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Anais da Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435 XXII Semana de Pedagogia X Encontro de Pesquisa em Educação 05 a 08 de Julho de 2016 Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016. O PAPEL DO CONHECIMENTO NA FORMAÇÃO DO SUJEITO CRÍTICO E LIVRE CYRILO, Silvana Pereira São [email protected] OLIVEIRA, Terezinha [email protected] Universidade Estadual de Maringá História e historiografia da educação INTRODUÇÃO Neste artigo temos como objetivo refletir acerca da importância da educação e promoção do conhecimento na atualidade, tendo em vista as contribuições do processo de civilização para o processo educativo dos homens e, em que medida os hábitos de civilidade e o conhecimento científico são aspectos importantes para a produção de pessoas livres e cidadãs. Em um período em que os ‘bons modos’ são considerados, infelizmente por muitos, como ultrapassados, e que processos de transgressão de leis, costumes e regras se tornam recorrentes, é preciso refletir sobre a ideia de indivíduo que estamos formando. Qual o papel que a escola está assumindo? Qual a formação transmitida a seus alunos? É importante salientar que a compreensão e a tomada de decisões frente às questões políticas e sociais dependem do entendimento do indivíduo, de seus saberes e interpretações. Ou seja, para exercer a cidadania é necessário o conhecimento, mas acima de tudo, o conhecimento sistematizado, argumentativo. Conviver com o outro não é uma tarefa simples, exige partilhas, diálogos, a fim de almejar a felicidade e o bem-estar pessoal e coletivo. Portanto uma educação voltada para a formação do cidadão é de suma importância. Ao iniciarmos a análise sobre o papel do conhecimento na formação dos sujeitos em diferentes períodos, nosso intuito é explicitar que a existência de conflitos sociais e morais não constitui uma particularidade de nossa época, mas que sempre existiram, em diferentes períodos, ‘projetos’ de formação humana, buscando solucionar os problemas da convivência em um ambiente comum.

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Anais da

Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435

XXII Semana de Pedagogia

X Encontro de Pesquisa em Educação

05 a 08 de Julho de 2016

Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

O PAPEL DO CONHECIMENTO NA FORMAÇÃO DO SUJEITO CRÍTICO E

LIVRE

CYRILO, Silvana Pereira São

[email protected]

OLIVEIRA, Terezinha

[email protected]

Universidade Estadual de Maringá

História e historiografia da educação

INTRODUÇÃO

Neste artigo temos como objetivo refletir acerca da importância da educação e

promoção do conhecimento na atualidade, tendo em vista as contribuições do processo de

civilização para o processo educativo dos homens e, em que medida os hábitos de civilidade e

o conhecimento científico são aspectos importantes para a produção de pessoas livres e

cidadãs.

Em um período em que os ‘bons modos’ são considerados, infelizmente por muitos,

como ultrapassados, e que processos de transgressão de leis, costumes e regras se tornam

recorrentes, é preciso refletir sobre a ideia de indivíduo que estamos formando. Qual o papel

que a escola está assumindo? Qual a formação transmitida a seus alunos?

É importante salientar que a compreensão e a tomada de decisões frente às questões

políticas e sociais dependem do entendimento do indivíduo, de seus saberes e interpretações.

Ou seja, para exercer a cidadania é necessário o conhecimento, mas acima de tudo, o

conhecimento sistematizado, argumentativo. Conviver com o outro não é uma tarefa simples,

exige partilhas, diálogos, a fim de almejar a felicidade e o bem-estar pessoal e coletivo.

Portanto uma educação voltada para a formação do cidadão é de suma importância.

Ao iniciarmos a análise sobre o papel do conhecimento na formação dos sujeitos em

diferentes períodos, nosso intuito é explicitar que a existência de conflitos sociais e morais

não constitui uma particularidade de nossa época, mas que sempre existiram, em diferentes

períodos, ‘projetos’ de formação humana, buscando solucionar os problemas da convivência

em um ambiente comum.

