Algumas questões controvertidas do ECA

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Algumas questões controvertidas do ECA Bruno Heringer Júnior Promotor de Justiça/RS Inserido em 8/5/2000 Parte integrante da Edição no 1 Código da publicação: 155 1. Introdução - 2. A necessidade de oitiva prévia do adolescente infrator pelo MP - 3. A remissão concedida pelo MP - 4. A prescrição da pretensão de aplicação de medida sócio-educativa - 5. A necessidade de oferecimento de representação ou queixa pela vítima - 6. O assistente do Ministério Público - 7. A irretratabilidade do consentimento dado pelos pais biológicos na adoção - 8. A irrevogabilidade da adoção - 9. A guarda para fins previdenciários - 10. O interesse local do município e o conselho tutelar - 11. A fundamentação das portarias judiciais - 12. O sistema recursal - 13. A discricionariedade administrativa. 1. INTRODUÇÃO A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi responsável por uma redefinição radical da forma de atendimento a ser dado a crianças e adolescentes no País, nas mais diversas esferas de seus interesses, através de um sistema de preceitos que procura implementar a teoria da proteção integral.

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Algumas questes controvertidas do ECABruno Heringer JniorPromotor de Justia/RS Inserido em 8/5/2000 Parte integrante da Edio no 1 Cdigo da publicao: 155

1. Introduo - 2. A necessidade de oitiva prvia do adolescente infrator pelo MP - 3. A remisso concedida pelo MP - 4. A prescrio da pretenso de aplicao de medida scio-educativa - 5. A necessidade de oferecimento de representao ou queixa pela vtima - 6. O assistente do Ministrio Pblico - 7. A irretratabilidade do consentimento dado pelos pais biolgicos na adoo - 8. A irrevogabilidade da adoo - 9. A guarda para fins previdencirios 10. O interesse local do municpio e o conselho tutelar - 11. A fundamentao das portarias judiciais - 12. O sistema recursal - 13. A 1. discricionariedade administrativa. INTRODUO

A Lei n 8.069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente) foi responsvel por uma redefinio radical da forma de atendimento a ser dado a crianas e adolescentes no Pas, nas mais diversas esferas de seus interesses, atravs de um sistema de preceitos que procura implementar a teoria da proteo integral.

Em vigor desde 14 de outubro de 1990, o ECA, porm, ainda comporta apreciaes dspares de inmeros dispositivos.

O objetivo do presente trabalho , assim, analisar, sucintamente, algumas questes controvertidas decorrentes da aplicao da lei referida, sem a pretenso de apresentar exame acurado de implicaes doutrinrias ou jurisprudenciais. Ao contrrio, trata-se de viso prtica decorrente do exerccio da funo de Promotor de

Justia

da

Infncia

e

da

Juventude

h

algum

tempo.

2. A NECESSIDADE DE OITIVA PRVIA DO ADOLESCENTE INFRATOR PELO MP

Entre tantas outras inovaes, o procedimento para apurao de ato infracional praticado por adolescente passou a apresentar importantes particularidades com o ECA, principalmente com a criao do instituto da remisso. No se pode deixar de admitir certa influncia desta experincia sobre a edio da Lei n 9.099/95. Entretanto, talvez exatamente por se tratar de novidade, esta uma das sees do ECA que mais vem sofrendo interpretaes divergentes. Uma delas diz respeito ao disposto no art. 179 e seu pargrafo nico, que exigiriam do Promotor de Justia a prvia ouvida do infrator, antes de oferecer representao, aplicar remisso ou promover o arquivamento das peas encaminhadas pela Polcia Civil; em no se apresentando o adolescente, caberia ao membro do Ministrio Pblico notific-lo para tanto, podendo requisitar apoio policial para sua conduo. Os principais comentadores do Estatuto apresentam diferentes posies sobre o contedo dos dispositivos mencionados, mas nenhum permite ao Promotor de Justia deixar de inquirir o infrator e seus pais ou responsvel, se possvel. Assim, Conceio A. Mousnier, com base no art. 111, V, do ECA, elabora o "direito oitiva pessoal", que se estenderia atuao do Ministrio Pblico ("O Ato Infracional", RJ, Liber Juris, 1991, p. 24). Alyrio Cavallieri, alm de exigir a prvia oitiva do infrator, afirma dever ser afastada a informalidade da medida, apesar do que estabelece a lei

("Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente", RJ, Forense, 1991, p. 188). Neste sentido so tambm, de certa forma, as lies de Jos Luiz Mnaco da Silva ("Estatuto da Criana e do Adolescente - Comentrios", SP, RT, 1994, p. 303) e de Paulo Lcio Nogueira ("Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado", SP, Saraiva, 1991, p. 245). Antnio Chaves, apesar de esposar o entendimento de Alyrio Cavallieri, antes referido, critica a repetio de inquiries (Delegado de Polcia, Promotor de Justia, Juiz de Direito), sem admitir, contudo, a possibilidade de dispensa de ouvida pelo Parquet ("Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente", SP, LTr, 1994, p. 597). Wilson Donizeti Liberati, diferentemente, entende desnecessria a reduo a termo das declaraes prestadas pelo adolescente ao Promotor de Justia ("Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente", SP, Malheiros Editores, 1993, p. 155). Por fim, Jurandir Norberto Marura entende dispensvel a apresentao, se atpica a conduta, se criana o autor, se desconhecido o endereo do adolescente ("Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado", SP, Malheiros Editores, portanto, a 1992, jurisprudncia se p. 500). a

Tendencialmente,

inclinaria

reconhecer a obrigatoriedade da prvia inquirio do infrator pelo Parquet. o que se verifica de acrdo publicado em Lex 164/164 (Ac. C. Esp. TJSP - Ap. Cv. n 17.778-0-SP, de 28.07.94). Chegou-se, inclusive, a erigir tal medida categoria de "condio de procedibilidade", soluo manifestamente equivocada, pois ala a pressuposto formal aquilo que a prpria lei define como informal. O que estes entendimentos revelam, entretanto, a inclinao burocratizante de nosso sistema de justia formal, comprometendo at mesmo os objetivos mais elevados da nova lei.

