Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos II SEHA - 2015 - Volume 4... · O...

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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos Universidade Federal do Pará Belém, 15 a 18 de junho de 2015 A map of Terra Firma Peru, Amazoneland…, 1732 Volume 4 Estado, culturas políticas & militares PPHIST/Universidade Federal do Pará PPGHIS/Universidade Federal do Maranhão PPGH/Universidade Federal do Amazonas ISBN 978-85-61586-87-4

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Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos

Universidade Federal do Pará

Belém, 15 a 18 de junho de 2015

A map of Terra Firma Peru, Amazoneland…, 1732

Volume 4

Estado, culturas políticas & militares

PPHIST/Universidade Federal do Pará

PPGHIS/Universidade Federal do Maranhão

PPGH/Universidade Federal do Amazonas

ISBN 978-85-61586-87-4

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Ficha Catalográfica

Anais do II Simpósio de História em Estudos Amazônicos / Estado, culturas políticas e militares. Rafael Chambouleyron (Org.). Belém: Editora Açaí, volume 4, 2015.

p. 146

ISBN: 978-85-61586-87-4

1. História – Estado. 2. Estado – Culturas políticas - Militares. 3. Militares - Amazônia – Estado. 4. História.

CDD. 23. Ed. 348.9977

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Apresentação

Apresentamos os Anais do II Seminário de

História em Estudos Amazônicos, realizado

em Belém, de 15 a 18 de junho de 2015. O

primeiro Seminário foi realizado em São Luís,

em 2013, fruto do esforço conjunto dos

programas de pós-graduação em História da

Universidade Federal do Maranhão e da

Universidade Federal do Pará, aos quais se

junta agora o da Universidade Federal do

Amazonas. Neste ano, o SHEA congregou

docentes e discentes das três instituições,

resultando na apresentação de mais de cem

trabalhos, aqui publicados, organizados em

sete volumes, cada um referente a um

Simpósio Temático. O objetivo é reforçar os

laços entre as pós-graduações de instituições

amazônicas, que historicamente,

compartilham trajetórias comuns.

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Sumário

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE LAURO SODRÉ Alan Christian de Souza Santos ................................................................................... 3 CARICATURA DE CONFRONTACIÓN ELECTORAL, UNA EXPRESIÓN DE LA CULTURA POLÍTICA COLOMBIANA Andrés Felipe González Bolaños .............................................................................. 13 ASPECTOS DA INVASÃO HOLANDESA NO ESTADO DO MARANHÃO PELA CAPITANIA REAL DO CEARÁ (1637-1640) Fernando Roque Fernandes ....................................................................................... 25 O MANTO DOS SARNEY EM CAXIAS: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE ROSEANA SARNEY EM MEIO AOS EMBATES POLÍTICOS LOCAIS EM MEADOS DOS ANOS 90 Francisco das Chagas da Cruz Pereira ...................................................................... 42 ACERCA DA HISTÓRIA/MEMÓRIA (E MESMO DA HISTÓRIA PÚBLICA) SOBRE BATISTA CAMPOS, PROPORCIONADA PELAS MÍDIAS CONTEMPORÂNEAS João Nei Eduardo da Silva .......................................................................................... 50

O PROJETO MODERNIZANTE ESTATAL E AUTORITÁRIO: A EXPERIÊNCIA DE SÃO LUÍS NO CONTEXTO DO ESTADO NOVO Marcelo Lima Costa ..................................................................................................... 58 FRANCISCO DE PAULA CASTRO: DOS BANCOS DO TABERNÁCULO DA CIÊNCIA PARA AS MARGENS DO XINGU Marcos Paulo Mendes Araújo .................................................................................... 68 A ELITE POLÍTICA DE CASTANHAL (1965 A 1983) Osimar da Silva Barros ................................................................................................ 79

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O SENTIDO DA MODERNIZAÇÃO: PODER NAVAL, IMPERIALISMO E SEGURANÇA NACIONAL NO BRASIL Pablo Nunes Pereira .................................................................................................... 88 O MOVIMENTO ESTUDANTIL NO PARÁ NO ANO DE 1968 Paulo Sérgio da Costa Soares ..................................................................................... 98 TRAJETÓRIA E POLÍTICA: ALACID NUNES, UM DISSIDENTE NA POLÍTICA PARAENSE (1964-1986) Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro ...................................................................110 UM EXERCÍCIO DE COMPREENSÃO DA TERMINOLOGIA MILITAR Regina Helena Martins de Faria ...............................................................................122 A POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARÁ E O ALVORECER REPUBLICANO William Gaia Farias ....................................................................................................135

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE LAURO SODRÉ

Alan Christian de Souza Santos1

Resumo

As breves considerações delineadas neste trabalho pretendem chamar a atenção para a possibilidade de se retomar a trajetória de Lauro Nina Sodré e Silva (1858-1944) no meio político paraense e carioca da Primeira República (1889-1930) a fim de se problematizar algumas das tramas sociais que ligavam os referidos estados por meio da atuação deste militar versado em filosofia que se tornou participativo na imprensa e no Parlamento nacional defendendo propostas relacionadas a moralização da República e da valorização dos militares.

Palavras-chave: Lauro Sodré, Trajetória Política, Primeira República (1889-19830).

Introdução

Republicano histórico, general do Exército, governador do Pará duas vezes, senador federal pelo Pará em quatro legislaturas, senador pelo Rio em uma, líder da revolta contra a vacina obrigatória em 1904, positivista convicto, candidato das oposições à Presidência da República em 1898 (quando perdeu para Campos Sales), seu reinado na política do Pará teve duas fases: no início do período republicano (até 1897 quando foi desbancado por Lemos) e depois da queda de Enéas Martins (a partir de 1917, quando pela segunda vez assumiu o Governo), sendo que esta fase prolongou-se até a revolução de 19302.

Observando àquilo que se produziu na historiografia paraense acerca de

Lauro Sodré é possível constatar que apesar da projeção alcançada por ele na história política do Pará e do Brasil, ainda são poucos os trabalhos que o analisem especificamente. Desses poucos, a maioria parece seguir ou referendar o viés tradicionalista de obras geralmente escritas por historiadores

1 É professor do Instituto Federal do Pará, Campus Industrial de Marabá, e doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará. 2 ROCQUE, Carlos. “Lauro Sodré, o estadista”. Grandes personagens da história do Pará. Belém: Imprensa Oficial, Ano I, N° 03, 1984, p.42.

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eruditos ou jornalistas a fim de listar e não necessariamente analisar os dados e informações a despeito de Sodré3. Na produção historiográfica maisrecente, ligada ao âmbito acadêmico, Lauro Sodré costuma aparecer como elemento secundário. Quero dizer, na medida em que grande parte desses trabalhos tem por escopo a discussão de outros problemas e questões, o republicano paraense é tomado como uma peça que ajuda a explicar a razão de ser da sociedade em fins do século XIX e início do XX. E, neste processo, os autores mais tradicionais continuam servindo de base para o que vai se afirmando a respeito da figura de Sodré4. Um conhecimento, aparentemente, cristalizado e engessado que apesar de fazer referência à carreira senatorial do político paraense insiste em não toma-la como objeto de pesquisa.

Assim, de modo geral, na escrita da história do Pará tem-se privilegiado o Lauro Sodré jornalista, que contribuía com diversas folhas; o polemista e positivista, que por defender seus princípios filosóficos envolveu-se em querela com o bispo Dom Macedo Costa; o propagandista republicano, fundador do Club Republicano e redator de A República; o primeiro governador do Pará, que reordenou as instituições públicas paraenses e, sobretudo, o Lauro Sodré, líder dos lauristas, inimigo declarado de Antonio Lemos e dos lemistas. Prevalecendo, portanto, um tipo de enredo muito preocupado em listar os “feitos” realizados por Sodré no início do período republicano, bem ao estilo do excerto acima, onde o biógrafo e às vezes até mesmo o historiador “apenas referenda as opiniões acerca do seu biografado sem nenhuma tentativa de analisar a personalidade” e suas ações enquanto político

3 Algumas dessas obras apresentam pequenas biografias de personagens da história paraense, c.f: AZEVEDO, Eustachio. Literatura Paraense. 2 Ed. Belém: Officinas Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1943; BORGES, Ricardo. Vultos notáveis do Pará. 2ª Ed. Belém: CEJUP, 1986; ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia. Belém: AMEL – Amazônia Editora LTDA, 1967. Outras apresentam narrativas históricas factuais que em determinado momento se remetem à Sodré, c.f.: BORGES, Ricardo. O Pará Republicano (1824-1929) – Ensaio histórico. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1983; ROCQUE, Carlos. História de A Província do Pará. Belém: Mitrograph, 1976. Além destas, pelo teor apaixonado, é possível incluir ainda a biografia organizada por um dos filhos de Lauro Sodré, c.f.: SODRÉ, Emmanuel. Lauro Sodré na história da República. Rio de Janeiro: GB, 1970. 4 Uma exceção, neste sentido, é o trabalho de Alan Coelho que analisa a polêmica envolvendo Lauro Sodré e o jornal católico A Boa Nova em 1881, a fim de compreender as estruturas positivistas do pensamento do velho republicano. C.f: COELHO, Alan Watrin. A ciência do governar: positivismo, evolucionismo e natureza em Lauro Sodré. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Pará, 2006.

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que vivenciava situações de conflito e contradições5. Proponho então que se amplie um pouco mais esses horizontes.

Na historiografia nacional o nome de Lauro Sodré é geralmente associado ao jacobinismo6 e lembrado por conta de sua participação na Revolta da Vacina. Na apreciação de José Murilo de Carvalho, por exemplo, Sodré aparece como personificação do conceito de estadania, uma corruptela da noção de cidadania, forjada pelo próprio autor, que dizia respeito aos sujeitos que buscavam maior participação na sociedade através do pertencimento ao Estado. Dentro do exército então, Lauro Sodré teria sido um “republicano fanático, florianista e permanente conspirador” que enxergava nos militares a defesa das causas populares e democráticas7. De modo que, em 1904, aproveitando-se das agitações provocadas pela vacina obrigatória, o senador paraense teria agido segundo a sua condição jacobina para agitar os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha e dar um golpe de estado. Essa é a interpretação que prevalece. Mas, como sua leitura se tornou possível? Quais elementos a subsidiaram ao longo do tempo? Quais outras leituras seriam possíveis?

Não questiono que Sodré tenha participado dos referidos acontecimentos e se identificado com os jovens militares “que viram nos conflitos de novembro de 1904 uma boa ocasião para tomar o poder e implementar as reformas necessárias à retomada de um projeto de República que havia se perdido” em meio aos primeiros governos civis8. Porém, talvez parte dessa interpretação se deva a uma sobreposição de memórias que pode e deve ser confrontada no campo historiográfico, a fim de se entender, não o golpe de estado frustrado, mas as representações que se faziam a partir de tais movimentos. Acredito que isso possa ser minimamente conseguido invertendo-se a cena e pensando-se os acontecimentos a partir das lógicas próprias do indivíduo.

5 SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do velho intendente: Antônio Lemos (1969-1973). Belém: Paka-tatu, 2002, p.223. 6 O jacobinismo foi uma das correntes de pensamento que disputava a definição da natureza do regime republicano. De clara inspiração francesa, os jacobinos gravitavam em torno da idealização da democracia clássica, da utópica democracia direta e do governo contar com participação direta de todos os cidadãos. Na medida em que eram alijados do poder acentuavam a necessidade de uma intervenção popular no Estado C.f.: CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 7 CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1987, p.49-50. 8 PEREIRA, Leonardo A. de Miranda. “A revolta da tradição”. In: As barricadas da saúde: vacina e protesto popular no Rio de Janeiro da Primeira República. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p.69.

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No excerto acima, o jornalista Carlos Rocque, responsável pela elaboração de um dos perfis biográficos existentes sobre Lauro Sodré, sugere que a trajetória política do velho republicano possa ser dividida em dois momentos. O primeiro iria do início do período republicano – que dito desta maneira parece não levar em consideração o movimento propagandista que antecedeu ao estabelecimento oficial do novo regime e do qual Sodré participara ativamente – até 1897, quando findou o primeiro mandato de Sodré como governador do estado. O segundo começaria exatamente do seu retorno ao posto de governador do Pará em 1917 e se estenderia até 1930 através dos lauristas que teriam se sucedido no poder. De maneira que, o intervalo entre 1897 e 1917 é explicado pelo autor a partir de uma suposta supremacia lemista no Pará. Para Carlos Rocque, Lauro Sodré foi o maior nome da política do Pará em termos nacionais durante a Primeira República. Porém, em termos regionais, acabou sendo desbancado por Antônio Lemos e sua oligarquia. Dessa maneira, apesar de citar as cinco legislaturas de Sodré, Carlos Rocque não analisa os componentes da trajetória parlamentar do político paraense e sugere que somente após a saída de Antônio Lemos da Intendência de Belém, pelos idos de 1912, o discípulo dileto de Benjamin Constant teria conseguido recuperar o espaço político perdido quando de seu afastamento para o Senado. Vista dessa maneira, a carreira senatorial de Sodré é esvaziada e pensada em sentido quase negativo, como se tivesse “servido” apenas de refúgio provisório diante dos enfrentamentos locais.

Tais proposições me parecem um tanto exageradas e infundadas. Sobretudo, porque não pensam a carreira de senador de Lauro Sodré como estratégia de ação, poder e representação. Mas, ao contrário, insistindo na mitificação de Antônio Lemos, Carlos Rocque parece atribuir valores desiguais aos cargos de intendente, governador e senador e esquecer que nenhum deles atuava sozinho ou detinha o controle sobre a coisa pública. Ignorando as particularidades e regularidades de cada carreira política, Rocque não levou em conta, por exemplo, que o senador tinha de se deslocar para o Distrito Federal para representar seu respectivo estado e interpretou essa aparente ausência como falta de espaço político. A atuação parlamentar, em si mesma, abria uma forma de participação nos problemas locais. Porém, não era a única forma de se fazer presente nas tramas do cotidiano político. Neste sentido, merece destaque a coleção de cartas, telegramas e recorte de jornais que Lauro Sodré trocou com um de seus correligionários por mais de 30 anos. A correspondência com Luiz Barreiros, disponível no Setor de Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna, aponta para algumas estratégias encontradas por Lauro Sodré para se manter informado e, de alguma maneira, ter condições de operar sobre a realidade social paraense. Salutar o pedido feito por ele em missiva datada de 09 de fevereiro de 1923: “Agora só tenho por

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fim pedir-lhe que me consiga e envie o que aí houver acerca de história do Pará”. De preferência, o senador almejava o “opúsculo do Viana, um folheto do Barata, outro do Th. Braga e umas notas biográficas de C. da Cunha”9. Essas obras, que ainda hoje auxiliam os pesquisadores de história, no início do século XX muito provavelmente ajudaram a aumentar o capital cultural do senador paraense. Sendo que, conforme as reflexões de Pierre Bourdieu, o capital cultural pode ser pensado como um dos elementos que ajudam a determinar as posições no interior dos diversos campos do universo social10.

De qualquer maneira, a periodização proposta por Carlos Rocque à trajetória política de Lauro Sodré parece-me frágil, sobretudo, por se basear em elementos estranhos à dinâmica vivida pelo próprio sujeito. Será que Sodré sentia-se realmente desbancado por Lemos? Será que a experiência no Senado Federal era vivida como paliativo à ausência de espaço na política local? Terá existido essa ausência?

Antes de terminar o primeiro mandato de Lauro Sodré à frente do governo do Pará, no início de 1897, a imprensa local já indicava qual seria o futuro do político republicano: o Rio de Janeiro. Tudo indicava que Sodré retornaria à capital federal assim que passasse o posto de governador do estado para o seu sucessor a fim de reassumir a cadeira de docente na Escola Superior de Guerra11. Mas, esse retorno ao Rio de Janeiro acabou sendo marcado pelo início de outra carreira política: a de senador da República. Ainda no primeiro semestre daquele ano, após renúncia de Antônio Nicolau Monteiro Baena, Sodré foi eleito para ocupar a vaga. Era o começo de uma carreira longa e conturbada no Parlamento republicano brasileiro.

Em um de seus primeiros discursos, preservados pelos Anais do Senado, Sodré falou a respeito de sua chegada ao Parlamento. Começou destacando que estava ali como legítimo representante do estado do Pará apesar de não ter pleiteado a eleição. Sodré atribuía este acontecimento aos seus conterrâneos, correligionários e amigos. De modo que pensava ser sua missão defender os interesses da República ao lado dos interesses de seu estado natal. Nesse processo o senador paraense pretendia cooperar com a “grande obra da regeneração moral da República”12

De tais palavras é possível observar um elemento retórico que voltaria a se repetir inúmeras vezes ao longo da carreira política de Sodré: ele dizia não fazer campanha política, apenas atendia o chamado popular. Não era ele que lançava o seu nome para pleitear cargos públicos. Mas, de modo contrário,

9 Carta de Lauro Sodré a Luiz Barreiros, 09 de fevereiro de 1923. 10 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 11 A FOLHA DO NORTE, 13 de janeiro 1897, p.2. 12 ANAIS DO SENADO FEDERAL, 1898, p.49.

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empenhava-se sempre a declinar de tais projeções. Sendo convencido, porém, da necessidade de apoiar tais projetos, como o da senatoria, Sodré rendia-se e procurava exercer da melhor o papel que lhe incumbiram. Gostava de se pensar como figura popular e devota à República.

Em seu primeiro mandato como senador pelo Pará, Sodré se posicionou sobre questões variadas, mas geralmente em tom de oposição ao governo executivo da República. Dessa maneira ele questionou a postura adotada pelo Brasil frente ao problema dos limites com a Guiana Francesa, as disposições sobre o estado de sítio decretado por Prudente de Morais e o fechamento do Club Militar do Rio de Janeiro. Via em suspeição os rumos que a República ia tomando e em seus discursos denunciava a desvalorização das forças armadas e o esquecimento dos valores que teriam norteado a “revolução” de 15 de novembro de 1889. Daí o seu desejo de prover a regeneração moral da República.

O tom de oposição ao governo central parece seguir na mesma direção das proposições de Américo Freire a despeito da atuação de Lauro Sodré como senador pelo Distrito Federal, a partir de 1902. Tanto que o autor se questionou inicialmente como um político paraense, em uma campanha meteórica de uma semana, conseguiu se eleger para o Parlamento nacional pelo Rio de Janeiro, rompendo o bloqueio dos principais grupos políticos cariocas e, de certa maneira, forçando estes mesmos grupos a conviveram com as suas proposições insurrecionais13. Por ser este um trabalho ainda pouco conhecido, passo então a sistematizar algumas das colocações deste autor a respeito da atuação de Sodré no Senado Federal.

A candidatura de Lauro Sodré foi lançada na imprensa carioca através das páginas do Correio da Manhã e editorial de Edmundo Bittencourt. No entender de Freire, a participação de Sodré no pleito fazia parte de uma estratégia maior que “poderia significar a criação de uma alternativa real de poder sob a liderança do novo senador pelo Distrito Federal”, na medida em que ganhava nova visibilidade uma articulação que envolvia forças políticas civis e militares14.

No Senado, Sodré teria tido atuação discreta. Nos seis primeiros meses de mandato ele teria feito oito pronunciamentos. Dois sobre problemas de estados do norte do país, três sobre questões militares e três sobre questões diversas. Curiosamente, em nenhum momento Sodré teria se pronunciado “sobre os temas que mobilizavam os parlamentares cariocas naquela conjuntura. (...) Por sinal, este foi um comportamento que o acompanhou

13 FREIRE, Américo. “Entre a insurreição e a institucionalização: Lauro Sodré e a República Carioca”. Texto CPDOC. N° 26. Rio de Janeiro: FGV, 1997. 14 Id. P.21.

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durante os seus noves anos de mandato”15. Aqui cabe um parênteses. Este aspecto da atuação de Sodré no Senado salientado por Freire precisa ainda ser melhor explorado, pois provoca a reflexão sobre as bases de sustentação de Sodré no Rio de Janeiro. Como se tornara possível a continuidade do mandato de um senador paraense, eleito pelo Distrito Federal e alheio aos problemas daquela cidade? Além disso, pode-se colocar outra questão: até que ponto Lauro Sodré utilizou a tribuna carioca para reverberar problemas e situações da cena paraense?

Finalmente, ao analisar os episódios da Revolta da Vacina, Américo Freire sustenta que a carreira federal de Sodré “declinaria progressivamente” a partir deste momento. Até o término de seu mandato pela capital federal, “Sodré atuaria de forma discreta no Parlamento, procurando representar especialmente os interesses militares e operários”. Daí, sem espaço no campo político carioca, o velho republicano teria se voltado para tentar recuperar o seu antigo prestígio no Pará, ao que teria conseguido a partir de 1917, com sua eleição para o governo do seu estado natal16. Freire conclui seu estudo salientando que enquanto Lauro Sodré tinha o interesse de “criar uma alternativa ao bloco político dominante”, os principais grupos políticos cariocas gravitavam em torno da “conquista de um espaço legítimo de atuação política”, que fosse capaz de resistir às intervenções federais no Rio de Janeiro. De modo que não teria sido possível “a menor aproximação” entre Lauro Sodré e a elite política carioca, permanecendo o parlamentar paraense isolado politicamente17.

Um dos méritos da análise acima reside no fato do autor se apoiar no cruzamento de informações dos Anais do Senado e da imprensa carioca e analisa-los à luz da historiografia contemporânea, o que permitiu a problematização de questões ainda pouco colocadas a respeito de Lauro Sodré. Apesar disso, quatro pontos me parecem questionáveis. Primeiro, a ideia de declínio da carreira federal de Sodré após a Revolta da Vacina. O autor não apresenta argumentos suficientes para sustentar esta possibilidade. O único elemento que poderia explicar tal interpretação seria o fato de Sodré voltar a se eleger senador pelo Pará e não pelo Distrito Federal. Mas, isso, ao meu modo de ver, em hipótese alguma, poderia querer dizer alguma coisa. Segundo, a falta de espaço no campo carioca teria motivado o retorno à cena política paraense. Esta leitura dos fatos lembra a de Carlos Rocque que, como já assinalado, também justificava a carreira senatorial de Sodré com base na falta de espaço na política local. De modo que, de maneira contrária, Freire

15 Id. P.28. 16 Id. P.31. 17 Id. P.33.

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sugere o retorno de Sodré ao Pará a partir da mesma linha de raciocínio. Mas, não seria possível que Lauro Sodré optasse entre um lugar e outro por seus próprios interesses? E, mais, levando em conta que após a sua segunda passagem pelo governo paraense Sodré retornou ao posto de senador, até que ponto não teria prosseguido atuando ou tentando atuar nos dois espaços político-sociais? Terceiro, para Freire a presença de Sodré no campo político carioca restringiu-se ao mandato que ele ocupou pelo Distrito Federal. Tenho um pensamento diferente neste ponto. Acredito que ao encontrar-se no Rio de Janeiro, mesmo ocupando mandatos políticos pelo Pará, Lauro Sodré, de modo inevitável, acabava por se movimentar e atuar na esfera político-social carioca. Quarto, talvez a tese de isolamento político de Sodré deva ser relativizada. O campo político não diz respeito apenas à vida parlamentar. Existiam outros meios e outros espaços para se debater ideias e se propor ações. Acredito que a maçonaria possa ser pensada como um destes outros territórios. Assim, levando-se em conta o fato de Lauro Sodré ter ocupado o posto de grão-mestre da maçonaria entre os anos de 1904 e 1916, os fortes traços elitistas deste espaço de sociabilidade nesse período e as inúmeras figuras do mundo político (como Francisco Glicério e Quintino Bocaíuva, para citar apenas dois) que assim como Sodré pertenciam aos quadros maçônicos, é possível observar que mesmo fora do Parlamento, o republicano paraense mantinha-se próximo de setores privilegiados da sociedade carioca. Agora, se existiam relações políticas nesse meio, essa é outra questão que merece alguma discussão.

Do Senado a outros espaços de sociabilidade

No ano de 1917, as lojas maçônicas paraenses estavam em festa pelo

retorno do então senador da República ao governo do estado. Na comemoração da Loja Firmeza e Humanidade Sodré discursou sobre o papel da instituição maçônica. De acordo com a sua acepção, a maçonaria era “alguma coisa mais do que uma instituição de caridade”. Assemelhava-se a uma religião, cujo dogma era o da moral elevada, do cumprimento dos deveres perante a humanidade e a pátria. Nesse sentido, a instituição maçônica deveria ser um fator de progresso e aperfeiçoamento moral para o povo. Sodré dizia entender a ordem de “janelas abertas” para a sociedade e por isso queria que ela fosse “uma força político-social”, haja vista a suposta impossibilidade daquela instituição andar indiferente diante de assuntos que interessavam à humanidade de maneira geral18.

18 NEVEZ, Agnello. Lauro Sodré ou a evolução política do Pará. Pará: Typ. do Instituto Lauro Sodré, 1918, p.232.

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Esse tipo de posicionamento de Lauro Sodré no ambiente maçônico não era nenhuma novidade. Desde os tempos em que administrava a maçonaria brasileira ele insistia no caráter social e político que a instituição deveria ter. Chegou até a convocar um congresso maçônico em 1908 a fim de estimular a discussão de “teses sociais, políticas e litúrgicas”. Um dos princípios sociais aprovados no evento, por exemplo, dizia que a maçonaria se esforçaria, por todos os meios, para que no território da República, fossem criados institutos e escolas de ensino técnico com o objetivo de se garantir o aperfeiçoamento moral, intelectual e profissional dos operários19.

Alguns maçons paraenses da Loja Aurora, talvez embebidos desse espírito ativo apregoado por Lauro Sodré, se movimentaram na capital paraense para realizar na virada de 1911 para 1912 uma série de meetings em favor da candidatura de Sodré ao senado pelo estado. No último deles, realizado às 08 horas da manhã de 28 de janeiro de 1912, na Praça Justo Chermont, teriam comparecido cerca de 2000 pessoas. ”Os oradores foram bastante aplaudidos, sendo erguidos vibrantes vivas à Maçonaria Brasileira, ao dr. Lauro Sodré, à Folha do Norte, ao povo paraense e às lojas Aurora e Cosmopolita”20.

Assim, os domínios da política, ao menos em Lauro Sodré, incluem sim as relações que se estabeleciam nos salões reservados aos iniciados da ordem maçônica. Dimensão social que talvez nos ajude a entender como os correligionários de Sodré se misturavam aos seus “irmãos” e vice-versa. O caso de Luiz Barreiros é mais uma vez salutar neste sentido. Ele costumava receber orientações políticas muito precisas de Sodré. Em carta datada de 7 de julho de 1918, por exemplo, o governador paraense o advertia, “como primeira condição para bem e fielmente” representar o seu parlamento, que durante a viagem à Vígia não se pronunciasse a respeito das eleições naquele município. “Não esqueça que como membro do Congresso terá que ser juiz na causa”21 Além disso, antes de integrar a equipe de governo, Barreiros recebeu inúmeros telegramas de agradecimento pelo zelo que costumava ter com o nome de Lauro Sodré na capital paraense. Mas quem seria, afinal, Luiz Barreiros? Um amigo? Um correligionário? Um “irmão” maçom? Ou tudo isso ao mesmo tempo? As pesquisas preliminares têm demonstrado que Sodré e Barreiros compartilharam valores, percepções, projetos políticos, recomendações, pedidos, solicitações e, no fim das contas, a própria vida. Por essa via, pode-se dizer que a ligação entre eles se mantinha e fortalecia na medida em que as demandas políticas se misturavam aos laços afetivos de amizade. Ambos eram maçons e durante o segundo governo de Lauro Sodré

19 BOLETIM DO GRANDE ORIENTE DO BRASIL, 1909, p.345. 20 A FOLHA DO NORTE, 1912, p.1. 21 Carta de Lauro Sodré a Luiz Barreiros, 07 de julho de 1918.

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no Pará, Barreiros tornou-se deputado e dirigiu a Imprensa Oficial22. Após esse período, Sodré retornou ao Rio de Janeiro para cumprir mais um mandato de senador da República. Depois disso, poucas vezes retornou a Belém. De lá ele viu irromper um processo “revolucionário” que parecia fazer “desandar as maravilhosas conquistas da gloriosa revolução de 89” e resolveu se retirar da vida pública.

Conclusão

Retornar à trajetória de Lauro Sodré, sobretudo, no período de 1897 a

1930, é, portanto, pensar nas particularidades da carreira senatorial, na dinâmica de um sujeito entre dois espaços sociais diferentes; no cenário político de uma República já consolidada23 na construção da sua imagem de “jacobinista” ou “florianista”, nos agitados pleitos eleitorais do Pará, no positivismo, na maçonaria, nas relações pessoais e em tantas outras questões que parecem vinculadas a Lauro Sodré. Certamente há muita memória misturada aos pequenos fragmentos que servem de base para a tentativa desta história aqui delineada. Memórias que apontam para os limites do conhecimento que se pode obter, memórias que devem ser confrontadas e comparadas, memórias que, no fim das contas, assinalam exatamente as possibilidades investigativas em forma de documentos, vestígios e rastros, dispersos, de um tempo pretérito que parece ser necessário ainda conjugar. Afinal, a “história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”24. Porém, somente avançando-se na análise de tais elementos parece ser possível construir um conhecimento mais abalizado acerca das estratégias de ação, poder e representação do velho republicano paraense.

22 DIARIO OFICIAL, 2009, p.7 23 FLORES, Elio Chaves. “A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 24 NORA, Pierre. “Entre memória e história a problemática dos lugares”. Projeto História, n°10, 1993, p.9.

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CARICATURA DE CONFRONTACIÓN ELECTORAL, UNA EXPRESIÓN DE LA CULTURA POLÍTICA COLOMBIANA

Andrés Felipe González Bolaños1

Resumen

El presente trabajo evidencia un análisis de los problemas, teóricos y metodológicos, planteados para el uso de las imágenes como documento histórico, para este caso particular trataremos el empleo de la caricatura. Con el objetivo de resaltar su importancia como testimonio para la reconstrucción del pasado y la cultura política. En una primera instancia se desarrolla el problema de la imagen como fuente para la historia, sugiriendo a su vez la utilización del método de Panofsky para la interpretación de esta. Posteriormente se desarrolla la caricatura de confrontación electoral que se constituyó en un arma de confrontación de la cultura política bipartidista colombiana.

Introducción

En nuestra contemporaneidad la historia se encuentra en constante cambio

y evolución sobre la forma de cómo se construye el conocimiento histórico, y cuáles son los principales fundamentos metodológicos que deben ser tomados en cuenta para la reconstrucción de una historia objetiva. Nuevas miradas y nuevos temas afloran en estos tiempos, surgiendo propuestas como la historia de los individuos y el fortalecimiento de la micro-historia y es con base a estas miradas que los jóvenes historiadores se encaminan para llevar acabo sus investigaciones. Quizás porque nos encontramos en una sociedad que manifiesta continuamente cambios importantes en toda su estructura social. Motivándonos a tratar en lo posible de buscar nuevos temas que posibiliten en alguna medida a contribuir y fortalecer la historiografía.

El siguiente trabajo tiene como objeto de estudio la “caricatura,” específicamente la caricatura política, la cual se forjó sobre los acontecimientos registrados entre los años 1926 y 1930 en el diario “El

1 Historiador de la Universidad del Valle. Mestrando Historia Social de Amazônia no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Pará. UFPA. Bolsista CAPES. [email protected].

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Relator”2 que circuló en la ciudad de Santiago de Cali durante dicho período, nuestro propósito es identificar algunas particularidades de la cultura política colombiana que se expresó mediante la construcción de este tipo de imágenes.

¿Pero qué significa cultura política? “Por cultura política entendemos el conjunto de conocimientos, sentimientos, representaciones, imaginarios, valores, costumbres, actitudes y comportamientos de determinados grupos sociales, partidos o movimientos políticos en la sociedad, a la actividad de las colectividades históricas, a las fuerzas de oposición, a la relación con el antagonista político, etc.”3

Uno de los pocos investigadores que se ha encargado de estudiar la utilización de este concepto en el análisis social y político es Fabio López de la Roche, señalando que en los últimos años diversos investigadores como historiadores, antropólogos, psicólogos, entre otros, han puesto su mirada en una serie de fenómenos que tienen que ver con la cultura política como “los imaginarios y las mentalidades, las representaciones que distintos grupos hacen de la vida política en una sociedad (como se ve a otros grupos – a “la burguesía”, a “los militares” al izquierdista, a “la clase política”, al “sindicalismo”, al Estado)”4. Fenómenos que hacen parte de la acción humana proporcionándonos una conexión directa con el acontecer, a la vez que evidencian componentes fundamentales para la reconstrucción de una historia más exhaustiva y abierta.

En este margen de ideas podemos decir que la noción de cultura política puede ser utilizada como herramienta conceptual que conduce al análisis de comportamientos y conductas que poseen los individuos frente al poder y el Estado,5 con el propósito de explicar las características y fundamentos que forman los sistemas políticos rescatando de estos los símbolos, actitudes y comportamientos de determinados grupos que detenta el poder político.

2 Este diario apareció por primera vez el domingo 15 de octubre de 1916, circulando inicialmente los martes y sábados con cuatro páginas en tamaño Tabloide. A partir del número 16 aparece con frecuencia intermedia. El señor Hernando Zawadzky fue su editor y propietario. El director de este diario fue Daniel Gil Lemos. Ver www.cali.gov.co/publico2/histocal.htm 3 DE LA ROCHE Fabio López, (1993)“Tradiciones de cultura política en el siglo XX” en: Miguel Eduardo Cárdenas (comp), Modernidad y Sociedad Política en Colombia, Colombia, Ediciones foro nacional por Colombia, p.95 4 DE LA ROCHE Fabio López, (1996). “El concepto de cultura política y su utilización en el análisis social” en; Pardeia, número 16, p .8 5 Ver JAIME PEÑALOZA Sonia Milena, (2000) “Balance y reflexión alrededor de la Cultura Política en la Historia Colombiana”, Colombia, Universidad del Valle, Facultad de Humanidades. Biblioteca Mario Carvajal, Tesis de lic. en Historia. p. 46

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Las imágenes como documento testimonial para la historia

Los historiadores contemporáneos han puesto su mirada en nuevos documentos que da testimonio del pasado, entre los cuales se encuentran los textos literarios, testimonios orales y las imágenes, tal vez queriendo romper con esa tradición tan arraiga de la cultura del libro donde el conocimiento legitimo solo es aquel registrado en un documento grafiado.

Esta nueva mira ha permitido que en la actualidad se develen nuevas ideas de nuestro pasado a través de estudios que emplean las imágenes de diferentes tipos y logran reconstruir la historia del cuerpo, las enfermedades, los criterios de belleza, la opinión pública y la cultura política que utiliza la imágenes de la caricatura como testimonio, etc.

Dentro de los documentos muy poco empleados por los historiadores se encuentra aquellos que reposan en los archivos fotográficos, fílmicos, imágenes como caricaturas, historietas, carteles o cualquier producción gráfica que sea considerada como imagen. Por lo tanto son muy pocos los textos históricos que utilizan ilustraciones y cuando las usan son relativamente muy pocos los autores que aprovecha la oportunidad que se les brinda. Ya que cuando los historiadores utilizan imágenes suelen tratarlas como simple acompañantes del texto, reproduciéndolas en los libros sin ningún comentario o método de análisis, además de solo utilizarla para ilustrar las conclusiones que el autor ya ha señalado por otros medios y no se emplea para dar nuevas respuesta o plantear nuevas cuestiones.6

Los ejemplos donde podemos encontrar la utilización de las imágenes en los estudios histórico son muy reducidos, pero no quiere decir que estas no se haya empleados tiempo atrás, unos de estos casos lo podemos encontrar en el señalamientos de “Francis Haskell (1928-2000) en History and its Images, las pinturas de las catacumbas de Roma fueron estudiadas en el siglo XVII como testimonio de la historia del cristianismo primitivo (y durante el siglo XIX como testimonio de la historia social).”7 Un estudio más reciente y que está relacionado con nuestro tema de estudio es del historiador norteamericano José León Helguera que con su ensayo “Notas sobre un siglo de la caricatura política en Colombia 1830-1930”, nos muestra que la caricatura política puede ser empleada para entender la lucha política, los imaginarios, la cultura política

6 BURKER, P. (2001). Visto y no visto. el uso de la imagen como documento histórico. Barcelona: Critica. Pág. 12. 7 Ibíd. Pág. 13.

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y hasta la opinión publica de los diferentes actores que entran en conflicto por la hegemonía del poder político.8

Peter Burker en su libro señala que “los historiadores no pueden ni deben limitarse a utilizar las imágenes como «testimonios» en sentido. Debería darse cabida también a lo que Francis Haskell llamaba «el impacto de la imagen en la imaginación histórica». Pinturas, estatuas, estampas, etc., permiten a la posteridad compartir las experiencias y los conocimientos no verbales de las culturas del pasado. Nos hacen comprender cuántas cosas habríamos podido conocer, si nos las hubiéramos tomado más en serio. En resumen, las imágenes nos permiten «imaginar» el pasado de un modo más vivo. Como dice el crítico Stephen Bann, al situarnos frente a una imagen nos situamos «frente a la historia. El hecho de que las imágenes fueran utilizadas en las diversas épocas como objetos de devoción o medios de persuasión, y para proporcionar al espectador información o placer, hace que puedan dar testimonio de las formas de religión, de los conocimientos, las creencias, los placeres, etc., del pasado. Aunque los textos también nos ofrecen importantes pistas, las imágenes son la mejor guía-para entender el poder que tenían las representaciones visuales en la vida política y religiosa de las culturas pretéritas.”9

En este sentido de ideas podemos sostener que las imágenes más que unas fuentes se convierte en un testimonio y al igual que los textos o los testimonios orales, las imágenes son una forma de documento histórico o como es señalado en la obra de P. Burker “refleja un testimonio ocular”.

Aunque se ha demostrado que las imágenes se convierten en un testimonio valioso para la historia, su lectura no se debe hacer a la ligera, puesto que ella misma merecen un tratamiento especial, llegando a plantear numerosos problemas, ya que las imágenes son testigos mudos y resulta difícil traducir a palabras el testimonio que nos ofrecen. Por tal razón es tarea del investigador develar aquel testimonio o mensaje propio de ellas.

Surge entonces una pregunta ¿Hasta qué punto y de qué forma ofrecen las imágenes un testimonio fiable del pasado? sería absurdo intentar dar una respuesta general demasiado simple a semejante cuestión. Pero podemos aproximando de manera reflexiva comentando que independientemente de su calidad estética, cualquier imagen puede servir como testimonio histórico tales como los mapas, las planchas decorativas, los exvotos, las muñecas de moda o los soldados de cerámica enterrados en las tumbas de los primeros emperadores chinos, cada uno de estos objetos tienen algo que decir al historiador.

8 HELGUERA, J. L. (1988). Notas sobre un siglo de caricaturas en Colombia 1830-1930. Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura, 16. 9 BURKER, P. (2001). Op.Cit. pág. 17

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«Estudiad al historiador antes de empezar a estudiar los hechos», decía a sus lectores el autor del famoso manual What is History?10 Esta frase plasmada en la obra de P. Burker lleva a pensar sobre la atención que debemos depositar a la hora de analizar cualquier tipo de fuente testimonial como es el caso de las imágenes e iniciar por descubrir aquella intencionalidad que buscaba perseguir el autor. Por ejemplo son relativamente fieles aquellas obras realizadas a modo de documento, con el objetivo de registrar la apariencia o las costumbres de las culturas exóticas. Un ejemplo de ello, fue la Expedición Coreográfica11 realizada en la Nueva Granada territorio que actualmente es Colombia, donde los dibujantes registraron in situ, muchos aspectos de la naturaleza y costumbre de las diferentes regiones que conformaban aquel territorio imagen (1)12.

Imagen 1

Habitantes del Patía, provincia de Popayán. Acuarela de la Comisión Corográfica, 1850-1859

10 CARR, E. H. (1961). What is History. Inglaterra: Cambridge. Pág. 17 11 La comisión Corográfica fue un proyecto científico impulsado por el gobierno de la Republica de la Nueva Granada (hoy Colombia) que fue encargado en 1850 al ingeniero italiano Agustín Codazzi. La Comisión tenía como objetivo hacer una descripción completa de la Nueva Granada y levantar una carta general y un mapa corográfico de cada provincia con los correspondientes itinerarios y descripciones particulares. Fuente Restrepo, Olga (1998). «Un imaginario de la nación: Lectura de la laminas y descripciones de la Comisión Corográfica». Anuario Colombiano de Historia Social y de la Cultura. pp. 30–58. 12 Habitantes del Patía, provincia de Popayán. Acuarela de la Comisión Corográfica, 1850-1859. Colección Biblioteca Nacional de Colombia. www.revistacredencial.com.700× 521. Consulta 25 de julio del 2014.

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Hasta el momento se ha podido discutir la importancia de abrir nuevas espacios en la historiografía a la imagen como testimonio, no obstante, sería imprudente atribuir a estos artistas-reporteros una «mirada inocente», en el sentido de una actitud totalmente objetiva, libre de expectativas y prejuicios de todo tipo. Para el caso de la expedición, se debe tener en cuenta quien intervino en la expedición, que intenciones tenia y que quizás por cumplir con su labor y dar una buena impresión de su trabajo o el país omitieron escenas, situaciones y cualquier otra cosa que su criterio decidiera ajustar.

Esto no quiere decir que las imágenes no sean un testimonio legítimo, puesto que no tendría razón de ser este articulo y todo lo anteriormente señalado, pero para emplear de una mejor manera estas fuentes el historiador precisa de un método, que le permita develar los elementos constitutivos que conforman la imagen y de esta forma poder sacar el mejor provecho a su testimonio. Es por ello que en este trabajo sugerimos el empleo del método utilizado por el historiador de arte y ensayista alemán Panofsky.13 La caricatura de confrontación electoral

La caricatura de confrontación electoral es un arma de ataque político

utilizado desde finales del siglo XIX por los partidos tradicionales colombianos; en ella podemos rastrear algunos elementos simbólicos utilizados para denunciar los posibles fraudes eleccionarios que cometían aquellos que ostentaban el poder. Este tipo de imágenes surge a partir de las denuncias hechas por los diarios que muchas veces nacían exclusivamente para señalar estos atropellos. Se crean y elaboran figuras icnográficas como “Juan pueblo”14, una de las tantas imágenes encargada al simbolizar el pueblo como una víctima de la maquinaria política.