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Constatamos nas leis brasileiras a preocupação como uma educação que propicie aos

indivíduos desenvolverem-se, e tornarem-se cidadãos, ou seja, há um estabelecimento de um

projeto/ideal de formação do individuo. Verificamos, na leitura dos documentos da

Constituição Nacional de 1988, na LDB n. 9.394/96 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para os cursos de graduação em Pedagogia CNE/CP n. 1, de 15/05/2006, a presença da tríade

liberdade/cidadania/democracia como ‘lema’.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/96, em seu artigo II, dos

princípios e fins da Educação Nacional, parágrafo 2º, afirma que:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o

pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho’ (LDB 9394/96).

A Declaração dos Direitos Humanos, em seu Artigo 1° ainda destaca que “[...] todos

os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade’’. Todos os

documentos citados reafirmam a necessidade de formação integral do sujeito para que este

seja capaz de lidar com a diversidade de maneira crítica, com autonomia e iniciativa para

propor soluções para os problemas que se apresentem.

Se entendermos que a função dos documentos oficiais é de orientar as práticas

pedagógicas, almejando um perfil ‘ideal’ para os sujeitos formados, o que esperaríamos do

espaço escolar é que ele cumprisse o seu papel, a partir da oficialização dos discursos acima

citados, ou seja, que realmente contribuísse para a formação de cidadãos. Concebemos como

função da escola, instituição ‘oficialmente’ responsável pela transmissão do conhecimento

científico, que ela possibilite aos seus alunos melhores condições de igualdade social e

ascensão pessoal, com o ensino de conteúdos significativos para a vida em sociedade.

Entretanto, em nossa realidade as divergências que existem entre as propostas das leis

e a realidade histórica do país são perceptíveis. Verifica-se que o projeto de formação ainda é

muito falho, por estarmos diante de uma sociedade na qual cada pessoa age individualmente,

tendo em vista apenas o seu bem- estar, não há a ideia de coletividade, ou a consciência de

que as ações de cada indivíduo interferem na vida coletiva como um todo. Nega-se o

indivíduo dentro de uma sociedade mais ampla, e essa ausência de sentimento de pertença, de

um sentido comum, conduz a uma alienação, a uma ausência de consciência social.

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Nesse sentido, as leituras realizadas no decorrer das disciplinas do Mestrado em

Educação, bem como as observações realizadas em nosso contexto educacional, têm

contribuído para a necessidade de compreender a formação humana dentro de um contexto

amplo, uma vez que nossas ações não são inatas, mas fruto de aprendizados. Assim,

fundamentaremos nosso texto, tendo como base autores de diferentes períodos históricos,

como Tomás de Aquino (1224/25-1274), Guilherme de Ockham (1285-1347), Norbert Elias

(1897-1990), Hannah Arendt (1906- 1975) e Young (1915-2002) que nos possibilitam

compreender a natureza humana. Trata-se de ver os sujeitos e sua história, interligadas ao seu

contexto, na perspectiva da história de longa duração, uma vez que todas as práticas estão

ligadas a um contexto temporal e social.

A cidadania como princípio educativo

Em nossa vida social somos constantemente provocados pela questão da possibilidade

de criar uma harmonização entre as inclinações e necessidades pessoais e as exigências feitas

para a manutenção e eficiência da sociedade como um todo.

O debate sobre a necessidade dos homens em serem educados com base na prática de

virtudes não é algo novo. Estudiosos de diferentes períodos se dedicaram na elaboração de

práticas educativas condizentes a suas realidades sociais, ressaltando a necessidade dos

homens de aprender a conviver socialmente. Elegemos alguns que contribuíram para a nossa

compreensão de possíveis caminhos acerca do debate da formação de cidadãos éticos e livres

em nossa sociedade, tais como Tomás de Aquino, Norbert Elias, Erasmo de Roterdã e Hannah

Arendt.

Tomás de Aquino, teólogo dominicano e mestre universitário, no século XIII,

vivenciou momentos tumultuados do medievo ocidental, com diversas transformações no

modo de conceber a sociedade, o trabalho, a materialidade e a religiosidade. Essas

transformações deram origem a necessidade de um novo método de ensino. Ao refletir sobre

as virtudes sociais, especialmente ao tratar da piedade e do respeito buscou ensinar aos seus

alunos a importância da tolerância e do respeito entre os homens para que a vida pudesse

transcorrer no espaço coletivo.