Desde o incio, porm, aplicadores do Direito deram-se conta de que o dispositivo legal no tinha a extenso que se lhe estava tentando dar, tanto que eram - e ainda so - bastante freqentes as representaes oferecidas sem prvia oitiva do adolescente e responsveis. Em 1994, durante o III Congresso Estadual do Ministrio Pblico, realizado em Canela, RS, o culto Promotor de Justia, Carlos Roberto Lima Paganella j havia proposto a seguinte tese:

"Desnecessidade de prvia notificao ao adolescente e seus pais ou responsveis (art. 179, pargrafo nico, ECA) para oferecimento de representao, quando na Delegacia de Polcia os pais assinaram termo de responsabilidade de que apresentariam o adolescente ao Ministrio Pblico" (Anais do III Congresso Estadual do Ministrio Pblico, p. 292). A tese, infelizmente, foi rejeitada.

O amadurecimento da questo, dado o tempo de vigncia do dispositivo, permitiu o surgimento de entendimentos jurisprudenciais preocupados com a simplificao e a celeridade do procedimento para a apurao de ato infracional atribudo a adolescente.

Acrdo publicado em Lex 164/278 (Ac. 2 V. TJSP - Rec. em Sent. Estr. n 18.344-0-SP, de 11.08.94), teve a seguinte ementa: "MENOR. REPRESENTAO. OITIVA DE ADOLESCENTE. PROVIDNCIA NO OBRIGATRIA. MENOR NO APRESENTADO. INQUIRIO NO ALADA A CONDIO DE PRESSUPOSTO DA AO. ART. 179 DO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE. RECURSO PROVIDO PARA ESTE FIM - Se a inquirio informal do art. 179 do Estatuto da Criana e do Adolescente for alada, antes de instaurado o procedimento, condio de pressuposto da ao, bastar que o

adolescente se furte e, deliberadamente, deixe de se apresentar ou ser apresentado para que a Justia da Infncia e da Juventude se frustre." Mais correto ainda, contudo, o entendimento constante de acrdo da 7 Cmara Cvel do TJRS, ao apreciar o AI n 593008063, em 07.04.93: "A prvia inquirio dos menores pelo Ministrio Pblico ocorre apenas para melhor habilitar o Dr. Promotor de Justia para a correta classificao do ato infracional atribudo aos infratores. Podendo contar com outras informaes, a prvia inquirio torna-se desnecessria..." Esta ltima deciso tangencia aquilo que parece ter sido o real objetivo da lei ao prescrever a necessidade de prvia oitiva informal do infrator pelo MP. Ao criar o instituto da remisso e possibilitar sua concesso pelo Promotor de Justia, bem como ao simplificar as peas encaminhadas pelos rgos de Polcia Judiciria, o ECA somente exige a oitiva do infrator pelo Parquet se for caso de concesso de remisso ou se os documentos encaminhados (auto de apreenso, boletim de ocorrncia, relatrio policial) se apresentarem incompletos, a exigir esclarecimentos a serem colhidos do adolescente e, eventualmente, de vtima e testemunhas. Nos demais casos, dispensvel a ouvida do menor, podendo o agente do Ministrio Pblico oferecer das representao peas ou promover o arquivamento diretamente.

este o entendimento que mais se adequa ao esprito do ECA, pois, alm de no ferir direitos do adolescente infrator (o contraditrio e a ampla defesa so sempre assegurados, inclusive com a possibilidade de apresentao de sua verso dos fatos em juzo), d guarida ao

princpio da celeridade processual (sem o qual a eficcia da imposio de qualquer medida scio-educativa resta limitada ou frustrada). 3. A REMISSO CONCEDIDA PELO MP

Nos termos do art. 126, caput, do ECA, antes de iniciado o procedimento para a apurao de ato infracional, o MP pode conceder remisso ao infrator, como forma de excluso do processo. Com a remisso, permite-se incluir, eventualmente, a aplicao de qualquer das medidas scio-educativas previstas no Estatuto, salvo as privativas de liberdade (art. 127). Uma vez concedida a remisso, deve o MP buscar a homologao judicial da mesma (art. 181, caput). As disposies, como se v, so revolucionrias, permitindo a desburocratizao e a celeridade do procedimento, bem como limitando o contato do infrator com os aparelhos de controle formal (sempre estigmatizantes).

Apesar disto, o Superior Tribunal de Justia editou a Smula 108, com o seguinte contedo:

"A aplicao de medidas scio-educativas ao adolescente, pela prtica de ato infracional, da competncia exclusiva do juiz."

Ousa-se discordar da deciso do STJ. Alis, no so poucas as vozes contrrias ao entendimento sufragado por referida Corte (Jos Luiz Mnaco da Silva, Hugo Nigro Mazzilli, por exemplo).

Com efeito, no pela tese de ser exclusiva do Poder Judicirio - por equivocada - que se pode fundamentar a vedao de aplicao de medida scio-educativa pelo MP.

Seguindo a lio de Nelson Nery Jnior ("Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado", SP, Malheiros Editores, 1992, pp. 571 e 572), no se admite a alegada inconstitucionalidade da medida, porque se trata de ato administrativo do Promotor de Justia, que se submete ao controle judicial, portanto; e porque, excluindo o processo, a medida equivale ao arquivamento, atribuio esta exclusiva do Parquet em nosso sistema.

importante sublinhar isto: a concesso da remisso depende de homologao judicial (art. 181, caput, do ECA), no havendo, destarte, afastamento da apreciao pelo Poder Judicirio.

