AMBIGUIDADES EDEFICIÊNCIAS DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO...

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ARTIGO AMBIGUIDADES E DEFICIÊNCIAS DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL • Margaret Baroni Economista, Técnica da FUNDAP, mestranda em Política Científica e TecnológicaJUNICAMP, Membro do Conselho Administrativo do POUS (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais). * RESUMO: Mais do que nunca, o termo desenvolvimento sustentável está na moda, e isso faz com que no Brasil diversos segmentos sociaismanifestem suas posições a respeito das idéias que têm sobre ele. Vários autores têm buscado conceituar o termo, enquanto organizações mundiais de meio ambiente adotaram uma de- finição que apresenta ambigüidades, inconsistências e con- tradições. A revisão crítica de parte da literatura atual sobre o tema aponta para algumas questões básicas a serem melhor deba- tidas no sentido de superar essas ambigüidades e deficiências e dar um conteúdo mais preciso ao termo. Essas questões dizem respeito à discussão sobre as causas da pobreza e da degradação ambiental; à insuficiência das estratégias do desenvolvimento econômico para resolvê- las; à pertinência das perguntas acerca do que deve ser sus- tentado, porque e para quem; às conseqüências da imprecisão 14 Revista de Administração de Empresas do termo para o consenso; e à falta de discussão ampla na so- ciedade sobre o que é desenvolvimento sustentável. * PALAVRAS·CHAVE: Definições do desenvolvimento sus- tentável, contradições do desenvolvimento sustentável. * ABSTRACT: More than ever, "sustainable deoelopment" is fashionable. Several authors have given their interpretations to it and international and governamental organizations have adopted a formulation which contains ambiguities, inconsistencies and contradictions. A criticai review of part of the current literature upon the concept shows that there are some basic questions to be better explained in terms of overcoming the ambiguities and giving a more consistent content to it. These basic questions are: the interpretation of the causes of the povert and environmental degradation; the inadequacy of the development strategies to cope with them; the pertinency of what has to be sustainable; the necessity of making the concept more accurate and the lack of a large discussion in society upon what is a "suetainable deoelopment" . * KEY WORDS: Sustainable development concepts; sustainable development contradictions. São Paulo, 32(2): 14-24 Abr./Jun. 1992

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ARTIGO

AMBIGUIDADES E DEFICIÊNCIASDO CONCEITO DEDESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL• Margaret Baroni

Economista, Técnica da FUNDAP, mestranda emPolítica Científica e TecnológicaJUNICAMP, Membro doConselho Administrativo do POUS (Instituto de Estudos,Formação e Assessoria em Políticas Sociais).

* RESUMO: Mais do que nunca, o termo desenvolvimentosustentável está na moda, e isso faz com que no Brasil diversossegmentos sociaismanifestem suas posições a respeito das idéiasque têm sobre ele.

Vários autores têm buscado conceituar o termo, enquantoorganizações mundiais de meio ambiente adotaram uma de-finição que apresenta ambigüidades, inconsistências e con-tradições.

A revisão crítica de parte da literatura atual sobre o temaaponta para algumas questões básicas a serem melhor deba-tidas no sentido de superar essas ambigüidades e deficiênciase dar um conteúdo mais preciso ao termo.

Essas questões dizem respeito à discussão sobre as causasda pobreza e da degradação ambiental; à insuficiência dasestratégias do desenvolvimento econômico para resolvê-las; à pertinência das perguntas acerca do que deve ser sus-tentado, porque e para quem; às conseqüências da imprecisão

14 Revista de Administração de Empresas

do termo para o consenso; e à falta de discussão ampla na so-ciedade sobre o que é desenvolvimento sustentável.

* PALAVRAS·CHAVE: Definições do desenvolvimento sus-tentável, contradições do desenvolvimento sustentável.

* ABSTRACT: More than ever, "sustainable deoelopment" isfashionable. Several authors have given their interpretationsto it and international and governamental organizations haveadopted a formulation which contains ambiguities,inconsistencies and contradictions.

A criticai review of part of the current literature upon theconcept shows that there are some basic questions to be betterexplained in terms of overcoming the ambiguities and givinga more consistent content to it.

These basic questions are: the interpretation of the causesof the povert and environmental degradation; the inadequacyof the development strategies to cope with them; thepertinency of what has to be sustainable; the necessity ofmaking the concept more accurate and the lack of a largediscussion in society upon what is a "suetainabledeoelopment" .

* KEY WORDS: Sustainable development concepts;sustainable development contradictions.

São Paulo, 32(2): 14-24 Abr./Jun. 1992

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RAE

5. LÉLÉ, S. M. Op. cit.

6. PEARCE, David; MARKANDYA,Anil& BARBIER,Edward B.Bluepríntfor a green economy. 4ª ed. Lon-dres, The London EnvironmentalEconomics Centre for the UKDepartment of the EnvironmentEarthscan Publications Lld., 1989.

7. Traduzimos e transcrevemos aquia citação completa de cada autor talqual foi apresentada por Pearce.

8. GOODLAND, Robert & LEDOC,G. "Neoclassical Economics andPrincipies of Sustainable Develop-ment". Ecological Modelling, 38,1987.

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• a idéia do desenvolvimento auto-sus-tentado, dentro dos limites dos recursosnaturais;

• a idéia de desenvolvimento com cus-to real, usando critérios econômicos nãotradicionais;

• a noção de necessidade de iniciativascentradas nas pessoas.

Em seguida, a Conferência de Otawa, de1986, patrocinada pela UICN, PNUMA eWWF (Worldwide Fund for Nature), esta-belece que: "o desenvolvimento sustentávelbusca responder a cinco requisitos:

1. integração da conservação e do desenvol-vimento;

2. satisfação das necessidades básicas hu-manas;

3. alcance de eqüidade e justiça social;4. provisão da autodeterminação social e da

diversidade cultural;5. manutenção da integração ecológica."

Ao final, a definição de desenvolvi-mento sustentável adotada pela ComissãoMundial sobre Meio Ambiente e Desen-volvimento (WCED) fica sendo: "desen-volvimento sustentável é o desenvolvi-mento que satisfaz as necessidades dopresente sem comprometer as habilidadesdas futuras gerações de satisfazerem suasnecessidades", de onde foi retirado o re-quisito estabelecido originalmente em 1986na Conferência de Otawa, a respeito danecessidade de eqüidade e justiça socialpara o desenvolvimento sustentável.

