Algarve Ir ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoEdição fotográfica Nelson Garrido Directora...
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Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
AlgarveIr ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoAlvorCaminhar entre as duas e a ria
BrasilEstá de volta o hotel mais chique de Salvador
FUGAS | Público N.º 9963Sábado 29 Julho 2017
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2 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Semana de lazer
A pé ou entre bólides, de comboio ou avião, passe os dias em passeios com história(s). Sílvia Pereira
Torreões no bolsoFeiras medievais há muitas. Dentro de muralhas desses tempos, poucas. Acrescente-se à equação a nomeação recente de Óbidos como um dos melhores destinos medievais da Europa (pela European Best Destinations) e está montado o cenário perfeito para viajar no tempo – e, de caminho, pensar no que é Ser Mulher na Idade Média, o tema deste ano. O Mercado Medieval envolve jograis, artesãos, taberneiros, cuspidores de fogo, bobos, cavaleiros e centenas de figurantes e actores. E também envolve o visitante, que é convidado a vestir-se a rigor (quem for trajado à época tem desconto no bilhete; quem não tiver roupagens pode alugá-las na Casa do Pelourinho por 5€) e a trocar o euro pelo torreão, a moeda que vale neste mercado. Para uma experiência ainda mais realista, basta reservar lugar, à sexta ou sábado, num serão de torneio e jantar.
ÓBIDOSAté 6 de Agosto. Quinta e sexta, das 17h à 1h; sábado, das 10h às 1h; domingo, das 10h às 24h. Bilhetes a 7€ (c/descontos); Grátis até 11 anos. Serão medieval (torneio e jantar): 38€; 15€ dos 3 aos 11 anos
O Mundo ao Contrário
A vila de Paredes de Coura enche-se de novo circo, animação de rua, instalações, oficinas e residências artísticas que têm como objectivo levar toda a família a entrar num universo de fantasia que quer contrariar a rotina através uma rota de
criatividade, humor e absurdo. Quem passar pela quarta edição
d’O Mundo ao Contrário arrisca-se a encontrar os malabarismos e paródias de Nino Costrini, o humor poético d’O Grande Embrulho do alemão Thorsten Grütjen (com o saxofonista Gil Abrantes), as
palhaçadas de Diogo Duro, a mímica de René Bazinet (que tem no currículo
o Cirque du Soleil), as excentricidades de Ale Risorio, as marionetas da Mandrágora, as improvisações (em várias posições) de Elastic e as trapalhadas do clown Fausto Giori. São apenas alguns dos muitos artistas participantes — ou, nas palavras da organização, “promotores de sonhos”.
PAREDES DE COURA Vários locaisAté 30 de Julho.Grátis
Na linha do tempo
As carruagens foram fabricadas nos anos 1940. Circularam em Portugal entre 1949 e 1977. Neste Verão, voltam a estar em movimento na Linha do Douro. Foram restauradas e andam a fazer aquele que é considerado um dos trajectos ferroviários mais belos do país. Puxada por uma locomotiva ligeiramente mais jovem (dos anos 1960), a composição MiraDouro parte todos os dias da estação de São Bento em direcção ao Tua, com paragens na Régua e no Pinhão. Tal como há 60 anos, o serviço da CP não dispõe de ar condicionado. Faz parte do charme. Mas com a paisagem que o passageiro tem pela frente, a do Douro vinhateiro (Património da Humanidade), certamente poucas janelas ficarão por abrir.
PORTO São Bento - TuaAté 30 de Setembro. Todos os dias, às 9h25 (regresso às 16h34).Bilhetes a 11,60€ (percurso completo)
Mais sugestões em lazer.publico.pt
anos. Serão medieval (torneio e jantar):38€; 15€ dos 3 aos 11 anos
PAREDES DE COURA Vários locaisAté 30 de Julho.Grátis
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 3
Caretos de pára-quedas
Bragança está de olhos postos no céu. Vem aí o Fly-in Careto Air Show. Traz aviões, acrobacias, balões, aeromodelismo, competições e pára-quedistas muito especiais. Promovido pelo Aero Clube de Bragança e pela autarquia, o festival começa na noite de sexta-feira com subidas estáticas de balões de ar quente junto ao castelo. No sábado de manhã, já no aeródromo, é feita a recepção às aeronaves que à tarde farão manobras acrobáticas e de onde se lançarão, em ligação directa às tradições da região, pára-quedistas trajados ao modo dos carnavalescos caretos. Em terra, o programa passa por exposições, simuladores, actividades para crianças e, à noite, animação de rua, música e um espectáculo de video mapping. Mas o público não tem de ficar a ver tudo do chão. Domingo abrem os baptismos de voo. Os mais destemidos podem seguir o exemplo de Sá Ferreirinha, o octogenário que vai cumprir o sonho de saltar pela primeira vez de pára-quedas.
BRAGANÇACidade e Aeródromo MunicipalDe 4 a 6 de Agosto.Grátis
Lagos entre sonhos e segredosEm Agosto, Lagos é mostrada como A Cidade dos Sonhos e dos Segredos. Uma série de passeios culturais promovidos pela autarquia convida a calcorrear as ruas à descoberta de marcos históricos que tanto lembram a importância estratégica e militar da cidade — por exemplo, enquanto escala do exército enviado por D. João I à conquista de Ceuta em 1415 — como revelam cantarias manuelinas no centro, sem deixar de visitar a Capela dos Ossos da Igreja de São Sebastião.
LAGOS Vários locaisDias 1, 10, 16, 22 e 29 de Agosto, às 10h (A Arte do Sagrado); dias 1 e 16 de Agosto, às 10h (A Arte da Guerra); dias 1 e 2 de Agosto, às 21h30 (A Arte da Pedra).Grátis mediante inscrição até dois dias antes da visita, através do email [email protected]
Ferraris no Caramulo
Destino de eleição para os apreciadores de automóveis clássicos, o Museu do Caramulo tem novo chamariz: está recheado de Ferraris. Apresentada como a maior exposição da marca italiana alguma vez realizada em Portugal, Ferrari: 70 Anos de Paixão Motorizada abriu a 8 de Julho e na primeira semana bateu recordes de visitas. São exibidos exemplares raros e históricos da casa de Maranello, de um veterano 195 Inter de 1951 a um raríssimo 500 Mondial de 1955, passando pelo elegante 250 Lusso ou pelos emblemáticos 275 GTB Competizione, Dino 246 GT, F40 e Testarossa.
TONDELA Museu do CaramuloAté 29 de Outubro. Todos os dias, das 10h às 13h e das 14h às 18h (horário de Verão).Bilhetes a 7€ (adultos); 3€ (crianças dos seis aos 12 anos); Grátis para crianças até seis anos
Corrupção em ruínas
As ruínas do Convento do Carmo, no espaço ao ar livre do Museu Arqueológico do Carmo, transformam-se no cenário de uma farsa escrita no final do século XIX mas com traços de actualidade no enredo. Política, poder e corrupção são os temas de Rei Ubu, uma caricatura teatral do dramaturgo francês Alfred Jarry que foi levada à cena pela primeira vez em 1896, em Paris. Nesta produção do Teatro do Bairro, encenada por António Pires e baseada na versão de Alexandre O’Neill e Luís de Lima, 15 actores dão vida à história do homem que se torna rei e rapidamente se assume como um tirano cruel, maldoso e catastrófico. Mas as suas acções são tão cobardes, caprichosas e delirantes que acabam por lhe conferir um carácter ridículo — e, por isso, cómico.
LISBOA Museu Arqueológico do Carmo.De 3 a 20 de Agosto. Terça a domingo, às 21h30.Bilhetes a 16€
FUGAS N.º 894 Foto de capa: Mário Lopes Pereira FICHA TÉCNICA Di rec ção David Dinis Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima
e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto.
Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt. fugas.publico.pt
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Algarve
Os mercados algarvios são espaços de encontro: entre produtores e fregueses, entre o mundo rural e o mundo urbano, entre um tempo que já passou e aquele que teima em esquecê-lo. Haverá poucos sítios onde a serra esteja mais próxima do mar. Francisca Gorjão Henriques (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)
E já que temos de ir às co m
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Vila Real de Santo António“Deus te alevede, São João te acrescente”
Quando chegamos a Pisa Barro de
Cima (Castro Marim), Frederico
está atarefado a varrer o forno. A
mãe, Nélia Pedro, também não tem
mãos a medir. Está a preparar o pão
para levar para a feira de artesana-
to em Vila Real de Santo António.
Pão e costas (pãezinhos pequenos
e rectangulares que podem levar
chouriço, torresmos ou canela e
erva doce).
Há dois fornos, um dentro da pa-
daria, outro fora — e é este que está
na família há 200 anos. Quer num,
quer no outro, só ali entra lenha de
esteva. “É a melhor para fazer pão,
a mais saborosa.” Coloca-se a lenha,
deixa-se arder durante mais de uma
hora. Depois recolhe-se, limpa-se
tudo, “e mete-se todo branquinho
para podermos pôr o pão”.
Na sala ao lado, a televisão mos-
tra uma das provas da Volta a Fran-
ça. Frederico junta os torresmos à
massa, faz uma pequena bola e pe-
sa na balança digital: 200 gramas.
Depois, faz um rolo espalmado e
coloca em cima de uma tábua de
madeira comprida. Há uma penei-
ra para quando se acaba o serviço
aproveitar a farinha que fi cou lim-
pa. A mãe começa agora a fazer as
costas de chouriço de porco preto,
alentejano (“os torresmos vou bus-
car a Monchique”). É generosa na
quantidade de rodelas.
Pisa Barro fi ca no barrocal, no
meio de amendoeiras, alfarrobei-
ras, oliveiras. Nélia Pedro nasceu
aqui, há 58 anos. Passou uns tempos
na Suíça, trabalhando numa fábri-
ca de fazer meias. É difícil imaginar
o salto, quando tudo o que há por
aqui é silêncio e cheiro a pão.
Se formos ao Mercado Munici-
pal de Vila Real de Santo António,
um edifício amplo, com telhado
de zinco, ela lá estará a vender
fl ores e frutos secos — “havia mui-
ta amêndoa, mas começou a ter
pouco valor e as pessoas deixa-
ram de apanhar”, diz. “Eu ainda
tenho, mas já não há quem parta.”
Nélia Pedro também não tem
tempo para isso. Até fi nal de Agos-
to, faz pão todas as segundas, ter-
ças, quintas e sextas-feiras (no res-
to do ano é às segundas, quartas e
sextas), que vende por encomenda
no mercado. Podemos encontrá-la
também na feira de artesanato que
todas as quintas-feiras se faz na
Praça Marquês de Pombal. Assim
que monta a banca, às sete da
tarde, a fi la cresce como nenhu-
ma outra. Há quem venda doces
regionais (mesmo ao lado
de Nélia), cestos de cana
(“são feitos por mim, só
para passar o tempo e
não estar olhando
a televisão e
cismando na
minha vida”,
diz Florinda
Custódio), mel, colares
e pulseiras...
Mas voltemos a Pisa
Barro porque são qua-
tro da tarde e o pão
ainda não está pronto.
Aqui chama-se cres-
cente à massa-mãe. É
a esta que no dia seguinte se junta
a farinha, água e sal “e um boca-
dinho poucochinho de fermento
de padeiro”. E benze-se: “Deus te
alevede, São João te acrescente”.
Fica a levedar uma hora, no Verão,
duas no Inverno, tapado com uma
manta. Depois tende-se, coloca-se
nos tabuleiros de madeira, tapado
em lençóis brancos e cober-
tores: “é o tendal”. O pão
de um quilo fi ca a cozer
durante 1h20; cabem 40
numa fornada.
Nélia faz uma peque-
na dobra na bola de
massa para lhe fa-
zer a “cabeça”,
antes de a colocar
na pá de madeira
que a levará para
o fundo do forno
e que o marido,
Manuel, segura
com fi rmeza. Todos
os gestos estão bem
treinados. Fazer
pão é tarefa para
os ocupar aos três,
e “a lenha quem me-
te são os homens”.
o mpras...
Depois de colocado no forno, faz-
se uma cruz na porta: “Jesus, que
é o santo nome de Jesus, Deus te
acrescente no forno, como a graça
de Deus no mundo todo. Já a minha
avó dizia assim, mas nem todas as
pessoas dizem da mesma maneira.”
TaviraA bruxa da Andaluzia
A fi la vai-se formando na Laranja do
João. A loja fi ca colada ao Mercado
Municipal de Tavira e está forrada
a quadros de ardósia a anunciar
as múltiplas variedades de sumos
naturais. Manga, papaia e moran-
go (copo 2€, garrafa de meio litro
3,20€), abacaxi, uva, toranja e kiwi
(1,50€/2,60€), ou simplesmente la-
ranja (copo 1€, um litro 2,50€) — a
lista continua, com outras medidas
para copos e garrafas e outras com-
binações. A todos os sumos pode-se
misturar hortelã, gengibre e aipo.
Estão cinco pessoas atarefadas,
colocando a fruta nas máquinas ou
descascando-a. João Sotero está a
receber os pedidos. Há dias em que
são precisas 15 caixas (cada uma tem
15 quilos) para responder à
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procura. “Estou ainda a fazer a la-
ranja de Inverno”, explica. “Como
está na parte fi nal do ciclo é mais
doce. Mas já está a acabar.” Tem dez
hectares em Santo Estêvão só com
laranjas e não há nada como a la-
ranja algarvia, assegura. “As laranjas
são boas porque os algarvios são boa
gente.” Tem a variedade lanelate, a
tal que se dá no Inverno, e a valen-
cialate, que está boa no Verão. “Há
laranja o ano todo.”
Vende fruta também: melancia,
melão, framboesas, mangas de Ta-
vira... “Mas o meu negócio é sumos.
Vou bebendo e experimentando.
Agora é a melancia, com beterraba
e gengibre.”
Não há tanta variedade na ban-
ca de Maria Antónia. Desde 2000,
quando o novo Mercado Municipal
de Tavira abriu, que tem ali uma aju-
da à sua reforma, mas nesta sexta-
feira de manhã o movimento não
é grande.
Tem um terreno ao pé de Santa
Catarina — “Estive sempre ligada ao
campo, mas era a parte do sequei-
ro. Agora ainda tenho um pouco de
fi go.” Vem Agosto e Maria Antónia
começa a secar fi gos na varanda.
“Antigamente era com esteiras de
palha de centeio, agora já não há
nada disso.” Usa cartões “limpos”
ou caixas de plástico.
Garante que tudo o que tem à ven-
da é produção sua: tomate, tomate
cereja, pepino, laranja, cebola, ba-
tata... Nesta altura o que sai mais
é o feijão-verde, porque “há pouca
quantidade nesta zona, por causa
do calor”. “Não compensa é a pes-
soa estar aqui. O pessoal vem com
os tostões contados para os hotéis.
Não dá para viver, só com a ajuda
da reforma. Se fosse só disto já tinha
morrido de fome.” Acrescentava al-
gum nos mercados e feirinhas de ar-
tesanato, “mas a saúde já não quer”.
“É só para ir vivendo e convivendo
um pouco.”
Vivendo é a palavra de ordem da
ERVASUL. Num dos extremos do
mercado, Maria del Mar ocupa três
bancas, onde tem as suas ervas e
especiarias. Raiz de curcuma, chi-
Algarve
Mercado artesanal (só às quintas-feiras)Praça Marquês de PombalVila Real de Santo António
Mercado Municipal de Vila Real de Santo António Rua Doutor Raúl Folque e BritoVila Real de Santo António
Mercado Municipal de TaviraAvenida Dom Manuel ITaviraDe 15 de junho a 15 de Setembro: das 6h30 às 15h
Mercado de Olhão (diário)Av. 5 De OutubroOlhão
i
Mercado de Loulé R. José Fernandes Guerreiro 34Loulé
Mercado Reforma Agrária, Lagos (sábados)Rua Mercado de LevanteLagos
Mercado Municipal de AljezurR. 25 de AbrilAljezur
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to, uma mistura de chá com manje-
rona, passifl ora, hipericão, fl or de
laranjeira, melissa, valeriana...” As
doses é que fi cam em segredo.