Por outro lado, o art. 129, IX, da CF permite que a lei atribua outras funes ao Ministrio Pblico, desde que compatveis com sua finalidade. Ora, na Repblica Federal da Alemanha, que apresenta sistema semelhante ao nosso (apreciao de leso a direito individual pelo Poder Judicirio e obrigatoriedade da ao penal), o promotor de justia de menores pode aplicar medidas tendentes excluso do processo. No se v razo, assim, para no permitir idntica atuao do Parquet em nosso Pas.

A Terceira Cmara Cvel do Tribunal de Justia de Santa Catarina, ao julgar a AC n 38.098-SC, de 11.08.92, enfrentou esta questo, tambm chegando a concluso diversa da do STJ: segundo o acrdo, trata-se de transao, com aceitao voluntria pelo infrator e seu responsvel, e no de imposio de remisso e medida pelo MP. Igualmente, a interpretao sistemtica do ECA no permite concluir ser exclusiva do juiz a aplicao de medida scio-educativa. A anlise dos artigos 126 e 127 do Estatuto corroboram esta concluso.

Ademais, o art. 181, 1, prescreve que, se o juiz homologar a remisso concedida pelo MP, determinar o cumprimento da medida, se for o caso. Ora, se o juiz somente determina o cumprimento da medida, porque ela j foi aplicada pelo Parquet.

4. A PRESCRIO DA PRETENSO DE APLICAO DE MEDIDA SCIO-EDUCATIVA Outro assunto relacionado com a apurao de ato infracional cometido por adolescente merece reflexo: tem a ver com a possibilidade de aplicao subsidiria dos dispositivos do Cdigo Penal que tratam da prescrio da pretenso punitiva do Estado aos casos de atos infracionais.

A respeito, a doutrina parece no ter ainda se manifestado satisfatoriamente. Os tribunais, a seu turno, ainda apresentam contraditrios Em deciso entendimentos constante de de RJTJRGS sobre 172/325, o tema. a

admitiu-se

possibilidade de reconhecimento da prescrio nos feitos referentes apurao ato infracional.

O fundamento desta posio reside na igualdade de todos perante a lei (princpio constitucional), na possibilidade de aplicao subsidiria ao ECA das normas processuais respectivas (art. 152 do Estatuto) e na injustia da existncia de situao mais favorvel aos imputveis. O reconhecimento da prescrio faz-se com a aplicao do disposto no art. 109 do Cdigo Penal, com a reduo prevista no art. 115 do mesmo diploma legal, por se tratar de menor de 21 anos de idade, sem prejuzo de outros dispositivos (arts. 110 e 111, por exemplo). No h que falar-se em prescrio baseada na "pena concretizada" na

sentena, porquanto as medidas privativas de liberdade admitidas pela Lei n 8.069/90 no comportam prazo determinado (arts. 120, 2, e 121, 2, do ECA).

Apesar disto, mais acertada a deciso a que chegou a 7 Cmara Cvel do TJRS, ao apreciar a Ap. Cv. n 594032781, em 28.09.94: "ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SCIOEDUCATIVA. EXTINO DA PUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAO DA NORMA PENAL - No se pode, aplicando por analogia o Cdigo Penal, decretar a extino da punibilidade por prescrio, cujo prazo seria reduzido da metade ao menor infrator. As legislaes brasileiras nunca admitiram pena ao menor e, sim, medida de proteo. Assim, no se pode falar de punibilidade que no h. Voto vencido." O entendimento parte do pressuposto de que o ECA admite tosomente a aplicao subsidiria do Cdigo de Processo Penal (art. 152 do Estatuto), e no do Cdigo Penal, sede das disposies relativas prescrio da pretenso punitiva do Estado. Alm disso, decorre do fato de que, a adolescentes infratores, no se aplicam penas, mas medidas scio-educativas, com natureza diversa.

Obviamente, para a aplicao das medidas scio-educativas, h um limite temporal fixado pelo ECA (art. 121, 5): at que o infrator complete 21 anos de idade. Limite este que, no obstante previsto para os casos de internamento, estende-se s demais medidas scioeducativas. 5. A NECESSIDADE DE OFERECIMENTO DE REPRESENTAO OU QUEIXA PELA VTIMA

Conceio A. Mousnier, em sua obra j citada, p. 57, denomina de "ao scio-educativa pblica" a pretenso deduzida pelo Ministrio Pblico em juzo, objetivando a apurao de ato infracional praticado por adolescente.

Com efeito, tendo o ECA atribudo ao Ministrio Pblico, com exclusividade (art. 180, III), ao que parece, a titularidade para representar pela aplicao de medida scio-educativa a adolescente infrator, no restou espao para o ofendido (ou seus sucessores) tomar esta iniciativa.

E isto por uma razo simples: no se busca punir o infrator, mas aplicar-lhe medida scio-educativa, o que independe da vontade da vtima (a favor ou contra). Se se busca orientar o jovem (tanto que se pode perdoar-lhe a infrao, atravs do instituto da remisso), compete ao Estado (atravs do Ministrio Pblico e do Poder Judicirio) decidir sobre o caminho a ser tomado (arquivamento, remisso, representao).

Malgrado isto, a 8 Cmara Cvel do TJRS, ao julgar o AI n 591091814, em 21.11.91, decidiu aplicar-se aos casos de apurao de atos infracionais a decadncia, "embora prescinda o Ministrio Pblico de representao para o exerccio do procedimento". Tratavase No de parece ser ato este o infracional entendimento de mais dano. correto.

Em cometendo ao MP a atribuio de representar pela aplicao de medida scio-educativa ao adolescente autor de ato infracional, o ECA afastou a possibilidade de oferecimento de "queixa" (casos de ao penal de iniciativa privada) e a necessidade de representao (casos de ao penal de iniciativa pblica condicionada). Ato

infracional tudo o que a lei define como crime ou contraveno (art. 103 do ECA).

