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VERBO jurídico ® Ana Teresa Leal A Tutela Penal nas Responsabilidades Parentais O crime de subtração de menor

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  • VERBO jurdico

    Ana Teresa Leal

    A Tutela Penal nas Responsabilidades Parentais O crime de subtrao de menor

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 2

    A tutela penal nas responsabilidades parentais O Crime de Subtrao de Menor

    Ana Teresa Leal Procuradora da Repblica

    1. Introduo

    O incumprimento das decises proferidas nos processos de regulao do exerccio das

    Responsabilidades Parentais ocorre com relativa frequncia, sendo transversal a toda a populao e

    no escolhe estatuto social, situao econmica, formao acadmica, raa ou religio.

    As alteraes introduzidas pela Lei 61/2008 de 31 de outubro no art. 249 do Penal vieram dar

    uma nova dimenso a este preceito, alteraram o leque de situaes que nele encontram

    enquadramento e tm gerado diversas dvidas na sua interpretao e aplicao.

    al. c) do preceito em causa foi dada uma redao que constitui uma nova formulao do ilcito

    ali previsto, sem que a formulao anterior tivesse sido mantida.

    Estamos, pois, perante uma nova modalidade do crime de subtrao de menor e com o

    desaparecimento da previso anterior.

    Muitas interrogaes se tm colocado e a jurisprudncia ainda escassa sobre esta matria.

    Este trabalho mais no pretende ser do que um pequeno contributo para a discusso que ainda

    s agora se iniciou e resultou da necessidade de, em termos prticos e no trabalho dirio, tentar

    encontrar respostas para as dvidas surgidas.

    Faremos uma anlise detalhada do tipo previsto nas als. a) e c) do art. 249, luz das ltimas

    modificaes que lhe foram introduzidas pela Lei 61/2008 e terminaremos com uma breve resenha

    jurisprudencial dos mais recentes arestos sobre a matria em causa.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 3

    2. A tutela Penal nas Responsabilidades Parentais

    O exerccio das responsabilidades parentais apresenta quatro vertentes essenciais cuja

    regulamentao, atravs de acordo, de deciso judicial ou deciso administrativa1, tem que ter lugar

    sempre que os progenitores, casados ou no entre si, no vivam juntos em conjugalidade.

    So elas a definio de com qual dos progenitores a criana fica a viver, isto se no optarem

    pelo regime de residncia alternada, a quem cabe o exerccio das responsabilidades parentais, sendo

    que a regra legalmente imposta que este exerccio seja conjunto no que tange s questes de

    particular importncia, o regime de convvio da criana com o progenitor com quem no reside e a

    fixao de uma prestao alimentcia.

    Com as alteraes introduzidas nos preceitos penais contidos nos art.s 249 e 250, do C.Penal,

    a par dos meios civis disponveis para proteger os direitos em causa, cada um destes aspetos passou

    tambm a merecer tutela penal.

    Uma maior proteo dos direitos inerentes ao exerccio da parentalidade foi sentida e reclamada

    por vrios setores da sociedade, decorrendo essa necessidade da verificao de algum desamparo

    sentido pelos destinatrios daqueles direitos, em especial pelo progenitor com quem a criana no

    reside.

    Por outro lado, a deciso proferida pelo TEDH no conhecido Caso Reigado Ramos2, que

    condenou o Estado Portugus por violao do art. 8 da Conveno na medida em que As

    autoridades portuguesas omitiram o desenvolvimento de esforos adequados e suficientes para fazer

    respeitar os direitos de visita do requerente () , pronunciou-se sobre a questo de no ser possvel

    proceder-se criminalmente pelos factos em apreo, afirmando que cabe aos Estados e no ao Tribunal

    as opes legislativas, mormente as que se referem matria penal.

    No obstante, ali se pode ler que () compete a cada Estado contratante dotar-se de um

    arsenal jurdico adequado e suficiente para garantir o respeito pelas obrigaes positivas que lhe

    incumbem ao abrigo do art. 8 da CEDH. O Estado deve designadamente possuir uma panplia de

    sanes adequadas, eficazes e capazes de assegurar os direitos legtimos dos interessados bem como

    o respeito pelas decises judicirias.

    Foi, pois, nesta esteira que a Lei 61/2008 de 31 de outubro veio introduzir alteraes

    significativas e inovadoras no Cdigo Civil no que tange ao exerccio das responsabilidades parentais

    e, esse mesmo diploma, veio reforar a proteo dos direitos nele consagrados, conferindo-lhes a

    tutela penal que se impunha como necessria e adequada proteo dos seus destinatrios.

    A nova redao dada aos preceitos contidos nos art.s 249 e 250, do C.Penal veio, deste modo,

    tornar mais abrangente o campo de aplicao dos ilcitos em causa, pelo que atualmente encontram-

    1 Do Conservador do Registo Civil nos processos de divrcio a correr termos na Conservatria. 2 Ac. de 22 de novembro de 2005, proferido no Rec. 73229/01, consultvel em

    http://direitoshumanos.gddc.pt/acordaos/reigado_ramos.pdf.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 4

    se compreendidas na tutela penal condutas que anteriormente apenas na rea civil encontravam

    proteo legal, sendo certo que esta se revelou muitas vezes insuficiente e ineficaz.

    Temos assim que, grosso modo, a violao das vertentes do regime que se prendem com a

    guarda do filho e com o exerccio das responsabilidades parentais, pode encontrar enquadramento

    penal no crime de subtrao de menor, previsto no art. 249 n1 al.a), do C.Penal e a violao do

    regime fixado para o convvio do menor com o progenitor no residente pode vir a encontrar esse

    enquadramento na al.c) da mesma norma legal.

    3. O crime de subtrao de menor

    3.1. Numa breve resenha histrica deste preceito, que se pode revestir de utilidade para a sua

    interpretao, temos que o art. 249 manteve-se inalterado no que tange s suas als. a) e b) mas

    sofreu modificao profunda no que se refere al.c), com a redao que lhe foi dada pelo art. 7 da

    Lei 61/2008 de 31 de outubro.

    Em termos de moldura penal abstratamente aplicvel o crime comeou originalmente por ser

    punido com pena de priso at dois anos ou pena de multa at 240 dias. Com a Lei 59/2007 de 4 de

    setembro passou a ser punido com pena de priso de 1 a 5 anos, mas a pena anterior foi mantida para

    as situaes em que o agente fosse ascendente, adotante ou tivesse exercido a tutela sobre o menor,

    com a criao do tipo privilegiado previsto no n2.

    Atualmente a pena abstratamente aplicvel passou, de novo, a ser de priso at dois anos ou

    pena de multa at 240 dias mas no n 2 do preceito consagrou-se uma atenuao especial da pena,

    para as situaes previstas na al.c), quando a conduta do agente for condicionada pela vontade do

    menor com idade superior a 12 anos.

    Com a redao introduzida pela Lei 61/2008, deixou de estar previsto o crime privilegiado que

    encontrava acolhimento no n2 do preceito na sua redao anterior. As relaes de parentesco no 1

    e 2 grau da linha reta, a adoo ou a tutela deixaram de constituir fundamento para uma moldura

    penal diversa da do tipo legal base. De notar, porm, que a pena aplicvel em abstrato ao ento crime

    privilegiado agora aquela que aplicvel ao tipo legal.

    3.2. Na redao original no preceito incriminava-se somente a subtrao de menor e a recusa de

    entrega do menor a quem exercesse o poder paternal ou a tutela ou a quem o mesmo se encontrasse

    legalmente confiado. O bem jurdico tutelado pela norma era, ento, o poder paternal, a tutela ou o

    direito de guarda decorrente de deciso judicial.

    Atualmente o bem jurdico protegido pela incriminao continua a ser o mesmo pois a norma

    penal continua a garantir o respeito pelo estabelecido nos art.s 1906 a 1908 e 1935, do C.Civil,

    mas a em face da nova redao da al. c), foi alargado o mbito de proteo da norma, que abarca

    agora, nas palavras de Andr Lamas Leite, o direito ao exerccio sem entraves ilcitos dos contedos

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 5

    nsitos s responsabilidades parentais e reflexamente o direito do menor ao cumprimento integral

    do regime estabelecido para o exerccio das responsabilidades parentais, pois que est nsito em tal

    exerccio o acautelar dos seus interesses3. O direito do menor a conviver com ambos os progenitores

    em plenitude e sem constrangimentos agora, de forma clara e inequvoca, protegido com a norma

    incriminadora mesmo que apenas mediatamente, conforme defende o mesmo autor que afirma ()

    o essencial do programa protetor da norma o interesse do menor. Contudo, tal no significa que

    sejam as crianas, elas prprias as portadoras do bem jurdico, na medida em que so os titulares

    das responsabilidades parentais que organizam o exerccio do feixe dos direitos-funo com o

    objetivo de satisfazer aquilo que for melhor para o interesse do menor4.

    Sobre a matria em causa, Maria Clara Sottomayor5 defende que o bem jurdico protegido pela

    norma no pode deixar de ser o interesse da criana e a sua opinio.

    No oferece qualquer dvida que o interesse da criana tem de ser erigido como o ncleo central

    dos interesses que a norma visa tutelar pois a criana o centro e a destinatria primordial do regime

    legal em vigor. A salvaguarda do seu superior interesse a trave mestra de qualquer deciso que a

    afete e aquele interesse obrigatoriamente tido em conta e devidamente ponderado aquando da

    fixao do respetivo regime de exerccio das responsabilidades parentais ou da instituio da tutela.

    Mas no basta a existncia de uma deciso proferida no mbito de um processo tutelar cvel, os

    interesses da criana s ficam devidamente acautelados se tal deciso for cumprida e respeitada pelos

    seus destinatrios imediatos e por terceiros.

    Para que o superior interesse da criana esteja devidamente garantido imprescindvel que o

    exerccio das responsabilidades parentais possa ser levado a cabo de forma plena e sem obstculos

    ou atropelos. Certo , no entanto, que tal desiderato s alcanado se os poderes conferidos aos

    progenitores se mostrarem devidamente defendidos.

