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XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012 Análise Estrutural do início do Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos: Procedimentos Texturais e Uso de Simetrias Joel Miranda Bravo de Albuquerque (CMU-ECA-USP) Paulo de Tarso Salles (CMU-ECA-USP) Resumo: Analisamos estruturalmente o início do Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos. Descrevemos alguns dos procedimentos composicionais utilizados pelo compositor, buscando possíveis influências. Percebemos nesta obra traços da música de Stravinsky como os “complexos sonoros” autônomos. Outras características estão presentes como o uso de melodias curtas e sem desenvolvimento discursivo, uso de ostinati e simetrias, mudanças frequentes de fórmula de compasso e acentos rítmicos deslocados. Palavras-chave: Villa-Lobos, Modernismo, Música Brasileira, Choros Nº4. Structural Analysis of Choros Nº4 by Heitor Villa-Lobos: Textural Procedures and Use of Symmetries Abstract: We analyzed structurally the beginning of the Choros Nº4 by Heitor Villa-Lobos. We describe some of the compositional procedures used by the composer, seeking possible influences. We saw in this music traces of Stravinsky's music as "complex sound" autonomous. Other features are present as the use of short melodies and without development discourse, use of ostinati and symmetries, frequently changing time signatures and rhythmic accents displaced. Keyword: Villa-Lobos, Modernism, Brazilian Music, Choros Nº4 Introdução O Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos, composto no ano de 1926 e estreado em 24 de outubro de 1927 em Paris, faz parte da Série Choros, conjunto de peças que inaugurou a fase nacionalista do compositor. Esta peça foi dedicada a Carlos Guinle, mecenas do compositor durante suas duas passagens por Paris na década de 1920. Tem duração de pouco mais de quatro minutos e foi escrita para três trompas e um trombone, formação pouco comum, bem ao gosto da vanguarda parisiense da época (TARASTI, 1995: 102-5), conhecida como o “Grupo dos Seis” 1 . Esse grupo de compositores, orientado por Cocteau e Satie, defendia o fim do uso de técnicas que referenciassem qualquer semelhança com a música clássica ou romântica. Procuramos investigar dentro do Choros Nº4 outros elementos de maior importância que mostram como Villa-Lobos contribuiu com propostas legítimas para o aprimoramento de novas tendências frente à crise da “prática comum” que ocorreu no início

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Análise Estrutural do início do Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos:

Procedimentos Texturais e Uso de Simetrias

Joel Miranda Bravo de Albuquerque (CMU-ECA-USP)

Paulo de Tarso Salles (CMU-ECA-USP)

Resumo: Analisamos estruturalmente o início do Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos. Descrevemos alguns dos procedimentos composicionais utilizados pelo compositor, buscando possíveis influências. Percebemos nesta obra traços da música de Stravinsky como os “complexos sonoros” autônomos. Outras características estão presentes como o uso de melodias curtas e sem desenvolvimento discursivo, uso de ostinati e simetrias, mudanças frequentes de fórmula de compasso e acentos rítmicos deslocados.

Palavras-chave: Villa-Lobos, Modernismo, Música Brasileira, Choros Nº4.

Structural Analysis of Choros Nº4 by Heitor Villa-Lobos: Textural Procedures and Use of Symmetries

Abstract: We analyzed structurally the beginning of the Choros Nº4 by Heitor Villa-Lobos. We describe some of the compositional procedures used by the composer, seeking possible influences. We saw in this music traces of Stravinsky's music as "complex sound" autonomous. Other features are present as the use of short melodies and without development discourse, use of ostinati and symmetries, frequently changing time signatures and rhythmic accents displaced.

Keyword: Villa-Lobos, Modernism, Brazilian Music, Choros Nº4

Introdução

O Choros Nº4 de Heitor Villa-Lobos, composto no ano de 1926 e estreado em 24

de outubro de 1927 em Paris, faz parte da Série Choros, conjunto de peças que inaugurou a

fase nacionalista do compositor. Esta peça foi dedicada a Carlos Guinle, mecenas do

compositor durante suas duas passagens por Paris na década de 1920. Tem duração de pouco

mais de quatro minutos e foi escrita para três trompas e um trombone, formação pouco

comum, bem ao gosto da vanguarda parisiense da época (TARASTI, 1995: 102-5), conhecida

como o “Grupo dos Seis”1. Esse grupo de compositores, orientado por Cocteau e Satie,

defendia o fim do uso de técnicas que referenciassem qualquer semelhança com a música

clássica ou romântica. Procuramos investigar dentro do Choros Nº4 outros elementos de

maior importância que mostram como Villa-Lobos contribuiu com propostas legítimas para o

aprimoramento de novas tendências frente à crise da “prática comum” que ocorreu no início

