Análise renato

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Hoje à tarde eu estava no trabalho e tive de olhar os números meio na correria. Agora em casa, vendo com mais calma, dá pra ver que a coisa está bem feia. Precisa corrigir o rumo com urgência senão problemas muito graves podem aparecer já em 2011. Em uma empresa, o fato de existirem financiamentos bancários não é necessariamente um problema. Na verdade é algo bom se feito corretamente. O problema com o financiamento da CBB é que ele é caro (2,5% a 3,5% ao mês são taxas de juros altas), de curto prazo e que a entidade não tem ativos em contrapartida da dívida. Explico: se você toma um financiamento pra comprar um carro, o veículo fica em garantia - se você não puder pagar o empréstimo, entrega o carro de volta e encerra o assunto. Com a sua casa, idem. Agora, você olha o balanço da CBB, percebe que ela só tem R$ 2,5 milhões em ativos - se somar tudo que ela tem nos bancos, mais o que tem a receber, mais o valor das instalações em seu nome, dá isso. Ou seja, se este empréstimo vencesse amanhã, nem se a CBB vendesse tudo que tem conseguiria repagá-lo. É por isso que no balanço, na linha do patrimônio líquido, existe a observação "passivo a descoberto": no final de 2010 a diferença entre tudo que a CBB tem e tudo que ela deve era de R$ 2,9 milhões (dívidas maiores que ativos). Também dá pra ver pelo balanço que esta foi uma situação que se instalou no ano passado. No final de 2009 este "passivo a descoberto" não existia, embora já estivesse no limite (apenas R$ 95 mil a mais de ativos em relação às dívidas). Se formos pela definição da Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Insolv%C3%AAncia - podemos dizer que a CBB está "falida, mas não insolvente": A insolvência é um estado em que o devedor tem prestações a cumprir superiores aos rendimentos que Recebe. Portanto um insolvente não consegue cumprir as suas obrigações (pagamentos) atempadamente. Uma pessoa ou empresa insolvente poderá ao final de um processo ser declarada em definitivamente Insolvente, em falência ou em recuperação. A Falência é um estado em que o devedor é responsável por mais dívidas do que a quantidade de seus bens que possui. Uma empresa ou pessoa Falida não estão automaticamente InsolventesAgora, se coloque no lugar de um banco. Existe aquela anedota de que "banco só empresta dinheiro pra quem não precisa". Na verdade, banco empresta dinheiro considerando a solidez do tomador do empréstimo: se ele tem ativos reais pra dar em garantia, se os donos da empresa podem dar garantia pessoal (do próprio patrimônio) pra cobrir uma eventual dificuldade da empresa, ou mesmo se a empresa gera caixa de forma regular e confiável de modo a cumprir suas obrigações e repagar o empréstimo. Se você fosse o banco da CBB, emprestaria dinheiro pra ela? Veja, a CBB não tem ativos praticamente. Ainda assim, ela foi capaz de levantar crédito em DOIS bancos: Itaú e Bradesco (nota explicativa #9 do balanço). Se esses bancos não viram na CBB os ativos, se a CBB não tem donos que se disponham a dar garantias pessoais pelo crédito, só sobra a capacidade de geração de caixa como forma de garantir o empréstimo. Uma boa pergunta pra fazer à CBB seria "o que foi dado em garantia pelas linhas de crédito obtidas junto aos bancos"? Minha suspeita é que algum dos contratos de patrocínio tenha sido

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Hoje à tarde eu estava no trabalho e tive de olhar os números meio na correria. Agora em casa, vendo com mais calma, dá pra ver que a coisa está bem feia. Precisa corrigir o rumo com urgência senão problemas muito graves podem aparecer já em 2011. Em uma empresa, o fato de existirem financiamentos bancários não é necessariamente um problema. Na verdade é algo bom se feito corretamente. O problema com o financiamento da CBB é que ele é caro (2,5% a 3,5% ao mês são taxas de juros altas), de curto prazo e que a entidade não tem ativos em contrapartida da dívida. Explico: se você toma um financiamento pra comprar um carro, o veículo fica em garantia - se você não puder pagar o empréstimo, entrega o carro de volta e encerra o assunto. Com a sua casa, idem. Agora, você olha o balanço da CBB, percebe que ela só tem R$ 2,5 milhões em ativos - se somar tudo que ela tem nos bancos, mais o que tem a receber, mais o valor das instalações em seu nome, dá isso. Ou seja, se este empréstimo vencesse amanhã, nem se a CBB vendesse tudo que tem conseguiria repagá-lo. É por isso que no balanço, na linha do patrimônio líquido, existe a observação "passivo a descoberto": no final de 2010 a diferença entre tudo que a CBB tem e tudo que ela deve era de R$ 2,9 milhões (dívidas maiores que ativos). Também dá pra ver pelo balanço que esta foi uma situação que se instalou no ano passado. No final de 2009 este "passivo a descoberto" não existia, embora já estivesse no limite (apenas R$ 95 mil a mais de ativos em relação às dívidas). Se formos pela definição da Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Insolv%C3%AAncia - podemos dizer que a CBB está "falida, mas não insolvente":