Entretanto, a advertncia feita por Conceio A. Mousnier, em sua obra j referida, pp. 55 e 56, pertinente: em alguns atos infracionais, notamente os atentatrios contra a liberdade sexual, em que o processo pode vir a expor a vexame e constrangimento a prpria vtima, o oferecimento de representao pelo Promotor de Justia 6. O deve contar com DO a anuncia dela. PBLICO

ASSISTENTE

MINISTRIO

Ainda relativamente apurao de ato infracional, uma outra pergunta se pe: possvel a participao do "assistente da acusao" no processo?

O Estatuto silencia sobre o assunto, apesar de deixar aberta a possibilidade processual ao admitir a aplicao (art. subsidiria da legislao 152).

Contudo, os Tribunais j se pronunciaram contrariamente admisso do assistente do Ministrio Pblico nestes procedimentos. Por exemplo, acrdo da 7 Cmara Cvel do TJRS (AI n 594011413, de 29.06.94) chegou a esta concluso, com base nas circunstncias de a sentena que julga o processo para apurao de ato infracional no constituir ttulo executivo, para fins de indenizao, e de referido processo buscar aplicar medida scio-educativas ao infrator, com cunho protetivo.

Data venia, este entendimento no merece prosperar, por diversas razes.

Em primeiro lugar, recorda-se que o disposto no art. 152 do ECA permite a aplicao subsidiria do Cdigo de Processo Penal, o qual, em seus arts. 268 e seguintes, trata da figura do assistente. Em segundo lugar, apesar de a sentena proferida em processo para apurao de ato infracional no tornar certa a obrigao de indenizar, o prprio Estatuto, em seu art. 116, estabelece, como uma das espcies de medidas scio-educativas, a obrigao de reparar o dano, o que vem a atender diretamente eventual interesse econmico do ofendido Em terceiro ou lugar, como seu esclarece representante Jlio Fabbrini legal. Mirabete, a

"assistncia de acusao, em nosso Direito Processual Penal, no um mero correlativo direito do direito reparao do dano, eis que o ofendido intervm para reforar a acusao pblica, figurando em posio secundria o interesse mediato na reparao do dano causado pelo delito" ("Processo Penal", SP, Atlas, 1991, p. 331). Deste modo, pode o ofendido ter interesse em acompanhar o feito, to-somente, para auxiliar o MP na busca da verdade real, independentemente de eventual interesse na indenizao. E este propsito pode dar-se, tambm, a nvel de ato infracional, pois, malgrado no sofra o adolescente imposio de pena, nada impede tenha a vtima interesse em ver aplicada medida scio-educativa, uma vez apurados autoria, materialidade e demais requisitos necessrios a tanto. Cumpre referir ainda que isto no contradiz o que antes foi dito acerca da desnecessidade de representao ou da impossibilidade poder de de oferecimento a de queixa do pela vtima, pois, diferentemente de ter interesse no resultado do processo, ter o obstar iniciativa Poder Pblico.

Em quarto lugar, cumpre lembrar que a reapropriao do conflito por seus protagonistas vem sendo a orientao predominante no

moderno Direito Penal, em vista de contribuies da Criminologia (ver, a respeito, por exemplo, Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, "Criminologia - O Homem Delinqente e a Sociedade Crimingena", Portugal, Coimbra Editores, 1992, pp. 411 e 412; Winfried Hassemer e Francisco Munoz Conde, Introducin a la Criminologa y al Derecho Penal, Espanha, Tirant lo Blanch, 1989, p. 174; Ral Cervini, "Os Processos de Descriminalizao", SP, RT, 1995, pp. 229 e seguintes). Destarte, a participao do ofendido, mesmo se tratando de apurao de ato infracional, salutar em qualquer modalidade.

Por fim, basta aduzir que esta posio tambm vem encontrando ressonncia nos Tribunais. A mesma 7 Cmara Cvel do TJRS, ao julgar a Ap. Cv. n 595185398, em 13.03.96, decidiu:

"ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO PARA APURAO DE ATO INFRACIONAL. INTERVENO DA VTIMA, NA QUALIDADE DE ASSISTENTE DO MINISTRIO PBLICO. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL..."

7. A IRRETRATABILIDADE DO CONSENTIMENTO DADO PELOS PAIS BIOLGICOS NA ADOO

Em relao adoo, tambm foram significativas as alteraes promovidas pelo ECA.

No art. 45 e seu 1, estabelece-se que a adoo pressupe o consentimento dos pais naturais, salvo se desconhecidos ou destitudos do ptrio poder. A isto, pode-se acrescentar se falecidos. Em qualquer caso, porm, a adoo de criana ou adolescente ser sempre feita perante o Poder Judicirio.

Em

tendo

sido

mantida

a

possibilidade

de

adoo

com

o

consentimento dos pais, sem outra medida adicional (destituio do ptrio poder, por exemplo), parece que se preservou, em sua base, a natureza contratual desta forma de adoo, apesar de, em sua essncia e contedo, apresentar natureza institucional (ver, a respeito, Valdir Sznick, "Adoo", SP, Leud, 1993, p. 69).

Por isso, a interveno jurisdicional teria dupla funo: verificar a legalidade dos atos e atestar a oportunidade da adoo, tendo em vista os interesses do menor.

Pode-se afirmar, assim, que este tipo de colocao em famlia substituta um contrato que se celebra perante o juiz, a quem incumbe as funes antes indicadas.

Estabelecidas estas premissas, pergunta-se: a partir de que momento o consentimento dos pais biolgicos torna-se definitivo?

Sabe-se que o procedimento da adoo, mesmo quando os pais naturais com ela concordem, pode prolongar-se no tempo, principalmente se houver necessidade de estgio de convivncia. Retoma-se, ento, a questo: enquanto durar o procedimento, podem os pais arrepender-se?