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do século XX. Optamos por uma análise “estruturalista” percebendo a dificuldade de

enquadrar a peça dentro dos padrões clássicos de análise musical.2

1. Complexos Sonoros e Procedimentos Texturais

Temos no início da obra (c.1-66) uma região de construção harmônica sofisticada

com complexos sonoros independentes que se relacionam ora por sobreposição, ora por

justaposição. Sua estrutura é composta em três partes, sendo a terceira parte uma repetição

modificada da primeira, compondo uma “pequena forma ternária” (a – b – a’).

Na abertura (c.1-4) vemos a construção de texturas de acordes, pela “ressonância

de um bloco de acordes tocados pelas trompas” (SALLES, 2009: 102-3) entrecortados por

“figurações melódicas do trombone” (Idem, Ibidem: 153-4). O material sonoro criado pelas

trompas (Fig.1) foge aos padrões triádicos convencionais, evitando as tradicionais terças

sobrepostas. Estes complexos relacionam-se entre si não mais por tensões e relaxamentos

próprios da tonalidade ou por modulações. Os encadeamentos harmônicos seguem mais

orientações contrapontísticas, em geral pelo uso de semitons e agregados de semitom. Salles

menciona que “os processos de adição e subtração intervalar utilizados por Villa-Lobos têm

profundas implicações sobre a condução linear das vozes, força motriz de sua técnica

contrapontística” (Idem, Ibidem: 139).3

Fig.1: Blocos de acordes tocados pelas trompas na abertura

As trompas “tocam uma sequência de quatro acordes, em que aparecem 11 sons

da escala cromática, com exceção do Sib” (SALLES, 2009: 153). Esse procedimento

harmônico é chamado por Salles de “polarização por exclusão” e é uma prática comum na

música de Villa-Lobos.

Uma forma curiosa de chamar a atenção sobre um determinado som é excluí-lo durante certo tempo para então voltar a ele. Se a eficácia dessa técnica pode ser discutível para quem escuta a obra, especialmente se houver estruturas harmônicas

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muito densas, ela pelo menos revela uma forma de dispor os sons ao longo do tempo, de conduzir o fluxo sonoro até determinado objetivo. (SALLES, 2009: 151)

O tema que conduz os acordos – que chamaremos de motivo “a” (Fig.2)4 – é

disposto homogeneamente entre os três instrumentos, exceto pela repetição da nota Lá pela

segunda trompa, o que impede a simetria completa entre todas as vozes, evitando o

aparecimento das 12 notas cromáticas. A única nota ausente é o Sib, que aparecerá ao final da

obra como tonalidade principal.

Fig.2: Tema 1 (1ª trompa): motivo a; argumento de todo Choros Nº4 (c.1-4)

Também notamos trechos onde as vozes circulam em eixos de gravitação, que são

notas polarizadas por maior exposição e por uso de notas que guardam relação harmônica em

torno desta5. O tema logo abaixo, escrito para a primeira trompa, – entre os Números 2 e 3

(Fig.3) – mostra fortes semelhanças com tratamento motívico por atração de uma nota

principal que ocorre no tema inicial do fagote de Sagração da Primavera de Igor Stravinsky

(Fig.4). Também notamos semelhanças com o motivo a, argumento do Choros Nº4.

Fig.3: Polarização da nota Sib como eixo de atração deste tema melódico

Fig.4: Tema inicial de Le Sacre: semelhanças com o tratamento rítmico e melódico do Choros Nº4.

Outra semelhança entre os dois compositores é a frequente alternância entre

fórmulas de compasso na primeira seção da obra, muito comum na obra de Stravinsky6.