Para a WCED, os objetivos críticos quederivam do conceito de desenvolvimentosustentável são:

1. crescimento renovável;2. mudança de qualidade do cresci-

mento;3. satisfação das necessidades essenciais

por emprego, comida, energia, água e sa-neamento básico;

4. garantia de um nível sustentável depopulação;

5. conservação e proteção da base de re-cursos;

6. reorientação da tecnologia e geren-ciamento do risco;

7. reorientação das relações econômicasinternacionais.

Essa formulação é adotada pelas agên-cias internacionais como PNUMA, UICN,WWF, Banco Mundial, a Agência Ameri-cana para o Desenvolvimento Internacio-nal, as agências de Desenvolvimento In-ternacional da Suécia e do Canadá, orga-nismos de pesquisa e fomento como WorldResources Institute, o InternationalInstitute for Environment and Develop-ment, o Worldwatch Institute e gruposativistas como o Global TomorrowCoalization,"

INTERPRETAÇÕES

Pearce et alii 6 compilaram uma série dedefinições dadas ao termo desenvolvi-mento sustentável. Selecionamos algumasdessas definições" que exemplificam a di-versidade de idéias e refletem a falta deprecisão na conceituação corrente do ter-mo:

Definição 1: "Desenvolvimento sustentá-vel é aqui definido como um padrão de trans-formações econômicas estruturais e sociais (i.e.,desenvolvimento) que otimizam os benefíciossocietais e econômicos disponíveis no presente,sem destruir o potencial de benefícios similaresno futuro. O objetivo primeiro do desenvolvi-mento sustentável é alcançar um nível de bem-estar econômico razoável e eqüitativamentedistribuído que pode ser perpetuamente conti-nuado por muitas gerações humanas .... desen-volvimento sustentável implica usar os recursosrenováveis naturais de maneira a não degradá-los ou eliminá-los, ou diminuir sua utilidadepara as gerações futuras, implica usar os re-cursos minerais não renováveis de maneira talque não necessariamente se destruam o acessoa eles pelas gerações futuras ... desenvolvimen-to sustentável também implica a exaustão dosrecursos energéticos não renováveis numa taxalenta o suficiente para garantir uma alta pro-babilidade de transição societal ordenada paraas fontes de energia renovável..."8

Definição 2: "A idéia básica de desenvol-vimento sustentável é simples no contexto dosrecursos naturais (excluindo os não renováveis)e ambientais: o uso feito desses insumos noprocesso de desenvolvimento deve ser susten-tável ao longo do tempo ...se aplicarmos a idéiaaos recursos, sustentabilidade deve significarque um dado estoque de recursos (árvores,qualidade do solo, água eic.) não pode declinar.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

...sustentabilidade deve ser definida em ter-mos da necessidade de que o uso dos recursoshoje não reduza as rendas reais no futuro ..."9

Definição 3: "Nossa definição-padrão dedesenvolvimento sustentável será a de nãodeclínio do bem-estar per capita - por causa deseu apelo evidente como critério de eqüidadeentre gerações" .10

Definição 4: "O critério da sus-tentabilidade requer que as condições necessá-rias para igual acesso à base de recursos sejamconseguidas por cada geração","

•••••••••••••••••••••••Muitas vezes sustentabilidadeecológica, desenvolvimento

sustentável e sustentabilidade sãousados com os mesmos sentidos,

embora tenham significados distintos.

•••••••••••••••••••••••Definição 5: "Tomamos desenvolvimento

como um vetor de objetivos sociais desejáveis,e seus elementos devem incluir:

• aumentos na renda real per capita;• melhora no status nutricional e da saúde;• melhora educacional;• acesso aos recursos;• uma distribuição de renda mais justa;• aumentos nas liberdades básicas.

...desenvolvimento sustentável é, então, umasituação na qual o vetor de desenvolvimentoaumenta monotonicamente sobre o tempo.Sumarizamos as condições necessárias (para odesenvolvimento sustentável) como' constânciado estoque do capital natural'. Mais estrita-mente, o requerimento para mudanças não ne-gativas no estoque de recursos naturais comosolo e qualidade do solo, águas e sua qualidade,biomassa e a capacidade de assimilação de resí-duos no ambiente" .12

Podemos perceber, nessa variedade deconceituações, que há autores que dizem oque desenvolvimento sustentável deveriaser, ou o que gostariam que ele fosse; ou-tros confundem desenvolvimento susten-tável com sustentabilidade ecológica -que tem a ver somente com a capacidade

dos recursos se reproduzirem ou não seesgotarem -; outros reconhecem que devehaver limites para o crescimento econô-mico porque ele é insustentável do pontode vista dos recursos; e outros substituema idéia tradicional do desenvolvimentopela do desenvolvimento sustentável, ondea incorporação do adjetivo sustentável àidéia tradicional do desenvolvimento re-conhece implicitamente que este não foicapaz de aumentar o bem-estar e reduzir apobreza, como é sua proposta.

Em especial, gostaríamos de comentaruma a uma as demais definições sele-cionadas:

Definição 6: "Desenvolvimento sustentá-vel: desenvolvimento que significa alcançarsatisfação constante das necessidades humanase a melhoria da qualidade da vida humana'íP

É possível entender por essa definiçãoque os objetivos do desenvolvimento sus-tentável continuam sendo os mesmos ob-jetivos perseguidos pelas políticas de de-senvolvimento tradicionais.

Definição 7: "O conceito de desenvolvi-mento econômico sustentável quando aplicadoao Terceiro Mundo ... diz respeito diretamenteà melhoria do nível de vida dos pobres, a qualpode ser medida quantitativamente em termosde aumento de alimentação, renda real, serviçoseducacionais e de saúde, saneamento e abaste-cimento de água etc., e não diz respeito somen-te ao crescimento econômico no nível de agre-gação nacional. Em termos gerais, o objetivoprimeiro é reduzir a pobreza absoluta do mun-do pobre através de providenciar meios de vidaseguros e permanentes que minimizem aexaustão de recursos, a degradação ambiental,a disrupção da cultura e a instabilidade so-cial" .14

Aqui também o desenvolvimento sus-tentável é receita para o Terceiro Mundosair da pobreza, ou do subdesenvolvi-mento: o que parece estar sugerido é abusca do desenvolvimento, acrescida dapreocupação em reduzir desperdícios nouso dos recursos.