13 El primero de esos niveles sería la descripción preiconográfica, relacionada con el «significado natural» y consistente en identificar los objetos (tales como árboles, edificios, animales y personajes) y situaciones (banquetes, batallas, procesiones, etc.). El segundo nivel sería el análisis iconográfico en sentido estricto, relacionado con el «significado convencional» (reconocer que una cena es la Última Cena o una batalla la batalla de Waterloo). El tercer y último nivel correspondería a la interpretación iconológica, que se distingue de la iconográfica en que a la iconología le interesa el «significado intrínseco», en otras palabras, «los principios subyacentes que revelan el carácter básico de una nación, una época, una clase social, una creencia religiosa o filosófica». (BURKER, 2001, p. 45) 14 GONZÁLEZ Beatriz, “La Caricatura a fines del Siglo XIX”, en: Gaceta Colcultura, Nº 32,33, 1996.

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En nuestras caricaturas podemos encontrar una gran variedad de símbolos e imágenes como; arañas, bestias, muertos, esqueletos, personas del común, textos y figuras reconocidas que buscan señalar al conservatismo como el causante directo de los fraudes electorales, evidenciando de esta manera una ausencia de garantías para la oposición e imposibilidad de reconquistar el poder por la vía constitucional.

Las caricaturas son bien elaboradas y en la mayoría de los casos cumplían con su objetivo, señalar la participación del régimen conservador en los fraudes electorales, constituyéndose de igual modo en una denuncia por parte del liberalismo. Un ejemplo de ello lo podemos apreciar en la imagen número 2, en la cual acusa a los conservadores de utilizar listas de personas que se encuentran fallecidas para conseguir los suficientes votos.

Imagen nº 1 - De pie los muertos

Todas las imágenes que reúnen estas características son encontradas en los

últimos años del gobierno de Abadía Méndez, especialmente en la etapa de campaña electoral de los distintos candidatos a la presidencia de la década del treinta. Otro factor que disparaba la elaboración de estas imágenes, era que en “cada período electoral se realizaban elecciones para diferentes puestos dentro del año, en pocas palabra el país vivía prácticamente en función de las campañas electorales.”15

En este tipo de caricaturas se puede observar un proceso sistemático de destrucción simbólica del rival en el que se le atribuyen características poco

15 ACEVEDO CARMONA, Darío. (1995). La Mentalidad de las Elites sobre la Violencia en Colombia 1936-1949. Instituto de Estudios políticos y relaciones Internacionales (IEPRI) de la Universidad Nacional de Colombia y El Áncora Editores, Bogotá.

Otro recurso patentado del fraude conservador. Las listas de sufragantes llenas de individuos hace 45 o más años, que por lo visto abandonaron sus tumbas para contribuir a la resurrección de la hegemonía. Diario El Relator, diciembre 02 de 1930

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humanas y analogías con determinados animales y lugares de cuestionada reputación. Colocándose en duda la legalidad de los resultados, así como la legitimidad de su presencia y procedencia en región, en donde el conservatismo se valía de artimañas y tretas con el objetivo de continuar controlando el poder político; por tal motivo este animal rapaz debía ser enjaulado para que no continuara realizando su acostumbrados vuelos maliciosos como ave de rapiña que aprovechaba cualquier descuido para realizar su cometido.

Imagen nº 2- Enjaulado el fraude

Imagen nº 3 - Aritmética conservadora

La opinión liberal se encarga de enjaular el pajarraco salvaje del fraude aunque griten y se sulfuren los viejos usufructuarios de la moscarda y los nuevos aspirantes a disfrutar de iguales artimañas. Diario El Relator, diciembre 04 de 1930

Como se obtendrán las mayorías conservadoras en el departamento del Valle. Diario El Relator, diciembre 29 de 1930.

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Imagen nº 4 - Su majestad el crimen

Una constante percibida en las imágenes del rival y que podemos

distinguir, es el fuerte vínculo que se le atribuye a la procedencia de su gobierno como la asociación a un sangriento y oscuro pasado en el cual se edificó su mandato.

Imagen nº 6 - La araña política

A la vez que se denunciaban las barbaries y estafas que los conservadores

cometían, ellos mismos se magnificaban y se representaban como los guardianes de la democracia, al personificarse como vigilante que con la ayuda y colaboración del pueblo se encargaban de custodiar los comicios electorales.

El fraude con sus patas peludas y su cabeza” – negra va tejiendo la tela en que enredara la expresión de la voluntad popular en el sufragio. Diario El Relator, diciembre 17 de 1930.

El triunfo conservador que reclama en su edición de hoy “Correo del Cauca.” Diario El Relator, diciembre 12 de 1930.

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Este tipo de representación buscaba reafirmar sus lazos frente al electorado con el propósito de ratificar su ideología y pensamiento de partido, consiguiendo reflejar una imagen confiable, creíble y segura frente al pueblo liberal que más adelante se encargaría de subirlos al gobierno.

Imagen nº 7 - Mediadas de seguridad

Imagen nº 8 - El dragón del norte

Como tendrán que custodiarse las listas en el jurado electoral, para evitar las MANIOBRAS estilo apachesco que allí se están ejercitando. Diario El Relator, diciembre 03 de 1930

Los poderes infernales al fraude conservador que entre sombra se prepara en el norte encontrara su “San Jorge” en el poder incontrolable de la mayoría liberal. (Dibujo de Espinosa, para el relator). Diario El Relator, diciembre 20 de 1930.

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Se llaman y representan a sí mismos como caballeros o santos que luchaban contra el oscuro fraude electoral, el cual es vencido por una fuerza suprema de mayorías liberales. Estos no dejaron cabo ni imágenes sueltas, ya que en varias ocasiones algunas caricaturas que arremetían contra su partido eran utilizadas cambiando el sentido a favor de su realidad.

Imagen nº 9 - Esos polvos traen estos lodos

Conclusión

A lo largo de este documento se han podido reunir una serie de

herramientas que nos permiten llegar a plantear que la caricatura política, encontrada en el diario El Relator, constituye un instrumento simbólico que expresa diversas circunstancias de la vida y la cultura política en Colombia. Ella nos transporta a un universo mental en el que son vistos los hechos y actores que hacen parte de un escenario público, donde lo mordaz, lo cómico, irónico y lo crítico, de forma consciente o inconsciente encuentran un sentido mediante imágenes, gestos, recurrencias míticas, persuasiones o certezas, metáforas y analogías sobre un evento o hecho determinado del acontecer político.

La noción de cultura política es entendida en este escrito como el universo de fenómenos políticos ceñidos a las representaciones o imágenes caricaturescas, que se entrelazan con las realidades materiales y las realidades

Hay que barrer a los liberales como se barre el polvo de las calles y de las plazas (discurso de los magdalenas en Tunja)… Pero como hay tanto polvo, las barrenderas pueden coger una pulmonía fulminante. Diario El Relator, diciembre 11 de 1930.

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imaginadas de una posición o grupo político, buscando plasmar a través de líneas graficas una temporalidad y realidad existente.

Son las imágenes o caricaturas encontradas en El Relator las que se encargan de mostrarnos esa representación mental que tenían los liberales de los conservadores, además del contexto social, cultural, político y económico evidente en las primeras décadas del siglo XX en Colombia.

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ASPECTOS DA INVASÃO HOLANDESA NO ESTADO DO MARANHÃO PELA CAPITANIA REAL DO CEARÁ (1637-1640)1

Fernando Roque Fernandes2

O início da invasão holandesa no Estado do Maranhão: a Capitania Real do Ceará

Em carta de 25 de agosto de 1637, o Conselho Supremo do Brasil, escrevia

aos diretores da WIC.3 O conteúdo da carta dizia respeito a valiosas informações sobre a Capitania Real do Ceará, seus habitantes e de como seria possível tomar a dita capitania. A descrição iniciava com a notícia de que haviam chegado à Recife dois índios do Ceará e que estes faziam parte de um grupo maior composto por cerca de 40 índios que haviam ficado na capitania do Rio Grande. Esses índios declararam que tinham sido enviados pelo seu Principal, para pedir aos holandeses que empreendessem uma invasão contra o Forte da Barra do Ceará e que, para tal investida, poderiam contar com o auxílio e assistência de todos os índios que habitavam no Ceará e nas suas vizinhanças.4

Ainda de acordo com o conteúdo desta carta, a justificativa dos índios para tal sugestão, baseava-se no fato de que eles queriam expulsar os portugueses e fazer dos holandeses senhores daquela região. Para que os holandeses ficassem mais entusiasmados com a ideia, os índios disseram que no Ceará havia belas salinas que poderiam dar muito sal, bem como, se encontraria

1 Este artigo e parte de minha Dissertação de Mestrado, sob o título: O Teatro da Guerra: índios principais na conquista do Maranhão (1637-1667). Manaus: Ufam, 2015. 2 Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 3 A Companhia das Índias Ocidentais ou WIC (West Indische Compagnie), oficializada por carta-patente de 3 de junho de 1621 foi, conforme observou Mário Martins Meireles, a ferramenta utilizada pelos holandeses para consolidar suas pretensões econômicas. Para este autor, a criação da WIC foi, na verdade, a oficialização das práticas comerciais já desenvolvidas pelos holandeses desde o início do século XVII. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão: 1641 – 1644. São Luís: PPPG, Ed. Universidade Federal do Maranhão, 1991, p. 21. 4 Carta do Conselho Supremo do Brasil aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Cf. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 263-264.

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também, muito âmbar e algodão.5 Ainda que os holandeses estivessem bem dispostos a aceitar o convite dos índios do Ceará, não o poderiam naquela ocasião por não terem o contingente militar necessário para tal empreitada. Passaram então a agraciar os índios com presentes, para que esse pudessem revelar mais informações sobre a região.

Vendo os holandeses que demoraria a reunir uma armada suficiente para a missão, sem prejuízo da defesa de Recife, disseram aos dois índios que voltassem para a capitania do Rio Grande e aguardassem a frota que seria enviada para a conquista do Ceará, o que estes índios de prontidão o fizeram. Porém, vendo esses índios que a frota holandesa demorava, passaram novamente à Recife. Nesta ocasião, levaram consigo a todos os índios e o seu Principal, renovando instantaneamente o mesmo pedido e reafirmando que esta empreitada poderia ser feita com pouca gente e que os lucros que adviriam do âmbar, algodão, tintas e entre outros produtos que poderiam ser adquiridos no Ceará, compensaria as despesas. Como última possibilidade, estes índios sugeriam aos holandeses que se não pudessem expedir tropas para invadir o Ceará, que os provessem de todas as armas de mão, pólvora e chumbo, pois queriam entregar-lhes o Forte da dita capitania. Mas esta última possibilidade, ao que parece, pareceu impraticável aos holandeses.6

Fora por conta desta ocasião, que o Supremo Conselho do Brasil resolveu mandar de Recife, no dia 14 de outubro de 1637, os hiates Brack e Camphaen, com cento e vinte e seis soldados e vinte e cinco índios7 do Ceará, sob o comando do Major Joris Gartsman. Os holandeses deram, então, o primeiro passo para o processo de conquista do Estado do Maranhão.8 Na noite de 25

5 Carta do Conselho Supremo do Brasil aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Cf. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 263-264. 6 Atas ou Registros Diários das Resoluções do Conselho Supremo do Brasil e dos Principais Acontecimentos da Colônia. Este registro contém informações sobre os índios que viajaram do Ceará à Recife, com a diferença de alguns detalhes sobre o mesmo assunto. Cf. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 264. 7 Adotaremos aqui o binômio soldado/índio, apenas para separar o contingente militar composto por nativos e estrangeiros, podendo estes últimos se referir a portugueses ou holandeses. No entanto, é preciso ter em mente que ambos eram força militar e deveriam ser considerados soldados. 8 J. Brigido. Ephemerides do Ceará – 1ª época: da conquista e povoamento do Ceará até sua ocupação pelos holandeses. Revista Trimestral do Instituto do Ceará – Sob a

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de outubro, antes de alcançar a Fortaleza do Ceará, os holandeses teriam se reunido na região do Mucuripe, na capitania do Ceará, com mais trezentos índios que estavam submetidos ao mando do Principal Amaniú.9 De acordo com frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, a guarnição holandesa que invadiu a Fortaleza do Ceará, contava com um total de trezentos e quarenta soldados holandeses e seiscentos índios, distribuídos em duas naus e por terra.10 No dia 28 de outubro deste mesmo ano, após nove horas de investidas que culminariam na morte de oito ou nove soldados portugueses e outros feridos11, os holandeses tomaram o Forte de Nossa Senhora do Amparo que estava guarnecido com apenas trinta e dois soldados comandados pelo tenente português Bartolomeu de Brito.12

O caso que hora verificamos, demonstra o quanto os índios do Estado do Maranhão poderiam desenvolver políticas indígenas articulando-se com as

direção do Barão de Studart. Ano XIV – Tomo XIV; 1º e 2º Trimestres, Fortaleza, 1900, p. 14. 9 Dos principais índios aliados aos holandeses na conquista do Ceará, aquele que mais se destacou, ou pelo menos de que se fez menção nas fontes coloniais, foi o Principal Diogo Algodão, potiguar que comandara muitos outros índios do Ceará e alguns outros que se dirigiram à presença dos holandeses fugindo da opressão portuguesa. Ao que parece, este Principal de nome Amaniú, é o mesmo Principal chamado de Algodão. De acordo com John Hemming, este cacique potiguar chamava-se Algodão, possivelmente porque seu nome, em Tupi, significava algodão. Cf. HEMMING, John. Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros / John Hemming; Tradução de Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 422. 10 PRAZERES, Frei Francisco de Nossa Senhora dos. Poranduba maranhense, ou Relação histórica da província do Maranhão. Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. vol. 54, pt. 1. 1981 p, 54. 11 Há divergência, nas fontes, sobre o número de portugueses mortos neste conflito. 12 De acordo com Meireles, o nome do Forte invadido pelos holandeses seria Forte de São Sebastiao, que posteriormente foi chamado pelos holandeses de Forte de Schonenberg e não Forte de Nossa Senhora do Amparo. Observou também que, de acordo com Gaspar Barlaeus a conquista da Capitania Real do Ceará, pelos holandeses, teria acontecido no dia 20 de outubro e não no dia 28, conforme havia observado J. Brigido. Cf. BARLAEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. p. 233. In MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão: 1641 – 1644. São Luís: PPPG, Ed. Universidade Federal do Maranhão, 1991, p. 76. Cf. também J. Brigido. Ephemerides do Ceará – 1ª época: da conquista e povoamento do Ceará até sua ocupação pelos holandeses. Revista Trimestral do Instituto do Ceará – Sob a direção do Barão de Studart. Ano XIV – Tomo XIV; 1º e 2º Trimestres, Fortaleza, 1900, p. 14.

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duas nações europeias para alcançar objetivos próprios. Esse tipo de iniciativa por parte de alguns índios que desejavam aliar-se aos holandeses, não era algo que deveria ser tomado com surpresa. No relatório enviado aos Estados Gerais, datado de 8 de março de 1637, o Comandante Geral do Exército Holandês, Conde Maurício de Nassau (que havia chegado à Recife no dia 23 de janeiro de 1637) comentava que “os índios vinham diariamente submeter-se em massa, e prometer obediência a Vossos Altos Poderes”.13 Em carta do Tenente holandês Hendrick van Ham, datada de 13 de janeiro de 1642, as informação eram de que o Principal Algodão e os índios sob seu comando guiaram os holandeses até o litoral e os ajudaram a atacar o forte, mas quando este foi tomado “os índios queriam matar a todos [os defensores do Forte], e não foi fácil impedir que o fizessem”.14 Sobre este evento, também confirma o comandante do Forte do Ceará Gedeon Morris que participou da tomada do Ceará, em 1637.15

No dia 11 de novembro de 1637, Gartsman retornou para a cidade de Recife. Ao deixar a capitania do Ceará, levou consigo os portugueses que haviam sido presos na tomada do forte, cinquenta e oito marinheiros, vinte e cinco índios que com ele vieram de Pernambuco e vinte e cinco dos principais índios que passaram ao seu comando no Ceará.16 Nessa ocasião, estes índios aproveitaram para comunicar, ao Conde Maurício de Nassau, as práticas que eram desenvolvidas pelos portugueses no trato com muitos dos índios que

13 Relatório sobre as condições estratégicas holandesas no Brasil – 8 de março de 1637. In GOUVÊA, Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil holandês: correspondências com os Estados Gerais. 2ª ed. – Recife: Ed. Universidade da UFPE, 2006, p. 44. 14 Carta do Tenente van Ham de 13 de janeiro de 1642. RHGB; Tomo 58, Parte 1, 1895, pp. 267. Cf. HEMMING, John. Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros / John Hemming; Tradução de Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 422. 15 Conta Gedeon Morris que os índios, já rendido o Forte, queriam matar a todos os holandeses, tomando-os dos soldados e oficiais, e que foi necessário empregar a força para salvá-los. Carta de Gedeon Morris aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Cf. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 266. 16 Provavelmente esses vinte e cinco índios que viajaram com o Major holandês Joris Gartsman, sejam os mesmos mencionados por Meireles quando faz menção à uma embaixada de índios que havia ido até à presença do Conde de Nassau para se queixar dos portugueses. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão:1641–1644. São Luís: PPPG,Ed. Universidade Federal do Maranhão,1991.p. 76.

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haviam no Estado do Maranhão.17 O Tenente Hendrick van Ham ficou no Ceará, comandando quarenta e cinco soldados holandeses e seiscentos índios que ficaram responsáveis pela defesa do Forte de São Sebastião da Barra. Em 23 de novembro de 1640, chegava ao Forte de São Sebastião o efetivo substituto de Hendrick van Ham, comandante Gedeon Morris de Jonge que passou ao governo do Ceará holandês.18 Índios principais e a politica indigenista holandesa

Em carta de 13 de janeiro de 1638, enviada aos diretores da WIC, Gedeon

Morris dava notícias do êxito da expedição que havia saído de Recife para tomar o Ceará. Sobre os índios que habitavam naquelas paragens, o comandante holandês observou que havia várias aldeias de tupis e tapuias, aos quais, na primeira oportunidade enviaria “faquinhas de ferro, tesourinhas, espelhinhos, corais, etc., para que assim, pudesse obter alguns artigos, âmbar” e a amizade destes.19

Hemming observou que “os mais aterrorizados entre todos os auxiliares indígenas dos holandeses foram os tapuias”.20 Inicialmente, muitos indígenas se aliaram aos holandeses por entender que estes representavam males menores e que eram os únicos capazes de expulsar os portugueses. Já os holandeses estavam decididos a ficarem em paz com os índios, mesmo quando ficaram decepcionados ao perceber a apatia dos nativos em relação à

17 J. Brigido. Ephemerides do Ceará – 1ª época: da conquista e povoamento do Ceará até sua ocupação pelos holandeses. Revista Trimestral do Instituto do Ceará – Sob a direção do Barão de Studart. Ano XIV – Tomo XIV; 1º e 2º Trimestres, Fortaleza, 1900.p. 15. 18 Idem, p. 15. 19 Carta de Gedeon Morris aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Cf. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 267. 20 De acordo com Hemming, “tapuia” era o termo tupi empregado para as tribos que falavam outras línguas. Refere-se às tribos do interior, a maioria delas de fala jê, ou as que foram expulsas para o interior quando os tupis ocuparam a costa atlântica. Cf. HEMMING, John. Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros / John Hemming; Tradução de Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 437.

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civilização holandesa.21 Pelo menos a princípio, as relações desenvolvidas entre holandeses e índios foram intensas e temperadas com diversas alianças estabelecidas com a finalidade de recrutar os índios para o exército batavo. Entretanto, Hemming observou posteriormente que apesar das influências liberais e humanísticas, os holandeses acabariam administrando os índios quase da mesma forma que os antigos senhores deles. “Deixaram-nos em aldeias sujeitos aos seus próprios caciques [principais]22, mas também designaram para cada aldeia um comandante holandês”.23

A importância dada ao contingente indígena existente no Maranhão era uma constante para os holandeses. De acordo com Cardozo, o cronista francês Pierre Moreau, ao escrever sobre os conflitos entre portugueses e holandeses na década de 1640, afirmava que os holandeses, ao tomarem conhecimento dos problemas resultantes do cativeiro indígena, empreendido pelos portugueses, logo perceberam a possibilidade de aumentar o contingente de índios aliados. Os holandeses passaram então a espalhar rapidamente a notícia da proibição de se cativar indígenas, sob pena de morte àqueles holandeses que não obedecessem às ordens de Maurício de Nassau.24

Do ponto de vista comercial, o contingente indígena existente nessas paragens poderia num futuro próximo, tornar-se fundamental para ao desenvolvimento comercial. Conforme observou Cardoso, pelo menos a princípio, o serviço dos índios ganhava um status diferenciado se comparado à escravidão africana.25

Para Mário Neme, antes mesmo da tomada de Pernambuco em 1630, os diretores da WIC já haviam estabelecido que a liberdade dos índios deveria ser respeitada. Havia um Regimento de 1629, que teria sido reafirmado nas Instruções de 1636 em que constava que os índios deveriam ser deixados em liberdade e

21 HEMMING, John. Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros / John Hemming; Tradução de Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 432. 22 Grifo meu. 23 HEMMING, John. Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros / John Hemming; Tradução de Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. p. 425. 24 MOREAU, Pierre & BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses e relação da viagem ao país dos tapuias. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1979, p. 25. In CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. 25 Idem, p. 4.

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que, de modo algum, deveriam ser escravizados.26 De acordo com Neme, Gonsalves de Mello Neto ainda acrescentaria que, por várias vezes, esse reconhecimento sobre a liberdade dos índios haveria de ser reafirmado.27 Em outros momentos, os diretores do Conselho Supremo da Holanda haveriam de se manifestar para reparar os abusos cometidos contra a liberdade dos índios. Abusos estes, cometidos pelas próprias autoridades holandesas na Colônia, ou com a anuência delas. Nesse sentido, é importante perceber que a decretação da liberdade dos índios havia partido das iniciativas dos Diretores da WIC antes dos sucessos em Pernambuco e não das iniciativas tomadas pelo Conde de Nassau, quando da sua chegada ao Brasil em 1637, “como em geral se acredita”.28

Ainda a partir das observações de Mário Neme, haveríamos de considerar que os holandeses criariam duas espécies de aldeamentos: aqueles governados por capitães, em que suas principais atribuições se relacionavam a “animar os índios para o trabalho e dirigi-los na melhoria das plantações e conceder-lhes permissão para trabalhar para senhores de engenho”29, sempre verificando que não fossem vítimas de engano e administrando o pagamento de seus salários, onde também os abusos aconteciam por parte dos próprios capitães e, por outro lado, as aldeias que contavam com o apoio de pastores protestante, estas em menor número. Alguns índios preferiam morar nas aldeias em que havia pastores, “mas muitos não ousavam fazê-lo por medo da retaliação de seus capitães”.30

No entanto, havia ainda uma terceira espécie de aldeia criada pelos próprios índios em que tupis aldeados e tapuias que estavam localizados mais à distância, viviam responsáveis por si. Nestas aldeias, estes índios trabalhavam no provimento da própria subsistência, recebendo das

26 De acordo com Mário Neme, o Regimento de 1629 e as Instruções de 1636, foram publicadas nas “Atas do Sínodo de Pernambuco” na edição espacial de 1915 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Vol. I, p. 748. Ainda não tivemos acesso à esta bibliografia. Cf. NEME, Mário. Fórmulas políticas no Brasil holandês. Coleção: Corpo e alma do Brasil. ed. da Universidade de São Paulo, 1971, p. 180. 27 MELLO NETO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. Coleção: Documentos Brasileiros, editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1947, p. 241. In NEME, Mário. Fórmulas políticas no Brasil holandês. Coleção: Corpo e alma do Brasil. ed. da Universidade de São Paulo, 1971, p. 180. 28 NEME, Mário. Fórmulas políticas no Brasil holandês. Coleção: Corpo e alma do Brasil. ed. da Universidade de São Paulo, 1971, p. 180. 29 Idem, p. 179. 30 Idem, p, 180.

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autoridades holandesas somente alguns objetos, em ocasiões especiais, à título de presentes, para manter os ânimos apaziguados.31 Essas últimas aldeias, ao que parece, eram formadas por índios que eram mais inquietos, como os tapuias, ou que pareciam criar um certo descontentamento com a situação de conflito entre portugueses e holandeses. Neme, assim como Hemming, observava que a situação dos índios administrados pelo Estado holandês não diferenciava muito das condições em que se encontravam, quando outrora administrados pelos portugueses.32

Em carta enviada à Câmara de Zelândia, no dia 7 de abril de 1642, quando se achava ainda em São Luís do Maranhão, Gedeon Morris iniciava uma polêmica discussão sobre o cativeiro indígena. Questionava o Governo holandês sobre se seria permitido comprar e vender os índios, assim como o faziam com os negros, já que os índios eram considerados livres. Ao questionar sobre tal atitude, aproveitava para deixar claro que a seu ver não somente era muito proveitoso à WIC cativar os índios, como também seria tomado como um ato cristão a tolerância deste tal comércio no Estado do Maranhão. As ressalvas de Gedeon Morris eram de que não se abusasse de tal comércio, o qual só deveria ser feito, quando estes cativos tivessem sido resgatados de grupos indígenas que os poderiam devorar. Nesse sentido, o tráfico deveria ser permitido para que houvesse a conservação da vida dos tais índios.33 Ao que parece, esse tipo de prática se assemelha aos resgates empreendidos pelos portugueses durante todo o período colonial.

Os holandeses criariam, ainda, diversas outras estratégias para convencer os índios a se aliarem a eles. O grande desafio, no entanto, seria fazer com que os nativos se convencessem de que havia muitas vantagens à espera daqueles que se aliassem aos holandeses. Mesmo fazendo o possível para manter a paz com os índios, em um futuro não muito distante, ficaria evidente que os índios, não queriam ser governados nem por portugueses, nem por holandeses, senão apenas por seus principais.

31 Idem, p. 181. 32 Idem, p. 178. 33 Carta de Gedeon Morris ao Supremo Conselho da Holanda, sobre o contingente indígena a ser utilizado como mão de obra no Maranhão. J. H. Duarte Pereira. “Relatórios e cartas de Gedeon Morris de Jonge”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 58, Vol. I. Rio de Janeiro, 1895, p. 292.

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As notícias da invasão do Ceará chegam a São Luís do Maranhão As notícias sobre a invasão da capitania do Ceará, ao que parece, só

chegaram à cidade de São Luís após janeiro de 1638. Nesta ocasião, já havia sido empossado no Governo do Estado do Maranhão, Bento Maciel Parente (1638-1641)34 e o ex-Governador interino do Estado e também Provedor-Mor da Fazenda, Jácome Raimundo de Noronha (1636-1638), já não ocupava mais a função de Governador.35 De qualquer forma, ambos parecem não ter se movimentado em direção à retomada da capitania do Ceará.

Há de se considerar, que Jácome Raimundo de Noronha estaria muito mais interessado em resolver os problemas relacionados à sua administração como Governador do Maranhão. Teve, inclusive, que instaurar uma devassa contra alguns moradores de São Luís, que viam como ilegítima a sua posse no dito cargo e planejavam a sua deposição.36 Podemos considerar, ainda, a especial atenção que deu Jácome Raimundo de Noronha, às novas descobertas na região do rio Amazonas37 e o seu intento em proteger as capitanias do Cabo do Norte, Cametá, Gurupá e Grão-Pará, contra as investidas de outras nações europeias (holandeses, franceses e ingleses que tentavam comercializar com os índios nesta região), cuidando, assim, em controlar melhor o fluxo de entradas pelo Rio das Amazonas.38

34 Bento Maciel Parente tomou posse do Governo do Estado do Maranhão no dia 27 de Janeiro de 1638. Cf. MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão, 1870, p. 237. 35 Denominado de “Governador intruso” por Antônio Ladislau Monteiro Baena, Jácome Raimundo de Noronha, Provedor-Mor da Fazenda, foi eleito pela Câmara da Cidade de São Luís do Maranhão para suceder ao falecido Governador, Francisco Coelho de Carvalho (1626-1636). No dia 9 de outubro de 1636, houve a posse de solenidade do Governo do Estado, permitindo-lhe também, exercer a função de Provedor-Mor. Jácome Raimundo de Noronha não teve nomeação Real para tomar posse deste governo. Um dos acontecimentos mais marcantes de seu governo foi a organização da Expedição exploradora comandada por Pedro Teixeira ao Peru, pelo rio Amazonas em 1637. Cf. BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das eras da província do Pará. Pará, Tipografia de Santos, 1838, p. 35. 36 MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão, 1870, p. 236. 37 AHU – Maranhão – 114 [anterior a 1637, agosto, 29, Lisboa] Consulta do Conselho Ultramarino ao rei Filipe III, sobre as cartas enviadas pelo governador do Maranhão, Jácome Raimundo de Noronha, relativas às viagens dos missionários que vieram de Quito pelo rio Amazonas. AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 114. 38 Meireles, Mário Martins. História do Maranhão. São Luís – Maranhão; Fundação Cultural do Maranhão, 1980, p. 93.

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Já o Governador Bento Maciel Parente, ao que parece, esteve mais preocupado em defender sua própria capitania (Cabo do Norte – Atual Amapá)39 e em cumprir as determinações da Corte de Madri, instaurando uma devassa contra Jácome Raimundo de Noronha40, do que responder às invasões holandesas no Ceará com a devida investida militar.

É provável que a indiferença sobre as notícias da invasão holandesa na Capitania Real do Ceará por parte dos representantes da Coroa, no Estado do Maranhão, tenha sido consequência de, pelo menos, três fatores políticos: 1. Apesar de estar subordinada ao Maranhão por direito, a capitania do Ceará parecia estar mais ligada à Pernambuco.41 2. Havia uma ideia por parte dos governantes do Maranhão de que a invasão holandesa nessas regiões seria ainda um problema a ser resolvido pelo Governo do Brasil.42 3. A situação do Ceará era ainda dificultada pelo fato de que esta capitania era tida como fronteira entre o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão. O Ceará, nesse sentido, sofria os problemas inerentes à sua posição limítrofe entre as duas partes da América Portuguesa. Nas palavras de Alírio Cardozo, os “luso-pernambucanos, fossem residentes no Maranhão, fossem administradores no Brasil, não poucas vezes tentavam intervir de alguma forma nos negócios daquela capitania”.43

Para os holandeses, apesar de invadirem a Capitania do Ceará, parece que o principal intento era tomar a cidade de São Luís. As tentativas de tomada

39 O que confirma suas pretensões é o fato de que assim que assumiu o Governo do Maranhão, em 1638, transferiu para a sua donataria quantos soldados pôde, não só de São Luís, como de Belém, conseguindo reunir na donataria do Cabo do Norte, uma guarnição de mais de duzentos soldados. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão: 1641 – 1644. São Luís: PPPG, Ed. Universidade Federal do Maranhão, 1991, p. 76. 40 De acordo com Marques, assim que tomou posse do Governo do Maranhão, seguindo ordens da Corte de Madri, Bento Maciel Parente instaurou uma devassa, para apurar as circunstâncias sobre o procedimento de Jácome Raimundo de Noronha na ascensão ao Governo do Estado. Em 10 de abril de 1638, o ex-governador foi preso e remetido à Corte. Foi, porém, revogada sua sentença em tribunal superior. Cf. MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão, 1870, p. 237. 41 MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão: 1641 – 1644. São Luís: PPPG, Ed. Universidade Federal do Maranhão, 1991. p. 76. 42 Idem, p. 92. 43 CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 3.

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desta cidade pela região norte, também se mostraram factíveis. Em requerimento de Feliciano Coelho de Carvalho, filho de Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho, primeiro Governador e Capitão General do Estado do Maranhão (1626-1636), enviado ao rei Filipe III de Portugal, com registro em 8 de março de 1636, consta que Feliciano Corrêa de Carvalho, assistia e ocupava, ele e os moradores que o acompanhavam, “com grande prevenção”, a donataria de Cametá.44 Observava ainda que, além dos que com ele foram para esta donataria, havia “os índios que trouxera reduzidos de vários sertões e rios, onde estavam rebelados contra os portugueses e confederados com os holandeses”.45

Ao que parece, as alianças desenvolvidas entre holandeses e índios, não se resumiam às regiões do Estado do Brasil. Portanto, para os portugueses, havia ainda a indefinição das fronteiras e a necessidade de se cooptar os índios que se aliavam aos holandeses e outras nações europeias, na região do delta amazônico. A questão dos limites e o estabelecimento de fortes para defesa das fronteiras nessas regiões, também gerava um desgaste para os habitantes do Estado do Maranhão.

Feliciano Coelho de Carvalho descreveu a situação do delta amazônico no que dizia respeito às constantes visitas dos holandeses e as relações que estes desenvolviam com os índios que habitavam essas regiões. Dizia ele que:

...rebelados contra nós [portugueses]46 e confederados com os holandeses e outras nações da Europa, [os índios] nos impediam do contrato e entradas que com eles [os holandeses] tinham e acolhimento que lhes fazia em seus portos e pelo grande rio das Amazonas, por estar esta capitania [Cametá] arrimada a ele e [como]

44 De acordo com Meireles, para compensar Feliciano Coelho de Carvalho da perda da donataria de Gurupi, que como a do Caeté fora dada a Álvaro de Sousa , filho do ex-Governador Geral do Brasil Gaspar de Sousa(1612-1617) pelo rei, Feliciano Coelho de Carvalho houve, do Governador seu pai, por carta de doação de 14 de dezembro de 1633 e que seria confirmada pela Coroa em 26 de outubro de 1637, a Donataria do Cametá, com 40 léguas de extensão. Era esta donataria localizada entre o rio Pará e a primeira boca do Amazonas, do estreito de Cametá até sair no rio Gurupá e pelo ultimo rio acima até Dunaparibá. Tinha por sede, a vila de Santa Cruz do Cametá, depois vila Viçosa de Santa Cruz do Cametá e hoje simplesmente Cametá. Cf. MEIRELES, Mário Martins. Holandeses no Maranhão: 1641 – 1644. São Luís: PPPG, Ed. Universidade Federal do Maranhão, 1991. p. 48-49. 45 AUH – Maranhão – 107 [anterior a 1636, março, 8, Madri] Requerimento de Feliciano Coelho de Carvalho ao rei Filipe III, sobre a doação de terras na capitania do Caeté (Cametá). Anexos vários documentos sobre a divisão das capitanias do Maranhão e Pará. AHU_ACL_CU_009, Cx. 1 D. 107. 46 Grifo meu.

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fronteira que faz costa a todas as castas de gentio mais belicosos e de que mais dano recebemos nas passagens e navegação dos rios...47

Feliciano Coelho de Carvalho cedo percebeu a importância de se estreitar

as alianças com os índios do Maranhão e observava, ao rei Filipe III, a necessidade de se desenvolverem mais entradas para que, com a maior brevidade possível, se pudesse “reduzir os gentios à vassalagem de Vossa Majestade”, o que seria de muita utilidade para fazer descobrimentos e, principalmente, defender estas regiões das investidas de outras nações europeias.48 Por outro lado, não podemos perder de vista que estas entradas, muitas vezes, eram vistas como possibilidade de se arregimentar uma grande quantidade de escravos através dos resgates e guerras justas. Esses excessos cometidos pelos portugueses em relação aos índios, também se tornariam o mote para que muitos se aliassem aos holandeses nas conquistas destes territórios.

Ainda em 1636, antes de se tornar Governador do Estado do Maranhão (1638-1641), Bento Maciel Parente, que havia servido como capitão-mor do Grão-Pará (1621-1626) e que havia lutado contra os holandeses em Pernambuco, em 1630, comunicaria ao rei Filipe III, as fragilidades bélicas do Estado do Maranhão e as precárias condições em que se encontravam a artilharia da capitania do Ceará e da capital São Luís.49 Esclarecia Bento Maciel Parente, que de tão desprevenida que estava essa região, não haveria zelo que suportasse por longo tempo, a falta de recursos. Queixava-se também, Bento Maciel, da falta de artilharia, munições, pólvora e, principalmente, de homens que pudessem combater na guerra contra os holandeses. Sugeria, então, que se não fosse possível que o rei lhe enviasse a artilharia necessária e os ditos soldados, que permitisse ao menos o usufruto dos homens que estavam encarcerados nas fortalezas do Estado.50

Além de observar a necessidade de um contingente militar formado por portugueses, Bento Maciel Parente estava consciente da importância de se

47 AUH – Maranhão – 107 [anterior a 1636, março, 8, Madri] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1 D. 107. 48 AUH – Maranhão – 107 [anterior a 1636, março, 8, Madri] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1 D. 107. 49 PARENTE, Bento Maciel. “Relação das coisas do Maranhão”. Madri, 4 de agosto de 1636. BNRJ, Vol. 26, p, 359. In CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 3. 50 Idem, p. 2.

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arregimentar uma força militar composta por índios da região. O futuro Governador não fechava os olhos ao fato de que era fundamental desenvolver alianças com as lideranças indígenas, pois como observaria o padre jesuíta Luís Figueira, ainda em 1637, só das alianças desenvolvidas com os índios e a ajuda dos missionários, dependia o sucesso na defesa das possessões portuguesas.51

No requerimento enviado por Bento Maciel Parente, datado de 16 de outubro de 1637, e apresentado ao rei Filipe III, o principal assunto se relacionava à conveniência de se fazerem ofertas aos índios Principais, no sentido de se obterem aliados militares. Dizia Bento Maciel Parente, que sempre fora costume darem-se dádivas aos índios Principais em nome do rei e que, por estes índios estarem conscientes de sua importância nesses tempos de conquista do Brasil e do Maranhão, queriam, os ditos índios, as dádivas que era de costume lhes ser prometidas. Solicitava então Bento Maciel, que lhe fossem concedidas as tais dádivas para que, distribuindo-as entre os índios Principais, pudesse “obrigar” os ditos índios a se aliarem com os portugueses e servirem a Vossa Majestade. Impedindo, assim, que se aliassem aos holandeses.52

Ao que parece, as articulações que envolviam o fortalecimento de alianças entre lideranças indígenas e portuguesas, e as concessões feitas aos índios em troca de favores militares, passaram a fazer parte do cotidiano do Estado do Maranhão, antes da expulsão dos holandeses da cidade de São Luís, em 1644. De acordo com Alírio Cardozo, as invasões ao nordeste brasileiro, a partir de 1620, criaram grandes expectativas e temores em relação à uma iminente invasão holandesa na Capital do Maranhão, inclusive levando os principais índios, à compreensão de sua importância no jogo militar que se apresentava.

51 Luís Figueira acreditava ser fundamental a formação de uma força militar indígena, formada pelos aliados dos portugueses. Observaria, no entanto, a única solução para torna-la possível seria a administração dos missionários. Cf. FIGUEIRA, Luis. Memorial sobre as terras e a gente do Maranhão e Grão-Pará e rio das amazonas. 1637. In LEITE, Serafim. Luiz Figueira, sua vida heroica e sua obra literária. Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940, p. 208. In: CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 4. 52 AHU – Maranhão – 116 [anterior a 1637, outubro, 9, Maranhão] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 116.

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Cardozo observou, ainda que, no Maranhão, as diferentes noticias sobre as conquistas holandesas significou a glória para uns e ruina para outros.53

A nosso ver, a principal observação de Cardozo foi considerar que havia uma memória que dizia respeito ao papel militar desempenhado pelos índios na guerra entre portugueses e holandeses. Índios Principais como Antônio Marapirão funcionaram como intermediadores entre os diversos interesses em jogo. Pois, “nas guerras holandesas, os intermediários nativos passaram a ganhar um papel mais relevante”.54

Também é necessário considerar que os rumores sobre uma possível guerra contra os holandeses, poderiam ser interpretados como possibilidade de alcançar prestígio, tanto por parte de alguns índios, como por parte de alguns colonos. Importante observação deve ser feita sobre as tais “dádivas” mencionadas por Bento Maciel Parente que, conforme mencionado no requerimento anterior, não seriam resultado da “graça” alcançada pelos índios Principais do Maranhão sob os olhos do Monarca, e sim uma reivindicação feita pelos próprios principais, como reflexo da consciência do “favor dos índios no tempo da conquista do Brasil e do Maranhão”.55

Para além do reconhecimento desses principais, sugerido por Bento Maciel Parente, ainda se pode perceber que havia, por certo, lado um anseio nas próprias lideranças indígenas, em serem reconhecidas, conforme se observa, quando o requerente deixa escapar, que “em razão dos inimigos do norte nos fazerem guerra naquelas partes... quiseram assim os ditos índios, as ditas dádivas e promessas”.56

É provável que os portugueses, estando conscientes da importância das lideranças indígenas nesse contexto militar que se ampliava cada vez mais, tenham passado a privilegiar esses indivíduos com as benesses a que tinha acesso. Por outro lado, a partir da análise de alguns fragmentos deste requerimento, observamos que não se tratava apenas de uma estratégia que partia dos portugueses. Pode-se dizer que essa e outras solicitações, resultavam muitas vezes dos acordos feitos entre índios Principais e portugueses, para a formação de alianças militares entre índios Principais e a Coroa Ibérica.

53 CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 3. 54 Idem, p. 5. 55 AHU – Maranhão – 116 [anterior a 1637, outubro, 9, Maranhão] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 116. 56 AHU – Maranhão – 116 [anterior a 1637, outubro, 9, Maranhão] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 116.