O que tem mais saída é uma mis-
tura para emagrecer, com algas,
cavalinha, bétula “e muito mais!”.
“Tenho as minhas doses, os meus
tratamentos e as minhas misturas.”
Houve até quem já lhe chamasse “a
bruxa da Andaluzia”.
Olhão“Eu sou mais peixeira que ela”
“Eu sou mais peixeira que ela”, ouvi-
mos gritar repetidamente. Estamos a
conversar com Tânia Lopes porque,
com 29 anos, é ela a mais nova do
Mercado de Olhão — pelo menos, do
lado onde se vende o peixe. Piercing
na sobrancelha e outro debaixo do
lábio, cabelo aos caracóis, compri-
do, conta com alguma timidez que
veio aqui parar há três anos, quando
estava desempregada, por con-
michurri argentino, preparado de
barbacoa, canela de Madagáscar,
mate, bagas de zimbro, ajil doce ar-
gentino... Há várias misturas para
depressão, acne juvenil, infl amação
do fígado, diabetes, faringite, laxan-
te, lombrigas, bronquite, pedras nos
rins, dores musculares... Há também
gomas e rebuçados artesanais.
A andaluza Maria del Mar dedi-
cou-se às ervas medicinais toda
a sua vida de 40 anos. “Já vai na
quinta geração”, garante. “Somos
oito irmãos e todos vivemos disto.
O meu pai é curandeiro. É Antonio
Tribaldos Carrasco, muito conheci-
do em toda a Espanha porque cura
muita gente”, diz num sotaque car-
regado (só vive em Portugal há três
anos, desde que se casou com um
português).
“Todos os medicamentos são fei-
tos de plantas medicinais, antiga-
mente toda a gente usava para ali-
viar as doenças”, afi rma. “Faço tra-
tamento para nervos, depressões,
insónias, esgotamento, enxaquecas:
é um pacote que serve para tudo is-
Maria Antónia produz tudo o que vende na sua banca em Tavira. Em baixo, Tânia Lopes, a peixeira mais nova do mercado de Olhão
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selho da sogra e da cunhada. Antes
não distinguia uma sardinha de um
carapau, agora diz que não quer ou-
tra vida.
Pouco depois das seis da manhã já
está na praça, e aos sábados chega
uma hora mais cedo. Mas não é isto
que torna o seu trabalho mais difícil.
“Muita gente parece que tem nojo
de nós. ‘Ai, cheira mal’. Agarram nos
sacos com nojo. Não tenho vergonha
nenhuma. Vergonha é fi car em casa
a passar fome.”
“Eu sou mais peixeira que ela”, gri-
tam novamente por trás de uma ban-
cada. Aproxima-se Vítor, o ex-fi scal
do mercado, que confi rma: “Aquela é
que é a mais regateira.” Tânia Lopes
ri-se e apresenta-nos a Cláudia Lou-
renço, que tem apenas mais um ano
que ela. “Somos as duas caçulas”, di-
zem. “Eu sou de certeza a mais pe-
quenina” — Cláudia não terá muito
mais que um metro e meio, mas sabe
fazer-se ouvir como ninguém por ali.
Sim, ela é que é a mais peixeira da
praça, confi rma orgulhosamente.
“Sou peixeira de coração há mais
de nove anos.” Sempre foi esta a vi-
da que ambicionou. “Gosto do mar
e de ir à maré.” Ou seja, de apanhar
conquilhas, amêijoas e lingueirão,
que há com abundância na ria For-
mosa, mesmo por trás do mercado.
“As melhores alturas [de venda]
são o Verão, a Páscoa e o Natal”, diz
Cláudia Lourenço. Mas a patroa da
Peixaria Menau (tem até uma t-shirt cor-de-rosa com o nome da banca) é
das poucas que paga salário ao mês
e não ao dia, durante o ano inteiro,
diz. “O peixe vem todo de Quarteira
e de Olhão, mas fazemos entregas no
Alentejo.” Mostra os chocos da ria, as
gambas da costa. Faz a festa, como
uma criança a falar de guloseimas.
O dinheiro chegou a Olhão na pri-
meira metade do século XX, quando
se instalaram ali as fábricas de con-
serva de peixe. A primeira, a francesa
Delory, apareceu em 1892, mas nos
anos seguintes a indústria cresceu
aceleradamente. Foi sol de pouca
dura. Os congelados contribuíram
para a crise das conserveiras e agora
já muito pouco resta dessa herança.
O mercado, começado a construir
em 1912, fi cou como uma lembrança
desses tempos mais afortunados. São
dois corpos avermelhados de tijolo,
ferro e vidro, cada um com quatro
torreões.
Num lado vende-se o peixe, no ou-
tro, as frutas e legumes. Passamos
para esta zona. Logo à direita está
Felismina, cheia de doces e biscoi-
tos da marca Vitalina — o nome da
sua fi lha. “Trabalhei em França, nas
limpezas e numa fábrica, trabalhei
nas salinas, mas há 30 anos que es-
tou aqui.” Nenhum dos legumes ou
frutas que vende vem da sua horta.
“Em vida do meu marido semeáva-
mos isso tudo, agora estou velha para
Algarve
O mercado de Olhão começou a ser construído em 1912. Em cima, Felismina, que vende os produtos embalados pela filha
trabalhar na terra.” Só os fi gos é que
são de uma árvore que tem ao lado
de casa.
Em várias bancas há mel, amêndo-
as, castanhas piladas, sacos de milho
para o xerém. Conceição (não quer
apelidos nem fotografi as) dá a recei-
ta: “O xerém é todo igual: água, sal e
azeite, pôr ao fogo até fi car cozido. No
fi m deita-se conquilhas, amêijoas ou
camarão. Não tem segredo nenhum.”
É quinta-feira e o movimento não
é muito, apesar de os turistas já te-
rem invadido a cidade. Como em
tantos outros mercados algarvios, o
melhor dia para fazer as compras é
ao sábado. Juntam-se produtores da
região, com aquilo que cultivam nos
seus terrenos, e o passeio à volta da
praça fi ca apinhado.
LouléHavia bailes, cinema, teatro e comícios
“Há uma história por trás desta his-
tória”, ou seja, por trás do Mercado
Municipal de Loulé, afi rma Luísa
Martins, que trabalha na Câmara
Municipal da cidade e desenvolve in-
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casas junto à muralha e vai surgir a
praça de fora (que é no fi nal da Praça
da República, mas que não é praça,
é uma rua, só que o nome fi cou).”
Mercados variados vão proliferan-
do em pontos diferentes da vila (que
entretanto já é cidade), consoante
o tipo de produtos: ora das loiças,
ora do peixe, ora dos legumes. “Em
1898 começam as discussões sobre
a necessidade de haver uma praça
onde os mercados da vila se con-
centrassem”, adianta Luísa Martins.
“Como com tudo em Loulé, a discus-
são prolongou-se e foi acentuada.”
Ninguém se entendia quanto ao lo-
cal onde deveria fi car o mercado e
chegou a falar-se em construir dois
edifícios distintos, um para o peixe,
outro para as verduras, em dois lo-
cais diferentes. “Finalmente houve
uma crise fi nanceira e chegaram à
conclusão que tinham mesmo de
fazer apenas um mercado. Mas isso
não impediu que surgissem vários
projectos.”
Num painel colocado no merca-
do podemos ver alguns exemplos,
incluindo o projecto inicial do arqui-
tecto Alfredo Costa Campos, que foi
a proposta aprovada, em 1903, mas
que se baseou noutra de 1898. Do pri-
meiro projecto fi cou o alçado da por-
ta principal, a norte. “A parte sul do
mercado não fi cou fechada durante
muitas décadas. Tudo isto era a céu
aberto e aqui se vendia o peixe”, tal
como agora.
O mercado instalou-se numa zo-
na de ruas estreitas, que seria de um
bairro islâmico e perto da judiaria.
Indo à porta nascente, olhamos para
uma casa em obras e vemos uma par-
te da antiga muralha. “Partiu-se um
bairro e foram encontrados muitos
vestígios arqueológicos islâmicos”,
mas também de “antigas residências
da judiaria”. As obras começaram em
1905 e levaram três anos, com uma
linha arquitectónica semelhante aos
mercados de Tavira (o antigo, que
agora só tem lojas e restaurantes) e
de Olhão, com muito ferro e reviva-
lismo árabe.
Todos os sábados de manhã, as ru-
as que circundam o mercado fi cam
cheias de pequenos agricultores que
vêm de todo o concelo para vender
os seus produtos. É fácil imaginar o
tempo em que este era o ponto ne-
vrálgico de Loulé. “Havia aqui bailes,
cinema, teatro. Faziam-se comícios.
Aqui apareciam os cauteleiros, o po-
eta António Aleixo a contar as suas
quadras... A praça era acima de tudo
um ponto de encontro da gente do
campo com a gente da vila. Não era
apenas [um local] de compra e ven-
da”, continua a historiadora. “De ma-
nhã, as pessoas que vinham do cam-
po esperavam que a porta abrisse no
lado nascente, que tinha sol. Mas de-
pois, para o debate político e para ver
o que se passava naquela casa
vestigação na área da história local. A
explicação começa na época medie-
val. “Chamava-se praça às ruas intra-
muros, estreitas, onde se fazia o mer-
cado. Num período medieval tardio,
à medida que a vila se desenvolve e
as pessoas começam a poder morar
fora [da muralha] porque há mais
segurança, não há o perigo da inva-
são castelhana, vão construir as suas
A praça era acima de tudo um ponto de encontro da gente do campo com a gente da vila. Não era apenas [um local] de compra e venda”, diz Luísa Martins
c
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ao lado, que é a Câmara Municipal,
os opinion makers punham-se ali à
porta, a ver quem entrava e saía da
câmara. Muita discussão havia ali.
E ainda hoje gostam mais de estar
naquele lado. São coisas que fi cam
na memória colectiva.”
Para um lado o peixe, para o ou-
tro tudo o resto. O resto, neste caso,
tem uma boa quantidade de produ-
tos regionais. Coisas Boas da Anto-
nieta, Cantinho dos Frutos Secos,
Da Tradição ao Sabor. Há bolos de
figo com variedade, com rótulos
bem cuidados. Amêndoa a granel —
uma grande parte vem da Califórnia;
“faltam incentivos”, queixa-se Luísa
Martins. Há vendas de licores, como
o que produz Carlos Faísca. “Nós não
dizemos alfarroba, dizemos farroba”,
daí a sua marca ser a Farrobinha.
Vamos visitá-lo a Querença, onde
tem a sua pequena fábrica (está à es-
pera de licenças para a fazer crescer,
mas “não é fácil”). Tem 15 hectares
de terra com frutas e hortícolas, al-
gumas árvores de sequeiro também.
“Ao ser transformado em produto
fi nal tem rentabilidade”, mas amên-
doas, fi gos e azeitonas são produções
que “não estão mecanizadas e não se
consegue competir com as grandes
plantações dos EUA”, nem mesmo
de Espanha. “Uma arroba, que são
15 quilos de amêndoa com casca, cus-
ta dez euros. Há 30 anos pagava-se
exactamente o mesmo. Nessa altura
era viável.”
Por baixo há um restaurante, que
aluga, por cima há a loja, a sala on-
de faz a rotulagem e a cozinha, onde
prepara as compotas e piripíris, tudo
artesanal. “Agora não estou a produ-
zir, o morango já acabou e estou à
espera que saia o melão.”
Aprendeu a fazer licores “aí com
os velhotes”, em 1998, quando ainda
tinha o restaurante, para oferecer aos
clientes depois da refeição. “Come-
çou de brincadeira, e começaram a
querer levar garrafas.” Agora produz
15 mil garrafas de meio litro por ano
(e 20 mil frascos de compotas). Nas
traseiras estão 16 cubas de mil litros,
na fase da maceração. Noutra sala, es-
tão os licores já prontos a engarrafar.
A base é sempre a mesma: aguar-
dente de fi go (que é comprada, por-
que ainda não conseguiu ver apro-
vado o projecto para a destilaria). À
aguardente junta-se o poejo, canela,
amêndoa, funcho, amora... “Traba-
lhamos a maior parte dos produtos
que temos à nossa volta”, diz. Fica
um ano nesta infusão (mais no caso
da bolota, porque tem menos sabor,
explica Carlos Faísca). Ao fi m desse
tempo faz-se um xarope de açúcar e
o fruto usado, e junta-se à aguarden-
te. Fica mais um mês a decantar na
cuba e só depois se engarrafa. “No li-
cor industrial é só juntar o aroma ao
álcool e no dia seguinte está feito.”
Lagos“Galo do campo não quer capoeira”
Chama-se Quinta das Seis Marias
porque todas elas, mãe e cinco fi -
lhas, têm Maria no nome. Vamos fa-
lar com Maria de Fátima Torres (48
anos), porque é ela quem põe tudo
a mexer.
Conta que se instalaram no Sar-
gaçal (Lagos) depois de uma breve
passagem pelo Norte do país, quan-
do saíram de Angola. “Somos retor-
nados”, conta. “Os meus pais vieram
quando a guerra [civil] rebentou e
não conseguiram trazer nada, só as
cinco fi lhas. Lembro-me de estar es-
condida na fábrica de confecções do
meu pai e de ouvir tiros. Viemos na
ponte aérea. Primeiro fomos para o
Norte, mas estávamos sempre doen-
tes, não nos habituámos ao clima, e
os meus pais decidiram vir para o
Algarve. Foram alugando quintas e
acabaram por comprar esta.”
Há 11 anos, Fátima fez a conversão
para agricultura biológica e no ano
passado abriu um agroturismo. Em
frente às casas há uma pequena hor-
ta onde os hóspedes podem apanhar
Algarve
Aos sábados, o Mercado de Loulé fica rodeado de pequenos agricultores da região, que vêm vender os seus produtos
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 11
o que quiserem. Os tomates cereja
estão já bons para ser colhidos, mas
as alfaces ainda estão pequeninas.
Há uma curgete gigante, ervas aro-
máticas, pimentos…
Uma vez por semana faz entregas
em Lisboa, mas o principal merca-
do da família é a Reforma Agrária,
em Lagos (lá iremos, mas temos de
esperar pela manhã seguinte, por-
que só abre ao sábado). Também há
uma pequena loja na quinta, onde
se vendem os produtos produzidos
ali e alguns que vêm de fora, como
umas maçãs grandes e amarelas,
porque “os clientes querem sempre
maçãs”. A batata-doce está a trazer
de Mafra, mas a maior parte das
verduras cresceram mesmo aqui,
tal como os microlegumes e fl ores
comestíveis que vende para alguns
restaurantes.
Para dar mais rentabilidade, Fáti-
ma Torres construiu quatro estufas
em meio hectare de terreno, mas
ainda não conseguiu controlar bem
as perdas, sobretudo devido ao pio-
lho. “Damos sabão de potássio e um
insecticida à base de urtigas”, mas
ainda assim eles atacam o tomate,
o feijão-verde, o pepino e as alfaces.
Aqui dentro estão sempre mais dez
graus do que lá fora. E, apesar de tu-
do, tem sido possível garantir mais
produção durante todo o ano: “Te-
mos tomate mesmo no Inverno.”
Passamos por um talhão onde as
sementes de cebola roxa, ainda nas
plantas já secas, estão praticamente
prontas a ser apanhadas — “se não,
daqui a nada os pássaros comem-
nas todas”. Dentro de uma estufa,
os bicos de lacre também estão a re-
galar-se com a milhareira (sementes
de uma pequena planta que parece
milho, daí o nome) que cresce aqui
de forma selvagem, “mas sempre dá
sombra às curgetes”.
Hoje foi dia de apanhar produtos
para que na manhã seguinte a banca
do Mercado Reforma Agrária esteja
bem repleta — em todo o mercado
só há dois produtores biológicos cer-
tifi cados.