Definição 8: "Existe um amplo consensosobre as condições requeridas para o desenvol-vimento econômico sustentável. Duas inter-pretações estão emergindo: uma concepção mais

9. MARKANDYA, Anil & PEARCE,David. "Natural Environments andthe social rate of discount". ProjectAPPRAISAL, 3(1), 1988.

10. PEZZEY, John. EconomicAnalysis of Sustainab/e Growth andSustaínable Development. Wa-shington, DC, Banco Mundial, De-partamento de Meio Ambiente, rela-tório de trabalho nº 15, maio, 1989.

11. PEARCE, David. "Foundationsof an ecological economics".Ec%gica/ Modelling, 38, 1987.

12. PEARCE, David; BARBIER,Edward & MARKANDYA, Anil.Sustainab/e Development and Cost-Benefit Ana/ysis. Londres, LondonEnvironmental Economics Centre,Paper 88-01, 1988.

13.ALLEN, Robert.Howto Save theWorld.Londres,KoganPagwe,1980.

14. BARBIER,Edward."Theconceptof sustainable economicdevelopment". EnvíronmentalConservatíon, 14(2):101-10,1987.

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15. BARBIER, Edward. Economics,Natural Resources, Scarcity andDevelopment. Londres, Earthscan,1989.

16. COMISSÃO MUNDIAL SOBREO MEIO AMBIENTE E DESENVOL·VIMENTO (WCED). Nosso FuturoComum.Rio de Janeiro, FGV, 1987.

17. Ex·Primeira Ministra noruegue·sa, Gro Harlem Bnundtland,"Sir PeterScott Lecture", Bristol, 8 de outubrode 1986.

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ampla com respeito ao desenvolvimento econô-mico, social e ecológico, e uma concepção maisestreita com respeito ao desenvolvimentoambientalmente sustentável (i.e., com admi-nistração ótima dos recursos e do ambiente notempo). A primeira, uma visão altamentenormativa do desenvolvimento sustentável(endossada pela Comissão Mundial de Desen-volvimento e Meio Ambiente) define o concei-to como 'desenvolvimento que alcança as ne-cessidades do presente sem comprometer a ca-pacidade das futuras gerações satisfazerem suaspróprias necessidades ', Em contraste, a se-gunda concepção, de administração ótima derecursos e do ambiente requer maximizar osbenefícios líquidos do desenvolvimento econô-mico, mantendo os serviços e a qualidade dosrecursos naturais" .15

•••••••••••••••••••••••Se o crescimento econômico não levanem à sustentabilidade ecológica nemà remoção da pobreza, é claramente

um não-objetivo para odesenvolvimento sustentável.

•••••••••••••••••••••••Embora aqui o autor afirme a existência

de duas interpretações para o termo, aamplitude da primeira interpretação arespeito da satisfação das necessidades dopresente pode conter também a ma-ximização dos benefícios líquidos do de-senvolvimento econômico e a administra-ção ótima dos recursos, ou seja, é possívelpensar que urna interpretação englobe aoutra, e a tônica continue sendo a busca dodesenvolvimento.

Definição 9: "A humanidade é capaz detornar o desenvolvimento sustentável - degarantir que ele atenda as necessidades do pre-sente sem comprometer a capacidade de as ge-rações futuras atenderem também as suas. Oconceito de desenvolvimento sustentável temlimites - não limites absolutos, mas limitaçõesimpostas pelo estágio atual da tecnologia e daorganização social, no tocante aos recursosambientais, e pela capacidade da biosfera deabsorver os efeitos da atividade humana. Mastanto a tecnologia quanto a organização socialpodem ser geridas e aprimoradas a fim de pro-porcionar uma nova era de crescimento econô-

mico. Para a Comissão, a pobreza generalizadajá não é inevitável."16

Essa citação espelha bem a contradiçãoque se estabeleceu: embora haja o reco-nhecimento, pela Comissão Mundial sobreo Meio Ambiente e Desenvolvimento, deque o crescimento até hoje comprometeu apossiblidade do desenvolvimento para asgerações futuras, sua visão normativacontinua sendo a da busca do crescimentoeconômico e do fim da pobreza.

Definição 10: "A Comissão Mundial parao Desenvolvimento e o Meio Ambiente nãoacredita que o cenário sombrio de destruição dopotencial global nacional para o desenvolvi-mento seja um destino inescapável. Os proble-mas são planetários mas não são insolúveis. Secuidarmos da natureza, ela tomará conta de nós .A conservação chegou a um ponto do conheci-mento que, se quisermos salvar parte do siste-ma, temos que salvar o sistema inteiro. Esta é aessência do que chamamos desenvolvimentosustentável. Existem várias dimensões para asustentabilidade. Primeiramente, ela requer aeliminação da pobreza e da privação. Segundo,requer a conservação e a elevação da base derecursos, a qual sozinha pode garantir que aeliminação da pobreza seja permanente. Ter-ceiro, ela requer um conceito mais abrangentede desenvolvimento, que englobe não somenteo crescimento econômico, como também o de-senvolvimento social e cultural. Quarto e maisimportante, requer a unificação da economia eda ecologia nos níveis de tomada de decisão" .17

A proposta de Brundtland a partir de suainterpretação sobre o que seja a essência dodesenvolvimento sustentável (a naturezaplanetária dos problemas e a necessidade desalvar o sistema inteiro) passa, em primeirolugar, cornoelamesma diz, "pela eliminação dapobreza", e,em segundo lugar, pela crençaemque, "sozinha, a conservação e a elevação da basede recursos, garanta que a eliminação da pobrezaseja permanente."

Esta parece ser a grande e polêmicaquestão a respeito do desenvolvimentosustentável: o que garante que a pobrezaseja eliminada com a abundância de re-cursos? Por que não se eliminou a pobre-za quando havia muito mais abundânciade recursos? Por que haveria agora estagarantia? O que mudou?