Parece que no. Uma vez ouvidos em juzo e devidamente alertados dos efeitos da adoo, o consentimento torna-se definitivo ( conveniente que o juiz, ao ouvir os pais, advirta-os acerca da irreversibilidade da deciso), salvo, evidncia, ocorrncia de vcio (erro, coao). Alis, nesta hiptese, mesmo findo o processo, a ao anulatria ainda cabvel. Entretanto, se a manifestao de vontade foi livre e espontnea, torna-se irretratvel.

E assim tem de ser, sob pena de gerar-se prolongada incerteza sobre o destino da criana ou do adolescente a ser colocado em famlia substituta desta forma. A participao dos pais encerra-se com o consentimento, pois as demais fases do processo (estgio de convivncia, estudo social, etc.) so estabelecidas em favor do adotando. Certamente, se o julgador verificar, quando da audincia, que a deciso dos pais ainda no est amadurecida, deve possibilitar prazo para reflexo, somente colhendo o consentimento aps esta medida. O entendimento que ora se prope, por certo, apenas um norte, a ser observado enquanto no ferir os interesses maiores do prprio adotando, fim ltimo da Justia da Infncia e da Juventude. Desconhece-se manifestao da doutrina sobre o assunto.

Relativamente aos tribunais, traz-se colao a seguinte ementa: "Tendo em vista o bem-estar do menor, malgrado o interesse da me biolgica em reverter a adoo, de se manter a guarda do mesmo com os pais adotivos, mormente se dele vm cuidando desde tenra idade, com amor e cuidados necessrios e indispensveis a uma criana, sendo eles seus verdadeiros pais, apesar de substitutos; o contrrio significa violent-la, provocando o sofrimento de todos os envolvidos e principalmente o seu, abrindo-se-lhe a possibilidade de trauma Em irreparvel contrrio, na h sua formao." constante (RT de RT 713/195). 671/80.

sentido

deciso

Contudo, se na audincia do art. 166, pargrafo nico, do ECA, os pais no manifestarem concordncia com a adoo, esta no se dar, a menos que seja promovida a competente ao de destituio do

ptrio 8. A IRREVOGABILIDADE DA

poder. ADOO

O art. 48 do ECA, sucintamente, dispe: "A adoo irrevogvel". Em relao, portanto, s adoes realizadas sob o amparo das normas do Estatuto, dvidas inexistem: so irreversveis.

Contudo, restaria a apreciao das adoes realizadas anteriormente entrada em vigor da Lei n 8.069/90, bem como daquelas feitas, ainda hoje, com base nos dispositivos do Cdigo Civil (para maiores de 18 anos de idade), via escritura pblica.

Uma primeira deciso judicial que se apresenta vem da mais elevada Corte do Pas em matria no constitucional. A 4 Turma do STJ, ao apreciar o REsp n 26.834-9-RJ, acrdo publicado em 21.08.95, entendeu: "O advento do Estatuto da Criana e do Adolescente - Lei 8.069/90 no teve o condo de tornar irrevogvel adoo simples de menor impbere realizada sob a gide do revogado Cdigo de Menores - Lei 6.697/79. Aplicao dos princpios tempus das regit actum e da irretroatividade leis."

As crticas que podem ser feitas a esta deciso so vrias, mas a mais veemente decorre do disposto no art. 227, 6, da Constituio Federal, que estabeleceu o princpio da igualdade dos filhos, inclusive os oriundos de adoo. Em vista disto, parece ser inadmissvel sustentar-se a existncia de "filhos revogveis".

Outrossim, apesar de no tratar diretamente da situao ora

analisada (irrevogabilidade da adoo), o Des. Srgio Gischkow Pereira, no artigo "A Adoo e o Direito Intertemporal", publicado na Revista AJURIS 55/302, forneceu preciosos subsdios o para o entendimento da questo. Segundo preleciona eminente

Magistrado, "as leis que definem o estado da pessoa aplicam-se imediatamente a todos que se achem nas condies previstas". Alm disso, importante sublinhar a distino entre contrato e estatuto legal. "A vontade das partes age na formao do ato, mas no no pertinente aos efeitos, previstos inafastavelmente na lei; assim, se a lei modifica os efeitos da adoo, ela no modifica os efeitos de um contrato, mas os de um estatuto legal".

A 2 Cmara Cvel do TJSP, em acrdo publicado em RT 699/94, analisou situao similar (incidncia da Lei n 4.655/65 sobre adoes celebradas via escritura pblica anteriormente) e forneceu novas luzes:

" preciso no se deixar trair por iluso de tica. Assim um ato passado, como a relao jurdica presente, que se irradiou da incidncia, sobre ele, da lei de seu tempo (lei velha), podem entrar no suporte ftico da lei nova, sem que a eficcia oriunda da incidncia dessa sobre aquela, ou aquele, ou sobre ambos, decorra de retroatividade, viole direito subjetivo, ou atente contra ato jurdico perfeito, se no apaga efeito jurdico que j se produziu. D-se, na hiptese, a chamada aplicao (rectius, incidncia) imediata da lei nova, que apanha, no presente, como fato de seu tempo, o ato, a relao, ou ambos, submetendo-os, a partir da sua eficcia. A lei no vai ao passado, para riscar o que, nele, j foi; apenas toma o que , ou o que foi, sem deixar de ter sido, para estatuir o que deve ser no presente."

Deste modo, tanto o dispositivo da CF quanto o do ECA antes

indicados alteraram o estatuto legal da adoo, aplicando-se a todos os casos existentes.

Felizmente, este o entendimento que vem tendo curso em nosso Estado, como se v em acrdos da 7 Cmara Cvel (Ap. Cv. n 594041923) e da 8 Cmara Cvel (Ap. Cv. n 595039611). Em sntese, a adoo irrevogvel, no importando a data de sua constituio 9. A GUARDA ou PARA a FINS modalidade. PREVIDENCIRIOS

Este assunto j foi objeto de inmeros pronunciamentos, tanto a nvel de doutrina como de jurisprudncia, mas mesmo assim ainda no se logrou uma viso uniforme.

