Análise do Filme - Aos Treze

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Carla Marcela Faedda Ermelinda Piedade Mathias Oliveira Erika Barbosa Araújo Glaucia Lima de Magalhães Theophilo José Geraldo Ferreira ANÁLISE CRÍTICA DO FILME AOS TREZE

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Carla Marcela FaeddaErmelinda Piedade Mathias Oliveira

Erika Barbosa AraújoGlaucia Lima de Magalhães Theophilo

José Geraldo Ferreira

ANÁLISE CRÍTICA DO FILME AOS TREZE

NOVA IGUAÇU - RJ2012

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Carla Marcela FaeddaErmelinda Piedade Mathias Oliveira

Erika Barbosa AraújoGlaucia Lima de Magalhães Theophilo

José Geraldo Ferreira

AOS TREZE

Análise Crítica do Filme “Aos Treze” da disciplina de Desenvolvimento Humano II lecionada pela Prof. Katia Flores para obtenção de nota parcial de AV1- Curso de Psicologia.

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁNOVA IGUAÇU - RJ

2012

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Análise Crítica do Filme: AOS TREZE

Ficha Técnica:Título original: Thirteen Duração: 1 hora e 40 minutosGênero: Drama Direção: Catherine HardwickeAno: 2003 Pais de origem: EUAProtagonistas: Evan Rachel Wood (Tracy), Nikki Reed (Evie) e Holly Hunter (Melanie).

Introdução:A primeira questão é... O que é adolescência?Adolescência não é um período físico e pré-determinado do desenvolvimento

humano. Ela foi criada e obtém um significado relacionado ao meio social e histórico no qual está contido, refletindo as necessidades e ideias de uma cultura. Da mesma forma, adolescência não é igual à puberdade, pois esta se caracteriza primordialmente pelas transformações orgânicas que ocorrem no corpo humano entre, aproximadamente, 12 a 18 anos. No entanto, apesar de não ser idêntica a puberdade, a adolescência se relaciona intimamente com ela, pois ocorrem paralelamente.

A adolescência vem sendo constantemente caracterizada como uma fase difícil e de crise, onde sempre há conflitos, agressividade e revolta. Muitos teóricos veem produzindo estudos diversos sobre este tema, sempre revelando novas facetas desta fase tão polêmica, no entanto, se fosse necessário resumir, seria possível afirmar que a adolescência é uma fase de construção de identidade.

Análise Crítica:A análise que realizamos foi baseada no conceito de Síndrome da

Adolescência Normal (SNA), que é um conjunto de características, aceitas no campo da psicologia, que ocorrem na adolescência e indicam mudanças no comportamento, mas que são típicas desse período, e por isso mesmo não sugerem alterações patológicas se não forem exageradas.

A Síndrome da Adolescência Normal, descritas por Knobel e Aberastury, enfoca variantes do comportamento adolescente e explica sua tendência a vulnerabilidade, já que a busca da identidade adulta só é possível após a elaboração, por parte do adolescente, de três perdas fundamentais nesse processo evolutivo. Essas perdas seriam: a perda do corpo infantil, a perda dos pais da infância e a perda da identidade e do papel sócio familiar infantil. Essas perdas pessoais exigem um processo elaborativo de “luto”, no sentido psicológico e humano do termo, o que promove o surgimento de características distintas. Sendo assim, o conhecimento destas características psicológicas favorece o estudo e compreensão desta fase do desenvolvimento humano chamada de adolescência. São elas: busca de si mesmo e da identidade adulta mediante elaboração de lutos, tendência e necessidade grupal, necessidade de fantasiar com o futuro imaginário e saída do presente, questionamento das religiões e da religiosidade, deslocamento temporal, evolução sexual desde o autoerotismo até a sexualidade genital, atitude social

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reivindicatória, agressividade e violência, contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta, separação progressiva ou brusca dos pais e constantes flutuações de humor e do estado de ânimo (KNOBEL e ABERASTURY, 1981). Desta forma, partindo desta perspectiva psicológica, buscamos identificar nas personagens adolescentes presentes no filme, algumas das características acima citadas, relacionando-as com a teoria da Síndrome da Adolescência Normal.