No Brasil, Rattner é o autor que mais

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DESENVOL VIMENTO SUSTENTÁ VEL

tem buscado explicitar o termo e desven-dar seu sentido:

Definição 11: "A incorporação da dimen-são ambiental nas estratégias e projetos decrescimento econômico não é condição sufici-ente nem para o desenvolvimento sustentávelnem para a melhoria das condições de vida dospobres e desprovidos.

O conceito de desenvolvimento susten-tável envolve condições de melhoria devida para as populações, do ponto de vis-ta social e econômico.

Em oposição às estratégias de crescimentoinsustentável- por razões morais e ambientais-, o paradigma alternativo terá que satisfazeras necessidades básicas de todos e não só dasminorias, em todos os lugares e não somente nospólos de crescimento, como um processo contí-nuo contra a expansão e contração das econo-mias de mercado contemporâneas. Estratégiasde desenvolvimento sustentável - servindo atodos, todo o tempo, sem destruir ou exaurir osrecursos existentes e produzir riscos e conse-qüências ambientais e insuportáveis - terãoque ser caracterizadas pela viabilização econô-mica, eqüidade social, sustentabilidade,aceitabilidade estética ...para tratar com estesproblemas (ambientais) e ao mesmo tempo for-necer condições para o desenvolvimento sus-tentável - será necessária mobilização e moti-vação de toda a sociedade para definir um esti-lo de vida com padrões de consumo e produçãode acordo com as necessidades básicas e estra-tégicas de prioridade determinada através deprocessos democráticos pelos atores eociais.:"

CONTRADiÇÕES

A análise que a meu ver é a mais con-sistente a respeito do termo e suas ambi-güidades é a que Lélé fez a respeito daprodução teórica e das propostas das ins-tituições por ele analisadas, e que hoje dãoo tom e são o principal marco de referênciana discussão corrente sobre o desenvolvi-mento sustentável, pelo menos no nívelinstitucional.

Seu trabalho parte de uma interpretaçãodos termos desenvolvimento sustentável esustentabilidade, para em seguida analisaro que se tornou a corrente principal dopensamento sobre desenvolvimento sus-tentável, seus objetivos e premissas.

Segundo Lélé, a leitura dessa bibliogra-

fia deixa claro que a questão que se colocahoje não é mais a contradição entre desen-volvimento e preocupação ambiental, e simcomo o desenvolvimento sustentável podeser alcançado. A pergunta de Lélé é: mas oque é desenvolvimento sustentável? Res-pondendo à sua própria pergunta, ele diz:

• "literalmente, desenvolvimento sustentá-vel quer simplesmente dizer' desenvolvimentoque pode ser continuado', o que suscita umanova pergunta sobre o que é desenvolvimento.'Para uns, é número do PIB, para outros incluialgum fenômeno socialmente desejado'.

• o termo sustentabilidade surgiu a respei-to dos recursos renováveis e foi adotado pelomovimento ecológico.

• muitos usam o conceito como a existênciade condições ecológicas necessárias para darsuporte à vida humana num nível específico debem-estar através de futuras gerações, e isto ésustentabilidade ecológica e não desenvolvi-mento sustentável. "19

A principal contribuição para o debatedesenvolvimento/meio ambiente, deriva-da desse conceito, é, para Lélé, a consciên-cia de que, em conjunção com essas condi-ções ecológicas, existem condições sociaisque influenciam a sustentabilidade ecoló-gica ou a insustentabilidade da interaçãohomem-natureza.

•••••••••••••••••••••••Apenas Rattner e Lélé parecem

colocar a questão da sustentabilidadede uma perspectiva que aponta para anecessidade de consenso social para

definir a sustentabilidade.•••••••••••••••••••••••

Segundo esse autor, a interpretação quedomina o debate hoje é: desenvolvimentosustentável é entendido como "uma formade mudança societal que, em adição aos objeti-vos do desenvolvimento tradicionais, tem o ob-jetivo ou a restrição de sustentabilidade ecoló-gica. Obviamente esta não é independente deoutros objetivos (tradicionais) do desenvolvi-mento. 'Trade offs' normalmente têm que ser

18. RATTNER, Henrique.Sustainable Development . Trendsand Perspectives, FEA/USP,se1.1991. (Versão preliminar.)

19. LÉLÉ S. M. Op. cil., pp.608-10.

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INTRODUÇÃO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ VEL

A intenção deste texto é buscar entendera definição de desenvolvimento sustentá-vel e discutir os diferentes conteúdos quevêm sendo dados ao termo.

Dentro dos limites da pesquisa executadapara este balanço', foi possível identificar doisgrupos de informação e análise a respeito dosconceitos e objetivosque dão atualmente con-teúdo ao desenvolvimento sustentável.

Um primeiro grupo se refere a con-ceituações que vêm sendo feitas por cien-tistas (das áreas biológicas e humanas),técnicos de governo e políticos que serãoapresentadas no item "Interpretações".Elas mostram a diversidade de opiniões ediagnósticos sobre o binômio desenvolvi-mento / meio ambiente.

A segunda delas se refere aos discursosdos organismos e entidades internacionaisde fomento na área de meio ambiente(como a União Internacional para a Con-servação da Natureza (UICN), o Progra-ma de Meio Ambiente das Nações Unidas(PNUMA) etc.), que orientam os diagnós-ticos, análises e propostas dessas institui-ções e estão publicadas na sua bibliografiaoficial mais recente. Eles nos interessam emespecial por sua posição dominante nodebate sobre desenvolvimento sustentável,e pela sua capacidade em influenciar po-líticas e ações de âmbito global e local,tornando-se marco referencial para outrasentidades e órgãos, como, por exemplo, oBanco Mundial, a OCDE e o Banco de De-senvolvimento da Ásia. Para isto, utiliza-remos o balanço crítico apresentado porS.M. Lélé em seu artigo "Sustainabledevelopment: a critical review"? sobre oconteúdo e premissas do desenvolvimen-to sustentável adotados por essas institui-ções e suas conclusões a respeito, na seção"Histórico e Contradições".