Em sua obra, Suma Teológica, Tomás de Aquino reafirma aos homens suas

responsabilidades em relação aos atos cometidos:

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[...] um ato é imputado ao que faz quando está sob seu poder, de modo que o

domine. Isso é próprio de todo ato da vontade, porque é pela vontade que o

homem tem domínio sobre seus atos, como está claro pelo já exposto.

Portanto, resulta que o bem ou o mal são razão de louvor ou de culpa

somente nos atos voluntários; consequentemente, há um só mal no pecado e

na culpa, e nestes se identificam o mal, o pecado e a culpa (TOMÁS DE

AQUINO, ST, Ia IIae, q. 21, a. 2, c.).

O autor recupera na passagem a ideia de Aristóteles, na qual afirmava que ‘o homem é

por natureza um animal político’ e, dessa forma, os diferentes componentes do corpo social

são necessários e devem ser respeitados para que a vida em comum na pólis fosse possível.

Consideramos que as ideias de Tomás de Aquino, ainda que pautados em interesses e

necessidades próprias de sua época e elaboradas em um período muito distante do que

vivenciamos, destacava a necessidade da responsabilidade do indivíduo, de seu conhecimento

e do ensino de virtudes orientadas para as relações sociais, ideias importantes para a

consolidação de valores éticos e morais em nossa sociedade.

Oliveira e Mendes (2007), ao tratar das práticas educativas, em períodos históricos

distintos, destacam duas obras fundamentais de Erasmo de Roterdã (1469-1536), De Pueris e

Civilidade Pueril. Esses escritos também tinham como objetivo o ensinamento de ‘bons

costumes’ aos homens, para que esses pudessem viver em sociedade. Ao serem elaborados, os

manuais de comportamento estavam relacionados ao ensino de modelos de atitudes

adequados, de acordo com o autocontrole consciente e dos controles socialmente exigidos,

definidos por padrões de comportamentos considerados civilizados. Os autores destacavam

que as virtudes como o comedimento, a temperança, a prudência e o autocontrole deveriam

ser ensinadas desde a mais tenra infância.

Uma das primeiras práticas docentes realizadas na modernidade foi efetuada

por Erasmo de Roterdã (1469-1536), especialmente nas duas obras

destinadas à educação do filho de um príncipe. Trata-se de De Pueris e

Civilidade Pueril, nas quais procura ensinar como a criança deve se

comportar no convívio social. Essas duas obras, ou manuais, tinham como

objetivo mostrar que o comportamento social necessita de polidez, etiqueta e

requinte. Outra obra importante desse período é o manual de Giovanni Della

Casa (1503-1556), Galateo. Nela, o autor insiste na necessidade de se ter

“bons modos” à mesa, nos salões; enfim, deve-se aprender a conviver

socialmente. Esses dois autores expressam uma nova exigência histórica, a

de que os homens tinham que aprender a se comportar dentro de novas

condições sociais. Com efeito, o mundo feudal findara-se e com ele a forma

social de comportamento que o expressava. A educação estava voltada,

assim, para preparar o indivíduo para a nova sociedade que estava sendo

produzida (OLIVEIRA; MENDES, 2007, p. 328).

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Essas ideias nos fazem refletir a importância de que a educação e o conhecimento

assumem na consolidação da sociedade, uma vez que os hábitos só são adquiridos pelo ensino

e que as formas de comportamentos e de relações sociais que hoje consideramos naturais

foram construídas no interior de complexas relações sociais.

Estabelece-se o conhecimento como fator primordial para a conquista da liberdade,

bem como para a prática da democracia. São essas condições, do nosso ponto de vista,

imprescindíveis ao indivíduo para o bem viver em sociedade. Nesse sentido, é fundamental

que os educadores tenham discernimento de sua função e da importância assumida na

formação de pessoas conscientes. Não é possível existir uma prática docente que seja

apolítica, daí a necessidade de ter clareza de suas ações, das políticas adotadas, do projeto de

homem que se pretende formar.