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Estreitando laços, os portugueses teriam os índios “obrigados pela amizade à conservação que Vossa Majestade ordenara” para o Estado do Maranhão.57

O rei Filipe III, ao que parece, também se preocupou com a situação do Estado do Maranhão. Ainda em 1637, fora enviada para a capital São Luís, a Nau Nossa Senhora da Vitória, com socorros e artilharia para defesa do Maranhão58. Em fevereiro de 1638, fora também enviado para aquele Estado, o navio de Bento Maciel Aranha que, por razões desconhecidas por nós, arribou em direção à Vila de Viana, mais acima de seu destino inicial59. E ainda em dezembro de 1638, o navio Nossa Senhora do Rosário, comandado por Manuel Madeira, futuro capitão-mor do Grão-Pará (1640), também fora enviado para prestar socorro ao Estado do Maranhão. Trazia Manuel Madeira, nesta ocasião, oito soldados com suas armas, oito quintais60 de pólvora, oito quintais de chumbo e seis quintais de outras munições.61

Além dos agentes diretos que influenciavam o jogo militar nesta região (governadores, capitães-mores, missionários e principais), havia também os grupos locais que, no calor das notícias recebidas de outras localidades invadidas pelos holandeses, criavam suas próprias visões sobre a situação em que se encontravam. Alírio Cardozo observou que, para os habitantes do Estado do Maranhão, as notícias sobre as invasões holandesas, que passaram a ganhar projeção a partir de 1630, com a ocupação de Pernambuco pelos holandeses, provocaram uma situação de espanto geral.62

57 AHU – Maranhão – 116 [anterior a 1637, outubro, 9, Maranhão] AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 116. 58 AHU – Maranhão – 120 [anterior a 1638, janeiro, 15, Lisboa] Requerimento de Martim Velho Barreto ao rei Filipe III, em que solicita uma provisão declarando o custo do equipamento de artilharia da nau Nossa Senhora da Vitória, cedida pelo requerente, que foi enviada para socorro e conquista do Maranhão. AHC_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 120. 59 AHU – Maranhão – 121 [1638, fevereiro, 23, Lisboa] Despacho do Conselho da Fazenda ao rei Filipe III, sobre a arribada, va vila de Viana, do navio de Bento Maciel Aranha, que ia para a capitania do Maranhão.AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 121. 60 Um Quintal equivale a quatro Arrobas (Uma arroba = 14,7kg), o que daria cerca de 58kg. 61 AHU – Maranhão – 124 [1638, dezembro, 8, Lisboa] Relação de Vasco Fernandes acerca do socorro que se enviou ao Maranhão pelo navio Nossa Senhora do Rosário, capitaneado por Manuel Madeira. AHU_ACL_CU_009, Cx. 1, D. 124. 62 CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p.1.

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Para os missionários que atuavam no Maranhão à chegada dos holandeses, as expectativas eram grandes. O padre Luís Figueira, que atuou no Maranhão neste período, defendia no ano de 1637, que se os índios faltassem com a defesa das possessões portuguesas, estes haveriam de deixar a terra e que o rei estaria em “grande obrigação” com os diversos grupos indígenas daquele estado, pelos valorosos serviços que realizavam na guerra contra os holandeses.63 Sugeria ainda Luís Figueira que, para que houvesse êxito na Guerra contra os holandeses, os colonos haveriam de depender, além de soldados, munições e armamentos europeus, principalmente de missionários que, através da catequese e da conversão, poderiam “domesticar” os gentios e convencê-los a lutar pela defesa das possessões portuguesas.64

É necessário ressaltar a importância com que Figueira via o trabalho missionário, a ponto de considerar o processo de missionação dos índios algo fundamental para defender os interesses do Império Ibérico. Sem desmerecer o poderio bélico europeu, Figueira acreditava que somente com dois elementos fundamentais se poderiam vencer esta guerra: os missionários e os índios submetidos à fé cristã. Ao analisar as cartas e as relações desses religiosos, Cardozo observou que, “a maior força bélica presente na Amazônia era formada pelos nativos e os verdadeiros generais desse exército eram os missionários, a quem confiavam suas almas”.65

Os diversos grupos componentes do cotidiano do Estado do Maranhão passaram por uma difícil situação ao serem obrigados a conviver durante anos com as notícias de uma possível invasão holandesa na capital. Mas conforme outra observação de Cardozo, “moradores, religiosos e grupos indígenas procuraram reverter o clima de pânico em benefício próprio”.66 Entre articular-se e desesperar-se, a melhor maneira de lidar com essa questão, seria encontrar espaços que possibilitariam maior inserção política àqueles que se aventurassem na dinâmica dos conflitos iminentes. Com as lideranças indígenas, isso não foi diferente.

63 FIGUEIRA, Luís. Memorial sobre a gente e as terras do Maranhão e Grão-Pará e rio das Amazonas. 1637. In LEITE, Serafim. Luís Figueira, sua vida heroica e sua obra literária. Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940, p.208. Cf. CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 4. 64 Idem, p. 4. 65 CARDOZO, Alírio. Notícias do Norte: primeiros relatos da presença holandesa na Amazônia brasileira (século XVII). Nuevo Mundo Mundos Nuevos [Em ligne], Débats, mis em ligne le 07 novembre 2008, consulte le 28 novembre 2014. p. 5. 66 Idem, p. 5.

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De acordo com Rafael Chambouleyron, em carta enviada ao rei de Portugal, D. João IV, no início dos anos de 1640, um índio denominado apenas de “Principal do Grão-Pará”, denunciava as atrocidades cometidas pelos principais colonos da capitania do Grão-Pará. Dizia ele que os excessos eram cometidos tanto sobre os moradores portugueses mais humildes, quanto sobre os índios que ali habitavam e que desamparados estavam da lei. Acusa ainda este principal, ao governador Bento Maciel Parente, dizendo que, apesar de falar em público sobre a necessidade de se manterem livres os índios do Maranhão, por traz dos panos enviava seu sobrinho João Velho do Vale a cativar os índios na região do rio Amazonas. Além disso, fazia escravos índios que não o eram. Denunciava ainda, o principal, que de toda a diversidade de nações amigas dos portugueses que outrora havia, não restava mais que um décimo delas. Sua solicitação, por fim, era para que D. João IV mandasse restituir a liberdade destes índios e que proibisse os resgates e que não permitisse que estes fossem consumidos com os excessivos trabalhos impostos pelos portugueses.67

As notícias sobre o êxito das conquistas holandesas que chegavam ao Estado do Maranhão provocaram diversas manifestações na população deste lugar. No caso dos índios do Maranhão, essas notícias também lhes permitiam colocar em evidência alguns temas caros aos governantes deste Estado e, por outro lado, fundamentais à questão indígena. Ao que parece, os principais passaram a perceber a importância de seus iguais no jogo militar que se apresentava e desenvolveram relações políticas com a nação que melhor se lhes apresentava. Provavelmente, para esta nova realidade, um dos grandes obstáculos à portugueses e holandeses seria convencer os ditos índios de que esta guerra também lhes proporcionaria grandes vantagens.

67 Carta do Principal do Grão-Pará. C. 1640. Arquivo Histórico Ultramarino [AHU], Pará (Avulsos), caixa 1, doc. 46. In CHAMBOULEYRON, Rafael. O “estrondo das armas”: violência, guerra e trabalho indígena na Amazônia (séculos XVII e XVIII). Revista Projeto História, São Paulo, nº 39 , pp. 115-137, jul/dez. 2009, p. 116.

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O MANTO DOS SARNEY EM CAXIAS: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE ROSEANA SARNEY EM MEIO AOS EMBATES

POLÍTICOS LOCAIS EM MEADOS DOS ANOS 90

Francisco das Chagas da Cruz Pereira1

Resumo As considerações abaixo são frutos dos meus primeiros contatos com as fontes que pretendo utilizar para a produção da dissertação de Mestrado em História Social pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e através delas analisar as disputas políticas e suas representações na cidade de Caxias-MA, por meios dos discursos políticos repassados pela mídia local e as maneiras de como os grupos políticos locais se apropriaram e utilizaram a imagem da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, em meados da década de noventa. Desde a década de setenta, José Sarney, pai biológico de Roseana, tecia uma rede de influência política na cidade através de relações políticas com prefeitos, senadores e deputados caxienses. Na década de noventa, essa influência é reforçada através das representações e apropriações da imagem de Roseana Sarney. Palavras-chaves: Caxias. Roseana Sarney. Representações.

É sabido que a historiografia ocidental do século XIX e das primeiras

décadas do século XX foi marcada por uma historiografia essencialmente política, onde um fato importante do governo era imediatamente posto na história, enquanto que atos cotidianos da maioria das pessoas eram postos de lado. As grandes figuras políticas, seus atos e feitos deveriam ser registrados nos anais históricos para a memória de grandeza do Estado. Conveniou-se chamar este tipo de história de positivista. Entretanto, a primeira geração da Escola Annales, iniciada no final da década de 20 com Marc Bloch e Lucien Febvre, rompeu com esse modelo de história. A partir do rompimento da Escola dos Annales com a história positivista, o estudo sobre política ficou por um tempo visto com desconfiança. Essa temática foi colocada em segundo plano. A história positivista era essencialmente política e relacionada ao Estado. Neste período, os documentos, as fontes a serem utilizadas pelos

1 Mestrando em História Social pela Universidade Federal do Maranhão.

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historiadores deveriam ser oficiais e certificadas pelo governo, o que os primeiros Annales questionavam.

A partir dos anos 80 do século XX, com a Nova História abriram-se várias possibilidades de análises teóricas e metodológicas para abordar um objeto de estudo na área de história. Com a renovação das abordagens no campo historiográfico, o estudo do político retoma sua importância, sendo possíveis de ser abordado dentro das novas noções de fontes, abordagens e campos. Assim os jornais, as revistas, as cartas e outras infinidades de materiais passaram a ser visto como fontes, desligando-se exclusivamente das fontes oficiais do governo ou instituições.

Muitos historiadores passaram a escrever sobre a política de forma não mais ligada exclusivamente ao estado, mas às categorias sociais, às disputas de gênero, raças e ideologias. Muitos passaram a defender uma história vista de baixo querendo dar voz a sujeitos da história que foram excluídos durante muito tempo pela historiografia. Neste sentido aparece na escrita historiográfica a história das mulheres, de gênero, dos negros, da homossexualidade, entre outras. A chamada Nova História Política passou a interessar-se pela política através do enfoque do poder. Entretanto, como diz José D’Assunção Barros2 (2010, p. 107):

[...] aqueles antigos enfoques da História política tradicional que, apesar de terem sido rejeitados pela historiografia mais moderna de a partir dos anos 1930, com as últimas décadas do século XX começaram a tornar com um novo sentido. A guerra, a diplomacia, as instituições, ou até mesmo a trajetória política dos indivíduos que ocuparam lugares privilegiados na organização do poder – tudo isto começa a retornar a partir do final do século com um novo interesse.

Com isso, emergem nas universidades trabalhos voltados para o campo

político enfocando os ditames do poder em suas diferentes instâncias, mas também surgiram trabalhos como: biografias, disputas políticas partidárias, enfocando a análise do discurso, a representação, etc.

Com a interdisciplinaridade a história abarcou métodos de outros saberes para melhor trabalhar seu objeto de estudo. No que diz respeito ao poder, muitos historiadores se apropriaram de conceitos e métodos de outras disciplinas. A exemplo do poder simbólico de Pierre Bourdieu. O poder simbólico segundo Bourdieu3 (2011, p.08) é “um poder invisível o qual só

2 BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 3 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 15 ed. Tradução Fernando Thomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

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pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Além disso, este poder oferece um sentido imediato ao mundo, pois quer dar “uma concepção homogénea do tempo, do espaço, do número, da causa que torna possível a concordância das inteligências”. (BOURDIEU, 2011, p. 9). Neste sentido, quem tem este poder como explica Sandra Jathay Pesavento4 (2003, p.41) tem “o poder de dizer e fazer crer sobre o mundo, tem o controle da vida social e expressa a supremacia conquistada em uma relação histórica de forças”. René Rémond5 contribuiu para pensar novamente a história política, mas sob outra forma de abordagem, afirmando que “a história política experimenta uma espantosa volta da fortuna, cuja importância os historiadores nem sempre têm percebido”. Este novo olhar sobre a história política oferece traz conceitos como cultura política, entendidas sob a longa duração, sobre as eleições, sobre os partidos, etc.

Esta ótica avançaremos nos estudos para apreender como em Caxias na década de noventa os agentes políticos pretendiam fazer crer que suas propostas eram as melhores e que sua visão de mundo deviam ser dominante, homogênea. Também é possível verificar como os discursos e as práticas exercidas por esses agentes políticos partidários em Caxias foram tecendo a imagem de Roseana Sarney na cidade. As práticas dos agentes políticos não são vazias, mas dotadas de sentido a fim de ganhar a confiança do eleitorado e impor sua visão de mundo, de desenvolvimento e de progresso. Conquistando o maior número de adeptos, repassando a suas maneiras de ver e compreender o mundo a um número maior de eleitores tem-se a pretensão de alcançar seus objetivos, o de exercer o cargo político desejado. Para compreender melhor as lutas políticas caxienses procuramos nos apropriar de Bourdieu a noção de campo político entendido “ao mesmo tempo como campo de forças e como campo de lutas que tem em vista transformar a relação de forças que confere a este campo a sua estrutura em um dado momento”. (BOURDIEU, 2011, p. 164/5).

Para analisar profundamente os discursos políticos em Caxias através dos jornais é preciso conhecer os interesses de cada jornal e principalmente o lócus de quem o escreve. Assim fez-se necessário utilizar-se do conceito de

4 PESAVENTO, Sandra Jathay. História e história cultural. 2 ed. belo Horizonte: Autêntica, 2003. 5 RÉMOND, RENÉ. Por uma história política. 2 ed. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

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lugar social de Michel de Certeau6. Para ele, “é em função do lugar que se instauram os métodos, que se delineia a topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam” (2006, p. 67). O lugar social dos cronistas, jornalistas, do dono do jornal, sua rede de parentesco ou relações de interesses com os políticos caxienses muitas das vezes influenciaram as notícias que circulavam nos meios de comunicação.

Este ensaio é referente as primeiras impressões de minhas pesquisas de mestrado em História Social da Universidade Federal do Maranhão, onde estudaremos um período da história política da cidade de Caxias no estado do Maranhão através dos discursos políticos deixados nos jornais que circularam em Caxias nos anos noventa. A análise das linguagens midiáticas não é inédita em trabalhos historiográficos. Em Sob o Signo da Morte: de Victorino a Sarney, Wagner Cabral7 analisa os desdobramentos que levaram ao fim da era de Victorino Freire no Maranhão e a entrada em cena de José Sarney no cargo de Governador do Estado embasado na ótica dos discursos proferidos pela mídia e pela propaganda utilizada pelo grupo oposicionista a Vitorino Freire, usando os meios de comunicações do período. Em seu trabalho, existe o recurso a uma empiria hemerográfica na tessitura de sua escrita. Wagner Cabral mostra como as divulgações nos jornais, rádio e cinema foram tecendo a figura pública de José Sarney a partir da situação político-social do período.

Os meios de comunicação são instrumentos de grande alcance social e formador em maioria das vezes da opinião pública. Os políticos têm utilizado desses meios para divulgar suas ideias políticas, suas ações ou para atacar seus adversários. Em Caxias, muitos donos de jornais da segunda metade do século XX, tinham algum vínculo com pessoas que eram ligadas diretamente à política local. Os dirigentes dos jornais O Pioneiro, Jornal da Cidade, Jornal A Verdade, Jornal O Potó, Folha de Caxias que circulavam na cidade na década de 1990 mantinham relações com partidos políticos e as vezes ingressavam diretamente nas disputas políticas locais. Além de “informar” a população sobre acontecimentos locais e regionais, estes jornais repassavam as suas preferências políticas, às vezes de forma explícita outras vezes sutilmente. Existe uma imensa variedade de jornais e revistas que podemos classificar como de natureza política na cidade de Caxias e muitos deles estão arquivados no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC) e que são

6 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução Maria de Lourdes Meneses. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. 7 COSTA, Wagner Cabral. Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Vitorino a Sarney. São Luís: Edufma, 2006.

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fontes de grande importância para muitos pesquisadores que se interessam pela história da cidade, sobretudo na temática política.

Para compreender as disputas políticas em Caxias na década de noventa precisamos olhar a conjuntura política local no final da década antecedente. Francisco das Chagas da Cruz Pereira8 em “Eleições de oitenta e oito em Caxias: o impacto do voto do X sob a liderança de Paulo Marinho” ressalta o papel emergente desse novo agente político local como elementar no desenrolar da política caxiense a partir de 1990, uma vez que o mesmo se consolida como um líder político em nível local. Paulo Marinho entra na política caxiense no grupo da oposição em meados da década de 1980. Era advogado, exercia o cargo de Delegado Regional do Trabalho, tivera relações diretas com a Família Sarney e o período em que ele ingressa na política caxiense, José Sarney torna-se presidente da República. Filiou-se ao PMDB, habilitando-se para concorrer nas eleições. Trazia um discurso político atrelado ao ideal de “mudança”, do “novo” em oposição ao “velho” e associando o sentido de “novo” ao “progresso”, “desenvolvimento”, “capacidade política” enquanto ao “velho” representava o “atraso”, a “oligarquia”, as pessoas que estavam no poder municipal. Usando sua própria imagem de um jovem de 33 anos e contrastando com os líderes políticos da época, com pouco mais idade, a “simplicidade” que mostrava-se em público e a “ousadia” de contestar líderes políticos que há muito tempo permaneciam nas disputas políticas locais, deram-lhe grande visibilidade frente aos eleitores caxienses. O discurso sobre o “novo” não foi obra exclusiva na política caxiense. Percebe-se uma recorrência a palavra “novo” associada à ruptura política de um grupo, que geralmente se manteve no poder por alguns anos e o novo associado ao progresso. Em 1966, na campanha política de José Sarney ao governo do Maranhão, “ouve-se, o anúncio do Maranhão Novo9” como símbolo de ruptura de uma “política oligárquica”, de um grupo político que por muito tempo estava no poder, e ao mesmo tempo atribui-se a expectativa de progresso e de desenvolvimento através do novo governo. No governo de Roseana, utiliza-se o termo “Novo Tempo”, associando-se a diferença entre seu governo e os anteriores.

O discurso de Paulo Marinho atrelada às circunstancias sociais e econômicas da cidade fez com que o mesmo conquistasse uma grande

8 PEREIRA, Francisco das Chagas da Cruz Pereira. Eleições de oitenta e oito em Caxias: o impacto do voto do X sob a liderança de Paulo Marinho. Caxias-MA: 2013. (Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia do CESC/UEMA), 2013. 9 COSTA (2006, p. 193).

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proporção de adeptos. As informações sobre a criminalidade divulgadas frequentemente nos jornais a partir da década de oitenta e a migração de pessoas do campo para a cidade, onde as mesmas não possuíam moradias foi dando uma nova dinamicidade à cidade e contribuindo para novas opiniões políticas. Essas necessidades até então quase “invisível” ganha visibilidade e torna-se parte do discurso político de Paulo Marinho e do grupo que ele se insere. Dando uma mediação política a essas necessidades, culpando seus opositores pelos novos problemas da cidade, atrai para si eleitores e se consolida como uma liderança política no início da década de 1990.

As lutas políticas partidárias caxienses não está isolada do contexto estadual. Paulo Marinho se opunha a um grupo que há 20 anos não se afastava do cenário político da cidade. As raízes e firmação desse grupo no poder advinha de uma estrutura que se instava no Maranhão a partir da 1966, quando José Sarney era governador do estado. Os líderes políticos Aluízio Lobo e Alexandre Costa formavam a base política de Sarney em Caxias e região, e firmavam sua liderança através de prefeitos aliados que se elegiam na cidade o que na maioria das vezes ocorria. Segundo Bruno Leonardo Ribeiro10 (2010, p. 23):

Uma vez que ele [Aluízio Lobo] conseguiu ser eleito com certa facilidade, e ao assumir a prefeitura teve na figura de José Sarney, então governador, e de Alexandre Costa, eleito o deputado federal mais votado no estado naquela eleição, os aliados que dariam respaldo (apoio) a ele, não apenas ao seu primeiro governo em si, mas durante os anos subsequentes, quando ele estaria sempre no centro das principais decisões da política caxiense. Estava formada a aliança que durante o final dos anos 60 e nas décadas de 70 e 80 tornar-se-ia sinônimo de poder no ambiente político local.

Paulo Marinho não pronuncia seu discurso de mudança e do novo para o

cenário estadual. Em sua candidatura a deputado estadual e federal em 1986 e em 1990 focaliza seu discurso apenas sobre a cidade de Caxias e sobre “os velhos” da política caxiense. A postura de José Sarney em relação aos grupos políticos de Caxias é notada nos jornais pela “aparente” imparcialidade na disputa local. A não há pronunciamentos literal de Sarney em favor desses grupos. Existe uma apropriação desses grupos da imagem política de Sarney e de sua família, como forma de distinção política. Quanto mais próximo da

10 RIBEIRO, Bruno Leonardo. A proeminência da oligarquia Sarney: análise da conjuntura política eleitoral em Caxias nas décadas de 70 a 90. Caxias-MA: 2010. (Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia do CESC-UEMA), 2010.

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família Sarney, mais divulgação nos jornais, chegando a ser um campo de disputas entre oposição e situação para transparecer um “monopólio” nas relações com esta família.

Durante a década de noventa, quando Roseana Sarney se insere diretamente na política, a imagem da mesma é apropriada por estes grupos e utilizada segundo os interesses em jogo. Essa apropriação era perceptível sobretudo através da mídia local. Segundo Maria de Fatima Costa Gonçalves11 (2006, p. 114) Roseana Sarney emerge na política no cenário maranhense associada sempre ao nome do pai, fazendo em algumas vezes uma imitação do mesmo. Afirma ela que:

Em relação ao rito inicial da campanha política para o governo do estado do maranhão, em 1994, Roseana Sarney Murad aciona a relação genética e emocional, por isso mesmo imersa na ordem simbólica com o pai biológico e político, social e político, ao definir o marco inicial de sua campanha: quer iniciar onde José Sarney iniciou.

A campanha de Roseana Sarney para o governo do estado inicia-se em 1°

de junho de 1994 na cidade de Caxias, sendo apoiada pelas lideranças locais, algumas delas já citadas como o senador Alexandre Costa e Paulo Marinho, sendo noticiado nos jornais da cidade e de todo o estado. Assim, mediante este contexto de a candidata iniciar sua campanha política em Caxias, seguindo os passos do pai, José Sarney, podemos fazer as seguintes indagações:

- Qual o contexto político vivenciado em Caxias na última década do século XX?

-Como se caracterizavam os embates políticos em Caxias nos anos noventa?

-Quais os discursos ecoados pelos meios de comunicação sociais sobre a mulher e política Roseana Sarney em Caxias?

-Que grupos políticos controlavam a cidade naquela década e que ligações tinham com Roseana Sarney?

-Qual o lugar social dos cronistas e jornalistas das matérias referentes aos debates e notícias políticas?

- Quem controlava os meios de comunicação social como rádios, jornais em Caxias?

11 GONÇALVES, Maria de Fátima da Costa. A invenção de uma rainha da espada: reatualizacões e embaraços na dinâmica política do Maranhão Dinástico. São Luís-MA. 2006. (Tese de doutorado em Políticas Públicas apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade federal do Maranhão).

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-Que estilo de imprensa se caracterizava a imprensa caxiense nos anos noventa?

- Que discursos imperavam em torno da Família Sarney na mídia caxiense? - Como se comportavam as lideranças políticas locais frente os embates

políticos e à candidata e então governadora Roseana Sarney? - Veiculavam nos jornais discursos de oposição ao grupo de José Sarney na

cidade? A pesquisa em andamento buscará respostas para estas e outras perguntas.

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ACERCA DA HISTÓRIA/MEMÓRIA (E MESMO DA HISTÓRIA PÚBLICA) SOBRE BATISTA CAMPOS, PROPORCIONADA PELAS

MÍDIAS CONTEMPORÂNEAS1

João Nei Eduardo da Silva2

Resumo

Um sujeito muito explorado em suas representações na história local? Ao contrário de algumas outras personalidades da história paraense, não foi esse um aspecto específico destacável na trajetória do cônego Batista Campos (1782-1834). Já que ao longo da história/memória paraense, por mais que houvesse destaque de suas atuações políticas no Pará das primeiras décadas do século XIX, ocorreram muitas disputas envolvendo uma assunção mais positiva ou negativa de sua memória, inclusive obliterando-a parcialmente. E na contemporaneidade, produções midiáticas (imprensa, livros de divulgação histórica, filme, jogo educativo, blogs e site da internet) e mesmo de cunho artístico-literário (uma peça teatral, romances históricos), ressaltam um apelo pela sua valorização histórica ligada a específicos momentos nem tanto de sua vida pessoal, contudo de uma espécie de redescoberta de processos históricos considerados importantes na história paraense, como a independência e a Cabanagem. Ou uma valorização identitária, assim como política, de certos locais onde se deram alguns fatos da sua trajetória de vida, de morte e mesmo post-mortem. Portanto, tudo isso se constitui numa dimensão histórica que também se relaciona ao que vem sendo denominado de “história pública”.

Palavras-chave: Batista Campos; História/memória; História pública

Um sujeito muito explorado em suas representações na história paraense?

Ao contrário de algumas outras personalidades da história local, não foi bem isso um aspecto específico destacável na trajetória do cônego e arcipreste Batista Campos. Já que na história/memória paraense, por mais que houvesse destaque de suas atuações políticas no Pará do século XIX, ocorreram muitas

1 Este texto é uma versão modificada de um trabalho apresentado como comunicação no Simpósio Temático Arte, Mídias e Representações Sociais, no VIII Encontro Regional de História da ANPUH/PA, Sociabilidades e Diversidades na Amazônia. Belém, UFPa, 2012. 2 Mestrando do PPHIST/UFPa. SEMEC/SEDUC

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disputas envolvendo uma assunção mais positiva ou negativa de sua memória, inclusive obliterando-a parcialmente3.

Nesse sentido, este trabalho, uma modesta contribuição, visa apresentar uma percepção do cônego relacionada a como ele foi destacado nas diversas mídias. Assim, temos nas produções midiáticas contemporâneas que visualizamos um notável apelo pela sua valorização histórica ligada a momentos específicos, como a redescoberta de processos históricos considerados importantes na história paraense: a iinnddeeppeennddêênncciiaa bbrraassiilleeiirraa nnoo PPaarráá ee

aa CCaabbaannaaggeemm. São recursos midiáticos como a imprensa, livros, um filme, uma peça teatral, um jogo educativo obtido na internet, site e blogs da internet4.

Uma das mídias escolhidas em nossa análise foi a imprensa, mais especificamente o encarte PPeerrssoonnaalliiddaaddeess HHiissttóórriiccaass nnoo PPaarráá, “João Batista Gonçalves Campos”, do jornal Diário do Pará, em 2010. Nele, o cônego

3 Para uma consideração mais apurada disso, ver SILVA, João Nei Eduardo da. “O Sol que Ilumina a História da Cabanagem”. A Construção das Memórias de Batista Campos na Historiografia da Cabanagem. Monografia de Graduação. Belém: Departamento de História/CFCH/UFPa, 1999; Idem. In: BEZERRA NETO, José Maia; e GUZMÁN, Décio de Alencar (Orgs,) Terra Matura: Historiografia e História Social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002, pp. 139-149; Idem. “Entre a biografia e as fábulas da memória. Comentários sobre como se deram algumas construções ‘biográficas’ do cônego Batista Campos”. Comunicação apresentada no VII Encontro Regional de História - ENSINO DE HISTÓRIA: saberes, práticas, debates e pluralidades na Amazônia, realizado pelo Núcleo Regional Pará da Associação Nacional de História (ANPUH), 2010 [Texto mimeografado]; RICCI: Magda Maria de Oliveira. “Do sentido aos significados da Cabanagem: percursos historiográficos”. In: Anais do Arquivo Público do Pará. Belém: Secretaria de Cultura/Arquivo Público do Estado do Pará, 2001, v.4, t.1, pp. 241-274. 4 Seguindo uma perspectiva de abordagem pautada no uso de mídias, este trabalho se orienta a partir das seguintes obras que discutem o uso e/ou percepção de recursos midiáticos nas abordagens históricas em particular, assim como nos estudos sociais e culturais de modo mais geral: BURKE, Peter e BRIGGS, Asa. Uma História Social da Mídia. De Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004; BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004; VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário na História: fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade Média até o século XX. São Paulo: Ática, 1997; DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras: 1990; FIGUEIREDO, Ana Maria Camargo. “Literatura na televisão: história, memória e biografia”. In: Comunicação & Educação. Ano X. Número 2, maio/ago 2005; GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; Idem. A Guerra das Imagens: de Cristóvão Colombo a Blade Runner (1492-2019). São Paulo: Companhia das Letras, 2006; GINZBURG, Carlo. Medo, Reverência, Terror: Quatro ensaios de iconografia política. São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

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Batista Campos foi apresentado como uma das personalidades de destaque na nossa história. Com entrevistas aos historiadores Aldrin Figueiredo, Magda Ricci e João Nei, o encarte também menciona alguns traços biográficos importantes a seu respeito. E enfatiza ainda uma certa tentativa de valorização de sua memória na inauguração da praça Batista Campos, uma das mais arborizadas e belas, no centro de Belém, no início do século XX; de uma escola estadual no bairro da Cabanagem, no final do século XX; e até de um jogo interativo da internet sobre a Cabanagem que o destaca5.

Ao falar do jogo interativo da internet, este recurso midiático é um jogo interativo educacional sobre a revolta da Cabanagem, ocorrida em meados dos anos 30 do século XIX. E pode ser baixado do site Portal do Professor, do Ministério da Educação (MEC), como recurso pedagógico e lúdico a ser usado pelos educadores nas escolas. Portanto, mais um recurso disponível aos professores e aos alunos no aprendizado de acontecimentos da nossa história6.

5 “Personalidades Históricas no Pará. João Batista Gonçalves Campos”. Encarte do jornal Diário do Pará. Edição 9675. Belém, 30/09/2010 (http://bancadigital.com.br/diariodopara/reader2/Default.aspx.). Ainda nesse encarte, ele apresenta em sua capa um retrato do cônego, procurando com isso enfatizar uma apresentação do “rosto” de Batista Campos. Contudo, o retrato nele apresentado é na verdade o do seu sobrinho homônimo, conhecido na história brasileira como o Visconde de Jari. Nesse sentido, e como não existe até o momento um retrato conhecido sobre o cônego Batista Campos, embora existam os retratos dos bispos D. Romualdo Coelho e D. Romualdo de Seixas, fica evidente a dificuldade de se apresentar um “rosto real”, ou mais próximo disso, do cônego. Sobre a perspectiva de construção de “rostos” de vultos pátrios paraenses, verificando aí uma grande dose de complexidade, ver FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Panteão da História, Oratório da Nação: o simbolismo religioso na construção dos vultos pátrios da Amazônia”. In: NEVES, Ferando Arthur de Freitas; e LIMA, Maria Roseane Pinto (Orgs.) Faces da História da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2006, pp. 545-570. 6 “Jogo Eletrônico Lúdico Educacional de Estratégia a Revolta da Cabanagem”, que poder ser encontrado no Portal do Professor do MEC/Governo Federal: (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscaGeral.html?busca=jogo+eletr%C3%B4nico+ludico+educacional+de+estrat%C3%A9gia+a+revolta+da+cabanagem&x=33&y=10), acessado em 22/09/2012, 23: 47h; como também em Laboratório de Realidade Virtual - LARV/UFPA (http://www.larv.ufpa.br/?r=jogo_cabanagem), acessado em 13/09/2014, 02:41h Assim como para mais informações a respeito desse jogo educativo, ver “Personalidades Históricas no Pará. João Batista Gonçalves Campos”, doc.cit.; DAMASCENO, Ricardo Rodrigues. Concepção do jogo educativo “A Revolta da Cabanagem”: enredo, cenário, interfaces, jogabilidade e áudio. Dissertação de Mestrado. Belém: UFPa/Instituto de Tecnologia/Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica,

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Também temos alguns livros recentes que enfatizam esse destaque contemporâneo ao cônego. Logo, o livro Cabanos – A História, de Marcos Reis (REIS: 2011); Pródromos da Cabanagem, de Flávio Moreira (MOREIRA: 2012), e Revolução Cabana e Construção da Identidade Amazônica, de Denise Simões Rodrigues (RODRIGUES: 2009), mostram uma percepção de relevância de Batista Campos para os acontecimentos ligados ao movimento cabano de meados dos anos 30 do século XIX. Seja a laudatória como homenagem ao grande líder político do Pará do século XIX, recebendo reconhecimento por parte do povo do interior do estado paraense, como ocorrido entre os moradores de Barcarena, segundo foi apontado por Marcos Reis; seja uma abordagem mais crítica, com recurso a fontes de arquivos do Rio de Janeiro e do Arquivo Público do Pará (APEP), trazendo colocações polêmicas sobre Batista Campos, de acordo com Flávio Moreira. Ou ainda a análise acadêmica e sociológica do movimento cabano, procurando situá-lo num contexto de “construção identitária amazônida”, como assim o caracterizou Denise Simões Rodrigues7.

Uma outra produção midiática que relacionamos, segundo a lógica deste trabalho, foi o O Cônego (2007), produzido em Barcarena (PA), lugar onde Batista Campos morreu e foi sepultado. O subtítulo desta interessante peça cinematográfica, Senderos da Cabanagem, enfatiza a ideia desta obra em nos apresentar os bastidores da ação do cônego de preparação intelectual e moral junto aos ribeirinhos e demais habitantes do interior paraense para o movimento cabano de 18358.

Outras opções de cunho artístico-literário, como assim denominamos, apresentam Batista Campos como destaque. A peça teatral Batista, exibida em maio de 2012, com variadas sessões, procurou mostrar, numa dramaturgia fortemente monóloga, um Batista Campos em conflito com suas crenças, convicções e opiniões. Mas determinado em se doar nas causas que o

2009 [http://www.larv.ufpa.br/downloads/academicos/dissertacao_ricardo.pdf (acessado em 23/08/2014, 00:23h)]. 7 REIS, Marcos. Cabanos – A História. São Paulo: Maguen, 2011; MOREIRA, Flávio. Pródromos da Cabanagem. Belém: Paka-Tatu, 2012; RODRIGUES, Denise Simões. Revolução Cabana e Construção da Identidade Amazônica. Belém: EDUEPA, 2009. 8 “O CÔNEGO – Senderos da Cabanagem”. Longa/ficção/110min/Barcarena/2007 [Lux Amazônia Produções Cinematográficas]. É interessante notar-se que este filme foi produzido em Barcarena, lugar onde o cônego faleceu e foi sepultado, no final de 1834. Mais adiante será enfocada por outros recursos midiáticos uma certa construção identitária que relaciona Batista Campos e esta cidade do interior paraense. A respeito deste filme, e da peça teatral “BATISTA”, é recomendável observar o que será comentado na nota seguinte.

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revelavam junto à população mais humilde, opondo-se às tiranias e despotismos de sua época9.

Os romances de Márcio Souza, Lealdade e Desordem, lançados respectivamente em 1997 e 2001 (SOUZA: 1997; 2001), revelaram os sujeitos que escreveram uma espécie de pseudo romances através dos quais nos apresentaram um Batista Campos grandiloquente, elevado a condição de grande personalidade dos eventos que se desenrolaram no Grão-Pará do final do século XVIII ao início do XIX. Através da pena de Pedro Veriano Barata e Anne-Marie Presle de Senna, o escritor contemporâneo Márcio Souza nos demonstrou aspectos mais pessoais da vida do cônego, individualizado em seus dramas e contradições, mas integralizado pelos elevados ideais de liberdade que acalentou10.

9 “BATISTA”. Peça teatral produzida por Carlos Correia Santos. Belém, 2012. Assim como Diário Online/Notícias Cultura - Peça mostra a trajetória de Batista Campos. Quinta-Feira, 10/05/2012, 03:15:47 - Atualizado em 10/05/2012, 03:21:26 (http://www.diarioonline.com.br/noticia-200423-peca-mostra-a-trajetoria-de-batista-campos.html), acessado em 11/05/2012, 00:10h. Percebo aqui, como no filme “O CÔNEGO”, uma grande possibilidade de aplicar-se as considerações de Roland Barthes sobre os biografemas. Afinal, os aspectos performáticos demonstrados pelas dramatizações e apresentações cênicas, mais vívidas e dinâmicas, por serem mesmo corpóreas, parecem-me ilustrar bem como os biografemas atuam. Nesse sentido, alguns elementos de individualidade são assim mais visíveis do que numa percepção deles, por exemplo, na dimensão textual, mais fixos, logo congelados na palavra escrita, mesmo que se possa percebê-los aqui em condição dinâmica. Seguindo este raciocínio, ver, dentre outros, CARAMELLA, Elaine. “Tarsila do Amaral e Cacilda Becker: biografemas”. In: HISGAIL, Fani (Org.). Biografia: sintoma da cultura. São Paulo: Hacker Editores, Cespuc, 1997, pp. 21-35; COSTA, Luciano Bedin da. Estratégias biográficas: o biografema com Barthes, Deleuze, Nietzsche e Henry Miller. Porto Alegre: Sulina,: 2011. 10 SOUZA, Márcio. Lealdade. São Paulo: Marco Zero, 1997; Idem. Desordem. Rio de Janeiro: Record, 2001. No livro Desordem, a introdução escrita pela professora de literatura amazônica Terezinha Chermont de Miranda, da UFPa, esclarece pontos importantes sobre o que o escritor Márcio Souza apresentou nos romances. Inclusive, indica a veracidade das obras “literárias” escritas originalmente por Pedro Veriano Chermont Barata – o romance Lealdade - e por sua esposa a francesa Anne-Marie Presle – o romance Desordem. O casal teria se conhecido durante a época da tomada de Caiena (Guiana Francesa) pelas tropas portuguesas que partiram do Grão-Pará, e lá ficaram entre 1808-1817, como revide à invasão e ocupação das tropas napoleônicas sobre Portugal, em fins de 1807, no contexto das guerras napoleônicas na Europa. Ele não foi muito simpático a ela no início, pois via-o como um invasor de seu país, e ele, um oficial das tropas portuguesas, e paraense, encantou-se por ela. E depois de muitas idas e vindas, e longa separação inclusive geográfica, os dois acabaram se reencontrando

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Outra visão literária que vislumbra o cônego Batista Campos no contexto dos acontecimentos dos anos 20 e 30 do século XIX é demonstrada nos romances da coleção Em Tempos Cabanos, do escritor Antônio Pinheiro Cabral (CABRAL: 2012; 2013; 2013; 2014). Neles, o cônego tem sido destacado como um dos sujeitos que contribuíram para os fatos relativos ao contexto de crises e rebelião que se verificava, mesmo não sendo considerado na narrativa do autor o principal responsável pelos mesmos. O autor preferiu apontar outros personagens, alguns fictícios, ligados tanto aos rebeldes quanto aos representantes da legalidade imperial que os combatiam, como protagonistas principais de sua trama. Portanto, o protagonismo no contexto revolucionário em destaque se vinculava a um espectro diversificado de sujeitos, do qual o cônego foi mais um dentre os muitos que o autor evidenciou. Em meu entender, ao assim proceder o autor evita cair nas armadilhas de uma memória mais laudatória que se verifica em torno de Batista Campos11.

