uerida, como se adora uma santa no sepulcro.

0eopoldo &alou por al#um tempo ainda, e a moça, !ue a princ7pio se acanhara com a expansoviva desse amor to puro, bebia as palavras ardentes do mancebo como &luido !ue derramavaem sua alma suave calor.

 *essa noite, ao recolher'se, ia absorvida neste pensamento)

' ;or !ue $ul#ou ele imposs7vel !ue eu o amasse( 3em d6vida no o amo mas talve"... 3e euno conhecesse 1or%cio... Quem sabe(

 *isto lembrou'se !ue $% se tinham passado dois dias depois do pedido, e portanto &altavamtre"e para a deciso.

' 3e ele no vier antes disso( 3e no vier... respondo !ue no. Est% decidido.  N<<

Correram os dias sem !ue 1or%cio aparecesse em casa do 3ales ;ereira. Amélia, apesar de seues&orço, no podia conter a impacincia. Ela adivinhava !ue o leo estava despeitado com aresposta, e !ueria obri#%'la a conceder'lhe imediatamente o !ue pedira) a sua mo, e com amo o pe"inho !ue ele adorava.

;or ve"es a moça &oi até à porta do #abinete do pai, na intenço de di"er'lhe !ue escrevesse a1or%cio enviando'lhe o consentimento mas voltava enver#onhada de sua &ra!ue"a enxu#ava

al#umas l%#rimas !ue lhe saltavam dos olhos e &a"ia novos protestos de no ceder.

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 *estas ocasi4es ela contemplava a ima#em de 1or%cio com al#uma severidade. 0embrava'seda volubilidade com !ue ele &alava'lhe de seu amor do sorriso sempre &aceiro !ue tinha nosl%bios e servia para vestir a palavra ale#re ou triste, "ombeteira ou comovida, e &inalmente dainsistncia !ue mostrava em ver'lhe o pé.

Ento acudia a Amélia uma circunst5ncia !ue a princ7pio lhe escapara) &ora sua recusa àimpertinncia do leo, !ue o obri#ara a pedi'la em casamento no dia se#uinte.

' 3er% apenas um capricho( *o me ter% ele verdadeiro amor(... 3e no me en#ano, o !ue eleama em mim, no sou eu, mas uma mulher !ue ima#inou sirvo'lhe apenas de pretexto, comotantas outras antes de mim.

+ resultado destas observaç4es era protestar a moça !ue daria um no ao pedido de 1or%cio.as !uando seu pai lhe per#untava sorrindo)

' Ainda no(

Ela corava, abanava a cabeça e &u#ia, di"endo consi#o !ue ainda &altavam al#uns dias para o pra"o marcado.

;ara ocupar as noites e distrair o esp7rito dessa constante preocupaço amiudou as visitas àcasa de D. Clementina. Ali com a in&luiço do olhar pro&undo e da palavra elo!8ente de0eopoldo, es!uecia as contrariedades e in!uietaç4es. *a volta tra"ia al#umas docesreminiscncias, e sobretudo um certo arroubo do coraço, !ue durava al#um tempo, e a

 preservava de suas anteriores preocupaç4es.

:% haviam passado do"e dias depois da carta, e Amélia estava mais !ue nunca resolvida aromper com 1or%cio, !uando se deu entre ambos um encontro.

9oi no teatro.

Amena !ue a princ7pio evitou as ocasi4es de encontrar'se com 1or%cio, lembrou'se !ue sua presença podia provoc%'lo, e obteve do pai !ue a levasse ao espet%culo. 3ubindo a escada do?eatro 07rico, avistou 1or%cio !ue vinha do lado oposto.

Apesar de estar prevenida, a moça teve um sobressalto mas p>de recobrar'se antes !ue o leose apercebesse de sua presença. 9oi com &ria altive" e indi&erença !ue ela correspondeu ao

cumprimento de 1or%cio, sem demorar o passo en!uanto ele trocava um aperto de mo com o3ales ;ereira.

Esta indi&erença, porém, e, sobretudo o #esto !ue Amélia &e" para arre#açar o vestido !uandosubia o se#undo lanço de escada, ataram de novo o leo ao $u#o.

' Desta ve", pensou ele, se eu estivesse adiante, via ao menos a ponta do meu pe"inho-

?eria Amélia simulado a!uele #esto de propósito( / natural ela !ueria sub$u#ar outra ve" ocativo !ue escapara usava de todos os seus recursos.

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2encido, o moço acompanhou a &am7lia até à porta do camarote e demorou'se a7 a conversar com o ne#ociante. Entretanto Amélia, sem dar'lhe a m7nima atenço, percorria com o

 binóculo os camarotes trocando com a me observaç4es a respeito das moças e seus lindosadereços.

Durante o resto da noite, a moça mostrou a mesma calculada indi&erença, a ponto de irritar o

mancebo. Apesar de se ter rendido, sentiu ele um 7mpeto de revolta, e deixou sua cadeira $untoà or!uestra com intenço de visitar um camarote &ronteiro ao do 3ales ;ereira. 0% estava umalinda moça de seu conhecimento, uma das estrelas de sua coroa de rei da moda.

3entar'se'ia $unto dela, e estabeleceria um di%lo#o entretecido de sorrisos, de olhares e meiascon&idncias como por ai se do tantos nos bailes e espet%culos) verdadeira cena m7mica deamor representada perante o p6blico. Com esse entretenimento, 1or%cio comprometeriaseriamente a reputaço de uma senhora mas vin#ar'se'ia de Amélia, excitando'lhe ci6mes.

Che#ava $% o leo à porta do camarote !uando ocorreu'lhe este pensamento)

9altava apenas um ato para terminar o espet%culo se ele mostrasse a&astamento, Améliairritada persistiria em seu desdém durante o resto da noite e !uem sabe !ue resoluço tomariasob a in&luncia desse despeito(

1or%cio teve medo e recuou. :% se tinha submetido no começo da noite o melhor expedienteera perseverar. *aturalmente Amélia, no &im do espet%culo, abrandaria o seu ri#or.

Começara o ato. 1or%cio deixou passar al#um tempo, e diri#iu'se ao camarote de Amélia. Amoça !ue $% tinha reparado na ausncia do leo, cu$a cadeira estava desocupada, adivinhou'lhe a presença, ouvindo abrir'se a porta. 3eu primeiro movimento &oi voltar o rosto masreprimiu'se a tempo, e dis&arçou diri#indo o binóculo para o &undo da sala.

Apesar do império !ue tinha sobre si, Amélia estava ao cabo das &orças. 3e na!uele momento1or%cio &in#isse uma retirada, ela no resistiria. 9eli"mente o leo no se lembrava disso etinha resolvido esperar a sa7da para trocar al#umas palavras com a moça.

?erminou o espet%culo a&inal. 1or%cio o&ereceu o braço a Amélia)

' uito lhe o&endi com meu pedido, D. Amélia(

A moça calou'se.

' *o lhe mereço nem uma palavra(

' ;arece !ue o senhor lhe d% bem pouco apreço.

' Que in$ustiça-

' Quem passou tantos dias sem ela pode bem esperar ainda os dois !ue &altam.

' Ento sou eu o culpado dessa demora- Quem me condenou a ela(

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' E o senhor nem ao menos procurou abrevi%'la) achou mais c>modo esperar tran!8ilamente-;ois continue a esperar.

' as, D. Amélia- Depois da resposta de seu pai, se eu me apresentasse em sua casa, tornar'me'ia importuno. Cuida !ue no so&ri, passando tantos dias sem v'la( <n#rata- Quantasve"es, no podendo resistir, &ui até à porta de sua casa, e passei, impelido pelo receio de

indisp>'la contra mim( 3e ela me amasse, pensava eu, teria aceitado lo#o) no o &e" !uer re&letir devo deix%'la tran!8ila e respeitar a sua resoluço. Que vou eu l% &a"er( +bri#%'la ame aborrecer.

1or%cio mentia ele se ausentara da casa do 3ales ;ereira, somente para vencer a resistnciada moça por uma simulada indi&erença.

+ carro do ne#ociante aproximou'se)

' 2ai sem me deixar uma esperança(

' *o é a!ui o lu#ar de pedi'la.

' Ento amanh(

' 3e !uiser-

 *o dia se#uinte à noite o leo estava em casa do ne#ociante. Amélia o recebera com um restode ressentimento, !ue se des&e" com os primeiros #alanteios. 3ucedeu o !ue era natural)depois de uma abstinncia de tantos dias, esses coraç4es tinham a sede de ternura, e beberamum no outro a lar#os sorvos.

Quando o leo se retirou, ele sabia !ue dois dias depois receberia o&icialmente, por uma cartado ne#ociante, o sim !ue ouvira na!uela noite entre um sorriso e um rubor.

Quanto a Amélia, depois !ue a ausncia do moço rompeu o encanto e deixou'lhe unicamentea conscincia do compromisso tomado, lembrou'se involuntariamente de 0eopoldo, cu$aima#em p%lida e triste desenhou'se em sua ima#inaço.

' Ele h% de so&rer muito- pensou a moça suspirando.

 *o dia se#uinte havia reunio em casa de D. Clementina. Amélia recordou'se disso e &e"

tenço de ir. *a!uele momento $ul#ou'se obri#ada a comunicar sua 6ltima resoluço a0eopoldo. ;areceu'lhe !ue seria uma deslealdade deix%'lo na i#nor5ncia de seu casamento,até !ue viesse a sab'lo por al#um estranho.

ais tarde sur#iram os escr6pulos. ?endo aceitado a mo de 1or%cio, no era bonito animar uma a&eiço, !ue deixava de ser inocente. Embora nunca retribu7sse a paixo de 0eopoldo,

 podiam supor !ue no a repelias Demais, sendo natural !ue 1or%cio &osse passar a noite emsua casa, ela procederia muito mal, trocando sua companhia pela de um rival.

En!uanto as horas do dia se escoavam, estas e outras ra"oes disputavam no esp7rito da moça adeciso !ue ela devia tomar. A&inal interveio o coraço.

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' ?enho pena dele-

E às oito horas estava em casa de D. Clementina. *essa noite a moça, cu$o esp7rito $ovialsimpati"ava com as cores &rescas e risonhas, escolheu um vestu%rio sombrio. Era uma&aceirice melancólica. A!uela menina de GH anos, !ue na véspera, muito espontaneamente se

 prometera a um homem ele#ante de seu #osto e escolha, a&i#urava'se a#ora uma v7tima do

dever, sacri&icando'se heroicamente ao compromisso contra7do.

Essa convicço dominava Amélia ao entrar na sala, e ressumbrava no só nas &itas pretas deseu tra$e, como na l5n#uida &lexo da &ronte e no olhar cheio de m%#oas. Ela se $ul#avasinceramente coa#ida por uma &orça irresist7vel, !ue a arrancava a um amor pro&undo e santo,como a &lor !ue o vento arrebata ao tronco onde se enlaçara.

0eopoldo compreendeu a melancolia de Amélia, e adivinhou !ue essa mulher estava perdida para ele no mundo, mas !ue sua essncia divina lhe pertencia, para todo o sempre. 3entiu poisa m%#oa da saudade, !ue precede a lon#a ausncia. Quando se tornariam a encontrar as duasmetades dessa alma, separadas por uma contin#ncia da matéria(

;ela noite adiante 0eopoldo aproximou'se de Amélia, porém só lhe &alou de coisasindi&erentes, ao contr%rio do !ue ela esperava. 3e o moço a interro#asse a respeito docasamento, aproveitaria o momento para con&essar'lhe mas ele nem de leve tocou nesse

 ponto.

 *a ocasio de se despedirem a moça &e" um es&orço.

' :% sabe( ' per#untou com vo" trmula e !uase impercept7vel.

' Adivinhei- ' disse o mancebo &itando nela os olhos tristes.

Amélia &icou um instante indecisa, em &ace dele, como se esperasse mais al#uma palavra0eopoldo dissera tudo na!uele olhar, em !ue di&undira sua alma.

' Adeus- ' murmurou a moça a&inal.

  N<<<

A casa nobre de A"evedo resplandecia. A melhor sociedade da corte concorrera ao suntuoso baile.

?oda a aristocracia, a bele"a, o talento, a ri!ue"a, a posiço e até a decrépita &idal#uia,estavam di#namente representadas nas ricas e vastas salas, adereçadas com luxo e ele#5ncia)duas coisas !ue nem sempre se encontram reunidas.