    Quando falamos de proteo da norma no podemos nunca dissociar a criana dos seus

    progenitores ou de quem a tem a seu cargo e a responsabilidade de dela cuidar.

    A proteo da norma envolve agora, de forma clara e inequvoca, estas duas vertentes pois com

    a nova redao introduzida pela Lei 61/2008 deixou tal proteo de se centrar na vertente da guarda

    e passou tambm a abranger as relaes da criana com o progenitor com quem no reside

    habitualmente, as quais se pretendem regulares e gratificantes, o mais prximo possvel daquelas que

    existiam quando a famlia vivia em comunho.

    esta a nova dimenso que atualmente o bem jurdico protegido com a norma apresenta. No

    estamos perante uma tutela diversa da anterior, apenas o seu mbito foi alargado.

    3 O crime de subtraco de menor uma leitura do reformado art. 249 do Cdigo Penal. Revista

    Julgar, n7, p. 116. 4 Ob.cit., p. 120. 5 Regulao do Exerccio das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divrcio, 5 edio, Almedina,

    2011, p .136.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 6

    O interesse da criana est sob o alcance de defesa da norma penal mas em primeira linha o

    interesse daqueles a quem cabe legalmente o exerccio sobre ela dos poderes-deveres inerentes

    parentalidade ou tutela que o preceito penal visa proteger.

    3.3. Tendo em considerao a pena abstratamente aplicvel ao ilcito e o disposto no art. 23

    n1, do C.Penal, a tentativa no , agora, punvel, ao contrrio do que acontecia na redao anterior

    quanto ao crime base, atenta a pena que, ento, lhe era abstratamente aplicvel.

    3.4. O ilcito, em qualquer das suas vertentes, reveste sempre natureza semipblica, pelo que

    para que o Ministrio Pblico tenha legitimidade para promover o processo necessrio se torna que

    o ofendido apresente queixa pelos factos em causa, nos termos do art. 49, do CPP.

    Ofendidos no crime previsto na al.c) pode ser qualquer um dos progenitores e nas situaes das

    als. a) e b), tambm a pessoa a quem a guarda do menor tenha sido legalmente entregue e o tutor.

    Sob pena de extino do respetivo direito a queixa tem que ser apresentada no prazo de 6 meses

    a partir da data em que ocorreram os factos face ao disposto no art.115 n1, do C.Penal.6

    3.5. A al.a) do preceito mantm-se, como j vimos, inalterada desde 1995 no que se refere sua

    previso, Quem subtrair menor.

    No concernente al.c), na redao que lhe foi dada pelo DL 48/95 de 15 de maro rezava a

    previso Quem se recusar a entregar menor pessoa que sobre ele exerce poder paternal ou tutela,

    ou a quem ele esteja legitimamente confiado.

    A destrina entre as condutas a integrar em cada uma destas alneas nem sempre se mostrou

    clara, ocorrendo algumas situaes em que ambas se mostravam preenchidas.

    Estas duas normas eram, pois, sobreponveis em alguns dos seus elementos, havendo situaes

    que caiam na previso de ambas.

    Com a atual redao da al.c) do art. 249, onde a tnica agora colocada no j na recusa de

    entrega do menor a quem tinha a sua guarda mas na sua convivncia com ambos os progenitores no

    mbito do regime de regulao das responsabilidades parentais, algumas das condutas que eram

    anteriormente enquadrveis naquela, so-no agora na al.a).

    6 Mesmo que a conduta se prolongue no tempo, para o incio da contagem do prazo o momento relevante

    o do conhecimento do facto e de quem seja o seu autor. Sobre esta matria, Ac. da Relao de Coimbra, de 10-05-2006, em que foi Relator Gabriel Catarino, proferido no proc. 1010/06, consultvel em www.dgsi.pt, No caso de accionamento do direito de queixa, releva no o momento em que cessa a terminao da situao antijurdica, mas sim o momento em que o titular do interesse juridicamente protegido teve conhecimento do facto delitivo e do autor.

    Em sentido oposto, Ac. da Relao do Porto, de 03-04-2002, proferido no proc. 0111309, em que foi Relator Fernando Monterroso A crime de maus tratos a cnjuge de previso do artigo 152 n.2 do Cdigo Penal de execuo permanente, que se prolonga e persiste no tempo, porque h uma voluntria manuteno da situao anti-jurdica at que a execuo cesse, ficando s ento o crime exaurido. O prazo de caducidade do direito de queixa s tem inicio aps ter cessado a execuo.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 7

    Afastar o menor da esfera de atuao de quem sobre ele exerce a tutela ou a quem foi

    legitimamente entregue uma atuao que pode agora encontrar acolhimento na previso da al.a) do

    preceito.

    Certo , no entanto, que a eliminao do preceito penal na vertente recusar a entregar o menor

    no que se refere a quem sobre ele exerce a tutela ou a quem esteja legitimamente confiado determina

    que algumas condutas abrangidas pela incriminao da al.c) na anterior redao, atualmente no

    encontram proteo penal, tendo ocorrido uma descriminalizao das mesmas.

    Na redao original dada ao art. 249, na al.a) encontrava-se prevista, tal como acontece

    atualmente, a subtrao de menor, sendo que a previso da al.c) estava reservada para as situaes,

    no de subtrao mas de recusa da sua entrega.

    Em causa estavam duas realidades diversas, a determinar duas previses igualmente diversas e

    s em algumas situaes as mesmas eram sobreponveis.

    Todas aquelas que, ento, integravam simultaneamente as duas alneas so agora, sem margem

    para dvidas, enquadrveis na al.a).

    Porm, outras h que deixaram de ter enquadramento penal em face da atual redao da al.c), j

    que esta completamente inovadora e no encontra qualquer similitude com previso anterior.

    A alterao da previso que constitua o tipo legal previsto na al.c) no foi acompanhada de

    qualquer outra que enquadrasse, total ou parcialmente, as condutas ali abrangidas noutro segmento

    do preceito legal em anlise, nem noutro normativo legal.

    Subtrair substancialmente diferente de recusar-se a entregar e tanto assim que o legislador

    teve necessidade de diferenciar os dois comportamentos e coloca-los em alneas distintas do preceito

    legal.

    Alis, reforando a ideia de que em causa esto duas realidades distintas, tambm na redao

    do art. 196 do Cdigo Penal de 1982 a distino era feita em termos idnticos.7

    Se a opo do legislador no tivesse sido, como at agora, a de distinguir de forma clara as duas

    condutas poder-se-iam encontrar argumentos que legitimassem uma interpretao mais lata da

    expresso subtrair, de molde a nela integrar um maior nmero de situaes e a abranger a recusa de

    entrega, mas em face das sucessivas redaes que tm sido dadas ao preceito julgamos que tal no

    se mostra possvel.

    A interpretao histrica , a nosso ver, impeditiva de uma interpretao mais lata da expresso

    subtrair contida na al.a) do art. 249.

    Subtrair menor, por contraposio recusa de entrega significa retir-lo da esfera de atuao de

    quem o tem a seu cargo naquele momento.

    7 Previa o n 1 do art. 196 do C.Penal de 1982 Quem subtrair um menor ou, por fraude, violncia ou

    ameaa de grave mal, o determinar a fugir a quem tem o exerccio do poder paternal, ou da tutela ou se recusar a entreg-lo a quem legitimamente o reclame, ser punido com priso at 3 anos e multa at 100 dias. (sublinhados nossos)

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 8

    Recusar a entrega importa que o menor esteja na esfera de atuao de um terceiro, para onde

    entrou temporariamente e com o consentimento de quem tem a sua guarda legal, e este terceiro nega-

    se, em momento posterior, a permitir o seu regresso.

    Tomemos como exemplo a conduta de um familiar do menor com quem o tutor o deixou para

    passar frias e que, findo tal perodo, se recusar a entrega-lo. Anteriormente era inequivocamente

    enquadrvel na previso da al.c), mas na atualidade esta conduta deixou de encontrar acolhimento

    na norma em face da nova redao dada ao preceito legal.8

    O mesmo acontece se a entrega em causa, por perodo de tempo mais ou menos longo, tiver

    lugar por parte dos progenitores da criana a um terceiro, que depois no permite o seu regresso.

    Estas situaes no podem deixar de causar estranheza e perplexidade pois enquanto outras,

    aparentemente de menor gravidade em face dos interesses tutelados pela norma, como o

    incumprimento de um regime de visitas, se enquadram na previso do crime de subtrao de menor,

    a recusa de entrega da criana aos progenitores ou a outra pessoa a quem tenha sido legalmente

    confiada j no encontra tal enquadramento penal.

    Certo que as alteraes introduzidas no preceito penal em anlise a tal conduzem e no nos

    parece possvel uma interpretao da norma de forma to extensa e com a latitude necessria a

    abranger as condutas em causa, sob pena de violao do princpio da legalidade.

    Estamos em sede de uma norma penal e a sua interpretao ter sempre que ser feita de uma

    forma precisa e at restritiva e nunca de modo a que seja ultrapassada a letra da lei e a sua razo de

    ser.

    Constitui uma das regras basilares da interpretao das normas que o legislador soube expressar

    corretamente a sua vontade, pelo que teremos que aceitar que as alteraes introduzidas no preceito

    penal, conjugadas com as que ocorreram nas normas do C.Civil, deixaram de fora do mbito da tutela

    penal, em sede de crime de subtrao de menor, algumas situaes anteriormente abrangidas pela

    incriminao.

    Mesmo que consideremos incorreta esta opo legislativa e dela discordemos, certo que tal

    no nos legitima a fazer uma interpretao da norma penal de modo a conferir-lhe uma latitude que

    no tem correspondncia com a sua letra.