Para efeito de fechamento de conversa, mas não de algumas considerações analíticas como aqui sugeridas, importa destacar que todas essas produções midiáticas procuraram valorizá-lo como sujeito cujo destaque histórico residia nem tanto em aspectos de sua vida pessoal12, contudo em uma espécie de

em Paris, por volta de 1830. Viajaram por vários lugares do Oriente, juntos, e se casaram em Belém, em suposta cerimônia celebrada pelo cônego Batista Campos. Além disso, o casal indicou em suas obras alguns personagens fictícios, outros seriam verídicos (mesmo que com os nomes fictícios, ou "pseudônimos") como os próprios autores, o cônego Batista Campos, Felipe Patroni, Felix Malcher, Eduardo Angelim, os irmãos Vinagre, o coronel João Pereira Vilaça, o presidente da província Bernardo Lobo de Sousa, e até os naturalistas Alexandre Rodrigues Ferreira, e Spix e Martius. 11 CABRAL, Antônio Pinheiro. Em Tempos Cabanos. Amor e ódio na aurora cabana. Belém: Paka-Tatu, 2012; Idem. Em Tempos Cabanos. O bravo sangue amazônico. Belém: Paka-Tatu, 2013; Idem. Em Tempos Cabanos. A cidade escarlate. Belém: Paka-Tatu, 2013; Idem. Em Tempos Cabanos. Sabre, pólvora e feitiço. Belém: Paka-Tatu, 2014. O autor, um policial militar (PM), demonstra grande conhecimento do contexto dos acontecimentos aos quais faz menção em suas obras. Demonstra assim, segundo seu editor, “uma extrema habilidade na construção da teia em que os fatos de desenrolam e revela-se um estudioso da cabanagem”. Tal como “das crendices, da fala cabocla, do imaginário e da própria ética que norteava a maneira de ser e de agir de diversos personagens que compõem sua obra”. 12 Não cabe aqui apontar esses aspectos mais íntimos de uma vida individual, o que remeteria aos estudos sobre a biografia e sua importância para a história e a análise social. Todavia, sobre algumas considerações a respeito deste ponto, ver MALCOLM, Janet. A mulher calada. Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia. São Paulo: Companhia

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redescoberta de processos históricos considerados importantes da história paraense, como a independência e a Cabanagem. Ou uma valorização identitária, assim como política, de certos locais onde se deram alguns fatos da sua trajetória de vida, de morte e mesmo post-mortem, especialmente em

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das Letras, 1995; HISGAIL, Fani. (Org.). Biografia: sintoma da cultura. São Paulo: Hacker Editores: Cespuc, 1997; ORIEUX, Jean. “A arte do biógrafo”. In: DUBY, Georges; ARIÈS, Phillipe; LADURIE, Emmanuel Le Roy; LE GOFF, Jacques. História e Nova História. 3ª edição. Lisboa: Teorema, s/d; SCHMIDT, Benito Bisso (Org.). O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000; BORGES, Vavy Pacheco. “Fontes Biográficas. Grandezas e misérias da biografia”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, pp. 203-233; BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; e AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e Abusos da História Oral. 8ª edição. Rio de Janeiro: FGV, 2006, pp. 183-191; LEVI, Giovani. “Os Usos da Biografia” In: FERREIRA, Marieta de Moraes; e AMADO, Janaína (Orgs.). Op. Cit., pp. 167-182; DEL PRIORE, Mary. “Biografia: quando o indivíduo encontra a história”. In: Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 7-16; LEVILLAIN, Philippe. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. 2ª edição. Rio de Janeiro: FGV, 2003, pp. 141-184; VILAS BOAS, Sérgio. Biografismo. Reflexões sobre as escritas da vida. São Paulo: Editora Unesp, 2008; BURKE, Peter. “Pessoas e livros”. In: O historiador como colunista. Ensaios para a Folha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, pp. 27-113; DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009; OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história. A biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: FGV, 2011. 13 A respeito do que é aqui destacado, ver REIS, Marcos. Cabanos – A História. São Paulo: Maguen, 2011, p. 213 [imagem e sua legenda, em anexo, no final do livro]; ARRUDA, Carlos. “Os dois túmulos de Batista Campos”. In: Estórias da História de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Belém: CEJUP, 2000, pp. 89-91; ROCQUE, Carlos. Cabanagem: Epopéia de um Povo. Belém: Imprensa Oficial, 1984, vol. 1, p. 69. THORLBY, Padre Tiago. A Cabanagem na Fala do Povo. São Paulo: Paulinas, 1987. Sem falar na perspectiva de abordagem aqui empregada, que se utilizou de, dentre outras referências, algumas relativas aos usos do passado no presente, assim como de uma forma de abordar a política no universo social e mesmo cultural, que pode ser encontrada em obras como: ABREU, Martha et al. (Orgs.) Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; SOIHET, Raquel et al. (Orgs.) Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009; HARTOG, François. Regimes de historicidade. Presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2010; VARELLA, Flavia et al. (Orgs.) Tempo presente e usos do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2012. Assim como uma espécie de convergência dessas referências aqui tratadas para uma “história pública”, uma multifacetada dimensão de abordagens analíticas que sugere um grande esforço

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É nesse sentido que vemos o quanto o cônego Batista Campos foi muito enfatizado em site e blogs da internet, os quais o consideram uma personalidade que teve sua imagem ou memória acoplada à construções identitárias locais, como foi o caso do município de Barcarena. Lá, sua memória está associada diretamente a da localidade, hoje município paraense. Isto pode indicar uma certa apreensão da memória de Batista Campos e da cidade, vinculadas a uma espécie de construção de um sentimento identitário “pátrio” a nível local. Destarte, mais uma dentre as muitas evidências demonstradas ao longo deste trabalho que apontam para uma complexa, embora ainda embrionária, construção de uma dimensão histórica que ousadamente aponto como sendo uma “história pública” a se esboçar sobre o cônego Batista Campos14

interdisciplinar para sua concretização, possível de constatá-la em ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; & ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Orgs.). Introdução à História Pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. 14 Sobre a construção de sentimentos pátrios e de identidade local, conformando uma espécie de “paraensismo”, ver BARBOSA, Mário Médice. Entre a filha enjeitada e o paraensismo. As narrativas das identidades regionais na Amazônia paraense. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC/Programa de Estudos Pós-Graduados em História Social, 2010 [http://livros01.livrosgratis.com.br/cp145385.pdf (acessado em 23/08/2014, 00:19h)]. Sobre a construção da memória de Batista Campos vinculada a localidade, hoje município de Barcarena, além da de Eduardo Angelim, outro personagem de destaque nos eventos da Cabanagem, que como Batista Campos, também foi sepultado em Barcarena, ver os blogs Barcarena Omnia Vincit, link “Sobre Barcarena” [http://www.carpedienjr.xpg.com.br/2.html (acessado em 16/04/2014, 22:23h)]; Ari Soares de Barcarena: um pouco da história de Barcarena [http://aribarcarenagmailcom.blogspot.com.br/2012/04/um-pouco-da-historia-de-barcarena.html, (acessado em 16/04/2014, 22:26h)]; e Amazônia de A a Z, link “Barcarena, município do Pará” [http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=569, (acessado em 11/10/2014, 23:37h)]. Pode-se ver ainda o blog Belém vista por um Cangussú [http://belmvistoporumacanguss.blogspot.com.br/ (acessado em 22/08/2014, 15:54h)], no qual apresenta pequena descrição informativa sobre Batista Campos, inclusive com homenagens que lhe foram prestadas, relativas à praça Batista Campos, e ao Memorial da Cabanagem, que supostamente contém parte de seus restos mortais. Assim como o site Wikipédia, link “João Batista Gonçalves Campos” [http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Batista_Gon%C3%A7alves_Campos (acessado em 14/10/2014, 02:03h)]. Em relação à perspectiva de uma “história pública” que observo se esboçar sobre o cônego Batista Campos, ver ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; & ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Orgs.). Op. Cit.

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O PROJETO MODERNIZANTE ESTATAL E AUTORITÁRIO: A EXPERIÊNCIA DE SÃO LUÍS NO CONTEXTO DO ESTADO NOVO

Marcelo Lima Costa1

O presente estudo visa apresentar a implantação dos saberes políticos

modernos na cidade de São Luís, sobretudo no que se concerne à metodologia do desenvolvimento urbano. Tais saberes englobavam as intervenções públicas, capitaneadas pela prefeitura e pelo governo estadual em tempos de autoritarismo. Através da influência desenvolvimentista do Estado Novo, sobretudo a partir dos modelos modernos aplicados em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, a capital maranhense foi palco, durante a segunda metade da década 1930 várias intervenções que visavam dar a capital de ‘ares de cidade moderna’. A busca pelo ‘moderno’ se deu através da construção de novas instituições no contexto do estado-novismo maranhense.

Entre o fim da Primeira Republica e a década de 1930: a formação do ethos moderno

Os temas relativos às cidades bem como as representações da

modernidade estavam na centralidade do debate. As concepções de modernidade nem sempre eram factíveis e em muitos casos divergentes eram sempre almejadas. Buscava-se executar as melhorias que parcela das elites regionais e nacionais julgavam necessárias. Nesse contexto, havia entre as elites, sobretudo no pós-1930, uma concepção de modernidade nova e relativa à especificidade nacional. Sobre modernidade e suas diferentes temporalidades, Perry Anderson apresenta o conceito de ‘multiplicidade dos modernismos’, onde fala sobre o modo de compreender as origens do modernismo em diferentes espaços, a partir de um exame mais próximo da “temporalidade histórica diferencial em que se inscreve.2” na qual pode ser entendido o contexto de São Luís.

A análise de Anderson no texto Modernidade e Revolução apresenta aplicabilidade do conceito de modernização, no que diz respeito aos aspectos geográficos e de temporalidades. Na sua interpretação existem ‘modernismos’ em diferentes escalas de desenvolvimento nas diferentes regiões do mundo,

1 Graduado em História pela Universidade Estadual do Maranhão e mestrando em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. 2 ANDERSON, Perry. Modernidade e Revolução. In Novos Estudos/CEBRAP, São Paulo. Nº 14, fev. 86.

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(...) segundo critérios mais convencionais, mesmo o modernismo deve ser enquadrado em alguma concepção mais diferencial de tempo histórico. (...) uma vez tratado deste modo, é surpreendente o quanto sua distribuição, do ponto de vista geográfico, é de fato desigual. Mesmo no mundo europeu ou ocidental de modo geral, existem importantes áreas que praticamente não deram origem a nenhum momentum modernista3.

A contribuição teórica de Perry Anderson e sua concepção sobre as

dimensões da modernidade são válidas para a compreensão da expêricia moderna de São Luis, levando em conta as naturais diferenças que as diferentes regiões têm entre si. A experiência da modernidade urdida em São Luis não poderia ser a mesma de outras regiões. Essa perpectiva leva em conta a multiplicidade de modernismos a partir de diferentes contextos. Anderson deixam claro sua visão de modenismo e modernidade. Basea-se na busca de esclarecimentos conjunturais e aprofundados acerca do fenômeno moderno e suas diversas facetas.

Conforme as observações de Sérgio Miceli, os intelectuais simpáticos ao ideário modernizante e autoritário proveniente do Estado Novo desempenharam a função de elaborar novos conceitos e terminologias que norteariam a relação da população com os poderes públicos. A fim de promover a almejada nova brasilidade, baseada em uma perspectiva modernista o sistema estado-novista procurava apresentar inovações no modo de encarar a política nacional e suas inter-relações4, sobretudo com a cidade, o espaço urbano, a politica e a cultura nacional.

O processo político desencadeado a parir de 1930, executado por diversos atores propuseram ao país a busca de uma nova nacionalidade, de um novo ethos, “compondo e aperfeiçoando o homem do Brasil5”. Os saberes modernistas, construídos ao longo da década de 1920 e 1930 buscavam resgatar as virtudes do subconsciente brasileiro e as tradições mais puras do país. Segundo Ângela de Castro Gomes, o liberalismo, que marcou de forma tácita a cultura política dos anos pré-1930 era marcado por valores ‘europeizantes’, não havendo a devida valorização das características nacioanis.

3 Ibid., p. 6. 4 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 5 Carta do ministro Gustavo Capanema ao presidente Getúlio Vargas, 14-6-1937. Apud CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, Arquitetura e Patrimônio. In. PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.

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O período pós-1930 pode ser interpretado enquanto um momento de apresentação de alternativas ao modelo liberal e agroexportador da Primeira República. A política de Vargas, engendrada em parte pelos debates feitos no período pré-1930 propôs um novo modelo de ação do estado que se legitimaria no âmbito urbano, na cidade. Na conjuntura do pós-1930, o campo e a república agroexportadora saem da centralidade do palco público. Em seu lugar entra na ribalta o novo homem, o operário, as fábricas, o moderno e, sobretudo as cidades, palco dessas interações modernas.

As chaves interpretativas do que representou as propostas políticas e sociais que se engendraram a partir de 1930 podem ser interpretadas à luz de múltiplos elementos, dentre os quais a perspectiva de modernidade que será adotada no trabalho. Tem importância, também a circulação das propostas do movimento Modernista de 1922, bem como o conjunto de movimentos contestatórios que surgiram nas cidades durante a década de 1920. De acordo com a intelectualidade modernista, a história do país demonstrava que até 1930 tínhamos vivido na ignorância de nossa terra, o que se agravava com a república repleta de liberalismo6. O estado liberal, na visão de Gomes, “não apenas separava o homem do cidadão”, negando a cidadania aos menos favorecidos, mas também distanciava a cultura do povo brasileiro da política nacional, marcada pelo liberalismo europeu, buscava-se de acordo com José Murilo de Carvalho, buscava-se fundar uma perpectiva moderna, onde os direitos trabalhistas e sociais teriam centralidade, a despeito do autoritarismo e dos reduzidos direitos polítcos7.

A vitória do projeto modernizante e autoritário ao longo da década de 1930, de acordo com Ângela de Castro Gomes, deu as condições políticas, sociais e econômicas para levar ao país variados projetos de modernização que passavam pela urbanidade, embelezamento das cidades e suas instituições. A representatividade do modelo, primeiramente proposto por Vargas, em 1930 e em seguida imposto em 1937 pode ser apreendida por esses e sob muitos outros aspectos.

O chamado modernismo nacional compreendia a criação da identidade e a partir da elaboração de um tipo de homem brasileiro idealizado. A atuação do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema desde a década de 1930 preconizava essas propostas. Na visão modernista, importava apresentar a modernidade como um conceito nacional, e endossar compromisso com a

6 MEDEIROS, J. Paulo de. O panorama social brasileiro. In Cultura Politica, nº 4, junho de 1941, apud GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 7 CARVALHO, José Murilo de.

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tradição local e nacional8. O desejo dos modernistas era a formação de saberes nacionais.

Ao longo da década de 1930 a tendência modernizante tomou corpo, sobretudo com o escopo autoritário. Esse aspecto fica mais evidente, através da implantação do Estado Novo. A partir disso, dá-se início a um processo amplo que englobava em uma de suas faces, a renovação das praças e logradouros públicos, construção dos conjuntos monumentos de e belos edifícios em estilo moderno.

Essa tendência foi influenciada pela efervescência cultural, política e social modernista, por qual passava a partir da década de 1920 e que tiveram lugar nos espaços públicos das cidades brasileiras.

A proposta de fundação de um novo estado, ‘verdadeiramente nacional e humano’ é a grande tônica politica dos anos pós-37. A importância e a grandeza desta proposta lhe conferiam o estatuto de um novo começo na história do país. A fundação de uma nova ordem politica, com reais potencialidades e aspirações do povo brasileiro significava um autentico redescobrimento do Brasil verdadeiro9.

De acordo com as lidernaças do pós-1930, era necessária uma iniciativa

oficial em busca de homogeneidade da nação. As lideranças do Brasil buscavam construir uma nacionalidade em oposição a regionalismos fraticidas. A opinião de Vargas sobre a organização politica descentralizadora deixava essa perpectiva clara, uma vez que era versada nos moldes clássicos do liberalismo, e havia evidenciado falhas. A estrutura governamental “não se ajustava às exigencuias da vida nacional; antes, dificultava-lhe a expansão e inibia-lhe os movimentos10”.

Entre idas e vindas, o projeto de modernização autoritária foi implantado em 1937 através da outorga do Estado Novo. As iniciativas modernizantes tomadas à luz dos saberes da intelligentsia nacional buscavam superar os 40 anos da ‘velha República’. o governo varguista nas palavras de Aspásia Camargo, lançou um enclave modernizante, implantado à força em 1930 e 193711.

8 MORAES, Eduardo Jardim. Modernismo Revisitado. Estudos Históricos, Rio de Janeiro. Vol. 1, n. 2, 1988. 9 GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 10 Mensagem do Presidente Getúlio Vargas, no Diário Oficial do Estado, 13-11-1937. 11 CAMARGO, Aspásia. Do federalismo oligárquico ao federalismo democrático. In. PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999.

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Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte começaram a passar, pelo menos no campo teórico, por intensa discussão que nortearam as intervenções implementadas durante a década de 1930 e nos anos seguintes. Por meio de uma série de planos, as principais cidades do país apresentaram-se como palco da modernidade, atendendo parcela importante do projeto apresentado por Getúlio Vargas. Os argumentos para a aproximação da técnica industrial e modernidade política e cultural estavam claros uma vez que

Lúcio Costa afirma que estava convencido, na época, que transformação arquitetônica e social era uma coisa só e que a nova arte só floresceria em um novo regime” (depoimento em 1990). Um ponto básico para Le Corbusier e Gropius era que a arquitetura moderna traduzia um momento de ruptura com a sociedade anterior. O espírito novo estaria situado na indústria e na máquina12.

Aos olhos da elite Varguista o Brasil necessitava dos saberes arquitetônico

e urbanístico. Políticas permeadas pelo autoritarismo do Estado Novo e a relação deste com as cidades abriu novas perspectivas. As cidades teriam maior centralidade na nova tessitura política e social do país que se modernizava. Nesse contexto os rumos das cidades se confundiam com os rumos do país. O triunfo do Estado Novo: nasce a “democracia autoritária13” em São Luís

Durante o Estado Novo as cidades foram repensadas enquanto espaços

modernos por excelência. Deveriam representar a clara oposição à primeira república, por seguirem uma forma nacionalizada de modernidade, através de dois vieses: a primeira através das concepções estatistas e antiliberais; o segundo se opunha à ideia e a dinâmica modelo político liberal, ou como batizaram os historiadores Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado, a era da “democracia liberal e excludente14”.

12 CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, Arquitetura e Patrimônio. In. PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. 13 O conceito “Democracia autoritária” foi elaborado pelo jornalista e chefe da então Imprensa Oficial do Estado, Agnelo Costa em 1938, referindo-se ao sistema estado-novista, sobretudo sua versão maranhense, dando-lhe conotação menos truculenta. 14 FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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O aumento de importância das aglomerações urbanas durante a década de 1930 se evidencia durante essa década15. Para os líderes e dirigentes, era necessário dar maior atenção às cidades e suas demandas. São Luís tinha, de acordo com a elite intelectual da cidade, características culturais que deveriam ser valorizadas. Parte da elite intelectual da capital hipotecava esperança num futuro que retomasse as bases do passado, acessando à ideia da Athenas16, cidade próspera do XIX. Essa tendência discursiva de valorização das características locais se deu primordialmente no final do século XIX e inicio do século XX. Contudo São Luís ficava aquém das cidades centrais, tais como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte e a década de 1930 deixava isso evidente. Essas cidades despontavam como modelos para o resto do país se configuravam como lócus do debate acerca dos melhoramentos urbanos em âmbito nacional.

Dentre os diversos posicionamentos administrativos com o fito modernizador, a mensagem do recém-empossado prefeito, Dr. José Octacílio de Saboya Ribeiro17, bem como a elaboração de um código de posturas de acordo com as teorias modernas de organização urbana apresentaram as linhas gerais do modelo modernizador e autoritário da época: tutelar, classificar, tributar, demolir e edificar eram os termos comuns no documento e davam a tônica do projeto intervencionista. Tal como na experiência política, a cidade teria que se enquadrar na lógica autoritária. As mensagens e normas continham diversos apontamentos acerca das características intrínsecas à tricentenária cidade de São Luís, com seus trapiches de tipologia lusitana que a deixam com uma fisionomia marcante aos visitantes, conforme as palavras do engenheiro.

A ideia de modernidade tinha valor central, ao se colocar na rua e na alça de mira da população. Essa nova tendência deveria ser contemplada e vivida

15 Censo demográfico de 1940: População e Habitação. Censos Econômicos: Agrícolas, Industrial, Comercial e dos Serviços. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952. 16 Data desse período a criação da Revista Athenas, publicação com o mote de informar a elite econômica e intelectual da cidade sobre acontecimentos relativos à governança estadual e aos acontecimentos políticos e intelectuais dos altos círculos sociais da capital do estado. A revista circulou entre os anos de 1939 a 1942, tendo como diretor o professor Nascimento de Morais, intelectual próximo ao regime que contribuíra em outros momentos com a construção da ordem autoritária no Estado. 17 Engenheiro, cearense de nascença, exerceu o cargo de prefeito municipal de São Luís entre os anos de 1936 e 1937. Fez sua carreira profissional no Rio de Janeiro atuando como Engenheiro na Secretaria de Viação e Obras do Distrito Federal.

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em suas múltiplas experiências. Tal guinada representava a idealização de uma série de eventos que no período pré-1930.

A modernidade autoritária apresentava novas formas de sociabilidade, como os espetáculos cívicos em homenagem à Vargas e ao estado forte promotor. As reformas urbanas deveriam basear a construção do ideário nacional como via de se alcançar as evoluções científicas da época, através dos novos edifícios modernos. Para o regime era necessário patrocinar a construção dos signos da modernidade o rádio, o futebol, a nova organização dos serviços de assistência à saúde, a nova legislação social trabalhista, a nova e imponente sede do Ministério da Educação e Saúde18. As realizações estado-novistas cumpriram a tese de divulgar as potencialidades do país recém-saído do obscuro regime pré-1930, na visão do o establishment de então.

Paulo Martins de Souza Ramos na qualidade de governador e em seguida interventor federal, e os prefeitos de São Luís, se mostrou fiel a esse ideário. Sanear o estado do ponto de vista econômico e político e superar as brigas partidárias fraticidas que, segundo a análise de intelectuais próximos a Ramos, jogavam o estado no atraso e no imobilismo dos embates políticos também se constituiu um horizonte para esse grupo.

A atuação de Ramos e dos prefeitos de São Luís foram direcionadas no sentido de dar à cidade um aspecto moderno em conformidade com as linhas gerais do Estado Novo. Além do novo tipo de governo, as novas avenidas, novos edifícios e de novas instituições bem como dos espetáculos públicos cumpririam essa demanda.

Os aspectos específicos de São Luis, nos remetem à analise de Anderson, quando ele diz que há de se estabelecer distinções nos modelos de modernismos. Essa distinção foi sendo constrúida ao longo dos anos finais do seculo XIX e iniciais do XX. Conforme Eduardo Jardim de Moraes a temática da brasilidade modernista foi aos poucos sendo, contribuindo para a construção projeto modernista com a tradição local e nacional19 da década de 1920. O que importava naquele contexto era apresentar o moderno como uma opção que tinha sua gênese nacional, e defender compromisso do projeto modernista com a tradição20.

18 Novo edifício do Ministério da Educação e Saúde, representação efetiva e simbólica da maturidade do regime estado-novista das novas realizações brasileiras, no contexto da modernização autoritária. FABRIS, Anateresa. Fragmentos Urbanos: Representações Culturais. São Paulo: Studio Nobel, 2000. 19MORAES, op. cit., p. 223. 20MORAES, op. cit., p. 224.

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Existiram difrentes modelos ‘modernos’, e dentro dessas diferentes compreesões da modernidade, a elite de São Luis, a seu modo e com suas contradições, seguiu seu caminho particular.

As iniciativas modernizantes de Vargas estaveram em pauta e seus representantes em terras timbiras buscavam fundar novas fomas de atuação da politica no que diz respeito à organizaçao das cidades. Contudo a ideia dos aspectos ‘typicos’ da cidade colonial era fortes elementos que povoavam a concepção urbana de parcela da cidade. A visão da cidade enquanto a “São Luís do Maranhão: Histórica, pitoresca e colonial21”, evidencia o apego de parte da elite intelectual aos temas que remetem à historicidade, à tradição local.

A cidade se dividira em entusiastas da modernização e setores séticos a essa dinâmica. Através de manchetes de jornais, parcela da imprensa encampava o discurso da preservação da cidade colonial como aspecto de distinção ante as demais, afinal São Luís estava no “rol das cidades bonitas do norte22”.

O discurso oficial, entretanto propunha a modernidade a favor da superação das caracteristicas da velha cidade e seus desgastados trapiches, pontuando que “os planos para a cidade se referiam para a área que hoje é considerada de grande valor cultural. Até o início dos anos 1940, essa área, constituída pelo traçado original do século XVII e sua expansão nos séculos XVIII e XIX, configurava o principal núcleo urbano da Ilha23”.

Tais iniciativas, na visão oficial, dariam à cidade o status progressista, atendendo a máxima modernista do Estado Novo, sobretudo na seara urbana. A partir disso, a elite dirigente redimiria a cidade de seu aspecto degradante e atmosfera de desalento24. Nesse sentido, o então mandatário estadual, o Interventor Federal Paulo Martins de Souza Ramos vaticinou:

As velhas praças, de construção centenária, desniveladas e mal calçadas, tornaram-se aprazíveis logradouros; ruas estreitas e tortuosas, traçadas ainda nos tempos coloniais, foram alargadas ou transformadas em modernas avenidas... A cidade passou, em suma, a ostentar uma nova fisionomia, bem diferente daquela que

21 Diário do Norte, 28-05-1940. 22 Jornal O Globo, 10-07-1940. 23 LOPES, José Antônio Viana. Urbanismo e Preservação em São Luís: A Comissão do Patrimônio Artístico e Tradicional do Município. Ciências Humanas em Revista - São Luís, v. 3, n. 1, julho 2005. 24 Diário Oficial do Estado. 06-08-1937.

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Urbanismo e Preservação em São Luís lhe imprimiram os colonizadores e que conservava até bem pouco tempo25.

A palavra modernizaçção estava em voga no discurso administrativo e nos

veículos de coomunicação. Era necessário para São Luís estar alinhada com a ideia desenvolvimentista da União. Entretanto havia posicionamentos avessos às intervenções, que na visão de articulistas locais, eram entedidas como ‘domelições’ das características da urbe: “casas de azulejo ou mirante e sobrados antigos foram demolidos para no seu lugar construírem prédios de estilo bastardo, rascunhados ao sabor do mais extravagante ou ingênuo espírito de aldeia26”.

A partir disso percebe-se que o embate retórico era vivo, visto que grande parcela da sociedade ainda observava com seticismo a ‘onda’ modernizante por qual passava o Brasil durante parcela do que foi chamado de Era Vargas. Já os entusiastas da modernização estavam preocupados com a busca do ideal moderno baseado em uma nova identidade, em uma nova cidade e em uma nova vida urbana, que daria às cidades brasileiras as marcas evolutivas e o status de nação forte, civilizada e unificada.

Paulo Ramos procurou expor a imagem de administrador preocupado, sobretudo com a modernização e evolução técnica, moral, cívica do Maranhão. Para esse fim utilizou a ferramenta do autoritarismo livremente.

Segundo os críticos locais, o sistema estado-novista no Maranhão baseava-se no desenvolvimento no econômico, técnico e educacional e na proeminência dos saberes tecnocratas. O apoio desses críticos locais era veiculado pela imprensa local, hipotecando apoio ao líder local Paulo Ramos e, sobretudo ao líder nacional tornando-se, na visão de Astolfo Serra, um “ditador amável27”, Getúlio Vargas.

O Maranhão não seria mais regido, portando pela agenda política liberal do pré-1930, mas deveria seguir novos caminhos, sob os auspícios do “autoritarismo” à brasileira, apregoado pelos intelectuais simpáticos governo Paulo Ramos. O sistema visto como moderno tomou emprestada a credibilidade dos intelectuais e profissionais detentores dos modernos saberes técnicos - no caso o burocrata Paulo Ramos.

A democracia autoritária mergulhou as suas raízes profundamente no espirito do jovem e operoso governante maranhense é o instrutor dessa nova forma de

25 VIANA LOPES, op. cit., p.65. 26 VIANA LOPES, op. cit., p.70. 27 SERRA, Astolfo. Um ditador amável. In COSTA, Agnelo. (org). A contribuição maranhense para o Estado Novo. São Luís: Imprensa Oficial, 1938.

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organização política é o próprio chefe da nação, comunicando-se sem intermediário com o povo, que governa. Assim também no governo regional, emanação direta da administração central, o eminente Dr. Paulo Ramos age, diretamente, em contato com o primeiro magistrado da República, para conduzir o Maranhão aos seus grandes destinos28.

A partir das palavras emitidas pelos intelectuais maranhenses simpáticos ao regime, percebe-se a construção retórica discursiva que classificava o Estado Novo como um tempo de ruptura com as práticas políticas anteriores.

O novo sistema político, a chegada do novo governador, a elaboração dos projetos de cidade serviam como ferramentas para a remissão do presente e a busca de reestruturação da cidade de São Luís baseada em um passado quase mitológico. A Athenas brasileira e seus ilustres athenienses contribuíram, durante parte do século XIX, para a construção de uma tradição de letras e intelectualidade no estado e o Estado Novo, embora com divergências buscou revistar esse passado.

A experiência da modernidade ludovicense, estribada nos modelos autoritários do Estado Novo, a despeito de sua matriz totalizante foi marcada, pois pela tradição em consente negociação com o moderno, bem como o contato com as perspectivas locais de fazer política de acordo com as mais capilares vicissitudes.

A preocupação do regime Varguista em âmbito local, representado por Ramos era levar a cabo um projeto modernizante na sociedade sem, entretanto olvidar a suposta tradição da cidade, com seus casarões, trapiches tricentenários e sua memória coletiva arraigada no passado quase mítico da chamada Athenas brasileira.

28COSTA, Agnelo. Um notável Conclave na democracia autoritária. In________. (org). A contribuição maranhense para o Estado Novo. São Luís: Imprensa Oficial, 1938.

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FRANCISCO DE PAULA CASTRO: DOS BANCOS DO TABERNÁCULO DA CIÊNCIA PARA AS MARGENS DO XINGU

Marcos Paulo Mendes Araújo1

No início de 1884, chegou ao Brasil uma comissão científica formada por

três alemães, o médico e etnólogo Karl von den Steinen, o engenheiro Otto Claus e o desenhista Wilhelm von den Steinen2. A intenção inicial do grupo era explorar o rio Pilcomaio, mas desistiram em função do rio ter sido explorado pelo francês Émile-Arthur Thouar algum tempo antes da chegada do grupo à América do Sul. Desta forma, acabaram se voltando para o rio Xingu, considerado na época como o maior rio da América do Sul ainda desconhecido.

Assim, após alguns contatos realizados entre a representação diplomática alemã sediada em Buenos Aires e o encarregado dos negócios brasileiros naquela cidade, Henrique Barros Cavalcante de Lacerda os expedicionários alemãs foram autorizados a viajarem ao Brasil a fim de empreenderem suas investigações no mencionado rio. Uma vez em território brasileiro, o projeto inicial de Steinen e seus companheiros de viagem era a realização de uma viagem de caráter geográfico, ficando as analises antropológicas em um segundo plano.

Com isso, só nos resta tratar do rio Xingú, que é a última possibilidade que se oferece. Foi indispensável fazermos, primeiro, a descrição acima, para que o leitor formasse uma idéia exata do nosso plano na exploração do Xingú. O problema geográfico, isto é, a tarefa antropo-etnológica interessante, era tida como questão secundária, quando se começou a discutir a nossa empresa, de modo que nosso projeto tinha de início, o seguinte título: Estrada de Cuiabá para Pará3.

1 Mestrando do PPGH/UFAM. Bolsista da Fapeam. Professor da Faculdade FUCAPI (Manaus – AM), Coordenador do Curso de Pós-Graduação em História do Brasil da UCP (RJ). Orientadora: Professora Doutora Patrícia Maria Melo Sampaio. 2 Willhem von den Steinen era primo de Karl von den Steinen e atuou na comissão como pintor e desenhista. Segundo Karl von den Steinen seu primo recebeu instruções para viagem na cidade de Hamburgo onde estudou com o professor Neumayer, que também orientou na escolha dos instrumentos necessários à expedição. 3 STEINEN, K. v. d. O Brasil Central: expedição em 1884 para o exploração do rio Xingú. Trad. Catarina Baratz Cannabrava. Edição Ilustrada. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. P. 42.

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A exploração das fontes do rio Xingu, segundo o governo brasileiro, era uma atividade da maior importância. Desta forma, o Barão do Batovi, Presidente da Província do Mato Grosso foi orientado pelo governo imperial, a prestar todo apoio necessário à empresa, o que incluía desde provisões até uma força militar, que deveria acompanhar os exploradores.

A fim de cumprir as determinações do Governo Imperial, o presidente da Província do Mato Grosso nomeou o capitão Antônio Tupy Ferreira Caldas como chefe da força militar que acompanharia os alemães. Mas, segundo Karl von den Steinen em sua obra sobre a viagem de 1884, as relações entre os expedicionários e o mencionado oficial, que foram boas no início e em pouco tempo começaram a apresentar problemas, principalmente no que se referia aos acertos para compra das provisões para viagem.

Em decorrência dos problemas enfrentados, Karl von den Steinen foi apresentando por um oficial brasileiro de ascendência alemã, ao também capitão Francisco de Paula Castro que alimentava o desejo de acompanhar os expedicionários na viagem, mas que não via com bons olhos a proximidade dos exploradores com o capitão Antônio Tupy Ferreira Caldas.

Os estudos financeiros desenvolvidos por Francisco de Paula Castro, permitiram que, no dia 25 de abril de 1884, Karl von den Steinen apresentasse o relatório dos preparativos para viagem ao Barão do Batovi. Neste documento, o médico alemão solicitava a presença dos dois oficiais e de mais 25 homens. Sobre isso, assim se referiu o alemão:

A 25 de abril tivemos uma conferência demorada com o Barão, que sugeriu a idéia de um pequeno relatório, o que fizemos, apresentando a proposta de Castro, isto é, incluindo a cessão de 2 oficiais e 25 homens para a expedição. Referia-se a 2 oficiais, porque havia a eventualidade de doença ou desastre, de modo que um pudesse substituir o outro, dividindo entre sí o comando4.

Segundo Karl von den Steinen a resposta do Barão do Batovi chegou no

dia 06 de maio. Nela, o presidente da província registrava a importância da viagem exploratória para o país e declarava estar disposto a colaborar com o fornecimento de víveres e ferramentas, além de homens que iriam trabalhar nos serviços de defesa e proteção pessoal dos expedicionários.

Após os esforços necessários à aquisição de animais, ferramentas, víveres e demais equipamentos, formou-se uma coluna formada por trinta e cinco

4 STEINEN, K. v. d. O Brasil Central: expedição em 1884 para o exploração do rio Xingú. Trad. Catarina Baratz Cannabrava. Edição Ilustrada. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. P. 98.

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pessoas5 que deixaram a cidade de Cuiabá no dia 26 de maio de 1884 em direção ao Xingu. Sobre a partida, Steinen procurou descrever com os mínimos detalhes o evento.

Decidimos partir à 1 hora. Diante da casa estacionava uma fila de cavalos e mulas ensilhadas. Segundo o costume da terra, compareceu um grupo de pessoas nossas conhecidas, a fim de nos acompanhar durante um trecho do cominho. E foi assim que começamos a nossa marcha6.

A partir daí, a viagem exploratória passou a ser documentada por Karl von den Steinen que publicou na Alemanha a obra Durch Central-Brasilien em 1886 na cidade de Leipzig. A obra descreve de forma detalhada toda viagem, desde sua organização na cidade de Cuiabá até a chegada dos expedicionários na cidade de Belém em fins de outubro de 1884. Além da mencionada obra, também foi produzido um relatório de viagem pelo capitão Francisco de Paula Castro.

Destinado ao Ministro da Guerra, o documento foi redigido pelo oficial durante o tempo em que esteve participando da comissão exploratória. Contando com 92 páginas, das quais, 77 destinadas exclusivamente ao texto e as outras 15 reservadas a observações diversas, como a contagem dos índios encontrados durante a viagem.

E foi, justamente a partir da leitura deste documento, que teve início nosso empreender uma investigação científica a fim de analisar o papel de Francisco de Paula Castro nesse evento, que é considerado um divisor de águas das pesquisas etnológicas no Brasil e que mereceu ao longo das décadas seguintes um número expressivo de estudos em diferentes áreas do conhecimento, como por exemplo, a Antropologia, a Etnologia e a Linguística. Em uma dessas obras foi registrado o seguinte:

Karl von den Steinen foi o estudioso do século XIX que deu maior contribuição ao conhecimento das tribos indígenas do Brasil. Ele realizou duas viagens à região

5 Além dos três alemães e de dois oficiais do exército, o capitão Francisco de Paula Castro e do também capitão Antônio Tupy Ferreira Caldas, apresentaram-se de forma voluntárias, 25 praças do 8º batalhão de infantarias, 04 militares do Piquete da Cavalaria e mais dois “mateiros” que foram contratados. 6 STEINEN, K. v. d. O Brasil Central: expedição em 1884 para o exploração do rio Xingú. Trad. Catarina Baratz Cannabrava. Edição Ilustrada. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. P. 101.

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do Alto Xingu: a primeira em 1884 e a segunda em 1887. Este volume de ensaios foi organizado para prestar uma justa homenagem à memória do grande cientista7.

Como é possível perceber através desta passagem da obra organizada pela

professora Vera Penteado Coelho a presença de Steinen no Brasil ganhou grande projeção na medida em que, propiciou com seus estudos, uma série de conhecimentos que fomentaram ao longo das décadas seguintes outras pesquisas sobre a região e seus habitantes.

O relatório produzido por Francisco de Paula Castro é uma importante fonte sobre a expedição ao Xingu. No documento, o oficial registrou o cotidiano da viagem, destacando as atividades dos exploradores alemães, e mesmo tendo sido publicado no Diário Oficial no ano de 1885, e posteriormente nos Anais da Biblioteca e Arquivo Públicos do Pará em 19698, o documento não parece ter sido explorado ao longo das décadas subsequentes à viagem, o que nos motivou a analisa-lo.

Com a finalidade de empreender um estudo do relatório de 1884, resolveu-se primeiramente explorar alguns pontos da trajetória profissional de Francisco de Paula Castro. Para isso, foram selecionados documentos capazes de fornecer informações sobre o referido militar. Ao longo dos levantamentos preliminares, também foram encontrados um conjunto de documentos assinados por Paula Castro, preservados em fundo documental denominado Requerimentos diversos9. Essas fontes forneceram valiosas informações, como por exemplo: datas de promoções e os documentos onde as mesmas foram publicadas, informações sobre a família do oficial, tais como, nome dos filhos e respectivas datas de nascimento, transferências de unidades militares, pedidos de passagens para mudança, além de outros igualmente importantes ao capítulo.

Entre as atividades desempenhadas pelo capitão Francisco de Paula Castro durante a viagem exploratória de 1884, merece destaque os esforços para organização da comissão exploratória. Entre as tarefas que merecem ser

7 COELHO, V. P. (org.) Karl von den Steinen: Um Século de Antropologia no Xingu. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. P. 13. 8 Anais da Biblioteca e Arquivo Públicos do Pará. Tomo XI. São Paulo: Ed. Monumento S. A., 1969. P. 151 – 238. 9 O fundo: Requerimentos Diversos encontram-se documentos variados, datados aproximadamente entre 1812 e 1890. Nele, são encontrados diversos tipos de requerimentos produzidos por militares ou dependentes, encaminhados diretamente ao Ministro da Guerra, contendo os mais variados pedidos, tais como, dispensa do serviço militar, transferências, ajudas financeiras e etc.

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mencionadas, estão os cálculos relativos às provisões necessárias à viagem e as etapas dos soldados:

O Capitão Castro mostrou-se contrário ao aluguel dos animais, dizia que em vez de mulas devíamos levar bois, que, quando bem tratados, são capazes de vencer longas marchas. Pagando-se um acréscimo de 3 meses de etapa, os soldados não teriam que levar as suas provisões à nossa custa. Os bois seriam aproveitados como alimento na medida em que os outros alimentos fossem escasseando10.

Sem dúvida, a habilidade com os números era uma marca permanente dos

jovens oficiais que transitaram pela Escola Militar da Praia Vermelha e com Paula Castro não poderia ser diferente. Essa intima relação entre a matemática e os alunos da Praia Vermelha desde meados do século XIX esta evidenciada em uma passagem da obra do professor Celso Castro:

O estudo da matemática superior foi durante quase todo o Império uma exclusividade da Escola Militar, e a esse estudo era atribuída uma importância muito maior do que nosso senso comum de hoje poderia supor. No discurso de abertura das aulas de 1851, por exemplo, um professor fez o elogio das matemáticas, afirmando que ocupavam o principal lugar nos estudos realizados na Escola Militar11.

Além dos esforços relacionados à organização dos preparativos para

viagem, também merece destaque a produção do já mencionado relatório de viagem. O documento que motivou esta investigação e que será alvo de nossa análise ao longo dos próximos capítulos, contém várias informações sobre os lugares onde estiveram os membros da comissão cientifica, dados geográficos, aspectos naturais, informações sobre as populações indígenas, etc.

Se levar em conta, que o relatório manuscrito produzido pelo capitão Francisco de Paula Castro ficou pronto praticamente no final da viagem da comissão exploratória, ou seja, entre novembro de 1884 e início de 1885, quando o mesmo foi enviado ao Ministro da Guerra, o documento torna-se significativo por ser considerado o registro mais antigo da primeira visita de Karl von den Steinen ao Brasil.

10 STEINEN, K. v. d. O Brasil Central: expedição em 1884 para o exploração do rio Xingú. Trad. Catarina Baratz Cannabrava. Edição Ilustrada. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. P 97. 11 CASTRO, C. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1995. P. 52.

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Após o envio do mesmo, em 09 de março de 1885, o Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra, conselheiro Cândido Luís Maria de Oliveira, resolveu em função do cumprimento da missão, elogiar o capitão Francisco de Paula Castro nos seguintes termos:

Por portaria de 30 de março próximo passado foi declarado elogiar o Sr. Capitão do 8o batalhão de infantaria Francisco de Paula Castro, pela confecção do relatório que apresentou, em virtude de instruções que recebeu da presidência da província de Matto Grosso, sobre a viagem exploradora que fez daquella província à do Pará, pelo rio Xingú. 12

Ao término de sua participação na expedição científica, Paula Castro

retornou ao 8o Batalhão de infantaria onde passou à condição de instrutor. Neste mesmo ano, o oficial declarou possuir quatro filhos: Joanna, nascida em 06 de maio de 1879, Pedro Batista, nascido em 05 de fevereiro de 1881, Mariano, nascido em 19 de outubro de 1882 e Ana, nascida em 19 de junho de 1884.

Em função de um desentendimento ocorrido durante a expedição entre o capitão Paula Castro foi condenado à prisão em 188713. O problema ocorreu entre Paula Castro e o também capitão Antônio Tupy Ferreira Caldas14, durante a comissão de exploração do rio Xingu em 1884. Por ocasião da expedição, o capitão Paula Castro ficou encarregado pelas observações científicas, enquanto o capitão Antônio Tupy Ferreira Caldas ficou encarregado pelo comando da força de segurança que foi nomeada para acompanhar os expedicionários alemães. Karl von den Steinen registrou em sua obra que os dois oficiais desde o início das atividades, já apresentavam pontos de discórdia. Abaixo, selecionamos uma dessas passagens:

A questão dos dois oficiais vacilava ainda durante alguns dias. Em qualquer hipótese queríamos Castro, que, aliás, não mostrava muita disposição de seguir ao lado de Tupí, com quem não simpatizava e a quem deveria subordinar-se, embora fossem da mesma categoria militar, mas é que Tupí era mais velho. O Barão

12 Retirado da Ordem do Dia n. 1920 de 06 de abril de 1885 (documento n. 3.345 – Divisão de História do AHEx). 13 A condenação de Paula Castro a 15 dias de prisão por insubordinação foi amparada na 1ª parte dos artigos 1º e 8º do regulamento de 1763 (Regulamento disciplinar do Conde de Lippe). 14 Antônio Tupy Ferreira Caldas foi morto em combate em 1897 durante operações do Exército em Canudos.