Eram nove horas. Ainda o baile no começara, e notava'se na reunio a #ravidade solene, o#rande ar de cerim>nia, !ue serve de prólo#o.

às &estas esplndidas. +s cavalheiros percorriam lentamente as salas, observando o 7risdeslumbrante !ue &ormavam os lindos vestidos das senhoras mas admirando especialmente asestrelas !ue brilhavam nessa via'l%ctea.

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Amélia acabava de sentar'se.

1or%cio &oi lo#o saud%'la, e cumprimentou'a pelo bom #osto e delicade"a de seu tra$e.

Realmente no se podia ima#inar um adorno mais #racioso. + vestido era de escumilharubescente, &ormando re#aços onde brilhavam al$>&ares de cristal nos cabelos castanhos

tra"ia uma #rinalda de pe!uenos bot4es de rosa, borri&ados de #otas de orvalho.

@m poeta diria !ue a moça tinha cortado seu tra$e das &inas #a"as da manh ou !ue a auroravestindo as névoas rosadas, descera do céu para disputar as admiraç4es da noite.

' Dançaremos a primeira, disse 1or%cio.

A moça corou)

' 3im.

0aura passava. Amélia chamou'a, mostrando'lhe um lu#ar a seu lado. 1or%cio a&astou'se paradeixar as duas ami#as em liberdade mas principalmente para poupar a 0aura a contrariedadede sua presença. Desde a noite do teatro o leo compreendera !ue a moça lhe votava antipatia.

Conversando com a ami#a, Amélia descobriu de&ronte, no vo de uma $anela, o vulto de0eopoldo, absorvido emcontempl%'la com um olhar pro&undo e intenso, !ue servia de v%lvula às exuber5ncias de suaalma. 3entindo'se sob a in&luncia desse olhar, a moça inclinou a &ronte, como um sinal desubmisso, e abandonou'se à contemplaço do mancebo.

De ve" em !uando procurava ler de relance no rosto de 0eopoldo as impress4es de seuesp7rito, os movimentos de sua alma. ;ressentiu !ue o moço dese$ava aproximar'se dela paralhe &alar, mas no se animava a solenidade da &esta, a #rande concorrncia, a proximidade de0aura, tolhiam o mancebo, cu$o car%ter &ora da intimidade se con&ran#ia, por uma espécie de

 pudor, próprio das almas vir#ens.

Amélia sentiu um desvanecimento, descobrindo a!uela &ra!ue"a no homem cu$o olhar adominava, e lembrando'se !ue ela podia nesse instante prote#'lo *o h% para a &ra#ilidadeda mulher maior or#ulho e pra"er, do !ue observar a &ra#ilidade no homem. 2in#a'se datirania do sexo &orte.

' 2amos sentar'nos de outro lado, 0aura(' ;ara !u( Estamos to bem a!ui.

' Dali v'se melhor a sala e deve estar mais &resco.

' Como !uiseres.

As duas moças atravessaram a sala e &oram tomar lu#ar $ustamente no vo da $anela onde0eopoldo se achava. Amélia conservou'se al#um tempo de pé, com o pretexto de arran$ar acadeira, mas para dar ocasio a 0eopoldo de &alar'lhe. + mancebo adiantou'se com e&eito e

cumprimentou.

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Amélia estendeu'lhe a mo com interesse, para anim%'lo.

' ?erei a &elicidade de dançar uma !uadrilha...

' Qual(

' A 6ltima-

' A 6ltima( ' repetiu Amélia rindo'se.

' 3im depois !ue tiver dançado com todos, replicou o moço completando seu pensamentocom o olhar.

' Ento a sexta.

A or!uestra abriu o baile com uma brilhante sin&onia, depois da !ual deram o sinal da

 primeira !uadrilha. Rompeu'se ento a simetria, e &ormou'se o turbilho.

Durante a contradança, 1or%cio no se es!ueceu do pe"inho adorado e procurou todos osmeios de o descobrir nal#um momento de con&uso ou descuido. Che#ou até a &in#ir estouvamento em al#umas das marcas com o &im de embaraçar o vestido da moça.

' Eu me sento- ' disse'lhe Amélia irritada.

' =%rbara, non hai cor- ' replicou'lhe 1or%cio com as palavras do romance.

' + seu coraço est% no botim( per#untou'lhe a moça com despeito. ' + meu, a senhora bem osabe, $% no me pertence, pois lho dei h% muito tempo e ando'o a#ora procurando no cho,onde creio !ue o deixou esma#ado um tirano !ue eu adoro e me repele. as conto com asenhora para mov'lo em meu &avor. 3im(

' *o, respondeu a moça a#astada.

' Realmente eu no compreendo. 3er% poss7vel !ue a senhora tenha ci6mes dele( per#untou1or%cio #race$ando.

A moça olhou'o com expresso.

' ?enho sim, tenho ci6mes-

?erminada a !uadrilha, 1or%cio, depois de al#umas voltas de passeio pela sala, deixou a moçano seu lu#ar e desceu a escada de m%rmore !ue levava ao $ardim, iluminado com lampi4es dediversas cores. 1avia ao lado da casa, e ao lon#o de uma latada, mesas de &erro para tomar sorvetes e re&rescos. 1or%cio, diri#indo'se para esse lu#ar, avistou 0eopoldo sentado a umadas mesas.

' +h- por c% também, 0eopoldo(

' / verdade contra meus h%bitos.

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' Est% esplndido- *o achas(

' 3em d6vida. as parece !ue no tem #rande interesse para ti.

' ;or !ue pensas assim(

' 2ens te esconder a!ui, !uando se dança. Devias deixar isso para mim, !ue sou uma espéciede misantropo, uma alma errante neste mundo das &adas.

' ;ara ser &ranco, devo'te con&essar, !ue neste baile, onde se acham reunidas as mais bonitasmulheres do Rio de :aneiro, onde nada &alta do !ue pode tornar brilhante uma &esta, nem oluxo, nem a ri!ue"a, nem a concorrncia, nem as notabilidades de toda espécie, neste baile sóh% uma coisa !ue me interessa uma coisa bem pe!uenina, e por isso mesmo de um encantoinexprim7vel.

' Que condo ser% esse to poderoso(

' Disseste a palavra. E um condo, um verdadeiro condo de &ada, !ue me trans&ormou derepente, e &e" do senhor um escravo humilde e submisso.

' as no &im de contas o !ue é(

' @m pe"inho-

?endo pro&erido esta palavra, 1or%cio $ul#ou ter dito tudo !uanto era poss7vel exprimir nalin#ua#em humana. @m pe"inho, era a!uele ente adorado !ue ele entrevia nos sonhosdourados de sua ima#inaço era o primor, !ue deixara impressa a sua &orma delicada namimosa botina. + moço desenhava na &antasia a!uele 7dolo de suas adoraç4es e acreditava!ue 0eopoldo devia, como ele, extasiar'se ante a maravilha da nature"a.

0on#e disso, 0eopoldo depreendera das palavras do ami#o, !ue ele estava sob a in&luncia deuma paixo materialista !ue ele amava a &orma, e levava sua idolatria a ponto de adorar no a&orma completa, a ima#em viva e palpitante da mulher, mas um &ra#mento, um trecho apenasdessa &orma.

' ;ois para mim também, disse 0eopoldo, só h% neste baile como neste mundo uma coisa !ueme ilumina a existncia.

' A #lória(... Aposto.

' @m sorriso, apenas.

1or%cio no p>de reprimir um #esto desdenhoso. + sorriso era para ele uma das coisas maistriviais tinha'os colhido tantas ve"es, e em l%bios to puros e mimosos, !ue $% no lheexcitavam a atenço. Eram como as &lores de um vaso !ue todos os dias se substituem.

' 2ais dançar( ' per#untou o leo.

' A#ora no.

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' ;ois &açamos uma coisa. Conta'me a história de teu sorriso, !ue eu te contarei a história demeu pe"inho.

' Começa ento. Cabe'te a pre&erncia, disse 0eopoldo.

' Eu a aceito por!ue o ob$eto de meu culto no tem i#ual no mundo.

1or%cio acendeu o charuto. Ele no tinha o menor interesse em saber a história de 0eopoldoo !ue dese$ava era um pretexto para &alar do ob$eto de sua adoraço, e va"ar o !ue tinhanalma.

' 1% cerca de dois meses, passando pela Rua da Quitanda, achei por acaso sobre a calçada umob$eto !ue tinha ca7do de um carro. Era uma botina, mas !ue botina-... um mimo, um primor,uma coisa divina-

*o podes &a"er idéia, no, 0eopoldo. 3abes !ue tenho amado mulheres lindas de todos os

tipos, alvas ou morenas &ormosuras de todas as raças, desde a loura escocesa até a brasileirade tranças ne#ras adorei'as, uma depois de outras, e às ve"es ao mesmo tempo, essasdi&erentes irradiaç4es de bele"a. ;ois con&esso'te !ue nunca o sorriso ou o bei$o da maissedutora dentre elas me &e" palpitar o coraço como a!uela botina.

;ensem os &isiolo#istas como !uiserem, o pé é a parte mais distinta do corpo humano semele a estatura no teria a nobre"a !ue Deus só concedeu à criatura racional.

+ pé revela o car%ter, a raça e a educaço. Cada uma das &eiç4es e dos #estos desse ór#o denossa vontade tem uma expresso elo!8ente. 1% !uem no adivinhe em um pé delicado enervoso a alma de &ina tmpera( Ao contr%rio um pé chato e pesado é a prova in&al7vel de um#nio tardo e pachorrento.

2ir#7lio, o poeta mais ele#ante !ue tem existido compreendeu !ue 2nus ocultasse nos olhosdo &ilho, na selva l7bica, a bele"a imortal de seus olhos, de seu sorriso, de suas &ormassedutoras mas no a!uilo !ue era sua essncia divina, sua #raça ol7mpica. 9oi pelo andar !ueela revelou'se deusa et vera incessu patuit dea.

*unca sentiste o doce contato do pé da mulher amada( / uma sensaço deliciosa !ue penetranos seios dSalma. ;odes apertar'lhe a mo, cin#i'la ao seio, bei$%'la. *ada vale a!uele to!uesutil !ue abala até a 6ltima &ibra.

9a"e pois idéia do !ue eu sentia. E a botina no era seno a est%tua ou a e&7#ie do péencantador !ue a havia calçado. Ali estavam impressos seus #raciosos contornos, sua &ormasuave.

MApaixonei'me por esse pe"inho, !ue eu nunca vira, !ue no conhecia. 3a#rei'lhe minha almacomo ao i#noto deo de minhas adoraç4es.M

1or%cio exa#erou ento os es&orços por ele empre#ados para descobrir o misterioso 7dolo desuas adoraç4es, e re&eriu os &atos !ue $% conhecemos. ?eve porém a discriço, rara em umleo, de no revelar os nomes receava ainda !ue lhe arrebatassem a con!uista.

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' 9inalmente, concluiu ele, o acaso me &e" descobrir a dona do pe"inho !ue em vo buscava.1%s de crer, 0eopoldo( Conhecia essa moça, !ue é realmente encantadora diversas ve"esachei'me com ela em sociedade e nunca sentira à sua vista a menor comoço. as !uandosoube !ue a ela pertencia o tesouro, adorei'a. ;ara ver o pe"inho !ue sonhei, estou disposto a&a"er a maior das loucuras, casar'me-...

' / esta a tua história(

' Di"e antes meu poema. 3into no ser poeta para escrev'lo.

' ;ois, se me permites &ran!ue"a, dir'te'ei !ue realmente o desenlace !ue lhe pretendes dar ser% uma loucura. + casamento, !uando no une duas almas irms criadas uma para a outra, éuma espécie de #rilheta !ue prende dois #alés o supl7cio de duas existncias condenadas a searrastarem mutuamente ?u no amas essa moça, 1or%cio.

' *o a amo(

' *o-

' Quando lhe vou &a"er o sacri&7cio !ue nenhuma outra mulher obteve de mim(

' *o passa de um capricho. Essa moça é para ti um pé e nada mais.

' A mulher !ue amamos tem sempre um encanto, uma #raça especial. Ls ve"es so os cabelosoutras os olhos tu amas o sorriso eu o pé.

0eopoldo levantou os ombros.

