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Lógica

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  • O que uma prova?

    Paulo Feofiloff

    http://www.ime.usp.br/~pf/amostra-de-prova/

    Em matemtica, uma prova uma argumentao precisa que procura convencer oleitor de que uma certa proposio, previamente enunciada, est correta. Num sen-tido mais informal, uma prova um texto que ajuda o leitor a entender por que umadada afirmao verdadeira.

    Que cara tem uma prova? Uma prova uma sequncia de afirmaes organizadada seguinte maneira: cada afirmao consequncia simples das afirmaes anteri-ores e das hipteses da proposio em discusso; a ltima afirmao a proposioque se deseja provar.

    Exemplo 1

    ? ? 1 1 B? ? 2 2 B? ? 3 B? ? B 2? ? 2 1? ? 3 12 B B 12 3 3 1

    Considere a configurao do jogo Minesweeper indicada aolado. Cada B representa uma bomba. As posies em brancono tm bombas. As posies marcadas com ? podem ouno ter bombas. Uma posio marcada com um nmero k notem bomba mas vizinha de exatamente k bombas.

    Cada posio do tabuleiro especificada por suas coordena-das. Assim, por exemplo, o extremo superior esquerdo dotabuleiro tem coordenadas (1, 1) e o cruzamento da primeiralinha com a segunda coluna tem coordenadas (1, 2).

    Proposio: No h bomba na posio (1, 2) da configurao acima.

    Prova, por contradio:

    Suponha, por um momento, que h uma bomba em (1, 2).

    A posio (2, 3) vizinha de duas bombas e h uma bomba em (3, 4);

    logo, as posies (2, 2) e (3, 2) no tm bomba alguma.

    Portanto, o 3 na posio (3, 3) garante que h uma bomba em (4, 2).

    Agora, o 2 na posio (5, 3) garante que no h bomba em (5, 2) nem em (6, 2).

    1

  • Mas isso inconsistente com o 3 na posio (6, 3).

    Esta contradio mostra que (1, 2) no pode conter bomba.

    Exemplo 2

    Proposio: A raiz quadrada de 2 irracional, ou seja, no existem nmeros inteirospositivos p e q tais que p/q =

    2.

    Prova, por contradio:

    Suponha que existem nmeros inteiros positivos p e q tais que (p/q)2 = 2.

    Escolha p e q de modo que eles no tenham divisor comum, ou seja,

    de modo que no exista um nmero inteiro maior que 1 que divida p e q.

    O nmero p2 par (pois p2 = 2q2).

    O nmero p par (pois o produto de quaisquer dois nmeros mpares mpar).

    Seja s o nmero p/2.

    O nmero q2 par (pois q2 = p2/2 = (2s)2/2 = 2s2).

    O nmero q par.

    Os nmeros p e q so divisveis por 2.

    Isso contradiz a maneira como escolhemos p e q.

    A contradio mostra que a raiz quadrada de 2 irracional.

    Exemplo 3

    Proposio: Para qualquer nmero natural no nulo n tem-se 12+22+32+ +n2 =16n(n+ 1)(2n+ 1).

    Prova, por induo em n:

    Base da induo: n = 1.

    Nesse caso, os dois lados da identidade valem 1 e portanto so iguais.

    Passo da induo: n > 1.

    Por hiptese de induo, 12 + 22 + + (n 1)2 = 16(n 1)n(2n 1).

    Portanto, 12 + 22 + + n2 == 12 + 22 + + (n 1)2 + n2= 1

    6(n 1)n(2n 1) + n2

    2

  • = 16n ((n 1)(2n 1) + 6n)

    = 16n (2n2 3n+ 1 + 6n)

    = 16n (2n2 + 3n+ 1)

    = 16n(n+ 1)(2n+ 1) , como queramos provar.

    Mau exemplo. Eis uma maneira feia de organizar a induo:

    Base da induo:

    Se n = 1 ento os dois lados da identidade valem 1 e portanto so iguais.

    Passo da induo:

    Suponha que a identidade vale para n.

    Vamos provar a identidade para n+ 1:

    12 + 22 + + n2 + (n+ 1)2 == 1

    6n(n+ 1)(2n+ 1) + (n+ 1)2

    = 16(n+ 1) (n(2n+ 1) + 6(n+ 1))

    = 16(n+ 1) (2n2 + 7n+ 6)

    = 16(n+ 1) (n+ 2)(2n+ 3)

    = 16(n+ 1)(n+ 2)(2(n+ 1) + 1)) , como queramos provar.

    Exemplo 4

    Proposio: Em qualquer grafo (V,E), a soma dos graus dos vrtices igual ao dobrodo nmero de arestas, ou seja,

    vV d(v) = 2|E|.

    Prova, por induo em |E|:Base da induo: |E| = 0.Nesse caso, d(v) = 0 para todo vrtice v e portanto

    v d(v) = 2|E|.

    Passo da induo: |E| > 0.Hiptese de induo: a identidade vale em qualquer subgrafo prprio de (V,E).

    Seja xy uma aresta do grafo.

