Aljjubarrota (Azimute, nº 187)

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Nº 187 AGO09 46 A Invasão Castelhana e a Batalha de Aljubarrota “A batalha mais brilhante, mais decisiva nos seus resul- tados e aquela que maior eco teve em Portugal e no mundo” 1   A batalha que iremos de se- guida abordar é uma natural evo- lução das batalhas ocorridas nos anos anteriores na Europa, com a vantagem adicional de esta ter sido genialmente conduzida por D. Nuno Álvares Pereira. Para não sermos demasiado exaustivos referiremos em sínte- se algumas das inovações mais importantes nessas batalhas e que pudemos testemunhar o seu uso posterior em Aljubarrota 2 : Courtrai (1 1/7/1 302) que opôs Flamengos a - menga deveu-se, entre outros factores, ao in- teligente uso do terreno com as fossas, muitas delas cheias de água, tirando partido do rio que isolava e limitava o campo de batalha e os cavaleiros apeados a combater; Bannockburn (24/6/1314) entre Escoces es e Ingleses - Além do uso das linhas de água, foi alargado o aproveitamento do terreno com abatizes e covas de lobo (com estacas) além de um dispositivo de forças inovador organi- zado em quatro conjuntos com a cavalaria a combater apeada com uso de longas lanças que sem dúvida foram um dos factores da vi- tória dos escoceses de Robert Bruce sobre Eduardo II; Morgarten (15/1 1/1315) entre Suíços e  Austríacos – mais do que uma batalha esta foi uma “emboscada” em que foi visível o esfor- ço na pesquisa de informações, nos reconhe- cimentos ao terreno com o uso de batedores e que permitiu escolher o melhor local para o combate, além do aparecimento de um novo denominados “quadrados suíços” e ainda uma arma nova: a alabarda; Dupplin Moor (1 1/9/1332) entre Escoceses e Ingleses – destaca-se o posicionamento dos 1 THEMUDO BARATA: 23 2 MONTEIRO, 37 e seguintes arqueiros equipados com “Long-Bow”, com uma cadência de tiro muito mais elevada do que as tradicionais bestas, colocados nas alas da batalha, o que veio desta vez levar à vitória dos ingleses. Crecy (26/8/1346) entre Ingleses e Franceses  – uma das mais famosas batalhas da Guerra dos Cem Anos – foi notório o despique e a diferença de capacidades entre arqueiros e besteiros, ganhando os primeiros em ritmo de fogo. De destacar também o uso de “muralhas fortalezas” feitas com as carroças; Poitiers (19/9/1356) entre Ingleses e Frances es  – outra das mais famosas da Guerra dos cem anos – em que foi possível utilizar de forma in- teligente não só a cavalaria inglesa com explo- rar a mobilidade dos próprios arqueiros; Nájera (2/4/1367) entre D. Pedro I com Ingleses contra Henrique Transtâmera com o apoio Francês - de notar a oportunidade como se explorou as fraquezas do adversário e de novo o uso inteligente dos arqueiros. Interessa ainda ressalvar três aspectos muito importantes da forma de combater e da organiza- no decorrer da Batalha de Aljubarrota: Portugal, desde os tempos de Viriato, saben- do-se das reais capacidades em meios hu- manos e materiais que possuía sempre privi- legiou combater usando a táctica da guerrilha TCor Inf Lemos Pires -      A      Z      I      M      U      T      E

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A Invasão Castelhana e a Batalha de Aljubarrota

“A batalha mais brilhante,mais decisiva nos seus resul-

tados e aquela que maior ecoteve em Portugal e no mundo”1 

  A batalha que iremos de se-guida abordar é uma natural evo-lução das batalhas ocorridas nosanos anteriores na Europa, coma vantagem adicional de esta ter sido genialmente conduzida por D. Nuno Álvares Pereira.