Na Rua Mercado de Levante, por
trás da estação rodoviária, sente-se
a agitação bem cedo (abre às seis
da manhã). Para além dos legumes
e frutas, do mel e das azeitonas, há
patinhos bebés e codornizes dentro
de gaiolas.
Uma parte dos vendedores está
dentro do edifício, mas há também
uma zona exterior, só com uma co-
bertura de linóleo. É aqui que se en-
contra António Duarte, de 66 anos,
e as suas sacas de feijão fi dalgo e bo-
neco (ambos brancos), grão, feijão
catarino, frade e manteiga. As legu-
minosas crescem nos seus terrenos
na zona de Aljezur. Usa ainda as
cestas de palma e outras de esparto
— “são as mais resistentes mas já há
muito pouco quem faça. Cresce junto
à beira mar, até Vila do Bispo, onde
os animais não frequentam, porque
eles gostam de comer isto; a palma
não comem.”
Há muitos homens de boina como
ele, a comprar e a vender. Mas An-
tónio Duarte está cansado. “Estou a
pensar desistir. A idade vai chegando
e é preciso descansar.” Não é que o
ofício seja complicado: “Mete-se o
feijão à terra e passados três meses
está capaz de colher. Depois temos a
debulha, colhemos e pomos na eira,
mas ele seca na planta.” Em média,
produz dois mil quilos por ano de
feijão e três mil de grão. A conversa é
interrompida porque a senhora Fer-
nanda, uma cliente de há mais de 20
anos, quer levar o feijão bone-
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António Duarte produz cerca de dois mil quilos de feijão por ano, em Aljezur, mas prefere vender no mercado de Lagos
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co para a feijoada — “feijão boneco é
sempre aqui que compro”.
Na outra zona está José Júlio Gló-
ria, apicultor desde os sete anos (tem
62). “Ninguém me ensinou. Para se
ser apicultor, tem que nascer connos-
co, é como quem nasce para ser mú-
sico ou pintor. Se for com o intuito do
lucro, difi cilmente vai ser apicultor.”
Há duas regras para a profi ssão,
diz. “A primeira, é não ser alérgico
a picadas de abelha”; a segunda é
“não entrar em pânico quando se
está sozinho”. “Porque nunca se es-
tá sozinho; estamos com os pássaros,
com os ventos, com as árvores.” São
tantos anos no campo que reconhece
as árvores de olhos fechados, “pelo
som do vento a passar entre as fo-
lhas — não é igual num eucalipto ou
num pinheiro”. Não concebe a sua
vida noutro sítio. “Galo do campo
não quer capoeira.”
O mesmo apicultor não recolhe o
mesmo mel o ano todo. Em Janeiro
começa com o trevo azedo e a amen-
doeira; nas últimas semanas de Mar-
ço é o rosmaninho (a esteva também
está em fl or, mas não dá néctar, só
pólen, explica). Em Setembro há a
tágueda e em Outubro o eucalipto e
o medronheiro. “A abelha faz um raio
de três quilómetros; nessa área, se há
mais de 50% de uma fl or, é essa que
vai ser rotulada. Só o rosmaninho
dá quase 100%. Isto, aqui na nossa
zona”, ressalva.
Nem sempre a natureza é gene-
rosa. “O ano passado foi mau, este
vai ser pior — o pior dos últimos 100
anos. Não choveu em Abril e em Maio
fez vento levante, cheio de pó e sal.
Mas se chover um bocadinho em
Setembro é bom. Não digam mal da
chuva, a chuva é o sangue da terra.”
Aljezur “Só quero que me fales de cantigas e de vinho”
Percebe-se por que é que o senhor
António Duarte, que é de Aljezur,
vai vender para Lagos. Aqui o Mer-
cado Municipal é uma miniatura
(na verdade, faz-se todos os sába-
dos um mercado semelhante
ao Reforma Agrária onde es-
tão mais produtores). Peixe
à esquerda, vindo de Sagres,
de Lagos ou da Arrifana, fru-
tas, legumes e produtos re-
gionais à direita.
A banca de Peitra Deen ocu-
pa quase metade do mercado.
Trocou a Holanda por Portu-
gal, há quase 11 anos (tem 56)
e a venda de cosméticos pelas
hortaliças. “Porque não mu-
dar? Sempre o mesmo não é
agradável.” Ela e o marido,
Paulo, compraram um terreno
e, “com uma carrinha velha”,
começaram a vender batata-
Algarve
doce aos restaurantes. A produção
foi crescendo. Tem caixas da famosa
batata-doce de Aljezur (lira e roxa) e
uma variedade enorme de produtos
da região, que compra a outros agri-
cultores. “Gosto de vender os produ-
tos locais, de boa qualidade. É impor-
tante que o dinheiro fi que cá.”
Para além dos frescos, vende do-
ces Campos Santos (de Albufeira), ou
manteiga de amendoim Alcagoita.
É António Rosa quem a faz, só com
amendoim e fl or de sal. António Rosa
não tem nem um frasco para
amostra porque das três to-
neladas de amendoim nada
sobrou.
A sua quinta fi ca em
João Roupeiro, depois
de passar Maria Vinagre.
São cinco hectares
com amendoim,
batata-doce e
vinha. À di-
reita do seu
terreno está
um campo
de flores de
agro-indústria.
“Sinto-me um ma-
caco dentro de
uma jaula e de vez
em quando vão
lá uns turistas jo-
gar uma côdea de
pão.” Ou seja, os
pequenos agricul-
tores como ele são
“Em termos botânicos, a planta
do amendoim é mais parecida com
a orquídea, a fl or é igual”, amarela e
pequenina, mostra. Escava um pou-
co na terra para revelar também a
vagem: o amendoim, ainda amare-
lo pálido. “É só cultura de Verão, é
subtropical.”
Noutra parcela, colhe um pouco
de feijão carito, ainda verde — peque-
no e fi no, e bem estaladiço. Abre a
vagem e retira os pequenos feijões,
minúsculos e esbranquiçados. “Fi-
cam encarnados depois de cozer.
Era a comida do pobre porque dá-se
em qualquer terra e não tem grandes
cuidados.”
Mais adiante tem a vinha (um hec-
tare aqui, outro no Rogil). Tem Mos-
catel e Bastardinho, Boal-roxo. “Fa-
zemos tudo por enxertia. Primeiro
plantamos um bravo (porta-enxertos
ou cavalo), faz-se um garfo e pomos a
variedade que quisermos.” António
Rosa está apostado em desenvolver
as castas antigas — “um tributo a esta
gente boa das comunidades locais”
—, e quer também produzir um vinho
palhete, com mistura de uva branca
e tinta. “O que está sempre na moda
é fazer como se fazia! Já está tudo
inventado.” O rótulo do palhete terá
versos do rei e poeta árabe Al Muta-
mide (1039-1095):
“Eu só quero que me fales de can-
tigas e de vinho,
deixa lá e não te rales
Deus perdoa o descaminho...”
António Rosa mostra as vagens da planta de amendoim, enterradas na terra; Maria de Fátima Torres, da Quinta das Seis Marias, diz que é das poucas a produzir em biológico no Algarve Os velhos
desistiram. Abandonaram isto. Em dois anos perdeu-se a biodiversidade quase toda, porque se armaram em modernos e sustentáveis”, diz António Rosa
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES
uma espécie em vias de extinção.
“O que eu faço é microeconomia
e hoje pensa-se tudo em grande.
Não pode ser. Os velhotes vão aca-
bando e deixam-se da agricultura
tradicional. Obrigarem os velhos
a uma formação sobre pesticidas
é muito bonito, mas deviam ir ter
com eles [em vez de exigir o curso].
O que acontece? Os velhos desisti-
ram. Abandonaram isto. Em dois
anos perdeu-se a biodiversidade
quase toda, porque se armaram em
modernos e sustentáveis. Mas esses
velhos têm melhor pegada do que
nós. Tinham o mundo rural vivo,
agora é a agro-indústria.”
Usa uma t-shirt cinzenta de um
concerto de David Byrne que tem
à frente uma lista de governantes
que estavam então no poder: Fran-
çois Mitterrand, Helmut Khol, Bo-
ris Ieltsin, Felipe Gonzalez, George
Bush, Saddam Hussein, Corazon
Aquino… Não é nova, portanto. A
política está no seu discurso tanto
quanto a agricultura, porque as du-
as coisas nem sempre se separam.
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UM CERTOLOUREIROSe o país fosse um romance queiroziano, o vinho verde seria uma família nortenha e a personagem mais típica, o Loureiro
CONTEÚDO PATROCINADO
ara contar a história do vinho verde, o romancista
precisaria de uma intriga, de um espaço e de um
tempo determinados, de produzir descrições várias
e, claro, de uma complexificação geradora de clímax,
antes do desfecho. Precisaria também de personagens.
Independentemente de o autor se chamar Camilo Castelo
Branco ou Eça de Queiroz, o vinho verde seria certamente
um ramalhete de castas ou um amor de degustação, sendo
que um certo Loureiro ocuparia o lugar de destaque entre
as dezenas de personagens que povoam a história do verde
vinho. Porque Loureiro é o nome da casta mais expressiva
da região dos Vinhos Verdes.
A história de uma região ultrapassa o terroir vitivinícola
de um país. E a região Demarcada dos Vinhos Verdes
acompanha o nascimento de Portugal: terra de fundadores
e principais protagonistas que deram uma capital ao Reino
(Guimarães), um nome ao País, soldados aos exércitos,
nobres à corte e gente à terra. Os rios que cruzam as
paisagens inspiraram Camilo Castelo Branco, a verdura dos
campos surpreendeu Virchow e as serras entusiasmaram
Eça de Queiroz. Este conjunto geográfico e climatérico é
a fonte de um néctar ímpar que conquistou o paladar de
especialistas e apreciadores em todo o mundo.
O Vinho Verde é um vinho de carácter vincado que
reflecte a personalidade das castas que lhe dão origem
e do autor que lhe dá forma. Tal como as personagens
queirozianas, são dezenas as castas da Região Demarcada
dos Vinhos Verdes. De entre todas, o Loureiro destaca-se
por ser a mais expressiva, qual reflexo da hipotética alma
da região: vivaz, exuberante, surpreendente, aromática
e sempre fresca. É uma casta trabalhada por centenas
de produtores, também eles autores, que lhe dão forma
e lhe traçam singularidades mediante cada vinho. Mas a
matéria-prima está lá: das uvas, o tom verde-amarelo, com
laivos acobreados, faz adivinhar o tesouro que se esconde
nos bagos. Apesar da a casta Loureiro ser extremamente
fértil e abundante por toda a Região dos Vinhos Verdes, só
muito recentemente começou a assumir o papel de casta
nobre em Portugal. No entanto, tem vindo a ser aclamada
internacionalmente com os especialistas a compararem-na
à Riesling, não se cansando de lhe atribuir louvores.
Do Loureiro diz quem sabe tratar-se de uma casta
extremamente aromática que encapsula o encanto da flor
de louro e das flores brancas e o atrevimento da acácia. Em
boca, a exuberância tropical do maracujá, a frescura tão
característica da Região dos Vinhos Verdes e a elegância
da flor de laranjeira dominam as papilas gustativas. Por
exemplo, o enólogo Manuel Soares descreve-a como «a
melhor casta da Região dos Vinhos Verdes. É uma casta com
personalidade, com intensidade e extremamente elegante.
Temos muitas castas autóctones intensas como a Moscatel
ou Fernão Pires, mas não tão elegantes como o Loureiro. É
uma casta que tem tudo o que um vinho branco deve ter:
refrescante, elegante, aromático e intenso sem ser pesado».
Se o Loureiro é a expressão da Região dos Vinhos Verdes,
a Aveleda é a assinatura do autor que lhe dá forma. A marca
Aveleda é fruto de um saber antigo, de ligação à terra, e
resultado de um sonho alimentado desde 1870, ao longo de
várias gerações no seio da família Guedes. Especialista em
vinhos brancos e empenhada em valorizar a casta Loureiro,
a Aveleda lançou recentemente um vinho que lhe dá toda
a atenção. Tal como nos outros vinhos brancos da marca,
há três aspectos que denunciam a arte da viticultura e
enologia da Aveleda: o equilíbrio entre o açúcar e a acidez,
conseguido através de uvas de alta qualidade e vindimadas
na altura certa; a pureza e autenticidade do aroma, sendo as
melhores características da casta preservadas e enaltecidas;
e o potencial de evolução em garrafa – um vinho Aveleda
tem de ser bom enquanto jovem, mas precisa também
de conservar as suas características (a fruta, a elegância
e a frescura) quando evolui em garrafa. São três hábitos
familiares que não se perdem, sobretudo quando inovam na
produção de novos vinhos.
O Aveleda Loureiro junta-se assim ao grupo, ainda
restrito, de vinhos que exploram esta casta na sua
integralidade, sublinhando-lhe a essência singular: a de uma
personagem expressiva que, aos poucos, vai conquistando
um lugar de destaque num romance chamado vinho verde.
ara c
prec
te
e,
RUI BANDEIRARUI BANDEIRA
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14 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Protagonista
FOTOS: MÁRIO LOPES PEREIRA
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 15
María UleciaA espanhola mais portuguesa de Lisboa
a Quando teve que, literalmente,
destruir a casa anterior para
poder construir a nova, na
Graça, em Lisboa, María
Ulecia encomendou frangos na
churrascaria do bairro, chamou
os seus amigos e deu-lhes
material para se divertirem a
pintar paredes ou a derrubar as
de pladur.
Muitos perguntavam-lhe se não
tinha pena de ver desaparecer
a casa que a tinha prendido a
Lisboa, em 2006, quando aqui
chegou durante um ano sabático,
sem saber ainda que acabaria por
fi car. Ela respondia-lhes que não.
Tinha-se encerrado um
capítulo e na sua cabeça estava
já a nova casa que ia nascer — a
micasaenlisboa, como baptizou o
seu projecto, ia mudar. Mas, para
despedida, levou-os a um quarto
onde fi cara o escritor espanhol,
e seu amigo, Antonio Muñoz
Molina, e leu-lhes uma página do
livro Como la sombra que se va,
que ele escreveu durante uma das
estadias em Lisboa.
No livro, que cruza a história da
passagem por Lisboa do assassino
de Martin Luther King e a própria
história de Molina, fala-se desta
casa (Calçada do Monte,48)
que tem “algo de labirinto
concentrado, com as suas escadas
estreitas, os seus tectos baixos, os
seus corredores esquinados, a sua
fachada hermética que esconde
um interior de perspectivas
assombrosas, quartos e
corredores de penumbra que se
abrem sem aviso às amplitudes
do mundo”.
A casa nova, que inaugurou
no fi nal de 2016 depois quase
dois anos de obras profundas, é
muito diferente, embora guarde
a memória da anterior em cada
um dos quartos (que são nove,
um deles individual). Mas,
com o projecto de arquitectura
do atelier Ábaton, de Madrid,
o “interior de perspectivas
assombrosas” mantém-se, num
jogo entre o interior, que nos
convida a fi car, e o exterior que
entra, exuberante, pelas janelas.
Subimos as escadas atrás
Resposta rápidaO que é que a Graça tem de único?As pessoas que aqui vivem. É o espírito das pessoas — a senhora Odete, o Luís do [restaurante] O Pitéu da Graça, a dona Adelaide da mercearia — que faz com que continue a ser um bairro.
Hoje sente-se mais espanhola ou mais portuguesa?O Luís do Pitéu diz que eu sou a espanhola mais portuguesa de Lisboa. Quando me perguntam de onde sou, digo que sou espanhola de Lisboa. Não é tanto portuguesa, é de Lisboa.
Precisamos de mais turistas ou de menos turistas?De turistas de qualidade, de pessoas que tenham interesse em descobrir a cidade e não que venham para marcar no mapa que estiveram cá.