' 3em d6vida. A alma da mulher, como a do homem, se revela em cada pessoa por uma &eiçomais distinta, por uma expresso mais elo!8ente. as no é isto !ue sucede conti#o. ?usentes a idolatria da bele"a material procuraste sempre na mulher a &orma, o amor pl%stico à&orça de admirar os mais lindos rostos e os talhes mais sedutores, &icaste com o sentidoembotado, precisavas de al#um sainete !ue estimulasse teu #osto. 2iste ou ima#inaste um

 pe"inho mimoso e #entil) tornou'se lo#o para ti o tipo, o ideal da bele"a material, !ue tehabituaste a adorar.

1or%cio soltou uma risada)

' +lha, 0eopoldo, c% para mim o platonismo em amor seria um absurdo incompreens7vel seno &osse uma re&inada hipocrisia. Esses mesmos !ue adoram a mulher como um an$o, de !uese nutrem seno da contemplaço de bele"a material !ue tratas com tamanho despre"o( /

 poss7vel !ue uma mulher &eia se$a amada por aberraço do #osto mas &a"er disso uma re#ra#eral-...

' *in#uém pretende semelhante coisa. A bele"a é um encanto, uma #raça, um invólucro damulher mas no deve ser exclusivamente a mulher, como a pétala é a &lor, e a centelha é alu".

' 3o&isma- ?ira a bele"a à mulher amada e ver%s o !ue &ica o mesmo !ue &ica da &lor !ue

murcha e da chama !ue se apa#a) pó ou cin"a.

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' Queres !ue te prove o contr%rio( +uve a minha história.

' Ah- / verdade. A história de teu sorriso(

' 3im.

  N<2

+ Almeida acendeu outro charuto.

' eu romance, disse Castro, começou como o teu na Rua da Quitanda. ;assando ali umamanh, vi uma moça, !ue produ"iu em mim pro&unda impresso. ;arei para contempl%'lamas o !ue eu admirava nela, no era seu talhe ele#ante e seu rosto #racioso) era unicamente aemanaço de sua alma pura, o seu casto e in#nuo sorriso.

Quando o carro partiu, arrebatando'a a meus olhos, conservei sua ima#em #ravada em minha

alma. *o penses, porém, !ue eu revia a sua &i#ura, os seus traços. *o) era uma &ormaimaterial, uma viso va#a e indistinta. *o me lembrava como eram suas &eiç4es !ual era acor de seus olhos ou de seus cabelos mas parecia'me !ue eu via sua alma re&letida na minha.

3enti !ue amava essa moça, e a&a#uei este sentimento, !ue enchia meu ser de ale#riasine&%veis. =astava'me ver de tempos a tempos a minha desconhecida e trocar com ela umolhar, ou beber'lhe de lon#e nos l%bios o sorriso, !ue era emanaço de seu ser.

MEstava'me reservada uma dura provança. @m dia vendo a minha desconhecida entrar nocarro, descobri !ue ela tinha um de&eito... um alei$o, é preciso di"er a palavra. A &7mbria dovestido roça#ando mostrou'me um pé de&orme.M

' Ah- ' exclamou 1or%cio, no podendo reprimir um sorriso.

' + acaso tornou'se nesse dia de uma previdncia cruel. + !ue eu tinha visto de relance eraum vulto con&uso, um volume exa#erado talve" pela ima#inaço. ;odia acariciar essa iluso, edesvanecer a impresso desa#rad%vel !ue so&rera mas o desen#ano no se demorou. ;assandonessa mesma hora pela lo$a onde compro calçado, vi sobre o mostrador uma botina,verdadeiro contraste da !ue tu achaste, 1or%cio-

' / curioso-

' *o havia !ue duvidar era o molde do pé de&orme !ue eu acabava de ver, mas o molde&iel-... ?odos os traços&ision>micos do alei$o ali estavam bem debuxados, sobretudo na &>rma !ue servira para ocalçado, e !ue ali se achava ao lado dele. ;oupa'me a descriço do !ue vi. Era repulsivo isto

 basta.

<ma#ina o !ue devia so&rer- *o era o &eio, no era o horr7vel, o estupendo, !ue de repenteca7ra como um peso enorme sobre meu coraço, para espremer dele, com o 6ltimo soro, umamor pro&undo e veemente.

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A luta &oi terr7vel, mas breve. + amor triun&ou, por!ue era o a&eto dSalma, e no o culto pl%stico da bele"a. 1o$e, se al#uma ve" me lembro do !ue vi, entristeço'me pelo des#osto !ueela h% de ter de sua de&ormidade mas sinto !ue por isso mesmo a amo, e a devo amar aindamais.

MCompara a#ora o teu com o meu amor, e di"e em conscincia se tenho ou no ra"o. ;ara

ani!uilar o teu, no era preciso um alei$o bastava substituir por uma &orma comum esse primor !ue tu sonhaste, esse pe"inho de sil&o ou de deusa, !ue talve" no passe de umailuso.M

' <luso-... 3e eu tive a mesma prova !ue tu- as demos a !uesto por &inda. *em tuconse#uir%s me convencer, nem eu !uero reviver lembranças !ue te pesam Desculpa'me ter &alado nisto. Como podia eu ima#inar uma tal coincidncia-

' / verdade-

+s dois ami#os deram al#umas voltas no $ardim, &alando de coisas indi&erentes, e entrando

nas salas, separaram'se.

1or%cio procurou Amélia durante al#um tempo a&inal, passando pela porta do toucador, viu amo da moça !ue entreabria a cortina de veludo verde.

' Est% triste, disse'lhe o mancebo condu"indo'a ao salo.

' Estou &ati#ada, respondeu a moça com &rio desdém.

1or%cio conhecia pro&undamente a &isiolo#ia da mulher !ue ama tantas ve"es tinha lido erelido o livro misterioso do coraço &eminino, !ue no podia escapar'lhe a menor alteraço dotexto. + tom de Amélia o surpreendeu al#uma coisa havia. + !ue era( + !ue podia ser(

;oucos momentos antes ele a deixara am%vel e terna uma hora depois vinha encontr%'ladesdenhosa e &ria.

' Ci6mes, naturalmente- ' pensou o leo com certo desvanecimento. Contaram'lhe al#uma ouela ima#inou-

+ moço resolveu sondar o coraço da noiva)

' A senhora tem mais al#uma coisa além da &adi#a, con&esse.' <lude'se-

' ?alve"- Concordo, para no contrari%'la ainda mais.

Deram al#uns passos silenciosos.

' 2% amanh $antar conosco, sim( ' disse Amélia voltando'se para o cavalheiro com umsorriso ine&%vel.

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A transiço no podia ser mais brusca) uma aurora no seio da noite, tal era a!uele sorrisoorvalhado de mei#uices e #raças encantadoras.

+utro, !ue no &osse 1or%cio teria respondido sem a menor hesitaço o sim, !ue suplicavaml%bios to mimosos. as esse astuto César dos sal4es, perito na t%tica da #uerra à mulher, noera homem !ue perdesse to bom ense$o de alcançar o triun&o completo. + advers%rio lhe dera

a vanta#em da posiço) cumpria aproveit%'la.

' Amanh(

A moça &e" com a cabeça um #entil aceno.

' *o irei.

' +bri#ada.

' *o devo ir.

' ;or !u(

' 3e eu &osse, pediria ainda uma ve" a!uilo !ue lhe tenho pedido tantas, e !ue a senhora metem recusado to cruelmente.

' Ah-

' =em v-... <ria contrari%'la, aborrec'la...

' Cuida(...

Esta palavra tinha uma reticncia, e essa reticncia era um sorriso !ue entreabria o céu de umaalma c5ndida.

' Ento amanh(... ' disse 1or%cio.

' 2ai(

' E se eu pedir(

' Experimente-Amélia sentou'se, e 1or%cio, ébrio de ventura, desceu outra ve" ao $ardim para desa&o#ar asexuber5ncias de sua alma. *unca a primeira entrevista da mulher !ue mais amara produ"iranele to pro&unda emoço. ;ara achar al#uma coisa compar%vel com o !ue ento sentia &oranecess%rio remontar aos dias da $uventude, aos tempos das primeiras pulsaç4es de um coraçovir#em.

3ua paixo por Amélia tinha realmente uma vir#indade. + con!uistador havia amado namulher todas as #raças e encantos, mas nunca até ento havia adorado um pé. Devia poisexperimentar realmente as sensaç4es inebriantes de um primeiro amor.

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 *a sala dançava'se a sexta !uadrilha.

' Acho'a pensativa, disse 0eopoldo, reparando !ue o lindo rosto de seu par, ordinariamenteanimado por uma #entile"a viva", estava a#ora amortecido pela re&lexo.

Amélia &itou nele seus #randes olhos in#nuos.

' E no tenho ra"o(...

0eopoldo calou'se. ?inha compreendido o pensamento de Amélia. *a véspera de decidir deseu destino, de li#ar eternamente sua existncia, a mulher deve ter desses instantes de recolhimento 7ntimo. Ad6vida a#ita'se no seio da &é mais pro&unda, o receio no 5ma#o da esperança mais risonha. As&lores do coraço, como as da nature"a, tm um verme, !ue as babu$a.

Que podia 0eopoldo di"er a essa alma perplexa( Aumentar'lhe a d6vida, dar &orça àsvacilaç4es, no seria di#no parecia'lhe uma seduço. Con&ort%'la em sua &é, animar'lhe a

esperança, apontar'lhe para um &uturo cheio de venturas, &ora nobre e #eneroso mas &altava'lhe abne#aço para tanto.

?erminada a contradança, Amélia pelo braço do par deu uma volta pela sala. A um aceno deseu le!ue, 1or%cio, !ue estava conversando em um #rupo, che#ou'se.

' Chame papai. 3o horas-

En!uanto o leo procurava o 3ales para preveni'lo do dese$o de sua &ilha, Amélia diri#iu'se aotoucador.

0eopoldo &icara surpreso de ver a moça &alar a 1or%cio, e com um tom bem expressivo deintimidade.

' *o pensava !ue se conhecessem... ?anto- ' disse ele com a vo" comovida.

' ;ois é com ele...

+ rubor !ue tin#iu as &aces da don"ela rematou a &rase com a sublime elo!8ncia do pudor.

' *o sabia( ' per#untou a moça para dis&arçar.

' *o-

' Como o 3r. di" este no-

Com e&eito a vo" de 0eopoldo tivera uma vibraço pro&unda, !uando pronunciara a!uelesimples monoss7labo.

' Dese$ava !ue no &osse ele( ' per#untou a moça com certa ansiedade.

' ;or !u(

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Aproximava'se 1or%cio dando o braço a D. 0eonor, e se#uido pelo ne#ociante. Améliaseparou'se de seu cavalheiro, e levantando a cortina de veludo do toucador, voltou'se)

' 1% de me di"er-' insistiu.

' / preciso( ' per#untou 0eopoldo, e seu olhar desceu lentamente do rosto da moça à &7mbria

do vestido.

Amélia empalideceu a cortina, escapando de sua mo trmula, ocultou'a.

' Conhecias Amélia( ' per#untou 1or%cio, en!uanto esperava !ue as senhoras sa7ssem dotoucador.

' Est%s admirado, sem d6vida- ' retor!uiu 0eopoldo secamente.

+ leo &itou no companheiro um olhar interro#ador mas ocorreu'lhe de repente uma idéia,!ue lhe trouxe aos l%bios um sorriso de ironia. 0embrara'se do alei$o.

A mulher amada por 0eopoldo no podia ser Amélia. as !uem sabe se o idealista capa" deadorar uma monstruosidade, o esp7rito severo !ue desdenhava a bele"a material, no so&ria aseduço irresist7vel do mimoso pe"inho(

' Admirado de !u( De te ver convertido à idolatria da bele"a material( . . .

Amélia !ue sa7a do toucador, embuçada em sua capa de caxemira escarlate, tomou o braço donoivo e desceu as escadas.

Quando partia o carro de 3ales, 0eopoldo !ue também se retirava, encontrou 1or%cio na porta.

' A iluso é a 6nica realidade desta vida- ' disse ele sorrindo.

' + !u(

' Adeus-

  N2

3eriam !uatro horas da tarde. Amélia, $% vestida para o $antar, esperava o noivo trabalhandoem um bordado de tapeçaria. A seu lado, em uma linda banca de costura &orrada de pau'cetim,havia, além dos utens7lios necess%rios, uma pro&uso de seda &rouxa de v%rias cores.

 *o cetim branco, estendido pelo ele#ante bastidor de mo#no, via'se o risco de um par desand%lias, !ue pareciam destinadas a al#uma &ada, to pe!uena, mimosa e delicada era a&orma do pé.