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decidiu-se pela designação de Tupí. E isso constituíu a única gôta amarga em meio da nossa satisfação15.

Sobre a mencionada punição ao capitão Paula Castro, foi registrado nas alterações militares do oficial que o Conselho Supremo Militar no dia 28 de setembro de 1887, resolveu reformar a sentença do Conselho de Guerra, por não ter deduzido que durante a apresentação das peças do inquérito, houvesse provas suficientes, e concludentes para condenação do oficial, tendo sido o mesmo, inocentado das acusações no mesmo mês16.

Em 1897, já no posto de tenente-coronel Francisco de Paula Castro foi colocado à disposição do Presidente do Estado do Mato Grosso. Após sua apresentação ao governo, o mesmo foi designado para realizar uma viagem exploratória à bacia do rio Xingu. Foi registrado nos annaes da história do Estado do Mato Grosso, que essa expedição tinha como objetivo chegar aos sertões do Xingu e ao rio das Mortes, com a finalidade de descobrir a legendária mina dos Martírios17.

Por certo, a experiência adquirida por Francisco de Paula Castro durante a Comissão de Exploração do rio Xingu em 1884, tenha pesado decisivamente na sua escolha para chefiar a mencionada expedição. Durante as atividades dessa comissão, Paula Castro contou com a colaboração dos seguintes cidadãos: Rafael Verlangierie, José Cimondi, Manoel Frutuoso da Silva Nobre, Vicente de Marco, Guilherme Bolstein, Rodolfo Coen di Capua, José Felix Herva Mate, Albano Serra e mais um contingente de praças do 8º Batalhão de Infantaria, comandadas por um sargento que não conseguimos obter o nome. A nomeação de Castro para expedição foi publicado em 29 de maio de 1897:

Seja posto à disposição do presidente do estado do Mato-Grosso a fim de proceder à exploração da bacia do rio Xingú, o Ten. Cel. Comandante do 8o bat. de Infantaria que devera perceber unicamente o respectivo soldo, na forma das

15 STEINEN, K. v. d. O Brasil Central. Trad. Catarina Baratz Cannabrava. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. P. 98. 16 Ordem do Dia n. 2.150 de 23 de novembro de 1887. (documento n. 3.348 da Divisão de História do AHEx). 17 Trata-se de uma possível lenda em torno de uma serra incrustada de ouro, próximo a um sítio de inscrições rupestres que contém figuras em baixo relevo que lembram os martírios de cristo, ou seja, a coroa de espinho, cravos, pregos, martelos e a lança. A notícia da existência das Minas dos Martírios aconteceu possivelmente no intervalo de 1648 a 1706. Retirado de: http://www.mteseusmunicipios.com.br/NG/conteudo.php?sid=333&cid=17746. Acesso em julho de 2014.

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disposições em vigor, devendo acompanha-lo na referida comissão um contingente de 10 a 12 praças do 8o bat. Conforme pede o presidente do estado. (portaria de 27 do mesmo mês)18.

A maior parte dos recursos destinados a essa expedição foram custeados por uma sociedade organizada na cidade de Cuiabá. Além disso, os expedicionários contaram também com o apoio dos governos Federal e Estadual. Algumas fontes dão conta que este empreendimento não teve resultados satisfatórios. Após a volta da mencionada expedição, Francisco de Paula Castro assumiu novamente o comando do 8º Batalhão de Infantaria, sendo em seguida, nomeado também, comandante interino do 7o Distrito Militar após a saída do general de divisão Claudio do Amaral Savaget19.

Em 1900, o tenente-coronel Francisco de Paula Castro, foi novamente nomeado para uma expedição exploratória. Por determinação do Ministro da Guerra, foi colocado à disposição do Presidente do Estado do Mato Grosso, juntamente com os tenentes do Corpo do Estado Maior Juvenal Octaviano Müller, Agostinho de Souza Neves Júnior e Alexandre Argolo Mendes e o alferes Antônio Tertuliano Alves Ferreira, para juntos, procederem, os levantamentos geográficos para construção de uma estrada que ligasse o Estado do Mato Grosso ao Pará20.

Sobre essas duas últimas expedições, lideradas por Francisco de Paula Castro o historiador mineiro Basílio de Magalhães registrou que houve ainda a expedição de 1897, amparada pelo governo federal, e que se malogrou, dando, porém, ensejo à abertura de estradas, pela comissão Paula Castro, em 190021.

Ao término da mencionada expedição, o tenente-coronel Francisco de Paula Castro foi transferido para o 16o Batalhão de Infantaria22. Alguns meses depois, foi novamente movimentado, dessa vez, para o 36o Batalhão de Infantaria23, unidade onde o oficial recebeu sua promoção ao posto de

18 Ordem do dia n. 848, de 29 de maio de 1897. 19 Sua nomeação para o comando interino do Distrito Militar ocorreu por ordem direta do Ministro da Guerra em 10 de fevereiro de 1899, publicada na Ordem do Dia n. 04 do dia 15 do mesmo mês. 20 A nomeação ocorreu através do aviso n. 792, publicado na Ordem do Dia n. 86 de 17 de julho de 1900. 21 MAGALHÃES, B. de. Expansão geográfica do Brasil colonial. (1935). P. 201. Retirado de: www.brasiliana.com.br/obras/expansao-geografica-do-brasil-colonial/pagina/201/texto. 22 Portaria n. 87 de 25 de julho de 1900. 23 Ordem do Dia n. 98 de 18 de outubro de 1900.

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coronel24. Após essa promoção, Francisco de Paula Castro foi nomeado comandante do 21o Batalhão de Infantaria25.

O ano de 1901 foi marcado por inúmeros pedidos de afastamento do oficial para tratamento de saúde. Segundo as alterações, a primeira licença, de 90 dias, ocorreu em abril de 190126. Algum tempo depois, Paula Castro pediu licença por mais 90 dias para novo tratamento de saúde. A esses dois pedidos, somaram-se outros, nos meses de agosto e novembro, o que acarretou na transferência de Paula Castro para reserva27.

Em junho de 1903, o coronel de infantaria Francisco de Paula Castro reverteu ao quadro efetivo do exército, por ter sido julgado pronto para o serviço, e por consequência dessa reversão foi nomeado comandante do 36o Batalhão de Infantaria, porém, meses depois foi transferido para a 2a classe do exército por ter sido julgado sofrer de moléstia incurável que o tornava incapaz de continuar no serviço ativo28.

Em decorrência da sua transferência para a 2a classe, foi concedida uma permissão para continuar no Mato Grosso. Assim, o governo concedeu passagens para o deslocamento de sua família do Rio de Janeiro para o referido Estado, devendo o coronel Paula Castro indenizar os cofres públicos posteriormente.

Através de um decreto datado de 12 de abril de 190529, o coronel Francisco de Paula Castro foi reformado de acordo com a resolução de 1o de abril de 1871. Sua reforma foi no posto de General de Brigada com a graduação de General de Divisão, tendo o referido oficial passado a perceber um soldo de General de Brigada por inteiro e mais oito cotas de gratificação adicional, passando para 17 cotas em 190630.

Após deixar o serviço ativo do Exército, o então General de Divisão Graduado Francisco de Paula Castro continuou sofrendo dos males que adquiriu durante suas últimas viagens exploratórias, vindo a falecer na cidade do Rio de Janeiro no dia 27 de junho de 1909. Por ocasião de sua morte, o

24 Sua promoção ocorreu no dia 14 de dezembro de 1900. 25 Ordem do Dia n. 125 de 20 de março de 1901. 26 Ordem do Dia n. 129 de 1901. P. 309. 27 Através da Ordem do Dia n. 201 de 15 de abril de 1902, transferido para reserva em cumprimento de uma determinação de 11 de abril, que agregou o oficial à 2a classe, por motivo previsto no decreto n. 260 de 1o de dezembro de 1841. 28 Ordem do Dia n. 317 de 05 de dezembro de 1903. 29 Publicado na Ordem do Dia número 415 de abril de 1905. 30 A modificação do soldo foi publicada na Ordem do Dia n. 507 de 25 de julho de 1906, respeitando a tabela n. 1 da Lei n. 247 de 15 de dezembro de 1894.

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escritor e historiador Estevão de Mendonça publicou uma nota na Revista Matto Grosso nos seguintes termos:

O telégrafo acaba de nos transmitir a dolorosa notícia de haver falecido no Rio de Janeiro o general Francisco de Paula Castro. Alma grande e generosa, inteligência robusta e esclarecida, o finado sucumbiu em consequência de tenaz enfermidade adquirida no nosso sertão do norte, quando com ardor se propunha a realizar o projeto de ligar Cuiabá, por meio de uma grande estrada de rodagem ao Pará. Todos nós vimo-lo partir em 1900 para o vão do Rio das Mortes, forte e confiante no êxito da empresa que era um dos anelos do seu espírito de investigação e de estudo; todos nós vimo-lo regressar depois enfermo, colhido pela malária da região cujas águas vão descambar no Amazonas. Perdera a saúde então, e pouco depois dava por finda, reformando-se, a sua brilhante carreira militar, que pode servir de exemplo pela competência e pela disciplina irreprehensível que soube manter como comandado e mais tarde como chefe querido, que aliava, à brandura, a compreensão exata do dever. 31

O texto de Estevão de Mendonça, entre outras coisas, destacou a

participação do general Francisco de Paula Castro, na expedição de Karl von den Steinen em 1884, bem como o elogio do Ministro da Guerra, recebido pela confecção do relatório.

Nascido no Rio de Janeiro, a 28 de outubro de 1851, Paula Castro veio para Mato-Grosso ainda muito moço e aqui, já como capitão, em 1884, foi incumbido pelo governo de importante comissão científica, qual a de acompanhar como auxiliar, representando o ministério da guerra, a comissão exploradora do rio Xingú, chefiada pelo Dr. Karl von den Steinen. De como deu cumprimento àquela honrosa tarefa bem alto o próprio testemunho do Dr. von den Steinen, expresso nesse admirável livro que se intitula Durch Central Brazilien, os elogios que mereceu do titular da pasta da guerra, e o substancioso relatório que apresentou a essa autoridade militar. 32

Para o autor do texto, o relatório produzido por Paula Castro é um documento singelo, pois, além de apresentar importantes detalhes sobre rio Xingu, entre os quais, origem, navegabilidade e recursos naturais. Além disso,

31 Retirado de: Matto Grosso: revista mensal de sciencias letras, artes e variedades – 1907 a 1915 – PR_SPR_00478_355771. http://memoria.bn.br/DocReadre/DocReader.aspx. acesso em 13 de marco de 2013. 32 Retirado de: Matto Grosso: revista mensal de sciencias letras, artes e variedades – 1907 a 1915 – PR_SPR_00478_355771. http://memoria.bn.br/DocReadre/DocReader.aspx. acesso em 13 de marco de 2013.

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ele destaca a importância do documento em função da descrição pormenorizada dos índios da região.

Sem dúvida, as considerações feitas por Estevão de Mendonça refletem o significado do trabalho produzido por Francisco de Paula Castro. Se levar em conta, que o relatório militar, foi produzido ao longo da viagem realizada pelos membros da Comissão de Exploração do rio Xingu ele se torna a primeira fonte sobre o evento.

Recuperar informações sobre a vida de Francisco de Paula Castro permite compreender como algumas fontes inéditas ou pouco exploradas podem ajudar a depurar informações existentes sobre determinados acontecimentos, ou ainda, auxiliam na incorporação de outras fontes. Os estudos sobre o mencionado oficial do exército permitem conhecer, entre outras coisas, o papel de um membro da chamada mocidade militar da Escola Militar da Praia Vermelha em uma atividade prática que resultou na produção de um documento onde o mesmo, pode apresentar considerações políticas que parecem refletir aspectos presentes na mentalidade dos jovens oficiais formados na referida escola na segunda metade do século XIX.

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A ELITE POLÍTICA DE CASTANHAL (1965 A 1983)

Osimar da Silva Barros Resumo Este trabalho tem como propósito de apresentar um estudo inicial sobre a interferência da Ditadura Civil Militar (1964-1985) nas correlações de forças políticas de Castanhal, nordeste do Pará. Isso porque constatamos que havia uma união entre Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Mobilização Democrática Brasileira (MDB) e ambos construíram a hegemonia do Governo Militar na cidade castanhalense. Deste modo, mesmo com o processo de redemocratização, acompanhado de mobilizações urbanas de professores, de operários da construção civil e moradores de periferia, os quais questionaram a classe política dominante de Castanhal; a hegemonia de aspecto autoritário permaneceu na administração pública municipal e dificultou o crescimento político dos novos agentes históricos que surgiram no contexto das Diretas Já. Assim sendo, recorrendo a documentos institucionais e jornais impressos, pretendemos ampliar a compreensão da história política da Amazônia Contemporânea. Palavras-Chaves: Ditadura Civil-Militar. Hegemonia. Redemocratização.

Por volta de 1960 até o final de 1970, Castanhal passou por um processo

de expansão e reforma urbana. Diante disso, o poder público municipal quanto a imprensa local construíram um discurso de que a cidade vivia um momento excepcional na sua história: passava por período de “desenvolvimento” e de “progresso”, levando a afirmação que Castanhal servia de modelo de “evolução” para outras cidades paraenses1.

É importante salientar que tais alterações removeram a paisagem e um cotidiano de uma cidade que tinham como referencial a passagem do trem da Estrada de Ferro de Bragança, uma vez que Castanhal surgiu do processo de colonização da Zona Bragantina, nordeste paraense, no final do século XIX.

1 BARROS, Osimar da Silva. A “cidade modelo”: reforma urbana, conflitos sociais e o discurso de progresso em Castanhal (1960-1987). Orientador: Antônio Maurício Dias da Costa. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Belém, 2014.

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Essa ocupação – incentivada pelo poder público paraense – teve como base fundamental a criação de núcleos colônias às margens da ferrovia2.

A partir de 1960, a abertura da rodovia Belém-Brasília e que corta exatamente o centro de Castanhal, provocou uma alteração cotidiana e intensa metamorfose do espaço urbano castanhalense através de maior fluxo de migração, formou-se um setor terciário precário, pois muitos sujeitos sociais exerceram atividades como “arrumadores, motoristas de táxi, engraxates e outros”3. A abertura dessa estrada de rodagem está inserida no projeto de intervenção do Governo Federal, através do I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazônia (1955-1959), a partir da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que entre suas prioridades estariam a “ampliação de rede rodoviária, conseguindo a ligação terrestre entre a região Sul e Oeste do país, além da construção da estrada para unir o Pará e o Maranhão”4.

Dessa forma, a abertura da Rodovia Belém-Brasília, no início de 1960, não somente se tornou um empreendimento de significativa importância para Administração Federal do Governo Juscelino Kubitschek, mas objetivava a integração da “Amazônia ao projeto nacional-desenvolvimentista” 5. Nesse sentido, o Governo de JK (1956-1960), Brasil viveu um intenso “discurso desenvolvimentista e moderno dos 50 anos em 5” e isso teve como base o seu plano econômico projetado “através do Plano Nacional de Desenvolvimento ou Plano de Metas” que estimulou e priorizou o crescimento da indústria no território brasileiro6. Temos que destacar que esse plano deve ser considerado na inserção do discurso “nacionalismo desenvolvimentista”, pois os empreendimentos incentivados pelo Governo Central possuíam “um apelo ao senso de nacionalismo” e JK transmitia que para superar “o subdesenvolvimento nacional era de urgência necessidade industrializar o

2 LACERDA, Franciane Gama. Cidade e experiência ou cotidiano de uma cidade do Pará nas primeiras décadas do século XX. In: Pesquisa em História. São Paulo: Programa de Estudos pós-graduação em História.PUC/SP: Olho D`Água, 1999.p.201. 3 CONCEIÇÃO, Maria de Fátima & Oliveira, Aline Reis de. Políticas Agrárias e estrutura fundiária na Zona Bragantina: Nordeste Paraense. IN: ALENCAR, Décio de & BEZERRA NETO, José Maia. Terra Matura. Belém, Paka-Tatu, 2002.p.236-237. 4 PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no estado do Pará pós-1964. Belém, Paka-Tatu.p.72. 5 Idem. 6 VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Exteriores do Brasil (1945-1964): o nacionalismo e a política externa independente. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes. 2004.p.94.

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Brasil” e, para reforçar essa ideia, afirmava que o país possuía um “destino” que era “o caminho do desenvolvimento” 7.

Nesse contexto, a administração pública de Castanhal aprovou a realização de inúmeras obras urbanas com a intenção de acompanhar o discurso de “desenvolvimento” do Governo Central. Com isso, houve abertura de inúmeras vias, incluindo a construção da principal avenida da cidade que substituiu a Estrada de Ferro de Bragança; a retirada da cobertura vegetal de vários pontos urbanos, aterramento de vários igarapés, criação do primeiro bairro planejado, surgimentos de prédios acima de sete andares, demolição da estação de trem e do Mercado Municipal de Castanhal, aparecimentos de serviços bancários e instalação de energia elétrica permanente8. Todos esses empreendimentos públicos e privados levaram os vereadores e o executivo municipal a discursares que Castanhal também vivia um momento de “desenvolvimento” e de “progresso” 9.

Essa crença da “evolução” do espaço citadino se estendeu até o final da década de 1970. É importante destacar que a ideia de “desenvolvimento” defendida pela elite política e econômica castanhalense, vinha também dos discursos do Governo Militar (1964-1985).

A partir de 1964, o Brasil foi governador por militares, os quais promoveram um golpe militar que afastou o presidente João Goulart, por acreditarem que o chefe executivo estava ameaçando os valores e as instituições tradicionais do país e que poderia levar a implantação do socialismo no Brasil10. O país amargou vinte e um anos de autoritarismo e repressão, principalmente contra aqueles considerados líderes “subversivos” que implantariam o comunismo no Brasil11.

Assim sendo, consolidado a Ditadura Civil-Militar, o processo de ocupação territorial, político e econômico na Amazônia Brasileira pós-1964, não promoveu alterações do “modelo econômico nacional-desenvolvimentista dos anos de 1950 na gestão de JK” 12. No entanto, a SPVA foi substituída pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e a Amazônia Legal viveu três momentos distintos desde a criação desta instituição à

7 SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo, 1930-1964. Tradução coordenada por Ismênia Tunes Dantas. 7ªed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.p.207. 8 Essas evidências estão contidas ao longo dos Livros Atas da Câmara Municipal de Castanhal entre os anos de 1958 a 69: Livros Nº06, 07 e 09. 9 Idem. 10 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964 a 1985. Trad. Mario Salviano. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988.p.22. 11 Idem. 12 PETIT, Pere.op.Cit.p.23.

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derrocada do Regime Civil-Militar, e todas acompanhadas de diferentes planos: a primeira fase foi associada à política de incentivos fiscais que ampliação à política de substituição de importações, ocorrida em 1966; a segunda fase, entre os anos de 1970 a 1974, foi dada a grandes projetos associados a colonização, energéticos e ampliação de rede viária terrestre; e a partir da segunda metade dos anos de 1970, o governo central priorizou a intervenção econômica com base nas vantagens comparativas de que dispunham a Amazônia13.

Essas políticas de intervenção da Amazônia Brasileira foram consideradas pelo do Governo Militar, e dos seus apoiadores locais, momento de integração da região ao mercado nacional e internacional, somente assim, a Amazônia alcançaria o desenvolvimento14. Tal propaganda foi bastante elogiada nas sessões Câmara Municipal de Castanhal e também pelos prefeitos que exerceram mandatos, principalmente, entre segunda metade de 1960 e final de 1970, pois eles enviavam mensagens ao legislativo enaltecendo o governo federal15. Isto é, no período da Ditadura Civil-Militar, os vereadores da cidade de Castanhal da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e da Mobilização Democrática Brasileira (MDB) compartilhavam da opinião do grupo regionalismo conservador e esta aglomeração política do Pará concordava que os projetos inseridos pelo Governo Federal objetivavam superar o subdesenvolvimento da região, porque estava historicamente legada às margens da integração brasileira16. Diante disso, essa evidência nos leva constata que o poder público castanhalense, como já mencionamos acima, herdou o discurso desenvolvimento Regime Civil-Militar.

É pertinente destacar os laços políticos estreitos entre ARENA e MDB da cidade de Castanhal, porque, de acordo com os discursos analisados nas sessões ordinárias e extraordinárias, os vereadores argumentavam que os conflitos políticos na Câmara Municipal seriam inviáveis diante do “desenvolvimento” e do “progresso” que Castanhal passava e apontavam da necessidade de aprovar todos os projetos de leis do poder executivo, independente se o prefeito seria da ARENA ou do MDB17. Entretanto, tanto

13 Idem.p.75-79. 14 Idem. 15 Esses discursos estão contidos nos Livros Atas da Câmara Municipal de Castanhal, entre os anos de 1967 a 1974: Livros Nº07, 09 e 10. 16 PETIT, Pere.Op.Cit.p.250. 17 Os projetos de leis especialmente relacionados aos projetos urbanos e leis de incentivos fiscais estão contidos nas atas de reuniões ordinárias da Câmara Municipal de Castanhal. Março de 1967 a Junho de 1969. Livro Nº07.

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os vereadores castanhalenses da ARENA quanto do MDB apoiavam não somente os projetos de intervenção da Amazônia, mas também a própria ideologia que justificava o golpe militar18.

Para melhor compreender a importância dessa aliança política, devemos saber que ARENA e MDB surgiram no processo de construção do Estado Autoritário, uma vez que, depois de efetivado o Golpe Militar de 1964, foram anunciado uma série de decisões que ampliaram os poderes do presidente que exerceram o cargo entre os anos de 1964 a 198519. O Ato Institucional, como ficou conhecida essas decisões, partia direto do executivo e muitas vezes não passava pelo Congresso Nacional; nesse sentido, o Ato Institucional nº2, de outubro de 1965, aboliu a eleição direita para presidente, dissolveu os partidos políticos e, no seu lugar, estabeleceu o bipartidarismo20. Assim sendo, surgiu a ARENA, que aglomerava políticos que legitimava o Regime Militar; e MDB, que mesmo tendo mandatos cassados pela ordem do poder executivo, reunia políticos que criticavam propostas que agrediam a democracia21.

Frente a essas considerações este trabalho tem como propósito iniciar um estudo sobre a interferência da Ditadura Civil Militar (1964-1985) nas correlações das forças políticas de Castanhal, uma vez que, como salientamos, constatamos que havia uma aliança entre Aliança Renovadora Nacional e Mobilização Democrática Brasileira. Essa evidência foi averiguada ao longo de leitura das atas da Câmara Municipal de Castanhal, especificamente a partir dos livros atas de 1967 até volumes de 197922. Nesses documentos verificamos que aliança e/ou parceria entre ARENA e MDB se expressaram através de congratulações entre os membros dos partidos, os comparecimentos de todos os vereadores para inaugurações de prédios públicos e de eventos particulares, o apoio unânime dos legislativos aos prefeitos eleitos dentro desse período mencionado, elogios vereadores do MDB ao governo militar e ainda destacavam a importância dessa longa parceria, para mostrar as demais casas legislativas das cidades vizinhas que Castanhal se desenvolveu porque o legislativo castanhalense permanecia unido e defendia os empreendimentos do Regime Militar.

18 Livro Atas Ordinárias. Setembro de 1969 a Janeiro de 1971. Livro Nº09 e Livro Atas Ordinárias. Setembro de 1971 a Junho de 1974. Livro Nº10. 19 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 13ª edição. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro. p.160-161. 20 Idem. 21 Idem.p.165-166. 22 Livro Atas Ordinárias. Setembro de 1969 a Janeiro de 1971. Livro Nº09 e Livro Atas Ordinárias. Setembro de 1971 a Junho de 1974. Livro Nº10.

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A maior parte dessas evidências também está presentes nos jornais locais como Novo Horizonte, Jornal de Castanhal, Jornal do Interior e Gazeta do Interior. Esses impressos trazem matérias que relatam intensas atividades conjuntas entre vereadores da ARENA e do MDB, fotografias que exibem inaugurações de obras públicas e de ventos sociais e todas essas ações se encontram os representantes dos dois partidos e, inclusive, imagens que mostram os legisladores recebendo o governador da Arena, Alacid Nunes23.

Assim sendo, com base nessa análise inicial leva a edificação da nossa hipótese que consiste que tanto Aliança Renovadora Nacional e a Mobilização Democrática Brasileira construíram a hegemonia da Ditadura Civil Militar na cidade de Castanhal. Diante disso, para melhor compreender esta pesquisa, o recorte cronológico deste pré-projeto se inicia a partir de 1965, pois o Golpe Civil Militar logo interferiu nas correlações de forças dos vereadores de Castanhal porque, sob pressão de Jarbas Passarinho e Alacid Nunes, decidiram derrubar a administração municipal de Máximino Porpino Filho (1963-1965), simpatizante de João Goulart; e nomearam um interventor24. Nesse processo precisamos entender quem foram vereadores que apoiaram o golpe militar e quais foram os vereadores que formaram a ARENA e o MDB.

Estudar o processo de redemocratização é de fundamental importância para o entendimento deste pré-projeto. Deste modo, a abertura política – segunda metade da década de 1970 e o início de 1980 – começou durante a administração do General Ernesto Geisel (1974-1978) que reduziu “as restrições à propaganda eleitoral, e deu um grande passo, em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a volta dos primeiros exilados” 25.

Uma das razões de abertura está relacionada ao “fato de o general pertencer ao grupo de oficiais ligados ao general Castelo Branco, primeiro presidente militar” 26. Estes eram adeptos do liberalismo conservador, ou seja, não compartilhavam com a democracia, mas defendiam uma ditadura não

23 A Gazeta do Interior, Jornal de Castanhal, Jornal do Interior e Novo Horizonte circularam na cidade de Castanhal entre os anos de 1977 a 1981. Contudo, não conseguimos encontrar todas as edições e os que foram encontrados contem informações política local e dos membros da ARENA e do MDB. 24 A Ata ordinária ou extraordinária que trata sobre o processo de cassação do Máximino Porpino Filho não foi encontrada durante a pesquisa para o desenvolvimento da dissertação. E nossa evidência partiu das entrevistas de pessoas que eram funcionários públicos municipais, próximo do executivo, que testemunharam esse fato ocorrido em Castanhal. 25 CARVALHO, José Murílio. Op.Cit.p.173 26 Idem.

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permanente, uma vez que pretendiam entregar o poder central aos civis após expurgarem os populistas e comunistas 27. É importante salientar que os castelistas, como eram conhecidos o grupo ligado ao Castelo Branco, foram derrotados “pelos setores mais autoritários, Linha Dura, que colocaram no poder o general Costa e Silva” e estes defendiam uma ditadura permanente e sem participação dos civis e o momento máximo desse segmento autoritário foi representado pelo governo do General Médici (1969-1974) 28.

Outro fator que força a redemocratização consistiu no primeiro choque do petróleo29, em 1973, que pressionou o governo militar a “promover a redemocratização enquanto ainda houvesse prosperidade econômica do que aguardar para fazê-lo em época de crise” 30. Outro motivo estava relacionado em afastar as forças armadas da vida política, porque, segundo os castelistas, as atividades públicas e privadas distanciaram os militares de suas “obrigações profissionais” 31. E também buscavam desconstruir a estigma de que todos os militares eram torturadores, porque houve a organização de instrumentos de repressão instaurada “dentro das forças armadas um grupo quase independente que ameaçava a hierarquia” 32.

Contudo, o Governo Geisel ainda manteve autoritarismo como a suspensão do “Congresso por 15 dias e decretou” alteração na legislação eleitoral. Tal atitude ocorreu porque o governo obteve derrota nas eleições legislativas, em 1974. Com isso, a oposição, o MDB, ampliou o número de representante no congresso 33. Mesmo com essa decisão ditatorial, não houve paralisação do processo de abertura política34. Em 1979, o Congresso votou e aprovou a Lei da Anistia, já na administração do general presidente João Figueiredo (1979-1984).

No mesmo ano da aprovação da Lei da Anistia, decretou-se abolição do “bipartidarismo forçado”. Ou seja, surgiram novos partidos políticos, levando

27Idem.p.173-174. 28 Idem. 29 “Aumento brusco no preço do produto, promovido pela OPEP, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo. A triplicação do preço atingiu o Brasil com muita força, pois 80% do consumo dependia do petróleo importado”. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 13ªed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2010.p.174. 30 Idem. 31 Idem. 32 Idem. 33Idem.p.175. 34 Idem.

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a extinção da ARENA e do MDB35. Desta forma, houve “a retomada e renovação de movimento de oposição” como “a inovação do movimento sindical” que se caracterizava por se destacar líderes vindos das fábricas e não “da estrutura burocratizada”, tendo líderes carismáticos, como Luís Inácio da Silva, Lula 36. E esse novo sindicato era constituído de “operários de setores novos”, como “o de bens de consumo durável e de bens de capital” 37.

É relevante salientar que nesse contexto da redemocratização, Castanhal se tornou também palco de uma série de mobilizações coletivas populares que atravessaram até a primeira metade da década de 1980. E essas mobilizações começaram no Bairro do Milagre, em 1978, quando seus moradores realizaram inúmeras manifestações pacíficas para denunciar à violência policial, as péssimas condições de moradia, a escassez de serviços básicos como carência de pavimentação e a falta de água38. Passeatas pelo bairro e mutirões de limpeza foram algumas das formas para demonstrar a insatisfação com a administração pública municipal e essas séries de ações levaram a formação da primeira associação de moradores de Castanhal: Associação dos Moradores do Bairro do Milagre (ACOBAM), em 198339.

35 “A ARENA transformou-se no Partido Democrático Brasileiro (PDS), o MDB no Partido Democrático Brasileiro (PMDB), os antigos trabalhistas do PTB dividiram-se em dois partidos, PTB e Partido Democrático Trabalhista (PDT), este último sob a liderança de Leonel Brizola, recém-retornado do exílio. Os moradores do MDB reuniram-se em torno do Partido Popular (PP), que logo depois voltou a fundir-se com o PMDB. A grande novidade no campo partidário, no entanto, foi a criação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980. Todos os partidos brasileiros, antes e depois de 1964, com exceção do Partido Comunista, tinham sido criados por políticos profissionais ou por influência do poder executivo, haviam sido sempre dominados por membros da elite social e econômica. O PT surgiu de reunião ampla e aberta que participaram centenas de militantes. Sustentou-se em três grupos, principais, a ala progressista da Igreja Católica, os sindicalistas, e algumas figuras importantes da intelectualidade. Eram grupos heterogêneos que conviviam dentro do partido graça ao amplo espaço existente para discussão interna”. Ver: CARVALHO, José Murilo de.op. Cit.p.176-177. 36Idem.p.180. 37Idem. 38 A Gazeta do Interior, Jornal de Castanhal, Jornal do Interior e Novo Horizonte circularam na cidade de Castanhal entre os anos de 1977 a 1981. Contudo, não conseguimos encontrar todas as edições e os que foram encontrados contem informações política local e dos membros da ARENA e do MDB. E também essas fontes impressas tratam sobre os problemas urbanos e criticam ação de populares que questionam o poder público municipal de Castanhal. 39 Idem.

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Em 1981, estourou a greve dos professores da rede municipal de Castanhal que reivindicaram melhores condições de trabalho e pagamento mais justo pelo ofício do magistério40. Diante disso, os professores grevistas organizaram várias manifestações pelas ruas e praças da cidade e inclusive ocuparam a frente do prédio da Prefeitura de Castanhal41. Esse movimento foi fortemente combatido nos jornais locais, os quais taxaram os professores de “comunistas”42. Mesmo o prefeito se recusando de recebê-los ou atender suas reivindicações, o movimento dos professores manteve mobilizado por quase um ano e, de acordo com a própria imprensa contrária a grave, muitos pais de alunos apoiaram os grevistas, mas essa adesão foi considerada pelos jornais que os pais estavam sendo manipulados pelos professores43.

Diante disso dessas mobilizações dos moradores do Bairro do Milagre e dos professores da rede municipal de Castanhal, estamos pesquisando qual foi a reações dos vereadores das legendas ARENA e MDB que, no início do ano de 1980, esses legisladores já estão articulados em novos partidos políticos como Partidos Democrático Social (PDS), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido de Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) 44.

Portanto, mesmo com o processo de redemocratização, constatamos que permanece a hegemonia de aspecto autoritário – construída durante a Ditadura Civil Militar - na Câmara Municipal de Castanhal e buscaram dificultar a ação dos novos agentes históricos que surgiram na cidade no período das Diretas Já. Deste modo, pretendemos avançar a nossa pesquisa até 1983, pois quando se inicia o debate no interior da associação dos moradores e dos professores para construção de um partido de esquerda45. Nesse sentido, a relevância desta pesquisa nos levará a maior compreensão da história política da Amazônia Contemporânea.

40 Idem. 41 Idem. 42A Gazeta do Interior, Jornal de Castanhal, Jornal do Interior e Novo Horizonte circularam na cidade de Castanhal entre os anos de 1977 a 1981. Contudo, não conseguimos encontrar todas as edições e os que foram encontrados contem informações política local e dos membros da ARENA e do MDB. E também essas fontes impressas tratam sobre os problemas urbanos e criticam ação de populares que questionam o poder público municipal de Castanhal. 43 Idem. 44 Idem. 45 Essa informação se baseia em depoimentos orais que estão em fase coleta.

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O SENTIDO DA MODERNIZAÇÃO: PODER NAVAL, IMPERIALISMO E SEGURANÇA NACIONAL NO BRASIL

Pablo Nunes Pereira1

Resumo O presente trabalho é fruto das pesquisas em andamento do projeto de pesquisa intitulado Registros de Bordo: impressões sociais, controle e vigilância da Amazônia e do desenvolvimento do projeto de dissertação intitulado O exercício da Segurança Nacional pela Marinha de Guerra na Amazônia (1903-1918). O principal objetivo do trabalho é analisar como a Teoria do Poder Naval, criada por Alfred Thayer Mahan, que pressupunha a supremacia e o domínio dos mares como condição histórica essencial para a riqueza e desenvolvimento das nações impactou o pensamento e as ações da Marinha de Guerra do Brasil entre o final do século XIX e início do XX e como houve a construção de um sentido na modernização da Armada brasileira que estabeleceu a dicotomia Brasil litorâneo x Brasil fluvial.

Teoria do Poder Naval, Relações Internacionais e Imperialismo

Criada pelo almirante Alfred Thayer Mahan, a expressão Poder Naval é um

ponto chave nas relações internacionais ao longo da história. É interessante, nesse sentido, que sua principal obra, The influence of sea power upon history 1660-17832, é uma tentativa de explicação histórica para o soerguimento dos grandes impérios. O Poder Naval seria, portanto, um sentido histórico de guerras e conquistas, ou utilizando a expressão de Mahan, a história do Poder Naval seria (embora não somente), a história da competição entre os países3. Mahan, como filho de sua própria época, considerava a história como “mestra da vida”, buscando nela a comprovação dos elementos que o levariam a

1 Mestrando em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará, pesquisador do grupo de pesquisas Militares, poder e sociedade na Amazônia. 2 MAHAN, Alfred Thayer. The influence of sea power upon history 1660-1783. Boston: Little, Brown and Co. 1890. 3 Idem, p. 1.

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pensar a teoria, mas também como uma espécie de lei, uma filosofia4 que orientaria o presente e o futuro. Essa orientação se daria tanto no âmbito da tecnologia e aperfeiçoamento do que ele denominou “pessoal do mar” como na construção da riqueza e do poder das nações.

No sentido histórico, Mahan argumenta acerca de uma espécie de especialização das Marinhas quanto ao seu pessoal, e para tal, o almirante analisou três momentos diferentes, representados por três embarcações, isto é, pelas galeras (que representariam a antiguidade), os veleiros (que representariam a era dos descobrimentos, bem como do advento da pólvora) e os vapores (que representariam a conjuntura contemporânea ao autor). Com relação à antiguidade, Mahan citou batalhas navais envolvendo especialmente Roma e Cartago, argumentando que em grande medida a expansão da primeira deveu-se ao aparelhamento de uma marinha forte, sendo representativas das batalhas navais do período as galeras, onde a tração era essencialmente humana (devido ao uso dos grandes remos, que inclusive nomearam embarcações como os trirremes). Munidas de flechas e algumas vezes de projéteis (como pedras etc), o combate entre galeras era essencialmente de contato, onde uma precisaria estar ao lado da outra e as duas tripulações iniciariam lutas utilizando espadas, lanças e escudos. Os veleiros já se caracterizavam pela tração pelo vento, o que os possibilitou liberar toda a tripulação para outros afazeres e também para o combate, que já poderia ser travado a relativas distâncias pelo advento e uso de canhões, além de poder cruzar maiores distâncias em um período de tempo menor por utilizar a força dos ventos e das correntezas marítimas, o que também exigiu maior envergadura do navio e maior destreza da tripulação, que deveria, assim, dominar tais deslocamentos. Embora os veleiros sejam, na perspectiva de Mahan, um grande avanço no sentido de dominar os mares, parte significativa dos combates ainda se daria com o contato, uma vez que a maior parte dos canhões, ou bocas de fogo, deles situava-se nas laterais e contavam com um alcance consideravelmente menor5, então, tal como as galeras, os veleiros precisavam posicionar-se de maneira às suas tripulações lutarem entre si, nesse caso, utilizando além de espadas, pistolas e rifles que poderiam distanciar

4 MONTEIRO, Nuno Sardinha. Mahan, 7 virtudes, 7 pecados. Cadernos Navai, n. 45, Abril-Junho de 2013. Lisboa: Edições Culturais da Marinha, p. 12. 5 Os canhões laterais dos navios, consideravelmente em maior número que outros livres na parte superior, seriam instalados em janelas, o que diminuiria sua angulação, e em consequência, a balística era prejudicada.

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fisicamente o combate, mas o contato, o melée6 ainda era imprescindível. Os vapores, na ótica de Mahan, representam duas rupturas fundamentais com as galeras e os veleiros: em primeiro lugar, a propulsão a vapor tornou os navios praticamente independentes das ações dos ventos e das correntezas marítimas e em segundo lugar, a tração autônoma permitiu com que a configuração do navio mudasse, direcionando para a parte de baixo os motores e caldeiras e para as partes superiores o armamento, sendo que as embarcações, maiores e mais resistentes (feitas de ferro e aço) poderiam ter armas de longo alcance, uma vez que a angulação dos canhões seria livre (em muitos casos, os canhões podem girar 360º em sentido horizontal e 180º em sentido vertical), o que permitiu que as tripulações dos navios não se enfrentassem diretamente, liberando-as para especializar-se nos aspectos técnicos e operacionais dos navios. Em síntese, o advento do vapor para Mahan é também o marco de transição entre navios que comportavam tripulantes que deveriam mesclar habilidades de infantaria e de navegação em direção a marinheiros, totalmente dedicados ao navio em si, pensando o combate à distância que deveria ser planejado e calculado. A perspectiva histórica do almirante americano era, pois, progressista, mas também levavam em consideração que a tecnologia e o aperfeiçoamento do pessoal eram aspectos inter-relacionados, sendo a primeira influenciando o segundo.

O Poder Naval se impunha também como uma necessidade de dominar os mares e Mahan o compreendeu como uma grande “via de circulação”7, pois segundo ele, o mar sempre compreendeu a via mais fácil e barata de transporte8, por isso mesmo, demandando uma proteção armada aos mares e, portanto, a supremacia sobre eles. Por essa razão, Mahan acreditava que o comércio marítimo e as atividades comerciais envolvendo o litoral e os portos deveriam ser cuidadosamente vigiadas e supervisionadas, pois não se tratava apenas da vigilância a uma atividade, mas uma condição essencial para o desenvolvimento das nações. Dessa forma, Mahan construiu uma espécie de escala onde avaliou os países que possuíam maior Poder Naval, sendo o principal país, à época, a Inglaterra, o que levava em consideração alguns fatores. O primeiro deles era a posição geográfica, em que a distribuição das fronteiras terrestres e marítimas seria o fator determinante para o Poder Naval, já que, por exemplo, se um país possui muitas fronteiras terrestres, também tem maior risco de sofrer invasões diretamente por terra,

6 Expressão francesa comumente utilizada para designar a luta utilizando armas de contato, como espadas, maças, martelos, lanças etc. 7 MAHAN, Op. Cit., p. 24. 8 Idem.

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demandando que direcione seus investimentos aos exércitos, o que, por exemplo, representava uma grande vantagem para a Inglaterra, por ser uma grande ilha e, portanto, redirecionar a maior parte dos esforços à Royal Navy. Por outro lado, a proximidade marítima a um inimigo também teria influência na estratégia militar tomada, pois facilitaria, segundo Mahan, a guerre de course, estratégia onde a destruição do comércio marítimo do inimigo seria o foco. O segundo fator é a conformação física do país, ou seja, a acessibilidade ao mar e, segundo o autor, quanto mais um país é recortado em ilhas, maior deve ser sua atenção ao aspecto marítimo. O terceiro fator é a extensão territorial, especificamente, a extensão de suas fronteiras marítimas, o que pode ser um fator vantajoso ou não dependendo da distribuição e do tamanho da população de um país, sendo que, por exemplo, os Estados Unidos, embora possuíssem uma grande fronteira marítima, precisam conformar dois lados distantes entre si (a Marinha da costa leste não é igual àquela da costa oeste), o que em parte facilitava o comércio e o transporte e por outro, demandava a defesa simultânea de duas porções como dois países diferentes. O quarto fator é o número de habitantes, onde a distribuição geográfica, como colocado anteriormente, é importante, mas especialmente o engajamento ao Poder Naval, isto é, o número de pessoas diretamente ligadas à navegação e à Marinha, e nesse sentido, a Inglaterra teria não apenas uma esquadra poderosa, mas também a indústria e a economia direcionadas ao mar. O quinto fator é o que Mahan denomina “características nacionais”, que variava desde a “predisposição” ao uso do mar até os aspectos de governo, como o nacionalismo, o controle da economia e das fronteiras. O sexto e último fator é o conjunto de características do governo, onde curiosamente, Mahan afirma que governos ditatoriais construíram marinhas e estruturas de comércio mais sólidas que os governos “populares”, embora considere que as principais influências do governo para o Poder Naval são o incentivo à indústria e ao “aventureirismo”.