É preciso considerar que, em virtude da especificidade de cada tempo, o ensino das

regras sociais e da educação moral sempre foi e será fundamental para a vida em sociedade,

mas cada época demanda regras próprias. Hannah Arendt (1906-1975), ao vivenciar a crise da

educação norte americana nas décadas de 1950-1960, e refletir acerca dos problemas da

educação contemporânea afirmou que ao se valorizar um saber ‘utilitarista’ e especializado,

provocou-se um ‘grande vazio’ existencial e moral entre os homens e mulheres.

[...] o fato importante é que, por causa de determinadas teorias, boas ou más,

todas as regras do juízo humano normal foram postas de parte. Um

procedimento como esse possui sempre grande e perniciosa importância,

sobretudo em um país que confia em tão larga escala no bom senso em sua

vida política. Sempre que, em questões políticas, o são juízo humano

fracassa ou renuncia à tentativa de fornecer respostas, nos deparamos com

uma crise; pois essa espécie de juízo é, na realidade, aquele senso comum

em virtude do qual nós e nossos cinco sentidos individuais estão adaptados a

um único mundo comum a todos nós, e com a ajuda do qual nele nos

movemos. O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal mais

seguro da crise atual. Em toda crise, é destruída uma parte do mundo,

alguma coisa comum a todos nós. A falência do bom senso aponta [...] o

lugar em que ocorreu esse desmoronamento. (ARENDT, 2002, p. 227).

Arendt destaca nessa passagem, que vivenciamos uma crise, por abrirmos mão do

senso comum, em detrimento de determinadas teorias, boas ou más. Essa crise pode ser

justificada pela ignorância/ ausência do conhecimento histórico. Pode-se afirmar que há uma

correspondência alienação da esfera pública e a crise da educação.

Não é possível negar que diante das transformações ocorridas na sociedade, como a

organização da produção do trabalho e a implantação de novas tecnologias, de modo geral,

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não tenha se alterado também nossas concepções sobre o ato de educar, e até mesmo das

crianças, que vivem uma realidade de mudanças contínuas e com acesso privilegiado às

informações. Segundo Rego (2000, p. 35),

É um tipo de vida rápido, excitante, enquanto há escolas que funcionam com

um modelo obsoleto, esperando que crianças fiquem enfileiradas, sentem-se

comportadas em carteiras individuais e tenham a figura do professor como

detentor único do saber’. O fato é que os tempos atuais pedem muitas

mudanças no processo pedagógico e na relação professor-aluno (REGO,

2000, p.35).

As aprendizagens básicas já não são suficientes, porque essas são adquiridas

facilmente com acesso a internet, redes sociais, livros. E qual seria o papel do trabalho

pedagógico? A escola poderia deixar de existir? Consideramos que a escola não perderá sua

função, mas deixará de ser o espaço privilegiado de transmissor de informações para assumir

um papel ainda mais nobre no processo educativo: dar sentido à sobrecarga de informações,

fazendo o uso consciente do conhecimento adquirido.

Se o significado do trabalho docente é formado pela finalidade da ação de ensinar e

pela efetivação de operações concretas realizadas conscientemente pelo professor,

considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do

conhecimento pelo aluno, não existiria, portanto, distinção entre a figura do professor e

educador.

No entanto, há um abandono da importância do papel do conhecimento, tanto por

parte dos professores, quanto do aluno à compreensão histórica da realidade contemporânea,

na formação dos sujeitos. Ocorre uma deturpação dos conceitos de ‘autoridade’ e ‘disciplina’

e não há um posicionamento claro, um ‘projeto’ de homem, o qual pretende formar. Nega-se a

responsabilidade com o tempo presente, assim como negamos qualquer relação com o

passado.

Diante de uma sociedade que caminha em passos largos para uma crise de valores, a

escola não pode se furtar da tarefa de ensinar a moral e a ética, além dos conhecimentos

considerados científicos. Não basta alegar, como observamos em diversos discursos docentes,

que sua tarefa restringe-se a ensinar, que a educação os alunos devem trazer de casa. Seria

mesmo possível separar a figura do professor e do educador? Ou ainda, seria possível

distinguir a tarefa de ensinar o conhecimento cientifico separando-o dos ensinamentos

morais?