    E o mesmo raciocnio ter que ser aplicado s situaes em que a criana se encontra sob a

    guarda e responsabilidade de algum que no respeita uma deciso judicial de entrega da criana a

    outra pessoa e se recusa a cumprir a mesma.

    O conhecido caso Esmeralda, em que o STJ considerou estar preenchido o crime de subtrao

    de menor, ento previsto na al.c) do art. 249, do C.Penal9, analisado luz da lei atual certamente

    8 Resta nestas situaes o recurso ao processo de entrega judicial de menor, previsto no art. 191 e seguintes

    da OTM. 9 Ac. de 10-01-2008, em que foi relator Simas Santos, consultvel em www.dgsi.pt .

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 9

    teria tido outro desfecho pois a conduta no , em nosso entender, atualmente enquadrvel em

    qualquer das alneas do preceito penal em causa.

    No caso concreto a criana havia sido entregue pela me ao casal que dela cuidou durante vrios

    anos, tendo os mesmos recusado a sua entrega ao pai, em desrespeito de uma deciso judicial nesse

    sentido.

    Aqui, no estando em causa uma subtrao da criana uma vez que a entrega foi efetuada por

    parte de quem, na altura, tinha a sua guarda de forma legtima, a conduta no caberia na al.a) do

    preceito e, no estando em causa o cumprimento de um regime de visitas fixado em sede de regulao

    do exerccio das responsabilidades parentais, tambm no se mostraria preenchida a sua al.c), pelo

    que resta-nos concluir pela inexistncia do crime de subtrao de menor ao abrigo da atual lei.

    3.6. Porque a vertente das responsabilidades parentais aquela a que a norma penal d

    proteo em primeira linha e com maior amplitude, cabem aqui umas breves palavras sobre o seu

    regime, at porque, consoante as situaes, assim determinadas condutas encontraro ou no tutela

    penal no crime de subtrao de menor.

    Desde logo h que fazer a destrina entre duas realidades, a de o exerccio das responsabilidades

    parentais decorrer diretamente nas normas contidas na lei civil ou encontrar-se o mesmo estabelecido

    e regulado por deciso legal10.

    A lei civil distingue diversas situaes e estabelece um regime de exerccio das

    responsabilidades parentais prprio para cada uma delas.

    Se os progenitores forem casados entre si, na constncia do matrimnio, as responsabilidades

    parentais pertencem a ambos os cnjuges e so exercidas de comum acordo. No havendo acordo

    sobre questes de particular importncia qualquer um deles pode recorrer ao tribunal que, caso falhe

    a vertente conciliatria, decidir.11

    Este mesmo regime aplicvel quando a filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os

    progenitores que, embora no sendo casados entre si, vivem juntos e em condies anlogas s dos

    cnjuges.12

    No caso de a filiao se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos progenitores a este que

    pertence, em exclusivo, o exerccio das responsabilidades parentais.13

    10 Deciso judicial proferida em processo de regulao do exerccio das responsabilidades parentais ou em

    processo de divrcio ou deciso proferida pelo Conservador do Registo Civil em processo de divrcio a correr termos na Conservatria. Nestas decises obrigatrio estarem contemplados os trs pontos fundamentais do regime, como sejam com quem a criana fica a residir, o regime de convvio com o progenitor com quem no reside habitualmente e a fixao do montante dos alimentos a prestar ao filho.

    11 A ao em causa encontra-se regulada no art. 184, da OTM e no art. 1901 do C.Civil que est consagrada a disciplina do exerccio das responsabilidades parentais na constncia do matrimnio, regime para que remete o art. 1909 quando os cnjuges esto separados de facto.

    12 Por fora do disposto no art. 1911, do C.Civil. 13 Nos termos do art. 1910, do C.Civil.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 10

    Importa aqui notar que por fora do disposto no art. 1797, do C.Civil, para que os poderes e

    deveres emergentes da filiao sejam legalmente atendveis tem esta que se encontrar legalmente

    estabelecida. Uma vez que a filiao um facto obrigatoriamente sujeito a registo, nos termos do

    art. 1 n1 al. b), do C.R.Civil, daqui decorre que, mesmo que seja consensual e aceite por todos a

    identidade de ambos os progenitores do menor e mesmo que estes at vivam juntos e em condies

    em tudo semelhantes s dos cnjuges, basta que no assento de nascimento do filho no se encontre

    inscrito o nome de um deles para que se considere, para todos os efeitos legais, que a filiao se

    encontra estabelecida apenas relativamente ao progenitor que consta do assento de nascimento,

    cabendo, neste caso, apenas a este e em exclusivo, o exerccio das responsabilidades parentais.

    Sempre que os progenitores se encontrem separados ou se entre eles nunca tiver existido

    convivncia marital, h lugar regulao do exerccio das responsabilidades parentais por deciso

    judicial ou do Conservador do Registo Civil, consoante os casos14.

    3.7. Vejamos agora em concreto o modo como se reflete o regime de exerccio das

    responsabilidades parentais em vigor no preenchimento do ilcito penal, em face de comportamentos

    violadores daquele regime.

    Atualmente e por fora das novas regras introduzidas pela Lei 61/2008 de 31 de outubro, as

    responsabilidades parentais so sempre exercidas em conjunto por ambos os progenitores no que

    respeita s questes de particular importncia, s assim no o sendo quando, sempre por deciso

    judicial devidamente fundamentada, tal exerccio for considerado contrrio aos interesses do filho.15

    Temos, pois, que na lei atualmente em vigor o exerccio das responsabilidades parentais em

    exclusivo apenas por um dos progenitores, s pode ter lugar quando exista uma deciso judicial

    que institua tal regime ou quando a filiao se encontra estabelecida apenas relativamente a um dos

    progenitores.

    Para alm destas situaes h ainda que ter em conta todos os casos em que a respetiva fixao

    do regime teve lugar no mbito do normativo em vigor antes das alteraes introduzidas pela Lei

    61/2008, e em que a regra era, ento, a atribuio do exerccio do poder paternal a apenas um dos

    progenitores, o que alarga em muito o universo das situaes em que o exerccio das

    responsabilidades parentais cabe em exclusivo a apenas a um dos progenitores.

    Estando em causa o exerccio unilateral das responsabilidades parentais16 se o menor for retirado

    da esfera de poder do progenitor que tem a sua guarda, pelo outro progenitor ou por terceiro, a

    14 Se os progenitores estiverem divorciados, separados judicialmente de pessoas e bens ou tenha sido

    declarado nulo ou anulado o casamento, nos termos dos art.s 1905. e 1906.; nas situaes de progenitores casados mas separados de facto, nos termos dos art.s 1905. e 1906. ex vi art. 1909.; quando os progenitores unidos de facto se encontrem separados, nos termos dos art.s 1905. e 1906. ex vi art. 1911., n. 2 e por ltimo as situaes em que os progenitores nunca viveram juntos e em condies anlogas s dos cnjuges, nos termos dos art.s 1905. e 1906. ex vi art. 1912., n. 1, todos do C.Civil.

    15 Art. 1906 n2, do C.Civil. 16 Ou do poder paternal se no mbito do regime anterior.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 11

    conduta pode integrar a prtica do crime de subtrao de menor previsto na al.a) do art. 249 do

    C.Penal.

    O agente no tipo legal consagrado na alnea a) tem necessariamente que ser algum que no

    exerce legalmente a guarda sobre o menor. O progenitor com quem o menor reside habitualmente

    no pode incorrer na prtica do crime consagrado na al.a) do preceito.

    3.8. Nas situaes em que o exerccio das responsabilidades no se encontra fixado por

    qualquer deciso e apenas decorre nas normas legais consagradas na lei civil, porque a regra o seu

    exerccio por ambos os pais17, nenhum deles pode incorrer na prtica do ilcito em causa uma vez

    que a guarda, como uma das vertentes das responsabilidades parentais, no se encontra atribuda, por

    lei, a um deles em especial e no existe qualquer deciso legal definidora da situao.18

    Este nosso entendimento, que est muito longe de ser pacfico,19 assenta sobretudo na

    interpretao da vontade do legislador em face das alteraes profundas que introduziu na lei civil e

    penal com a reforma da Lei 61/2008, mas tambm encontra apoio no carter subsidirio e excecional

    da interveno penal nas matrias da famlia e suas relaes. Doutro modo, a prpria natureza do

    direito penal impe uma aplicao sempre parcimoniosa e restritiva dos conceitos contidos na norma.

    No podemos continuar a dar s normas reguladoras das responsabilidades parentais o mesmo

    sentido que elas tinham na sua anterior verso quando, manifestamente, no foi essa a vontade

    subjacente sua alterao.

    Qualquer supremacia de direitos sobre os filhos por parte de um dos progenitores foi

    completamente arredada pela nova lei e a profunda alterao do art. 1911 do C.Civil disso

    exemplo inequvoco e no deixa, a nosso ver, qualquer dvida de interpretao sobre qual a vontade

    do legislador.

    A atribuio do exerccio do poder paternal ao progenitor que exercia a guarda e a presuno de

    guarda que anteriormente a lei conferia me foram eliminadas da nova redao do art. 1911.

    A regra agora a de que ambos os progenitores tm iguais direitos sobre a criana. Se os mesmos

    no vivem em conjugalidade a situao tem, necessariamente, que ser definida por deciso a proferir

    em processo prprio, at l aplicam-se as regras gerais e estas determinam que as responsabilidades

    parentais so exercidas em comum.

    Como consequncia lgica desta alterao no incorre na prtica do ilcito de subtrao de

    menor previsto na al.a) do art. 249 se, no estando o regime de exerccio das responsabilidades

    17 Art.s 1901 n1, 1911 n1 e 1912 n2, do C.Civil. 18 Na redao anterior s alteraes da Lei 61/2008, o art. 1911 do C.Civil estabelecia que o poder paternal

    pertencia ao progenitor que tinha a guarda do filho e estabelecia uma presuno de guarda relativamente me que s podia ser ilidida judicialmente. Atualmente esta regra desapareceu e foi substituda pela que determina a pertena a ambos os pais, em igualdade de circunstncias, do exerccio das responsabilidades parentais.