A estruturação dos “blocos sonoros”7 utilizados neste Choros, que por vezes até

se parecem com os convencionais acordes triádicos, não parece seguir os padrões funcionais

da Harmonia Tonal Tradicional. Ficou mais claro para nossa análise a organização destes

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“complexos de notas” a partir de uma justificativa textural de progressão e regressão de

densidades sonoras (BERRY, 1987: 185)8. No compasso 58 – Número 11 – (Fig.6), por

exemplo, temos um adensamento harmônico de todas as vozes, consequência da superposição

homofônica em intervalos muito próximos, acompanhada pela progressiva ampliação da

densidade dos valores rítmicos. Esse adensamento prossegue para uma ampliação dos

intervalos entre as vozes que conduz a passagem de modo cadencial até o primeiro acorde do

próximo compasso.

Fig.6: Cadência textural (progressão gradativa e recessão súbita de densidade)

Sobre este aspecto de progressões e regressões de densidade rítmica e textural em

Villa-Lobos, Salles afirma:

Villa-Lobos utiliza frequentemente o adensamento dos eventos rítmicos – quase sempre em conjunto com os elementos harmônicos – como meio de polarização de determinada altura. A ideia de precipitação rítmica como elemento de condução melódica é um procedimento muito comum em sua música. (SALLES, 2009: 174)

Outros aspectos importantes devem ser destacados neste compasso. Temos neste

trecho a divisão entre notas de teclas brancas e pretas9 (de acordo com a disposição destas no

piano) resultando na superposição das escalas diatônica e cromática, procedimento típico da

música de Villa-Lobos, mais evidente na música para piano e violão (Fig.7) (SALLES, 2009:

45). Vale aqui observar que, em consequência dessa disposição das notas, temos aqui o

aparecimento do Modo VII de Messiaen na segunda transposição (Modos de Transposições

Limitadas10) na primeira e na segunda trompa.

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Fig. 7: Notas referentes às teclas brancas e pretas do piano intercaladas sucessivamente

2. Formas simétricas e “ostinati”

Podemos identificar uma segunda seção neste Choros (c.67-81) onde aparecem

interessantes superposições de camadas independentes, onde a melodia principal da segunda

trompa em tratamento modal dialoga com as ressonâncias criadas pela sobreposição entre o

cromatismo e sons diatônicos no conjunto que o acompanha, surgindo assim uma textura

instável que muda gradativamente.

Temos aqui um trecho de movimento mais lento em seção única que se

desenvolve a partir de um bloco sonoro construído com as notas Sib, Láb, Réb e Dó, ou,

segundo a catalogação de Forte11, [0,1,3,5]. Harmonicamente temos sobreposições bem

instáveis que são balanceadas pelo uso constante de ostinati e simetrias12. Temos uma

condução homofônica em “tratamento coral” de temas independentes que geram uma série de

ressonâncias de maior ou menor atrito entre os parciais harmônicos.

Sobre isso surge uma melodia na segunda trompa (Fig.8) que conduzirá toda essa

seção. Temos aqui uma melodia desenvolvida quase totalmente em graus conjuntos,

conduzida em modo do Dó Eólio, muito similar ao tratamento dado às melodias tonais13. A

melodia tem oito compassos divididos em duas frases de quatro compassos, quase que

idênticas, mostrando o uso de simetrias translacionais nesta seção. Essa melodia concluiu

sobre o mesmo bloco sonoro do início da seção, que reaparece no compasso 77.

Fig.8: Uso de simetrias bilaterais e translacionais no tema principal deste trecho

O tema do trombone (Fig.9) é um ostinato que se repete compasso a compasso até

o final da seção (simetria translacional). Este tema é formado pelo espelhamento do motivo a

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(simetria bilateral), tratamento similar ao que gerou a melodia principal, sobre as notas Fá,

Láb e Sib, com uma polarização não muito clara desta última nota. O tema da terceira trompa

é construído em duas frases idênticas de quatro compassos (simetria translacional). Cada frase

pode ser dividida em duas partes, a primeira em movimento cromático ascendente, e a

segunda em movimento cromático descendente, mostrando um espelhamento entre as duas

(simetria bilateral). Novamente destacamos a “superposição das escalas diatônica e cromática

– tão típica da música de Villa-Lobos – [que] resulta em padrões simétricos bem apreciáveis”

(SALLES, 2009, p. 45).