Para não sermos demasiadoexaustivos referiremos em sínte-se algumas das inovações maisimportantes nessas batalhas eque pudemos testemunhar o seuuso posterior em Aljubarrota2:

� Courtrai (11/7/1302)que opôs Flamengos a -

menga deveu-se, entre outros factores, ao in-teligente uso do terreno com as fossas, muitasdelas cheias de água, tirando partido do rioque isolava e limitava o campo de batalha e oscavaleiros apeados a combater;

� Bannockburn (24/6/1314) entre Escoceses eIngleses - Além do uso das linhas de água,foi alargado o aproveitamento do terreno comabatizes e covas de lobo (com estacas) alémde um dispositivo de forças inovador organi-zado em quatro conjuntos com a cavalaria acombater apeada com uso de longas lançasque sem dúvida foram um dos factores da vi-tória dos escoceses de Robert Bruce sobreEduardo II;

� Morgarten (15/11/1315) entre Suíços e Austríacos – mais do que uma batalha esta foiuma “emboscada” em que foi visível o esfor-ço na pesquisa de informações, nos reconhe-cimentos ao terreno com o uso de batedorese que permitiu escolher o melhor local para ocombate, além do aparecimento de um novodenominados “quadrados suíços” e ainda umaarma nova: a alabarda;

� Dupplin Moor (11/9/1332) entre Escoceses eIngleses – destaca-se o posicionamento dos

1 THEMUDO BARATA: 23

2 MONTEIRO, 37 e seguintes

arqueiros equipados com “Long-Bow”, comuma cadência de tiro muito mais elevada doque as tradicionais bestas, colocados nas alasda batalha, o que veio desta vez levar à vitóriados ingleses.

� Crecy (26/8/1346) entre Ingleses e Franceses  – uma das mais famosas batalhas da Guerrados Cem Anos – foi notório o despique e adiferença de capacidades entre arqueiros ebesteiros, ganhando os primeiros em ritmo defogo. De destacar também o uso de “muralhas”fortalezas” feitas comas carroças;

� Poitiers (19/9/1356) entre Ingleses e Franceses – outra das mais famosas da Guerra dos cemanos – em que foi possível utilizar de forma in-teligente não só a cavalaria inglesa com explo-rar a mobilidade dos próprios arqueiros;

� Nájera (2/4/1367) entre D. Pedro I comIngleses contra Henrique Transtâmera com oapoio Francês - de notar a oportunidade comose explorou as fraquezas do adversário e denovo o uso inteligente dos arqueiros.

Interessa ainda ressalvar três aspectos muitoimportantes da forma de combater e da organiza-

no decorrer da Batalha de Aljubarrota:� Portugal, desde os tempos de Viriato, saben-

do-se das reais capacidades em meios hu-manos e materiais que possuía sempre privi-legiou combater usando a táctica da guerrilha

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“guerra guerreada” – ou seja, os soldados e oscomandantes portugueses estavam por issohabituados ao uso de tácticas mais ligeiras,com grande iniciativa, bom aproveitamento doterreno, rapidez de actuação e uso inteligente

dos meios materiais à disposição (foi assim eassim permaneceria quase sempre ao longoda nossa história);

� Nuno Álvares Pereira, herdeiro desta forma decombater era um verdadeiro adepto da mes-ma: executava deslocamentos longos, faziatodo o seu planeamento em segredo, utilizava

 judiciosamente um excelente serviço de espio-nagem e tinha uma elevadíssima preocupaçãocom a segurança dos acantonamentos;

� A mobilização para guerra assentou numabase nacional e não regional: o Exército, mes-mo havendo partidários de ambos os lados,era um Exército do Rei e não a soma de pe-quenos exércitos feudais que deviam a sualealdade ao seu Senhor feudal , esta aparentepequena diferença permitiu sempre ao coman-dante nacional organizar, dispor e combater como um todo no uso das suas forças o quesomado ao inequívoco apoio das populações,vantagem táctica (lembremo-nos que as tropasinvasores precisavam do apoio da populaçãopara sobreviverem e esse apoio praticamentenão existia).