Além dessas duas fontes, é preciso res-saltar que a emergência e gravidade dosproblemas ambientais, a conseqüentemobilização e organização social einstitucional em tomo da problemáticaambiental e a intensificação e a preocupa-ção crescentes com os efeitos globais dosriscos ambientais têm feito com que a ex-pressão desenvolvimento sustentável, es-pecialmente nestes últimos meses, tenha setomado extremamente usada no Brasil,com os mais diversos sentidos, por indiví-

duos, setores ou entidades que quiserammarcar posição no debate da ECO 92.

HISTÓRICO

A história do termo desenvolvimentosustentável se inicia em 1980, quando aUICN (União Internacional para a Con-servação da Natureza) apresenta o docu-mento Estratégia de Conservação Mundialcom o objetivo de alcançar o desenvolvi-mento sustentável através da conservaçãodos recursos vivos.

O documento foi criticado por Khosla, 3

que afirmou ser a estratégia restrita aosrecursos vivos, focada na necessidade demanter a diversidade genética, os habitatse os processos ecológicos e incapaz detratar das questões controversas relacio-nadas com a ordem internacional políticae econômica, as guerras, os problemas dearmamentos, população e urbanização.

•••••••••••••••••••••••...desenvolvimento sustentável

implica usar os recursos renováveisnaturais de maneira a não degradá-los

ou eliminá-los, ou diminuir suautilidade para as gerações futuras,

implica usar os recursos minerais nãorenováveis de maneira tal que não

necessariamente se destruam o acessoa eles pelas gerações futuras ...

•••••••••••••••••••••••Uma segunda crítica, feita por Sunkel ',

era que a estratégia era essencialmentevoltada para o lado da oferta, assumindoque a estrutura e o nível da demanda eramvariáveis autônomas e independentes, eignorando o fato de que "se um estilo dedesenvolvimento sustentável deve ser perse-guido, então ambos os níveis e particularmen-te a estrutura da demanda devem ser funda-mentalmente mudadas".

Embora criticado, o documento recebeapoio do Programa das Nações Unidaspara o Meio Ambiente (PNUMA), quetenta popularizar o conceito apresentandoseus princípios e conteúdos como sendo:

• ajuda para os muito pobres, porqueeles não têm opção a não ser destruir omeio ambiente;

Copyright ©1992, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1.A pesquisa inclui a leitura da biblio-grafia citada no correr deste trabalhoe a leitura de matérias sobre o temanos jornais Gazeta Mercantil, Folhade São PauloeEstado de São Paulo,entre os meses de dezembro 1991 emarço de 1992.

2. LÉLÉ, S.M. "Sustainable Develop·men!: a criticai review". World De-velopment, 19(6):607·21, GredtBritain, Pergamon Press, jun.1991.

3. KHOSLA, A. "AlternativesStrategies in Achieving SustainableDevelopment'. In: JACOBS, P. &MUNROE, DA (orgs.)Conservationwith equith: strategies for sustainabledevelopment.Cambrige, lnterna-tional Union for Conservation ofNatureand Naturel Resources, 1987,apud LÉLÉ, S. M. Op. cit.

4. SUNKEL, O. "Beyond the WorldConservation Strategy: integratingdevelopment and the Environment inLatin-America and the Caribbean".In: JACOBS, P. & MUNROE, D.A.(Org.) Op. cit.

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RAEfeitos entre a extensão e a taxa na qual asustentabilidade ecológica é alcançada vis-à-visoutros objetivos. Em outros casos, entretanto,sustentabilidade ecológica e objetivos tradicio-nais de desenvolvimento (como satisfação dasnecessidades básicas) podem se reforçarmutuamente."?"

Mas a contradição apontada por Lélé é:se a busca dos objetivos tradicionais dodesenvolvimento minaram a susten-tabilidade ecológicano passado, que novosinsights sugerem que esta contradiçãopossa ser evitada no futuro?

•••••••••••••••••••••••o que deve ser sustentável?

Por que? Para quem?São perguntas-chave que devem ser

respondidas e determinadassocialmente.

•••••••••••••••••••••••Isto nos leva diretamente à análise de

Rattner a respeito do assunto. Ele acres-centa duas questões cruciais que vão nomesmo sentido crítico de Lélé: a primeira,sobre a insuficiência da incorporação dadimensão ambiental nos projetos de cres-cimento econômico, tanto para alcançar odesenvolvimento sustentável como namelhoria das condições de vida dos pobrese desprovidos. A segunda, da necessidadeda busca de padrões de consumo e pro-dução determinados socialmente, quepode nos levar a fazer avançar o debatesobre o desenvolvimento sustentável, fu-gindo das visões normativas e discutindoconcretamente suas reais possibilidades deexistência.

Conforme Lélé, a percepção sobre a re-lação ambiente-sociedade feita pela cor-rente principal do pensamento sobre de-senvolvimento sustentável é baseada sobreas seguintes premissas:

20. Idem, ibidem, idem.

• A degradação ambiental já afeta mi-lhões no Terceiro Mundo, e diminuirá obem-estar humano no globo dentro depoucas gerações.

• A degradação émuitas vezes causadapela pobreza, porque os pobres não têmopções, senão explorar no curto prazo parasobreviver;

• A natureza interligada de muitos

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problemas ambientais é tal que a degrada-ção ambiental hoje afeta a todos, embora ospaíses pobres sofram mais.

• Os objetivos do desenvolvimento tra-dicional são satisfazer necessidades básicase aumentar a produtividade de todos osrecursos, humanos, naturais, econômicos,nos países em desenvolvimento, e mantero nível de vida dos países desenvolvidos.

• Esses objetivos não necessariamenteconflituam com o objetivo da sustenta-bilidade ecológica.

• O processo de desenvolvimento deveser participativo, para dar certo.

Segundo ele, a corrente principal dopensamento sobre o desenvolvimentosustentável sofre de três fraquezas signi-ficativas.

A primeira diz respeito à sua caracteri-zação dos problemas da pobreza e da de-gradação ambiental, como sendo uma re-lação biunívoca, ou seja, a pobreza leva àdegradação e a degradação leva à pobreza.

A segunda deficiência é sobre suas con-ceituações dos objetivos do desenvolvi-mento, da sustentabilidade e da participa-ção.

A terceira se refere à estratégia queadotou face à incerteza e à falta de conhe-cimento.