@m dos esboços estava ainda intato no outro porém via'se $% um &loro de rosas bordadas aseda &rouxa, e no centro a letra 0, &eita com torçal de ouro. Era naturalmente a inicial donome, em cu$a tenço a moça trabalhava.

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Amélia estava nesse dia talve" menos &ormosa, porém em compensaço mais sedutora. Certaexpresso l5n#uida, ou de cansaço ou de melancolia, embotava a &lor de sua habitual linde"a,desmaiando o mati" dos l%bios e das &aces, velando o brilho dos olhos pardos. 3eu tra$e

 branco ainda mais amei#ava a sua &isionomia.

 *o h% para arrebatar os sentidos como essa lan#uide" da mulher amada. ;arece !ue ela ver#a

com a exuber5ncia do amor, como a planta muito viçosa, !uando concentra a seiva !ue no brota em &lor. + homem !uerido se re#o"i$a, pensando !ue suas palavras e suas car7cias podem, como os orvalhos celestes, reanimar e expandir o coraço da mulher amada.

?alve" em Amélia no &osse esse desmaio seno o e&eito da &adi#a do baile, e das cismas danoite maldormida.

En!uanto bordava, o ouvido da moça atento esperava al#um rumor !ue lhe anunciasse ache#ada do noivo. @m carro parou à porta e momentos depois soaram na sala de visitas os

 passos de al#uém.

Era 1or%cio.

2endo a moça na saleta próxima, o leo diri#iu'se a ela, com a &amiliaridade a !ue lhe davadireito seu t7tulo de noivo. ?rocados os cumprimentos usuais, sentou'se $unto ao bastidor.

' + !ue est% bordando(

Amélia &e" um #esto para cobrir o bordado)

' Deixe ver- ' insistiu o moço.

' *o vale a pena-

' Ah-

Esta exclamaço des&e"'se nos l%bios do mancebo em um sorriso de $6bilo.

' / um presente de anos para uma ami#a- ' disse Amélia.

' *o so para a senhora(

' *o, respondeu a moça admirada.' Est% "ombando comi#o-

' 2e$a-

A unha de n%car da moça mostrou o 0 bordado a ouro.

' ;ois h% !uem tenha este pe"inho mimoso, a no ser minha noiva( ' disse 1or%cio rindo'se.

' Eu( ' exclamou Amélia enrubescendo. ;obre de mim-

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' 0embra'se do !ue me prometeu ontem à noite(

@ma nuvem de triste"a cobriu o lindo semblante da moça com a &ronte pendida e os olhos baixos, parecia contra7da por uma dor 7ntima.

' Amélia-

' +ntem... *o tive animo de contrari%'lo. 9i" mal desculpe'me.

' Ento sua promessa( ' disse o moço com ironia.

Amélia voltou o rosto como para esconder uma l%#rima.

' Acredite. + !ue me pede... *o posso... *o tenho &orças para &a"er. 3e o senhor soubesse-...E, entretanto deve saber, por!ue... Eu lhe suplico, no &alemos disso a#ora depois eu lhedirei. ;rometo'lhe.

' *o se d a este trabalho. :% sei !uanto basta) "ombou de mim.

1or%cio levantou'se visivelmente despeitado, e volveu os passos pela sala. Amélia continuoua bordar talve" para dis&arçar o seu vexame.

Decorridos al#uns instantes, 1or%cio, lançando um olhar para a moça, ocupada com seu bordado, viu al#uma coisa !ue o sobressaltou. A &7mbria do vestido, suspensa na travessa do bastidor, devia descobrir o pé da moça para !uem estivesse sentado à sua es!uerda.

+ leo aproximou'se na esperança de surpreender o avaro tesouro !ue se roubava a seusolhos.

' *o sabia !ue bordava to bem-

' +ra- *o tenho pacincia para estes trabalhos. 3e no &osse uma d7vida...

' Como( *o é mais presente de anos(

' @ma e outra coisa.

' +u talve" nem uma nem outra, disse 1or%cio adoçando o tom de ironia.

' Que necessidade tinha eu de en#an%'lo( ' disse Amélia com um doce ressentimento. @maami#a minha...

' Cu$o nome no consta.

' / se#redo- ' atalhou a moça com &aceirice.

' Ah- / se#redo(

' <nviol%vel. Ela no !uer por coisa al#uma !ue saibam, nem mesmo suspeitem...

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' Que é sua ami#a(

' +ra-... Que tem um pé deste tamanho, disse a moça mostrando o bordado.

' Deveras( ' acudiu 1or%cio.

' Ela pensa !ue é um alei$o e sente uma triste"a...

' *a verdade, possui um tesouro, um primor- Admira como sua ami#a $% no morreu dedes#osto.

' as, &alando sério) no é natural !ue uma moça tenha o pé de uma menina de sete anos.

' *o sei se é natural mas sublime, asse#uro'lhe !ue é. 1% certas #raças na mulher !uedevem &icar sempre meninas as huris, as &adas, as deusas, so assim.

' Com e&eito- 3e eu &osse ciumenta-

' De sua ami#a(... De uma ami#a to 7ntima(... Era !uase ter ci6mes de si mesma- ' disse1or%cio #race$ando.

' + !ue o senhor !uer, sei eu. / ver se adivinha.

1or%cio tinha sustentado esta conversa com interesse extremo, menos pelas palavras da moça,do !ue pelos movimentos da &7mbria do vestido. A saia, arre#açando #radualmente com ain&lexo do talhe #entil da moça reclinada sobre o bastidor, prometia brevemente descobrir otesouro, to estremecido pelo mancebo.

Amélia, ocupada com seu trabalho e distra7da com a conversa, se es!uecera da!uele constantecuidado !ue ela tinha em compor a orla do vestido. Durante a conversa apenas uma ve" tiraraos olhos do bordado, para lançar uma vista &urtiva ao leo.

' as ento essa ami#a misteriosa... A senhora ia contar uma história, se no me en#ano.

' 1istória, no senhor. Queria explicar'lhe por !ue este bordado é o pa#amento de uma d7vida.

' :ustamente.

' ;ois essa minha ami#a incomodava'se muito !uando tinha de comprar botinas custavaachar um par !ue lhe servisse. As de senhora eram muito #randes as de menina eram muito baixas. A&inal encontrou um sapateiro, !ue trabalha to bem como os melhores de ;aris.

' / exato.

' Como exato( + senhor sabe(

' A senhora no &ala do Campàs( ' disse 1or%cio um tanto perturbado.

' *o, senhor.

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' ;ensei.

' 1aver% dois meses, indo eu à cidade, minha ami#a, !ue tinha &eito uma encomenda de botinas, pediu'me para ver se estava pronta. Quando o criado a trouxe para o carro onde oesperava, caiu um pé de botina $% usado, !ue &ora para modelo. inha ami#a &icou muitoa&lita e eu &i" tenço de dar'lhe no dia de seus anos umas chinelas bordadas por mim. =em v

!ue no o en#anei.

;ro&erindo as 6ltimas palavras, Amélia sempre ocupada com seu bordado, debruçou'secompletamente sobre o bastidor para desembaraçar o &io de seda &rouxo. Este movimento

 produ"iu o !ue 1or%cio esperava. A saia, retra7da pela travessa do bastidor, descobriu até oartelho o pé da moça.

+ moço estremeceu com a &orte emoço e &echou os olhos, atordoado.

+ !ue vira era uma coisa inde&in7vel, estupenda. Era o alei$o, a monstruosidade de !ue lhe&alara 0eopoldo. A!uela massa in&orme a!uela enormidade cheia de cavernas e

 protuber5ncias, ele a tinha ali em &ace, diante dos olhos, escarnecendo do seu amor, como umdesses caturras hediondos das lendas da <dade édia.

' Di#a'me uma coisa) ontem depois !ue sa7mos, o senhor conversou com a!uele moço !uedançou comi#o( + 0eopoldo, no é(

 *o recebendo resposta, Amélia er#ueu a cabeça para interro#ar o noivo com o olhar. +aspecto demudado de 1or%cio, o sorriso pun#ente !ue amarrotava seu bi#ode art7stico, a vistaansiada !ue ele tinha &ixa no monstro, lhe revelaram subitamente o !ue sucedera.

@m #rito de a&liço escapou'se do peito da moça, !ue a&astou violentamente de si o bastidor,causa do acidente, e colheu os lar#os volantes da saia, ocultando o !ue ela por tanto tempode&endera contra a curiosidade s>&re#a do moço. ;or al#uns instantes os noivos

 permaneceram mudos e con&usos, sentindo'se repelidos um pelo outro, e contudo noousando a&astar'se. / um supl7cio cruel esse !ue in&li#e a presença de um ente !ue &a" corar de ver#onha.

A&inal 1or%cio levantou'se e deu al#uns passos a esmo. Amélia aproveitou'se dessemovimento para &u#ir da sala. 9icando só, o leo darde$ou para o interior um olhar terr7vel etomando o chapéu, desceu rapidamente as escadas.

A#ora ele compreendia tudo e as palavras !ue 0eopoldo lhe dissera na véspera, ao sair do baile, lhe repercutiam ao ouvido, como uma #ar#alhada sat5nica)' MA iluso é a 6nicarealidade deste mundoM.

' Como pude eu tanto tempo iludir'me com o excessivo recato de Amélia( Como nodescon&iei do pudor selva#em !ue velava semelhante a um dra#o sobre o terr7vel se#redo(

*o h% moça, se$a ela o an$o da pudic7cia, !ue no mostre ao menos a pontinha do pé,!uando o tem mimoso e #entil. Eu devia saber disso, mas estava ce#o. ?odos cochilamos, semser 1omeros eu !ue me pre"o de conhecer a mulher, portei'me como um calouro.

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MConsumir dois meses a correr após uma sombra, e !uando esperava !ue a sombra tomassecorpo, ela se desvanece... Qual- Antes se desvanecesse mas ao contr%rio toma um vultomedonho, enorme, es!u%lido. 9a"'me !uase lembrar o verso de Cam4esM.

1or%cio soltou uma #ar#alhada)

' Realmente eu no sei !ual de nós dois &icou mais corrido. 3e ela de mostrar a toesa se eu dea ver.

3onhar uma pérola, e encontrar um seixo ima#inar um mimo, e achar uma brutalidadedese$ar um boto de rosa, e colher uma t6bara-.

M3e os rapa"es souberem disto, estou desonrado. Como posso eu mais apresentar'me na Ruado +uvidor, !uando a coisa divul#ar'se( ?odo o asno ter% direito de atirar'me o coice, comoao leo moribundo da &%bula.M

1or%cio começou a re&letir se &i"era bem saindo to precipitadamente da casa de 3ales.

oderou o passo, e olhou o reló#io. Eram perto de cinco horas. 3e voltasse, che#aria tardedemais, como explicar a retirada e a volta(

' Em todo caso, pensou o leo, a &ortuna no me desamparou de todo. Assim como a ilusodurou até ho$e, podia prolon#ar'se mais al#umas semanas, e... ?remo de horror, !uando melembro !ue eu podia ser atado à!uele mouro, à!uele poste- 3er condenado a arrastar umatrave por toda a vida( Que supl7cio-

3e eu pudesse ima#inar !ue o +nipotente, criador de tantas maravilhas, se ocupa com aminha rid7cula individualidade e se interessa pelos pecados !ue eu tenho cometido, mea$oelhava a!ui mesmo na rua, e lhe renderia #raças pela minha salvaço.

MQuem se livrasse de ser esma#ado por uma rocha, no escaparia de to #rande peri#o comoeu. Casar'se um homem com a!uele pé, seria predestinar'se para o homic7dio.M

;assava um carro, !ue parou de repente.

' Ainda por a!ui, Almeida( ' disse o 3ales deitando a cabeça &ora do carro.

' / verdade... 3a7, mas...

' Entre, !ue ho de estar à nossa espera. 3o cinco horas demorei'me ho$e além do costume por causa mesmo do senhor, ma#ano- Certos arran$os.

1or%cio procurou rir, mas &e" uma careta !ue desculpou com um calo. Ele, o leo, sempreele#ante, correto e irrepreens7vel no tra$e como nas maneiras, tinha perdido completamente aserenidade de esp7rito.

As senhoras estavam reunidas na saleta. Amélia &icou surpreendida, vendo 1or%cio de voltacom seu pai e reprimiu o contentamento !ue sentia. as este durou pouco. Ela conheceu lo#o!ue o leo obedecera mais às convenincias, do !ue ao a&eto !ue lhe tinha.