Mais que uma influência no âmbito militar, entendo que a disseminação da Teoria do Poder Naval seja fruto daquilo que Edward Said (2011) coloca como ponto central de sua obra9, isto é, que o Imperialismo produz uma linguagem ou formas de expressão próprias. Portanto, entendo que o Poder Naval surge como uma perspectiva de legitimação dos grandes impérios, ou seja, como uma maneira de justificar do ponto de vista linear e progressista da história a existência de potências e áreas colonizadas ou não desenvolvidas. Nesse sentido, compreendo também que formas de expressão da cultura imperialista são verificadas na Marinha de Guerra do Brasil como um estado

9 SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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de vir a ser uma potência, onde embora não houvesse colônias a administrar, haveria um modelo de marinha a ser seguido e que se encontrava no que denominava “potências predominantes”10. Em grande medida, foi o modelo das grandes potências que norteou os programas de modernização naval, ou modernização de material, do início do século XX na Armada e o atual estágio de minha pesquisa situa-se justamente na percepção acerca não apenas de ações, mas de um sentido ou de uma lógica que dividiu o Brasil do ponto de vista naval em duas dimensões diferentes: o Brasil litorâneo x o Brasil fluvial.

Olhando para o mundo e construindo uma potência naval: experiências da Marinha na esquadra brasileira

Em 31 de dezembro de 1909, o Rio de Janeiro recebeu o Encouraçado

Minas Gerais como símbolo de pujança, de força e da potência que o Brasil ambicionava ser11, sendo este navio produto de uma encomenda feita à Inglaterra, especificamente à Armstrong Whitworth,12, entretanto, os parâmetros dos projetos de aquisição dos navios e modernização de material13 passaram por experiências de observação e contato com marinhas estrangeiras.

Na edição 26 da Revista Maritma Brazileira, me chamou a atenção sobre tal aspecto um artigo, de autoria de Ruy Barbosa14, que ressaltava a importância da obra de Mahan e de atenção do Brasil às fronteiras navais, segundo ele:

As fronteiras terrestres franqueião apenas o acesso do território aos vizinhos. O inimigo possível está naturalmente determinado pelo contacto. O litoral porém, fronteira do oceano, campo comum de todos os povos navegadores, abre os

10 O termo é utilizado na seção “Chronicas”, da edição 37 da Revista Marítima Brasileira de 1900, pp. 94-98 para designar Inglaterra, França, Rússia, Alemanha, Itália, Estados Unidos e Japão. 11 CAPANEMA P. DE ALMEIDA, Silvia.” A modernização do material às vésperas da revolta dos marujos de 1910”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 23, n. 45, janeiro-junho de 2010 12 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Material Flutuante. 1905. 13 Para uma discussão acerca da modernização técnica e da segurança nacional no fim do século XIX e início do XX na Marinha brasileira, ver FARIAS, William Gaia; NUNES PEREIRA, Pablo. A Marinha de Guerra na Amazônia: atuação e questões de modernização técnica (final do século XIX e início do XX). Revista Navigator, vol. 10, n. 20, 2014, pp. 55-69. 14 BARBOSA, Ruy. Carta de Inglaterra. Revista Maritma Brazileira, ed. 26, 1895, pp. 393-414.

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paizes marítimos aos commettimentos da avidez estrangeira, contra o qual não há anteparo decisivo senão no coração do marinheiro e na solidez da marinha.”15

A carta de Ruy Barbosa, à época residente na Inglaterra, evoca o que

Francisco Doratioto coloca sobre o Barão do Rio Branco, isto é, embora o Brasil lançasse diretrizes pacifistas para as relações internacionais, era ciente da necessidade de defender militarmente o Brasil16. Nesse sentido, possivelmente pela mesma razão a mesma edição da revista trouxe uma seção intitulada “comparação dos poderes navais de Estados Unidos e Inglaterra”, onde são citadas as embarcações, portos e outros aspectos sobre os dois países. Outro ponto importante é o acompanhamento dos conflitos envolvendo o Japão. Em 1903, a Marinha enviou ao país o capitão-tenente Antonio Julio de Oliveira Sampaio17 com a finalidade de acompanhar tanto no sentido estratégico, isto é, as táticas e ações realizados, como no sentido logístico, isto é, as características das embarcações que participaram do conflito Russo-Japonês. Em 1900, a Revista Maritma também publicou artigo onde foram transcritos cartas e termos da guerra Sino-Japonesa18, onde são ressaltados os bloqueios feitos na batalha de Wei-Wai-Wei, onde os encouraçados e cruzadores japoneses impediram a comunicação naval do porto e cortaram os seus suprimentos por se tratar de uma posição geográfica de baía, onde, pela própria reentrância do mar, tal estratégia foi fundamental.

Entendo que é justamente na observação aos princípios de tais países de acordo com os pressupostos do Poder Naval que a Marinha de Guerra norteou não apenas a aquisição de embarcações, mas também a reorganização da própria esquadra sita no Rio de Janeiro ao longo do início do século XX, especialmente no ano de 1907. Considero o referido ano como ponto fundamental para pensar essa lógica de condução da Segurança Nacional pela série de reformas (administrativas, de material e de pessoal) que foram promovidas sob a gestão do vice-almirante Alexandrino Faria de Alencar, que desde 1905 ocupou o cargo e modificou o programa naval apresentado em 190319 no sentido de utilizar como principal parâmetro e núcleo o navio inglês

15 Idem, p. 413. 16 DORATIOTO, Francisco. “O Brasil no Mundo”. In: SCHWARCZ, Lilia Mortiz (org). A abertura para o mundo 1889-1930, História do Brasil Nação: 1808-2010, vol. 3. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012. 17 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Adido Naval. 1903. P. 15. 18 ARIGA, Nagao. A guerra Sino-Japonesa do ponto de vista do Direito Internacional. Revista Maritma Brazileira, ed. 37, 1900, pp. 56-84. 19 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Material Flutuante. 1903.

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HMS Dreadnought, que foi modelo para o Minas Gerais. O navio inglês também é representativo dos rumos que os Estados Unidos imprimiram à sua Marinha, isto é, utilização de navios de grande porte e poder de fogo.

Em 1907, a esquadra20 foi reorganizada, sendo que cada uma de suas divisões, que antes mesclava com frequência navios de mesmo tipo, passou a ter não apenas uma diversificação, mas também os principais encouraçados e cruzadores como centro. Ela passou a ser organizada da seguinte forma21:

a. 1ª Divisão Naval: comandada pelo contra-almirante Duarte Huet Bacellar Pinto Guedes, era composta do Encouraçado Riachuelo (navio-chefe e almirante), Encouraçado Barroso e Cruzador-Torpedeiro Tamoyo; b. 2ª Divisão Naval: comandada pelo contra-almirante José Porfírio de Souza Lobo, era composta do Encouraçado Deodoro (navio-chefe), Encouraçado Floriano, Cruzador-Torpedeiro Tymbira e Cruzador-Torpedeiro Tupy; c. Divisão de Torpedeiras: composta do Rebocador Audaz, Torpedeira Pedro Ivo, Torpedeira Pedro Affonso e Torpedeira Bento Gonçalves; d. Divisão de Instrução: comandada pelo contra-almirante João Marques Baptista de Leão, era composta do Navio-Escola Benjamin Constant, Navio-Escola Tamandaré, Navio-Escola Primeiro de Março e Caça-Torpedeiro Gustavo Sampaio.

É importante esclarecer que alguns navios poderiam ter sua designação alterada na documentação, como é o caso de Gustavo Sampaio, Tupy, Tymbira e Tamoyo, ora referidos como Cruzadores-Torpedeiros, ora como Caça-Torpedeiros. É importante também diferenciar as categorias de navios apresentadas: navios encouraçados, ou battleships eram as embarcações com maior blindagem (couraça), sendo portanto, mais resistentes e mais pesados, frequentemente eram também os navios de maior comprimento à época (e assim permaneceram até o advento dos navios-aeródromos, ou porta-aviões), mas seu peso também influenciava em um aspecto fundamental para a navegação militar, o deslocamento, que é definido como a quantidade de água deslocada para todas as direções (em toneladas) quando o navio se movimenta, já que navios com um alto valor de deslocamento podem desestabilizar embarcações que estejam por perto (especialmente de pequeno porte), além de garantir maior estabilidade em relação à água; os navios cruzadores, os cruisers eram menos protegidos que os encouraçados, mas

20 Esquadra é uma palavra que tanto pode designar todas as embarcações militares de um país como também o agrupamento de navios de diversos tipos diferenciados como uma unidade, sendo este último significado o qual me refiro aqui. 21 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Movimentação dos Navios. 1907.

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frequentemente possuíam maior poder de fogo, embora em muitos momentos cruzadores e encouraçados se confundissem, também foram constituindo-se como navios de menor porte em relação a eles e de maior velocidade; os torpedeiros foram utilizados principalmente como navios defensivos, por seu pequeno tamanho e armamento leve, embora algumas categorias os tenham diferenciado significativamente, como cruzadores-torpedeiros, que mesclavam maior porte, armamento pesado e torpedos22, sendo, portanto, mais ofensivos, já os caça-torpedeiros, com dimensões maiores que os torpedeiros comuns e menor poder de fogo que os cruzadores-torpedeiros, eram navios defensivos, e próximo à Primeira Guerra Mundial, surgiram os contratorpedeiros, ou destroyers, que eram essencialmente navios ofensivos, com alto poder de fogo e velocidade. Centralizar a esquadra em encouraçados e cruzadores seria, em meu entender, uma forma de adaptar a Marinha de Guerra brasileira a um novo padrão de guerra naval e de expressão do Poder Naval, onde a própria pujança do poderio também representaria a força do país.

Amazônia e Brasil central

A lógica do Poder Naval aplicada pela Marinha no país, como os

programas de modernização naval e as reorganizações e reformas promovidas me parece ter construído uma relação de conflitos e divisões na instituição, isso porque dentre as ações realizadas no Brasil dos rios, há demandas por maior e menor presença na região, como abordarei a seguir.

Segundo Levy Scavarda, a criação da Flotilha do Amazonas23, em 1868, bem como a condução de uma política de defesa da região teve como motivação a Guerra do Paraguai24, isto porque ela foi essencialmente fluvial. Embora tal guerra tenha exercido forte influência sobre a Marinha ao longo do fim do XIX e início do XX (e ainda hoje muitos dos símbolos da instituição são relacionados a ela, como seu patrono, almirante Tamandaré), as relações internacionais também nortearam ações importantes, como o caso da criação da Divisão Naval do Norte, em 1902, para garantir a ocupação do

22 O torpedo é um projétil altamente penetrante nos cascos de navios que tem movimentação subaquática e propulsão própria, ao contrário dos projéteis de canhões e metralhadoras, designados para percorrer espaços aéreos e ser propulsionados pela explosão da arma que os disparou. 23 Organização militar da Marinha que possuía navios de guerra com a designação de defender a região amazônica. 24 SCAVARDA, Levy. História da Flotilha do Amazonas. Duque de Caxias: Imprensa Naval, 1968

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Acre mesmo com a via diplomática de resolução de tal conflito, formada pelo Encouraçado Floriano, Cruzadores-Torpedeiros Tupy e Tymbira e pelo Caça-Torpedeiro Gustavo Sampaio25. A Divisão existiu até 1905, quando, em paralelo ao programa naval, foram adquiridas as canhoneiras fluviais Acre, Amapá, Juruá e Missões, pensadas levando em consideração as particularidades geográficas e técnicas da região26. Entretanto, ao mesmo tempo em que há em vários Relatórios Ministeriais da Marinha a reafirmação da necessidade de defender a região, há também a construção de um discurso, ou ainda dialogando com Said, de uma linguagem em que ela e a Flotilha do Mato Grosso27 são excluídas do processo de modernização e desenvolvimento imprimido pela Marinha.

“A vida nas flotilhas é de muito labor devido o clima”28. A frase, presente no Relatório Ministerial de 1908, é representativa daquilo que em grande medida, a Amazônia e o Mato Grosso em parte representavam no imaginário da instituição: um lugar distante, hostil e dificultoso, onde não apenas a precariedade estrutural poderia comprometer o trabalho (o comando da Flotilha do Amazonas frequentemente era transferido de Manaus para Belém e vice-versa utilizando-se o discurso sanitário da cidade, como epidemias etc) como também suas características próprias não permitiam a vinda dos grandes encouraçados e cruzadores à região, e portanto, compreendo que a lógica de modernização e exercício da Segurança Nacional da Marinha no Brasil fluvial foi simultaneamente a dificuldade de inserção em um projeto de imperialismo e projeção internacional e necessidade de se fazer presente por conjunturas internas (como a questão acreana) e externas (como as guerras ocorridas no período). A situação da Amazônia talvez não tenha sido pior que a do Mato Grosso devido às riquezas produzidas pela Belle Epoche amazônida. A Flotilha do Mato Grosso, ao contrário da do Amazonas, que recebera as canhoneiras mencionadas, se sustentou principalmente com os navios movidos das extintas Flotilhas do Rio Grande do Sul e do Alto Uruguay (foram extintas porque a própria esquadra passaria a defender todo o litoral brasileiro, organizando de forma sazonal divisões navais do nordeste ao sul do país, tendo como sede o Rio de Janeiro) e recebendo em alguns momentos certo

25 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Divisão Naval do Norte. 1902. 26 Para uma discussão mais aprofundada sobre, ver FARIAS e NUNES PEREIRA, Op. Cit. 27 Organização militar da Marinha designada a defender a região fluvial central do Brasil. 28 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Flotilhas. 1908.

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desprezo por parte do Ministério da Marinha, como, por exemplo, em 1912, quando o ministro da Marinha, vice-almirante Manuel Ignácio Belfort Vieira, afirmou que ela deveria ser extinta e a defesa da região feita apenas pelo Exército29, entretanto, embora a pesquisa encontre-se em andamento, percebo a possibilidade de compreender o sentido da modernização da Marinha no país na dicotomia litoral x sertão fluvial.

29 Ministério da Marinha. Relatório Ministerial da Marinha. Flotilhas Navais. 1912.

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O MOVIMENTO ESTUDANTIL NO PARÁ NO ANO DE 1968

Paulo Sérgio da Costa Soares1

Resumo

Este artigo tem por escopo analisar o movimento estudantil no Pará, dando ênfase a Universidade Federal do Pará, no ano de 1968, a qual estava sobre administração do reitor José Silveira Neto, assim como compreender, dentro deste contexto específico da ditadura civil-militar, como os estudantes reivindicaram os seus objetivos, o debate sobre a reforma universitária, o processo de ocupação das Faculdades e as manifestações de rua. Palavras Chaves: Governo Militar, Universidade, Movimento Estudantil.

O ano de 1968 é o marco para as mobilizações sociais2, onde emergiam

sempre um propósito e uma proposta para um mundo em constante mudança, onde acompanhados de sonhos, revoltas, lutas, desesperos, não aceitabilidade do que se oferecia nos aspectos políticos, sociais, culturais e educacionais, a juventude ainda vivia sobre a influência da Revolução Cubana3, onde uma possível mudança poderia acontecer se toda a sociedade que assim almejasse, e os estudantes tomaram essa responsabilidade para si, em busca de novos horizontes culturais e políticos4.

Ao analisarmos ao movimento estudantil e a universidade no contexto do governo autoritário em Belém utilizando como fonte tanto os acervos produzidos durante a ditadura brasileira bem como com fontes produzidas pelos diferentes movimentos que realizaram resistências dentro da universidade através de diferentes grupos que resistiram uma memória do ano de 1968, este ano ficou cristalizado na historiografia como sinônimo de revolta dos estudantes, isso porque vem sendo associado ao maio de

1 Mestrando em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará. 2 REIS, Daniel Aarão. Moraes, Pedro de. 1968. A Paixão de uma Utopia. 3 edição, rev. e atual. Rio de Janeiro, editora, FGV, 2008 3 FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana. Editora Expressão popular: São Paulo. 2012. 4 HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século xx: 1914- 1991. A Revolução Social 1945-90; tradução de Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pág. 292.

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parisiense, quando os estudantes erguerão barricadas, enfrentou o exercito e se somaram ao movimento operário que decretou greve geral, esta expressão referente à primavera de Praga, que foi um movimento nacional Tcheco- Eslovaco contra a opressão exercida por moscou que na época era capital da extinta URSS5.

As fontes que compõem este trabalho são compostas por atas do conselho universitário que representam a visão oficial da universidade que ajudou a conhecer o debate da reformulação da estrutura dos cursos, as grades curriculares, da sua infraestrutura, assim como, mostraram as divergências sociais no âmbito da instituição. Os acervos de jornais foram considerados como portadores dos posicionamentos do movimento estudantil. Para os autores, Luiz Costa e Rita de Cassia Vasconcelos, devemos examinar os jornais com a preocupação de relacionar o texto com o contexto, pelo fato de termos que considerar a estrutura do texto, das noticias, resultado de escolhas e influencias fornecida pela conjuntura especifica na qual ele (o texto) foi produzido6.

Um dos aspectos analisados neste trabalho será o uso de memória, como objeto de pesquisa e como fontes. O conceito de memória segundo Michael Pollak (1992) permite captar a diversidade das visões ao longo tempo de determinado processo histórico, ou seja, a memória é algo seletivo, sendo considerada uma fonte importante que permite fazer a ligação necessária para torna o passado recente inteligível.

Portanto ao relacionarmos as fontes impressas com a teoria da história e as memórias de pessoas contemporâneas ao período estudado, consideramos que as fontes orais propõem “alternativas de diálogos com outras versões historiográficas e documentais7”. O historiador Eric Hobsbawm, nos fala que o arquivo escrito e a memória pessoal se chocam ou completam-se mutuamente. Para esse autor as fontes orais não são confiáveis, porém sua contribuição é essencial8.

5 REIS, Daniel Arão. Ditadura Militar, esquerda e sociedade/ Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2000. 6 COSTA, Luiz Gustavo Santos; VASCONCELOS Rita de Cassia Azevedo Ferreira de, Abolicionismo e imprensa na Corte e em Ouro Preto na ultima década da escravidão (1880-1888) – Temporalidades, Revista Discente do Programa de Pós- graduação em Historia da UFMG- Vol.2, n°1, janeiro/julho de 2010- ISSN: 19846150. 7 MEIHY, José Carlos. HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer como pensar. São Paulo: Editora Contexto, 2011. 8 HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios:1875-1914. Introdução. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Revisão Técnica, Maria Celia Paoli: São Paulo, Editora Paz e Terra, 12º edição, 2008, p. 18.

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Em vinte nove de março de1968, os estudantes brasileiros acordaram em estado de luto, devido o assassinato do estudante secundarista paraense. O conhecimento da morte de Édson Luiz representou um momento de união da juventude brasileira, pois em diferentes lugares inúmeros jovens se manifestaram9. Em Belém a juventude fizeram uma reunião na sede do Diretório Central dos Estudantes, sob a liderança da União Acadêmica Paraense, com os respresentantes dos diretorios acadêdimicos e alunos secudaristas para debateram sobre o assassinado de Édson Luiz de Lima Souto pela apolícia militar do Rio de Janeiro. Nesta reunião concluíran que iriam realizar um enterro simbolico e decletaram Luto Oficial por sete dias. E lançaram uma nota Oficial na imprensa convocado a sociedade civil conta este ato inadimissicivel contra a sociedade brasileira. Os estudantes paraenses fizeram os seus protestos de indignação pelas as ruas da cidade, na Assembleia Legislativa, realizaram comicíos e mandaram celebra a missa de sétimo dia, a qual reunio autoridades políticas e cidadãos civil. Segundo Aluízio Lins Leal10, a morte de Édson Luiz foi o primeiro grande evento do movimento estudantil no Pará, dando início de uma serie de passeatas de oposição ao governo militar, como também deu início à organização da polícia militar paraense para tentar cerca e reprimir o movimento.

No dia 02 de julho de 1968, o reitor reuniu os conselheiros e representantes dos discentes, para informa-lhes sobre Plano de Reforma Administrativa da Universidade. O Reitor comunicou a todos que recebeu uma cópia do parecer do relator Newton Sucupira ressaltando que o Plano já estava preste a ser julgado pelo Conselho Federal de Educação (CFE). Contudo passou a informação da necessidade de refazerem alterações, as mesmas poderiam ser feita com base de o referido parecer pelos os Conselheiros, os quais deveriam fazer suas opções em acatar ou não as sugestões de Sucupira, mas era necessário que houvesse as modificações.

O reitor procurou convencer os conselheiros argumentando que a permanência da Escola de Química não tinha fundamento e não era condizente com a estrutura da universidade, pois não atendia as diretrizes de base do ensino. Em vista disso, o Reitor mencionou que a escolha deveria ser do Instituto de Química, pois iria administrar os estudos ulteriores ao básico,

9 VALLE, Maria Ribeiro. 1968: o diálogo é a violência, Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1999. 10 Depoimento Aluízio Lins Leal concedido ao projeto “A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-1985)”. Coordenado pela professora Edilza Oliveira Fontes. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: abril de 2015.

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deste modo absorveria a Escola de Química sem nenhum transtorno. Após a exposição do relatório o reitor, ainda conclamou que o Conselho Universitário aceitasse as orientações de Sucupira.

Ao iniciar o debate o diretor da Escola de Química, Júlio dos Santos Ribeiro, mostrou-se não acreditar no parecer e afirmou que não aceitava os argumentos de Newton Sucupira, na ocasião pediu aos demais conselheiros que aguardassem o resultado do Conselho Federal de Educação, pois a Escola de Química iria recorrer solicitando a permanência das duas unidades perante Conselho Federal de Educação. Diante deste impasse Silveira Neto fez questão de enfatizar que a decisão os demais conselheiros fosse favorável a manutenção da Escola de Química, acarretaria no atraso na reformulação da universidade, pois tinha certeza que o CFE não aceitaria a permanecia de duas unidades de Química.

O conselheiro Júlio Ribeiro compreendeu que a Escola Superior de Química iria ser extinta, está leitura não se restringiu apenas a ele, foi também compreendida pelos estudantes, deputados federais da casa legislativa do Estado. Pois o poder legislativo, solicitou a presença a presença do reitor a casa para explicar os motivos dom querer extinguir a Escola de Química, haja em vista, que a mesma contribuía efetivamente com o desenvolvimento industrial do Estado, no entanto, o reitor não compareceu a audiência para elencar suas devidas explicações.

Paralelamente o debate sobre a reformulação da universidade não estava restrito apenas ao Conselho Universitário, fazia parte das assembleias realizadas nos diretório acadêmico da Faculdade de Medicina, Engenharia, Direito, Química e Filosofia Ciências e Letras, os estudantes em Belém, foram extremamente atuante em prol de mudanças políticas-sociais para o ensino superior, apesar de haver divergências ideológicas, os mesmos permaneciam unidos para a conquista de suas reivindicações.

Os universitários lutavam contra as limitações de verbas, precariedade de material, má renumeração dos professores, falta de pagamento das bolsas de estudo, os acordos do Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development (MEC-Usaid11), a existência de certas cátedras consideradas ultrapassadas. Além de realizarem uma ampla campanha pela manutenção da Escola de Química, dentre outras reivindicações12.

11 Ver POERNER, Artur José, 1939 – O Poder Jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. Os Acordos MEC-Usaid. 5º ed. ilustrada rev. ampl. e atual – Rio de Janeiro Booklink, 2004. 12 Término de Férias Revigora Protestos. O Liberal; 04 de julho 1968, 2º Cad. pág. 1.

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Os estudantes eram estimulados a determinarem as reivindicações, em prol de uma universidade que atendesse democraticamente a todos, caso ao contrário ficariam lamentando as determinações do governo federal, como podemos observar na fala do padre Silveira em uma assembleia dos universitários conclama os estudantes a se empenharem na busca de soluções para os problemas. Invocando a letra da música de Billy Blanco (...) “ou encaramos o problemas de frente ou ficará tudo em conversa e o canto será sempre chorado”13.

Outro fator importante na conjuntura do movimento estudantil era a participação de membros de partidos políticos clandestinos que estavam na liderança dos estudantes, como ressaltou Waldir Mesquita, ao ser entrevistado pela historiadora Edilza Fontes para o projeto “A UFPA e os anos de chumbo”, ao falar que houveram dois partidos políticos inseridos no movimento dos estudantes em Belém em 1968, e aponta os possíveis universitários participantes dessas unidades políticas.

A AP era muito mais radical que nós, do Partido Comunista Brasileiro. E geralmente todas as propostas da AP eram de ir para passeata, pintar muro e apedrejar. Nós achávamos que o movimento estudantil podia até chegar lá, mas você precisava primeiro ter condições objetivas para isso e condições subjetivas. Ter massa para isso. Esse era um debate teórico nosso, que era feito nas assembleias, e que isso durava... Eu lembro que tinha assembleia que começava às 19h e terminava 3h. Eu, Ruy Antônio, Monteiro debatendo contra Fiúza, Fialho e, secundariamente, o Paulo Monteiro, que é hoje médico, presidente do sindicato dos hospitais, que era a terceira pessoa da AP. Mas era algo muito interessante, porque nos obrigava a estudar política, nos obrigava a ser organizados na questão das estratégias. Mas a ocupação não foi uma proposta do PCB, foi uma consequência das reivindicações menores14.

A memória de Waldir Mesquita contribuir para irmos além dos jornais,

pois trazem uma visão unilateral em relação aos coordenadores do movimento estudantil em Belém, noticiavam que as suas reivindicações tinham somente relação com a questão do ensino, não mencionando nenhuma articulação política partidária.

13 Proposta Para Tomar Reitoria Faz Terminar Em Tumulto Assembleia De Universitários. Jornal A Província do Pará; 11 de julho de 1968, 1º cad. pág. 8. 14 Depoimento de Waldir Paiva Mesquita concedido “A UFPA e os Anos de Chumbo: memórias, experiências, traumas, silêncios e cultura educacional (1964-1985)”. Coordenada pela professora Edilza Joana Oliveira Fontes. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: dezembro 2014.

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Os jornais de Belém noticiavam que nos últimos dias do mês de julho e início de agosto as atividades estudantis, publicaram noticias sobre as organizações de assembleias e mesas redondas o intuito de conclamar os universitários para a luta.

O jornal a Folha do Norte, do dia 28 de julho, notificou que as ocupações começou na Escola Superior de Química, sendo deliberada após uma assembleia entre os professores e alunos que se reuniram para debaterem a ameaça de extinção que se fazia presente no plano de reforma da Universidade Federal do Pará. Após os estudantes resolveram permanecer no local por tempo indeterminado a fachada principal da escola foi tomada por cartazes contrários a decisão do Reitor.

A província do Pará em seu periódico do dia 02 de agosto traz a informação sobre a Faculdade de Engenharia que aderiu a luta, em solidariedade a Escola de Química, como também apresentou seus descontentamentos, exigindo soluções, como “o afastamento do diretor da Escola, o qual tinha atingindo a compulsória, melhores condições de ensino, melhores salários aos professores, reforma total da estrutura da Escola”. Destacou também que o Governador do Estado interferiu na crise estudantil paraense ao se solidarizar aos estudantes de Química, prometendo soluciona junto ao reitor Silveira Neto o problema criado com a ameaça de transformação da Escola de Química, em Instituto.

O jornal O Liberal publicou que ocorreu mais ocupações de Faculdades e que os estudantes segundaristas estavam aderindo a causa dos universitários. Dentre as novas Faculdades tomadas estavam a da Faculdade de Direito, Medicina e Filosofia, reproduzindo apenas a atitude dos acadêmicos de Engenharia e Química Industrial, colocou que iria ocorrer um possível alastramento da crise com adesão da Faculdade de Odontologia e a Escola de Arquitetura, as quais estavam em assembleia discutindo o posicionamento a ser concluído.

Durante as ocupações das Faculdades os alunos permaneciam no recito promovendo assembleias e mesas redondas de conferência e debates em torno da restruturação da universidade, do mesmo modo que buscavam possíveis soluções para os seus problemas específicos, onde os professores também participaram dessas assembleias. Para sabemos mais sobre o cotidiano do movimento estudantil neste período histórico, vejamos algumas memórias de ex-alunos que participaram:

Aluno da Faculdade de Medicina em 1968, Rui Antônio Barata, fala sobre o fato que:

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As faculdades foram tomadas por vários estudantes que não tinham estrutura de ensino. Quando nós ocupamos a faculdade no dia 2 de agosto de 1968, ficamos lá um mês. Um mês com todo o povo lá dentro, não eram quatro gatos pingados. Era a grande massa ocupando a faculdade, e o governador do estado chamava-se Alacid Nunes. Os militares aqui fora das regiões militares, Aeronáutica, Marinha e Exército, loucos para invadir as faculdades, e o Alacid segurou15.

A presidente do centro acadêmico de Filosofia em 1968, Laysse Sales,

lembra que: Todas as faculdades ocupadas. Umas em maior grau de ocupação, outras em menor. Mas pelo menos o grupo revolucionário das faculdades ficaram presente16.

Aluno da Faculdade de Economia em 1968, Roberto Ribeiro Correa,

relembra que: Aí nós ocupamos as universidades, a partir de um movimento que começou na faculdade de Química, em que eles reclamavam que tinha laboratório. Como ensinar Química sem a infraestrutura científica, técnica científica necessária? Aí estoura lá e dizem: Nós vamos fazer aqui a mesma coisa17.

O intuito de elencar essas memórias é ressaltar que há um enquadramento de uma experiência social humana construída entre pessoas que viveram o cotidiano das reivindicações estudantis na cidade de Belém, mas precisamente no episódio das ocupações das faculdades da UFPA, onde podemos observar que há a construção de uma memória coletiva18, os relatos destacam o cotidiano social e político da ação dos universitários. Entre os entrevistados

15 Depoimento de Ruy Antônio Barata concedido ao projeto “A UFPA e os anos de chumbo: memórias, experiências, traumas, silêncios, e cultura educacional (1964-1985)". Coordenado pela professora Edilza Joana Oliveira Fontes. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: abril de 2015. 16 Depoimento de Laysse Duarte de Salles concedido ao projeto “A UFPA e os anos de chumbo: memórias, experiências, traumas, silêncios, e cultura educacional (1964-1985)”. Coordenado pela professora Edilza Joana Oliveira Fontes. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: abril de 2015. 17 Depoimento de Roberto Ribeiro Corrêa concedido ao projeto “A UFPA e os anos de chumbo: memórias, experiências, traumas, silêncios, e cultura educacional (1964-1985)”. Coordenado pela professora Edilza Joana Oliveira Fontes. Disponível em: http://www.multimidia.ufpa.br. Acesso em: abril de 2015. 18 POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, pág. 206.

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verificamos que o passado ainda não passou, mesmo porque traços fortes daquela realidade permanecem no presente como um marco em suas vidas.

O reitor Silveira Neto, ao ter conhecimento das ocupações das Faculdades convoca em caráter extraordinária e sigilosa uma sessão, ocorrendo de portas fechadas no prédio da reitoria, vigiado por guardas armados de cassetetes, com ordem de não aceitar aproximação de estudantes e da imprensa para não obterem informações a respeito do assunto tratado19. No decorrer da reunião o reitor solicitou que os diretores das faculdades falassem dos últimos acontecimentos ocorridos nas unidades da UFPA20. Na ocasião, estavam presentes os diretores das seguintes unidades: Faculdades de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Serviço Social, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Faculdade de Odontologia, Escola de Engenharia, Faculdade de Ciências Econômicas e Contábeis, Faculdade de Farmácia, Escola de Química, Instituto de Higiene e Medicina Preventiva. Vejamos através das falas de parte dos conselheiros como ocorreram as ocupações21.

O diretor da Faculdade de Direito, Lourenço do Valle Paiva, ressaltou que:

Os estudantes permanecem na faculdade, passaram lá o dia todo, estão realizando reuniões, não sei se vão deixar o prédio. Não posso adiantar porque nada foi transpirado, mas tudo me faz crer que eles não vão deixar o prédio, esta é a situação. Soube que ia haver uma reunião que ficou programada, hoje de manhã, uma mesa redonda, que participarão os professores por ele convidados...22.

O diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais,

Pedro José Martin de Mello, elenca que:

19 Conselho Reabre Discussão Sobre Química E Congregação De Engenharia Delibera hoje. Jornal A Província do Pará; 03 de agosto de 1968, 1º cad. p. 8. 20 Ministério da Educação e Cultura, Universidade Federal do Pará, Conselho Universitário Ata da 9º sessão extraordinária do Conselho Universitário, em 02 de agosto de 1968, p. 3. 21 FONTES, Edilza Joana Oliveira. UFPA 50 anos, Histórias e memórias. FONTES, Edilza Joana Oliveira. A invenção da Universidade Federal do Pará. Editora Universitária UFPA, Belém-PA, 2007. 22 Ministério da Educação e Cultura, Universidade Federal do Pará, Conselho Universitário Ata da 9º sessão extraordinária do Conselho Universitário, em 02 de agosto de 1968, p. 3.

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As aulas se desenvolvem normalmente, não temos conhecimento de maneira nenhuma, até o momento, de qualquer anormalidade 23.

O diretor da Escola Superior de Química, Júlio dos Santos Ribeiro, falou

que: Na Escola de Química conforme comunicação dos alunos, eles informaram que deixariam de comparecer às aulas para promoverem conferências, etc., e isso ainda vem ocorrendo normalmente, até ontem tinha cartazes na frente da Escola e que foram retirados, o resto vai dentro da normalidade, sem outros problemas24.

A divergência nesta sessão foi ocasionada pelo debate entre o reitor e

conselheiro Júlio Ribeiro, onde o reitor se indignou com a resposta do professor, solicitando que o mesmo fizesse à confirmação da ocupação da Escola, que no ver de Júlio Ribeiro seria normal a permanência dos alunos nas dependências das unidades. Esta explicação não convenceu Silveira Neto, que pediu novamente mais explicações sobre o que estava ocorrendo de fato dentro da unidade, questionando assim a permanências dos alunos após as 18 h. ou ficando 24 h. como estava ocorrendo. O conselheiro Júlio Ribeiro ressaltou na ocasião que “não existe propriamente uma ocupação se é este o termo, a não ser que seja considerada assim a permanência constante dos mesmos na Escola25”.

No decorrer da discursão o reitor questionou se a ocupação foi consentida pela diretoria da Escola ou violada, pois havia uma portaria de nº 41 que autorizou a ocupação. Júlio Ribeiro mencionou que os alunos tomaram a decisão de ocupar por contra própria. Em relação à portaria frisou que a mesma autorizava somente a utilização da sala do Diretório Acadêmico, durante o período noturno, na concepção do professor Júlio Ribeiro, isso não autorizava propriamente a ocupação, essa concepção era discordada severamente pelo o reitor.

Para consolidar o clima de tensão entre os estudantes, a reitoria e o governador do Estado, o presidente Costa e Silva chegar a Belém com o proposito de governa o país a partir da Capital paraense e levar o desenvolvimento tecnológico e econômico para a Amazônia, na ocasião inaugurou de parte da Cidade Universitária da Universidade Federal do Pará.

23 Ministério da Educação e Cultura, Universidade Federal do Pará, Conselho Universitário Ata da 9º sessão extraordinária do Conselho Universitário, em 02 de agosto de 1968, p. 3. 24 Ibid. 25 Ibid.

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Os estudantes ficaram temerosos com a chegada do governo federal, pois temiam serem brutalmente violentados por estarem “quebrando a ordem democrática”.

Entretanto, o presidente Costa e Silva, pautado em uma ideologia conciliatória permitiu diálogo com o movimento estudantil, este foi aberto a toda a sociedade paraense através da TV Guajará, canal 4, em apresentação de um debate “amplo e franco, de quase quatro horas26” entre o Ministro da Educação Tarso Dutra com uma comissão de estudantes universitários. Estes colocaram as principais pautas reivindicatórias, do mesmo modo construíram várias criticas ao reitor Silveira Neto, inclusive pediram o afastamento dele e a “anulação pura e simples do Plano de Reformulação da Universidade27”. Os estudantes na ocasião falaram ao ministro Tarso Dutra, que o reitor Silveira Neto era o responsável pela a desordem na UFPA, inclusive pelas ocupações das Faculdades, somente ocorreu devido o reitor descumprir as determinações dos decretos-leis das diretrizes de bases em relação ao Plano de reforma universitária, alegaram que não foram ouvidos, assim como os professores, os mesmos desconheciam o autor ou autores desta reformulação28.

O ministro Tarso Dutra contestou a atitude dos estudantes em relação a ocuparem as unidades de ensino da universidade, os estudantes teriam como consequência do não cumprimento da carga horária mínima exigida por lei; em relação ao plano de reforma da universidade salientou que iria solicitar ao Conselho Federal de Educação que exigisse um novo plano da UFPA, o qual fosse elaborando em conjunto da reitoria, estudantes e professores; considerou que os jovens estavam com um argumento muito forte, pois houve uma falha na reelaboração do plano, pelo fato de não terem sido ouvido os corpos docentes e discentes da universidade. Em relação à questão da Escola Superior de Química salientou que a petição dos alunos era justa e estava de acordo com a sua manutenção, tal fato não iria prejudicar a criação do Instituto de formação básica como alegava o reitor. A questão deixava de ser um aspecto de interesse regional, tornava-se nacional devido à necessidade de técnicos para Amazônia, a mesma estava sendo cobiçada por pesquisadores estrangeiros.

Os estudantes que participaram do debate na TV mostraram-se desacreditados nas colocações do ministro Tarso Dutra, alegavam que tudo ficou em promessas, diante deste fato os universitários não se

26 Estudantes Impressionaram o Ministro e Levaram Hoje Memorial ao Presidente. Jornal A Província do Pará, 13 de agosto de 1968, 2º cad. pág. 9. 27 Ibid. 28 Ibid.

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comprometeram em retroceder a radicalização do movimento e que as Faculdades iriam continuariam ocupadas até que fosse apresentada alguma solução. No entanto, foi deliberada uma serie de assembleias nas unidades que estavam sobre a intervenção, as quais ocasionou o processo de liberação dessas unidades de forma individual, os últimos alunos a deixarem o prédio foram os da Escola Superior de Química a véspera do dia da raça.

Nos primeiros dias do mês de setembro, a respeito da resistência do MEC e do CFE em aprovar as propostas de mudança dos universitários em relação à reforma, o movimento estudantil resolveu radicalizar os protesto para torna público as suas inseguranças. A Juventude tomou como justificativa o desconhecimento das diretrizes que iriam seguir o Plano de Reforma da Universidade Federal do Pará, e que tinha sido encaminhado para ser reexaminado pelo Conselho Universitário e o Conselho Federal de Educação, onde esses órgãos deveriam mostrar um parecer como prometido pelo ministro da educação Tarso Dutra.

Uma estratégia pensada pela juventude foi protestar no dia do desfile escolar, onde os mesmos chegaram cartazes ao desfile, à locomoção foi a mais discreta possível, formada por pequenos grupos oriundos das ruas laterais, como se fossem espectadores, para evitar as atenções das autoridades, os universitários tiveram cautela para saber o momento exato de se porem entre as escolas que estavam desfilando oficialmente.

Assim os estudantes surgiram de surpresa das laterais gritando slogans “Abaixo a Ditadura” e com cartazes nas mãos, as atitudes dos jovens surpreenderam a todos inclusive as autoridades presentes que ficaram observando a audácia da juventude. Com a chegada dos estudantes se estabeleceu alguns instantes temerosos, por não conhecerem o desfecho da situação, houve uma tentativa de isolamento dos estudantes, através do cerco policial, que não se concretizou devido à rápida reação popular que fez um cordão de isolamento entre os policiais e os estudantes29. Esta reação dos populares evitou que o incidente pudesse ter tomado proporções imprevisíveis. O governador do Estado preocupado em manter a segurança de todos ordenou a passagem dos estudantes para os policiais, evitando dessa maneira, um incidente de maiores consequências30.

O mês de outubro vai ser aquecido pelo movimento estudantil paraense com o aumento da insatisfação ao Governo Federal, por causa do fechamento do XXX Congresso da UNE, realizado clandestinamente em Ibiúna interior

29 Universitários aproveitaram desfile para manifestação de protesto. Jornal A província do Pará, O6 de setembro de 19681º Cad. pág. 8. 30 Ibid.

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de São Paulo, onde houve a prisão de quatro colegas universitários do Estado no Pará, junto com os principais líderes estudantis de todo o país, motivando uma serie de manifestações que tomaram proporções de Norte a Sul, em algumas capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza os universitários entraram na luta fazendo greves e ocupando os prédios das Faculdades. No entanto, em Belém, os estudantes optaram por fazer passeatas e comícios relâmpagos com intuito de conscientizar a sociedade e adquirem o apoio da mesma.

Na perspectiva de tornar público o descontentamento político a juventude paraense elaborou a resposta através de uma serie de protestos em defesa de sua entidade e da liberdade de seus colegas através de passeatas. Essas manifestações foram compreendias como desordem pela polícia militar e necessária ser contido, o diálogo não teve tolerância alguma e o uso violência se fez presente de ambos os lados.

Contudo o movimento estudantil paraense não tomou as proporções iguais às do movimento nacional. Ademais a repressão do estado não se consolidou com grandes prisões e assassinatos de estudantes como ocorreu em outros Estados. Podemos também ressaltar que no estado do Pará, os estudantes tentaram trilhar as suas reivindicações dentro de uma ideologia da ordem democrática. No entanto, cabe ressaltar que o movimento estudantil paraense desiludido, com a falta de respostas para as suas reivindicações, iniciou um processo da quebra da normalidade (radicalização).