Segundo o Eminente Procurador de Justia Mrio Romera (no artigo "O Instituto da Guarda no Estatuto da Criana e do Adolescente", publicado na Revista do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul 29/133), a guarda apresenta vrias modalidades: a "permanente" (quando um fim em si mesma), a "temporria" (concedida liminarmente ou incidentalmente em processos) e a "especial" (para atender a situaes peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsvel). este ltimo tipo de guarda referido ("especial"), com fundamento no art. 33, 2, do ECA, que vem propiciando o deferimento das conhecidas "guardas para efeitos previdencirios" (RT 685/134, por exemplo), no obstante seu repdio pela doutrina mais abalizada. Com efeito, Antnio Chaves ensina:

" comum os avs postularem a guarda de neto, quando a me (ou o pai) com eles reside, trabalha, mas s tem assistncia mdica do INSS e quer beneficiar seu filho com o IPE ou outro convnio. Entendo, respeitando posies em contrrio, que tais pedidos devem ser indeferidos, porque a situao ftica, nesses casos, estar em discrepncia com a jurdica. Em suma, uma simulao, com a qual o MP, como custos legis, e o juiz competente no podem ser coniventes, sob pena de se fomentar o assistencialismo s custas de entidades no destinadas a esse fim." (em "Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente", SP, LTr, 1994, p. 150).

correta a lio, pois a guarda, como modalidade de "colocao em famlia substituta", pressupe, evidncia, que a criana ou o adolescente saia da vigilncia ou cuidado dos pais biolgicos. As decises constantes de RJTJRGS 164/346 e 165/308, seguindo este para entendimento, fixaram sua que a assistncia mdica ou previdenciria apenas conseqncia da guarda, e no fundamento concesso.

J se sustentou que os filhos de pais menores de 21 anos de idade poderiam ser colocados sob a tutela dos avs, dada a incapacidade dos pais para o exerccio do ptrio poder (Revista AJURIS 62/208). Data venia, equivocado este entendimento. O ptrio poder, mais que um encargo, "um encaminhamento, com poder para impor uma certa conduta" ao filho (Arnaldo Rizzardo, "Direito de Famlia", vol. III, RJ, Aide, 1994, p. 900). Assim, os atos inerentes ao ptrio poder decorrentes da relao direta pais-filhos (criao, educao, companhia, exigncia de obedincia e respeito, etc.) so exercidos diretamente pelos pais, mesmo se menores de 21 anos de idade. E isto porque o ptrio poder personalssimo (Jos Antnio de Paula

Santos Neto, "Do Ptrio Poder", SP, RT, 1994, pp. 74 e 75). Diferentemente se d com os atos da vida civil que o pai ou a me menor tem de praticar em nome do filho, quando ento sero representados ou assistidos pelos avs.

No bastasse isto, nos termos do art. 36, pargrafo nico, do ECA, a tutela pressupe a prvia decretao da perda ou suspenso do ptrio poder. A isto, o Cdigo Civil, em seu art. 406, acrescenta a ausncia A soluo, ou portanto, falecimento outra: sendo os dos netos pais. dependentes

economicamente dos avs e estando os pais tomando conta dos mesmos, cabveis so ao declaratria ou justificao judicial. Mas inadmissvel subverter o instituto da guarda, em substituio a estas medidas. 10. O INTERESSE LOCAL DO MUNICPIO E O CONSELHO TUTELAR O Ttulo V do ECA dispe sobre o Conselho Tutelar, rgo permanente e autnomo, no jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianas e adolescentes.

J o art. 133 define os requisitos para a candidatura a conselheiro tutelar (reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residncia no municpio).

Quando da instalao de referidos Conselhos, alguns municpios acrescentaram queles outros requisitos (comprovada pelo atuao junto a infantes ou jovens por certo perodo, escolaridade mnima, etc.) exigidos Estatuto.

As primeiras manifestaes dos Tribunais, no entanto, rejeitaram a

possibilidade de ampliao daquelas exigncias, sob o fundamento de que a competncia para legislar sobre matria relativa proteo da infncia e da juventude da Unio e dos Estados-Membros, concorrentemente acrdo Parece (art. 24, XV, em da CF), o que afastaria a possibilidade de normatizao pelo Municpio. o que se verifica em publicado equivocada RJTJRGS esta 163/305. posio.

Jos Afonso da Silva, em seu "Curso de Direito Constitucional Positivo", SP, RT, 1990, p. 435, preleciona:

"A Constituio no situou os Municpios na rea de competncia concorrente do art. 24, mas lhes outorgou competncia para 'suplementar a legislao federal e a estadual no que couber', o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matrias ali arroladas e aquelas a respeito das quais se reconheceu Unio apenas a normatividade geral."

Deste modo, de admitir-se a competncia legislativa municipal na espcie, com base no disposto no art. 30, I e II, da CF. O contrrio eqivaleria a desrespeitar a autonomia do Municpio, alcanada com a CF/88, propiciando a completa ingerncia de outros entes federativos em assunto de interesse local daquele.

Este entendimento foi sufragado pela 8 Cmara Cvel do TJRS, ao apreciar o Reexame Necessrio n 595043944-RS, em 08.05.95. 11. A FUNDAMENTAO DAS PORTARIAS JUDICIAIS

O art. 149 do ECA coloca nas mos do Juiz da Infncia e da Juventude dois importantes instrumentos para a proteo genrica e

especfica de crianas e adolescentes: a portaria e o alvar. Os dispositivos parecem no comportar maiores questionamentos, mas no se encontra acerto na interpretao do 2 do artigo mencionado. A 8 Cmara Cvel do TJRS, ao apreciar o MS 595051771-RS, de 25.05.95, entendeu que a edio de portaria para regrar as hipteses elencadas no art. 149, I e II, do Estatuto exigiria a realizao de sindicncia para a verificao de cada caso especfico.