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Considerando que a educação compreende o conjunto das ações e influências que

intervêm no desenvolvimento humano na sua relação ativa com o meio natural e social, não

poderíamos pensar o sujeito desvinculado de seu meio social, mas como partícipe da

sociedade que está inserido.

A importância do conhecimento para a prática da liberdade e cidadania

O estudo sobre a natureza humana e a formação dos sujeitos tornou-se nosso objeto de

interesse nos estudos desde o primeiro contato com a pesquisa científica na universidade.

Objetivamos compreender como a construção de hábitos de civilidade e o conhecimento

científico são aspectos importantes para a produção de pessoas livres e cidadãs. Erasmo de

Rotterdã (1469-1536), mais especificamente sua obra intitulada De Pueris – A civilidade

Pueril afirma que o homem é o único animal que é totalmente dependente do outro para

assegurar sua sobrevivência e, embora já nasça com as características físicas de homem,

precisa do contato com seus iguais para de fato ser humanizado. Erasmo ainda destaca que as

crianças utilizam-se muito da imitação para aprender determinados comportamentos. Desse

modo, concordamos com o autor, ao destacar que educamos pelo exemplo.

A educação, nessa perspectiva, desponta como a possibilidade de transformação e

formação dos indivíduos, primeiramente no seio familiar, e depois no ambiente escolar, com a

aquisição dos conhecimentos científicos e sistematizados. Essa é uma das questões

fundamentais: a possibilidade e necessidade do homem em aprender.

Tomás de Aquino destacava ser necessário que a criança fosse educada desde a tenra

infância, ensinando-as os princípios da ética e da moral, fundamentos necessários para a vida

citadina. Se nenhum saber é inato, mas antes, é preciso ser adquirido por meio da experiência,

é preciso considerar que as crianças precisam ser ensinadas.

Norbert Elias, séculos mais tarde, na obra A Sociedade dos Indivíduos, já destacava

que a criança “[...] precisa ser adaptada pelo outro, precisa da sociedade para se tornar

fisicamente adulta” (1994, p. 30). O autor afirma ainda que é por meio das relações com o

outro e por meio delas, que seus comportamentos conscientes são formados e transformados.

Nesse sentido, torna-se imprescindível a figura de um adulto para que o indivíduo humano se

torne psiquicamente adulto.

Por mais certo que seja que toda pessoa é uma entidade completa em si

mesma, um individuo que se controla e que não poderá ser controlado ou

regulado por mais ninguém se ele próprio não o fizer não menos certo é que

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toda a estrutura de seu autocontrole, consciente e inconsciente, constitui um

produto reticular formado numa interação contínua de relacionamentos com

outras pessoas, e que a forma individual do adulto é uma forma específica de

cada sociedade (ELIAS, 1994, p.31).

Contudo, a escola não é apenas uma cumpridora de determinações externas, ou mera

vítima da sociedade, mas ela pode e deve influir nesta sociedade. Pela aquisição do

conhecimento o homem é capaz de melhorar suas próprias condições de existência e se tornar

livre. É preciso destacar que o conceito de liberdade nem sempre foi entendido da mesma

maneira, há um grande número de significados, e de discussões. A seguir, apresentamos

algumas noções de liberdade dada por alguns estudiosos, mostrando a polissemia dessa noção

nas diferentes épocas.

Na Antiguidade, a subsunção de um homem a outro era uma prática corrente e

legitimada. ‘Escravos’ de suas necessidades o homem deveria trabalhar e laborar, exercendo

atividades que subtraiam sua liberdade.

O que todos os filósofos gregos tinham por certo, por mais que se opusessem

à vida na polis, é que a liberdade situa-se exclusivamente na esfera política;

que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-político,

característico da organização do lar privado; e que a força e a violência são

justificadas nesta última esfera por serem os únicos meios de vencer a

necessidade – por exemplo, subjugando escravos – e alcançar a liberdade.