Mas vamos directos ao ano de 1385 e à Batalhade Aljubarrota:D. Juan I de Castela concentrara-se com a

sua hoste em Ciudad Rodrigo e, após descartar apossibilidade de optar por um outro tipo de guerra(devastações fronteiriças, nomeadamente), entraem Portugal por Almeida, na segunda semana deJulho de 13853. Toma o itinerário das beiras emdirecção a Lisboa4 (Pinhel, Trancoso, Celorico,Fornos, Mangualde, Mortágua, Mealhada, Coimbrae Soure). O exército português, comandado pelorei D. João I, após ter assegurado que os caste-lhanos não cercariam Elvas, passa para a margem

norte do Tejo, vindo a estabelecer-se em Abrantesno Alentejo, em recrutamento, e viria a juntar-se-lhe em Abrantes, a 3 de Agosto.

Desde Junho desse ano que a frota castelha-na voltara a ocupar o estuário do Tejo e D. Juan Iavança sobre a capital, para lhe levar novo cerco,acreditando que, desta vez e depois da malogra-da tentativa do ano passado, seria muito difícil aresistência portuguesa. Em Abrantes reúne-se umJoão a optar pelas preferidas “acções de guerra

3 MONTEIRO, 80. e também BESSA: 44

4 “ganhada Lisboa, todo Portugal era cobrado” citado emBESSA:36

comunicações na retaguarda castelhanas e forçar assim o monarca castelhano a movimentar as suasforças nessa direcção “melhor seria entrar pela

 �-rer ali, desviando-o de Lisboa”5.

D. Nun’Álvares Pereira tem opinião contrária. Jánão estamos em momento para guerrilhas. É fun-damental travar uma batalha decisiva. Uma vitóriafronteira, D. João I como rei de Portugal. Pelo con-trário, mover uma guerra de “guerrilha” neste mo-mento da campanha daria azo a que D. João e asua causa fossem considerados como meros rebel-des, num reino que aparentava pertencer à coroade Castela. Perante a hesitação do rei, D. Nunoparte de Abrantes com a sua parte da hoste emdirecção a Tomar, obrigando D. João a rever a suaopção e a sua estratégia.

Na ideia de D. Nuno é importante travar essabatalha num local em que os castelhanos já esti-vessem bem internados em território de Portugal,uma derrota permitisse algum tempo de reorgani-zação. A 8 de Agosto todo o exército português estáem Tomar. D. Nuno terá, nesta altura, enviado umbatalha. Este regressa no dia 10 com notícias alar-mantes: a hoste castelhana é constituída por maisde 7000 lanças e 2000 ginetes, além de um númeroincontável de besteiros e homens a pé. Consigo,

muitos senhores portugueses que a ele se aliaram.D. Nuno opta então por esconder os verdadei-

ros valores às suas tropas, fazendo transmitir queos castelhanos eram poucos e mal equipados. Eranão só importante executar uma boa estratégia decontra-informação como prover para que a mo-ral se manti-vesse eleva-da entre osportugueses.

 A hoste por-tuguesa conta-

ria entre 5000a 10000 com-batentes, de-pendendo dosautores. É cer-to que a hostecastelhana asobrepassavabastante emnúmero, prova-velmente aci-ma dos 20000.

 A 11 de Agostoos portugue-ses avançam para Ourém e a 12 os castelhanos

5 BESSA: 46

o como prover para que a mo

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para Leiria. Informado dos movimentos do inimigo,D. Nuno avança para Porto de Mós, onde estacionana noite de Sábado, dia 126.