De acordo com Lélé, deixa a desejar amaneira como os objetivos do desenvolvi-mento sustentável são conceitualizados eoperacionalizados. De um lado, o cresci-mento está sendo adotado como um obje-tivo operacional maior que é consistenteduplamente com a remoção da pobreza ea sustentabilidade. Por outro lado, os con-ceitos de sustentabilidade e participaçãosão articulados pobremente, tornando di-fícil determinar se um projeto de desen-volvimento particular promove ou nãouma forma particular de sustentabilidade,ou que tipo de participação levará a quetipo de resultado social (e conseqüente-mente ambiental).

Quanto ao papel do crescimento econô-mico, a questão é que, apesar de nos mea-dos dos anos 70 parecer que as teorias docrescimento econômico e do efeito trickle-down do desenvolvimento haviam sido re-jeitadas, ainda hoje no debate do desen-volvimento sustentável está a idéia docrescimento econômico.

O crescimento econômico renovável

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DESENVOL VIMENTO SUSTENTÁVEL

encabeça a lista dos objetivos operacionaisda WCED. Dois argumentos estão implí-citos nessa adoção do crescimento econô-mico como objetivo operacional. O pri-meiro, defensivo, é que não existe contra-dição fundamental entre crescimento eco-nômico e sustentabilidade, porque ocrescimento na atividade econômica podeocorrer simultaneamente tanto com me-lhoria ou piora da qualidade ambiental.Assim, governos preocupados com asustentabilidade de longo prazo não pre-cisam limitar o crescimento do produtoeconômico tão logo eles estabilizem o con-sumo dos recursos naturais agregados.Mas alguém poderia torcer o argumento esugerir que, se o crescimento econômiconão está relacionado com a sustenta-bilidade ambiental, não há razão para ter ocrescimento econômico como um objetivooperacional do desenvolvimento susten-tável.

O segundo argumento em favor docrescimento econômico é mais positivo. Apremissa básica do desenvolvimento sus-tentável é que a pobreza é largamente res-ponsável pela degradação ambiental. As-sim, a remoção da pobreza (ou seja, o de-senvolvimento), é necessária para asustentabilidade ecológica. Argumenta-seque isto implica que o crescimento econô-mico é absolutamente necessário para de-senvolvimento sustentável. A única coisaque precisa ser feita é "mudar a qualidadedeste crescimento'?' para assegurar que elenão leve à destruição ambiental. Colocan-do tal inferência, há implícita crença de queo crescimento econômico é necessário (senão suficiente) para a remoção da pobreza.Mas não foi o fato de que o crescimentoeconômico per se não podia assegurar aremoção da pobreza que levou à adoção doapproach dos anos 70 das necessidades bá-sicas? Então, se o crescimento econômiconão leva nem à sustentabilidade ecológicanem à remoção da pobreza, é claramenteum não-objetivo para desenvolvimentosustentável. De qualquer maneira, o cres-cimento econômico é conseqüência do de-senvolvimento sustentável, não seu motor.

A respeito da sustentabilidade, foi nodocumento Estratégia de Conservação Mun-diai" em que se fez a primeira tentativa deusar o conceito de sustentabilidade, massem defini-lo. Existe perigo real do termovirar um clichê, a não ser que haja esforço

no sentido de dar precisão e conteúdo àdiscussão.

Assim, tanto Lélé quanto Rattner reco-nhecem que qualquer discussão sobresustentabilidade deve responder a três in-dagações:

- O que tem que ser sustentado?- Para quem?- Por quanto tempo?

Segundo Lélé, o valor do conceito dedesenvolvimento sustentável está na suacapacidade de gerar um consensooperacional entre grupos com respostasfundamentalmente diferentes. "É precisoidentificar os aspectos da sustentabilidade querealmente aglutinem diversos interesses, da-queles que envolvem trade offs" .

Quanto à terceira premissa, sobre aparticipação, a maneira como esta é enten-dida mostra a visão estreita e enganosaadotada pela corrente de desenvolvimen-to sustentável, que substituiu a eqüidade ea justiça social da proposta de 1986pelasidéias de participação e descentralização,como se fossem equivalentes.

EXEMPLOS DA "ELASTICIDADE"DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL

No Brasil, diversos discursos têm seapropriado do termo de acordo com assuas conveniências, ideologias e projetos.Exemplos disso têm surgido freqüen-temente nos jornais:

a) "Para difundir em seus países o conceitode desenvolvimento sustentável, os empresá-rios latino-americanos do Conselho Empresarialpara ODesenvolvimento Sustentável, reunidosno Rio de Janeiro em 08/10/91, vão apresentarum rol de reivindicações aos seus governos. Aprimeira das oito mensagens diz que só aeconomia de mercado permitirá aos paísesum desenvolvimento com bases sustentá-veis (sem degradar a natureza).

O empresário mexicano EugênioClariond Reyes, que presidiu o painel ÀsEmpresas e os Governos', disse que aseconomias 'manipuladas e fechadas' nãooferecem as condições necessárias para aaplicação desse novo conceito.

O Conselho Empresarial para o desen-volvimento sustentável defende ainda a

21. COMISSÃO MUNDIAL SOBREO MEIO AMBIENTE E DESENVOL-VIMENTO. Op. cil.

22. UNIÃO INTERNACIONAL PARACONSERVAÇÃO para NATUREZA(UICN). Estratégia de ConservaçãoMundiat. conservação dos RecursosVivos para o Desenvolvimento Sus-tentável. Suíça, IUCN, PNUMA,WWF,1980.

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RAE

abrangência mundial, a qual, no caso dospaíses em desenvolvimento, demonstraque, sem um crescimento econômico ver-dadeiro, haverá um uso predatório dosrecursos da natureza. Ou dito de outramaneira: só a aceleração do desenvolvi-mento poderá engendrar soluções para osproblemas ambientais. Enfim: cresceragora garantindo o futuro.

Já temos o modelo e o conceito genérico,mas eles ainda não foram traduzidos emmandamentos práticos. Da conferênciamundial Rio-92, talvez resulte essa con-solidação.

Numa contribuição para o entendi-mento comum a respeito, e com a preten-são de ajudar a pôr em prática o novo mo-delo, formulamos - a partir da ótica e daexperiência empresarial - um conjuntode critérios que, a nosso ver, devem ca-racterizar, em nosso país e em todos osoutros, a era do desenvolvimento susten-tável:

23."PROPOSTOfimdosubsídioparasetor poluidor', O Estado de SãoPaulo, 09.10.91, p. 11.