A prevalecer este entendimento, estaria praticamente obstaculizado qualquer regramento, a por parte de do juiz, daqueles casos se, que para demandassem edio portaria. Imagine-se

regulamentar o ingresso de crianas e adolescentes em bares, boates, fliperamas, entre outros, tivesse o julgador de investigar cada estabelecimento, absolutamente para ento regr-lo. Em cidades grandes invivel.

A doutrina, porm, oferece outros entendimentos sobre a matria. Jos Luiz Mnaco da Silva (ob. cit., pp. 256 e 257), por exemplo, em comentrio ao 2 do art. 149, ensina:

"Se o presente pargrafo no for bem entendido, por certo conduzir o intrprete a uma inegvel contradio com a norma disposta no caput do artigo. O que ele quer expressar, em linhas gerais, que, afora a matria disciplinada por meio de portaria judicial, os demais atos judiciais consubstanciados em alvars judiciais no se submetem a decises de carter geral, antes prestam inteira vassalagem a cada caso que for endereado autoridade judiciria."

Pode-se argumentar, ainda, que o dispositivo analisado busca afastar o que previa o art. 8 do Cdigo de Menores revogado, que conferia ao juiz amplos poderes de regulamentao. Deste modo, as hipteses elencadas no art. 149 do ECA seriam taxativas.

De qualquer sorte, o importante que a deciso da 8 Cmara Cvel do TJRS, antes indicada, no vingue, sob pena de impedir o uso de um importante instrumento de proteo de jovens e infantes. 12. O SISTEMA RECURSAL

O Captulo IV do Ttulo VI do Livro II do Estatuto da Criana e do Adolescente traou o sistema recursal aplicvel aos procedimentos afetos Justia da Infncia e da Juventude. Expressamente, adotouse o sistema recursal do Cdigo de Processo Civil, com as alteraes indicadas nos incisos I a VIII do art. 198.

Apesar de simples as disposies, sua interpretao despreocupada pode levar a concluses equivocadas.

Inicialmente, cumpre observar que o sistema recursal para os casos constantes do Captulo III ("Dos Procedimentos") do Ttulo antes indicado diverso do aplicvel aos de seu Captulo VII ("Da Proteo Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos").

Para os procedimentos expressamente previstos no ECA ("Da Perda e da Suspenso do Ptrio Apurao Poder", de "Da Ato Colocao Infracional em Famlia a Substituta", "Da Atribudo

Adolescente", "Da Apurao de Irregularidade em Entidade de Atendimento" etc.) o sistema recursal aquele definido nos arts. 198 e 199 do Estatuto: disciplina do CPC com as alteraes ali elencadas. Tambm para os demais procedimentos afetos Justia da Infncia e

da Juventude (ao de alimentos etc.) aplicam-se estas normas. importante alertar que, no obstante o art. 152 do ECA preveja a aplicao subsidiria da legislao processual pertinente, o sistema recursal aplicvel aos procedimentos para apurao de ato infracional atribudo a adolescente o do Cdigo de Processo Civil (com as alteraes do art. 198 do ECA), e no o do Cdigo de Processo Penal. Por outro lado, para os procedimentos relativos proteo judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos (ao civil pblica, mandado de segurana etc.), previstos nos arts. 208 a 224 do ECA, o sistema recursal aplicvel o do Cdigo de Processo Civil, sem as alteraes do art. 198 do ECA.

Assim porque o Captulo que regula estes procedimentos (Captulo VII) posterior ao que regula os recursos (Captulo IV), no se admitindo esta disposio se o objetivo fosse atingir tambm estes casos com o sistema recursal expressamente estabelecido no ECA. Ademais, o art. 212, 1, do ECA determina a aplicao das normas do CPC aos procedimentos relativos proteo judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos de crianas e adolescentes. J o art. 224 remete aos dispositivos da Lei n 7.347/85 (Lei da Ao Civil Pblica), a qual tambm conduz ao CPC. Referentemente ao sustentado neste pargrafo, Antnio Augusto Mello de Camargo Ferraz da mesma opinio ("Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado", Munir Cury e outros, SP, Malheiros Editores, 1992, p. 685). Isto no tudo, porm. Como se sabe, a Lei n 9.139/95 promoveu significativas alteraes dos dispositivos do CPC que tratam do agravo. Como conciliar esta reforma com os dispositivos do ECA acerca do mesmo recurso (art. 198, IV e V)? Nos procedimentos

afetos Justia da Infncia e da Juventude o agravo continua a ser processado da forma anterior?

Segundo Norberto Bobbio, em sua obra "Teoria do Ordenamento Jurdico", SP, Editora Polis, 1990, pp. 91 e seguintes, para a soluo de antinomias de um sistema normativo existem trs regras fundamentais: o critrio cronolgico (lex posterior derogat priori), o critrio hierrquico (lex superior derogat inferiori) e o critrio da especialidade (lex specialis derogat generali).

Contudo, entre a Lei n 9.139/95 e a Lei n 8.069/90 estabelece-se um confronto entre lei geral posterior e lei especial anterior. Neste caso, segundo o mesmo jusfilsofo, "o conflito entre critrio de especialidade e critrio cronolgico deve ser resolvido em favor do primeiro" (obra citada, p. 108), ou seja, lex posterior generalis non derogat priori speciali. Apesar disso, o prprio autor adverte que esta regra deve ser tomada com certa cautela, pois tem um valor menos decisivo. Em se aplicando o critrio antes indicado, chegar-se-ia ao absurdo de manter, nos procedimentos afetos Justia da Infncia e da Juventude, a disciplina revogada do recurso de agravo.

Para elucidar a matria e alcanar uma interpretao razovel, portanto, socorre-se de lio de Carlos Maximiliano:

"Quando a lei geral estabelece novos princpios absolutamente incompatveis com aqueles 'sobre os quais se baseava a especial anterior', fica a ltima extinta; do objeto, esprito e fim da norma geral bem possvel inferir que se teve em mira eliminar at as excees antes admitidas." ("Hermenutica e Aplicao do Direito", RJ, Forense, 1990, pp. 359 e 360).