O local exacto da batalha foi criteriosamente se-leccionado. Ambos, D. João e D. Nuno, terão pon-

derado as vantagens daquela área, bem próximado couto e mosteiro de Alcobaça, onde o abadeD. João de Ornelas, com bastante rapidez, pode-ria conseguir recrutar mais homens para a hostee, ao mesmo tempo, fornecer mantimentos. Alémdisso, D. Nuno, acompanhado por 100 cavaleiros,aproveita o domingo dia 13 de Agosto, para um re-conhecimento detalhado a todo o terreno que ia dePorto de Mós às imediações de Leiria. O facto de le-var uma tão grande força para um reconhecimentodeve-se, provavelmente, a dois aspectos: primeiro,à necessidade de segurança, dada a proximidadedo inimigo e, segundo, tudo leva a crer que D. Nunoterá gizado o plano de operações para o dia se-guinte na companhia dos seus lugar-tenentes, ouseja os seus subordinados directos. Ele quis queeles vissem o terreno e ajudassem nas decisõesoperacionais.

  Ainda antes do alvorecer do dia 14 de Agostode 1385 (nesse dia o raiar da aurora deu-se à 3h37e foi dia claro às 4h487), a hoste portuguesa levan-tou o arraial de Porto de Mós e percorreu os 7 a8 km que a separavam do planalto de S. Jorge,onde se veio a colocar, voltada a norte, num cabe-ço que hoje é sobranceiro à povoação da Batalha

(que na altura era somente um lugarejo chamadoJardoeira). A enorme coluna castelhana, que secalcula ter mais de 15 km, vinda de Leiria, atinge abaixa da Jardoeira a meio da manhã. A vanguardapôde observar desse local a hoste portuguesa noduas linhas de água profundas.

Em boa linguagem militar vamos descrever odispositivo, a composição e articulação das forças8:

“uma formação de quadrado a duas azes (ba-talhas) com uma Vanguarda

  Álvares Pereira) próprio comandava, a seiscen-

tas lanças; uma Ala direita de duzentas lanças decavaleiros cujo comando seria atribuído a MemRodrigues e coadjuvado por seu irmão Rui Mendes;uma Ala esquerda de duzentos homens de armasque Antão Vasques comandaria; e, recuada, umaRetaguarda, com el-rei, de setecentas lanças,montadas tanto quanto possível para maior mobili-dade, como Reserva, pronta para contra-atacar ou reforçar a Vanguarda, a Ala esquerda e a Ala direi-ta por esta ordem; os arqueiros ingleses atribuídosà Ala esquerda; os besteiros guarneciam todas asfaces do dispositivo, com prioridade para as Alas

6 MONTEIRO, p. 82

7 OLIVEIRA, Frederico Alcide de, Aljubarrota Dissecada,Direcção do Serviço Histórico-Militar, Lisboa 1988

8 RODRIGUES: 90

e, juntamente com os peões montariam guarda àcarriagem, esta colocada por trás da Reserva, comexcepção de um reduzido trem de apoio ao comba-te dos arqueiros e besteiros que se situaria dentrodo quadrado” 

Perante esta forte posição portuguesa a opçãocastelhana foi a de envolver por oeste, passandopela povoação da Calvaria, num longo movimentoque demoraria toda a tarde, acabando a vanguar-da castelhana por se posicionar no Chão da Feira,exactamente 5 km à retaguarda da posição inicialportuguesa, entre as 16 e as 17 horas.

D. Nuno acompanha o movimento torneantecastelhano e faz mover o seu dispositivo cerca de2 km mais para sul, invertendo-o. Encontrava-se,agora, ainda no planalto de S. Jorge, entre as duas

linhas de água (embora menos acentuadas, poisestava mais próximo das nascentes9), mas temtempo de organizar o terreno e reajusta, proporcio-nalmente, o dispositivo escolhido:

“Quanto à composição e articulação das forças,  pensara não serem necessárias grandes altera- reforçar a Frente à custa da Reserva, aí com umasoitenta a cem lanças, porque o terreno era maisfraco e mais extensa a frente a cobrir mas, faceà possibilidade do inimigo empregar em qualquer direcção, mesmo pela retaguarda, a sua cavalaria

ligeira sob o comando do Mestre de Alcântara (…)optara por manter a Reserva forte (…) esta última

  posição permitia-lhe também, criar um saco (umabolsa), uma zona de morte onde nos derradeirosmomentos antes do contacto, o inimigo aí entrado,seria sujeito a um potencial de tiro das armas dearremesso que queria devastador” 10 

Manda colocar abatises, abrir fossos e covas delobo a sul desta nova posição, numa frente que nãoseria superior a 300 metros.