    Seja F o conjunto E {xy}.Seja dF (v) o grau de v no grafo (V, F ).

    Por hiptese de induo,

    v dF (v) = 2|F |.Temos d(x) = 1 + dF (x), d(y) = 1 + dF (y) e

    3

  • d(v) = dF (v) para todo v diferente de x e y.

    Portanto,

    v d(v) = 1 + 1 +

    v dF (v) = 2 + 2|F | .Mas 2 + 2|F | = 2|E|, e portantov d(v) = 2|E|, como queramos demonstrar.

    Errado. Eis uma verso errada da induo:

    Base da induo: |E| = 0.Nesse caso, d(v) = 0 para todo vrtice v e portanto

    v d(v) = 2|E|.

    Passo da induo: Vamos supor que

    v d(v) = 2|E| para um certo grafo (V,E).Acrescente ao grafo uma nova aresta xy.

    Seja E o novo conjunto de arestas e

    denote por d os graus dos vrtices no novo grafo.

    Temos d(x) = 1 + d(x), d(y) = 1 + d(y) ed(v) = d(v) para todo v diferente de x e y.

    Portanto,

    v d(v) = 1 + 1 +

    v d(v) = 2 + 2|E|.

    Mas 2 + 2|E| = 2|E |, e assimv d (v) = 2|E |.Exemplo 5

    Proposio: Em qualquer grafo, todo vrtice no isolado saturado por um empare-lhamento mximo.

    Prova:

    Seja G um grafo e u um vrtice no isolado de G.

    Seja M um emparelhamento mximo em G.

    Se M satura u ento nada mais temos que provar.

    Suponha agora que M no satura u.

    Seja uv qualquer uma das arestas que incidem em u.

    O emparelhamento M satura v (pois mximo).

    Seja vw a aresta de M que incide em v.

    O conjunto(M {uv}) {vw} um emparelhamento.

    Esse emparelhamento mximo (pois tem o mesmo tamanho que M ).

    Esse emparelhamento satura u, como queramos provar.

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  • Observao final

    claro que voc no precisa seguir fielmente o formato dos exemplos acima: o textoda prova pode ser complementado com comentrios e observaes que tornem aleitura mais fcil e agradvel.

    A propsito, veja o artigo de Reuben Hersh (Math Lingo vs. Plain English: DoubleEntendre, The American Mathematical Monthly, v.104 (1997), pp. 48-51) sobre o jargoda matemtica.

    Exerccios

    1. Prove, por induo em k, que 20 + 21 + + 2k = 2k+1 1.2. [D. E. Knuth, Fundamental Algorithms] Seja a um nmero positivo qualquer.

    Afirmo que para todo inteiro positivo n tem-se

    an1 = 1 .

    Eis a prova (por induo em n): Se n = 1 ento an1 = a0 = 1 e portanto aafirmao est correta nesse caso. Agora tome n > 1 e suponha, a ttulo dehiptese de induo, que ak1 = 1 quando k = n 1, n 2, . . . , 1. Temos ento

    an1 = an2a1 = an2an2

    an3= 1 1

    1= 1 .

    Portanto, a afirmao est correta para todo inteiro positivo n, como queramosprovar. Onde est o erro da prova?

    3. [D. E. Knuth, Fundamental Algorithms] Afirmo que para todo nmero inteiropositivo n tem-se n1

    i=1

    1

    i (i+ 1) =3

    2 1n. (1)

    Eis a prova (por induo em n): Para n = 1, ambos os lados de (1) valem 1/2e portanto a afirmao est correta nesse caso. Agora tome n > 1 e suponha,como hiptese de induo, que

    n2i=1

    1i (i+1)

    = 32 1

    n1 . Teremos enton1i=1

    1

    i (i+ 1)=

    n2i=1

    1

    i (i+ 1)+

    1

    (n 1)n=

    3

    2 1n 1 +

    1

    (n 1)n=

    3

    2 1n 1 +

    1

    n 1 1

    n

    =3

    2 1n,

    como queramos demonstrar. Onde est o erro da prova? Alguma coisa deveestar errada, pois quando n = 6 o lado esquerdo de (1) vale 5/6 enquanto o ladodireito vale 4/3.

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  • 4. [M. Blum] Imagine uma dessas barras de chocolate retangulares que consisteem quadradinhos dispostos em linhas e colunas. Uma tal barra pode ser que-brada ao longo de uma linha ou de uma coluna produzindo assim duas barrasmenores. Qual o nmero mnimo de quebras necessrio para reduzir uma barracom m linhas e n colunas aos seus quadradinhos constituintes?

    5. [M. Blum] Imagine uma jarra contendo um certo nmero de bolas brancas ebolas pretas. Suponha tambm que voc tem um suprimento ilimitado de bolasbrancas fora da jarra. Agora repita o seguinte procedimento enquanto ele fizersentido: Retire duas bolas da jarra; se as duas tiverem a mesma cor, coloqueuma bola branca na jarra; se as duas tiverem cores diferentes, coloque uma bolapreta na jarra. Qual a cor da ltima bola a sobrar na jarra?

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