Algumas reivindicações do movimento estudantil paraense, no período analisado tiveram alguns resultados, como a manutenção da Escola de Química, o prolongamento do ano letivo, o fim da cátedra, democratização da seleção do ensino universitário. Os estudantes buscaram sua inserção no debate da Reforma Universitária, conseguiram apoio dos estudantes secundarista, das representações políticas públicas, e da sociedade em geral. A persistência dos estudantes resultou em saldos positivos, pois conseguiram levar as suas reivindicações perante o Presidente Costa e Silva e o Ministro da Educação e Cultura Tarso Dutra, conseguiram despertar a atenção do Governador Alacid Nunes e da Câmara dos deputados e dos vereadores. No entanto, outros estudantes não acreditaram que as suas reivindicações já seriam atendidas, muitos desiludidos buscaram trilhar outros caminhos.

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TRAJETÓRIA E POLÍTICA: ALACID NUNES, UM DISSIDENTE NA POLÍTICA PARAENSE (1964-1986)1

Raimundo Amilson de Sousa Pinheiro2

como o homem tão nobre na razão e infinito em suas faculdades, tanto na forma como no movimento, poderia ser decifrado, recebendo um paradigma?3

Resumo O texto tem como principal objetivo mostrar alguns aspectos da trajetória do militar e político paraense Alacid Nunes e sua relação com o poder ao longo da ditadura militar-civil na Amazônia, buscando problematizar as relações entre as estruturas de poder e a agência do sujeito, numa trama por poder, influência e espaço político.

Este texto é um esforço inicial de pesquisa que tem como objetivo

principal compreender a trajetória militar e política de Alacid Nunes em relação à história política no Pará e na Amazônia, analisando o processo histórico que vai de 1947, início de sua vida como oficial, a 1986, momento que foi derrotado nas urnas para seu “arque inimigo”, Jarbas Passarinho.

Busca-se entender, nesse sentido, o militar e político Alacid Nunes em seu contexto, analisando sua representatividade mesmo em sua singularidade, mostrando como ele faz parte de um momento histórico e como podemos, por meio de sua trajetória individual, discutir conceitos e fatos profundamente relevantes para compreensão da história política Amazônica.

O estudo da trajetória de Alacid Nunes possibilita uma perspectiva interessante para a história social, que é pelo fato de se poder perceber a agência do sujeito na história, que ora se mostra irredutível aos sistemas normativos, considerando a experiência vivida, e ora atua como forma de validar o funcionamento de leis e regras sociais. Portanto, a trajetória de Alacid Nunes, possibilita refletir sobre as escalas de análise, assim como sobre

1 Esse texto é um esforço inicial e se refere ao projeto usado para a seleção de doutorado do Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará. 2 Doutorando pelo Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará. 3SHAKESPEARE, William. Hamlet, Rei Lear, Macbeth. Tradução Bárbara Heliadora. São Paulo: Abril, 2010.

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as relações entre regras e práticas, individuo e superfície social em que age o indivíduo, pautando-se na nova história política, abordando o aspecto do político, público, da construção da sua imagem pública.

O questionamento central é tratar da trajetória militar e política de Alacid Nunes em relação ao poder político no Pará e na Amazônia. Nesse sentido, procura-se investigar: qual a relação entre agência e poder político na Amazônia a partir da trajetória de Alacid Nunes na política paraense?

Alacid da Silva Nunes4 nasceu em Belém do Pará, em 25 de novembro de 1924. Filho do professor Francisco da Silva Nunes e da professora Maria da Silva Nunes, durante muitos anos da sua vida viveu numa casa localizada na atual Rua dos Mundurucus, entre as Travessas Apinagés e Tupinambás. Teve mais cinco irmãos. Foram seus padrinhos de batismo o senhor Abel Nunes de Figueiredo, que se tornou um importante político paraense e mais tarde acabou sendo seu sogro, e Deolinda Bisi.

Fez seus estudos primários no Colégio Santa Terezinha, que pertencia a sua mãe. Aos nove anos de idade perdeu seu pai, que tinha sido professor e diretor de algumas escolas no Pará. Cursou durante cinco anos o Ginásio no Colégio Paes de Carvalho, concluindo em 1940. Após isso, seu irmão mais velho, o engenheiro Hildegardo Nunes, que a época era o diretor da Estrada de Ferro de Bragança, sugeriu que a vida militar era o melhor caminho profissional para Alacid.

Depois de idas e vindas, durante dois anos de reprovação em exames médicos, conseguiu a aprovação na escola preparatória de cadetes em Fortaleza/CE, em 1943, seguindo para o Rio de Janeiro, com destino a Escola Militar do Realengo, dando início, em 1944, à sua formação militar. Dois anos

4 Grande parte das informações utilizadas para compor essa breve biografia de Alacid Nunes para esse projeto de doutorado foram constituídas a partir de entrevistas realizadas com ele. Durante muito tempo, o ex-governador e coronel Alacid Nunes se recusou a dá entrevistas sobre sua história de vida e a respeito da sua gestão político-administrativa (prefeito, governador) e da sua participação no cenário político-eleitoral paraense e nacional. A partir do contato com uma de suas noras, Márcia Nunes, foi possível estabelecer contato com ele e começar o processo de negociação e convencimento da importância do seu testemunho oral para a História do Pará, da Amazônia e do Brasil. Entre idas e vindas, acertamos as entrevistas, que contou com a participação do prof. Dr. Pere Petit e da também professora Telma Saraiva, além da minha presença. Ao longo do mês de março fizemos três entrevistas, que foram divididas em três partes: I parte realizada no dia 07 de março de 2014; II parte no dia 20 de março de 2014; e III parte no dia 27 de março de 2014. Fonte importante para montar essa biografia foi o Livro de Alterações do Ministério da Guerra do Oficial Alacid da Silva Nunes.

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depois concluiu a sua formação na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), iniciando a sua atuação como oficial do Exército a partir de junho de 1947.

Figura 1 - Livro de Alterações do Ministério da Guerra. Folha de Identidade.

Em 1952, Alacid Nunes foi ascendido a capitão e, em 1953, foi nomeado

Ajudante de Ordem do general Cordeiro de Farias, fato muito importante para sua relação com a vida política, uma vez que passou a colaborar na candidatura deste general a governador de Pernambuco:

O general Cordeiro de Farias me disse: - ‘Olha Alacid, eu resolvi ser candidato, vou atender o convite do Etelvino, vou ser candidato a governo do estado e eu quero saber onde tu queres ir servir, que eu vou tentar arranjar um lugar pra ti’. Aí eu disse pra ele: ‘General, eu vou continuar com o senhor, porque a legislação militar permite que o senhor afastado do exército mantenha um ajudante de ordem’, a legislação permitia isso. Então, ele para ser candidato teve que se afastar do Exército e eu fiquei como Ajudante de Ordem dele e fiz a campanha política em Pernambuco, com o general, percorrendo todos os municípios do estado e aquilo foi uma aula pra mim (riso), foi uma aula. Porque, na verdade, veja bem, eu não poderia me pronunciar, mas eu ouvia a todos os pronunciamentos, eu

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participava de todas as reuniões, mas como eu era capitão da ativa, eu não podia me manifestar politicamente5.

Após a volta aos quartéis, em 1961 passou a disposição do Governo do

território Federal do Amapá, para comandar a Guarda Territorial, como Chefe de Polícia e em alguns momentos também como governador interino.

Com o golpe militar-civil no Brasil, em 1964, ele foi designado pelo Comando Militar para assumir, em Belém, a presidência da comissão que apurou, através de inquéritos, a “corrupção” e a “subversão” no Pará. Neste mesmo ano, foi eleito pela Câmara Municipal de Belém, através de eleição indireta, Prefeito de Belém, cargo que ocupou por um ano e um mês. Depois das eleições diretas que foram realizadas em outubro de 1965, Alacid Nunes foi eleito governador do Pará exercendo seu mandato no período de 1966 a 1971. Um aspecto importante do seu primeiro mandato como governador foi que a partir do Ato Institucional nº 5 do Governo Federal (dezembro/1968), Alacid Nunes governou o Pará por mais de um ano através de decretos-leis, uma vez que foi o período que a Assembleia Legislativa ficou fechada6.

Um dos aspectos intrigantes, após deixar o governo estadual foi o fato que ele passou a ser diretor em Capanema, durante mais de três anos, de uma fábrica de cimento do grupo João Santos. Voltaria à vida política em 1975 sendo eleito deputado federal. A partir de 1976 presidiu, no Congresso Nacional, a Comissão da Amazônia.

Indicado pelo “setor moderado” das Forças Armadas (Geisel, Cordeiro de Farias...), para assumir novamente o mandato de governador, a sua escolha, indireta7, foi referendada pela Assembleia Legislativa Paraense assumindo o mandato de governador no período de 1979 a 1983. Passou a partir de então a ser um dos principais articuladores políticos da política paraense, principalmente quando, após o fim do bipartidarismo, filiou-se ao PTB e, mais tarde, ao PFL. Participou das eleições de 1986, concorrendo ao cargo de senador, mas foi derrotado para o seu principal inimigo político: Jarbas

5Alacid Nunes, entrevista: Belém, 07 de março de 2014. 6Atos Legislativos do Poder Executivo, Decretos-Leis. Volumes I, II e III. Belém: Cultura e Editorial Cejup, 2002. 7Após as eleições de 1974 e de estudos do Serviço Nacional de Informações (SNI), o governo percebeu que as oposições cresceram e passavam a ameaçar o domínio da Arena e do projeto de abertura lento, gradual e seguro. Então o governo Geisel fez uma reforma na legislação eleitoral, que ficou conhecida como “Pacote de Abril”, que alterava as regras eleitorais, sendo uma delas a promulgação da eleição indireta para os cargos de governadores dos Estados. Cf.: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petropolis, RJ: Editora Vozes, 1984, p. 192

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Passarinho. Essa eleição foi um marco para a história política paraense, pois foi a única eleição que os dois principais líderes político-militares se enfrentaram diretamente concorrendo ao mesmo cargo. Ocupou seu último cargo eletivo, como deputado federal, no período de 1991 a 1995.

A trajetória de Alacid Nunes se confunde com as de muitos homens ao longo do século XX, que transitaram entre o mundo militar e o mundo político, e a história paraense é extraordinariamente rica nesses exemplos: Lauro Sodré, Magalhães Barata, Zacarias de Assumpção, Jarbas Passarinho, entre outros.

Alacid Nunes representa um personagem que simboliza um ícone controverso ao carregar consigo o papel de ser um dos principais representantes da ditadura militar-civil na Amazônia, sendo um personagem interessante para uma análise entre agência e estrutura, pois assim sua trajetória biográfica militar e política são entendidas como uma leitura do social e do político no qual se estabelecem relações entre um indivíduo e o tempo sócio histórico, articulando biografia e sociedade8. Esta é a principal ênfase da atual releitura do gênero biográfico cujas diretrizes estão em obras como as de Le Goff9. As biografias tradicionais, em parte sem a presença de historiadores, fazem leituras do individuo como por privilegiar um modelo da vocação do indivíduo, mas ao se tratar nesse caso de uma narrativa política da trajetória de Alacid Nunes, pretendo direcionar o olhar para o “deslocamento da óptica na relação entre o indivíduo e seu contexto ideológico”10. A formação militar, baseada nos princípios da Escola Superior de Guerra (ESG) e nos aspectos da doutrina de Segurança Nacional e de Desenvolvimento vão formatando um determinado “modelo” de atuar e explicar o mundo, que acaba se confrontando com outras maneiras e perspectivas.

O comprometimento dos militares com os governos marcaram enormemente suas trajetórias, como a de Alacid Nunes, que a partir de seu oficialato passou a perceber e se posicionar diante das tensões políticas de então, como na tentativa de levante militar contra o presidente Café Filho, proposta pelo Coronel Francisco Saraiva Martins a Alacid e outros oficiais. Alacid Nunes se nega e acaba preso, fato que o próprio ex-presidente, Café Filho, se refere em suas memórias:

8ABREU, Alzira Alves de. Dicionário biográfico: organização de um saber. Caxambu , II Encontro Anual da ANPOCS, 1998. 9LE GOFF, Jacques. São Luís. Rio de Janeiro:Record, 1999. 10DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p. 315.

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Nenhum desses oficiais tinha qualquer vinculação de natureza política ou pessoal com o governo, a nenhum o presidente da república fizera mercê de espécie alguma. Essas circunstâncias mais realçaram a grandeza e o desinteresse de tão nobre e corajosa atitude, numa hora em que o capricho e a indisciplina levaram alguns militares a traírem a confiança neles depositadas e a derrubar as instituições democráticas”11.

A vida política para um militar poderia ter um duplo sentido: para uns

significava ou a ascensão rápida na carreira e para outros o congelamento em suas posições militares. Alacid Nunes e Jarbas Passarinho permaneceram como coronéis, por exemplo, e não ascenderam a condição de generais, que acabaria sendo natural no caminho de suas vidas. Assim, para muitos militares “suas carreiras passaram em grande parte a depender dos rumos tomados pelo processo político-militar. Foram agentes ativos do processo, e suas carreiras foram, em grande parte, afetadas por ele”12.

Alacid Nunes era um agente social, que estava envolvido na multiplicidade de relações sociais, não podendo agir fora dela, nenhum agente social está “a frente de seu tempo”, não age de forma livre e sem restrições. Mas por outro lado, o agente social está sempre inserido em relações de poder, de desigualdade, de competição, assim pensar a trajetória de Alacid Nunes é relacionar sua agência e o poder. Porém, mesmo o individuo estando entrelaçado pelas estruturas de seu tempo, ele não é um cyborg, que está submetido totalmente a vontades exteriores, como se o sujeito estivesse enclausurado e amarrado, sem vontade própria, um ser inanimado13. Neste sentido, o estudo de Alacid Nunes parte do princípio que os sujeitos em seus tempos históricos não são nem totalmente livres e nem totalmente presos as estruturas que o cercam: “os indivíduos nem as forças sociais têm precedência, mas na qual há, contudo, uma relação dinâmica, forte e, às vezes, transformadora entre práticas de pessoas reais e as estruturas da sociedade, da

11 FILHO, Café. Café Filho: do Sindicato ao Catete: memórias políticas e confissões humanas. São Paulo: José Olympio Editora, 1966, p. 452. 12 D’ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon & CASTRO, Celso. Visões do golpe: 12 depoimentos de oficiais que articularam o golpe militar de 1964. 3. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014, p. 12. 13 Um dos principais debates sobre agência e estrutura, a partir do viés marxista, pode ser visto em: THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

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cultura e da história”14. Assim, a agência de Alacid Nunes foi sempre cultural e historicamente construída, e entendida como a forma de poder que ele tinha a sua disposição, de sua capacidade de agir em seu próprio nome, de influenciar outras pessoas e acontecimentos, e de manter algum tipo de controle sobre suas próprias vidas, estabelecendo relações locais de poder, mas sem perder de vista que ele estava sempre inserido em teias de relações, de afeto e solidariedade, de poder ou de rivalidade ao longo de sua trajetória militar e política.

Ao longo destes quase cinquenta anos de vida pública, Alacid Nunes foi um personagem muito destacado da história do Pará e da Amazônia. Alacid era herdeiro político do Marechal Cordeiro de Farias, que na década de 1950 foi um fervoroso defensor ideológico da intervenção do capital estrangeiro15. Nesse sentido, torna-se interessante perceber: quais meandros entre essa relação dos grupos econômicos e os chefes militares? Qual a relação entre a instalação da fábrica de cimento João Santos em Capanema e os incentivos fiscais aprovados pelo governo de Alacid Nunes? Lembremos que Alacid Nunes, depois de deixar o cargo de governador, passou a ser diretor dessa fábrica. Nesse período a sede da empresa foi destruída por um incêndio, que queimou seus arquivos16. Justamente quando se discutia a legalidade de incentivos fiscais que lhe foram concedidos pelo mesmo Alacid Nunes. Muitos altos comandos das Forças Armadas se associaram a grandes grupos econômicos. Golbery do Couto e Silva, por exemplo, à multinacional de produtos químicos Dow Chemical. Cordeiro de Farias foi o diretor executivo do grupo empresarial pernambucano João Santos, uma das mais importantes fábricas de cimento do Brasil, e foi eleito governador de Pernambuco entre os anos de 1955 a 1958. Alacid Nunes afirma:

Bem, terminado o meu governo, eu fui convidado pelo general Cordeiro de Farias, de quem eu tinha sido Ajudante de Ordem, que trabalhava na época com o grupo João Santos, grupo pernambucano, dono da fábrica de cimento de Capanema. Fui

14 ORTNER, Sherry B. Poder e projetos: reflexões sobre a agência. Conferências e diálogos Saberes e Práticas Antropológicas. 25º Reunião Brasileira de antropologia. Goiania, 2006, p. 50. 15Sobre essa discussão, ver: CAMARGO, Aspásia e GOES, Walder. Meio século de combate: diálogos com Cordeiro de Farias. São Paulo: Editora Nova Fronteira (Coleção Brasil Século XX), 1981. 16PINTO, Lúcio Flávio Pinto. A Guerrilha dos Coronéis no Pará. Jornal Pessoal, 15 de setembro de 2011. Disponível em: http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=2123

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convidado pelo General para dirigir a fábrica de Capanema. Eu aceitei o convite e comecei a trabalhar na fábrica”17.

A partir do golpe militar-civil de 1964 e sua consequente extensão ao Pará,

mudaram os personagens nos rumos da política paraense, ainda que mantendo certa bipolaridade na disputa pelo poder, como em anos anteriores, mas a partir de 1966 até 1979, dentro do seio do “partido dos militares”, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de sustentação parlamentar dos governos militares, entre os apoiadores de Jarbas Passarinho e os de Alacid Nunes, que passaram a se retaliar mutuamente, numa intensa disputa por espaço e poder e influencia no partido e na vida política paraense.

Os primeiros atritos políticos entre Alacid Nunes e Jarbas Passarinho ocorreram em junho de 1964 e foram se agravando durante a campanha eleitoral de 1965 e, sobretudo, pela disputa, entre ambos, pelo controle da ARENA e pela maior ou menor influência que cada um deles exercia ou poderia exercer em Brasília (Governo Federal, Congresso Nacional). Antes disso tiveram relações boas, pautadas pelas atividades militares que exerciam, pois Passarinho foi instrutor de Alacid na Academia Militar das Agulhas Negras. Mas a partir do momento que os dois foram alçados a categoria de “lideranças políticas” o processo de rompimento político, mas também pessoal, foi acelerado. Não podemos esquecer que as disputas Jarbas e Alacid também representavam a disputa no seio das Forças Armadas ente entre os denominados castelistas ou moderados (aos quais Alacid Nunes estava mais vinculado) e os costistas ou linha dura (os quais sempre esteve mais vinculado Jarbas Passarinho)18, grupos políticos de militares que também influenciaram diretamente nos rumos da política paraense.

Nas memórias de Jarbas Passarinho, as primeiras “estranhezas” em relação à Alacid se deu quando este escolheu seu vice-prefeito de Belém, em 1964, o vereador e advogado Irawaldir Rocha, pois:

... me causara surpresa, que advinha do fato de o Dr. Irawaldir ser visto como com grande reserva, especialmente pelos militares da Aeronáutica, uma vez que pronunciara duros discursos contra Haroldo Veloso, no levante frustrado de Aragarças (...). Na imprensa, um jornalista que sempre foi radicalmente

17Alacid Nunes. Entrevista em 20 de março de 2014. 18Sobre essa discussão entre moderados e linha dura, importante trabalho é: FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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anticomunista, e que por isso mesmo se expusera, publicou agressivo ataque ao Dr. Irawaldir, condenando a sua inacreditável escolha para a função19.

E o rompimento definitivo e irrevogável a partir de então nas eleições de

1965, onde Alacid concorria ao cargo de governador, pela UDN, com a indicação do vice pelo PTB, Renato Franco, e Jarbas ao de Senador. Sobre esse episódio, Passarinho dizia:

O major Alacid, porém, fazia contatos por conta própria. Num deles, recebeu cheques do Sr. Gilberto Mestrinho, governador deposto do Amazonas, o que considerei uma grave falta, pois era persona non grata ao Exército, a cujo General Muniz Aragão, comandante das tropas do Amazonas, fizera ofensas indesculpáveis. Vale lembrar que o Presidente, no discurso de improviso que fez no Palácio Lauro Sodré a 14 de março, apontava o Pará e o Amazonas como exemplos e paradigmas do saneamento moral e político ensejados pela Revolução”20.

Por outro lado, para Alacid Nunes, as divergências eram outras, não

morais e éticas que a “revolução” exigia, mas ciúme pelo poder e controle da Arena no Pará:

E eu realizava o meu trabalho, todo ele, calcado nos recursos que eu tinha disponíveis para a prefeitura. Nunca fui ao Passarinho pedir ajuda pra A, pra isto ou pra aquilo, nunca fui. Bem e acontece que, na verdade, ele acompanhava o trabalho, ele via, estava acompanhando, porque ele percorria a cidade. Ele acompanhava tudo e sabia da repercussão do meu trabalho. Então, isso, na verdade, causou uma ciumeira, um ciúme, por parte dele, tendo em vista que a administração municipal aparecia muito e a estadual não acompanhava este crescimento, o que era natural21.

As disputas, as alianças e os rompimentos ao longo do tempo foram, sem

dúvida, um dos aspectos marcantes da trajetória de Alacid Nunes, daí a importância de estudar ele enquanto agente de um processo em que aparentemente os discursos22 e a construção de sua imagem pública iam de

19PASSARINHO, Jarbas. Na Planície – Memórias. Belém: Cultural Cejup, 1991, p. 143. 20PASSARINHO, Jarbas. Um Híbrido Fértil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1996, p. 221. 21Alacid Nunes. Entrevista em 27 de março de 2014. 22Conforme Michael Foucault afirma, “[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e

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encontro à tese que queria manter uma ideia de homogeneidade entre os militares.

Alacid Nunes, depois de prefeito de Belém, foi governador do Pará por duas vezes, além de deputado federal. Embora sem a projeção nacional de Jarbas Passarinho, do qual se tornou inimigo figadal, revelou-se politicamente pragmático e investiu pesadamente, em suas passagens pelo governo do Pará, em uma política municipalista. Os dividendos dessa política municipalista certamente contribuíram para ele impor derrota ao seu maior adversário político. Sobre esse poder local e municipalista de Alacid Nunes, é interessante a passagem citada por Petit:

‘Presidente, esse rapaz não vai honrar o compromisso conosco’. Figueiredo respondeu: ‘Se ele não honrar e o prejudicar, eu arrebento com ele aqui’. Passarinho, explicou: ‘Você não arrebenta porque lá em Bujaru, lugar que talvez nem exista no mapa, o governador vai ser ele e não o senhor; o poder é do governador, que nomeia o delegado, o coletor, e isso ele vai usar’23.

Alacid Nunes fazia uso de algumas dessas estratégias para a manutenção

e/ou ampliação da sua influência e o poder, tanto que no seu segundo mandato de governador, ele passou a investir numa prática que os seus antecessores tinham implementado: a nomeação de cargos e funções públicas, principalmente nos municípios do interior, primeiro para os deputados estaduais da base de apoio do governo24. Como o deputado Zeno Veloso, que era tido então como proprietário do “feudo de Almeirim”, pois segundo a imprensa este deputado tinha nomeado “do prefeito ao último inspetor do quarteirão”25.

Em 1980 ocorreu o que soava, a primeira vista, inimaginável. Como corolário de suas divergências com Jarbas Passarinho, Alacid Nunes, então cumprindo seu segundo mandato como governador do Pará, rompeu não só

redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo. Edições Loyola, 1996, p. 8-9). 23Cf. Entrevista de Jarbas Passarinho concedida a Carlos Roque, para O Liberal, Apud. Fase, O Contexto sócio-econômico e político de Belém, p. 12. Apud. PETIT, Pere. A Esperança Equilibrista: a trajetória do PT no Pará. São Paulo: Boitempo Editorial, 1996, p. 45. 24Jornal O Estado do Pará, 03 de janeiro de 1979. 25Jornal O Estado do Pará, 03 de janeiro de 1979.

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com seu inimigo figadal, mas com o presidente da República, João Figueiredo. Alacid simplesmente fez seu bloco de sustentação parlamentar abandonar o PDS e migrar para o PMDB, viabilizando dessa forma a candidatura do então deputado federal Jader Barbalho ao governo do Pará, em 1982.

O racha entre os coronéis exacerbou as retaliações mútuas entre jarbistas e alacidistas. Os jarbistas passaram a dispor, então, do calor do Palácio do Planalto e do monopólio dos cargos federais no Pará. Os alacidistas, em contrapartida, passaram a controlar a máquina administrativa estadual. As eventuais exceções apenas confirmavam a regra. A partir do rompimento com Jarbas Passarinho e de fazer migrar para o PMDB seu grupo parlamentar, Alacid Nunes, na época governador, passou a ser hostilizado pelo Palácio do Planalto, sob a acusação de ter traído a confiança do presidente João Figueiredo, e que segundo Alacid:

Pra vocês terem uma ideia, o General Figueiredo veio a Belém para a campanha do Oziel, a pedido do Passarinho, fez um comício na praça do relógio, aqui em Belém e ele, Figueiredo, chegou a me chamar de traidor... Chegou a me chamar de traidor. Bem, eu não respondi nada, não tomei conhecimento das acusações, mas procurei fazer... Dar o resultado... Dar a resposta no resultado da eleição. Elegi o Jader26.

Segundo a versão disseminada pelos jarbistas, a acusação de traição era

porque Alacid Nunes supostamente não respeitara um acordo pelo qual, ao ser escolhido governador em 1978, acordara que seu sucessor seria indicado por Jarbas Passarinho.

Poucos anos depois, Alacid rompe com Jáder27, o que se consumou com as articulações para a sucessão presidencial de 1985, feita no colégio eleitoral e que o PMDB decidira disputar com o ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, sob um arco das mais variadas composições, etiquetado de Aliança Democrática. Em torno de Tancredo estava a leva de jovens governadores eleitos pelo PMDB em 1982, dentre os quais figurava Jader Barbalho. O pretexto para Jader alijar politicamente Alacid foi a suspeita de que os deputados alacidistas viessem a votar em Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, candidato a presidente pelo PDS, fragilizado pelas disputas internas, que desembocaram em significativas defecções, a principal das quais a do então presidente do partido, José Sarney. Este se tornou vice na chapa de Tancredo Neves e acabou presidente da República, com a morte do ex-

26Alacid Nunes. Entrevista em 27 de março de 2014. 27Jornal A Província do Pará, 26 de abril de 1985.

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governador de Minas Gerais. Jader tratou de manter a situação sob controle e os delegados pinçados na Assembleia Legislativa eram todos do PMDB, supostamente descumprindo um acordo pelo qual metade dos seis delegados seriam deputados alacidistas. Frustrado, o ex-governador rompeu com Jader, que cumpriu integralmente seu mandato, aparentemente por não confiar no seu vice, o alacidista Laércio Franco, a quem, porém, jamais hostilizou.

Portanto, Alacid esteve envolto em uma trama de disputas por poder e de práticas pelo controle do Estado que, a partir dele, muitos aspectos da sociedade e da política no Pará e Amazônia podem também vir a tona, através da abordagem de sua trajetória como militar e político nessa conjuntura extremamente movimentada.

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UM EXERCÍCIO DE COMPREENSÃO DA TERMINOLOGIA MILITAR1

Regina Helena Martins de Faria2

O historiador civil que se aventura nos meandros da história militar está

em desvantagem em relação aos historiadores militares ao menos num aspecto: saber o significado dos termos empregados nesse meio para nomear os múltiplos corpos3 que integram a estrutura organizacional das forças armadas e, quando se trata do Império do Brasil, entender também as frequentes mudanças, com a criação e extinção de unidades, além de alterações em suas denominações. Tais termos e mudanças costumam ser abordados na historiografia militar clássica – tradicionalmente feita por pesquisadores do quadro das próprias corporações – com a indicação e / ou o resumo das normas jurídicas que os determinaram, como se tudo o que ali está preceituado fosse autoevidente; e para eles, possivelmente é. Daí o esforço empreendido nesse texto, com o foco direcionado para três corpos militares criados pelo governo imperial, nas décadas de 1830 e 1840, as Companhias de Ligeiros, as de Caçadores de Montanha e as de Pedestres, voltadas para o policiamento. A intenção é compreender o significado de suas denominações e da classificação que receberam: tropas fora de linha. A base empírica são as companhias que existiram no Maranhão nesse período, sobre as quais busco verificar se tinham especificidades em sua constituição, nas atribuições e nas formas de atuação.

Neste exercício recorro a dois dicionários da língua portuguesa (de 1789 e 1832), um dicionário de termos militares do ano de 1911 e um repertório da legislação militar, apresentado em verbetes, a moda dos dicionários, publicado nos anos de 1830. Utilizo, ainda, a legislação do Império, a série documental Autoridades Militares (Correspondência). Comandantes das Companhias de Ligeiros.

1 Esta comunicação apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa em desenvolvimento “Homens em armas: um estudo sobre os corpos militares no Maranhão em meados do século XIX”, que tem apoio da FAPEMA e bolsa de iniciação científica pelo PIBIC/UFMA/CNPq. 2 UFMA 3 Uso o termo corpo militar concebendo-o como toda e qualquer unidade organizada do Exército. Cf. CORPO. In: ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário téchinico militar de terra. Lisboa: Typografia do Annuário Commercial, 1911, p.103; MATTOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar actualmente em vigor no Exército e na Armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher e Comp. 1834. t. I, p. 175.

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1833-1840, da Seção de Documentos avulsos do Arquivo Público do Estado do Maranhão, além da produção historiográfica.

O primeiro dos corpos, as Companhias de Ligeiros do Maranhão, foram previstas na Lei de 25 de agosto de 18324, que definiu a composição das “forças de terra ordinárias” para o ano financeiro de 1833-1834. Um decreto de 22 de setembro de 1832 mandou criá-las explicitando que se destinavam “à defesa dos habitantes dos lugares infestados por índios ferozes” e teriam “a mesma organização, força e vencimentos do corpo de ligeiros de Mato Grosso”. No ano seguinte, ambas estavam constituídas, sediadas na vila do Mearim, a primeira, e na vila do Itapecuru-mirim, a segunda. Entre as várias questões que essa determinação suscita, destaco: por que, após a redução do Exército, autorizada em 1830 e efetivada em 18315, o governo decidiu criou Companhias de Ligeiros em algumas províncias, inclusive no Maranhão?; e por que foram denominadas tropas fora de linha?

Quando da criação, o Maranhão sediava o 15º Batalhão de Caçadores, um dos oito que compunham a Divisão do Norte do Exército brasileiro, cada um autorizado a ter até 572 soldados, em seu estado completo. Então, por que criá-las para agir em “lugares infestados por índios ferozes” e não, simplesmente, enviar para esses lugares, destacamentos do 15º BC? A hipótese é que as tropas denominadas ligeiras eram consideradas mais aptas para o enfretamento das populações indígenas que resistiam ao avanço da conquista sobre seus territórios imemoriais. No contexto das organizações militares daquele momento, o que era uma tropa ligeira?

Corpos militares com essa denominação não eram novidade no mundo luso-americano. O Decreto de 7 de agosto de 1796 criara no Exército português uma Legião de Tropas Ligeiras, integrada pelas três armas clássicas: infantaria, cavalaria e artilharia6. Porém, os indícios encontrados na documentação me permitem afirmar que eram de infantaria os três corpos

4 Esta lei determinava a manutenção praticamente da mesma estrutura das forças de terra estabelecidas para o ano financeiro anterior, com pequenas alterações. Cf. BRASIL. Decreto de 4 de maio de 1831. As leis e decretos do Brasil Império Brasil e do Reino de Portugal, mencionadas neste artigo estão disponíveis, respectivamente, em <http://www.camara.gov.br> e <http://www.iuslusitaniae. fcsh.unl.pt >. 5 Ver o meu artigo “Um olhar sobre a redução do Exército brasileiro em 1831: interpretações consagradas e atores sociais que a defenderam”. In: REIS, Elina; GRILL, Igor (org.). Estudos de elites políticas e culturais. São Luís: EDUFMA, 2014, p. 475-503. 6 Seria composta de um Batalhão de Infantaria (com 8 Companhias), um Corpo de Cavalaria (com 3 Companhias de Esquadrão) e a Bateria de Artilharia, totalizando 1379 homens.

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aqui analisados. Tradicionalmente, essa arma é vista como “o conjunto de combatentes a pé, fazendo uso de armas portáteis”, embora o dicionarista militar a quem recorro explicite que houve exércitos com “infantaria montada”, “infantaria ciclista”, entre outras variações7. Noutro trecho do extenso verbete sobre infantaria, esse autor explica: “O marechal de Saxe, que dizia que ‘toda a arte da guerra está nas penas’, foi o criador da infantaria ligeira, no exército francês; os dragões franceses são verdadeiramente infantaria montada, como os caçadores a pé são infantaria ligeira”8. A classificação das tropas a pé, de acordo com o armamento por elas utilizado, admite outra tipologia: “infantaria pesada”, “de batalha” ou “de linha”, em contraposição à “infantaria leve” ou “ligeira”, como está nesse verbete.

Tudo indica que as Companhias de Ligeiros, de Caçadores de Montanha e de Pedestres, que existiram no Brasil dos anos de 1830 aos de 1850 eram tropas semelhantes, apesar de terem denominações distintas. Um forte indício é que elas se sucedem tendo praticamente com as mesmas finalidades e, às vezes, estando sediadas nos mesmos lugares e mantendo os mesmos praças e oficiais, como pude observar no caso do Maranhão.

Outro indício é que a Companhia de Pedestres que existia em Mato Grosso tornara-se um Corpo de Ligeiros, um ano antes da criação das Companhias de Ligeiros do Maranhão, passando apenas por uma reorganização9. A estrutura definida para a composição das suas companhias foi mantida nas do Maranhão.

Quadro 1 - Contingente autorizado para cada Companhia de

Ligeiros no MT e no MA

Tenente Comandante 1 1º Alferes 1 2º Dito 1 1º Sargento 1 2o Sargento 2 Furriel 1 Cabo de Esquadra 6 Anspeçada 6 Corneta 1

7 INFANTARIA. In: ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário téchinico militar de terra. Lisboa: Typografia do Annuário Commercial, 1911, p. 215-217, grifos no original. Neste artigo, optei por atualizar a grafia das citações. 8 Ibid. 9 BRASIL. Decreto de 22 de novembro de 1831.

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Soldado 140

160 Fonte: BRASIL. Decreto de 22 de novembro de 1831; Decreto de 22 de setembro de 1832

Aquela lei de 25 de agosto de 1831, que criou as duas Companhias de

Ligeiros do Maranhão, determinou também a criação de uma Divisão de Pedestres no Espírito Santo10. Em 1836, foi autorizada uma Companhia de Ligeiros para Goiás11. Nesses dois casos, as normas jurídicas que os instituíram não explicitavam se esses ligeiros e pedestres tinham destinações específicas, embora o autor de uma das obras clássicas da historiografia militar do Brasil afirme que a Divisão de Pedestres fora criada para atuar “contra os índios bravos”12.

Em 1838, uma reestruturação das forças de terra do Brasil define que são compostas por uma força fixa, com 10.000 praças de pret de linha das três armas, sediada em diversos locais do país, e uma força fora de linha, com 2.000 homens das divisões do Rio Doce (em Minas Gerais), das companhias de pedestres e das tropas de ligeiros existentes em diversas províncias13. No início de 1839 houve nova reestruturação14. Aqueles soldados que, no ano anterior, compunham as mencionadas tropas fora de linha passaram a integrar as Companhias de Caçadores de Montanha então criadas. O artigo 17 da norma instituidora da alteração dizia: “Criar-se-ão oito Companhias de Caçadores de Montanha, as quais serão compostas das Praças que agora servem nos Corpos de Ligeiros e Pedestres existentes em diversas Províncias do Império, e das que forem novamente para isso recrutadas”15. A localização das Companhias de Caçadores de Montanha me leva a supor que nelas estavam incluídas

10 Referendada pelo Decreto de 8 de março de 1833. Teria 90 homens: 1 comandante, 3 sargentos e 86 soldados. 11 Criada pelo Decreto de 10 de outubro de 1836, que fixou as forças de terra para o ano financeiro de 1/07/1837 a 31/07/1838, mandado cumprir pelo Decreto de 17 de outubro de 1837. Teria 100 homens, pois os praças seriam em número de 80. 12 BARROSO, Gustavo. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2000, p. 61. 13 BRASIL. Lei nº 42, de 20 de setembro de 1838, que fixa as forças de terra para o ano financeiro de 1839 -1840. 14 Id. Decreto nº 30, de 22 de fevereiro de 1839, dando nova organização ao Exército do Brasil. 15 Ibid. Pelo disposto nesse decreto, outros corpos integravam a classe das tropas fora de linha: uma esquadra de Cavalaria e um corpo de Artilharia no Pará, um batalhão e um corpo de Artilharia no Mato Grosso.

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também as antigas Divisões do Rio Doce, pois as oito deveriam situar-se: nas províncias de Minas Gerais e do Maranhão, duas; em São Paulo, Goiás, Santa Catarina e Espírito Santo, uma companhia. A novidade eram as criadas em São Paulo e Santa Catarina e o fato de que todas deviam ter a mesma composição.

Quadro 2 - Contingente autorizado para cada Companhia de

Caçadores de Montanha

Capitão 1 Tenente 1 Alferes 1 Cirurgião Ajudante 1 1º Sargento 1 2º Sargento 2 Furriel 1 Cabos de Esquadra 6 Anspeçada 6 Corneta 1 Soldado 108

124 Fonte: BRASIL. Decreto nº 30, de 22 de fevereiro de 1839

Três anos depois houve uma reestruturação específica das tropas fora de

linha,16 criando-se sete Companhias de Pedestres. Novamente, a localização delas sugere que os pedestres eram uma atualização dos caçadores de montanha. As províncias de Minas Gerais, Mato Grosso e Maranhão teriam duas companhias, e Goiás, uma.

16 Id. Decreto nº 214, de 20 de agosto de 1842. Aprova o Plano da organização da Força Fora da Linha, fixada no Art. 1.º § 3.º da Lei nº 190, de 24 de agosto de 1841, na conformidade do Art. 2.º da mesma Lei. Esta força ficou constituída de: “dois corpos fixos de Caçadores de quatro companhias cada um; um dito composto de duas companhias de Caçadores e uma companhia de Cavalaria Ligeira; cinco companhias fixas de Cavalaria Ligeira e sete companhias de Pedestres”.

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Quadro 3 - Contingente autorizado para cada Companhia de Pedestre

Comandante 1 Ajudante 1 1º Sargento 1 2º Sargento 2 Furriel 1 Cabo de Esquadra 6 Soldados 80

94 Fonte: BRASIL. Decreto nº 214, de 22 de agosto de 1842

Outros indícios da semelhança entre as três tropas estão nas definições

dadas pelos contemporâneos aos termos que as denominavam. Partindo do pressuposto que integravam a chamada infantaria ligeira, vejamos o significado da palavra ligeiro. O mais conhecido dicionário da língua portuguesa do final do Setecentos diz que o adjetivo ligeiro qualifica o que é “ágil” e “anda expeditamente”, e cavalaria ligeira como “aquela que é armada à ligeira, com leves armaduras”17, explicação que julgo servir também para infantaria ligeira. No Oitocentos, a expressão à ligeira quer dizer, genericamente, “sem comitiva, sem coisa que faça embaraçar, sem pompa, etc.”18. Para um militar desse período:

Tropa Ligeira é a de Caçadores e a Artilharia Montada ou a Cavalo - A Cavalaria de 1ª Linha do Brasil tem caracteres de Tropa ligeira e de Tropa Pesada. A da 2ª Linha é denominada Cavalaria Ligeira nas Tabelas que acompanham os Decretos de 1º de Dezembro de 1824 e [de] 24 de Maio de 182619.

O dicionarista militar cotejado, do início do Novecentos, explicita a

concepção do termo no seu meio.

17 LIGEIRO. In: BLUTEAU, Rafael. Diccionário da lingua portuguesa. Lisboa: Officina Thaddeo Ferreira, 1789 . t. 2, p. 23. 18 LIGEIRO. In: PINTO, Luiz Maria da Silva. Dicionário da língua brasileira. Ouro Preto: Typographia Silva, 1832. 19 LIGEIRA. In: MATTOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar actualmente em vigor no Exército e na Armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher e Comp. 1843. t. 2. p. 119.

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Ligeira. Leve, desembaraçada, v. g. artilharia ligeira, a de campanha, cujo material é mais leve cujos canhões têm menor calibre; por oposição à pesada, de grosso calibre, de sítio ou de praça. Cavalaria ligeira, aquela que não é pesadamente armada; infantaria ligeira, em oposição à pesada, de linha ou de batalha, tropa de caçadores; tropas ligeiras, aquelas que se empregam fora de linha para o fim de reconhecer, atropelar, perseguir o inimigo20.

Fazendo, agora, o mesmo percurso com o termo caçador(es). No mais antigo

dos dicionários consultados consta: “na milícia moderna, são soldados à ligeira, que seguem os miqueletes21 para atacarem as patrulhas inimigas, e darem rebate do inimigo ao corpo do exército”22. No dicionário de termos militares, caçadores são “soldados de tropas ligeiras de infantaria e cavalaria, assim impropriamente chamados, porque a guerra não é uma caçada; também se chamaram atiradores e fuzileiros”. Após, informar particularidades e as distintas denominações que receberam em diferentes épocas e lugares, acrescenta: “Presentemente há caçadores a pé e caçadores a cavalo [...]”23. Porém, nenhum dos três dicionários faz menção a caçador de montanha, no verbete caçador.