    19 Em sentido contrrio, Cunha, Maria da Conceio Ferreira, A tutela penal da famlia e do interesse da criana, in Direito Penal Fundamentos Dogmticos e Poltico-criminais, Homenagem ao Prof. Peter Hunerfeld, Coimbra Editora, 2013, p. 938 a 941.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 12

    parentais definido por deciso legal proferida em processo prprio, um progenitor leva o filho para

    viver consigo depois de o mesmo ter residido durante algum tempo com o outro progenitor.

    Um caso com estes contornos poder encontrar tutela penal noutros tipos legais de crime, como

    seja no crime de sequestro ou rapto mas no integrar o crime de subtrao de menor, sendo que

    no mbito da lei civil que a resoluo da questo pode encontrar uma resposta mais clere e eficaz.20

    Se em causa estiver uma deslocao da criana para o estrangeiro, o direito internacional

    convencional a que Portugal est vinculado oferece tambm mecanismos de resoluo de uma

    situao como a descrita.21

    Se a deslocao ocorrer para um pas da UE, reger em primeira linha o Regulamento (CE) n

    2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro22. Se a deslocao ocorrer para outros pases fora da

    UE, aplicar-se-o as regras da Conveno sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianas,

    concluda em Haia em 25 de outubro de 1980.

    3.9. Ao contrrio do que sucede na al.a), em que a tnica est centrada na pessoa que detm a

    guarda da criana, na previso da al.c) do art. 249, do C.Penal, qualquer dos progenitores, tenha ou

    no a guarda do menor, pode incorrer na prtica do ilcito.

    Uma das questes a equacionar no mbito desta vertente do preceito a relacionada com a

    mudana de residncia da criana.23

    Na hiptese de o progenitor a quem o menor se encontra confiado, o deslocar sem autorizao

    para local que impossibilite a concretizao do regime de visitas fixado,24 pode esta sua conduta

    integrar a previso da al.c) do art. 249, do C.Penal, pois em causa est o afastamento da criana do

    convvio com ambos os progenitores.

    Deslocar a criana para o estrangeiro ou para um lugar geograficamente muito distante constitui

    um ato que dificulta significativamente e pode mesmo ser impeditivo da entrega da criana no

    20 Em caso de urgncia e se estiverem em causa os interesses da criana dever ser, de imediato, intentada

    uma ao de regulao das responsabilidades parentais onde se requerer a fixao de um regime provisrio no que respeita guarda da criana e, se tal se mostrar necessrio, poder haver lugar emisso de mandados de entrega, a cumprir pela autoridade policial competente.

    21 Por maioria de razo a resposta dada ser a mesma se a criana for deslocada para o estrangeiro por um dos progenitores ou por um terceiro, revelia do fixado pela lei ou por deciso proferida em processo prprio.

    22 Aqui se define, no seu art. 2, a guarda como o conjunto de direitos e obrigaes relativos aos cuidados devidos criana, em particular o direito de decidir sobre o seu lugar de residncia ( n10) e que se considera a guarda exercida conjuntamente quando os titulares das responsabilidades parentais no possam decidir sobre o local da residncia da criana sem o consentimento do outro (n11.b).

    23 Aqui quando falamos de residncia estamos a referir-nos ao local onde a criana efetivamente reside, a sua morada, e no ao conceito mais vasto de residncia referido no art. 1906 n5, do C.Civil, que se prende com a determinao de com qual dos progenitores a criana reside habitualmente.

    24 Nestas situaes, pretendendo o progenitor a quem o menor se encontra confiado, passar a ter a sua residncia no estrangeiro ou noutro lugar do pas que importe um grande afastamento, dever interpor uma ao de alterao do regime em vigor, nos termos do art. 182 da OTM, de molde a que possa ser estabelecido um novo regime de visitas adequado nova realidade.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 13

    cumprimento do regime de visitas estabelecido pelo que a conduta pode, deste modo, integrar a

    previso legal do preceito penal em apreo.

    S assim no acontecer nos casos excecionalssimos em que a deciso no tenha fixado

    qualquer regime de visitas do menor ao outro progenitor.25

    No que tange s situaes de exerccio conjunto das responsabilidades parentais, que, como

    vimos, constitui atualmente a regra, h que atender se a residncia da criana foi fixada apenas com

    um dos progenitores ou se pelo contrrio, numa realidade cada vez mais frequente, o regime fixado

    foi o de residncia alternada, passando a criana perodos de tempo idnticos com cada um dos

    progenitores.

    comumente aceite que uma alterao de residncia do menor que implique uma mudana

    geogrfica para um local distante dentro do prprio pas ou para o estrangeiro constitui uma questo

    de particular importncia, a ser decidida por acordo de ambos os progenitores ou, na falta deste, por

    deciso judicial a proferir em processo prprio, regulado no art. 184, da OTM.

    Temos, assim, que, por regra, o progenitor com que o menor reside habitualmente no pode

    unilateralmente decidir-se pela mudana de residncia deste, desde que tal implique um grande

    afastamento geogrfico do outro progenitor o que acontece, com especial acuidade, nos casos em

    que a mudana tem lugar para outro pas.26

    3.10. Na vigncia da norma, na sua anterior redao, era entendimento comum que para estar

    preenchido o crime de subtrao de menor necessrio se tornava que o agente no detivesse poderes

    relativamente guarda do menor.27

    Julgamos, porm, que esta interpretao no encontra atualmente qualquer apoio legal em face

    da nova redao da al.c) do art. 249, fazendo apenas sentido no que respeita situao de subtrao

    de menor prevista na al.a).

    A verificao do ilcito no que se refere modalidade de comportamento prevista na mencionada

    al.a) e que se reporta subtrao de menor, implica que o agente do ilcito no seja o detentor dos

    poderes-deveres inerentes guarda e cuidados da criana pois subtrair significa exatamente retirar a

    quem de direito.

    Porm, o mesmo no acontece com a alnea c) na sua nova redao. Aqui, qualquer dos

    progenitores, quer tenha ou no a guarda do filho menor, pode ser agente do crime pois o que est

    em causa o incumprimento do regime fixado para o convvio do menor com os seus progenitores e

    a sua violao pode ser levada a cabo por qualquer deles, independentemente do facto de o filho

    viver ou no habitualmente consigo.

    25 O que acontece apenas quando tal convvio se mostra contrrio aos interesses da criana. 26 O mesmo se diga quando a residncia/guarda alternada sendo que, desta feita, as consideraes em

    causa se aplicam a ambos os progenitores. 27 Neste sentido decidiu o Ac. do STJ de 04-01-2007, consultvel em www.dgsi.pt, numa situao em que

    em causa estava o incumprimento do regime de visitas.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 14

    Alis, nem o contrrio faria sentido pois as questes que com maior frequncia se levantam

    prendem-se exatamente com o incumprimento do regime de visitas por parte do progenitor guardio

    e foi esta realidade que levou o legislador a alterar o preceito legal em causa.

    Analisemos agora quais os reflexos que uma deciso de deslocao da criana para o

    estrangeiro ou para local do pas significativamente distante da anterior residncia, tomada

    unilateralmente28, pode ter em termos de vir a integrar a prtica do crime de subtrao de menor.

    Sendo a deciso tomada pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente, pode a sua

    conduta preencher o ilcito previsto na al.c) do art. 249.

    Aqui no est em causa uma subtrao no sentido mais restrito do termo, tal como prevista na

    al. a) do preceito, mas a conduta importa uma impossibilidade ou dificuldade significativa de

    convvio do filho com o outro progenitor, que caber na previso daquela al.c).

    Se a deslocao da criana para outra cidade ou at para outro pas for levada a cabo pelo

    progenitor com quem a mesma no reside habitualmente e se tal situao importar uma

    impossibilidade de o outro progenitor exercer sobre o menor as responsabilidades parentais inerentes

    guarda que lhe est atribuda, pode mostrar-se preenchido ilcito previsto na al. a) do preceito pois

    a conduta configurar, por princpio, uma situao de subtrao de menor.

    Quando em causa est um regime de residncia alternada, em que a guarda do filho

    partilhada por ambos os progenitores, situao em que o convvio com os progenitores e a guarda se

    interligam, a conduta daquele que retira o menor da esfera de atuao do outro poder constituir uma

    subtrao de menor para efeitos do disposto na al.a), uma vez que as responsabilidades parentais e a

    guarda esto radicadas em cada um deles em medida idntica e a conduta impossibilita o exerccio

    cabal por parte do outro progenitor das responsabilidades parentais que lhe cabem. Na medida em

    que uma conduta destas impede ou torna particularmente difcil a relao da criana com o outro

    progenitor, pode, de igual modo, estar preenchida a previso da al.c).

    Como a seguir veremos com maior desenvolvimento, a redao atual da al.c) contm uma

    previso inovadora, cujo alcance se centra agora no convvio da criana com ambos os progenitores

    e no j nos poderes conferidos a quem detm a sua guarda.

    3.11. Em causa est um crime permanente, de execuo reiterada ou duradoura.

    A sua consumao prolonga-se ao longo do tempo e apenas termina com a cessao da situao.

    Se esta se mantiver at o menor atingir a maioridade este evento que determina a consumao

    do ilcito.

    28 Havendo acordo por parte dos progenitores na alterao da residncia ou deciso do tribunal em sede de

    resoluo do diferendo relativo a esta questo de particular importncia, mesmo que tal importe uma maior dificuldade ou at impossibilidade no convvio do filho com um dos progenitores, nunca estar preenchido o ilcito.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 15

    Para efeitos de deciso sobre a competncia territorial do tribunal e a competncia para a

    realizao do inqurito, em face do disposto nos arts.s 19 n3 e 264 n1, do C.P.Penal, releva o

    local da prtica do ltimo ato de execuo ou da consumao do crime.