O filme Aos treze mostra, à primeira vista, uma realidade chocante da juventude atual, com seus medos, inseguranças, alegrias, sonhos e frustrações. É um roteiro romanceado a partir da experiência verídica de uma das protagonistas, a atriz Nikki Reed que representa a amiga “transviada” Evie. Trata de um momento da vida de uma jovem americana chamada Tracy, sensível e responsável, que passa por uma radical transformação quando resolve se envolver com uma das garotas mais populares e atraentes da escola. Ela não poupa esforços para se aproximar e realiza todas as transgressões necessárias para chamar sua atenção. Afinal é bem sucedida e consegue viver com esta menina uma amizade intensa, quase como uma irmã, levando a mesma vida da outra garota: viciada em objetos de consumo, cleptomaníaca, usuária de drogas e sexualmente ativa.

A nosso ver, na realidade, todos estes atributos apresentados pela personagem são um retrato da sua fragilidade. O sexo é a forma de vínculo que consegue conquistar, os objetos, e os consequentes roubos, são o cerne da sua identidade conturbada, e as drogas são, de forma ambivalente, a fuga e o combustível necessário para a coragem que todos estes atos requerem. As adolescentes, na verdade, apesar de toda uma aparência de seguras e “descoladas”, apresentam uma desorientação, carência e vulnerabilidade imensas, onde tal atitude reflete um pedido de socorro e de ajuda.

Como podemos ver, a princípio, Tracy não pode ser encarada como vítima, pois ela procura por tudo isto, mas será que é assim mesmo? Em nossa concepção, o que ela realmente está tentando encontrar é a si mesmo, apesar de não ter consciência do processo em que está envolvida. Reflexo de um meio familiar conturbado, ela está perdida e sente-se sozinha, buscando na aceitação alheia a si mesma. Com isso percebemos que na busca da própria identidade pode ocorrer uma identificação com figuras que se chama de “identidade negativa”, quando é preferível ser alguém ruim que não ser ninguém. Desta forma, a protagonista do filme busca a sua identidade, como afirma Schoen-Ferreira (2003):

A construção da identidade pessoal é considerada a tarefa mais importante da adolescência, o passo crucial da transformação do adolescente em adulto produtivo e maduro. [...] A formação da identidade recebe a influência de fatores intrapessoais (as capacidades inatas do indivíduo e as características adquiridas da personalidade), de fatores interpessoais (identificações com outras pessoas) e de fatores culturais (valores sociais a que uma pessoa está exposta, tanto globais quanto comunitários).

Tracy busca aprovação do grupo e de sua líder, pois quer se sentir segura, querida e aceita. Nesse momento se estabelece a forte tendência grupal em Tracy, como explica Aberastury e Knobel (1981):

Nesta busca de identidade, o adolescente recorre às situações que se apresentam como mais favoráveis no momento. Uma delas é a da

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uniformidade, que proporciona segurança e estima pessoal. Ocorre aqui o processo de dupla identificação em massa, onde todos se identificam com cada um, e que explica, pelo menos em parte, o processo grupal do qual participa o adolescente [...]. Desta maneira, o fenômeno grupal adquire uma importância transcendental, já que se transfere ao grupo grande parte da dependência que anteriormente se mantinha com a estrutura familiar e com os pais especialmente. O grupo constitui assim a transição necessária no mundo externo para alcançar a individualização adulta.

Outro fato marcante da adolescência, e registrado no filme em cenas de conflito com a família, é a separação progressiva dos pais ou busca de independência. Quando há uma relação de confiança entre pais e filhos, isso acontece de maneira saudável, caso contrário, surgem problemas. A tendência grupal também fortalece isso, porque há momentos em que o grupo é o mais importante. Para os pais, isso tende a ser uma fase difícil, em que eles se dão conta de que os filhos, que pareciam tão pequenos, estão quase adultos. Stengel (2011) elaborou este conflito da seguinte forma:

Essa fase é também um momento de ruptura com a posição infantil de ser uma posse dos pais. Nessa mudança, a relação entre o adolescente e seus pais passa a ser pautada por uma ignorância, a dos pais, por não compreenderem seu filho, e deste, por não entender seus pais. Surge, então, um silêncio na família. Os pais, que eram tidos como heróis por seu filho na infância, são destituídos desse lugar, desidealizados e passam a ocupar um lugar de estranhamento frente ao filho. Por outro lado, os pais também têm dificuldade de reconhecer seu filho, pois até mesmo o corpo que ele ocupa não é mais o mesmo; a imagem da criança desaparece.