Contudo essa volta si#ni&icava al#uma coisa. Ela, Amélia, no causava horror a seu noivo.

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+ $antar &oi animado pela conversa viva e espirituosa de 1or%cio, !ue havia recuperado seusan#ue'&rio. @ma circunst5ncia porém no escapou a Amélia, !ue passou despercebida àsoutras pessoas o leo, apesar de sentado à sua es!uerda, no achou um momento para trocar com ela uma palavra. Ao contr%rio, manteve sempre a conversaço #eral, para impedir odi%lo#o 7ntimo, !ue ele receava.

?erminando o $antar, 1or%cio achou um pretexto para retirar'se lo#o.

' + !ue se passou, D. Amélia, é mais do !ue um se#redo para mim eu nada sei, es!ueci, disseele despedindo'se.

?ocando apenas na mo !ue a moça lhe estendera, saiu.

Amélia deu um passo para cham%'lo, mas apoiando'se ao recosto do so&%, permaneceuimóvel, escutando os passos do noivo até !ue se perderam ao lon#e.

  N2<

9a"ia uma semana !ue 1or%cio no aparecia em casa de 3ales.

Amélia tinha por duas ve"es mandado saber do noivo. Da primeira contentou'se com umrecado da se#unda enviou'lhe uma saudade.

+ ne#ociante de sua parte havia passado por casa do moço, !ue pretextou um de&luxo para $usti&icar sua ausncia e prometeu aparecer no dia se#uinte.

1or%cio compreendia a necessidade de sair da posiço di&7cil em !ue se achava, mas debalde procurava um meio. Cansado de co#itar, entendeu !ue o melhor era con&iar'se à inspiraço domomento.

 *o dia se#uinte à noite, diri#iu'se à casa do ne#ociante.

As duas senhoras estavam sentadas $unto à mesa a me lia, a &ilha pensava. Amélia estavatriste, sua me supunha !ue eram saudades.

Quando 1or%cio entrou, D. 0eonor o &este$ou com verdadeiro pra"er. Amélia sentiu umvislumbre de esperança, !ue iluminou o sorriso de seus l%bios.

' 9eli"mente- ' exclamou D. 0eonor. Esta casa era uma &onte dos suspiros-

A conversaço começou &riamente, e &oi se arrastando por al#um tempo. ' *o tem sa7do( per#untou 1or%cio depois de uma pausa.

' *o Amélia no tem !uerido.

' ;or !u( ' per#untou o moço voltando'se para a noiva.

' Ento no sabe( ' acudiu D. 0eonor.

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' ;or!ue no se o&ereceu ocasio, disse Amélia.

' as tem recebido visitas(

' Al#umas.

' + 0eopoldo no apareceu(

' *o &re!8enta nossa casa, respondeu a moça.

' Ah-... Cuidei.

' 3e ele nos visitasse, o senhor o teria encontrado a!ui muitas ve"es. ' ;od7amos nosdesencontrar, disse 1or%cio com um sorriso mote$ador. Amélia percebeu !ue o moço estava

 procurando um pretexto para despeitar'se. D. 0eonor tendo continuado a leitura interrompida,estava alheia à conversaço.

' 9oi em casa do A"evedo !ue o apresentaram à senhora(

' *o conheço'o de muito tempo h% perto de dois meses.

' De onde, se no é se#redo(

' 3e#redo, por !u( Ele &re!8enta a casa de D. Clementina !ue recebe às !uintas'&eiras.Constantemente nos encontramos a7. / uma reunio muito a#rad%vel estamos !uase em&am7lia, sem a menor cerim>nia.

' Ah- nunca me convidou para essas reuni4es eu teria muito pra"er em acompanh%'la, mastalve" &osse importuno, como $% vou sendo a!ui.

' + senhor est% habituado a viver na alta sociedade havia de aborrecer'se.

' as a senhora no se aborrecia ao contr%rio divertia'se bastante.

' Al#uma coisa.

' E 0eopoldo era seu par(

' Era.' ;ar constante(

' *o sei se era constante ou no !uase sempre ele dançava comi#o, por!ue l% no h% muitoonde escolher os pares so poucos.

' Ttimo sistema- Assim no se repara.

' Em !u(

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' Em certa assiduidade- Ainda mesmo !ue uma moça $% tenha noivo arran$ado, h% #ente !ueexi#e da parte dessa moça certa reserva, por!ue en&im o outro pode no !uerer aceitar aresponsabilidade de tudo- / uma impertinncia, concordo, mas o mundo tem destes caprichos.

' <sso se entende naturalmente com as moças !ue tm noivo arran$ado, retor!uiu Amélia&risando a palavra, e no com a!uelas, cu$a mo se pediu talve" para satis&a"er uma simples

&antasia.

A moça levantou'se da mesa lançando ao leo um olhar desdenhoso, e &oi sentar'se ao piano.En!uanto ela tocava uma variaço de ?halber#, 1or%cio para &a"er al#uma coisa, se entreteveem arran$ar as &i#uras chinesas de um $o#o de pacincia. *unca ele precisara tanto de prover'se dessa virtude evan#élica.

Decorridos al#uns instantes o leo er#ueu'se da mesa, deu al#umas voltas pela sala, eaproximou'se do piano, como para ver a ele#5ncia com !ue a moça dedilhava.

' A senhora acha muito natural, D. Amélia, !ue uma noiva &re!8ente assiduamente uma casa

onde no tem entrada o homem com !uem vai casar'se acha natural !ue essa moça tenha emtais reuni4es um par e&etivo !ue provavelmente cultiva uma dessas ami"ades c5ndidas dosromances de =al"ac, verdadeiros l7rios do vale, !ue vivem de orvalhos e de sombras. Eu,

 porém, sou um esp7rito prosaico e material tenho a in&elicidade de no acreditar na atraçomisteriosa dos esp7ritos, no consórcio ideal ias almas irms, nos sonhos etéreos, nos e&l6vioscelestes, em toda essa #7ria

sentimental. ;ara mim, inteli#ncia #rosseira, tudo isso no passa de uma hipocrisia do primeiro tartu&o deste mundo, o amor. / um tiranete !ue toma todas as &i#uras e posiç4es &a"'se menino ou velho, an$o ou dem>nio, poeta ou ban!ueiro... Estou incomodando'a talve"(

' *o acabe.

A moça &a"ia com uma li#eira surdina o acompanhamento das palavras do leo mas à 6ltima&rase, ela retirou as mos do teclado. 9oi esse o motivo da per#unta de 1or%cio.

' A senhora deve sentir muito, e 0eopoldo com maior ra"o, de serem privados de umadistraço !ue tanto lhes a#rada-

' Compreendo, replicou Amélia. + senhor me pro7be !ue eu v% à casa de D. Clementina(

' Que idéia- *o tenho direito de proibir ainda no sou seu marido a senhora écompletamente livre de suas aç4es, pode ir à casa de D. Clementina, ou onde lhe aprouverassim como eu posso, !uerendo, passar as noites no Clube ou no Alc%"ar.

Amélia soltou uma risada.

' ;ensava !ue os le4es estavam isentos dessa &ra#ilidade do ci6me.

' ;erdo no se trata de ci6me, nem sei o !ue isso é. A !uesto redu"'se a uma antipatia decaracteres, a uma contradiço de #nios, !ue deve ter para o &uturo #raves conse!8ncias. Asenhora é idealista, eu sou materialista. @m !uisera viver no mundo dos sonhos, outro neste

vale das l%#rimas e das realidades. A senhora procurando'me no céu entre as estrelas e os

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an$os, e no me achando a7, so&reria uma cruel decepço entretanto !ue eu na terra, &icareiredu"ido à sombra da mulher !ue amei.

' *o é to pouco, para !uem se contentava com um pé de criança, disse Amélia com ironia.

' as esse pé era a realidade, a expresso a mais sublime dela-

' Custa'lhe pouco a possuir essa realidade. ande &abric%'la em cera) sair% ainda mais per&eita.

' Ainda no perdi a esperança de encontr%'la.

+ ch% interrompeu o di%lo#o. +s dois noivos aproximaram da mesa oval, onde o criadoacabava de colocar a bande$a.

A &isionomia de Amélia perdera a expresso de triste"a e des5nimo !ue tinha a princ7pio aconversa lhe deixara no semblante al#uns tons vivos.

+cupada em dispor as x7caras para ench'las, os #estos sempre macios da moça revelavamcerta crispaço nervosa.

1or%cio &icara contrariado, por!ue no tivera tempo de precipitar o casus belli. Receava !uese demorasse ainda o rompimento !ue ele tanto dese$ava.

' ame, disse Amélia com intenço, amanh é !uinta'&eira. 2amos passar a noite em casa deD. Clementina(

' 3e !uiseres.

' *o devemos &altar deixamos de ir a semana passada.

' 9oi lo#o depois do baile do A"evedo.

' *o o convido, disse Amélia voltando'se para 1or%cio, por!ue o senhor no &re!8enta essasreuni4es de #ente pobre.

' 3em d6vida tenho medo de evaporar'me em devaneios e suspiros, respondeu 1or%cio,cru"ando com a moça um olhar de desa&io.

Ele sentiu !ue Amélia o provocava, e exultou. A moça estava disposta a resistir o rompimentoera in&al7vel e pronto.

' Eu #osto bem dessas partidas a noite passa to a#rad%vel.

Aproveitando'se de um momento em !ue D. 0eonor se a&astou, 1or%cio atirou à moçarapidamente estas palavras)

' ;ois se a senhora voltar à casa de D. Clementina, eu no voltarei mais a!ui.

Amélia estremeceu.

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@m !uarto de hora depois, 1or%cio retirou'se. Quando se despedia das senhoras, disse o leoà moça apertando'lhe a mo)

' Dese$o !ue se divirta muito amanh.

' Aonde( ' per#untou D. 0eonor.

' Em casa de D. Clementina. *o vai, D. Amélia(

A moça hesitou um instante. + o&e#o de seu colo traiu uma luta violenta, mas r%pida.

3ua resoluço, antes !ue ela a exprimisse, mani&estou'se na altive" do porte, !ue umavibraço 7ntima eri#ira.

' 2ou sem &alta-

1or%cio, soltando a mo da moça, !ue &oi bater inerte nos &olhos do vestido, corte$ou pro&undamente)

' 3e$a muito &eli".

Apenas o leo desapareceu na porta, Amélia abraçando e bei$ando a me, subiu precipitadamente a sua alcova atirou'se a uma conversadeira, e desa&o#ou em pranto esoluços a dor !ue tinha recalcado desde muitos dias.

A maior parte da noite &oi para ela de vi#7lia. 2iu correrem as horas cada momento !ue seescoava era uma esperança, uma iluso !ue se des&olhava da &lor viçosa de sua alma.

A!ueles !ue se separam das pessoas ou dos s7tios !ueridos, conhecem bem esse travo decoraço !ue chamamos saudade e sabem !uanto é cruel o momento da separaço.

as no h% despedida cruciante como se$a a da alma pelo amor !ue nutriu durante muitotempo. 1% a7 mais do !ue uma separaço) é !uase a mutilaço moral.

Amélia compreendera !ue tudo acabara entre 1or%cio e ela. Desde o dia do $antar receara esseresultado mas ainda alimentava uma esperança. *a!uela noite a esperança murchara, se no&oi ela própria, Amélia, !uem a des&olhara.

A#ora na calada da noite, em sua alcova !ue lhe parecia um ermo, ela tinha medo doisolamento em !ue se achava. Al#umas ve"es sua alma sentia'se como !ue as&ixiada pelosilncio e pela treva !ue a submer#iam.

  N2<<

Como dissera a Amélia, na sua 6ltima visita, 1or%cio no tinha perdido a esperança deencontrar o !ue ele chamava a realidade de seu amor) o pe"inho #entil e mimoso do !ual ele

 possu7a a botina.

<ludira'se nas suas investi#aç4es era preciso recomeçar.

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?al era o pensamento !ue preocupava o leo, recostado na!uela mesma poltrona, onde ovimos no primeiro dia. 3eu olhar embebido nos &rocos de &umaça do puro havana, rasteavanas espirais di%&anas a ima#em con&usa de seus pensamentos.

?inham decorrido trs dias depois do seu rompimento com Amélia. 0o#o na se#uinte manh,

o leo para no dar tempo ao arrependimento da moça, escreveu uma carta ao 3ales,mani&estando seu receio de !ue a antipatia de #nios tornasse in&eli" uma unio !ue todosardentemente dese$avam.