    4. A al.a) do art. 249, do C.Penal

    4.1. Dispe o preceito em causa que Quem subtrair menor punido com pena de priso at

    dois anos ou com pena de multa at 240 dias.

    A subtrao de menor importa retirar ou tirar sem autorizao pessoa com idade inferior a 18

    anos e no emancipada29, a quem legalmente a tenha a seu cargo, de modo a que esta fique impedida,

    de facto, de exercer os poderes-deveres inerentes quela guarda.

    Para que esteja verificado este elemento objetivo do tipo, a conduta do agente tem que ser

    determinante de uma separao fsica entre o menor e a pessoa a quem se encontra entregue mas,

    como bem se compreende, esta no s por si suficiente. Tal separao tem que ser de molde a

    impossibilitar o exerccio dos poderes-deveres, por parte de quem os detm, em toda a sua extenso.

    Por outro lado, esta separao fsica deve durar algum tempo, o suficiente a impossibilitar o

    exerccio total poderes ou, pelo menos, impedir o exerccio de alguns aspetos essenciais dos

    mesmos.30

    Se a conduta, traduzida no retirar o menor da alada de quem o tem a seu cargo, no perdurar

    no tempo de molde a determinar uma inverso para o autor dos factos dos poderes-deveres inerentes

    guarda do menor, o legtimo titular destes poderes no os v beliscados, razo pela qual no se

    encontra preenchido o ilcito.

    A conduta s suscetvel de integrar a prtica do crime se dela decorrer uma separao do menor

    da pessoa guarda de quem se encontra, desde que esta separao se mantenha por um perodo de

    tempo suficiente de modo a importar uma transferncia para o agente do crime dos poderes inerentes

    aquela guarda.31

    4.2. Para a verificao do crime mostra-se irrelevante o acordo do menor. E tambm assim

    mesmo que a iniciativa de sair da esfera de atuao de quem sobre ele exerce o poder de guarda tenha

    sido iniciativa do prprio menor.

    De notar que a vontade do menor apenas releva para efeitos de atenuao da pena prevista, tal

    como estabelecido no n2 do precito legal, mas mesmo nestas circunstncias tal atenuao apenas se

    reporta conduta prevista na al.c) e no prevista na al.a).

    29 Arts. 122 e 132, do C.Civil. 30 Cunha, J.M.Damio - Comentrio Conimbricense do Cdigo Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999,

    p. 615. 31 Tambm neste sentido, Albuquerque, Paulo Pinto, Comentrio do Cdigo Penal luz da Constituio

    da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, 2 ed., Universidade Catlica Editora, 2010, p. 738.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 16

    Andr Teixeira dos Santos32 defende, no entanto, a relevncia do consentimento do menor no

    emancipado mas com idade superior a 16 anos, desde que tenha maturidade suficiente para tomar a

    deciso e se determine que a sua vontade no foi instrumentalizada, concluindo pela ausncia, nestas

    situaes, de danosidade social suficiente que justifique a punio.

    Diversamente, se o acordo acontecer entre progenitores ou partir da pessoa a quem se

    encontra legalmente atribuda a guarda do menor, o mesmo afasta a existncia de crime pois a

    subtrao importa, sempre, uma conduta contrria vontade de quem tem o menor na sua esfera de

    poder.

    4.3. No que tange necessidade de, em processo prprio, ter havido uma deciso sobre a quem

    e de que modo cabe a guarda do menor, temos que, no que concerne s responsabilidades parentais,

    para o preenchimento do ilcito previsto na al. a), no se torna necessrio ter sido regulado o seu

    exerccio, desde que o autor do crime no seja um dos progenitores.

    Sempre que a conduta tenha lugar por parte de um terceiro e ofenda os poderes deveres

    decorrentes da parentalidade, indiferente que o exerccio das responsabilidades parentais tenha sido

    objeto de deciso ou resulte diretamente da lei civil.

    Mesmo que se esteja perante um caso em que os pais se encontrem separados, situao que

    como vimos importa a necessidade de regulao das responsabilidades parentais em processo prprio

    para o efeito, se uma terceira pessoa retirar o menor da esfera de atuao de qualquer um dos seus

    progenitores, mesmo na ausncia de tal regulao, vigoraro as normas do C.Civil que estabelecem

    em que moldes so exercidas as responsabilidades parentais e, nesta medida, pode mostrar-se

    verificado o crime.

    E assim porque, como atrs j tivemos oportunidade de referir, a lei civil33 estabelece qual o

    regime de exerccio das responsabilidades parentais nas diversas situaes e, no tendo tal regime

    sido regulado judicialmente ou na Conservatria do Registo Civil, so estas as normas que se

    aplicam.

    A previso da norma penal abrange ainda as situaes em que o menor retirado da esfera de

    atuao de um terceiro que o tem a seu cargo por vontade dos seus progenitores ou de quem

    sobre ele exerce legalmente a guarda.34

    Aqui h como que uma delegao de alguns dos poderes sobre o menor, por parte dos seus

    titulares, a terceiros, que os passam a exercer em seu nome e que, nesta medida, gozam da mesma

    proteo.

    32 Do crime de subtraco de menor nas novas realidades familiares, Revista Julgar, n12, p. 243. 33 Art.s 1901 a 1912, do C.Civil. 34 Colocar o filho ao cuidado de familiares prximos, por tempo mais ou menos longo, para que o mesmo

    possa fazer os seus estudos ou at por outras razes de sade, ocorrem com alguma frequncia sem que o exerccio das responsabilidades parentais na sua plenitude seja beliscado.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 17

    Retirar um menor de casa de um tio a quem foi entregue pelos pais para que dele cuidasse por

    perodo mais ou menos prolongado no tempo , para efeitos de previso da norma, o mesmo que

    retir-lo da esfera de atuao direta dos seus progenitores. Os poderes destes estendem-se e

    materializam-se, por sua vontade, nesta terceira pessoa.

    Claro est e por maioria de razo, se a guarda do menor foi, pontualmente e por curto perodo

    de tempo, entregue pelos seus detentores a uma terceira pessoa35 e, nestas circunstncias, a mesma

    -lhe retirada, pode igualmente mostrar-se preenchido o ilcito.

    Certo que, nestes casos, os ofendidos no crime so sempre os prprios progenitores e sempre

    nestes que radica a legitimidade para o exerccio do direito de queixa.

    Quanto necessidade de existncia de uma deciso reguladora, diferente se o poder de guarda

    decorrer no j do exerccio das responsabilidades parentais mas de um regime de tutela ou de uma

    confiana a terceira pessoa ou a instituio, nos termos do art. 1907, do C.Civil. Aqui, para que a

    conduta possa enquadrar-se penalmente no conceito de subtrao e integrar a previso do art. 249,

    al.a), necessrio se torna que situao tenha sido definida por deciso judicial, pois s deste modo

    encontra proteo jurdica na norma, j que se tratam de vnculos jurdicos que, ao contrrio das

    responsabilidades parentais, no decorrem diretamente da lei, pelo que para a sua constituio

    necessria uma deciso judicial.

    4.4. Questo diversa a de saber se a retirada de um menor a quem tenha sido confiado na

    sequncia da aplicao de medida de promoo e proteo36 pode configurar a prtica do crime

    de subtrao de menor.

    Aqui defrontamo-nos com algumas dificuldades decorrentes do facto de, em face da nova

    redao da al.c), ter desaparecido do preceito legal a meno pessoa a quem esteja legitimante

    confiado, que era ento interpretada como podendo abranger as situaes em que o menor se

    encontrava confiado a um terceiro no mbito de medida aplicada em processo prprio da jurisdio

    de menores.

    A resposta h de ser encontrada na concretizao de qual o bem jurdico protegido pela norma.

    Dvidas no subsistem que no mbito do preceito contido na al.a) apenas cabem as situaes

    em que o menor retirado a quem detm os poderes inerentes sua guarda.

    A questo est pois em saber se esta guarda, no caso de no decorrer diretamente das

    responsabilidades parentais atribudas legalmente aos progenitores, ter necessariamente que ser

    estabelecida em processo tutelar cvel ou tambm o poder ser em processo de promoo e proteo.

    Porque estamos perante uma norma penal que no admite interpretao analgica, julgo que no

    possvel alargar a sua previso a situaes em que a definio de a quem cabe a guarda do menor

    35 Exemplo tpico da entrega da criana a uma ama. 36Apoio junto de outro familiar, confiana a pessoa idnea, acolhimento familiar ou acolhimento em

    instituio, previstas no art. 35 n1 als.b), c), e) e f) da Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 18

    no decorra diretamente da lei ou no tenha tido lugar no mbito de um processo de natureza tutelar

    cvel.

    Este nosso entendimento resulta da interpretao que fazemos da vontade do legislador ao retirar

    da al. c) do preceito legal a meno a quem o menor estivesse legitimamente confiado,

    desaparecida da atual redao sem que tivesse sido substituda por outra idntica ou da mesma

    natureza.

    A referncia lata a uma confiana legtima do menor, como anteriormente era feita na al.c),

    permitia uma interpretao mais alargada e abrangente do mbito de proteo da norma no que tange

    previso da al.a).

    A este propsito, alguns autores 37 defendiam que o bem jurdico protegido era to s o poder

    paternal e a tutela, na medida em que essa proteo era dirigida a quem exercia os poderes legalmente

    consagrados como meio de suprir a incapacidade decorrente da menoridade mas, outros havia, como

    Cunha Damio38, que iam mais longe e consideravam que no mbito de proteo da norma estavam

    tambm abrangidos os poderes atribudos a pessoas singulares ou coletivas por fora do disposto no

    art. 1907, do C.Civil.

    Certo que, j ento, era entendimento largamente maioritrio que no mbito da norma apenas

    encontravam proteo as situaes que decorressem diretamente da lei civil ou cuja regulamentao

    fosse estabelecida por deciso proferida em processos de natureza tutelar cvel.