Por último, o termo pedestre. Os três dicionários têm definições similares, tautológicas: é um adjetivo que qualifica quem está de pé ou quem anda a pé, em contraposição a equestre. O dicionário de termos militares trás um pequeníssimo acréscimo: “houve tempo que possuíamos companhias de pedestres”24. O Repertório da legislação militar, no tomo II, publicado em 1843, quando as Companhias de Caçadores de Montanha já haviam dado lugar às de Pedestres dedica um longo verbete ao assunto, que começa assim:

PEDESTRE. Dá-se este nome a Soldados ligeiros irregulares que existem em diversas Províncias do Brasil, são de criação antiga; alguns Corpos tais como os do

20 LIGEIRA. In: ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário téchinico militar de terra. Lisboa: Typografia do Annuário Commercial, 1911, p. 238, grifos no original. 21 Estes são definidos como “bandoleiros que infestam os passos dos Pireneus; e, na soldadesca espanhola, são soldados a pé que vão diante dos caçadores, descobrir e espiar o inimigo.” MIQUELETE. In: BLUTEAU, Rafael. op. cit. t. 2, p. 85. 22 CAÇADOR. In: BLUTEAU, Rafael. op. cit. t. 1, p. 208. 23 CAÇADORES. In: ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário téchinico militar de terra. Lisboa: Typografia do Annuário Commercial, 1911, p. 68. 24 PEDESTRE. In: BLUTEAU, Rafael. op. cit. t. 2, p. 175; PINTO, Luiz Maria da Silva. op. cit.; ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. op. cit. p. 291.

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Mato Grosso e Goiás foram dissolvidos; as divisões do Rio Doce25 em Minas Gerais, as 2 Companhias do Maranhão e outra no Espírito Santo existem26.

Aponta outros corpos com essa denominação, que não mais existiam: um Corpo de Pedestres da província do Pará, ao qual “davam o nome de Ligeiros”27, e duas Companhias de Pedestres da Junta da Administração Diamantina; aquele extinto em 1831, essas em 183228. Não obstante a tropa situada em Goiás ter sido nomeada como Companhia de Ligeiros, na norma que a criou, CUNHA MATTOS refere-se a ela como de pedestres, reforçando a compreensão de que ligeiros, caçadores de montanha e pedestres eram tropas semelhantes.

Outros indícios que reforçam esse entendimento vêm da documentação levantada nessa pesquisa, relativa ao Maranhão. No ano de 1840, quando as duas Companhias de Ligeiros do Maranhão já haviam se tornado Companhias de Caçadores de Montanha, o comandante de uma delas, o tenente José do Carmo, assinava sua correspondência como “tenente comandante interino da 2ª Companhia de Ligeiros” ou como “tenente comandante interino da 2ª Companhia de Caçadores de Montanha”, na vila do Mearim29.

A listagem feita por Cunha Mattos, no Repertório..., não abrange todas as tropas identificadas como pedestres, haja vista não ter incluído as Companhias de Pedestres existentes em São Luís e Alcântara, no Maranhão, nos anos de 1820, milicianas30, assim como fora aquela do Pará, formada por índios.

Um detalhe do trecho do verbete criado por esse militar, citado linhas atrás, suscita outras questões. Cunha Mattos afirma que se dava o nome de

25 Cunha Mattos diz que anteriormente houve pedestres em Minas, criados pelo Conde de Valadares. As seis Divisões do Rio Doce seriam “novos pedestres”, criados pela Carta Régia de 13 de maio de 1808, para “obstar aos insultos dos Índios Botocudos”. op. cit. p. 98, 249 e 250. 26 PEDESTRE. In: MATTOS, Raimundo José da Cunha. op.cit. t. II. p. 249-250. 27 Em outra passagem do livro, referindo-se a esse corpo, ele diz que no Pará deram o nome de “milicianos ligeiros aos índios regimentados em virtude da Carta Régia 12 de Maio de 1798, que derrogou o Diretório dos mesmos ali existente. Foram extintos pela Lei de 22 de agosto de 1831”. Ibid. p. 119. 28 Cf. BRASIL. Lei de 25 de Outubro de 1832. 29 MARANHÃO. Secretaria de Governo. Autoridades Militares (Correspondência). Comandantes das Companhias de Ligeiros. 1833-1840. Seção de Documentos avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 30 Cf. OLIVEIRA, Mayra Cardoso Baêta de. “As companhias milicianas de pedestres no Maranhão (Década de 1820)”. In: III Simpósio de História do Maranhão Oitocentista. Impressos no Brasil do Século XIX. Anais. São Luís, 4 a 7jun. 2013. UEMA. Disponível em: < http://www.outrostempos.uema.br/oitocentista/cd/ARQ/42.pdf>

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pedestres a “soldados ligeiros irregulares”. Na terminologia militar está consagrada a distinção entre tropas regulares e tropas irregulares. Caetano Albuquerque assim as concebe:

No que concerne à tropa, se diz tropa de 1ª e 2ª linha; aquela ativa, esta uma espécie de reserva. Taticamente a linha é uma posição inicial ou a direção geral da posição da tropa, seja para o combate, seja para manobrar. Diz-se tropa de linha ou de batalha a que é destinada a combater em linha por oposição a tropas ligeiras ou irregulares31.

As tropas regulares são, portanto, aquelas chamadas de 1ª linha,

profissionais e permanentes; as tropas irregulares são as denominadas de 2ª linha, que atuam como auxiliares das de 1ª linha. Ora, no mundo luso-americano, as tropas de 2ª linha eram aquelas não profissionais, que prestavam serviço militar regidas pelo princípio de milícia. Este conceito é usado por John Keegan, autor para quem, ao longo dos tempos, existiram seis formas principais de organização militar, personificadas nos combatentes que as integravam: guerreiro, mercenário, escravo, tropa regular, recruta e milícia. Para ele, “o princípio da milícia estabelece o dever de prestar serviço militar para todos os cidadãos aptos do sexo masculino; a falta ou recusa em prestá-lo leva geralmente à perda da cidadania”32.

Na América Portuguesa existiam três tipos de tropas: uma profissional (a de 1ª linha) e duas não profissionais, nas quais o serviço militar era realizado de forma litúrgica33, as Ordenanças e as Milícias (durante muito tempo chamadas de tropas de 2ª linha; após alterações realizadas no final do século XVIII, essa

31 LINHA. In: ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário téchinico militar de terra. Lisboa: Typografia do Annuário Commercial, 1911, p. 241. 32 KEEGAN, John. Uma história da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 242 (grifei). 33 O conceito de liturgia é weberiano. Cf. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de sociologia compressiva. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Impressa Oficial do Estado de São Paulo, 1999. v. 2. p. 233-287. Aproprio-me da interpretação que dele fez Fábio Faria Mendes, quando diz: “Entendemos por liturgia formas de prestação de serviços administrativos por notáveis locais com seus próprios recursos, não remuneradas e voluntárias. Sua prática administrativa caracteriza-se pelo diletantismo, pela mobilização do prestígio pessoal, pelo domínio dos processos orais e pela busca constante de resultados consensuais negociados. As diretivas do poder central serão objeto de contínua tradução local pelos notáveis”. MENDES Fábio Faria. Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Org.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 113.

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denominação coube à Milícia, ficando as Ordenanças com a designação de tropas de 3ª linha). Todos os homens adultos, livres do jugo da escravidão, eram obrigados a servir militarmente ao rei. Quem não estivesse nas tropas de 1ª linha nem nos corpos de Milícia, integrava as Ordenanças, a primeira instituição militar que aqui se constituiu, organizada e destinada a atuar apenas nos próprios locais de residência de seus componentes. As Milícias eram organizadas também em base territorial, mas com algumas diferenças básicas em relação às Ordenanças: a) seus corpos eram formados por critérios étnicos e econômicos, separando brancos, negros e índios, ricos e pobres; b) podiam ser destacadas temporariamente para prestar serviço fora do seu local de domicílio, circunstância que aproximavam suas condições de trabalho daquela dos soldados de 1ª linha, pois passavam a ter direito a fardamento, armamento e remuneração. Se atuassem apenas nos locais onde eram constituídas, não recebiam remuneração e deviam fardar-se e armar-se às suas próprias expensas34.

Em 1831, as Ordenanças e Milícias herdadas da colonização portuguesa foram extintas, sendo criada a Guarda Nacional, chamada Milícia Cidadã por serem obrigados a integrá-la todos os cidadãos brasileiros com idade entre 21 e 60 anos e nas condições exigidas para o exercício do direito que era visto como a base da cidadania, isto é, participar do processo eleitoral como eleitor de primeiro nível. Afora a lei que criou a Guarda Nacional35 e a que criou guardas municipais de caráter miliciano em 183136, estas extintas dois meses depois37, não conheço outras iniciativas do governo imperial em que o caráter miliciano estivesse explicitado nas normas instituidoras dos corpos militares criados.

Como entender, então, o termo “tropa irregular”, usado por Cunha Mattos ao mencionar os corpos militares aqui analisados? Eram tropas milicianas ou profissionais? E qual o sentido do termo tropa fora de linha, que gradativamente

34 Cf. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23 ed. São Paulo: Brasiliense, 1999. SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e marginalidade na capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2001; FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no universo luso-brasileiro (séculos XVII e XIX). 2007. Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 35 BRASIL. Lei de 18 de agosto de 1831. 36 BRASIL. Lei de 6 de junho de 1831; Decreto de 14 de junho de 1831. Cf. FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem.... p. 131-135. 37 BRASIL. Decisão nº 236, de 6 de agosto de 1831; Lei de 18 de agosto de 1831.

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foi aparecendo na legislação que disciplinava as tropas ligeiras, os caçadores de montanha e os pedestres?

O exame da documentação produzida por esses corpos militares permite perceber algumas de suas características. Eram tropas assalariadas, pagas pelo governo central, com soldados recrutados basicamente nas próprias províncias e, principalmente, nas regiões onde estavam sediadas e nas quais iam atuar. Mas este último elemento não era uma particularidade delas. No Relatório do Ministério da Guerra do ano de 183338, o então ministro, Antero José Ferreira de Brito, comunicava haver recomendado que os corpos militares dispostos nos quatro cantos do país procurassem suprir a necessidade de soldados com os recrutados nas províncias onde estivessem localizados, justificando: “É quase impossível arrancar um só recruta de uma província para ir servir em outra”. A dificuldade em conseguir recrutas é um assunto recorrente na correspondência dos militares que comandavam as companhias que estudo.

Esse ministro, ao mesmo tempo em que propôs a criação da Companhia de Ligeiros em Goiás, efetivada algum tempo depois, defendeu que essas tropas passassem a ser mantidas pelas províncias onde existiam. Sua argumentação permite entrever o entendimento de um alto dirigente do país acerca da atuação delas:

Essas divisões do Rio Doce, e Espírito Santo e as Companhias de Ligeiros do Maranhão são sempre estacionárias nas Províncias a que pertencem; não tem nem podiam ter disciplina, ou forma alguma militar; foram propriamente criadas para ficarem à disposição dos Presidentes, e serem empregadas contra os Índios selvagens, já repelindo os ataques, que estes algumas vezes fazem aos nossos estabelecimentos, já guardando as estradas e contribuindo para a segurança dos viajantes. É portanto o governo de parecer que sejam desde já eliminadas da Repartição da Guerra, e sujeitas às Autoridades Superiores das respectivas províncias, declarando-se também provincial a despesa, que com elas se faz, o que além das razões de conveniência apontadas, foi ultimamente reclamado pelo Conselho Geral da Província de Minas Gerais39.

O presidente da Província do Maranhão em 1835, Antonio Pedro da Costa

Ferreira, julgava que as Companhias de Ligeiros não cumpriam os objetivos para os quais foram idealizadas: “ser uma milícia campestre que protegesse os nossos agricultores das incursões dos indígenas bravios, e auxiliassem o

38 BRASIL. Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra à Assembleia Geral, na sessão ordinária de 1833. In: O Publicador Oficial. São Luís, 3 set.1833. 39 Ibid.

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cumprimento das ordens judiciais”. E, para ele, não cumpriam por duas razões: a) seus soldados não estavam “inteiramente divorciados” de suas “ocupações anteriores, agrícolas ou manufatureiras”; b) a organização que tinham dava-lhes “uma feição perfeita de tropa urbana e regular, [que] não está de acordo com a ideia que importou a sua criação”. Assim, propunha a criação de uma nova organização armada: uma polícia rural com um sistema “mais amplo e generalizado, mais acomodado às nossas necessidades peculiares e, por derradeiro, mais econômico à Fazenda Pública”40. Sua proposta foi acatada pela nascente Assembleia Legislativa do Maranhão e naquele mesmo ano foi autorizada a criação de pequenos corpos de Polícia Rural.

A despeito da sugestão do ministro, de o presidente da província ter usado o termo milícia ao referir-se às Companhias de Ligeiros e de ambas as autoridades terem manifestado um juízo depreciativo sobre a maneira como elas atuaram, essas tropas fora de linha e as duas que as sucederam, no período aqui analisado, eram tropas profissionais, pagas e vinculadas ao Ministério da Guerra e não ao Ministério da Justiça, ao qual estava ligada a Guarda Nacional, a milícia criada no Brasil Império.

Muito ainda é possível avançar no entendimento das questões que motivaram a escrita deste texto. Por enquanto, partilho algumas reflexões. A classificação daqueles corpos militares como tropas irregulares e /ou tropas fora de linha certamente deve-se à maneira como eram vistas pelos dirigentes militares contemporâneos, como podemos perceber em certos elementos dos seus discursos, a exemplo dos dois citados acima. Suponho que eram tropas cujos soldados podiam até não se dedicar exclusivamente às lides militares. Como muitos atuavam em lugares próximos de onde foram recrutados, provavelmente continuavam vinculados às suas redes de sociabilidades, que lhes apresentavam outras demandas e outros envolvimentos. Entendo que lhes eram atribuídos trabalhos de natureza muito mais policial que militar, diante das novas concepções de forças armadas41 e da reforma havida em 1831 (redução do contingente do Exército, extinção das tropas milicianas remanescentes dos tempos coloniais e criação da Guarda Nacional), que almejava deixar a tropa de 1º linha responsável apenas pela defesa das fronteiras, enquanto a segurança ficaria a cargo de um corpo de polícia (com

40 MARANÃHO. FALA que o Exm. Snr. Presidente Antonio Pedro da Costa Ferreira proferiu na abertura da Assembleia Provincial do Maranhão em 16 de fevereiro de 1835. Publicador Oficial, n. 342, 21 fev. 1835, São Luís 41 Cf. CONSTANT, Benjamin. Escritos de política. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 110-115.

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praças profissionais) e de uma milícia formada por cidadãos. Julgo que se destinavam a atuar apenas dentro das províncias onde eram constituídas, não podendo ser enviadas para situações de confronto com exércitos de outros países, como indica a recorrente observação de Cunha Mattos quando se referia a cada um destes corpos: “não entra em linha”. Por tais peculiaridades eram classificadas como tropas fora de linha.

Considero que a existência delas no Brasil, em meados do Oitocentos, foi uma saída diante da impossibilidade de implementar plenamente a nova organização militar idealizada por pensadores políticos da época. Representavam a permanência de antigas práticas, que deixavam o enfrentamento aos povos indígenas que resistiam à colonização e aos escravos fugidos a cargo de soldados recrutados nas próprias regiões que deviam defender. Como a preparação dos recrutados era bastante precária, era preferível obrigar a integrá-las quem tinha uma vivência do meio campestre, conhecia as peculiaridades da região e, talvez, até o modo de agir daqueles a quem deviam controlar, os índios, mas também os escravos fugidos, como aparece na documentação.

No entanto, constato que, para uma melhor compreensão dos termos empregados para denominá-las, é necessário uma investigação mais aprofundada sobre as doutrinas militares e as táticas de guerra então em vigor, que norteavam as alterações realizadas nos exércitos e, consequentemente, as mudanças nas designações dos corpos militares, particularmente daqueles que mantinham as mesmas configurações, como os analisados neste artigo.

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A POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARÁ E O ALVORECER REPUBLICANO

William Gaia Farias

Resumo As transformações ocorridas na Polícia Militar do Pará no alvorecer republicano proporcionam questões importantes no entendimento das relações entre militares e política e história institucional da Amazônia. Neste sentido, a proposta deste trabalho é analisar o processo de reorganização desta corporação e, desta forma, compreender seu fortalecimento institucional perante a sociedade no final do século XIX e início do XX, destacando a atuação, formas e momentos de re-estruturação da corporação, definidas pelos regulamentos militares do estado do Pará. Nesta perspectiva de análise as fontes priorizadas foram os regulamentos militares, relatórios de governos e obras raras.

Palavras-chave: Polícia Militar – Pará – Reorganização

Instituições militares no início da República

Com a queda do Império a região Norte perdeu importância no que se

refere à estratégia de distribuição do efetivo do Exército pelo território brasileiro. José Murilo de Carvalho acentua que a República verá a geografia das guarnições acompanhando interesses estrategicamente políticos, aumentando a concentração de tropas onde se concentrava o poder decisório a nível nacional1, deixando o policiamento, atividade na qual o Exército tinha considerável participação até a Guerra do Paraguai. Assim, as polícias provinciais, em seguida, estaduais, iniciaram um processo de expansão.

No caso do Regimento paraense este processo é claramente perceptível quando, em 1894, são incorporados à força pública os Batalhões Patrióticos “15 de Novembro” e “General Tibúrcio” criados um ano antes, embora dissolvidos neste mesmo ano, os dois, sempre que necessário poderiam ser acionados. No final do ano de 1894, determinava-se que o Regimento Militar

1 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 33.

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do Estado fosse formado por dois Corpos de Infantaria e um de Cavalaria2. No entanto, os efetivos federais constantes no Relatório do Ministério da Guerra para o Pará eram apenas o 15º Batalhão de Infantaria – BI e o 4º Batalhão de Artilharia de Posição – BAP, ambos com déficit de praças, contabilizando respectivamente 278 e 151 homens3.

Some-se ainda a discrepância técnica, como no caso do rifle Mauser. É bem provável que a posse e uso de fuzis desse modelo pelo Regimento paraense em Canudos4, considerado moderno para a época, ainda não havia sido distribuído a todas as unidades do Exército predominando na força federal o modelo Comblain introduzido ainda no período imperial5.

Considerando que a Constituição de 1891 garantia grande liberdade comercial aos estados pode-se acreditar que, após ser aprovado o modelo espanhol do Mauser pela Comissão Técnica Militar Consultiva do Exército em 1893, como futuro fuzil-padrão do Exército, a força paraense passou imediatamente a utilizá-lo. Assim, fazendo uso da autonomia republicana, o governo paraense, tendo a frente o então tenente-coronel do Exército Brasileiro Lauro Sodré, procurou acompanhar a modernização das forças armadas federais nos primeiros momentos após a Proclamação adquirindo por conta própria seus exemplares da nova arma.

Como os modelos comprados para o Exército passavam por reformas técnicas para melhor adaptarem-se ao cartucho de munição produzido no Brasil, não entrando no mercado até o fim da guerra de Canudos, é possível crer que poderiam tanto ter sido comprados pelo governo do Pará para o Regimento Militar paraense diretamente o modelo espanhol mais antigo e sem adaptações, quanto sua recente variação belga, de 1895, diretamente de suas fábricas, levando a força paraense, de uma forma ou de outra a estar munido de armamento mais tecnologicamente avançado que boa parte do contingente do Exército.

2 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Coleção de Leis. Sub-série: Leis e Decretos de 1894, p. 5-64. 3 Brazil. Ministério da Guerra. Ministro João Tomaz Cantuária. Relatório do ano de 1897, apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2238/000001.html. Acessado em 22/06/2011. 4 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Secretaria de Segurança Pública / 2º Corpo de Infantaria / Ordens do Dia do 2º Corpo de Infantaria / Informes do 2º Corpo ao Comando da 2ª Brigada da Divisão Auxiliar nº 485. Ano de 1897. 5 Ministério da Guerra. Relatório de 1897. Op. Cit.

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Esse cuidado com o potencial de fogo do Regimento muito provavelmente não se deve a qualquer necessidade momentânea personificada na Guerra de Canudos. As ocorrências dos primeiros anos de República revelam a crescente necessidade de uma força de manutenção da ordem pública capaz e bem equipada. Na Revolta do Capim, no ano de 1891, expedições policiais partiram de Belém para a localidade de São Domingos do Capim para controlar conflitos políticos gerados pelo acirramento das disputas entre republicanos e democratas.

Encontrando civis munidos de armas de fogo e dispostos à resistência, o resultado das investidas policiais foram militares mortos, feridos e o rechaçar repetido da força pública. Foram necessárias três ondas de reforços para o que chegou mais perto de um “controle” da situação que ainda se manteve violenta e tensa nas redondezas por muito tempo6.

Não apenas em São Domingos do Capim, mas igualmente na capital, quase paralelamente, ocorreu o conflito que ficou conhecido como Revolta de 11 de Junho de 1891, desta vez com a adesão de grande parte das praças do próprio Corpo Militar de Polícia. Por terra foram necessárias as intervenções do 15º BI e do Corpo de Bombeiros, reforçados pelos poucos policiais infantes que se mantiveram legalistas e a cavalaria para debandar os militares revoltosos, o movimento insurreto entrincheirado no sítio Cacaolinho, no subúrbio da cidade, demandou manobras de guerra para ser sobrepujado, e resultou na dissolução do Corpo de Polícia e sua posterior recriação a partir do contingente do Corpo de Bombeiros e dos policiais que auxiliaram no combate contra os revoltosos. Ademias, pelas águas da Baia do Guajará e rios próximos a Belém foi marcante a participação da Armada, principalmente com a canhoneira Guarany que fazia as buscas de revoltosos e a canhoneira Cabedello, que com problemas no casco, aportada em Belém, serviu de navio-prisão7.

O quadro progressivo de esvaziamento dos militares federais na região, somando-se à já tratada necessidade de desinteriorização da força, a uma cultura local subjacente de resistência às forças militares, a recorrência aos conflitos armados, especialmente motivados por disputas político-partidárias, que estouraram no despontar da República, traçam um quadro no qual o

6 FARIAS, William Gaia. “A Revolta do Capim: camponeses envolvidos em revoltas político-partidárias”. In: MOTTA, Márcia; ZARTH, Paulo. (Orgs.). Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. São Paulo: UNESP; Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário – NEAD, 2008. 7 FARIAS, William Gaia. A construção da República no Pará (1886/1897). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense - UFF. Niterói. 2005.

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estado é o cenário, potencial ou efetivo, de crises que designam missões às forças policiais que comumente excedem suas possibilidades técnicas. Essas situações criaram um ambiente de constante necessidade de adequação da capacidade bélica da força pública, pois o poder de fogo dos revoltosos do Capim; seguidamente, às suas próprias potencialidades técnicas, na Revolta de 11 de Junho de 1891, no princípio de revolta em 1893 tornaram evidente o despreparo da corporação policial militar para contornar a difíceis situações. Ademais, estava em curso um programa de modernização do Exército criado pelo governo republicano, além do medo da disseminação de revoltas como a Revolução Federalista e a Revolta da Armada, que no Pará, também levou a criação dos dois sobreditos batalhões patrióticos: “15 de Novembro” e “General Tibúrcio”.

Diante destas considerações, encontramos em 1897, uma estrutura formada por uma cadeia de comando organizada e disciplinada, teoricamente apta a manter sua ordem diante de eventualidades de forma natural ou quase mecânica e que revelava uma aspiração militarista que se fazia identificável automaticamente, por exemplo, quando se observasse um membro do Regimento.

O uso de farda para identificar e distinguir os seus membros, mais explicitamente para o 2º Corpo que, sendo criado após as primeiras reformas de uniformes do Exército na República8, adotou farda similar à desta força, o dolman azul-ferrete da infantaria; e a imediata identificação de seus postos que era impressa na gola, ou canhão, do dolman do Regimento dava feições ainda mais militares à força policial9.

De todo modo, pode-se perceber que a força púbica paraense, se considerada desde fins da guerra do Paraguai e especialmente após a queda do Império, passou por um período de gradativo desenvolvimento técnico, numérico e organizacional que aproximava cada vez mais suas capacidades às das forças militares nacionais. A composição do Regimento Militar do Pará e a sua organização, como foram comentadas anteriormente, guardam extensas semelhanças entre as organizações militares, tal qual sua estrutura basilar hierárquica e dividida entre oficiais e praças, e, dentro destas, a respectiva segmentação dessa divisão em várias graduações.

8 BARROSO, Gustavo. (Org.) Uniformes do Exército Brasileiro (1730-1922). Ministério da Guerra, 1922. 9 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Segurança Pública. Sub-série: Regimento Militar / Mappa de Guardas e Praças. Regulação da distribuição de fardas de 1894.

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Considerações sobre o efetivo Policial Militar Em termos legais, temos o efetivo da força paraense fixado pela Lei nº 514

de Maio de 1897 em cinqüenta e cinco oficiais, além de 938 praças e nove oficiais do Estado Maior General do Regimento10. Em seu regimento, publicado pelo Decreto de setembro de 1894, dispõe-se que o Regimento se forme de um “Corpo de Cavallaria” com 209 homens, e dois “Corpos de Infanteria” com 392 homens cada, mais um Estado Maior General do Regimento composto de sete oficiais superiores, totalizando um efetivo de 1000 homens. Um número ideal e duramente constatável pela documentação que, no máximo, permite uma estimativa de pouco mais de 640 homens nos dois Corpos de Infantaria, cujo contingente deveria ser de 793 praças e oficiais11.

O regulamento do Regimento estabelece que, para a composição de praças dos Corpos, concorreriam voluntariamente cidadãos brasileiros entre 18 e 40 anos e com a “preciza robustez verificada em rigorosa inspecção de saúde”, além de lisura criminal ou “provada moralidade”12. Sob estas circunstâncias o voluntário estaria alistado por três anos, ao final dos quais, caso houvesse interesse, este poderia se engajar por três anos, incorporando uma bonificação de um décimo de sua praça ao seu soldo. É justamente nesse sentido que se percebe um pouco da dinâmica desses alistamentos e as diferenças entre os soldados do 1º e do 2º Corpo.

As informações acerca do tempo de serviço demonstram o perfil significativamente mais experiente do 1º Corpo13. De seu total de 314 praças, a maioria destas é qualificada como “engajado”, ou seja, já haviam servido por três anos e optado por permanecer na força, muitos dos quais engajados nos anos de 1895 ou 96, indicando sua entrada em 1892-93, anteriores mesmo à formação do Regimento Militar em 1894. Em termos percentuais, mais de 26% correspondem às praças engajadas – que tendo prestado três anos de serviço voluntário, optaram por permanecer mais três anos. Outros, mais de 25% das praças, pertenciam à categoria dos que estavam servindo “de tempo

10 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Coleção de Leis. Sub-série: Leis de 1897. 11 APEP. Leis e Decretos de 1894. Op. Cit. 12 Ibid. 13 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Segurança Pública. Sub-série: Regimento Militar – Folhas de Pagamento / Vencimentos do 1º e 2º CI de Agosto de 1897.

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acabado”, em outros termos, findo seu tempo de serviço voluntário, não haviam ainda recebido sua baixa.

Para o 2º Corpo, do total de 229, percebe-se o comportamento inverso. Os já engajados eram apenas 18,7%. Pouquíssimos podem ter sua data de entrada retroagida a 1893, mas a maioria destes engajados deu sua entrada justamente no ano de 1894 e, se mantendo na unidade desde sua criação, optaram por permanecer quando do fim de seu período de alistado. As praças que se encontram servindo além do seu tempo estabelecido correspondendo a apenas 6,5%, dentre os quais encontramos motivos bem específicos para tal, como o exemplo do Corneta da 1ª Cia. Manoel Euclides da Silva, que deveria justamente receber sua baixa no ano de 1897, estando, porém em débito com a tesouraria, prestaria serviço com desconto no soldo até saldar integralmente a dívida. A predominância era in facto dos voluntários, representando a parcela de 69,4% das praças.

Nesse sentido é importante citar o subtópico “Da Escola de Recrutas” do Capítulo IX do regulamento14, que estabelece que, entrando para o Regimento, os recrutas serão instruídos pelos inferiores do Corpo por um período de até seis meses. E determina ainda que:

Art. 148 – Os recrutas enquanto não passarem a promptos, só serão escalados para serviço interno do quartel, sendo durante as horas do ensino substituídos por praças promptas; mas si a necessidade for tal que exija o concurso dellas no serviço externo, deverão ser escolhidos para este fim os mais adiantados” (Ibid.).

Todavia, a julgar pela data de entrada, alguns voluntários encontrados

especialmente no 2º Corpo de Infantaria tiveram pouco ou nenhum tempo para serem instruídos na “escola do soldado”, nas formas, unidades militares, postura e combate, contribuindo para a impressão de que tão proporcionalmente o 1º Corpo de Infantaria era formado por veteranos quanto o 2º era predominantemente constituído de militares menos experientes e até mesmo novatos no sentido literal do termo, estes teriam então suas primeiras experiências militares justamente no campo de batalha, “honrando a farda”.

Deve-se considerar ainda o contingente forçosamente interiorizado desse aparato policial. Perceba-se a reformulação que sofreu a força pública em 1894, quando ficou estabelecido pela Lei nº 191 de 20 de Junho que:

14 APEP. Leis e Decretos de 1894. Op. Cit.

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Art. 9.º – Extingue [-se] as guardas locaes. §. Único. Para a polícia das localidades do interior do Estado o Governo fornecerá destacamentos tirados dos dois corpos de infanteria de acordo com a tabela que servia à guarda local, devendo nas cidades, e sempre que for possível, ser esses destacamentos comandados por oficiais.” (Ibid.).

Estas guardas, estabelecidas no ano de 1892, foram forças de segurança

fardadas, armadas e remuneradas pelo governo estadual, e instaladas na sede de cada município, excetuando-se a capital, sujeitando-se às autoridades de segurança. Contudo, ficaria agora sob o encargo exclusivo dos Corpos de Infantaria o policiamento das regiões interioranas do estado em substituição às guardas locais.

Esta missão parece ter excedido as possibilidades materiais do deficitário contingente do Regimento, já que, no ano de 1897, as guardas locais são recriadas pela Lei nº 514 de 22 de Maio15. Com a recriação, as guardas passaram a tutela do Regimento Militar, que teve a responsabilidade com o treinamento e a fiscalização de tais guardas, no ano de 1902, apenas cinco anos depois, desapareceram da estrutura de segurança do estado,. Isto leva a crer que, ao contrário do que se possa pensar em um primeiro momento, as guardas locais não foram recriadas antevendo a saída do Regimento em campanha, mas para acorrer a um problema mais duradouro, possivelmente a falta de contingente para o policiamento do interior.

A recriação das guardas locais, sob o comando de seus próprios inferiores i ou de oficiais do Regimento Militar, comprova o esforço em uma gradual interiorização do Regimento que, mesmo levado a recorrer novamente a elas, permaneceu paralelamente realizando o policiamento interiorano. E, mesmo estando disposta na citada lei de 1897 que os oficiais do Regimento Militar deveriam comandar estas guardas interioranas, nas relações de militares interiorizados estes aparecem apenas a partir de 190016.

Atividade polícial e sociedade

A virada do século XIX para o XX foi um momento de reestruturação das

instituições como um todo, com o surgimento de concepções de Estado Nação, e a organização das relações de produção em “economias nacionais”

15 APEP. Leis de 1897. Op. Cit. 16 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Segurança Pública. Sub-série: Regimento Militar / Mapa de Guardas e Praças / Relação dos Srs. officiaes e praças que se acham destacados em diligencia no interior do Estado - 1900 e 1901.

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através do planejamento econômico em nível de país, diversas relações sociais viram-se esvaziadas ou reformuladas. Em especial a burocratização e padronização administrativa dessas unidades nacionais e a formalização da educação oficial levaram à transformação de diversos setores da sociedade e ao aumento de expectativas sobre determinados tipos de cidadania17.

Nesse sentido pode-se compreender que tanto a própria atividade policial, quanto a identidade da força pública do Pará, recém egressa do regime imperial passava por um processo de conformação a uma nova identidade, dentro da diretriz do que, a respeito do Exército, José Murilo de Carvalho chama de “Ideologias de Intervenção”18. Através delas encontramos uma busca da “classe” militar por conformar-se dentro de um lugar social, uma vez que havia se desestruturado a referência do papel do Exército imperial. A partir da Proclamação da República a força pública procurou se redefinir, partindo para reestruturações e re-ordenamentos de suas funções sociais.

O discurso recorrente do Regimento Militar do Pará acerca de seu papel ideológico, aliado às demandas impostas sobre seus soldados, indica um esforço constante em projetar e estabelecer firmemente sobre o seu corpo de militares uma identidade construída, e uma função primeira expressa oficialmente em seu próprio regulamento “a manutenção da ordem e a garantia das instituições republicanas”, seja em 1891 na sua re-fundação19, seja em 1894 quando da sua reformulação e expansão20, buscando transformar homens de uma polícia imperial em “soldados da República” e “soldados do Pará”. Ao menos isso é o que se retém dos discursos oficiais dos comandantes, nos quais se percebe a presença de um oficialato recrutado no Exército21 que, quase como instituição, buscava controlar e padronizar a conduta dos comandados na hierarquia militar na tentativa de escoar, a partir do topo da pirâmide estrutural militar, uma ideologia atrelada a ideais republicanos.

17 HOBSBAWM, Eric. & RANGER, Terence O. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. 18 CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit. 19 Arquivo Público do Estado do Pará – APEP. Fundo: Executivo. Série: Coleção de Leis. Sub-série: Decretos do Governo Provisório de 1891/Decreto nº 371 de 11 de Julho de 1891, p. 267. 20 APEP. Leis e Decretos de 1894. Op. Cit. p. 65. 21 A partir de 1891 o regulamento permitiria a ascensão interna ao oficialato e ao comando, segmento que anteriormente só era aberto a oficiais egressos do Exército, contudo, antes de 1897 o Regimento praticamente não verá comandantes formados dentro da instituição. Sendo política de governo comissionar do alto-oficialato do exército os comandantes da força pública.

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Essa ideologia pretendia manter um movimento duplo, separando o militar estadual do homem comum, sendo esse apenas um “homem” enquanto aquele afirmava per se sua condição de cidadão; e parcialmente do próprio militar de posto mais raso, guardando o respeito e o senso de pertencimento. Bem mostra o trecho do discurso do comandante do Regimento, coronel Sotero de Menezes, quando na partida para Canudos agradece à soldadesca, sem a qual não poderia acorrer a “tal risco”, não poderia estar ele confiante do triunfo se não fosse os soldados do Regimento, “[seja como soldados arregimentados seja como cidadãos de cujo civismo não se pode negar, [...] firmado nos bellos princípios da disciplina”22.

Soma-se a isso o lugar social estabelecido aos policiais pela própria sociedade paraense. Nesse sentido é interessante notar o registro da presença do recém-eleito governador do estado José Paes de Carvalho e seu vice-governador, major Antônio Baena, bem como as magistraturas e autoridades locais, representantes do Exército, da Armada e de vários setores da sociedade civil para homenagear a tropa seguindo em viagem23.

É interessante perceber que não se noticiava qualquer manifestação contrária à partida dos paraenses desde a aprovação do oferecimento da tropa no mês de março de 1897. Ainda após o desastre da 3ª Expedição contra o Conselheiro e a morte dos coronéis Moreira César e Tamarindo, mesmo os jornais de oposição ao governo e os que contestavam a legalidade da guerra de “motivação religiosa” em um regime “laico” aparentavam, no mínimo, indiferentes aos discursos de defesa da causa republicana.

A ordem vigente periclitava, ao menos na percepção da época, e nada mais natural que os agentes responsáveis pela sua manutenção em âmbito estadual, em outra esfera, exercerem a mesma função. Função, por sinal, não apenas auto-atribuída, primeiramente pela ideologia militar que desembocou no golpe de 1889 e a qual encontramos transbordos na oficialidade do Regimento, mas também associada externamente aos militares paraenses pela sociedade.

A isto talvez corrobore o comportamento da imprensa paraense no período pós-proclamação quando dedicou-se a alimentar os constantes conflitos entre as corporações militares presentes no estado do Pará, ou seja, Exército, Marinha e Corpo de Polícia. Processo que, entretanto, não poderia ocorrer sem existir uma identificação destes grupos, seja como organizações específicas com identidades próprias em oposição mútua, quanto como classe concreta com objetivos e funções sociais e políticas definidas, pois os militares

22 APEP. 2º Corpo de Infantaria. OdD. n. 505. Ano: 1897. 23 FARIAS, William Gaia. “A Brigada Militar do Pará na Guerra de Canudos”. In: Revista Alpha. Patos de Minas, UNIPAM, 2010, vol. 11, nº 11, pp.62-71.

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não só acreditavam ser força decisiva para o redirecionamento de governos e regimes políticos como também foram elevados a esta condição por governos e oposições que disputavam o seu apoio. A força dos militares era entendida como fundamental, uma vez que haviam sido os grandes responsáveis pelo Golpe de 1889.

Esta identificação de “militares” aos moldes do Exército e, portanto, equivalentes a ele no Pará, construída internamente pelo ethos regimental e externamente por uma identidade publicamente associada aos policiais, parcialmente explicaria a oposição que estes praças fizeram aos contingentes federais de Belém no ano de 189324, bem como à tomada de consciência do policial militar do estado como classe e como agente político fundamental para o estado. Bem o provam as já citadas revoltas do Capim e de 11 de Junho.

Temos então uma unidade de opinião acerca da função dos militares no estado, tanto em termos de sociedade civil quanto dentro dos próprios soldados do Regimento. Tal e qual as ordens para a partida a São Domingos do Capim em 1891 foram contestadas pela imprensa e grupos políticos locais, mas a observância delas pela força policial não.

A partir de Celso Castro pode-se compreender que, a par de suas individualidades e de seu nível de aceitação ou incorporação a esse padrão de comportamento, existe um código de conduta que forma um modus operandi que espera que seus membros se apresentem diante de situações nas quais justamente a existência ou a afirmação desse grupo social específico estão em jogo25. Poderíamos identificar aqui esse código de conduta não escrito para os soldados do Regimento, se mantendo na Revolta do Capim, sendo rompido na Revolta de 11 de Junho – e levando à reestruturação da instituição, sendo reafirmada no interior da Bahia, guiando a nascente e artificial aspiração de unidade à diante e negociando as condições da relação estabelecida entre a o Regimento e a sociedade paraense. Conclusão

A composição do Regimento Militar do Pará e sua organização, como

foram vistas anteriormente, guardam algumas semelhanças com o Exército

24 MARRECA, Orvácio Deolindo da Cunha. Histórico da Polícia Militar do Pará: desde seu início (1820) até 31 de dezembro de 1939. Belém: Oficinas Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1940, p. 67. 25 CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 96.

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Brasileiro. Tal qual sua estrutura basilar hierárquica e dividida entre oficiais e praças, e dentro destas a respectiva segmentação dessa divisão em várias graduações, sendo esta estratificação feita de forma a emular com as forças armadas, principalmente as patentes do Exército, formando uma cadeia de comando organizada e disciplinada, apta a manter sua ordem diante de eventualidades. Esta aspiração militar salta à vista. Mas não apenas em seus aspectos estruturais ambas as forças perfilavam algumas semelhanças, pois o transbordo da ideologia republicana do Exército para a sociedade paraense terminou por desdobrar conflitos e incoerências que resultaram em problemáticas já conhecidos das forças armadas da época, obviamente matizadas pelas especificidades sócio-históricas regionais como as altas taxas de indisciplina, as dificuldades de formação e educação do contingente, a “endemia” das deserções.

Contudo, ainda que localmente mais numeroso e estruturado nos mesmos moldes de disciplina e hierarquia, em suas especificidades, das quais em sua composição, o Regimento buscava teoricamente se distanciar do Exército. Sua pretensão “cívica” e sua forma de alistamento deveriam abarcar um segmento social diferente do soldado que, ao contrário do Exército que havia eliminado seu alistamento forçado a pouco era voluntariamente incorporado e mais que isso, era avaliado física e moralmente antes de ser considerado apto. Dando-se esta seleção obviamente a nível local no tocante às praças, não seria de estranhar que algum nível de identidade pudesse ser percebido entre as praças na forma de algo que se poderia chamar arbitrariamente de “soldados do Regimento”. A isto talvez corrobore o comportamento da imprensa paraense no período pós-proclamação.

O Regimento Militar paraense poderia ser facilmente identificado como uma espécie de “exército estadual”, uma miniatura local das forças armadas, com um grande nível de autonomia, uma expressa capacidade de autogerenciamento, além de uma administração e regulamentação eminentemente militares, cuja hierarquia estava sob o controle do governo estadual com poderes e jurisdição para nomear e promover seus membros, e principalmente, sem quaisquer vínculos estruturais com o poder central. Em um momento no qual a nascente “classe” militar quase simultaneamente iniciou sua consolidação e ascendeu ao poder, à participação social de seus correspondentes a nível estadual não pode ser ignorada.

No Pará, na primeira década republicana o efetivo da polícia militar aumentou consideravelmente, passando por reorganizações no sentido de uma modernização institucional. É verdade, que durante o curto período do governo provisório este processo se apresentou acanhado com Justo Chermont e bastante complicado com Duarte Bacellar. Porém, no governo de

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Lauro Sodré, desde o início, a atenção à força pública foi bem mais profunda. Os primeiros anos do novo regime levaram a experiências importantes dos governantes em relação à corporação policial militar, sobretudo, com as praças, uma vez que após o envolvimento nas revoltas de 1891, a polícia merecia cuidado especial, inclusive com novas reorganizações.

No período de atuação de Sodré à frente do governo do estado, a corporação policial rapidamente foi se distanciando da imagem de um corpo marcado pela debilidade. Esta investida no fortalecimento da força militar do Pará pode ser percebida nas reorganizações de 1891 e principalmente de 1894, quando a estrutura do Regimento Militar do Pará passou a ser mais complexa e aparentemente, em termos técnicos e operacionais, mais eficiente, sendo em certa medida, inspirado na estrutura organizacional do Exército. Desta forma, em 1897, a polícia paraense pôde ser enviada para o sertão baiano para lutar contra os conselheristas.