+ ne#ociante mostrou a carta à &ilha, !ue lhe disse com um sorriso &orçado)

' Ele tem ra"o-

A carta de 1or%cio teve resposta no mesmo dia. + 3ales encontrando'o na Rua do +uvidor recusou'lhe o cumprimento.

+ leo, satis&eito com esse pronto desenlace !ue evitava lon#as explicaç4es, achou'se a poucos passos de dist5ncia em &rente de 0eopoldo.

' +h- ?u me tra"es &elicidade- ' exclamou o leo, apertando'lhe a mo. 3empre !ue nosencontramos, ou est% para acontecer ou $% tem acontecido al#uma coisa de bom para mim.

' *o sabes !uanto estimo-... Assim eu sou uma espécie de astro prop7cio, sob cu$a in&luncianasceste.

' Queres ver( 1avia muito tempo !ue no te via, !uando nos encontramos no baile doA"evedo. ;ois nessa noite decidiu'se meu destino.

' Ah- e sob o meu in&luxo bené&ico(

' Est% visto. 0embras'te !ue eu te disse !ue estava disposto a todos os sacri&7cios até o docasamento para possuir a!uele pe"inho-...

' 0embro'me.

' + 6nico obst%culo era uma espécie de promessa ou arran$o de &am7lia. 9eli"mente a menina,a tal Amélia, compreendeu !ue perdia seu tempo, e arru&ou'se na noite do baile por uma

ninharia. Eu aproveitei o pretexto escrevi ao pai retirando minha palavra, e a#ora mesmo eleme acaba de responder. Estou livre como o ar, e contente como um rapa" !ue sai do colé#io.

' *este caso dou'te meus parabéns.

' E tu como vais com o sorriso(

' 3em novidade.

' Di"e'me uma coisa, no dia em !ue a viste pela primeira ve", ela estava só ou com outramoça( 9aço'te esta per#unta por!ue &oi na Rua da Quitanda e !uase pelo mesmo tempo !ue

eu achei a botina.

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' Eram duas, respondeu 0eopoldo sorrindo.

' Em uma vitória(

' 3im.

' A outra era mais baixa(

' *o a&irmo.

' Adeus.

+ leo separou'se do ami#o, e repassando as particularidades de sua conversa com Amélia perto do bastidor e no dia do $antar, começou a combin%'las com as in&ormaç4es de 0eopoldoe com as circunst5ncias do encontro no ;asseio ;6blico, onde vira o sinal impresso na areia

 pelo mimoso pe"inho.

A#ora, &umando seu charuto depois do $antar, o leo resumia todas as suas re&lex4es, eche#ava a este resultado)

' Decididamente o pe"inho é de uma moça !ue ia com Amélia, no dia em !ue se perdeu a botina e no dia em !ue eu a vi de lon#e no ;asseio ;6blico. Essa moça, cu$a inicial é um 0,no é outra seno 0aura. A!uele pudor &ero" era um ind7cio in&al7vel. Amélia procurava imit%'lo por motivo bem diverso) mas no o conse#uiu.

+ moço che#ou'se à ban!uinha onde estava o co&re de pau'rosa e contemplou a botina.

L noite, o leo &oi a uma partida. 3ua estrela o &avorecia. 0aura l% estava. Diri#iu'lhe al#umas banalidades #raciosas, !ue ela a princ7pio recebeu com mani&esta es!uivança, mas depois comtimide".

1or%cio compreendia a ra"o do procedimento da moça. ;ara tran!8ili"%'la, teve o cuidado denunca abaixar a vista à &7mbria do vestido, e mostrar'se enlevado pelo colo #racioso da #entilsenhora. A liço !ue recebera anteriormente, o tornou de uma prudncia consumada.

 *o &im da noite o leo conse#uira restabelecer a con&iança no esp7rito de 0aura,desvanecendo'lhe a suspeita deixada pela cena do teatro. Era o essencial com os meios de

seduço de !ue dispunha, e a inclinaço !ue a moça revelava por ele, contava certa acon!uista. A !uesto era de tempo.

Antes de !uin"e dias &re!8entava a casa da moça e estava na intimidade da &am7lia.

0aura perdera o marido aos GU anos, pouco tempo depois de casada. Era rica no lhe&altavam pretendentes atra7dos pelo dote e pela bele"a mas ela no parecia disposta a tentar se#unda ve" a &elicidade con$u#al, embora no tivesse passado da lua'de'mel. / natural !ue odese$o lhe che#asse com o primeiro &io de neve !uando &ossem rareando os apaixonados !uea cercavam.

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@ma manh, 1or%cio passando a pé, como costumava, pela casa da moça, viu'a, por entre as#rades, sentada no $ardim ocupada em &a"er um ramo de &lores. Entrou e &oi ter com ela, àsombra de uma latada de madressilvas.

0aura deu'lhe lu#ar perto de si e começaram a conversar sobre &lores, modas e mil&utilidades.

Eram de" horas do dia. + sol brilhava em céu l7mpido uma ara#em &resca sussurrava entre as&olhas os coleiros trinavam nas ramas das laran$eiras. Esse concerto de per&umes e harmoniasconvidava o coraço a abrir'se e cantar o seu hino de amor.

0aura reclinou a &onte e emudeceu, com os olhos embebidos no seio de uma rosa, !ue tinhano re#aço. 1or%cio tomou'lhe a mo, !ue ela cedeu com tnue resistncia.

' 3abe desde !uando eu a amo, 0aura( Desde o dia em !ue a vi pela primeira ve" passar emum carro. 9oi, se no me en#ano, na Rua da Quitanda ia com a &ilha do 3ales. 0embra'se(

A moça &e" um #esto a&irmativo.

' Depois encontrei'a no teatro. A princ7pio seus olhos me deixaram conceber al#umaesperança mas o desen#ano &oi cruel. *em ima#ina como so&ri- Cuidei !ue no houvessemulher capa" de obri#ar'me a voltar às in#enuidades dos GH anos. @m dia ainda me lembro,via'a de lon#e entrar no ;asseio ;6blico apressei'me para ter o pra"er de corte$%'la, receber um olhar. Debalde corri todas as ruas !uando voltei à porta &i!uei desesperado. A senhoratinha sa7do, sempre com a &ilha do 3ales. Recorda'se(

' Recordo'me, respondeu a moça. as era por mim !ue &a"ia tudo isso(

' Duvida, 0aura(

' *e#a !ue esteve apaixonado por Amélia( Até di"iam !ue $% a tinha pedido.

' Que in#ratido- *o sabe ento por !ue me &i" apresentar em casa do 3ales( ;ara v'la era preciso procurar um meio a senhora $% no se lembra da dure"a com !ue me tratava.

' E por isso consolava'se com Amélia(

' 3e amasse, 0aura, havia de saber o !ue é o ci6me, e as loucuras !ue ele nos obri#a a &a"er-

as a senhora no ama-' Quem lhe disse(

' Essa &rie"a.

' E o !ue eu so&ri(... ' balbuciou a moca pondo os olhos l5n#uidos no semblante do mancebo.

' ;erdo, 0aura, exclamou 1or%cio a$oelhando. Eu era um louco, indi#no de teu amor e nomereço tanta &elicidade. as deixa'me implorar o meu perdo deixa'me bei$ar teus pés,!ue...

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' Ah- .. .

1or%cio pro&eriu a!uelas palavras apaixonadas, de $oelhos diante da moca !ue sorria inclinada para ele de repente abaixou'se para bei$ar'lhe os pés, esse ob$eto de sua adoraço. 9oi ento!ue ela soltando um #rito de espanto, o repeliu para lon#e de si com horror.

Contudo, o moço, !ue preparara toda a!uela cena para che#ar à reali"aço do dese$o por tantotempo a&a#ado, conse#uira ver... mas no o !ue esperava) um pe"inho mimoso e #entil e simdois pés in#leses de so&r7vel tamanho, !ue lhe pareciam descansar sobre uma almo&ada preta.

+ semblante de 0aura se tinha demudado de uma maneira espantosa em suas &acesintumescidas respirava uma expresso &ero" de ódio e vin#ança.

1or%cio compreendeu !ue na!uele momento !ual!uer explicaço era imposs7vel. + !ue tinhade melhor a &a"er era eclipsar'se. *o &im de contas esse desenlace lhe convinha, pois cortavatodas as di&iculdades da retirada.

Corte$ou e saiu.

A al#uns passos da casa, o leo no p>de conter uma #ar#alhada, !ue lhe estava a su&ocar, edesaba&ou'a. Realmente havia de !ue rir duas ve"es misti&icado em sua paixo, ele, o rei damoda, o con!uistador sempre &eli".

<nsensivelmente começou a re&letir sobre o ocorrido. ;or mais !ue se desse tratos àima#inaço, no podia deci&rar o eni#ma. A botina !ue achara &ora perdida por uma das duasmoças mas no pertencia a nenhuma. 3eria encomenda de outra ami#a, e talve" para al#umamenina de de" anos(

De repente sur#iu no esp7rito de 1or%cio uma idéia to ori#inal, como a situaço em !ue seachava.

' Eu vi os dois pés de 0aura mas de Amélia, só vi um é verdade !ue esse valia por trs.as... *o resta d6vida. A nature"a tem destes caprichos. A maravilha a par do monstro, omimo em &ace da de&ormidade- / o princ7pio do contraste, !ue re#e o mundo. Eu vi o direito,o alei$o. + es!uerdo &icou oculto como a pérola e o diamante.

Compenetrado dessa idéia, de !ue o pe"inho adorado pertencia a Amélia, a !uem a nature"aem compensaço alei$ara o outro, 1or%cio admitiu a possibilidade de !ue sua paixo pela

moça revivesse, embora menos ardente, ou mais positiva.?er a!uele pe"inho em suas mos, senti'lo estremecer e palpitar de emoço, cobri'lo de bei$os,acariciar a rósea c6tis di%&ana tecida de veias a"uis, brincar'lhe com as unhas crespas, comoconchinhas de n%car, cin#ir ao seio esse #nomo #entil, titilante de amor e vol6pia-...

 *o podia haver para o leo maior del7cia neste mundo. Ele daria por ela todo o !uinho de pra"er !ue porventura lhe estava reservado para o resto da existncia.

9oi en#ol&ado nestes devaneios !ue 1or%cio apeou'se à Rua Direita de um t7lburi, !ue tomarano 0ar#o do achado.

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3e#uindo para a Rua do +uvidor, a passo lento e descuidado, o leo aspirava o ar da cidade,como o ocioso !ue no sabe em !ue h% de consumir o dia e &are$a uma aventura !ual!uer.

De repente avistou coisa !ue o p>s alerta. @m carro !ue subia a Rua do +uvidor passou por ele era o cup do 3ales. + rosto encantador de Amélia apareceu'lhe a princ7pio de relance na

 penumbra !ue a"ulava o acolchoado de damasco, e depois em plena lu" moldurado pelo

!uadro do posti#o.

Acompanhando com o olhar a carrua#em, 1or%cio a viu rodar por al#um tempova#arosamente por causa de embaraço no transito e parar próximo à es!uina da Rua dos+urives. + lacaio, com a mo na aldraba, esperava naturalmente ordem para abrir.

1or%cio apressou o passo. ;or duas ve"es avistara a &ronte de Amélia coroada com umchapeu"inho de palha da <t%lia, assomando no posti#o, a &im de percorrer a rua com o olhar. Aidéia de !ue a moça lhe dese$ava &alar passou pela mente do leo, !ue a repeliu, sem contudoconsider%'la imposs7vel.

Em todo caso ele acreditou !ue mais ou menos tinha parte na!uela parada do carro, e no seen#anava.

' ;ara !ue mandaste parar( ' per#untou D. 0eonor.

' Quero comprar luvas no asset, respondeu a &ilha.

' 9icou atr%s.

' ;odemos ir a pé.

Quando o leo che#ou a de" braças do carro, a portinhola abriu'se, e Amélia, em companhiade sua me, saltou na calçada. A moça tinha um roupo cor de ca&é, de extrema simplicidade,

 porém muito ele#ante as luvas eram da mesma cor de cin"a das &itas do chapéu de palha.

As duas senhoras diri#iram'se para a casa do asset. 1or%cio procurou corte$%'las na passa#em, mas elas no lhe deram ocasio. Contudo o leo reparou !ue a moçadis&arçadamente voltou o rosto para olh%'lo.