Uma das questões que sempre se tem colocadoaos vários investigadores da Batalha, após obser-

vação do campo de batalha e das escavações ar-queológicas que revelaram até agora pelo menos830 covas de lobo e fossos, um deles com 182 mde comprimento e uma profundidade dos 40 aos 70cm, é: de quanto tempo dispuseram os portugue-ses para os escavar? Estima-se que num tempode três horas e empenhando cerca de metade doefectivo, tornariam possível a acção, mas não é dedescartar totalmente a possibilidade de D. Nuno ter começado a organização do terreno mais cedo. Naverdade há vários factores que levam a crer queele já sabia, desde o início, que o combate se iria

9 A oeste, o ribeiro de Vale de Madeiros (que corre para a Azenha da Amieira) e, a leste, o do Carqueijal ou de Vale daao Lena). MONTEIRO, p. 87.

10 RODRIGUES: 91

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travar de sul para norte e não de norte para sul.  Aliás, uma das razões pelas quais os castelhanosderam batalha foi o facto de estarem convencidosde que, envolvendo a hoste portuguesa, se encon-trariam numa posição de vantagem. É crível que D.

Nuno tivesse imaginado a manobra dessa forma ecom o apoio das populações envolventes tivesse oterreno preparado antes da mudança de posição.

(Nota: Usámos para esta recolha de informação -mos de destacar que os autores referidos recor-reram, para além das usuais crónicas de FernãoLopes, Pedro Lopes de Ayala e a do Condestabre,a importantíssimas fontes coevas como as “entre-vistas” recolhidas pelo cronista francês Froissart aJean de Rye – camareiro do rei de França e vetera-no das batalhas de Crecy e Poitiers - ou ao cavalei-ro gascão Espan du Lion – do condado de Foix, nosul de França que tinha combatido em Aljubarrota –ou ao relato de João Fernandes Pacheco – um dosheróis da Batalha de Trancoso e que também es-teve em Aljubarrota - são por isso testemunhos im-portantíssimos que nos ajudam a compreender me-lhor a Batalha o que cruzado com a célebre cartade D. Juan I de Castela à cidade de Múrcia poucosdias após a Batalha Real nos ajudam a perceber melhor o que se passou a 14 de Agosto de 1385).

“A batalha, mais do que entre os exércitos em presença, punha frente a frente os dois Reinos. Por 

isso, nela participaram ambos os Reis, e muitos lhechamaram BATALHA REAL” 11

Pelas 17h00, a vanguarda castelhana, cons-tituída essencialmente por um a dois milhares decavaleiros franceses, carrega sobre a posição por-tuguesa. A enorme frente montada é muito maislarga do que a frente portuguesa, mas, à medidaque a carga progredia, os cavaleiros, condiciona-dos pelos abatises, pelas linhas de água e pelanatural procura de estabelecer o contacto com uminimigo em frente mais estreita, vão afunilando. Àsemelhança dos Atoleiros, as armas de projecção(os besteiros portugueses reforçados por cerca de300 arqueiros mercenários ingleses) fazem tiro so-bre a massa de cavalaria que se precipita contraeles. Em simultâneo, cavalos e cavaleiros abatidosobrigam os seguintes a desviar-se e a cair commais facilidade nas covas de lobo e fossos (que-dos com vegetação). Para aquela massa confusade homens e cavalos é impossível recuar. Muitosperecem por esmagamento pelos próprios cama-radas que os seguiam, como comprovam inúmerasossadas extraídas do local12. Os poucos cavaleiros

11 BESSA: 58

12 Há um grande número de ossadas encontradas com sinaisde esmagamento e não de cortes ou fracturas provocadospor lâminas de armas de corte. Além disso há ainda doisaspectos que merecem a atenção: a existência de bastantes

franceses que sobrevivem são capturados e envia-dos para a zona da carriagem portuguesa, onde