?
de María, com Oliva, a cadela
brincalhona, a saltar à nossa
volta. Em cada quarto paramos
a ouvir as histórias, a prestar
atenção aos detalhes. Encostada
a uma parede, pronta para ser
pendurada, está uma imagem
oferecida pelo fotógrafo Juan
Baraja; na sala, uma fotografi a
tirada pelo artista Alberto García-
Alix de María com Lola, a cadela
com a qual chegou a Lisboa e
que já morreu; num dos quartos
do sótão, a parede de betão é
suavizada por delicadas fl ores
feitas a giz (e levemente apagadas)
por outra artista sua amiga, a
suíça Frédérique Bangerter.
As mobílias e os objectos
são diferentes e María conta
como cada um chegou aqui —
a pintura com um retrato de
mulher veio da Feira da Ladra,
tal como os lençóis bordados
transformados em cortinas,
as duas cadeiras com ripas de
madeira pertenceram ao antigo
Café Império, a fotografi a de
Camilla Watson, fotógrafa que
vive na Mouraria, foi encontrada
por María no lixo (e Camilla
confi rmou que não a queria de
volta). Em cima das mesas, há
cadernos da papelaria Emílio
Braga, onde os hóspedes deixam
histórias, desenhos e dicas para
os que vierem depois.
Nas banheiras, os azulejos são
trabalhos em cerâmica feitos por
María, tal como os lavatórios. E,
se prestarmos atenção, num deles
encontramos gravados em azul,
no fundo, os versos de Sophia
de Mello Breyner Andresen:
“Quando eu morrer voltarei para
buscar/ os instantes que não vivi
junto do mar”.
Também a fachada exterior
lateral da casa, junto à escada
que dá para o Jardim da Cerca
da Graça, está decorada com
azulejos nos quais Maria gravou
plantas da zona, como um
herbário em cerâmica.
A sala, com a varanda onde
se podem tomar os pequenos-
almoços, e seis dos quartos dão
para este jardim e para uma vista
sobre a cidade que lembra à mãe
de María um presépio. Vêem-
se, mais próximos, a Igreja e o
convento da Graça, ao fundo
o Castelo de São Jorge, e, mais
longe ainda, do lado direito, a
ponte sobre o Tejo e o Cristo-Rei.
Esta casa é, acima de tudo, um
espaço de encontros. O primeiro
foi entre ela e María. “Digo
sempre que a casa encontrou-
me a mim. Estou em Lisboa por
causa dela.” Cansada de viver
em Espanha — onde trabalhara
no hotel Convento de La Parra
—, procurava “um estilo de vida
diferente, mais calmo, mais
humano, mais próximo”.
Quando encontrou este espaço
e percebeu que no Largo da
Graça (ainda) era possível ter
essa vida, decidiu fi car. Hoje,
confessa-se preocupada com o
que o excesso de turismo está a
fazer a Lisboa, mas preserva aqui
um lugar especial.
No dia em que a visitamos
está a preparar-se para receber
o primeiro dos jantares que vai
passar a organizar com chefs
seus amigos (ela cozinha todas as
segundas-feiras para os hóspedes
da casa). Escolheu os seus três
cozinheiros preferidos, que têm
restaurantes num triângulo em
torno da sua casa: Hugo Brito, do
Boi Cavalo, David Eyguesier, d’Os
Gazeteiros, ambos em Alfama,
e Tiago Feio, do Leopold, junto
ao Castelo de São Jorge. Estes
jantares, para um máximo de
20 pessoas, são abertos a quem
não é hóspede e deverão passar a
acontecer regularmente.
Outro projecto em que María já
está a pensar — “vêm-me à cabeça
milhares de ideias”, diz — é o de,
na época baixa, disponibilizar
o quarto individual para
residências artísticas. Depois,
quem sabe, pode convidar o
artista a fi car para um jantar e a
partilhar o seu projecto.
“Para mim é uma forma muito
bonita de se descobrir coisas que
as pessoas estão a fazer. Vivemos
numa época muito visual, em que
se vê o resultado do trabalho mas
falta sentir que se partilha, com
tempo.” Essa partilha agrada-lhe,
porque “dá-se algo mas também
se recebe, como um abraço”. É
isso, no fundo, que a sua casa faz:
recebe-nos num abraço, como
quem reencontra um velho amigo
de quem já se tinha saudades.
Alexandra Prado Coelho
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16 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
O Palace Hotel, cenário de livros de Jorge Amado, local de visita obrigatória para a alta sociedade de Salvador da Bahia na década de 1950, cujos quartos receberam Pablo Neruda, Orson Welles, Carmen Miranda e tantas outras fi guras históricas, esteve fechado e em risco. Agora está de volta em grande estilo. Alexandra Prado Coelho
O hotel “mais chique” de Salvador renasceu das cinzasa “No salão do Palace iam os dois
a dançar, num tango de doçura e
de volúpia, tão de jovens inocen-
tes namorados e tão de lúbricos
amantes.” No salão do Palace, Dona
Flor dançou o tango com Vadinho
na noite do seu aniversário. Mas
“uma coisa dançar em festinha de
aniversário, muito outra sair pelo
salão do Palace nos apuros de um
tango arrabalero, e logo aquele! […].
Saberia ainda dançá-lo tanto tempo
depois, e, ao demais, nessa noite
quase mágica quando vem ao Pa-
lace pela primeira vez?”.
O Palace Hotel era, nas primei-
ras décadas do século XX, um dos
locais mais chiques da cidade de
Salvador da Bahia, Brasil. Por isso,
Dona Flor, que Jorge Amado imor-
talizou em Dona Flor e seus Dois Ma-ridos, sonhava com aquela noite no
Palace.
“O hotel, aberto em 1924, foi cons-
truído pelo comendador Martins
Catharino, o homem mais rico da
cidade, um Rockefeller da época”,
conta António Mazzafera. “A cidade
de Salvador chamava-se então Bahia
e ele construiu-o para os coronéis
do cacau que moravam em Ilhéus
e Itabuna e vinham com frequência
para cá. Foi o hotel mais luxuoso
da cidade e é considerado uma das
jóias Art Deco da Bahia.”
Estamos a almoçar no restaurante
do recém-aberto Fera Palace Hotel
de Salvador e António Mazzafera é
um dos homens por trás do renasci-
mento deste ícone da cidade, fecha-
do durante mais de dez anos e ame-
açado de ruína, que reabriu portas
em Fevereiro deste ano. Hoje, o Pa-
lace recuperou a sua velha glória e
ergue-se majestoso e elegante aos
olhos de quem sobe a Rua Chile — a
mais antiga da cidade (1549) e a pri-
meira construída pelos portugueses
no Brasil (por ordem de Tomé de
Sousa, o primeiro governador-geral
do Brasil, que encomendou o plano
da cidade ao arquitecto Luís Dias),
que anteriormente foi chamada Rua
Direita do Palácio e Rua Direita do
Mercador.
O comendador Martins Cathari-
no tinha ido a Nova Iorque e en-
cantara-se com o Flatiron Building
da 5ª Avenida. E assim a Bahia viu
nascer o edifício, também ele trian-
gular, avançando como a proa de
um navio pela Rua Chile. “Nos anos
1930, 40, 50, a Rua Chile estava no
seu auge”, continua António Ma-
zzafera. “Todo o mundo vinha para
cá, era onde as pessoas da cidade
passeavam.” Carmen Miranda, Pa-
blo Neruda, Orson Welles, todos
fi cavam instalados no Palace. Que
era, claro, poiso obrigatório dos
paparazzi, empenhados em não
perder a foto da próxima estrela a
cruzar a porta do hotel.
No blogue Mais de Salvador, a
museóloga Ana Maria Carvalho de
Azevedo faz um delicioso relato do
que era a vida de sociedade na Rua
Chile, “das lojas mais elegantes,
frequentadas pela boa sociedade
e onde se encontravam os mais fi -
nos artigos e também, é claro, os
últimos lançamentos da moda”.
Recorda ela que “para se ir à Rua
Chile era preciso uma preparação
em grande estilo”, com “vestidos de
passeio, sapatos de salto e meias de
seda, com a costura bem certinha”,
Brasil
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 17
e as garotas a copiar os modelos dos
vestidos “dos fi lmes americanos e
do fi gurino ‘Lana Lobell’”.
Havia a Casa Sloper, “um sonho
de coisas lindas” e uma secção de
beleza “onde uma especialista, ro-
deada de frascos contendo vários
tons de pó-de-arroz, misturava-os,
de acordo com a tonalidade da pe-
le da cliente, uma coisa fi níssima
e muito chic!”; havia a Loja Duas
Américas, “um verdadeiro maga-
zine” que “na década de 50 era o
lugar mais fi no e bem frequentado
da cidade”, tendo sido “a primeira a
instalar escada rolante”, o que equi-
parava Salvador “ao Rio de Janeiro
e São Paulo”.
E havia, claro, o Palace, com o
seu casino no primeiro andar. Um
cartaz reproduzido no blogue anun-
cia “os shows do Palace Hotel” que
“constituem o encanto da Bahia
chic”. Ana Maria Azevedo recorda
que no piso térreo “encontrava-se
a loja Adamastor”, na década de
50 “uma das melhores em artigos
masculinos” com “o que havia de
mais moderno para os rapazes”.
Essa loja situava-se precisamente
no local do restaurante Adamastor,
onde estamos a almoçar. “Aqui ha-
via oito lojas, que não existiam no
hotel original”, explica António.
“A loja Adamastor tinha o nome do
proprietário, que era o pai do cine-
asta Glauber Rocha.”
Não é só para turistas
Numa viagem a Salvador, António,
nascido em Minas Gerais e que tra-
balhou em Londres no Grupo Ho-
téis Maybourne (antigo Grupo Sa-
voy), encantou-se com o edifício.
“Achei que tinha muito potencial.”
Depois de, com o sócio, o empre-
sário Marcelo Lima, o adquirir, há
cinco anos, começou a procurar
informação sobre a sua história e
a estudar a melhor forma de o re-
construir.
Por haver pouca experiência na
recuperação de edifícios históricos
no Brasil, optaram por chamar o ar-
quitecto dinamarquês Adam Kur-
dahl para “resgatar todas as carac-
terísticas Art Deco mas, ao mesmo
tempo, criar um ambiente jovem e
descontraído”. Quando começaram
não imaginavam o trabalho que ti-
nham pela frente.
Para perceber o estado a que
tinha chegado o Palace, é preciso
entender que a partir da década
de 90, com a transferência da sede
administrativa do Governo do Esta-
do para o Norte da cidade, todo o
centro histórico de Salvador entrou
em declínio. “Quando começámos
a reforma, em 2014, tivemos uma
surpresa muito desagradável, não
sabíamos que o Palace estava num
estado de degradação tão grande”,
conta António. “As fundações esta-
vam todas comprometidas.”
A obra foi imensa para um hotel
com uma área de 6100 metros qua-
drados distribuídos por dez anda-
res — actualmente são, no total, 81
quartos, dez dos quais suítes. “Cri-
ámos um reservatório de água de
150 mil litros para que o hotel
Fechado durante dez anos, e ameaçado de ruína, o Palace reabriu em Fevereiro deste ano em todo o seu esplendor chique
Fera Palace HotelRua Chile, 20Salvador da BahiaTel.: +55 (71) 3266-0487Email: [email protected]ço: a partir de 245 reais (cerca de 70 euros)
i
c
OCEANOATLÂNTICO
525km
OOOOOONONANEAEEEECECCCCCCCCCOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOAAAAAAAAAAAAA OOOOOOOOOCCCCCCNTINNÂÂÂÂÂÂLLLLLLLLLLTLTTTTTTTTTTTTTTTAAAAAAAA
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Salvador
1836
2897
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FOTOS: DR
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18 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
possa funcionar todos os dias sem
parar. Reforçámos 750 pilares para
podermos fazer uma piscina na co-
bertura. Recuperámos a torre [que
encima a esquina do edifício], que
estava caindo.”
As 434 janelas de madeira do
Palace foram todas recuperadas,
assim como o soalho, os mármo-
res originais e mais de 200 adornos
Art Deco. O mobiliário nos quartos
e corredores cruza o clássico/co-
lonial/anos 20 com grandes foto-
grafi as a cores do fotógrafo Akira
Cravo que trazem a festa da Bahia
para o interior.
A piscina na cobertura, com uma
vista magnífi ca sobre a cidade — es-
tamos a menos de cinco minutos a
pé do histórico Elevador Lacerda e
a dez minutos do Pelourinho — é o
lugar para assistir ao pôr do sol, até
porque, lembra António, “o Palace
está voltado para a Bahia de Todos
os Santos, que está virada para a
terra e não para o oceano, por isso
estamos virados para o pôr do sol
enquanto o resto do Brasil está vira-
do para o nascer do sol”. Este é um
espaço usado para festas à noite e,
tal como o restaurante, está aberto
a toda a população da cidade.
Embora mantendo a sofi sticação,
o novo Palace quer ter um ambiente
descontraído e, sobretudo, quer ser
um espaço não apenas para turistas,
convidando os habitantes de Salva-
dor a voltar a frequentar o centro da
Brasil
Não existia no hotel original mas existe no novo Palace: a piscina de borda infinita e azulejos de inspiração portuguesa, localizada no topo, junto à emblemática torre que encima o edifício. Com vista para a Baía de Todos os Santos, o Forte São Marcelo e a ilha de Itaparica, é o local perfeito para ver o pôr do sol
+cidade e a almoçar ou a jantar no res-
taurante. Aliás, o objectivo dos novos
proprietários, seguindo aquela que
é a fi losofi a do grupo Fera Hotéis,
é não fi car por aqui e, aproveitan-
do o novo dinamismo que o Palace
traz à zona, apostar na recuperação
de outros edifícios da Rua Chile.
“Estamos analisando edifícios
para termos oferta residencial e de
escritórios”, conta António. “Há um
palacete deslumbrante que adquiri-
mos e onde estamos a pensar fazer
algo inspirado pelo Mercado Time
Out, em Lisboa.” A rua ainda está de-
teriorada, mas o Governo do Estado
prepara-se para refazer os passeios.
E, dentro de um ano e meio, o Fa-
sano, a famosa cadeia de hotéis, vai
instalar-se mesmo ao lado do Palace,
noutro edifício histórico que está já a
sofrer obras de recuperação.
E assim, espera António, a pouco
e pouco, a Rua Chile voltará ao seu
antigo esplendor. Já quase ouvimos
ao longe no ar o tango que chama
Dona Flor e Vadinho para a pista de
dança. Dessa “noite de quimera”,
escreve Jorge Amado, Dona Flor
guardou na memória cada detalhe,
“desde a entrada no salão de dança
até ao derradeiro minuto de prazer
infi nito de desbragada impudicícia
no leito de ferro, com ele a lhe co-
brar, na raiz do seu corpo, o presen-
te de aniversário: a ida ao Palace.”
A Fugas viajou a convite do grupo Fera Hotéis
Nádia Taquary
“Quem não tem balangandãs não vai no Bonfi m”
a No hall de entrada do Fera Palace
Hotel, em Salvador da Bahia, estão
duas peças da artista baiana Nádia
Taquary. E trazem com elas essa
mistura de português-negro-índio
que faz muita da história da Bahia.
Quando era pequena, sempre que
fazia anos, Nádia recebia do pai uma
pequena jóia representativa da joa-
lharia afro-brasileira que, sem ela o
saber, iria tornar-se a principal fonte
de inspiração do seu trabalho — nas
peças que hoje faz, esses objectos
de pequenas dimensões crescem e
conquistam uma presença feita do
orgulho de uma história de mesti-
çagem.
Chegamos ao seu atelier em Sal-
vador e a primeira coisa que nos
chama a atenção é uma série de
fotografi as antigas, enchendo uma
parede, de negros com penteados
esculturais e rostos tristes, fechados.
Nádia descobriu o álbum de fotos
num alfarrabista de Lisboa e viu lo-
go como ele tinha tudo a ver com
a sua vontade de aprofundar a cul-
tura africana do adorno e o uso do
corpo como forma de comunicação
(uma série de peças que fez inspi-
ram-se precisamente nestes com-
plexos adornos de cabelo africanos).