“A insolvência é um estado em que o devedor tem prestações a cumprir superiores aos rendimentos que Recebe. Portanto um insolvente não consegue cumprir as suas obrigações (pagamentos) atempadamente. Uma pessoa ou empresa insolvente poderá ao final de um

processo ser declarada em definitivamente Insolvente, em falência ou em recuperação. A Falência é um estado em que o devedor é responsável por mais dívidas do que a

quantidade de seus bens que possui. Uma empresa ou pessoa Falida não estão automaticamente Insolventes”

Agora, se coloque no lugar de um banco. Existe aquela anedota de que "banco só empresta dinheiro pra quem não precisa". Na verdade, banco empresta dinheiro considerando a solidez do tomador do empréstimo: se ele tem ativos reais pra dar em garantia, se os donos da empresa podem dar garantia pessoal (do próprio patrimônio) pra cobrir uma eventual dificuldade da empresa, ou mesmo se a empresa gera caixa de forma regular e confiável de modo a cumprir suas obrigações e repagar o empréstimo. Se você fosse o banco da CBB, emprestaria dinheiro pra ela? Veja, a CBB não tem ativos praticamente. Ainda assim, ela foi capaz de levantar crédito em DOIS bancos: Itaú e Bradesco (nota explicativa #9 do balanço). Se esses bancos não viram na CBB os ativos, se a CBB não tem donos que se disponham a dar garantias pessoais pelo crédito, só sobra a capacidade de geração de caixa como forma de garantir o empréstimo. Uma boa pergunta pra fazer à CBB seria "o que foi dado em garantia pelas linhas de crédito obtidas junto aos bancos"? Minha suspeita é que algum dos contratos de patrocínio tenha sido

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comprometido, mais ou menos como se faz quando uma pessoa toma um empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento. O banco te empresta o capital e, em contrapartida, você dá em garantia o seu próprio salário. Quando o salário entra, o banco é pago antes de você mesmo. Em resumo, em 2010 a CBB gastou mais do que podia e, pra cobrir o buraco, comprometeu R$ 3,590 mi das receitas que obterá no futuro, de 2011 em diante, levantando empréstimos de curto prazo a juros altos. O problema é que agora, pra consertar isso a partir de 2011, será exigida uma disciplina administrativa que talvez esta direção não tenha. Quanto à questão do uso da verba pública pra pagar o empréstimo, não vejo isso como uma questão grave. Vejo como mais grave o fato de a conta ficar para gestões futuras da Confederação. O alerta é que tem de pisar no acelerador com responsabilidade. Não dá pra acelerar além da própria capacidade, pro gestor aparecer como "aquele que fez", e depois deixar a conta pros próximos pagarem. É isso que acaba com o esporte brasileiro de uma maneira geral, e é também por isso que o esporte profissional, nos EUA e Europa, foi todo privatizado - muitas vezes por força de lei - e "tem dono" (com todos os problemas que isso traz). Só como exercício, faço três projeções. Na primeira, vamos projetar os próximos anos como se o mesmo nível de receitas e gastos fosse mantido no padrão de 2010, assim como o custo do crédito. Perceba que a dívida subiria rapidamente para R$ 8,7 mi já em 2011 e se não houvesse banco disposto a assumir esse ônus, a CBB já estaria oficialmente insolvente. Se houvesse em 2011, duvido que existiria em 2012, ano em que as dívidas explodiriam para R$ 18,1 milhões. Mas este é um cenário hipotético. Vamos supor que a direção decida encarar o problema de frente. Em vez de gastar mais do que arrecada, vamos supor que a CBB passe a arrecadar mais ou gastar menos à razão de R$ 3,5 milhões por ano. Neste ritmo, levaria três anos para desfazer o estrago de 2011. Vamos, além, supondo que além de gastar menos do que arrecada, a direção vá aos bancos e consiga reestruturar a dívida, convertendo os empréstimos para outros a juros menores. Fiz uma suposição de que seja possível reduzir o custo para 1,4% ao mês (18% ao ano). Neste caso, a necessidade de arrecadar mais ou gastar menos cairia para R$ 3,0 milhões por ano, para que se pudesse desfazer o estrago de 2011 nos mesmos 3 anos. Fiquei surpreso com o resultado: não alivia muito. Pra fechar, queria dizer que eu gosto de brincar com a minha esposa e dizer pra ela que a coisa mais fácil que tem no mundo é dar presente. Todo mundo diz que é difícil dar presente, especialmente pra mulher, e eu digo que acho muito fácil. O segredo é simples: é só ter grana. Gastar dinheiro. Você vai lá ao shopping e compra aquela bolsa ou aquele sapato da marca italiana ou francesa que custa mais caro que o seu carro e está resolvido. Ou seja, difícil não é dar presente bom, difícil é dar presente bom gastando pouco. Nas empresas é a mesma coisa:

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Difícil não é necessariamente realizar por si só, difícil é realizar dentro dos recursos disponíveis, difícil é gerar renda suficiente para realizar tudo que é necessário. Ou seja: não tem mágica possível aqui. O único caminho é, daqui pra frente, receber mais ou gastar menos. O socorro dos bancos tem limites que possivelmente já tenham sido atingidos (ou estejam próximos disso). Será necessária disciplina nos gastos para evitar que esta dívida exploda, e será necessário aumentar as receitas para que este sacrifício nos gastos não afete significativamente as operações da Confederação. Esperamos que haja bom senso por parte dos dirigentes para que as ações necessárias sejam tomadas daqui em diante. Renato, de Campinas.