    Atualmente, no contendo a norma penal qualquer outra meno expressa que no seja a da

    al.c), e onde apenas se refere o exerccio das responsabilidades parentais, julgamos que no suporta

    a mesma uma interpretao mais lata, de molde a abranger outras realidades para alm das definidas

    pela lei civil.

    A verificao do crime s poder ocorrer quando o menor for retirado a algum que, no sendo

    seu progenitor, o tenha sua guarda e cuidados na sequncia de deciso proferida no mbito de uma

    ao tutelar cvel.

    Estando em causa o exerccio das responsabilidades parentais pelos respetivos progenitores, no

    naturalmente necessria a existncia de qualquer deciso judicial pois o mesmo decorre diretamente

    das normas que o regulam.39

    Se o menor estiver guarda de um terceiro na sequncia de uma medida aplicada no mbito de

    processo de promoo e proteo e se a situao no tiver sido ainda objeto de deciso num processo

    37Por exemplo, Leal-Henriques, Manuel e Santos, Manuel Simas Cdigo Penal Anotado, 2 vol, Rei dos

    Livros, 1996, p. 695; Albuquerque, Paulo Pinto, ob.cit, p. 738. 38 Ob.cit., p. 614. 39 Arts. 1901 e ss do C.Civil.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 19

    tutelar cvel, a conduta poder eventualmente integrar o crime de rapto ou sequestro mas no o de

    subtrao de menor.40

    Recentemente ocorreu um caso em que os progenitores retiraram o filho de uma instituio em

    que estava acolhido no mbito de aplicao da medida prevista no art. 35 al.f) da LPCJP e com ele

    fugiram para o estrangeiro. Aqui, em nosso entender, no se mostra verificado o crime de subtrao

    de menor, podendo a conduta em causa enquadrar-se no crime de rapto41.

    4.5. Para alm das situaes mais comuns, em que a guarda do menor est atribuda aos seus

    progenitores, em conjunto ou singularmente ou a um tutor no mbito de um processo em que foi

    sujeito a tutela e que constitui o instituto legal destinado a suprir do poder paternal nos casos previstos

    na lei42, h ainda que equacionar aquelas em que a criana se encontra guarda e cuidados de um

    terceiro, por deciso proferida no mbito de um processo de natureza tutelar cvel. Julgamos que

    aqui, dada a natureza da deciso, pode caber na previso da norma do art. 249 al.a) a conduta de

    algum que ilegitimamente retire a criana da esfera de atuao da pessoa a quem foi entregue.

    O bem jurdico protegido com a incriminao, tal como j atrs tivemos oportunidade de ver,

    no s o poder paternal e a tutela mas tambm o direito de guarda decorrente de deciso judicial,

    pelo que a sua violao pode constituir o cometimento do ilcito.

    As situaes mais comuns de entrega da criana a terceiro ou a instituio encontram-se

    reguladas nos art.s 1907 e 1918, do C.Civil. Aqui a vertente das responsabilidades parentais no

    que diz respeito guarda da criana deixa de caber aos progenitores e passa para uma terceira pessoa

    ou para uma instituio, pelo que a norma penal alberga no seu mbito de proteo a atuao de

    terceiro que consista em retirar a criana da esfera de poder daqueles a quem foi confiada.

    Mas existem ainda outros dois casos em que a criana est a cargo de um terceiro e que, em

    nosso entender, podem estar tambm abrangidas no mbito de proteo da norma contida na al.a) do

    art. 249 se ocorrer uma subtrao da criana. Em causa esto as situaes em que a criana se

    encontra a cargo de um terceiro porque, por fora da lei, os pais esto impedidos de exercerem as

    responsabilidades parentais e ocorre a nomeao de um curador provisrio ao menor como forma de

    suprir esse impedimento.

    Falamos, por um lado, das situaes de confiana administrativa do menor ao candidato

    adoo, em que este pode requerer ao tribunal a sua designao como curador provisrio43 e das

    situaes de confiana judicial com vista adoo em que na respetiva sentena deve ser designado

    40 A acrescer a tantas outras, esta mais uma das razes para que, aps a interveno no mbito de promoo

    e proteo, a situao da criana deva ser definida em termos definitivos no mais breve espao de tempo, competindo aqui um papel primordial ao Ministrio Pblico, a quem caber instaurar o competente processo tutelar cvel.

    41 Crime previsto e punido no art.161 n1 al.d), do C.Penal. 42 Art. 1921, do C.Civil. 43 caso no desencadeie tal processo no prazo de 30 dias, caber ao Ministrio Pblico

    faz-lo e, por outro lado,

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 20

    o curador provisrio, o que igualmente acontece sempre que no mbito de um processo de promoo

    e proteo aplicada a medida de confiana a pessoa selecionada para a adoo ou a instituio com

    vista adoo.44

    Nesta ltima, embora se esteja no mbito de um processo de promoo e proteo, a natureza

    da deciso partilha de todas as caractersticas da deciso proferida em processo tutelar cvel, para

    onde a norma da Lei de Promoo de Crianas e Jovens remete expressamente.45

    No se mostra curial defender soluo diversas para situaes em tudo semelhantes.

    4.6. Conclumos, assim, que no mbito de proteo da norma penal contida no art. 249 al.a),

    do C.Penal, cabem as situaes em que a subtrao do menor ocorre quando o mesmo se encontra

    entregue:

    Aos progenitores, quer tal decorra diretamente da lei civil ou de deciso proferida em processo de regulao das responsabilidades parentais ou de divrcio;

    A um terceiro nos termos dos art.s 1907 e 1918, do C.Civil; A um curador provisrio nomeado na sequncia de uma confiana administrativa

    com vista adoo;

    A um curador provisrio no mbito de uma confiana judicial com vista adoo ou de uma medida de promoo e proteo de confiana judicial a pessoa ou instituio com

    vista adoo.

    5. A al.c), do art. 249, do C.Penal

    5.1. Resultante da necessidade de dar nova dimenso proteo de situaes da vida familiar

    decorrentes do exerccio abusivo da autoridade parental por parte de um dos progenitores em

    detrimento do outro e como salvaguarda dos interesses do prprio filho, surge a nova redao da al.

    c) do crime de subtrao de menor.

    Esta nova incriminao encontra cobertura constitucional nos art.s 69 ns 1 e 2, 67 n 2 al.d),

    da Lei Fundamental e emerge da necessidade de proteger a criana nos seus direitos contra abusos

    da autoridade familiar, sendo que papel do Estado a proteo da famlia em todas as suas vertentes.

    Doutro modo, a igualdade entre os cnjuges no que se refere manuteno e educao dos filhos

    e a garantia de que os filhos apenas so separados dos pais quando estes no cumpram os seus deveres

    fundamentais e sempre por deciso judicial, consagradas no art. 36 da CRP so, de igual modo,

    direitos constitucionais que a nova redao do preceito penal tem por objetivo salvaguardar.

    O desenvolvimento harmonioso de uma criana est interligado com diversas vertentes, sendo

    que o convvio efetivo, salutar e sem obstculos com os seus progenitores, mesmo que a separao

    44 Arts. 163 e 167 da OTM e 62-A n2 da LPCJ que manda aplicar o disposto no mencionado art. 167. 45 Art. 62-A da LPCJ.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 21

    de ambos determine que o tempo de permanncia com um deles seja superior ao do outro, um

    direito que lhe assiste.

    As ruturas familiares entre pessoas que partilham uma vida em comum, cada vez mais

    frequentes, geram muitas vezes conflitos graves entre os progenitores que se repercutem de forma

    muito negativa na vida das crianas. Estas so, no raras vezes, utlizadas como moeda de troca ou

    arma de arremesso nas disputas entre os pais.

    O convvio regular das crianas com ambos os progenitores, a par do cumprimento da prestao

    alimentcia so os segmentos das responsabilidades parentais que mais incumprimentos geram.

    O afastamento da criana de um dos seus progenitores pode provocar sequelas graves e

    irreversveis no seu desenvolvimento harmonioso. A presena efetiva e afetiva dos pais na vida da

    criana um dos seus direitos fundamentais e impe ao Estado a tomada de medidas para a tornar

    uma realidade.

    A nova redao dada al. c) do art. 249, do C.Penal surge, assim como uma resposta que visa

    proteger a criana dos conflitos parentais e impedir que tais conflitos se projetem negativamente na

    sua vida e no seu bem-estar. Para tanto, a relao de ambos os progenitores com o filho de uma forma

    salutar, gratificante e regular deve ser salvaguardada e acautelada.

    Tendo sido este o objetivo do legislador, passemos, ento, a analisar os elementos do tipo de

    crime.

    5.2. A redao atual da al. c) do art. 249, do C.Penal estabelece que Quem, de um modo

    repetido e injustificado, no cumprir o regime estabelecido para a convivncia do menor na

    regulao do exerccio das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar

    significativamente a sua entrega ou acolhimento, punido com pena de priso at dois anos ou com

    pena de multa at 240 dias.

    Um dos elementos tpicos do crime previsto na al.c) , pois, a violao do regime estabelecido

    para a convivncia do menor na regulao do exerccio das responsabilidades parentais.

    pressuposto da verificao do crime a fixao do exerccio das responsabilidades parentais

    em qualquer das modalidades previstas na lei. Tal pode ter lugar em ao prpria de regulao das

    responsabilidades parentais46, que corre termos no tribunal, ou no mbito de uma ao de divrcio

    que, consoante as situaes, ser intentada no tribunal ou na Conservatria do Registo Civil.

    Claro est que este elemento do tipo do ilcito poder igualmente estar preenchido se o regime

    tiver sido fixado antes da entrada em vigor das alteraes da Lei 61/2008, no mbito de uma ao de

    regulao do exerccio do poder paternal, pois em causa est, apenas, uma diferente terminologia

    para uma mesma realidade.