Conclui-se, destarte, que as normas referentes ao agravo constantes do ECA incompatveis com a nova disciplina deste recurso restaram revogadas. 13. A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

A questo da possibilidade de o Poder Judicirio compelir o Poder Executivo a agir para atender direitos afetos a crianas e adolescentes um vasto campo para estudo. No mbito do presente artigo, assim, no h como enfrent-la seno de modo superficial, com o apoio da doutrina e da jurisprudncia mais abalizadas. comum negar-se a tutela de interesses difusos e coletivos, quando demandado Municpio ou Estado, sob o fundamento de que no cabe a ingerncia de um Poder na esfera de competncia de outro, devido ao princpio da separao e harmonia entre eles.

Sem negar a existncia de tal princpio, pode-se sustentar que seu alcance no o que ordinrio se lhe atribui.

Com efeito, sob pena de transformar as disposies legais que definem os chamados direitos sociais em mero ornamento normativo, mister alcanar um entendimento que no estimule a inrcia do Poder Pblico na implementao de direitos que exigem uma atuao positiva sua (direitos atravs do Estado).

RUY RUBEN RUSCHEL, no artigo "Da Eficcia dos Direitos Sociais Previstos em Normas Constitucionais", publicado na Revista do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul, 33, s pp. 39 e 40, assim enfrentou o problema:

"Um dos maiores obstculos implementao dessa tese resulta de como se tem entendido o princpio da separao dos Poderes. Os juristas tradicionais inclinam-se a conferir ao princpio valor mais absoluto do que atualmente tem.

"Na verdade, a separao nunca assumiu um carter rgido... "Se faltarem vontade poltica e eficincia prtica dos demais Poderes, resta ao Judicirio ocupar o espao aberto, conquistando-o at fixar seus prprios limites. Se no o fizer quando invocado caso a caso, estar tomando uma postura (na que Diomar conservadora, infelicita Ackel Filho, em timorata nosso seu ante as da 'doutrinas histrica Com em igual consolidadas' iniqidade maestria, RT verdade superveis), cmplice

povo." artigo "A

Discricionariedade Administrativa e a Ao Civil Pblica", publicado 657/51, preleciona:

"A Administrao, na consecuo dos objetivos do bem comum, tem deveres e obrigaes, assim como se investe de faculdades e direitos. Ao implementar os atos que lhe competem, espelhados na conduo dos servios e obras pblicas, sempre tem em mira determinados fatos, traduzidos como realidade social, em que devem ser sopesados como imperativos a executar ou carncias a suprir. Nesse desiderato, o agente pblico necessita avaliar essas realidades, dando azo, ento, ao seu discrmen. Ao faz-lo, por vezes, o administrador avalia equivocamente o contexto divorciando-se do bem comum, ou mantendo-se culposa ou deliberadamente na contemplao distorcida da verdade social, omite-se, negligncia, prevarica.

", ento, que surge a possibilidade de correo do desvio ou da omisso praticada por via dos mecanismos de controle da atividade

administrativa, entre as quais avulta em importncia o Poder Judicirio, pela eficcia vinculativa de sua atuao.

"A tutela jurisdicional da espcie no representa uma interferncia indbita que contrarie a regra da diviso dos poderes. sabido que a harmonia exige uma interdependncia recproca..."

Enfrentando o tema, a Terceira Cmara Cvel do Tribunal de Justia de Santa Catarina, ao julgar a Apelao Cvel n 44.569-SC, com base em doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso, pronunciou-se da seguinte forma:

"No se trata de inchamento do Poder Judicirio, porque quando ele outorga tutela aos interesses metaindividuais, no est desenvolvendo atividade de 'suplncia', sua prpria atividade, de outorgar tutela a quem a pede e merece. No caso dos interesses difusos, a interveno judicial hoje considerada fundamental; no que esse Poder esteja a invadir a seara dos outros; ser, antes, um sinal de que os outros no esto a tutelar esses interesses, obrigando os cidados a recorrerem diretamente via jurisdicional..."

Na rea da infncia e da juventude, em vista do princpio da prioridade absoluta (art. 227, caput, da CF e art. 4 do ECA), a exigncia de atuao do Poder Pblico faz-se mais veemente. Sobre isto, Wilson Donizeti Liberati ensina:

"Por 'absoluta prioridade' devemos entender que a criana e o adolescente devero estar em primeiro lugar na escala de preocupao dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas as necessidades das crianas e adolescentes...

"Por 'absoluta prioridade' entende-se que, na rea administrativa, enquanto no existissem creches, escolas, postos de sade, atendimento preventivo e emergencial s gestantes, dignas moradias e trabalho, no se deveria asfaltar as ruas, construir praas, sambdromos, monumentos artsticos etc., porque a vida, a sade, o lar, a preveno de doenas so mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante." (obra citada, p. 16).

Deste modo, inexistindo programas locais (de responsabilidade do Municpio) ou regionais (de responsabilidade do Estado) para atendimento de direitos de crianas e adolescentes, a inao injustificada do Poder Pblico pode ser submetida a apreciao judicial. No socorre os entes pblicos, por fim, a desculpa de que o sistema de atendimento dos direitos da criana e do adolescente depende tambm de aes no-governamentais (art. 86 do ECA), pois, apesar de no exclusiva, esta obrigao lhes prpria, cumprindo-lhes a iniciativa de instituir os programas necessrios. Se omissos, cabe ao Poder Judicirio compeli-los ao (ver, a respeito, Wilson Donizeti Liberati e Pblio Caio Bessa Cyrino, "Conselhos e Fundos no Estatuto da Criana e do Adolescente", SP, Malheiros Editores, 1993, p. 72).