“A joalharia afro-brasileira nasce
aqui na Bahia com a técnica por-
tuguesa, referências portuguesas
mas uma estética africana”, por-
que quem a fazia eram os escravos
vindos de África. “A senhora usava
o brinco, o camafeu, o anel, o pen-
te, uma joalharia que não era tão
opulenta”, conta Nádia. Mas quan-
do a ourivesaria sai desse domínio e
passa a ser usada pela crioula, “ela
nasce com todos os símbolos e a es-
tética africana”.
Um dos objectos que fascina Ná-
dia, e que inspira muitas das suas pe-
ças, é o balangandã, um conjunto de
amuletos e talismãs que as escravas
libertadas traziam presos num arco à
cintura — o nome vem do som que fa-
ziam ao andar, chocalhando uns con-
tra os outros. “Essas peças nascem
como uma forma de pecúlio. Como
é que essas mulheres podem guar-
dar o dinheiro que ganham se não o
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 19
podem pôr no banco? Vão botá-lo no
próprio corpo.” Sempre que reúnem
algum dinheiro, arranjam uma fi ga
da sorte em madeira e encastram-
na com prata. Carregam literalmen-
te no corpo o preço da liberdade.
“Vão afi rmando esse conjunto,
que tem uma simbologia muito pro-
funda, nenhum balangandã é igual
a outro, são peças muito subjecti-
vas. E quando têm peso sufi ciente,
entregam o balangandã ao senhor
para comprar a alforria de algum pa-
rente”, descreve Nádia. Estas peças
tipicamente baianas passam então
para a posse dos senhores que as
usam para exibir a sua riqueza.
No entanto, não é a “sinhá” que
as vai usar, mas sim as suas damas
de companhia. “A sinhá ia à Igreja
do Bonfi m aos domingos à tarde
para uma célebre missa que havia
em Salvador. Tem até uma música
do Dorival Caymmi [O que é que a baiana tem?] que fala assim: ‘Só vai
no Bonfi m quem tem/ um rosário
de ouro, uma bolota assim/Quem
não tem balangandãs não vai no
Bonfi m.” Quanto mais as damas de
companhia crioulas fossem carrega-
das de jóias, mais rico era o senhor.
“Como tudo era dele, incluindo a
enormes, “agigantam-se”, tornam-
se “barrocos e africanos”, porque
precisam de se mostrar. “São”, diz
a artista, “peças que nasceram de
uma superação, de um empodera-
mento, de uma forma de sobrevi-
vência e, ao mesmo tempo, com
uma história que traz uma carga
muito grande de liberdade.” A his-
tória dos escravos que fi zeram a
Bahia. “Aproprio-me dela porque
ela é também a minha história”. Alexandra Prado Coelho
O trabalho da artista Nádia Taquary inspira-se na joalharia afro-brasileira, mostrando, através de peças como os balangandãs, como as baianas transportavam no corpo o preço da liberdade.
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ESTÚ
DIO
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O L
OU
CO
escrava, ele podia enchê-la de ou-
ro”, sublinha Nádia. “Ela era como
uma jóia andante.”
E ostentar riqueza era muito im-
portante numa sociedade como a
baiana. Conta Maria Novaes Pin-
to, que nos guia por uma visita ao
centro histórico de Salvador, que a
Igreja de São Francisco é toda de-
corada a ouro porque quando foi
pedida autorização a Lisboa para a
construção, Portugal respondeu que
daria se ela representasse a riqueza
da colónia — baseada na exploração
da cana-de-açúcar e de tabaco. Daí a
ostentação da igreja, que apenas se
encontra despida de ouro na parte
de trás, junto à porta, o local on-
de fi cavam os escravos que vinham
acompanhando os senhores. “Quan-
to mais escravos acompanhassem a
família, mais importante era ela”,
explica Maria Novaes.
Nos balangandãs recriados por
Nádia Taquary, os elos e os talis-
mãs que eles unem passam a ser
40 ANOS 1978-2017
22 JULHO A 6 AGOSTO
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20 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Em Alvor, o maior passadiço do Algarve parece dividir para unir. De um lado, o estuário da ria. Do outro, o cordão dunar. De um lado, o longo areal. Do outro, os resorts. De um lado, a natureza. Do outro, os veraneantes. Mundos diferentes em comunhão. Mara Gonçalves (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)
Entre dunas e ria, esvoaça um mundo de pássaros
a Não há como nos enganarmos.
Calças e calções beges, meias a des-
pontar dos sapatos de caminhada,
binóculos ao pescoço e, no ombro,
um monóculo com tripé. Marcial
Felgueiras e Guillaume Réthoré des-
toam dos desportistas e veraneantes
madrugadores com quem nos cru-
zamos a esta hora no passadiço de
Alvor, junto a Portimão. Passa pouco
das 8h de uma manhã em fi nal de
Julho, começa a fervilhar o pico da
época balnear algarvia.
O passadiço em madeira de Alvor
ganhou o epíteto de maior da região
no ano passado, ao chegar à linha de
meta que as falésias recortadas da
praia dos Três Irmãos impõem à lín-
gua de areia que se desenrola, bran-
da, desde o molhe nascente da ria.
Há seis anos, no entanto, que A Ro-
cha Life — ramo turístico da organiza-
ção ambiental que nasceu em Alvor
há 34 anos e que entretanto se espa-
lhou pelo mundo — realiza aqui um
dos seus passeios para observação
de aves (quatro horas, 3km, 40€).
São dessa altura os primeiros tro-
ços de madeira que serpenteiam en-
tre as dunas e o sapal, integrados no
percurso “Ao sabor da maré”, já em
plena área classifi cada da Rede Na-
tura 2000. A associação colaborou
na homologação do trilho pedestre,
mas desta vez não o percorreremos
na totalidade. Saltitamos, antes, en-
tre o “estradão” de terra batida e
parte dos passadiços que unem as
margens salobra e salgada, no encal-
ço das aves que habitam a ria e aque-
las que vêm nidifi car nesta altura do
ano. Como é o caso dos borrelhos-
de-coleira-interrompida. “Estão cá
e já devem ter crias. Vamos ver se
os encontramos”, desafi a Marcial
Felgueiras, director de operações
da empresa.
Nos últimos anos, a equipa tem
Série Caminhos de Verão
monitorizado a população nidifi can-
te de borrelhos nas dunas de Alvor,
em declínio a nível mundial. Che-
garam a contabilizar-se 30 casais.
“Agora nem perto.” Este ano, no en-
tanto, o projecto está suspenso por
falta de verbas e não sabem ao certo
quantas aves escondem crias entre
os tufos de gramíneas. Os pequenos
limícolas de bico negro constroem
os ninhos sobre a areia “na extremi-
dade das dunas”, lá à boca da ria,
longe dos apoios de praia e dos es-
tacionamentos, onde existem níveis
mais baixos de perturbação huma-
na. É para lá que segue o passeio, de
olhos entre o céu e a vegetação.
Pouco caminhamos até à primeira
paragem. Um bando de pintassilgos
e alguns pintarroxos (distinguem-se
pelas manchas avermelhadas no pei-
to e na testa) estão empoleirados em
fi os dourados de estorno, a planta
mais abundante nas dunas de Alvor.
Guillaume ajusta o monóculo e, por
momentos, temos a ilusão de quase
tocarmos no rasgo amarelo das asas,
na cauda negra pintalgada de bran-
co. “Gostam muito de estar por aqui
porque se alimentam das sementes
das gramíneas”, descreve Marcial.
Guillaume é o guia, mas é o director
quem vai tomando a palavra. A Gui,
para facilitar, interessam sobretudo
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 21
O passadiço tem quase seis quilómetros, entre Alvor e a praia dos Três Irmãos. É o maior da região algarvia
as conversas que se desenham no
céu e dele mal tira os binóculos, com
a paciência infi nita de quem sabe
que esta não é a melhor altura para
a observação de aves. “Tal como os
humanos, preferem resguardar-se
nas sombras quando está muito ca-
lor”, retoma Marcial. Há seis anos
que o biólogo francês se mudou para
o Algarve, depois de ter trabalhado
pela primeira vez n’A Rocha, em
2007, ao abrigo do Serviço Volun-
tário Europeu. “De Outubro a Março
é bonito e, no Inverno, muito espe-
cial”, resume num sorriso tímido.
Dos esquivos borrelhos nem sinal,
mas o passeio vai sendo brindado
por outros voos. Cotovias-de-poupa,
fuinhas dos juncos, andorinhas-dos-
beirais, andorinhas-das-chaminés e
andorinhas-daurica — muito pare-
cidas com as segundas, mas com a
cauda preta. “Parece que têm umas
calças vestidas”, descreve Marcial.
da fi leira de estabelecimentos que
se sucede em catadupa quase até
à Prainha. A partir daqui a estra-
da suspensa de madeira deixa de
contemplar a natureza para servir
um único propósito: unir, quase
em linha recta, os parques de esta-
cionamento, os apoios de praia, os
acessos ao areal, os blocos de apar-
tamentos e as unidades hoteleiras
do grupo Pestana. Cinco bordejam
o passadiço — e o grupo madeiren-
se fi nanciou parte da estrutura. No
total, são quase seis quilómetros,
da ria até à praia dos Três Irmãos.
O sol sobe implacável ao meio-dia,
é um corrupio de sotaques, chine-
los, sacos, toalhas, chapéus-de-sol
e geleiras. Há quem esteja a chegar
e quem parta para o almoço. Um
miúdo interrompe a parafernália
dos pais para esticar a mão para lá
do corrimão do passadiço. “Adeus,
praia”, grita entre acenos.
Pousa um cartaxo na vegetação
seca, ouve-se um maçarico. Lá ao
fundo, de patas enterradas nos sa-
pais, vêem-se ostraceiros e gaivotas.
“Não estou a apontar muito para
elas porque são comuns mas avis-
tam-se cinco espécies nesta altura
do ano”, indica Guillaume. A saber:
gaivota-de-patas-amarelas, gaivota-
de-cabeça-escura, gaivota-de-asa-
escura, gaivotão-real e guincho.
“Adeus, praia”
Esta zona da ria, encaixada entre os
ribeiros e o mar, não é o melhor sí-
tio do Algarve para a observação de
aves, confessam. Mas integra “dois
habitats muito próximos e bastan-
te diferentes”: o dunar e o estuari-
no. Numa caminhada curta e fácil
é possível avistar várias espécies e
compreender os diferentes ecossis-
temas, programa ideal para famílias
e para promover programas de edu-
cação ambiental e de conscienciali-
zação da população. É essa a grande
vantagem dos passadiços, defende
Marcial: “Usufruir da paisagem sem
destruir o ecossistema.” E acaba por
“encorajar a actividade física e o
contacto com a natureza”.
Numa encosta arenosa colada ao
caminho de terra batida, juras de
amor são eternizadas em palavras
desenhadas a seixos sobre a areia.
Uma garça-real e uma garça-branca
alimentam-se na margem, junto aos
veleiros que se aninham aos pés da
vila de Alvor. O melhor estaria guar-
dado para o fi m: um casal de colori-
dos abelharucos escavou um ninho
num dos bancos de areia de uma
pequena lagoa e um juvenil espera
por comida junto à entrada da toca.
“Chegam nos últimos dias de Março
e vão-se embora nos primeiro dias
de Setembro”, precisa Guillaume.
O passeio termina junto ao res-
taurante Restinga, com quem têm
uma parceria desde o ano passado
(passeio de uma hora e bebida, sa-
lada ou refeição por preços que vão
dos 25€ aos 50€). Foi Filipe Esteves,
o proprietário, quem tomou a ini-
ciativa. “A minha família tem o res-
taurante há 40 anos, eu venho para
aqui desde os quatro. Gostava que
um dia os meus netos vissem esta
beleza única como eu a conheci.”
No entanto, apesar de reconhecer
que o passadiço “fazia falta pelo
pressuposto de conservação da na-
tureza”, a nova estrutura de madei-
ra veio tirar-lhe o estacionamento à
porta e isso “mudou os paradigmas
do negócio”. Às vezes, tem de ir bus-
car ou levar clientes a casa porque
nem os taxistas ali querem ir. Não
há iluminação mas o pó chega para
cobrir os carros.
O Restinga é o último restaurante
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
22 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
A mais recente novidade da oferta hoteleira bracarense tem uma vista privilegiada sobre um dos monumentos mais antigos do país e está no coração da crescente movida na cidade. Samuel Silva (texto) e Adriano Miranda ( fotos)
Uma guest house mais nova que a Sé de Braga
a Abre-se a janela do quarto e a va-
randa não é muito larga. Não cabe
ali uma mesa ou uma cadeira, mas,
para um corpo, é espaço sufi ciente.
Pode fi car-se ali de pé, confortavel-
mente, durante uns minutos. Incli-
namo-nos para a esquerda: é desse
lado que, a escassos metros, se er-
gue a Sé de Braga. Ícone maior da
cidade e um dos monumentos mais
antigos do país, tem deste local uma
vista privilegiada. Apetece, por isso,
olhar demoradamente e perceber os
vários estilos arquitectónicos que se
conjugam naquele templo.
Volta-se para dentro e ouve-se
uma voz simpática. “Esta é vossa ca-
sa por uma noite”, diz Susana Cunha
que, juntamente com o marido, gere
a Sé Guest House — que, pela vista
singular e proximidade em relação
à catedral da cidade, lhe tomou o
nome. Sem nunca perder o sorri-
so, Susana sublinha: “É assim que
gostámos de ver este espaço, como
uma casa.”
Essa preocupação percebe-se na
decoração, que é sóbria e confortá-
vel, com cores quentes e detalhes
aconchegantes, recorda mais um
espaço doméstico do que uma uni-
dade hoteleira. Há por ali recantos
com poltronas e mantas e vários lo-
cais onde apetece parar a ler. A sa-
la de estar — que também serve de
sala de pequeno-almoço — tem um
grande sofá em frente à televisão e,
na cozinha, a meia-dúzia de passos,
há sempre bolo, chá e café de que
os hóspedes se podem servir. A es-
tadia inclui ainda acesso à máquina
de lavar roupa e aos detergentes e,
no frigorífi co e despensa, há sem-
pre ingredientes básicos para poder
preparar-se uma refeição. Como em
casa, pois.
A pequena dimensão desta guest house bracarense, que abriu no início
deste ano, também ajuda a que nos
sintamos ali como em casa. O edifí-
cio tem três pisos e apenas quatro
quartos, todos tratados pelo nome
— que é sempre o de um monumento
da cidade. Ou seja, no máximo esta-
rão ali oito pessoas numa noite. Não
haverá confusões. O próprio edifí-
cio era uma casa unifamiliar e tinha
sido remodelado para habitação. A
adaptação a guest house não mexeu
praticamente na estrutura e o traba-
lho de Susana Cunha foi apenas o de
pensar na sua decoração.
“Os hotéis têm todas as comodida-
des, mas muito formais. Isso acaba
Sé Guest House
por criar um desconforto. Já a in-
formalidade ajuda-nos a criar laços,
mesmo que estejamos fora de casa”,
explica a gerente da Sé Guest House.
Minutos antes, tinha-nos recebido
na porta do edifício, como faz com
todos os hóspedes: “É importante
estabelecer este contacto.”
A Sé Guest House não é a primei-
ra aventura no mundo da hotelaria
de Susana Cunha e João Fernandes.
Há cinco anos, foram responsáveis
pela abertura do hostel do Gerês, a
primeira unidade deste género na
área do Parque Nacional da Pene-
da-Gerês. Em 2016, expandiram o
negócio abrindo o Home Gerês Hos-
tel, a poucos metros da primeira uni-
dade, também na vila de Caldas do
Gerês.
A sua história é comum a tantas
outras no crescente universo do alo-
jamento turístico em Portugal. Em
época de crise, a vida profi ssional de
Tirar os sapatos, fazer um chá e sentarmo-nos, de forma meio desengonçada, no sofá. Na Sé Guesthouse isso faz--se com o à-vontade de quem está em casa
A vista privilegiada para a Sé implica que a guest house tenha varanda sobre algumas das esplanadas mais movimentadas do centro histórico e paredes partilhadas com o principal bar de música ao vivo. Quem procurar uma estadia tranquila, isto será um problema
+
—
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 23
João, que é economista, e Susana,
responsável gráfi ca de uma estam-
paria têxtil, não estava a correr bem.