    46 Havendo acordo, pode este ser submetido a homologao judicial sem necessidade de se intentar a

    respetiva ao.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 22

    De notar que a deciso a fixar o regime de regulao das responsabilidades parentais no tem

    que ser, obrigatoriamente, uma deciso definitiva e transitada em julgado.

    O incumprimento de uma deciso provisria proferida ao abrigo do art. 157, da OTM que

    comtemple um regime de convvio entre a criana e os seus progenitores pode fazer incorrer o

    progenitor inadimplente na prtica do ilcito em anlise. que no faz qualquer sentido tratar de

    forma diferente as duas realidades. Quer o regime fixado seja provisrio ou definitivo o que se visa

    assegurar o regular convvio da criana com ambos os progenitores, que constitui precisamente

    desiderato da norma penal, com a incriminao da conduta violadora deste aspeto concreto da relao

    entre pais e filhos.47

    Tambm no constitui, a nosso ver, obstculo verificao do crime o facto de ter sido

    interposto recurso da deciso, seja ela provisria ou no, j que, por fora do preceituado no art.

    185 da OTM, os recursos interpostos de decises de regulao do exerccio das responsabilidades

    parentais tm sempre efeito meramente devolutivo.

    semelhana do que atrs dissemos quanto ao preenchimento da previso da al.a), o elemento

    do tipo poder igualmente mostrar-se preenchido se o regime de visitas tiver sido regulado em

    processo tutelar comum, como por exemplo nas situaes previstas nos art.s 1918 e 1919, do

    C.Civil. Estamos aqui perante um caso em que no mbito do processo tutelar decretada uma

    providncia de entrega do menor a terceira pessoa ou a estabelecimento de educao e assistncia,

    mas nesse mesmo processo tambm regulada uma das vertentes do exerccio das responsabilidades

    parentais, aquela que se prende com o convvio da criana com os seus progenitores.

    A incluso desta realidade na rea de previso da norma penal configura uma mera ampliao

    do seu sentido, admissvel no direito penal.

    Diversa a situao em que o regime de visitas criana estabelecido em processo de

    promoo e proteo, no mbito de aplicao de uma medida de promoo e proteo.

    No de todo invulgar que aquando da aplicao destas medidas, se estabelea um regime de

    convvio da criana com os seus progenitores, sendo que as situaes mais comuns se prendem com

    a aplicao das medidas consagradas nas als. a) a c), do art. 35, do regime de Proteo de Crianas

    e Jovens em Perigo, aprovado pela Lei 31/2003 de 22 de agosto, a de apoio junto dos pais ou outro

    familiar e a confiana a pessoa idnea.

    A eventual violao, mesmo que reiterada e injustificada, do regime de convvio dos

    progenitores com o seu filho fixado num processo de promoo e proteo no preenche, na nossa

    perspetiva e pelas razes j atrs explanadas, o tipo legal previsto no n1 al.c) do art. 249, do

    C.Penal.

    47 Ao que acresce que muitas decises provisrias, no obstante a sua natureza, vigoram durante largos

    perodos de tempo, algumas delas por mais de um ano.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 23

    Defender o contrrio importaria a criminalizao de uma conduta por recurso analogia,

    violando expressamente o princpio da legalidade, que a probe para qualificar um facto como crime,

    tal como preceituado no art. 1, n3, do C.Penal.

    Em causa est um processo de natureza protecional, dirigido a crianas que se encontrem em

    perigo, cuja natureza muito diversa da do processo tutelar cvel de regulao do exerccio das

    responsabilidades parentais a que se reporta a norma penal em anlise.48

    De igual modo entendemos no se encontrar abrangida pela incriminao a conduta do

    progenitor que impede, cria obstculos ou dificulta a visita do menor aos seus avs ou irmos, na

    sequncia de uma deciso proferida ao abrigo do preceituado no art. 1887-A, do C.Civil uma vez

    que, tambm aqui, no estamos perante uma situao de regulao do exerccio das responsabilidades

    parentais.

    Diferente se, na sequncia de uma destas visitas aos avs ou aos irmos, o progenitor com

    quem o menor reside habitualmente e a quem cabe singular ou conjuntamente o exerccio das

    responsabilidades parentais se recusar a receb-lo, de novo, em sua casa.

    Esta conduta pode constituir a prtica do ilcito em anlise pois o progenitor com quem a criana

    reside por fora do regime em vigor e que assim age, est a violar o regime de regulao do exerccio

    das responsabilidades parentais e no propriamente a deciso que fixou o regime de visitas do menor

    aos seus avs ou irmos.49

    5.3. A previso da al.c) do art. 249, do C.Penal abrange tanto a entrega como o acolhimento.

    Em qualquer destas formas, trs comportamentos distintos so penalmente sancionados, a recusa

    pura e simples de entregar ou acolher o filho, o retardar de modo significativo essa entrega ou

    acolhimento e, por ltimo, o criar obstculos srios a que a entrega ou o recebimento da criana

    acontea nos termos fixados no regime em vigor.

    O significado do ato de entregar no apresenta dificuldades de maior de interpretao. Aqui

    qualquer dos progenitores, quer aquele com quem a criana reside quer aquele em benefcio do qual

    foi estabelecido o regime de convvio com o filho, que se recuse a entregar a criana ao outro pode

    incorrer na prtica do crime.

    48 Em face deste estado de coisas a forma de assegurar que o convvio da criana com o progenitor com

    quem no reside no seja colocado em causa e possa a sua violao beneficiar da tutela penal, deve ser instaurada ao de regulao das responsabilidades parentais que, por fora do art. 154 da OTM, correr por apenso ao processo de promoo e proteo. Se o regime j tiver sido fixado mas de forma substancialmente diversa da consagrada no processo de promoo e proteo, haver que instaurar uma ao de alterao do exerccio das responsabilidades parentais, nos termos do art. 182, da OTM, de modo a adequar o regime j existente nova realidade.

    49 Esta situao configurada num quadro em que no existe regime de regulao do exerccio das responsabilidades parentais, quer porque a ao nunca foi instaurada quer porque os progenitores vivem juntos, no pode ser enquadrada na al. c) do art. 249 do C.Penal. A recusa dos pais em acolherem o filho configurar, ento, uma situao de perigo para a criana, a justificar a instaurao imediata de um processo de promoo e proteo.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 24

    A norma tanto sanciona o comportamento do progenitor com quem a criana reside e que no a

    entrega ao outro progenitor para que com ele passe o tempo de convvio fixado pelo regime em vigor,

    como o do progenitor com quem o filho no reside habitualmente e que no o entrega ao progenitor

    guardio.

    A vertente do acolhimento j no se apresenta de forma to linear.

    Ao estender a previso da norma penal tambm ao acolhimento da criana, o legislador levou

    mais alm a proteo do direito do menor ao convvio com ambos os progenitores. Esta proteo

    encontra aqui uma das suas expresses mais inovadoras embora, em nosso entender, o legislador no

    tenha querido ir to longe de modo a aqui abranger os casos em que o progenitor no guardio, pura

    e simplesmente, ignora o filho e no o quer ter consigo nem quer com ele conviver.

    Algumas situaes existem em que os progenitores, por variadssimas razes, que podem passar

    pelo simples comodismo at completa ausncia de afeto, no querem estar com os filhos e no

    tomam qualquer iniciativa no sentido de tornar efetivo o regime de convvio estabelecido.

    A questo coloca-se em saber se a conduta do progenitor que no vai buscar o filho para estar

    com ele no perodo estipulado pelo regime de visitas est abrangida na previso da norma.

    Porque o processo legislativo associado s alteraes introduzidas nas normas penais em causa

    no contm elementos que nos ajudem sua interpretao, pois da leitura da Exposio de Motivos

    do Projeto Lei n 509/X, que esteve na gnese da Lei 61/2008, nada se retira, na tentativa de encontrar

    uma resposta, iniciemos o nosso raciocnio pelo significado da prpria palavra.

    Segundo o dicionrio, acolhimento, traduz-se no ato de acolher e significa receber ou recolher50.

    Acolhimento importa, pois, uma atuao positiva, a de receber ou recolher algum.

    O progenitor com quem a criana no reside habitualmente que pura e simplesmente se afasta

    do filho, ignora o regime de visitas estabelecido e abdica de estar e conviver com ele, no o indo

    buscar para estar consigo, adota um comportamento omissivo e de indiferena e desapego que no

    se enquadra na conduta prevista na norma e definida como acolhimento.

    Para se mostrar preenchido o crime o progenitor tem que atuar de modo a impedir, dificultar ou

    criar obstculos a que o seu filho seja por si recebido em sua casa, no bastando uma mera conduta

    omissiva traduzida na no recolha do menor no local onde o mesmo se encontra, a fim de passar

    consigo o perodo de tempo estabelecido no regime fixado.

    O comportamento do progenitor que no desenvolve qualquer diligncia para se encontrar com

    o filho e para o ter consigo nos perodos de tempo constantes do regime em vigor, traduzir-se- num

    incumprimento desse regime, a dirimir em sede de processo tutelar cvel prprio51 mas que, em nosso

    entender, no integra a prtica do ilcito em causa.

    Este raciocnio tambm sustentado pela prpria definio do bem jurdico protegido pela

    norma. Se no mbito dessa proteo se encontra o direito ao exerccio sem obstculos dos vrios

    50 Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa, consultvel em www.priberam.pt. 51 Atravs do incidente de incumprimento, a requerer nos termos do art. 181, da OTM.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 25

    segmentos do exerccio das responsabilidades parentais, tendo sempre como pano de fundo o

    superior interesse do filho, o progenitor que, de forma voluntria, no quer manter contacto com o

    filho, no s no v beliscado qualquer direito seu, como a imposio de conduta diversa poder at

    mostrar-se contrria ao interesse da criana.