Com o desenrolar da história, Evie e Tracy começam a usar drogas e álcool. As drogas são um verdadeiro problema, pois é uma potencialização agravante num processo já tão repleto de crises, perdas e elaborações. Elas também saem com garotos e Tracy relaciona-se sexualmente pela primeira vez, não porque realmente quisesse fazer aquilo, porém por influência da amiga. Começa a descobrir sua sexualidade e oscila para a bissexualidade, numa cena em que beija Evie na boca. Essa oscilação não é anormal na adolescência, porque é nesta fase que o jovem vai decidir o que vai ser para o resto da vida, e para descobrir muitos buscam entrar em contato exploratório. Aberastury e Knobel (1981) afirmam que a educação sexual adolescente vai de uma fase prévia de masturbação à atividade lúdica que leva a aprendizagem, com conteúdos exploratórios de si mesmo ou do (a) outro (a).

Outra característica marcante da adolescência, e do filme também, é a contradição nas manifestações de conduta, ou seja, Tracy queria ser livre e fazer o que lhe interessava, mas no seu íntimo ela buscava limites, o que sua mãe não oferecia. Ainda segundo Aberastury e Knobel (1981):

A conduta do adolescente está dominada pela ação. O jovem não pode manter uma linha de conduta rígida e permanente. Sua personalidade é permeável e sua instabilidade necessária. Lida permanentemente com o imprevisível, tanto no seu mundo interno como no externo. Joga com seu corpo, sua alma, sua conduta, de acordo com as possibilidades que lhe parecem confusas. A contradição parece ser a conduta mais frequente nesse complexo evolutivo.

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Outro fato que nos chamou a atenção foi a relação entre os adultos e os adolescentes do filme. Não existe por parte dos primeiros, orientação, ajuda, exemplo ou educação, na real essência da palavra. A imagem que se salienta é de que os adultos do filme competem em carência com os jovens. A mãe da garota é uma alcoólatra insegura lutando para criar seus filhos, seu namorado é um ex-dependente químico que acaba de sair da recuperação pela segunda vez, enquanto o pai da jovem é ausente. A amiga também vem de uma estrutura familiar desfeita e repleta de questões conflitantes. Todos os personagens estão perdidos e, em última instância, não há nenhum adulto no filme. “Aos treze” não é apenas um filme sobre uma adolescência difícil, é sobre os revezes de crescer num tempo em que poucos têm coragem de ser adultos, gerando uma cadeia de consequências desastrosas. Observa-se uma falta de valores em nossa sociedade que está afetando nossos jovens. Os valores das gerações passadas estão sendo desconsiderados, sem se colocar nenhum outro no lugar, com isso, cada vez mais as pessoas sentem-se desorientadas, independente da idade cronológica. Relacionado a este pensamento, podemos encontrar na análise de Aquino (2005), uma confirmação do mesmo:

Em maior ou menor grau, temos, neste filme, um painel de traços hiper-realistas, e talvez de denúncia, sobre o cotidiano de adolescentes em situação de vulnerabilidade psicossocial. [...] análise do material cinematográfico [...] aponta menos para [...] uma juventude "transgressora", e mais para um quadro de desagregação das práticas sociais que delimitam as possibilidades subjetivantes das personagens. [...] Isso significa que parece haver, em curso, um processo crescente de diluição das fronteiras socioculturais que historicamente distinguiam as experiências características do jovem daquelas do adulto, redundando numa espécie de deriva identificatória para os mais novos. Em disputa pelo monopólio de uma certa "jovialidade de longa duração", jovens e adultos veem seus lugares e papéis justapostos, às vezes invertidos (...). Tal modo de organização societária, no que diz respeito ao convívio entre as gerações, não tardará a mostrar seus efeitos (...). Se, por um lado, tal processo é responsável pela gestação de inéditos modos de subjetivação juvenil, por outro, ele enseja alguns perigos, principalmente no que diz respeito à erosão tanto da autoridade dos mais velhos quanto da autonomia dos mais novos, estas alvos precípuos do embate entre as gerações (leia-se, educação) e, consequentemente, ingredientes basais de uma certa antevisão de futuro.