Fig.9: Uso de simetrias translacionais e bilaterais no acompanhamento

Conclusão

Vimos nesta análise vários aspectos que marcaram a obra de Villa-Lobos da

década de 1920. Muito fortes são os traços da música de Stravinsky como os “complexos

sonoros” autônomos postos em camadas como mosaicos, gerando ressonâncias vertiginosas

entre seus parciais. Outras características como o uso de melodias curtas e sem

desenvolvimento discursivo, uso de ostinati e simetrias, mudanças frequentes de fórmulas de

compasso e acentos rítmicos deslocados. Na última seção da obra, uma citação da música

popular urbana dos Chorões, faz jus ao caráter nacionalista dos Choros. Também, em sintonia

com os ideais do “Grupo dos Seis”, foi a escolha da instrumentação que, não por acaso, evita

o uso de instrumentos de cordas, preferindo um quarteto de metais, naipe muito na moda na

década de 1920 na França (Varèse – contemporâneo de Villa-Lobos – também faz escolha por

instrumentações sem o naipe de cordas em composições como Hyperprism, Intégrales e

Octandre).

A politonalidade, que ganhava campo no início do século XX, também aparece na

obra do brasileiro. Mas não é correto achar que Villa-Lobos era um mero espectador. Ele

também participou ativamente na criação de novos procedimentos composicionais, em

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especial no trabalho com texturas de acordes, como foi mostrado em toda análise

desenvolvida.

Referências BERRY, Wallace. Structural Functions in Music. Nova Iorque: Dover Publications, 1987. BOTTI, Renata. Aspectos de textura na música de Heitor Villa-Lobos. São Paulo, 2003. 148f. Mestrado em Musicologia. ECA-USP BOULEZ, Pierre. Apontamentos de aprendiz. Trad. Stella Mourinho, Caio Pagano e Lídia Bazarian. São Paulo: Perspectiva, 1995. CORRÊA, Antenor Ferreira. Estruturações Harmônicas Pós-Tonais. São Paulo: Editora UNESP, 2006. GUÉRIOS, Paulo R. “Heitor Villa-Lobos e o ambiente artístico parisiense: convertendo-se em um músico brasileiro”, Mana, vol. 1, nº 9, p. 81-108 (versão em PDF), 2003. LAGO, Manuel C. do. O circuito Velloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil: modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana. Rio de Janeiro, 2005. 286f. Tese de doutoramento para o Programa de Pós-Graduação em Música. Unirio. MESSIAEN, Olivier. Technique de Mon Langage Musical. Paris, Leduc, 1944. NORONHA, Lina Maria Ribeiro de. “’Le Boeuf sur le Toit’: o contato de Darius Milhaud com a música brasileira”, Anais do XIX Congresso da ANPPOM. Curitiba: UFPR, p. 230-234 (versão em PDF), 2009. SALLES, Paulo de Tarso. Villa-Lobos: Processos Composicionais. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. SOUZA LIMA, João. Comentários Sobre a Obra Pianística de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC, Museu Villa-Lobos, 1969. STRAUS, Joseph. Introduction to post-tonal theory. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall, 1990. TARASTI, Eero. Heitor Villa-Lobos. The Life and Works, 1887-1959. Carolina do Norte: MacFarland & Company, 1995. VILLA-LOBOS, Heitor. Chôros Nº4 pour Trois Cors & un Trombone. Partitura. Paris: Editions Max Eschig, 1926. Notas 1 Villa-Lobos fez sua primeira viajem a Paris em 1923 e teve contato com o importante grupo de compositores local, conhecidos como “O Grupo dos Seis”. Aqui vale a pena destacar a figura de Milhaud. Este compositor