Uma vez que todos os seres humanos são sujeitos à necessidade, têm o

direito de empregar a violência contra os outros; a violência é o ato pré-

político de libertar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade no

mundo (ARENDT, 2007, p. 40).

Ao tornar o outro escravo, haveria mais tempo para os gregos se dedicarem a questões

mais elevadas e conquistarem ascensão na esfera pública. A liberdade se situava

exclusivamente na esfera política.

Para Tomás de Aquino, no século XIII, a liberdade humana seria afirmada somente a

partir da consciência ou da experiência pessoal. O autor salientava que só seria possível

afirmar que uma ação é propriamente humana quando resultante da ‘vontade humana

consciente’,

Das ações realizadas pelo homem, são ditas propriamente humanas as que

pertencem ao homem enquanto homem. [...] Por isso, somente são ditas

propriamente humanas aquelas ações sobre as quais o homem tem domínio.

[...] Se outras ações, porém são próprias do homem, poderão ser chamadas

de ações do homem, mas não são propriamente ações humanas, pois não são

do homem enquanto homem (ST, Ia – IIae, q. 1, a. 1, resp.).

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Ainda podemos lembrar Guilherme de Ockham (1285-1347), frade franciscano e

filósofo escolástico inglês, que no contexto de transformações no século XIV, também se

preocupou com a liberdade. Ele afirmava que os homens deviam agir por suas faculdades

humanas e não pelos instintos como os animais. Pressupõe-se, ainda que seja por meio da

liberdade, que temos a capacidade de escolha. “Também a razão natural dita que, como o gênero

humano deve viver pela arte e pela razão, como afirma o filósofo pagão, ninguém deve ignorar o que

está obrigado a fazer através de suas faculdades humanas, não pelos animais” (OCKHAM, 1988, p.

33)”.

Porém, é preciso ressaltar, que as formulações de Ockham sobre a liberdade estavam

amparadas nas disputas entre o poder papal e imperial, nesse sentido, a liberdade tinha um

cunho político: a possibilidade de escolher entre um poder ou outro. O autor combatia a ideia

do poder tirânico, ou seja, da coerção da liberdade, presente de Deus e da natureza.

É perceptível a influência de Ockham nas ideias de Kant, ao declarar que só é possível

existir liberdade quando o individuo possuir autonomia da vontade, sem estar coagido pelas

ações da lei, ou terror, ou seja, quando sua obediência for fruto de suas reflexões não por

medo ou esperança de recompensa. Segundo o autor, “autonomia da vontade é aquela sua

propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei [...] O princípio da autonomia é,

portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas

simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal” (KANT, 2007, p. 85).

É interessante notar que Tomás de Aquino, Guilherme de Ockham e Kant, embora

pertencentes a tempos distintos, destacam a importância da razão humana, e da possibilidade

de escolha, aspectos da liberdade humana.

O ideal de uma sociedade livre e emancipada está presente desde o Iluminismo.

Theodor Adorno (1995) relaciona a problemática da emancipação ao contexto educacional.

Segundo o autor, a formação de um sujeito racional e livre é condição para a existência de

uma sociedade democrática, desvelando os mecanismos de alienação e dominação social.

Young (2007) destaca que para que as escolas cumpram seu papel, é preciso

considerar a base do conhecimento do currículo, promovendo no aluno mudanças em sua

percepção de mundo e a consciência da necessidade de transformações.

[...] se as escolas devem cumprir um papel importante em promover a

igualdade social, elas precisam considerar seriamente a base de

conhecimento do currículo, mesmo quando isso parecer ir contra as

demandas dos alunos (e às vezes de seus pais). As escolas devem perguntar:

“Este currículo é poderoso?”. Para crianças de lares desfavorecidos, a

participação ativa na escola pode ser a única oportunidade de adquirirem

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conhecimento poderoso e serem capazes de caminhar, ao menos

intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais e particulares. Não

há nenhuma utilidade para os alunos em se construir um currículo em torno

da sua experiência, para que este currículo possa ser validado e, como

resultado, deixá-los sempre na mesma condição (YOUNG, 2007, p. 1297).