24. CIMA· Comissão Interministerialpara preparação da Conferência dasNaçõesUnidassobre MeioAmbientee Desenvolvimento. O Desafio dodesenvolvimento sustentável. Rela·tório do Brasil para a Conferênciadas Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, Bsb,set/91, p.20.

25. "PAís arma discussão sobre po-breza e ecologia'. Folha de SãoPaulo, 22.07.91, p.43 (por GustavoKrieger, da Sucursal de Brasília).

26. "AS RAZÕES do desenvolvi·mento sustentável". Folha de SãoPaulo, 11.09.91, p.3-2 (por MárcioFortes).

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contenção do crescimento populacional, orespeito ao direito de propriedade, a redu-ção da presença dos governos na economiae a queda dos juros como condições bási-cas para o desenvolvimento sustentável". 23

"A pobreza é um dos principais problemasambientais do Brasil. A conclusão é do relató-rio preliminar do governo para a ECO-92.24

O relatório base do documento que ogoverno apresentou na ECO-92 diz que apreservação da Amazônia tem que come-çar pela solução dos problemas econômi-cos locais.

No documento, o governo reconhece aculpa oficial por parte do desmatamento.Admite que os incentivos fiscais dados paracolonização da Amazônia financiaram aderrubada da floresta. O governo defendeagora um modelo de 'desenvolvimentosustentado' que preserve a floresta.

A base seria a criação de reservas ex-trativistas, sustentadas por investimentos ofi-ciais e internacionais.">

b) "No lim'ar do novo século/milênio, deli-neia-se no mundo um novo modelo de desen-volvimento. É o que poderíamos chamar de re-volução ambiental - um capítulo da históriaeconômica na mesma linhagem da revoluçãoindustrial e da recente revolução tecnológica.

•••••••••••••••••••••••A discussão sobre desenvolvimento

sustentável, apesar das ambigüidadese malentendidos, abre as portas para adiscussão da eqüidade social dentro deuma mesma geração quando discute oacesso aos bens das gerações futuras.•••••••••••••••••••••••

Esse novo modelo se baseia em um con-ceito que nasceu recentemente, o desenvol-vimento sustentável. É um termo que malsaiu das salas fechadas dos simpósios em-presariais e, por isso, é importante difundiro seu exato significado. Em especial no Bra-sil, onde tanto se discute que tipo de cresci-mento é melhor para o país.

O desenvolvimento sustentável é a res-posta, porque vai muito além do princípioem voga, da busca da excelência ambiental.Envolve a integração de critérios econô-micos à prática ecológica. É uma tarefa de

• Uso parcimonioso dos recursos nãorenováveis.

• Uso sustentável dos recursosrenováveis.

• Melhoria da qualidade ambiental.• Conservação da biodiversidade.

Busca do equilíbrio econômico-social:redução da pobreza; melhoria da distri-buição de renda entre indivíduos e regiõese aceleração da industrialização equa-lizadora nos países em desenvolvimento."

CONCLUSÕESÉ possível já concluir que, muitas vezes,

sustentabilidade ecológica, desenvolvi-mento sustentável e sustentabilidade sãousados com os mesmos sentidos, emboratenham significados distintos. O que sepode concluir, também, é que muitos au-tores se propõem definir desenvolvimentosustentável e, no entanto, apresentampropostas genéricas e setoriais demais.

Além disso, a palavra sustentável leva ainterpretações contraditórias. O relatórioCaring for the Earth - a strategy for sustainableliving reconhece isto: lia confusão do termosurgiu porque desenvolvimento sustentável,crescimento sustentável, uso sustentável têmsido usados como termos intercambiáveis, comose tivessem o mesmo significado, mas não têm.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ VEL

Crescimento sustentável é uma contradição emsi mesmo: nada do que é [fsico pode crescer in-definidamente. Uso sustentável aplica-se so-mente a recursos renováveis: significa o usodesses recursos em quantidades compatíveiscom sua capacidade de renovação. Desenvolvi-mento sustentável é empregado nessa estraté-gia com o significado de melhorar a qualidadede vida humana dentro dos limites da capaci-dade de suporte dos ecossistemas.í"

Assim, a única unanimidade que o termodesenvolvimento sustentável possui é emrelação à sua ambigüidade: o termo corre oriscode se tomar um chavão que todos usame ninguém se preocupa em definir.

Mesmo assim, ou por isto mesmo, o con-ceito impreciso e vago permite que pessoase instituições com posições inconciliáveisnodebate meio ambientei desenvolvimentonão comprometam suas posições.

O conceito usado pelo documentoCaring for the Earth tem o significado demelhorar a qualidade da vida humanadentro dos limites da capacidade de su-porte dos ecossistemas e aí existem doisproblemas de indefinição, que são, res-pectivamente, entender o sentido damelhoria da qualidade de vida humana(pode significar um carro Mercedez Benzpara cada cidadão do planeta), e saber quala capacidade de suporte dos ecossistemas(há conhecimento científico para tal hoje?).

Embora a análise de Lélé nos leve aimaginar a facilidade de cooptação e demalentendidos, que pode, às vezes, servirmais para encobrir conflitos do que ajudarno encaminhamento de soluções, a dis-cussão sobre desenvolvimento sustentáveldeixa à mostra a existência de umaracionalidade que é estranha - porque énova -, que vem da ecologia e que podese contrapor à racionalidade econômicaque até então vem comandando a dinâmi-ca da civilização contemporânea. Redcliftse refere a isto:

"O termo desenvolvimento sustentável su-gere que as lições da ecologia podem e devem seraplicadas aos processos econômicos. Ele abran-ge as idéias da Estratégia da ConservaçãoMundial (UICN), fornecendo uma ra-cionalidade ambiental através da qual as pre-tensões do desenvolvimento para melhorar aqualidade de (toda a) vida pode ser desafiada etestada" .28

De alguma maneira, a discussão sobredesenvolvimento sustentável abriu as

portas para novas idéias porque, ao discu-tir a necessidade e a capacidade das futu-ras gerações terem acesso aos bensambientais finitos, em termos de igualda-de de condições com a geração atual, per-mitiu também a discussão da eqüidadesocial dentro de uma mesma geração. Em-bora o receituário e as recomendações depolítica acabem se mostrando mais con-servadores e reformistas (como no objeti-vo de acabar com a pobreza, por exemplo)e as premissas sobre as causas da degra-dação ainda sejam singelas ou tautológicas,a discussão iniciada sugere que se possambuscar respostas mais consistentes para osproblemas que afligem as sociedades con-temporâneas.