Talvez cerca de uma hora mais tarde entra emposição a “batalha real castelhana”13. Mais uma vez

a frente castelhana sobrepassa enormemente a es-treita frente portuguesa. O avanço inicia-se mon-tado, mas mais uma vez as abatises e a própria

 -perar que o centro “encaixe” no corredor de 300metros de largura que conduz à frente portuguesa.

 covas de lobo pejados de cadáveres e moribundos.Os arqueiros ingleses e os besteiros portuguesesdisparam chuvas contínuas de setas e virotões. Oscavaleiros têm de apear. Mesmo assim chegam aocontacto e tem início um feroz corpo a corpo, cominúmeras baixas em ambos os lados.

Segundo Fernão Lopes, nesta fase, a frenteportuguesa acabaria por ceder, mas as alas, maislibertas, dobram-se naturalmente para o interior,criando uma bolsa e continuam a disparar projéc-teis. D. João I viu necessidade de reforçar a frentecom elementos da retaguarda. Mandou matar osprisioneiros franceses, provavelmente para de-sempenhar o pessoal que lhes fazia guarda e, aoda guerra pudessem aproveitar o empenhamentoda frente para eles próprios tentarem algo sobre os

peões e criados que permaneciam nos trens.

O Rei contra-atacou decididamente (…) um cava-leiro castelhano enfrentou o Rei, que alçou a facha

 para o abater. Ele, porém, parou o golpe, desarmou com a sua facha. O Rei, refazendo-se, aparou-o,

  por sua vez, e desarmou o adversário. Quando iaabatê-lo, já era tarde. Alguém se lhe tinha anteci-

 pado e o cavaleiro castelhano jazia morto. (...) esteepisódio tendo-o como um dos momentos cruciaisda batalha. Se a sorte do Rei lhe houvesse sido

adversa, outro seria certamente o desfecho docombate (…) e um novo acontecimento crucial - abandeira de Castela caiu derrubada.” 14

Os castelhanos acabariam por ceder e começamuma retirada desorganizada e tomada de pânico.

casos de lesões nos ossos frontal e occipital do crânio (queindiciam agressões direccionadas e provavelmente desferidaspor trás ou quando o indivíduo se encontrava caído no chão)e a frequência de fracturas remodeladas (ossos fracturadosque foram curados), que indiciam a presença de veteranosde guerra, com ferimentos de outras batalhas aos quaissobreviveram.

13 O corpo onde vinha o rei.

14 BESSA: 60-61, na opinião do Coronel Américo Henriqueso combate do Rei com o Castelhano Álvaro Gonçalves deSandoval deu-se mais tarde na Batalha, provavelmente durantea perseguição aos castelhanos

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(por Oeste era quase impossível devido ao declivedo terreno) e ataque à retaguarda portuguesa por parque do Mestre de Alcântara e algumas centenasde ginetes. O ataque começa por ser rechaçado por alguns besteiros e pessoal que se encontra com os

trens, dado que os castelhanos se encontram a ten-tar atravessar o ribeiro do Carqueijal (e os silvadosque o ladeavam). D. Nuno e alguns dos seus mon-tam nos poucos cavalos que se encontram dispo-níveis e acorrem à retaguarda, mas já o Mestre de

 Alcântara retira pelo mesmo caminho.  A perseguição, desferida de imediato pela hos-

te portuguesa, é terrível, completada ainda pelaacção dos populares. No entanto D. Nuno acaboupor limitá-la, mandando regressar a S. Jorge, dadoque tinha consciência que o exército castelhanoera muito numeroso e podia reagrupar para voltar a combater. Na realidade, isto não aconteceu. Sóna madrugada seguinte, com o levantar do dia, éque D. João I tem verdadeira consciência da retum-bante vitória. O exército português e os popularesdo couto de Alcobaça tinham morto cerca de 6000castelhanos e franceses. As baixas do lado portu-no terreno os tradicionais 3 dias que simbolizam avitória campal. No dia 17 de Agosto retira a hos-te portuguesa sobre Alcobaça e “à passagem pelae Nun’Álvares encontraram mortos muitos dos cas-telhanos que tinham logrado escapar na noite da

batalha” 15 

. Mais uma vez se comprova o forte apoiolocal que se produziu nos terrenos envolventes aS. Jorge, em especial, pelo já referido Abade de