Começaram a estudar possibilidades
de abrirem um negócio próprio e o
turismo, por ser uma das áreas me-
nos afectadas pela crise económica,
pareceu-lhes o melhor caminho.
Logo em 2012, a abertura de um
negócio em Braga, cidade onde vi-
vem, chegou a ser equacionada.
“Mas Braga nessa altura não era aqui-
lo que é actualmente. Estas zonas
do centro histórico estavam pratica-
mente fechadas e não havia a procu-
ra turística a que hoje assistimos na
cidade”, justifi ca Susana. O Gerês,
de onde é natural, parecia na altura
uma solução com “mais potencial”.
Contudo, a maior cidade da re-
gião nunca saiu verdadeiramente
dos seus planos. No ano passado,
surgiu a oportunidade de arrendar o
prédio onde está a Sé Gest House. A
“mudança” que Susana e João obser-
varam em Braga, com um número
crescente de hostels e guest houses,
restaurantes e lojas inovadoras, e um
centro histórico cada vez mais pro-
curado por visitantes, convenceu-os
a experimentar o mercado turístico
da cidade.
O edifício fi ca na Rua Dom Paio
Mendes que, apesar do nome, não é
bem uma rua: é a praça defronte da
Sé de Braga e, por estes dias, o prin-
cipal centro da movida bracarense.
A Sé Guest House fi ca paredes-meias
com o Sé lá Vie, o bar de concertos
mais movimentado da cidade, e bem
perto de meia dúzia de esplanadas e
uma cada vez maior e mais diversa
oferta de restauração. Na Primavera
e Verão são espaços sempre muito
procurados, quer pelos locais, quer
pelos visitantes.
“A rua agora está na moda, mas
não foi por isso que viemos para
aqui”, defende Susana Cunha. O
importante no momento da esco-
lha era uma localização tão próxima
quanto possível do centro histórico
da cidade que, por ser relativamente
pequeno, pode percorrer-se a pé fa-
cilmente e com total independência.
E isso é importante para o segmento
em que a Sé Guest House quer posi-
cionar-se: estadias de fi m-de-semana
de casais maioritariamente jovens.
Ainda assim, desde a abertura da
unidade, 40% dos clientes estão na
cidade em viagens de trabalho.
A proximidade ao centro de Braga
é um dos aspectos mais valorizados
por quem procura esta guest house.
Mas também pode ser um problema.
Confuso? É fácil de explicar: a movi-
da bracarense está em crescimento
Sé Guesthouse BragaRua Dom Paio Mendes, 43, BragaTel.: 253 614 080/ 963 736 590www.seguesthouse.comPreço: O preço-base de uma noite na Sé Guest House são 60€ na época alta e 39€ na época baixa. Os preços dos quartos podem, no entanto, sofrer variações consoante a época do ano e a procura verificada. O quarto com a melhor vista para a Sé de Braga é sempre mais caro 10 euros do que os restantes.
i
PUBLICIDADE
e proporciona noites de diversão
nocturna que, ao fi m-de-semana,
se prolongam até às 2h.
As queixas foram, contudo, pou-
cas, até ao momento. “Normalmen-
te, quando as pessoas vêm ao fi m-
de-semana, vêm para se divertir e
acabam por não dar importância a
esse facto”, garante Susana Cunha.
Ainda assim, a Sé Guest House perce-
beu que isso pode ser um problema
e está, neste momento, a trabalhar
para melhorar o isolamento de ruído
nas janelas do edifício.
A Fugas esteve alojada a convite da Sé Guest House
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24 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Leonardo regressa à terra
Leonardo Pereira, que trabalhou durante vários anos no que já foi considerado o melhor restaurante do mundo, o Noma, em Copenhaga, voltou “à terra”, num duplo sentido (a Portugal e aos produtos portugueses), e este livro é o resultado das receitas que criou para o programa Chef de Raiz, do canal 24 Kitchen. “Tentei encontrar receitas que possam ser, ao longo dos tempos, absorvidas e reinterpretadas por cada um de vocês”, escreve. Começa pela Alvorada (pequeno-almoço e brunch), onde aparecem produtos menos habituais, como no smoothie de beterraba, framboesa e baunilha ou o muesli de alperce, pinhões e folha de figueira ou ainda a quinoa, trigo-sarraceno e ovo. Passa para a Mordida Grande (almoço) com um “pão sem amassar”, ostras e maracujá ou um creme de brócolos e caju, mas também por produtos portugueses como as beldroegas ou a moxama de atum; pela Pausa (lanche); o Lusco-Fusco (fins de tarde) com, por exemplo, ostras grelhadas com salicórnia; e chega ao Quando o Sol se Põe (jantar), dando aí atenção a produtos como as algas, o bacalhau e os cogumelos menos comuns.
Um jardim dentro de um bule
Muita gente que gostava de ter um jardim tem que se contentar com um vaso de plantas na varanda. O livro da jardineira britânica Holly Farrell, agora editado em português, mostra que é possível ter pelo menos um minijardim mesmo quando se vive num apartamento pequeno. As soluções apresentadas são várias: aquilo a que chama “paisagens em miniatura”, que podem ser um “bosque de salgueiros”, um “prado de Verão”, uma “selva num vaso”; os terrários, ecossistemas em miniatura; os jardins verticais; os jardins aquáticos e selvagens, e os produtivos (com ervas aromáticas, morangueiros organizados em torre ou até uma plantação de ananases). Basta começar com uma caixa de madeira, um bloco de cimento ou simplesmente… um bule.
+De bicicleta para todo o lado
a É possível escrever perto de 200
páginas sobre bicicletas? Miguel Bar-
roso, arquitecto de formação, espe-
cialista em questões de mobilidade e
planeamento sustentável, pratican-
te de BTT, utilizador entusiástico de
bicicletas e autor do blogue Lisbon
Cycle Chic, fá-lo sem qualquer difi -
culdade.
O livro, editado pela Esfera dos Li-
vros, destina-se sobretudo a quem
está a pensar começar a deslocar-se
mais frequentemente de bicicleta (de
casa para o trabalho, por exemplo)
mas precisa de (mais) um incentivo.
Miguel Barroso começa por dar o seu
próprio exemplo. “Quando em 2007
decidi que a minha vida iria mudar
e que iria tentar fazer o máximo das
deslocações de bicicleta, essa mu-
dança não aconteceu de um dia para
o outro”, escreve.
Apesar de já ter bicicleta e o há-
bito de andar, não o fazia de forma
O Livro da BicicletaMiguel BarrosoEd. A Esfera dos LivrosPreço: 12,50 €
i sistemática e, sobretudo depois de os
fi lhos terem nascido, as coisas torna-
ram-se mais complicadas. Mas não
impossíveis, sublinha. Aliás, mais pa-
ra a frente, o livro tem um capítulo
dedicado precisamente à utilização
da bicicleta em família e com crian-
ças, que trata não só do melhor mo-
do de as transportar (Miguel, a certa
altura, adaptou a sua bicicleta para
poder levar dois fi lhos) mas também
como os ensinar e como garantir a
segurança.
Nos capítulos anteriores, o autor
tinha já feito uma breve história da
bicicleta no mundo e a evolução, des-
de o entusiasmo do início do século
XX até à queda quando os automó-
veis se tornaram dominantes e, por
fi m, ao seu renascimento nos últimos
anos. Também em Portugal, afi rma,
as coisas estão a mudar e há cada vez
mais gente a escolher a bicicleta para
as suas deslocações diárias.
Para isso é necessário saber qual a
bicicleta certa — há um capítulo so-
bre preços, tamanhos e diferentes
ENRIC VIVES RUBIO
Alexandra Prado Coelho
Livros
modelos. Adquirida a bicicleta, sur-
gem outras questões como a roupa
a usar quando chove, os obstáculos
que se encontram numa cidade, ou
a conjugação da bicicleta com outros
meios de transporte. No capítulo 6,
explica-se como cuidar da bicicleta
para a manter em boas condições.
Por fi m, o autor dirige-se a quem
já tem o hábito de andar de bicicleta
e quer ir um pouco mais longe, num
capítulo sobre cicloturismo no qual
trata temas como “qual a bicicleta in-
dicada para viajar?”, “escolher desti-
nos e percursos”, “equipar a bicicleta
para levar bagagem” ou mesmo “e
terei forças para isto?”.
E, para terminar, as modalidades
mais desportivas ligadas à bicicleta,
da BTT ao ciclocrosse. Com o nú-
mero de utilizadores de bicicletas a
crescer e as cidades a criarem cada
vez mais condições para que isso
aconteça, com ciclopistas e outras
facilidades, este é um livro útil para
quem quer começar e não sabe exac-
tamente por onde.
Chef de RaizLeonardo PereiraEd. Casa das LetrasPreço: 21,90€
Jardins em Miniatura: Terrários e outros Pequenos JardinsHolly FarrellEd. Vogais 20|20Preço: 13,99€
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 25
Estarás sempre comigo, Irão
Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para [email protected]. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem
cerca de 1000. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publica-dos nesta página, são premiados com um dos produtos vendidos juntamente com o
PÚBLICO. Mais informações em fugas.publico.pt
a O Irão surgiu-nos como uma
história de amor antiga, um
enamoramento que nos retirou da
realidade presente para nos elevar
a uma realidade onde a linguagem
é a da emoção.
Numa qualquer noite de
Setembro, enquanto, na qualidade
de viajantes crónicos, dávamos
asas à imaginação em busca de
um destino insólito, o Irão surgiu-
nos como a resposta evidente
à adrenalina do desconhecido,
ao rebuliço de uma sociedade
fechada em si mesma, à ausência
de informação que nos permitisse
construir.
Aterrámos em Teerão com a
certeza de que nada tínhamos
de certo, com a vontade de
beber ao máximo da realidade
que se nos apresentava e com a
intenção de quebrar as barreiras
do distanciamento cultural,
económico e social que faz o
comum dos mortais levantar
o sobrolho, apelidar-nos de
“malucos” e recear pela nossa
segurança. No Irão redescobri
o tempo, voltei a sentir o frio na
barriga de quem não se pode
socorrer do Google, Tripadvisor
ou qualquer outro aplicativo, a
adrenalina de quem viaja com o
que traz consigo.
Chegados ao aeroporto, e com a
pretensão de viajarmos até Shiraz,
negociámos o valor do táxi até ao
aeroporto local, onde comprámos
bilhete para o avião seguinte. Foi lá
o nosso primeiro contacto com o
Irão, país onde homens e mulheres
vivem distanciados no toque, mas
muito próximos no olhar.
Se o Irão for uma full meal para o nosso apetite de viajantes
inconformados, Shiraz e Persépolis
serviram-nos de entrada para
um admirável mundo novo. A
sociedade persa é loud, como
dizem os ingleses, as cores são
gritantes, os risos são contagiantes
e tudo é magnânimo. Muito se
escreve sobra a história do Irão e
o retrocesso do papel da mulher
na sociedade iraniana, agora mais
submissa no comportamento
e na imagem. Nunca me senti
menosprezada ou inferiorizada,
porém foi um processo até me
convencer que não podia estender
a mão a um homem em forma
de cumprimento, nem deveria
introduzir-me nas conversas com o
meu ar perguntador. Ainda assim,
senti-me muitas vezes mais ouvida
que no Ocidente, ali eu era a Rita,
a portuguesa viajante, portadora
de informação e histórias
merecedoras de serem partilhadas.
Isfahan foi o nosso main course,
servido com tudo o que tivemos
direito, desde uma visita a uma
mesquita, onde fomos convidados
a beber chá e comer tâmaras
com os locais, até à participação
num casamento iraniano. Esta
é a cidade que guarda a beleza
do império persa e a magnitude
das suas construções. Os seus
tons de azul entraram-nos pelos
olhos e as suas gentes sorriram-
nos com o coração. Num inglês
difícil, completado pela linguagem
universal, fomos abordados um
punhado de vezes por locais
Fugas dos leitores
#fugadoviajanteEsta tag diz-lhe alguma coisa? A Fugas (@fugaspublico) está à procura das melhores fotos de viagem. Siga a conta e partilhe os melhores instantâneos das suas férias com a #fugadoviajante
@ricardomiguel3101 “Desde pequeno que sinto um enorme encanto por Sintra e pela sua serra! Deslumbra-me todo o romantismo que envolve os palácios e mansões e encanta-me o mistério que dali emana! Cada recanto tem algo para nos contar e é isso que me faz ir várias vezes a este lugar, capturar toda a sua essência e magia!”
@anafilipagoulao “O projecto ‘Support’, de Anthony Quinn, que pretende “apoiar” Veneza, é uma estrutura impressionante, com uma mensagem importantíssima, que surge das águas do Grande Canal. É uma forma criativa de mostrar a situação de perigo que a cidade corre.”
interessados em saber da nossa
história, em saber do estado da
taxa de desemprego no nosso país
e ainda sedentos de saber qual a
nossa opinião sobre a evolução da
União Europeia.
Ali apreciámos o
companheirismo de velhos
iranianos que enchem os jardins
com cânticos e danças quase
em forma de ode à vida e à sua
existência; acompanhámos um
professor universitário que nos
guiou pelas ruelas do mercado
contando-nos histórias do velho
império; ali fomos abordados
por duas jovens locais que
gentilmente nos ofereceram boleia
até à paragem de autocarro mais
próxima; ali fomos recomendados
a amigos e parentes de outras
cidades; e tudo isto em troca da
partilha, numa onda de gentileza
que não mais engrandece a
nossa capacidade de olharmos o
próximo.
Teerão, o nosso último destino,
repleto de cafés onde se pode
ouvir o que de melhor se faz no
Ocidente, foi portanto a sobremesa
desta experiência cultural e
um regresso à urbanidade. O
burburinho é uma constante,
não fosse esta uma cidade com
12 milhões de habitantes, sendo
o local onde o desenvolvimento
tecnológico encontra o
tradicionalismo cultural e religioso.
Tal sente-se no metro, um dos mais
desenvolvidos do mundo (nas suas
carruagens, isoladas por sexo,
vende-se de tudo — de comida a
meias, de produtos de maquiagem
a esfregonas); nos centros culturais
altamente desenvolvidos ao
nível da exposição artística, mas
onde proliferam salas de oração,
e outros tantos exemplos que
podíamos replicar.
Deixei parte de mim no
Irão, trouxe um punhado de
experiências comigo, ao passo
que aumentei a graduação deste
meu olhar curioso. Querem um
conselho? Percam-se no Irão, sem
medos, aproveitem ao máximo a
experiência da partilha e sorriam
com os olhos. O distanciamento
está em nós e a partilha do olhar
pode ser bem mais profunda e
complexa que a proximidade do
toque. Estarás sempre comigo,
Irão, porque foste especial, porque
me deste tolerância e porque
marcaste o inícoo de uma nova
era de curiosidade na vida desta
pequena viajante.
Ana Rita Ferreira
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26 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
No início de Agosto, o restaurante Terraço, do Hotel Tivoli da Avenida da Liberdade, reabre com cara nova e novo chef: Rui Paula, que vem do Porto para conquistar a capital. E já a olhar mais para além, para um palácio em Sintra. Alexandra Prado Coelho
Rui Paula“Não vinha para Lisboa para falhar”
Gastronomia
a Aquilo de que o chef Rui Paula
mais gosta é da adrenalina da aber-
tura de um novo restaurante — e é
precisamente isso que está a viver
neste momento no último andar do
Hotel Tivoli, na Avenida da Liberda-
de, em Lisboa. O Terraço, o históri-
co restaurante do hotel, com uma
extraordinária vista sobre a cidade,
foi o espaço que convenceu o chef do
Porto a avançar para Lisboa.
“Tive ofertas, e não foram pou-
cas, recusei algumas”, conta, bem-
disposto, de manhã cedo, quando
nos encontramos num Terraço em
plenos preparativos para a sua nova
vida (que passa pelo chef mas tam-
bém por um novo visual, mais claro,
mais arejado, a prolongar-se para o
Sky Bar, que também cresceu e está
mais bonito).