•••••••••••••••••••••••A questão que se coloca hoje não é

mais a contradição entredesenvolvimento e preocupação

ambiental e sim como odesenvolvimento sustentável

pode ser alcançado.•••••••••••••••••••••••

A afirmação que se segue, do docu-mento Nosso Futuro Comum, da ComissãoMundial de Desenvolvimento e MeioAmbiente, é um bom exemplo disso:

"Mesmo a noção estreita de sustentabilidade[fsica implica uma preocupação com a eqüida-de social entre gerações, uma preocupação quedeve, logicamente, ser estendida para dentro decada geração" .29

Lélé prescreve aos proponentes do de-senvolvimento sustentável as seguintestarefas:

"A) Claramente rejeitar as tentativas e ten-tações de focalizar no crescimento econômico omeio para remoção da pobreza e/ou asustentabilidade ecológica.

B) Reconhecer as inconsistências e inade-quações internas na teoria e na prática da eco-nomia neoclássica, particularmente no que serelaciona com os temas ambientais e de distri-buição; abandonar os modelos matemáticos nasanálises econômicas explorando questõesempíricas como os limites da substituição do

27. Publicação conjunta de: UICN-União Internacional para a Conser-vação da Natureza, PNUMA-Pro-grama das Nações Unidas para oMeioAmbiente,WWF-FundoMundialpara a Natureza, Caring forthe Earth- a strategy for sustainable living.Suíça, 1991.Ver também: UICNIPNUMAlWWF, Cuidando do Plane-ta Terra: estratégia para o futuro davida. São Paulo, out.l1991.

28. REDCLlFT, Michael.SustainableDevelopment, Londres, Methuen,1987, p. 33

29. COMISSÃO Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento. Op.cit.,p,12

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RAEcom a poluição, o político, o tomador dedecisão, o trabalhador e o habitante doPrimeiro Mundo amante da vida selvagemnão têm os mesmos interesses nem a mes-ma idéia sobre o que seja desenvolvimen-to sustentável.

Assim, o conceito de desenvolvimentosustentável necessita de cuidado na suautilização. O debate sobre sustentabi-lidade, que se iniciou na ecologia (ou nasciências biológicas) e vem extravasandopara a economia, é bastante produtivo,pois coloca a nu a necessidade imperiosade um novo paradigma social econômicoou novo estilo de desenvolvimento, poisque o atual mostrou-se insustentável, dediversas perspectivas, sendo uma delas ada conscientização da finitude dos recur-sos, mas o debate ainda não caminhou osuficiente para criar um consenso ampla-mente entendido e aceito.

Além disso, é preciso cautela do pontode vista estritamente técnico. A discussãosobre sustentabilidade - quando se tratados recursos naturais, isto é, com a manu-tenção da produtividade desses recursos-, pressupõe um conhecimento científicoque inexiste hoje, para dar conta de infor-mar exatamente, com segurança, todas asdecisões que envolvem o ambiente e aqualidade de vida do homem. A capaci-dade e a velocidade da sociedade indus-trial contemporânea na criação de novosprodutos e situações de risco é maior doque a capacidade da ciência de verificaçãode suas conseqüências. Assim, esperar quea ciência dê os limites para entender a ca-pacidade de suporte dos recursos podesignificar buscar apenas soluções técnicaspara os problemas.

Dentre os autores citados, apenasRattner e Lélé parecem colocar a questãoda sustentabilidade de uma perspectivaque aponta para a necessidade de consen-so social para definir a sustentabilidade. Oque deve ser sustentável? Por que? Paraquem? são as perguntas-chave a seremrespondidas e determinadas socialmente.

Um caminho mais fácil e produtivo paradefinir desenvolvimento sustentável talvezseja este, o da discussão ampla da susten-tabilidade. Já se forma um consenso, que ésocial, sobre o que na verdade vem se tor-nando insustentável. E que é mais do queo buraco na camada de ozônio e o efeitoestufa ... O30. LÉLÉ, S.M. Op. cit., p. 618

24

capital por recursos, os impactos das diferentespolíticas de sustentabilidade nos diferentessistemas econômicos etc.

C) Aceitar a existência de causas estrutu-rais, tecnológicas e culturais para a pobreza e adegradação; desenvolver metodologias para es-timar a importância relativa delas e asinterações entre essas causas em situações es-pecíficas; e explorar soluções políticas,institucionais e educacionais a elas.

D) Entender as múltiplas dimensões dasustentabilidade, e tentar desenvolver medidas,critérios e princípios para tanto.

E) Explorar quais padrões e níveis de de-manda e uso de recursos seriam compatíveiscom diferentes formas e níveis de susten-tabilidade ecológica e social e com diferentesnoções de eqüidade e justiça social."

•••••••••••••••••••••••o que garante que a pobreza sejaeliminada com a abundância de

recursos? Por que não se eliminou apobreza quando havia muito maisabundância de recursos? Por que

haveria agora esta garantia?O que mudou?

•••••••••••••••••••••••Para Lélé, se o desenvolvimento sus-

tentável é para ser realmente sustentávelcomo um paradigma de desenvolvimento,dois esforços aparentemente divergentestêm que ser feitos:" fazer o desenvolvimentosustentável mais preciso nos seus conceitos e,ao mesmo tempo, permitir maior flexibilidade ediversidade das visões e estratégias de desen-volvimento que levem a uma vida em socieda-de em harmonia com o ambiente e consigomesma." 30

Utilizada por interesses diversos comosímbolo de um consenso ideal - que estálonge de ser construído -, a idéia do de-senvolvimento sustentável fica no planodos discursos - onde as ambigüidades sãomuitas e não se explicita a realidade atualdos conflitos sociais e econômicos pelo usodos recursos naturais. O industrial, o agri-cultor, o burocrata, o cidadão preocupado

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