 Alcobaça, D. João de OrnelasEm síntese foram estas as principais causas da

vitória16:� A ousadia de ir ao encontro de uma hoste muito

mais numerosa;� A escolha judiciosa do terreno;� O alongamento da coluna castelhana;� A precipitação do ataque castelhano – os cas-

telhanos sabiam o risco de, se seguissem em-

da com forças experientes na “guerra guerre-ada” e poderem ainda encontrar uma Lisboabem defendida;

� A rapidez da inversão do dispositivo português;� A articulação entre vanguarda, retaguarda e as

alas;� O impedimento da tentativa de envolvimento

castelhano;� Superioridade do comando e disciplina

portuguesaNa sequência do êxito de Aljubarrota, D. João

I ocupa Santarém, Leiria, Óbidos, Alenquer, TorresVedras, Sintra, Crato, Monforte, Vila Viçosa, Marvão

e outros lugares. Ainda no mesmo ano D. Nuno en-tra em Castela, para, mais uma vez, sair vitorioso

15 MONTEIRO: 115

16 BESSA: 72-73

no recontro de Valverde, numa acção propositadapara manter a pressão militar. O monarca caste-lhano, com um exército desfeito e dois grandes re-vezes na memória, nunca mais teve condições dediscutir a sucessão de D. Fernando.

�na vida dos portuguesas, a batalha por excelência.Portugal, que se estava gerando como Pátria, des-de os tempos de Afonso Henriques, vira chegada asua hora de surgir como Nação. Tinha condições egente. Teve chefe – e a história cumpriu-se” 17  

17 RODRIGUES: 10

 Azimute

O TCor Inf Nuno Correia Barrento de LemosPires é Licenciado em Ciências Militares pela

  Academia Militar, em Gestão de RecursosHumanos pela Universidade Lusófona e pos-sui uma Pós-graduação em História Militar pela Universidade Lusíada.

Prestou serviço, entre outras unidades naEscola Prática de Infantaria, como instrutor dos principais cursos da Escola, no Instituto de

  Altos Estudos Militares, leccionando a cadei-ra de História Militar, no Corpo de IntervençãoRápida da NATO em Valência/Espanha(NRDC – Spain) na área de informações edesde Novembro de 2007 como Comandante

do 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado daBrigada Mecanizada em Santa Margarida.Com várias obras publicadas, colaborou

em diversos livros e projectos em Portugal eEspanha, especialmente no âmbito da históriamilitar, tendo igualmente publicado dezenasde artigos em diversas revistas e jornais, econduzido diversas conferências em Portugal,Espanha e Alemanha.

É sócio efectivo da Revista Militar, cola-borador e revisor para assuntos militares doCírculo de Leitores, membro do ConselhoMilitar, membro do Foro para el Estudio de laHistoria Militar de España.

�BESSA, Carlos Gomes, e BARATA, Themudo, Conferência

na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 23 deMaio de 1985, no Ciclo Comemorativo da Batalha de Aljubarrota.

MARTINS, A. de Oliveira, A vida de Nun’Álvares, GuimarãesEditores, Lisboa, 1968.

MONTEIRO, João Gouveia, Aljubarrota, 1385. A BatalhaReal, Lisboa, Tribuna da História, 2003.

OLIVEIRA, Frederico Alcide de, Aljubarrota Dissecada,

Direcção do Serviço Histórico-Militar, Lisboa 1988.RODRIGUES, H.S. Castro, Aljubarrota ou a Fava de Terena,

Moinho Velho, Lisboa, 2002

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