En!uanto as senhoras compravam luvas, 1or%cio as esperava em &rente da casa do 2alais, aal#uns passos do carro. ;ouco tardaram. Amélia vinha só na &rente. 9eli"mente o transito pela

calçada diminuiu na!uele instante, de modo !ue o con!uistador p>de ver a #osto a moçaaproximar'se dele. 0evados por impulso irresist7vel os olhares do mancebo abaixavam'se paraos volantes do vestido, e raste$aram no cho !ue a moça pisava.

Amélia percebeu a insistncia do olhar, e um li#eiro sorriso &u#iu'lhe dos l%bios. <ma#inando!ue na calçada havia lama, colheu com ambas as mos a &rente da saia, e com tantoestouvamento !ue descobriu os pés até o colo da perna.

1or%cio &icou &ulminado.

2ira pousados na calçada dois pe"inhos mimosos !ue palpitavam dentro de botinas de merinó

cor de cin"a. ;areciam um par de rolinhas, arrulhando na praia e bei$ando'se com o bi!uinho

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rosado. Durante o r%pido instante, !ue seus olhos puderam admirar esses primores de #raça e#entile"a, no escaparam a 1or%cio as ondulaç4es voluptuosas e os contornos suaves dos doissil&os. *unca ele observara no talhe ele#ante da mais &ormosa mulher re!uebros toaveludados, como tinha a!uele dorso ar!ueado e a!uela palmilha sutil.

?amanho &oi o pasmo de 1or%cio, !ue sr deu por si !uando a moça, passando por ele, entrou

na carrua#em. 2oltou'se ento precipitadamente, sem conscincia do !ue ia &a"er mas a parelha $% tinha partido a trote lar#o.

omentos depois o leo descia a Rua do +uvidor completamente absorto. 3eu l%bio distra7doia debulhando, sem o sentir, al#uns trechos dos lindos versos do conselheiro :osé =oni&%cio)

M;adres, no me ne#ueis, se estais em calma, @m coraço no pé, na perna umalma-.

  N2<<<

0aura e Amélia eram primas e ami#as de in&5ncia havia entre elas apenas a di&erença de

de"oito meses.

Desde a idade de trs ou !uatro anos, isto é, desde !ue deixou as &aixas, 0aura usou sempre deroupas compridas. <sso causava reparo a todos !ue viam a menina tra$ada como uma senhora.uitos achavam extrava#ante e rid7culo o capricho e censuravam a me.

Esta ouvia as censuras de suas ami#as, assim como os mote$os estranhos, e calava'se mas noalterava o vestu%rio da menina. A ternura e piedade materna lhe davam a pacincia necess%ria

 para arrostar com as "ombarias do mundo.

0aura tinha um alei$o nascera com os pés dis&ormes. ;ara mais a#ravar o des#osto dos pais,essa monstruosidade vinha li#ada a uma bele"a an#élica. A senhora avaliou do in&ort6nio desua &ilha, e preparou'se para todos os sacri&7cios. Consultas &oram diri#idas aos melhoresmédicos da Europa che#ou a empreender uma via#em para tentar os recursos da cincia&oram todos ine&ica"es.

Desen#anada a&inal, dedicou'se a esconder a des#raça de sua &ilha, a &im de !ue ela no &osseobri#ada a enver#onhar'se na sociedade. Durante muito tempo 0aura no teve outra criada,além de sua me. L custa de es&orços constantes, de uma vi#il5ncia incessante de cada dia ecada hora, conse#uiu a senhora manter esse se#redo de &am7lia, do !ual dependia a &elicidadeda &ilha.

Atin#indo a idade de oito anos, a menina com o instinto da mulher, compreendera seuin&ort6nio e desde ento descansou a me da!uele cuidado incessante. 9icando moça casou'se, e seu marido !ue a amava estremecidamente, morreu i#norando o se#redo.

Com bastante m%#oa sua, Amélia surpreendeu o se#redo da prima e ami#a.

A &ilha de 3ales tinha dois pe"inhos de &ada, breves, ar!ueados, com uns dedos !ue pareciam bot4es de rosa. + des#osto e vexame !ue isso causava à moça, nin#uém o ima#ina. Elasupunha'se alei$ada apesar de seus GH anos, seus pés eram de menina.

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Assim o mesmo cuidado com !ue 0aura escondia a sua monstruosidade, punha ela em ocultar essa #raça e prenda da nature"a. *a!uele tempo no se tinha introdu"ido ainda a moda dosvestidos curtos bem ao contr%rio, o tom era arrastar desdenhosamente pelo cho a lon#a&7mbria do vestido.

@m dia !ue 0aura passou em sua casa, Amélia teve curiosidade de comparar seu pe"inho com

o da prima, para saber se a di&erença era excessiva. En!uanto a outra endireitava o penteadono toucador, reali"ou ela seu intento.

Avalie'se da ver#onha e a&liço de 0aura o desespero de Amélia &oi maior ainda. *o perdoava a si mesma o ter causado to #rande pesar à prima, a !uem ela !ueria muito bem.;ara miti#ar essa dor pro&unda, 0aura es!ueceu a sua.

Desde ento as duas ami#as se consolavam mutuamente. 0aura admirava o pe"inho deAmélia esta, ou sinceramente, ou para atenuar a m%#oa da prima, che#ava a inve$ar o seuin&ort6nio.

Aborrecida de no encontrar nas lo$as calçado !ue lhe servisse, Amélia tinha descoberto por acaso o sapateiro da Rua 3ete de 3etembro. Conhecendo a habilidade do atos, pensou !ueele pudesse dis&arçar o de&eito da prima. *o se en#anou o artista reali"ara a obra'prima de

 pacincia, !ue 0eopoldo tivera ocasio de apreciar por um acaso.

Amélia &e" a 0aura o sacri&7cio de expor'se para no comprometer o se#redo da ami#a. +sapateiro no a conhecia, nunca a tinha visto, recebia as encomendas por intermédio de umcriado !ue pa#ava à vista. 9%cil &oi portanto iludi'lo.

 *a ocasio em !ue as duas primas esperavam de carro na Rua da Quitanda, o lacaio vinha dacasa do sapateiro, o !ual vexado com a pressa, es!uecera as recomendaç4es de &echar bem oembrulho.

As pretens4es de 1or%cio vieram pouco depois arre&ecer a ami"ade das duas primas) $% no seviam to ami6de mas no obstante Amélia continuou a prestar a 0aura o mesmo serviço, eessa, coa#ida pela necessidade, &oi obri#ada a aceit%'lo.

<am as coisas por esse teor, !uando teve lu#ar o baile do A"evedo.

Depois da primeira !uadrilha, Amélia &oi ao toucador. Era este em uma sala !ue dava para o $ardim. Aproximando'se de uma $anela entreaberta, obscurecida pela sombra do cortinado da

cama, viu a moça os dois ami#os no momento em !ue eles vieram sentar'se no banco, $ustamente colocado por baixo da $anela.

A casa era abarracada. Amélia encostada no portal da $anela, descobria os dois cavalheiros por entre a &olha#em, e ouvia distintamente suas palavras.

A7, imóvel, mas a#itada por comoç4es diversas, escutou ela a história do pé e a história dosorriso. :% os dois ami#os se tinham a&astado, e a moça permanecia no mesmo lu#ar comoest%tica.

A narraço de 1or%cio, e as observaç4es !ue &i"era 0eopoldo a esse respeito, revelaram à

moça uma coisa !ue $%

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anteriormente se havia apresentado, embora indistinta, va#a e con&usa a seu esp7rito.

+ !ue 1or%cio amava nela, no era mais do !ue uma &orma, um capricho, um sonho de suaima#inaço en&erma. Ela compreendeu essa aberraço dos sentidos em um homem #asto parao amor e saciado de pra"eres. A mulher era para o leo uma coisa comum e vul#ar, incapa" de

 produ"ir'lhe emoç4es &ortes. ?inha'as admirado de todos os tipos e de todos os caracteres.

3eu coraço exausto precisava de al#uma coisa nova, ori#inal e extrava#ante.

Amélia compreendeu isto, no por uma an%lise, !ue seu esp7rito casto no poderia &a"er, mas por uma intuiço d,alma.

Quando de novo encontrou 1or%cio no baile, suas maneiras no podiam !ue se noressentissem do estado de seu coraço. ?ratou o leo secamente mas lo#o tornou'se am%velocorreu'lhe uma idéia !uis p>r à prova o amor do noivo, antes de con&iar'lhe seu destino.

9oi na sua alcova, durante a ins>nia, !ue ela recordou'se da história de 0eopoldo, e comparouseu amor ao de 1or%cio. Repassando na mente as palavras comovidas do primeiro, pensando

na!uele a&eto to desprendido das misérias humanas, to d,alma, Amélia sentia'se como puri&icada dos dese$os do sedutor.

Esse amor puro e imaterial era um batismo para seu coraço vir#em.

A moça conheceu !ue o en#ano de 0eopoldo provinha de uma iluso da vista, no momento deentrar no carro com 0aura iluso con&irmada pela presença do lacaio na lo$a do sapateiro.Che#ou a estimar esse incidente !ue p>s em relevo a alma nobre e #enerosa do mancebo.

Acudiu'lhe à lembrança sua primeira conversa em casa de D. Clementina. As palavras !ueento lhe pareceram ininteli#7veis, tinham a#ora um sentido. Compreendia toda a sublimidadedo coraço !ue di"ia com uma pro&unda convicço)

' 3into'me capa" de amar o horr7vel, sinto'me capa" de nutrir uma dessas paix4es m%rtires, deamar o an$o ainda mesmo encarnado no alei$o.

' Esse me ama realmente, a mim, e no à sua &antasia- ' murmurou a moça com triste"a.

 *o dia se#uinte, depois de uma noite de ins>nia, preparou'se para receber 1or%cio e submet'lo à prova. + atos conservava um par das anti#as botinas de 0aura, o !ual lhe &ora paramodelo. andou Amélia busc%'lo e encheu'o de al#odo para acomodar nessa enormidade o

seu mimoso pe"inho.+ bordado do bastidor &oi expressamente inventado. ;rocurando uma letra para indicar a

 pessoa a !uem destinava o pretendido presente, insensivelmente traçou um 0. Era a inicial de0aura, !ue lhe acudira à mente ou era a lembrança de 0eopoldo, !ue lhe esvoaçava ainda naima#inaço( 9oi uma e outra coisa. 3erviu'se do pretexto da ami#a para evocar o nome dohomem, !ue to pro&undamente a amava.

Depois da cena !ue teve lu#ar na tarde do $antar, Amélia arrependeu'se. Receava ter'seexcedido bastava'lhe matar a iluso do mancebo, no devia ter excitado o horror. as o a&etode 0eopoldo a tornara exi#ente ela !ueria ser amada por 1or%cio da mesma &orma, com

a!uela sublime abne#aço.

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Durante al#uns dias, alimentou a esperança de conservar a a&eiço do noivo, e re#o"i$ava'secom a idéia da surpresa !ue lhe #uardava.

A ausncia do leo a &oi desen#anando de dia em dia. ?ravou'se ento uma luta em seuesp7rito. Devia es!uecer o homem !ue no amava nela seno uma &antasia(

+ tom de 1or%cio na 6ltima noite a irritou. 3eu amor'próprio indi#nou'se com o menoscabodo moço, e s6bita revelaço de sua alma lhe advertiu !ue esse casamento causaria suades#raça.

 *o dia se#uinte ao do rompimento, Amélia &oi, como havia dito na véspera, à casa de D.Clementina. Era a primeira ve" !ue tornava a ver 0eopoldo depois do baile.

Estiveram $untos al#uns momentos. Como de costume 0eopoldo &alou, e a moça embebeu'seda!uelas palavras apaixonadas como de um e&l6vio suave.

Em um momento de pausa, disse Amélia)

' + senhor passou por nossa casa na terça'&eira(

' / verdade. ;or !ue per#unta(

' Eu estava no $ardim. 2i'o !uando passava cuidei !ue ia entrar.

' *o me animava.

' ;or !u(... ame $% lhe o&ereceu nossa casa.

' ?enho receio de ser importuno.

' ;ouco sa7mos a#ora à exceço das noites !ue passamos a!ui, estamos sempre sós mamelendo e eu tocando ou &a"endo al#um trabalho de l.