Rui Paula prossegue: “Mas não
podia vir para um sítio qualquer
em Lisboa. Sou conhecido por ter
restaurantes bonitos [o DOC, junto
ao Douro, entre a Régua e o Pinhão,
o DOP, no Porto, e a Casa de Chá da
Boa Nova, projecto do arquitecto Si-
za Vieira, em Leça da Palmeira, on-
de conquistou uma estrela Michelin.
Tem ainda um restaurante no Recife,
Brasil]. O espaço é importante para o
negócio, não é só a comida.”
O que é que procurava, exacta-
mente? “Ou era um restaurante meu
e fazia à minha maneira ou um res-
taurante que não é meu e faço à mi-
nha maneira também”, brinca. “Daí
ter recusado algumas coisas porque,
por mais dinheiro que me pagassem,
não ia ter a liberdade que queria. O
objectivo é fazer um trabalho em que
a minha imagem esteja segura e eu
tenha prazer e seja feliz. Não é fácil.
É preciso acreditarem no nosso tra-
balho, deixarem-nos fazer, dar pro-
vas. E não se vão arrepender.”
Trouxe para a cozinha do Terraço
uma equipa nova, chefi ada por Mau-
ro Silva, que será o chef residente e
que é, desde há muito, o seu braço
direito. “O Mauro esteve comigo na
abertura de todos os meus restauran-
tes, excepto o Cêpa Torta [o primei-
ro que abriu, em 1994, em Alijó].”
Para Rui Paula é vital ter à frente
da cozinha uma pessoa da sua total
confi ança. Só assim é possível abrir
novos espaços.
A ideia de que o chef que dá o nome
ao restaurante tem que estar sempre
na cozinha, à volta dos tachos, não
faz sentido, explica. “É preciso muita
coisa para um restaurante funcionar.
Estar concentrado na cozinha, o que
é isso? Se o restaurante tem 80 clien-
tes, ele sozinho vai fazer a comida de
todos? Vai fazê-la mal. Tem que ter
uma equipa. E boa, se calhar com
alguns elementos mais tecnicistas, a
cozinhar melhor do que ele.”
A proposta do Grupo Minor — que
comprou a cadeia Tivoli e está a reno-
var os vários hotéis — foi a que, fi nal-
mente, levou Rui Paula a fazer as
malas e partir para Lisboa. Mas não
se trata apenas do Terraço — o que
tornou a proposta irresistível foi o
Palácio de Seteais (ver caixa). A ida
para Sintra, contudo, demorará ain-
da cerca de um ano, pelo que agora
é tempo de o chef se concentrar no
Terraço e na nova carta que está a
ultimar para poder abrir portas
no início de Agosto.
Haverá, evidentemen-
te, uma continuidade
AD
RIA
NO
MIR
AN
DA
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 27
do seu trabalho nos outros restau-
rantes mas com muitos pratos adap-
tados ou pensados especialmente
para aqui. Rui Paula vai buscar a lis-
ta ainda provisória, com anotações
a lápis, mostrando que o trabalho
ainda não está concluído. Tem vin-
do a discutir com a equipa porque
é assim que gosta de fazer as coi-
sas, ouvindo as ideias dos que tra-
balham consigo e, quando são boas,
integrando-as.
“Não fazia sentido vir para Lisboa
fazer um copy/paste dos outros es-
paços. Quero resgatar alguns pratos
daqui, assim como trazer outros que
me caracterizam, a minha maneira
de empratar, o tratar o produto em
três vertentes, por exemplo. E terei
algumas infl uências do mundo, em
pratos mais internacionais.”
Garante, contudo, que não es-
tá a preparar um restaurante para
os turistas que enchem Lisboa por
estes dias. “Não pretendo que este
seja um local para os hóspedes do
hotel, embora eles também venham.
Tenho a certeza de que vamos ter
muitos clientes portugueses. É mi-
nha obrigação fazer isso. Restaurante
que não tem portugueses, para mim
não é restaurante.”
Mostra a carta: nas entradas en-
contramos, por exemplo, carpaccio
de polvo e romã; ceviche de camarão
e lírio com manga verde e chili; cara-
bineiros, citrinos e cenouras; rosbife
no carvão com toro de atum, tuta-
no e chicória; língua de vitela, ostra
glaciada e puré de maçã assada; nos
peixes podemos optar por um xarém
de amêijoas e lingueirão com robalo;
um salmão niçoise; uma caldeirada
ou um arroz caldoso de peixe e lava-
gante. Nas carnes, as propostas pas-
sam por carne maturada no carvão
com legumes grelhados; lombinho
de novilho, isca de foie, puré de ba-
tata fumada e couve glaciada; pá de
cordeiro ou carne de porco preto à
alentejana. E nas sobremesas, para
dar dois exemplos, haverá chocolate,
caramelo e açafrão ou creme brûlée
de chocolate branco.
Tem ainda a ideia de resgatar al-
guns pratos clássicos dos tempos em
que o Terraço era um restaurante
de referência. “Tenho clientes
com 70 anos que vinham aqui
com os pais e falam de pratos
como o robalo ao sal. Isto quer
dizer alguma coisa. Põe-nos em
sentido.” Até porque, garan-
te, gosta de desafi os. “Sei que
resgatar este Terraço é um
feito. Não só porque ‘venci’
em Lisboa, como porque o
trouxe de novo para a ri-
balta. Não é por ter uma
estrela Michelin que pen-
so que sou o rei da festa.
Quero fazer bem e quero
vencer. Não vinha para
Lisboa para falhar.”
O sonho de Seteais“Seteais foi determinante” para aceitar a proposta do Grupo Minor, proprietário da cadeia Tivoli, admite o chef Rui Paula. O Tivoli Palácio de Seteais, em Sintra, está também em obras e quando estiver pronto, dentro de um ano, receberá a cozinha de Rui Paula. “Gosto de trabalhar em coisas mais pequenas, Seteais tem uma beleza incontornável, posso fazer festas bonitas e trabalhar um restaurante gastronómico.” Ao nível da Casa de Chá da Boa Nova? “Ou mais… vai ser top.”
i Quer experimentar ramen em casa de António? Tem que esperar por Outubro
a João Ferreira pode passar uma
noite da semana a acordar de qua-
tro em quatro horas para verifi car a
cozedura da carne de porco. António
Carvalhão pode expulsar a mulher
e os dois fi lhos de casa para receber
os convivas que chegam para expe-
rimentar ramen, o prato japonês de
origem chinesa, pelo qual os dois
amigos se apaixonaram na Ásia e que
os fez lançar o projecto Ajitama, um
supper club, ou seja, a possibilidade
de jantar em casa de outra pessoa.
António e João são amigos desde os
tempos da escola, há 17 anos e cada
um seguiu o seu percurso académi-
co e profi ssional. Quando João, hoje
gestor numa empresa de equipamen-
tos industriais, trabalhou na China,
António estudou no Japão. No regres-
so a Portugal, de vez em quando, os
amigos falavam do famoso prato de
sopa com noodles. “Em Novembro de
2015 decidimos: vamos fazer o nos-
so ramen”, conta António. No mês
seguinte descobriram um workshop
sobre o tema, começaram a comprar
livros, a ver vídeos e a experimen-
tar fazer. “Demorámos 13 meses”,
revela João. O primeiro ramen que
fi zeram demorou 36 horas e “fi cou
uma porcaria”, riem-se. “Mas com
muita resiliência lá chegámos ao re-
sultado.”
Depois, começaram a fazer janta-
res para a família, para os amigos, pa-
ra os amigos dos amigos… Em Março
abriram a página no Facebook e, de
repente, as pessoas que entram em
casa de António são perfeitos des-
conhecidos. “A coisa foi crescendo
e não tivemos muito tempo para re-
agir”, avalia. A lista de espera é de
230 pessoas e só para Outubro os
dois amigos conseguirão voltar a re-
ceber reservas.
Agora, o ramen de João e António
tem lista de espera e a mesa que pre-
pararam para receber oito pessoas
leva, por vezes, uma dúzia — acres-
centaram uma velha porta encon-
trada na rua que fi ca exactamente
ao mesmo nível da mesa — “houve
um alinhamento dos astros”, brinca
António.
A actividade do Ajitama — é o
nome que tem o ovo cozinhado e
cortado com fi o de nylon para que
a gema não fi que na lâmina da faca
— começa à sexta-feira, quando os
dois amigos iniciam a preparação do
jantar de sábado. Às vezes João fi ca
em casa de António a dormir no sofá,
tal é a hora a que terminam os pre-
parativos. Fazem tudo, da entrada
à sobremesa de matcha, passando
pela massa. O vinho que é servido é
alentejano, Herdade dos Grous, e, no
fi nal, o café é Nespresso — de resto,
tudo é japonês. Por exemplo, pode
Bárbara Wong
Ajitama é o projecto de dois amigos que os deixa noites sem dormir e nos desafia a comer ao lado de estranhos
pedir uma cerveja ou um refrigerante
nipónico.
E sobre o que se conversa com
estranhos? António e João fazem as
honras da casa e ao longo da refei-
ção vão contando as suas histórias.
Quando eles não estão, seguimos o
mesmo guião: conversamos sobre
viagens inspirados pelo planisfério
que decora a sala e que mostra os
países por onde o anfi trião já passou
e as dezenas de guias de viagens que
estão empilhados ao fundo da divi-
são. Se não, podemos sempre falar
de comida ou de vinhos.
O jantar começa às 21h30 e ter-
mina impreterivelmente às 0h30 e
cada um deixa o que quiser para pa-
gar a refeição. A média tem sido 30
euros, um preço que António e João
consideram justo. A marcação deve
ser feita por email: ajitamalisbon@
gmail.com.
FOTOS DR
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MIR
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DA
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28 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Vinhos
ChryseiaVinho de ouro filho de Roriz
a Para um vinho cuja curta vida de
15 edições carrega já uma das mais
ricas e destacadas histórias do Dou-
ro, cada nova colheita é um aconte-
cimento. E bem se entende a tenta-
ção para a classifi car como a melhor
de sempre, até porque se há traço
que marque as sucessivas colheitas
de Chryseia é a linha de elegância e
frescura que distinguem os melhores
entre os melhores.
Nos Chryseia dos últimos anos
pode notar-se também uma menor
preponderância do vigor e concen-
tração, com o acentuar das notas
de frescura em favor da elegância e
equilíbrio. Uma evolução em relação
às colheitas da primeira década, que
se associa à disponibilidade da tota-
lidade das uvas das vinhas da Quinta
de Roriz, que permitiram reduzir
o recurso a uvas de vinhas do vale
do Torto, voltadas a sul e poente e
expostas a temperatura bem mais
elevadas.
Em Roriz, numa encosta da
margem esquerda do Douro
voltada a norte e benefi ciando
do efeito de sombra nos fi nais
de tarde do pico de Verão, o
fruto das uvas bem expressa
essas características de terra
fresca. Por isso, se o nome
Chryseia signifi ca de ouro
em grego clássico, com toda
a propriedade se dirá agora
ser fi lho de Roriz.
Charles Symington, um dos
enólogos responsáveis pela
produção, destaca também
os “muitos anos de afi nação
de processos” e o facto de “as
vinhas começarem já a ter uma cer-
ta idade, produzindo agora fruta de
muita qualidade”. Foram plantadas
nos anos 1990 e Charles aponta ain-
da para outra característica: “Com
excepção de Sauternes, não conhe-
ço outro lugar onde seja tão baixa a
quantidade de vinho que se tira por
cada hectare.”
Autêntico néctar, que bem se ex-
pressa na intensidade dos aromas e
sabores de fruta fresca nesta colhei-
ta de 2015 que foi agora lançada. As
chuvas do Outono (de 2014) permiti-
ram à terra um bom armazenamen-
to de águas, a Primavera amena, o
início de Verão quente e um Agosto
de noites frescas proporcionaram
condições de maturação equilibrada
e de grande qualidade. O futuro dirá
e foi o ano perfeito, mas este Chry-
seia de 2015 para aí aponta.
Impõe-se a frescura e profundida-
de logo desde o primeiro contacto.
Cor de média densidade, fruta,
intensidade, jovialidade, com-
plexidade, estrutura e sabor. Mas
não é só isto, é tudo isto dentro
do vinho que até o efeito dos 15
meses de estágio em madei-
ra parece já ter absorvido.
Tem corpo e alma de vi-
nho, aromas fl orais e de fós-
foro, sabor intenso, fi nal ele-
gante, longo e saboroso, com
expressão de tanino maduro
e poderoso a prometer longa
e vigorosa vida de evolução. É
notável, no entanto, a forma
elegante e gulosa como cativa
já nesta prova de juventude. José Augusto Moreira
DR
Está a chegar a hora dos sommeliers, os novos gurus do vinho
a Produtores de vinho? Ainda
continuam a ser a base do
negócio, mas só uns românticos
ou uns enófi los mais ciosos é
que querem saber quem está
por trás das uvas que estão por
trás de um vinho. Enólogos?
Também já começam a pagar
o preço da fama. Alguns,
voadores ou Speedy Gonzalez
na velocidade com que passam
por adegas, receitam poções
mágicas ou “bitaitam” sobre
lotes e coisas afi ns, ainda acham
que são as verdadeiras estrelas
do fi rmamento, os Ronaldos do
vinho. No universo dos críticos,
escritores de vinhos, bloguers e
afi ns, primeiro surgia o enólogo
e só depois o vinho e o produtor.
Até virou moda colocar nos
rótulos by fulano tal. Mas esse
tempo parece estar a acabar.
A hora é dos chefs. Mesmo
com algum atraso em relação ao
mundo desenvolvido, Portugal
está a viver o seu momento
Masterchef. Não há cara laroca,
com turbante ou sem turbante,
gorda ou esbelta, culta ou
iletrada, que não tenha o seu
programa de televisão. Nas
revistas cor-de-rosa já disputam
o protagonismo com as Lili
Caneças e os Castelo Branco
deste mundo. E nos jornais de
referência têm cada vez mais
espaço e mais leitores do que
os políticos ou os artistas. São
as stars que vivem para as stars
do Michelin — o avatar das
revistas de vinho. Também é
para estas que muitos enólogos
trabalham. A coisa está tão ligada
que o Guia Michelin acabou de
comprar 40% da Wine Advocate,
a revista-site criada por Robert
Parker, o homem que, quando
era o mais infl uente do mundo,
Os sommeliers são hoje uma peça essencial no negócio do vinho. Fazem a ponte entre o produtor e o consumidor final
Pedro Garcias
Elogio do vinhoconvenceu toda a gente que
os grandes vinhos tinham que
ser encorpados, estruturados,
densos, amadeirados e
alcoólicos. Ganhou muito
dinheiro e deu muito dinheiro
a ganhar, mas o seu legado está
hoje a ser posto em causa até
pelos seus próceres, como o
francês Michel Rolland, que já
vaticinou o fi m da ditadura das
pontuações nos vinhos.
Em breve, o palco pertencerá
aos sommeliers, nome
moderno para os escanções de
antigamente. Já ninguém usa
cordões em volta do pescoço
a segurar uma coisa com ar de
concha para provar o vinho.
O sommelier de hoje já não é
um reciclado do empregado
de mesa. E é cada vez menos
também chefe de sala. É
sommelier e basta. Gere e sugere
vinhos. No mínimo, passa por
uma escola de hotelaria. Viaja,
visita produtores, prova tudo e
veste Zara ou até alta costura.
Já não procura trabalho. Hoje,
o bom sommelier escolhe o
restaurante ou o chef com quem
quer trabalhar.
Os chefs já não vivem sem eles.