Em nome de uma negação ao passado, ou da recepção de teorias externas, nega-se o

ensino ‘tradicional’. O currículo, ao levar em consideração apenas a realidade do aluno, sua

‘cultura’ o inibe de aprender, de se desenvolver. A Escola não pode desvincular-se totalmente

de sua linguagem, de sua realidade, porém não pode agir apenas em detrimento dela, uma vez

que, ao buscar propiciar aos indivíduos condições de igualdade, não deve simplificar os

conteúdos ou ensinamentos a uma classe já marginalizada, fazendo-os que permaneçam

sempre na mesma condição: a da ignorância.

Os professores, ao saberem de tudo um pouco, conforme afirmara Arendt (2007)

sabem tanto quanto os alunos e perdem sua autoridade docente, e ao simplificar os conteúdos

escolares, e o currículo nega-se as condições e ascensão para os alunos que já são

desfavorecidos pelas suas condições sociais. O aluno, por sua vez, percebe quando a escola se

perde no estabelecimento de regras e se aproveita expressando atitudes de desobediência e de

desrespeito aos integrantes dessa instituição.

Segundo Goergen, em sua obra Pós- modernidade, ética e educação,

O que, na verdade, parece estar ocorrendo, pelo menos no campo da

educação, é a defesa de um discurso (pós-moderno), supostamente fundado

numa nova realidade que declara superadas as premissas epistêmicas da

modernidade, mas que não perde tempo em conferir se na educação é

efetivamente esta a situação que se vive e nem se preocupa com as

conseqüências práticas de suas formulações. De fato, embora o cenário

educativo esteja se transformando no sentido de estar abrindo mão de um

projeto verdadeiramente formativo, não me parece concluir da constatação

desta, diria, patologia, o desvanecimento de seus fundamentos racionais

(GOERGEN, 2001, p. 69)

O ser humano possui a capacidade de raciocinar, de valorar e decidir, nesse sentido, a

razão e a liberdade não pode estar dissociado:

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de

comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo

isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo

é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos

longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da

ética, entre nós, mulheres e homens é uma transgressão. É por isso que

transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que

há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter

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formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos

não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é

substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é

uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado (FREIRE, 2010,

p. 33).

Freire aponta a necessidade de a escola ir além do ensino de conteúdos, é preciso

considerar o caráter formador da educação, da formação intelectual, mas também moral. A

ideia de educação deveria estar intimamente ligada às de liberdade, democracia e cidadania.

Retomamos a importância das reflexões acerca dos pressupostos educacionais

propostos por lei, baseados em uma educação moral, relacionando-as, de fato, a educação

escolar nos dias atuais. Nesse sentido, retomar as ideias de autores clássicos e

contemporâneos acerca da temática nos possibilita conservar e valorizar o conhecimento

produzido pelos homens em diferentes períodos, mas que nos viabiliza ainda, compreender o

tempo presente.

Cumpre observar que a formação ética da pessoa, por meio do conhecimento é

condição para a liberdade e para a vida em sociedade, possibilitados a se transformarem e

transformarem o ambiente que estão inseridos. Considera-se fundamental a figura do adulto

na formação humana, uma vez que, se as aprendizagens e comportamentos não são inatos,

mas antes aprendidos, a autoridade do educador se assenta assim na responsabilidade de

ensinar e de assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo.

Não obstante, é por meio da educação que podemos pensar a constituição de sujeitos

livres e esclarecidos. É preciso que o educador se configure como autoridade perante seus

alunos, entendida aqui não como coerção, mas como referência dos valores éticos e morais de

uma sociedade. A transmissão dos saberes de maneira fragmentada e desconexa da realidade

impossibilita que os discursos propostos nas leis, e a formação de sujeitos críticos e livres se

efetivem.

No entanto, o problema que se apresenta, atualmente, é a ausência da responsabilidade

e da autoridade por parte dos adultos, (e isto inclui os educadores), que cada vez mais

parecem não compreender seu papel de instruir as crianças e jovens acerca do mundo, e da

responsabilidade que as ações humanas assumem nele.

Referências

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edição, 2002.

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Janeiro: Paz e Terra, 1995.

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Brasília: 1996.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

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