' E nin#uém mais( ' per#untou 0eopoldo, &itando na moça um olhar interro#ador.

' *in#uém- ' respondeu Amélia em tom #rave.

0eopoldo &icou suspenso, buscando compreender o pensamento da moça. Era m%#oa do bem perdido, ou temor do mal &rustrado, !ue assim lhe anuviara a &isionomia(

as o sorriso pra"enteiro iluminou o semblante da moça)

' 3abe( *a!uela noite do baile, me contaram uma história muito interessante, disse ela.

' *o se pode saber(

' + senhor pode. 9oi a história de um sorriso, disse Amélia sublinhando a palavra com um#esto &aceiro.

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' Quem lhe contou( 9oi ele(

' 9oi o senhor.

' Eu(

' + senhor mesmo. :% no se lembra(

' Quer #race$ar(

' + senhor estava no $ardim conversando com seu ami#o, e eu na $anela do toucador.

0eopoldo adivinhou.

' Ento ouviu tudo(

' ?udo-...

' E... perdoou'me(

' *o no tinha de !u, mas...

E seus belos olhos l7mpidos repousaram no semblante do moço.

' as compreendi-

 *esse momento D. 0eonor chamou Amélia.

  N<N

Quando recobrou'se da surpresa em !ue tinha &icado, 1or%cio no achou em si mais do !ue odese$o veemente e irresist7vel de possuir o 7dolo por tanto tempo sonhado.

' 3ero meus- ' murmurou consi#o. 3ero meus a todo preço. 3e &or necess%rio um esc5ndalo,no hesitarei. as Amélia no deve ter'se es!uecido de mim $% to depressa ela me tinhaa&eiço. 2ou pedir'lhe perdo de meu en#ano. 3u$eitar'me'ei a todas as condiç4es. Quesacri&7cios so bastantes para pa#ar a &elicidade de bei$ar a!ueles dois mimos da nature"a-

<nstintivamente 1or%cio se#uiu na direço da casa do 3ales, com intenço de restabelecer asrelaç4es interrompidas. *o sabia ele de !ue modo se houvesse em tal empenho &iava dainspiraço do momento.

:% no estava o ne#ociante no escritório nesse dia se retirara mais cedo.

alo#rada sua esperança, o leo &oi caminhando pela Rua Direita sem direço, como !uemno sabe o !ue &a"er. + instinto !ue no deserto #uia o rei dos animais à sebe odor7&era onderetouçam as #a"elas, o condu"ia naturalmente para a Rua do +uvidor.

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?inha che#ado à es!uina, !uando passou de&ronte um moço, !ue se#uiu pela calçada Carceler.1or%cio acompanhou'o com a vista, !uerendo nele reconhecer seu ami#o 0eopoldo !ue haviacerca de um ms no vira.

3e com e&eito o moço era 0eopoldo, tinha ele so&rido #rande trans&ormaço. Em ve" do rapa"descuidado no seu tra$e, brusco em suas maneiras, sempre de cabelos arrepiados e barba

revolta, aparecia um cavalheiro de boa presença, com a sóbria ele#5ncia !ue to bem assentanos homens sisudos. Essa espécie de ele#5ncia é apenas um li#eiro per&ume, e no umaincrustaço como a !ue usam os moços à moda.

Com seu &ino tato e lon#a experincia, 1or%cio, reconhecendo o ami#o, adivinhou o se#redoda!uela s6bita metamor&ose. Ele sabia !ue só h% um condo capa" de produ"ir tais encantos) éo olhar da mulher amada e amante.

Ame al#uém e no saiba se é retribu7do. ?oda sua existncia se pro$eta nesse impulso dalma,!ue se arro$a para outro ser e anseia por nele in&undir'se. 2ive'se &ora de si mesmo, alheio aseu próprio eu como o pere#rino perdido lon#e da p%tria, o homem exilado de sua pessoa erra

no espaço, em demanda de um abri#o.

Desde, porém, !ue o homem tem certe"a de ser amado, em ve" de expandir'se, recolhe'se econcentra'se para saturar'se de &elicidade. :% no se alheia e es!uece de si ao contr%rio, sente'se elevado acima do !ue era respeita em sua pessoa o homem amado.

 *essa ocasio é natural a cada um observar'se constantemente e $ul#ar de si com extremaseveridade. 3ur#em aspiraç4es estranhas o &raco lembra'se de ser um herói o &ilóso&o inve$aa bele"a do cas!uilho o esp7rito positivo habituado a voar terra a terra bate o coto das asas

 para remontar'se ao ideal da poesia.

 *o é só no homem !ue se opera essa metamor&ose) mas em toda a nature"a. Quando searreiam os p%ssaros de sua mais bela pluma#em, !uando #or$eiam as melodias mais

 brilhantes, se no é na !uadra dos amores(

2endo 0eopoldo parado na calçada Carceler, 1or%cio diri#iu'se com dis&arce para a!uela parte, com intenço de travar conversa e esclarecer de todo em todo o mistério. 9oi trabalho perdido o moço acabava de saltar em um t7lburi, !ue rodava $% pela ;raça de ;edro <<.

Desapontado, voltou 1or%cio sobre os passos.

' Amélia o ama-... +u pelo menos ele o acredita-3orriu'se o leo.

' Que &en>meno curioso produ" o despeito na mulher- / uma semelhança da lu" re&lexa.<rritado pela decepço, humilhado em sua vaidade, o amor da mulher desdenhada re&ran#ecomo o raio do sol repelido por corpo brilhante e vai impre#nar'se em outro homem. Elacuida sentir por esse plasto uma paixo ardente, !ue nada mais é do !ue o 7mpeto de seudespeito. 3eria capa" de conceder a esse comparsa o !ue recusaria à a&eiço mais terna eextremosa. + assomo do ci6me, sup4e ela ser veemncia da a&eiço, e con&unde com osextremos de amor o del7rio da vin#ança. Amélia est% passando por esta crise naturalmente.

0eopoldo &oi o plasto ela o ama com todo o &uror do ódio !ue me tem.

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+utro sorriso &risou o l%bio do leo.

' Ela me odeia- +ra-... + ódio o !ue é seno a e&ervescncia do amor( + a&eto suave e terno écomo o moscatel de 3et6bal ou o vinho de Constança. + amor &ero e irado é como ochampanhe !ue &erve e espuma.

Che#ando à casa, 1or%cio escreveu a Amélia uma carta, !ue apenas continha estas palavras)

MDeve estar satis&eita, pois me tem de novo a seus pés, e desta ve" humilde e suplicante. Amelhor coroa do triun&o é o perdo.M

3aindo o leo a espairecer, diri#iu os passos para a casa do 3ales esperava encontrar al#umcriado !ue se incumbisse de entre#ar a carta.

Quem sabe( ?alve" nessa mesma ocasio se decidisse de sua sorte. A moça lhe permitiria&alar'lhe.

Era noite &echada o céu, carre#ado de nuvens, anunciava próxima borrasca. A &rente da casado ne#ociante estava às escuras contudo !uem observasse bem, perceberia a coar'se pelosinterst7cios das $anelas um tnue re&lexo de lu" interior. *o porto da ch%cara a meio cerrado,nin#uém aparecia.

+ leo penetrou no $ardim. *esse momento um carro parou à porta da casa) trs pessoassa7ram dele. Em um 1or%cio viu, estremecendo, roupas de sacerdote. 3ó ento re&letiu o moçono aspecto soturno do edi&7cio. <n!uieto, sobressaltado, adiantou'se pelo $ardim na esperançade encontrar pessoa a !uem interro#asse.

As $anelas laterais estavam esclarecidas e pelo $o#o das sombras no !uadro iluminado,conheceu o moço !ue reinava no interior al#uma a#itaço.

Que &a"er( Apresentar'se na casa, depois do !ue passara, e antes de !ual!uer explicaço. noera ra"o%vel.

A dois passos &icava uma &rondosa man#ueira, em cu$os #alhos tinham &abricado uma espéciede belveder ou caramancho. Condu"ia ao alto uma escadinha de caracol cin#indo o tronco da%rvore.

;or acaso avistou o leo a man#ueira, e subindo sem hesitar, achou'se $ustamente &ronteiro às $anelas iluminadas. Em princ7pio a claridade s6bita o&uscou'lhe a vista, e no p>de eledistin#uir o !ue se passava no interior.

as a&inal o deslumbramento dos olhos cedeu ao deslumbramento dalma.Ele via, e duvidava.

@m altar er#uido, c7rios acesos, o sacerdote o&iciando, Amélia e 0eopoldo de $oelhos, ao lado3ales, D. 0eonor, e dois ami#os !ue serviam de testemunhas) eis o !uadro !ue se o&ereceu aosolhos de 1or%cio. ?inha visto na comédia da vida muitos lances dram%ticos, mas nenhum toimprevisto e curioso.

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A surpresa do leo provinha de um en#ano seu. Ele acreditava !ue Amélia o tinha amado,!uando a moça no sentira por ele mais do !ue o desvanecimento de ver cativo de seusencantos o rei da moda, o &eli" con!uistador dos sal4es.

Quem Amélia amou desde o princ7pio, &oi 0eopoldo. A vaidade, o #alanteio !ue se nutre de brilhantes &utilidades, a sedu"iam por momentos, e rendiam ao capricho de 1or%cio. as

 passado esse enlevo, sua alma sentia a atraço irresist7vel !ue a impelia para o seu pólo.

Disso !ue durante dois meses passava na vida 7ntima da moça, ela própria no se apercebia&oi depois da cena do baile, !ue ela entrou em si, e compreendeu as sublevaç4es rec>nditas desua alma, e o drama !ue a7 se a#itava desde muito.

0eopoldo começara a &re!8entar a casa de 3ales poucos dias depois da partida de D.Clementina. As duas almas, por tanto tempo separadas, só esperavam o momento de seunirem ou antes de se entranharem uma na outra. Ls tardes, no $ardim, entre cortinas de&lores, elas celebravam esse m7stico himeneu do amor, 6nico eterno e indissol6vel, por!ue se&a" no seio do Criador.

;elo voto de todos se apressou o dia do casamento, !ue os noivos exi#iram se &i"esseinteiramente à capucha, e sem prévia participaço. A ra"o desse empenho, só Amélia a sabiae nunca a disse. Eram escr6pulo de seu pudor) depois do !ue tinha acontecido, no !ueria !uelhe dessem outra ve" o t7tulo de noiva.

?erminada a cerim>nia, e &eitas as &elicitaç4es do costume, correram os minutos em a#rad%velconversaço.

Eram on"e horas, !uando 0eopoldo entrou no toucador em !ue sua noiva o esperava. 3entadaem uma conversadeira, Amélia sorriu para seu marido porém através das lar#as dobras doroupo de cambraia, percebia'se o tremor involunt%rio !ue a#itava seu lindo talhe.

' / meu presente- ' disse ela com timide".

E apresentou ao noivo um ob$eto envolto em papel de seda, atado com &ita a"ul.

Abrindo, achou 0eopoldo dois mimosos pantu&os de cetim branco, os mesmos !ue Améliacomeçara a bordar no dia se#uinte ao baile.

+ moço enleado, no compreendia. <nsensivelmente seu olhar desceu à &7mbria do roupo.

3obre a almo&ada de veludo e entre os &olhos da cambraia, apareciam as unhas rosadas de dois pe"inhos divinos.

@ma onda de rubor derramou'se pelo semblante da moça, cu$os l%bios balbuciaram uma palavra.

' Calce-

0eopoldo a$oelhou aos pés da noiva.

+ temporal, desabando nesse momento, bateu com violncia nos vidros da $anela, !ue &echou'

se.

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1or%cio desceu do seu observatório, e escalando a #rade de &erro do $ardim, #anhou a casa,onde che#ou todo ala#ado. En!uanto &iloso&icamente esperava !ue seu criado lhe preparasseuma x7cara de ca&é, abriu um livro, !ue acertou ser 0a 9ontaine.

0eu ao acaso) era a &%bula do leo amoroso.

' / verdade- ' murmurou soltando uma &umaça de charuto. + leo deixou !ue lhe cerceassemas #arras &oi esma#ado pela pata da #a"ela.

 *.=.' Escrevo t7lburi, champanhe, etc. por!ue entendo !ue devemos imprimir certo cunho portu#us nas palavras estran#eiras adotadas pelo uso. Assim &i"eram nossos antepassados,

escrevendo trumó, trenó, bu&ete e tantas outras palavras de ori#em &rancesa.

VVV