Entregam-lhes o departamento
dos vinhos, para se poderem
dedicar apenas aos fogões. Os
produtores de vinho já não
falam com os proprietários
dos restaurantes, vão directos
aos sommeliers. Os concursos
nacionais e internacionais de
vinhos já não passam sem os
sommeliers. Até as revistas
do sector já não vivem sem
os sommeliers. Em Portugal,
verdade seja dita, a Revista de Vinhos-Essência do Vinho foi
a mais visionária. No tempo
da Wine, já colaboravam com
esta revista os sommeliers
João Pires, o único Master
Sommelier português, e Manuel
Moreira. Recentemente, a
Revista de Vinhos contratou
mais quatro sommeliers para
integrarem o seu painel de
provas, todos eles renomados:
o brasileiro Guilherme Corrêa e
os portugueses João Chambel,
António Lopes e Rodolfo Tristão.
Não vai demorar muito até
aparecer o primeiro programa
televisivo Mastersommelier.
Os sommeliers são hoje uma
peça essencial no negócio do
vinho. Fazem a ponte entre
o produtor e o consumidor
fi nal. Aconselham cadeias
de distribuição, assessoram
empresas de importação e
exportação, marcam tendências.
São os novos gurus do vinho. Por
cá, o fenómeno só agora começa
a ganhar algum signifi cado. Há
uma nova geração de sommelliers
talentosos a despontar e será ela,
pelo exemplo, que irá levar toda a
classe atrás (como aconteceu com
a primeira fornada de enólogos
que saiu da universidade) e
colocar o consumo e o serviço de
vinhos em Portugal num outro
patamar de qualidade.
Mas vai demorar. Por culpa
do Estado, a formação é ainda
uma anedota. Os sommeliers nem plano formal de estudos
têm (qualquer um pode ser
sommelier) e na maioria das
escolas de hotelaria, verdade
seja dita, pouco aprendem sobre
vinhos — embora já andem alguns
por aí que julgam saber tudo.
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plex
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 29
55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os
seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 Porto
O branco estrela de Valle Pradinhos
a O sucesso dá trabalho, não cai
do céu. Se o Valle Pradinhos branco
tem o sucesso que tem, se esgota
ano após ano e obriga os distribui-
dores a comprar outros vinhos da
casa, é porque o vinho tem que ter
valor, tem que ser bom.
O “bom” é sempre subjectivo,
mas mais objectiva é a consistência
deste branco. Quem o compra, já sa-
be o que espera encontrar. Embora
nunca haja um vinho igual, pela in-
fl uência climatérica do ano, o Valle
Pradinhos mantém o mesmo estilo
inconfundível, que lhe advém da
aposta no mesmo trio de castas de
sempre — Gewürztraminer, Riesling
e Malvasia Fina — e também da lo-
calização das vinhas, na zona alta e
fresca de Macedo de Cavaleiros, em
Trás-os-Montes. Podemos gostar ou
não, mas é um vinho com carácter,
com uma identidade bem defi nida
— e este é o melhor elogio que se
lhe pode fazer.
O seu traço mais distintivo é o
aroma a líchias que as uvas da va-
riedade Gewürztraminer incutem
ao vinho. Se o vinho fosse feito só
desta casta mais exuberante, podia
tornar-se algo excessivo. Mas a sei-
vosidade do Riesling e a faceta mais
fl oral da Malvasia Fina acrescentam-
lhe outros atributos, complexam-no
mais, deixam-no mais vivo e equi-
librado.
A frescura do lugar, associada à
sua boa exposição, também é im-
portantíssima, porque permite que
as uvas amadureçam bem e preser-
vem uma boa acidez. Aliás, isso é
bem notório neste 2016. Sendo um
vinho de 13,5%, já bastante maduro,
possui um frescor e uma vivacidade
magnífi cas. É um branco muito efu-
sivo de aroma mas ao mesmo tempo
vibrante e saboroso. A um autênti-
co bailado aromático, sucedem-se
sensações frutadas e uma salvífi -
ca torrente de frescura. Frescura
mesmo, não aspereza ácida — uma
particularidade do Riesling, quando
plantado em lugares frescos, como
é o caso das vinhas de Valle Pradi-
nhos. Pedro Garcias.
Proposta da semana
Valle Pradinhos Branco Reserva 2016Casal de Valle PradinhosMacedo de CavaleirosCastas: Riesling, Gewürztraminer e Malvasia FinaGraduação: 13% volRegião: Trás-os-MontesPreço: 13,95€
Pouca Roupa Rosé 2016João Portugal Ramos, EstremozCastas: Sauvignon, Aragonez e Touriga Nacional BlancGraduação: 12,5 volRegião: AlentejoPreço: 3,99€
Há por aí muitos rosés bem mais caros do que este e sem a mesma qualidade. A cor pode não ser a mais entusiasmante, sugerindo mesmo alguma evolução, mas a prova desmente essa ideia. É um rosado cheio de fruta vermelha, contido de álcool e com uma excelente acidez que lhe dá equilíbrio, vivacidade e persistência. Tudo o que se pede de um vinho destes, de vocação estival. Muita boa relação qualidade/preço P.G.
Monte das Ânforas by Quinta do Carmo Tinto 2016Bacalhôa VinhosCastas: Trincadeira e AragonezGraduação: 14% volRegião: AlentejoPreço: 2,80€
Vinho novo, da última vindima, madurinho e macio e também espevitado. Bastante vinoso, ressuma a frutos vermelhos. Não tem grande espessura, mas tem volume. Bebe-se bem. P.G.
Vale da Mata Tinto 2014Herdade do Rocim, Cortes, LeiriaCastas: Touriga Nacional, Tinta Roriz e SyrahGraduação: 13,5% volRegião: LisboaPreço: 8,50€
Os vinhos Vale da Mata são do melhor que a Herdade do Rocim faz. São vinhos mais frescos e equilibrados, a que não é alheio o facto de provirem de vinhas situadas na zona das Cortes (Leiria), numa encosta da serra de Aire. Vinhas mais altas e mais próximas do mar. Este tinto de 2014 é exemplar. Lote de Touriga Nacional, Roriz e Syrah, é um vinho com raça, não uma bomba mas suficientemente musculado, bem afinado, com uma boa influência da barrica, fruta viva e madura, sugestões florais delicadas, final fresco e apimentado. Um primor. P.G.
Grão Vasco Tinto 2016Quinta dos Carvalhais, SograpeCastas: váriasGraduação: 13% volRegião: DãoPreço: 3,49€
O tinto clássico da Sogrape no Dão está mais moderno. Vinho de combate, ganhou um pouco mais de cor (é mais tinto) e também maior exuberância aromática — ressuma, sobretudo, a fruta vermelha muito limpa e definida —, sem perder a elegância e a frescura de sempre. É difícil haver alguém que não goste deste tipo de vinho, muito directo e impressivo, ideal para o dia-a-dia. P.G.
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30 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017
Nesta cave de vinhos, o trabalho dos tanoeiros sai do esconderijo
a Depois de meses fechadas ao pú-
blico, as Caves da Cockburn’s, em
Gaia, abriram portas com novo fi gu-
rino. O investimento de mais de um
milhão de euros chegou para mon-
tar um museu, duas salas de provas,
garrafeira e uma loja. Mas a principal
novidade é que a arte da tanoaria es-
tá também no centro das atenções:
quem por aqui passar poderá ver os
sete tanoeiros da casa em acção. Pa-
ra que ninguém se esqueça da im-
portância que têm na qualidade do
vinho que transporta o nome do Por-
to — e de Portugal — para o mundo.
A visita guiada, que dura 45 mi-
nutos, inicia-se assim que ultrapas-
samos a ampla e renovada recepção
— o primeiro espaço que se levanta
diante de nós é um pequeno museu.
naves do armazém, pipas de carva-
lho e tonéis empilhados e enormes
balseiros dispõem-se ao longo de
corredores que não parecem ter fi m.
Uma caminhada que só é interrompi-
da pelo fi lme de seis minutos, narra-
do por Paul Symington e por Charles
Symington, sobre o ofício dos tano-
eiros e a importância dos cascos no
envelhecimento do vinho.
O vídeo antecede a realidade. Nu-
ma pequena abertura para a ofi ci-
na dos tanoeiros, faz-se uma visita
ao passado. A arte de desmantelar,
aduela a aduela, as pipas para manu-
tenção pouco ou nada mudou com
o passar do tempo e a Cockburn’s é
a última casa de vinho do Porto que
mantém uma equipa residente de se-
te tanoeiros e deixa que as pessoas
assistam ao ofício em vias de extin-
ção, revela Ana Rodrigues, respon-
sável pelo enoturismo da Symington.
Meta: 40 mil visitas anuais
Num piso abaixo, uma escura garra-
feira de vinho do Porto vintage guar-
da 16 mil garrafas, de três séculos di-
ferentes, que ali estão a envelhecer.
A mais antiga é de 1868.
O fi m da visita faz-se na sala de
provas. Com 80 lugares sentados,
os visitantes podem optar por uma
prova de 12 ou 15 euros. A Sala John
Smithes, no piso superior, fi ca reser-
vada para aqueles que optam por
provas entre os 25 e os 45 euros, que
incluem Portos Vintage raros e Por-
tos velhos envelhecidos em madeira.
A loja é o último espaço por on-
de passamos, antes de chegarmos
novamente à recepção. Lá estão vi-
nhos do Porto da gama Cockburn’s
e de outras marcas associadas à fa-
mília Symington: Graham’s, Dow’s,
Warre’s, entre outros.
Neste novo centro de visitas, a
família Symington, proprietária da
Cockburn’s, espera receber cerca de
40 mil pessoas por ano. “Temos rece-
bido essencialmente turistas”, conta
André, um dos guias da Cockburn’s.
E, até agora, o espaço preencheu as
expectativas de quem visita: “Já ti-
vemos cá pessoas que estiveram cá
antes da remodelação e gostaram
das mudanças no espaço.” Texto editado por Sandra Silva Costa
Poder ver os tanoeiros a trabalhar é uma mais--valia na visita às caves
+
Cockburn’sRua de Serpa Pinto, 346, Vila Nova de GaiaTel.: 913 007 950Email:[email protected] www.cockburns.comHorário: Até 31 de Outubro, as caves estão abertas entre as 9h30 e as 18h. De 1 de Novembro a 31 de Março, fecham meia hora mais cedo. Quem quer ver os tanoeiros ao vivo, tem de lá passar entre as 8h e as 17h, durante a semana.Preços: A visita guiada, que necessita de pré-reserva, fica entre os 12 e os 45€, consoante os vinhos que cada pessoa escolhe provar no final do circuito.
i
Beatriz Silva Pinto
FOTOS: PAULO PIMENTA
Cockburn’s
Um documentário e duas esculturas
fazem menção à época em que o vi-
nho era transportado pelos barcos
rabelos, desde o Douro até Gaia, e
uma cronologia e diversos docu-
mentos narram a história da marca
com mais de 200 anos. Há um catá-
logo de fotografi as enorme, que nos
transporta até à Quinta dos Canais,
no Douro Vinhateiro, uma das que
fornece os vinhos da Cockburn’s.
Poucos passos depois, entramos
nos armazéns de envelhecimento.
Apesar da remodelação, o espaço
manteve-se intocado. O chão, de
terra batida, ajuda a manter a tem-
peratura do armazém e, quando o
calor cresce, continua a ser regado.
Nestes armazéns estão mais de seis
mil pipas de vinho do Porto em está-
gio e o equivalente a mais de 10 mil
pipas em balseiros.
A paisagem impressiona: numa das
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Day dreamers,
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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 31
Com o calor que está só um arjamolho geladinho nos pode salvar
a Cada família italiana tem uma
receita diferente de esparguete à
bolonhesa. Carne de porco? Carne
de vaca? As duas? Leite? Azeite?
Manteiga? A multiplicidade de
receitas é, paradoxalmente, o sinal
que um prato é tradicional.
Faz parte dessa tradição que,
no fundo, cada um faz como quer.
Quanto mais versões houver, mais
reclamarão que são as verdadeiras
ou originais e todas as outras são
erradas.
“Pode não ser assim que vem
nos livros mas é assim que eu
gosto e é assim que eu faço.” Esta
é a atitude inteligente e criativa de
quem consegue cozinhar bem.
A discussão acerca da
autenticidade faz parte do prazer
da cozinha.
Que triste seria se fôssemos
todos robots humanos a obedecer
até ao grama receitas de aplicação
universal. Infelizmente isso já
acontece com a ditadura popular
das Bimbys, tão implantada que
não temos amigos que não tenham
sucumbido e tenhamos por
isso fi cado, literalmente, a falar
sozinhos.
É divertido passar uma
década ou duas a discutir o que
constitui um gaspacho alentejano,
um gaspacho andaluz ou um
arjamolho algarvio. O meu sogro,
que era de Portalegre, defi nia o
gaspacho como alho, sal, pão,
azeite e vinagre. Depois ia-se
acrescentando o que se queria.
Uma coisa é certa (faz de
conta): os gaspachos e arjamolhos
portugueses, ao contrário dos
espanhóis, abominam a utilização
de varinhas mágicas, essas
antepassadas das Bimbys, que
reduzem tudo a um grosseiro e
indistinto puré de nada e de tudo.
O arjamolho está para a cozinha
estival portuguesa como o
Bloody Mary para o mundo dos
cocktails. Investigações recentes da
gastrofísica sugerem que os Bloody
Marys sabem bem quando se anda
de avião por causa do sabor umami
que têm, capaz de suplantar a
mortandade organoléptica imposta
pelo ruído dos motores.
No caso do arjamolho é a
deliciosamente baixa temperatura,
ocasionada pelo uso compulsivo
(faz de conta) do gelo, que é capaz
de fazer frente ao calor.
Há debates infi ndos acerca do
uso de gelo ou de água gelada
no arjamolho. Alguns espíritos
radicais até dispensam — horror
dos horrores — a água fria. Só
não há quem goste do arjamolho
quente, embora isso seja apenas
uma questão de horas até um dos
novos chefs se lembrar disso.
O arjamolho é uma sopa de
água fria que sabe bem por ser
um cocktail vegetal que se come
com uma colher. É, por isso,
essencial que a água seja a melhor
possível. Sai barato fazer cubos de
gelo com água do Fastio, do Luso
ou qualquer outra água limpa e
pouco mineralizada. O que não se
quer é o sabor a cloro da água da
companhia.
Sim, sim, sim: a água dos canos
é de excelente qualidade. Mas tem
um saborzinho mais ou menos
incomodativo, conforme a zona
onde se vive.
Nas outras sopas essa água é
fervida. Mas no arjamolho ela é
somente congelada, o que fi xa
mais esses gostos, quando não vai
buscar outros aromas indesejáveis
ao congelador.
Também não vale a pena fazer
o arjamolho se o alho, o tomate,
o pepino, a cebola e os orégãos
não forem deliciosos sozinhos. Se
um ingrediente não está perfeito,
o melhor é deixá-lo de fora. O
arjamolho não só não esconde
os defeitos dos constituintes,
como denuncia-os violentamente.
Sobretudo o alho: o melhor é
o de chão seco, como já aqui
É divertido passar uma década ou duas a discutir o que constitui um gaspacho alentejano, um gaspacho andaluz ou um arjamolho algarvio
Miguel Esteves Cardoso
demonstrei.
Vamos à receita. Ponha dois
dentes de alho no fundo de uma
tigela. Não é preciso esmagá-los.
Basta abri-los com uma faca. Junte
o sal e dê umas voltas. Quando
começar a comer o arjamolho
pode tirar o alho: já fez o que
tinha a fazer. O arjamolho perfeito
não pode ser nem um bocadinho
indigesto.
Junte uma cebola pequena
cortada em 16 gomos. Depois um
tomate sem pele, em cubinhos.
Agora, se quiser, deite os
cubinhos de pão alentejano. Mexa
indolentemente. Deite também
cubos de um pepino (o melhor
é o holandês) e de um pequeno
pimento vermelho.
Esmifre nos dedos uma
mão cheia de orégãos secos
inteiros, para soltarem os óleos e
fi nalmente deite o azeite, o vinagre
e quatro cubos de gelo. Prove
e afi ne o sal. Está pronto. Bom
arjamolho!
ANTÓNIO CARRAPATO
O gato das botas
6b866b28-1c7b-428d-9ba0-02312487d833
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