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também fez parte do Grupo dos Seis e esteve no Brasil entre 1917 e 1918, sendo fundamental para o gosto de Villa-Lobos e outros jovens compositores pela música modernista francesa. Também destacamos a importância do “Círculo Velloso-Guerra”, elite artística carioca que, ainda na década de 1910, promoveu o contato do compositor com as obras de compositores da vanguarda francesa. (LAGO, 2005: 68-69) Mais sobre o assunto ver NORONHA (2009), LAGO (2005), GUÉRIOS (2003). 2 Orientamos-nos pelo termo “estruturação” utilizado por Antenor Corrêa em Estruturações Harmônicas Pós-Tonais (2006). Neste livro tivemos um esclarecimento das dificuldades da teoria tradicional em dar justo entendimento às novas práticas composicionais pós-tonais que surgiram no início do século XX, entre elas as obras modernistas de Villa-Lobos. Corrêa recomenda a análise estrutural, pois esta isola os acontecimentos internos de cada obra, procurando uma orientação própria daquela ocorrência em particular, sem que seja necessário que a justificativa para esta análise sirva para outras obras. 3 Sobre análise deste trecho, ver SALLES (2009: 102-3; 153-4). 4 Segundo Salles, este motivo “a” é semelhante ao “motivo Bach” – tema usado por Johann Sebastian Bach (1685-1750) em algumas de suas obras, como a Arte da Fuga. Este motivo é formado pelas letras do nome do compositor B-A-C-H que em alemão representam as notas Sib, Lá, Dó e Si. “O motivo Bach apresenta um contorno que pode ser definido como um ‘ziguezague concêntrico’, semelhante a muitas figurações utilizadas por Villa-Lobos” (SALLES, 2009: 153). 5 “Segundo Costère, um som é polarizado por um conjunto de quatro outros sons, dois deles situados acima e abaixo à distância de meio-tom; os dois outros sons são situados quarta (ou quinta) acima ou abaixo.” (SALLES, 2009: 200n) 6 Vamos perceber também, em ambos os casos, a utilização alternada dos grupos de valores rítmicos “irracionais” (tercinas de colcheias e quintinas) e de “grupos racionais” (quatro semicolcheias). (BOULEZ, 1995: 107) 7 Evitamos aqui o uso do termo “acorde”. Percebemos que os grupos de notas simultâneas nesta obra não tem caráter funcional como as tríades e tetrades tonais. Assim optamos por termos da música pós-tonal como “blocos sonoros” ou “complexos de notas”. 8 Segundo Berry, “progressões e recessões texturais [são] formados pelo grau de mudanças nas relações intervalares e nas qualitativas e quantitativas condições texturais” (BERRY, 1987: 185). Mais detalhes sobre os conceitos de Berry em Villa-Lobos ver BOTTI (2003). 9 Ver LIMA, 1946: 152-3. Souza Lima comenta sobre a frequência do uso “de uma sequência de sons que obedecem a determinada simetria entre teclas brancas e pretas” em obras de Villa-Lobos para piano, como o início de A Baratinha de papel nº1 de A prole do bebê nº2. 10 Os Modos de Transposições Limitadas foram classificados por Messiaen e sua utilização neste trabalho visa facilitar nossa análise para um melhor entendimento e denominação harmônica dos trechos da obra. No entanto estes modos que foram sistematizados por Messiaen já apareciam em outros compositores precedentes a ele como é o caso de Villa-Lobos. Mais sobre os Modos de Transposições Limitadas e suas classificações, ver MESSIAN (1944: 85 – 93). 11 Fizemos aqui referência à Teoria dos Conjuntos, de Allen Forte (STRAUS, 1990). Notamos aqui que o tetracorde [0,1,3,5] também corresponde a forma primária dos tetracordes [0,2,4,5] (Dó, Re, Mi, Fá) e [0,7,9,11] (Sol, Lá, Si, Dó). Isso demostra que o tetracorde [8,10,0,1], utilizado neste trecho do Choros, foi construído a partir de uma estrutura diatônica, o que reforça o caráter de contraste entre diatonismo e cromatismo neste trecho. 12 O ostinato e as simetrias são recursos muito comuns na obra de Villa-Lobos. Sobre isso, ver Simetrias e Assimetrias em Villa-Lobos em SALLES (2009: 45 – 69). Segundo Salles (2009: 42 – 44) dois tipos de simetrias são muito comuns dentro da obra de Villa-Lobos: simetrias translacionais e bilaterais. A primeira ocorre quanto um trecho musical é repetido de forma idêntica à original, como acontece nas recapitulações e nos ostinati. Já simetria bilateral acontece quando um trecho musical é construído de forma espelhada, ou seja, se lido de trás para frente, soa da mesma forma. 13 Vamos perceber neste tema características comuns em melodias da tradição tonal e modal. Na fig.8 podemos perceber uma existência implícita de funções tonais de tensão e relaxamento (Dominante e Tônica), onde a primeira frase (Antecedente) caminha para a nota Sol (Dominante do Modo de Dó Eólio) e a segunda frase (Consequente) cadencia para a nota Dó (Tônica) da próxima frase. No entanto, o material harmônico deste trecho não procura enfatizar essas funções, ficando mais visível a procura de uma textura instável, gerado pelo atrito entre os parciais cromáticos e diatônicos sobrepostos neste trecho.