Falar em adolescente é falar em flutuações do humor e do estado de ânimo. Essas flutuações variam da euforia à depressão. Isso é determinado pela qualidade da elaboração dos lutos que ocorrem na vida de cada um. Em Tracy isso era bem nítido, pois ela tinha momentos de euforia, momentos coléricos, e também depressivos, chegando ao ponto de mutilar-se, cortando o próprio braço com tesoura ou lâmina, quando não sabia lidar com seus conflitos internos, quando era decepcionada, etc. De acordo com Knobel (1981), as flutuações no estado de humor e ânimo do adolescente, são sentimentos básicos que o acompanharão permanentemente, como substrato. A intensidade e a frequência dos mecanismos da introjeção e projeção fazem com que o adolescente altere o seu estado de ânimo mediante as manifestações de desesperança em relação ao mundo externo; assim como também elabora e reconsidera constantemente suas vivências e seus

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fracassos. Sendo assim, as mudanças de humor são típicas da adolescência, e é preciso compreendê-las sobre a base dos mecanismos defensivos utilizados pelo adolescente para evitar o desprazer.

Conclusão:Em resumo, alternando momentos de beleza e aridez, “Aos Treze” é um filme

onde não há mocinhos ou bandidos e não são apresentadas respostas fáceis. O filme é um convite ao diálogo. Adolescente não é criança e nem adulto. É uma fase de transição criada pela sociedade, da passagem da infância para vida adulta, de evolução, de construção, ressignificação e de desenvolvimento. A Adolescência é uma época de assumir responsabilidades, de descobertas, de crises existenciais, de elaboração de lutos, enfim, não é fácil e deve ser compreendida como tal.

A adolescência hoje carrega o estigma da agressividade e da impunidade, quando, na verdade, trata-se do oposto, pois muitos jovens são vítimas de uma violência física e/ou psíquica, em decorrência de uma sociedade que os exclui de diversas formas. Nossa preocupação é que filmes como este, se forem analisados somente na superficialidade, podem levar a uma ratificação deste estereótipo sobre uma adolescência inconsequente e rebelde.

Acreditamos que a adolescência deve ser analisada relacionada ao contexto social, isto é, família, escola, amigos, meios de comunicação, entre outros, pois estes influenciam e interferem de forma significativa no modo de estar e agir no mundo, porém sempre em interação próxima com os atributos biológicos e psíquico-emocionais de cada indivíduo.

Compreendemos que a adolescência é caracterizada por aspectos específicos que fazem parte do desenvolvimento humano, e que há grandes conflitos que caracterizam essa fase durante a construção de uma identidade. Somente através de uma transição segura e orientada, será possível o desenvolvimento futuro das potencialidades dos jovens e sua transformação num adulto pleno.

Referências:ABERASTURY, A. & KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque

psicanalítico. Porto Alegre. Artes Médicas, 1981.AQUINO, Julio Groppa. Da juventude em tela: os adolescentes vistos pelo

cinema. In: SIMPOSIO INTERNACIONAL DO ADOLESCENTE, 2., 2005, São Paulo. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=MSC0000000082005000200058&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 13 Aug. 2012.

SCHOEN-FERREIRA, Teresa Helena; FARIAS, Maria Aznar; SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos. A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Estudos de Psicologia, 2003, 8(1), 107-115. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v8n1/17240.pdf>. Acesso em: 13 Aug. 2012.

STENGEL, Márcia. O exercício da autoridade em famílias com filhos adolescentes. Psicol. rev. (Belo Horizonte), Belo Horizonte, v. 17, n. 3, dez. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682011000300011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 14 ago. 2012.