    Pelo contrrio, se o progenitor com quem o filho no reside desenvolver as diligncias

    necessrias a ter consigo o filho, marcando horas para a entrega e combinando a forma como a criana

    ir ter consigo e depois, de forma sistemtica, no o recebe em sua casa quer porque se ausenta, quer

    porque invoca uma qualquer razo para o no fazer, poder equacionar-se se esta sua conduta poder

    integrar o ilcito em apreo.

    que aqui estamos perante um comportamento ativo do progenitor com quem o menor no

    reside destinado a receber o filho em sua casa que depois, de forma voluntaria, no concretizado,

    o que configura claramente uma recusa de acolhimento do filho.

    Em face da gravidade de uma conduta desta natureza e da danosidade de que se reveste para o

    menor inclinamo-nos a considerar que poder a mesma integrar a prtica do crime.

    Porm tal no significa que o cometimento do ilcito, na sua vertente do acolhimento, tenha que

    ser sempre por ao.

    Na previso da norma cabe ainda a conduta do progenitor com quem a criana reside que recusa,

    atrasa ou dificulta o regresso sua casa. Estas condutas tanto podem ter lugar por ao como por

    omisso.

    O progenitor guardio que no permite que o filho seja acolhido na residncia que lhe foi fixada

    ao abrigo do disposto no art. 1906 n5, do C.Civil, pode incorrer na prtica do crime

    independentemente do tipo de conduta que adote para alcanar o seu objetivo.

    5.4. Mas para estar preenchido o tipo de crime no basta recusar, atrasar ou dificultar

    significativamente a entrega ou acolhimento da criana, tais condutas tero que ser repetidas e

    injustificadas.

    Estes conceitos genricos e abertos a que o legislador recorreu causam sempre dificuldades

    acrescidas na determinao das condutas que os integram52. uma tcnica legislativa sempre a evitar,

    mormente quando esto em causa normas penais, mas tendo o nosso legislador optado por ela, caber

    ao intrprete dar contedo a tais conceitos e jurisprudncia est atribudo um papel preponderante

    na sua definio.53

    52 Sobre os perigos da utilizao destes conceitos genricos, cf. Cunha, Maria da Conceio Ferreira, ob.

    cit., p. 929 e 930. 53 Como mais frente teremos oportunidade de verificar, a jurisprudncia tem interpretado estes conceitos

    de forma muitssimo restritiva, de tal modo que, temo, a seguir-se esta linha de entendimento, a previso da al.c) mais no seja do que uma norma vazia de contedo e sem aplicao prtica. Estamos, no entanto, perfeitamente de acordo com a deciso do STJ quando a se afirma que no qualquer incumprimento do regime que configura a prtica do ilcito. a gravidade desse incumprimento, no caso concreto, que determinar a verificao ou no do ilcito.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 26

    Conduta repetida significa necessariamente que tem que ser mais do que uma. Dependendo da

    gravidade da conduta e dos reflexos que a mesma tem na vida familiar do menor assim um

    comportamento que se repete por duas vezes poder ou no integrar o tipo de ilcito e tambm nem

    sempre uma conduta levada a cabo por forma mais ou menos sistemtica, integrar, necessariamente,

    o crime em causa.

    Caso a caso ter que se apreciar e ponderar qual o grau da leso nas relaes entre os

    progenitores e o seu filho decorrente da conduta de um deles quando desrespeita o regime de visitas

    estabelecido e constatar se tal conduta ou no violadora do bem jurdico protegido pela norma,

    traduzido no direito que os progenitores tm de conviver com o filho de forma regular e sem

    impedimentos ou obstculos.

    A conduta da me que, com frequncia, se atrasa na entrega o menor ao pai, fazendo-o meia

    hora ou at uma hora depois do horrio determinado no regime, por muito transtorno que isso possa

    provocar ao outro progenitor e at ao menor, em nosso entender no preenche o tipo de ilcito em

    causa.

    Numa situao como a descrita, o bem jurdico protegido com a norma no est propriamente a

    ser violado. O progenitor continua a poder exercer o seu direito e o menor continua a poder conviver

    com o progenitor. Os atrasos verificados podero, at serem compensados com a entrega da criana

    um pouco mais tarde.

    Diversa a situao de um pai, residente no Porto, que se desloca a Faro para ir buscar o filho

    a fim de o ter consigo no perodo de tempo estipulado no regime em vigor. Se neste caso a me se

    recusar a entregar a criana, mesmo que apenas por duas vezes, desde que em perodos de tempo

    mais ou menos prximos, poder esta sua conduta integrar a prtica do crime. Se distncia, s por

    si potenciadora de algum afastamento do progenitor do seu filho, acrescentarmos um incumprimento

    no que tange entrega, por duas vezes e em datas prximas, pode esta conduta ter efeitos muito

    negativos na vida do menor e certamente violadora do direito ao convvio entre pai e filho.

    Aqui o crime poder estar preenchido.

    Por outro lado, a repetio da conduta pode acontecer no apenas com a sua verificao em

    diversas ocasies mas tambm com a sua continuao no tempo.

    Como salienta Andr Teixeira dos Santos54a recusa tanto pode consistir em protelar no tempo a

    entrega da criana como a ocorrncia de vrias situaes de no entrega.

    Na previso da norma cabe a conduta do progenitor que impede a concretizao do regime de

    convvio do filho com o outro progenitor, quer o faa de forma continuada, atravs de uma ao que

    se prolonga no tempo, quer de modo entrecortado, atravs de vrias aes que se vo sucedendo.

    Agente do ilcito pode ser qualquer um dos progenitores, quer tenha ou no a guarda do filho.

    Caber, assim, no mbito da incriminao da al.c) do art. 249 a conduta do progenitor com

    quem o menor no reside que se nega a entregar o filho findo o perodo de tempo estabelecido para

    54 Ob.cit., p. 237.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 27

    estar com o mesmo, desde que esta deciso se prolongue no tempo, de modo a determinar que o

    exerccio dos poderes inerentes guarda passem a ser exercidos por ele, sem que seja o seu titular.

    Estamos perante uma conduta continuada que integrar a previso da al.c) do art. 249 e no a al.a)

    dado que, como j atrs referimos, no estamos perante uma subtrao da criana pois ela j se

    encontrava sob o poder de facto do progenitor infrator.

    Doutro modo, o progenitor que, de forma sistemtica, se recusa a entregar o filho ao progenitor

    com quem a criana reside, no dia e nos horrios estabelecidos pelo regime e com ela permanece

    durante um perodo de tempo substancialmente superior ao determinado, poder incorrer na prtica

    do ilcito em causa.

    Quanto necessidade de a conduta ser justificada, tem o termo que ser entendido em sentido

    lato e de molde a abranger no apenas as causas de justificao da ilicitude e da culpa55, pois se assim

    fosse no seria necessria a referncia no tipo pois a causa de justificao sempre operaria. Outras

    situaes h que, embora no preenchendo os requisitos daquelas causas de justificao, de alguma

    forma delas se aproximam e podem ser consideradas justificativas da conduta, de molde a determinar

    o no preenchimento do ilcito.

    Temos como exemplo a situao clssica de o menor se encontrar doente e no ser aconselhvel

    que saia de casa.

    A esta acrescero outras de igual relevo, como seja a realizao de exames mdicos, a frequncia

    de aulas extraordinrias de recuperao ou de preparao para exames e outras provas e a efetivao

    desses exames ou provas.

    Por maioria de razo, se estiver em causa a integridade fsica da criana devido ao facto de o

    progenitor ser maltratante ou sobre ele cometer abusos, mormente de natureza sexual, manifesto

    tratarem-se, igualmente, de situaes justificativas de uma no entrega da criana ao outro

    progenitor56 mas mais do que isso, estas situaes devem ser, no imediato, comunicadas ao

    Ministrio Pblico e Comisso de Proteo de Crianas e Jovens e importam uma alterao do

    regime em vigor quanto ao exerccio das responsabilidades parentais e a eventual propositura de ao

    tutelar cvel de inibio das responsabilidades parentais, bem como a instaurao de processo de

    promoo e proteo.

    No , no entanto, qualquer justificao que serve para afastar a previso da norma em anlise.

    nosso entender que a conduta s pode ser considerada justificada se a no entrega do filho ao outro

    progenitor se prender com questes de particular relevo para a vida da criana, designadamente

    relacionadas com a sade ou com a educao, mas centradas num ncleo restrito que se revele

    essencial para aqueles segmentos da sua vida, a sua sade, bem-estar ou educao.

    55 Nos termos dos art.s 31 e seguintes do C.Penal. 56 Aqui poder at configurar-se uma situao de legtima defesa.

  • VERBO jurdico A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 28

    A frequncia de atividades extracurriculares, de atividades de lazer ou uma simples dor de

    barriga no constituir certamente justificao relevante para impedir que outro progenitor e a criana

    possam disfrutar do tempo que ficou estabelecido para o convvio entre ambos.

    No conceito de justificao no cabero, por regra, as situaes relacionadas com o prprio

    progenitor a no ser que as mesmas sejam inusitadas, inultrapassveis e de fora maior.

    Claro est que uma doena repentina, um acidente ou qualquer outro evento de natureza

    semelhante constituir uma justificao da conduta, de molde a que no esteja verificado o crime

    mas o mesmo no se poder dizer de outras situaes que se prendem com a prpria vida pessoal do

    progenitor e interligadas com a forma como ele a gere, mesmo que, reflexamente, tal se reflita de

    forma positiva na vida do filho.57

    Sob pena de esvaziarmos a norma de contedo, a reiterao e a justificao das condutas tm

    sempre que ser vistas luz do interesse que se quis proteger com a norma e do seu reflexo no bem-

    estar da criana e no seu superior interesse de manter uma vida familiar gratificante com ambos os

    progenitores.

    Todas as situaes que ficam de fora da previso da norma penal no esto, no entanto, fora da

    proteo do direito j que qualquer incumprimento do regime estabelecido para o exerccio das

    responsabilidades parentais no que residncia do menor e ao regime de visitas diz respeito sempre

    tutelado pelos meios civis, configurem ou no a prtica de crime, podendo dar lugar a instaurao de

    ao de incumprimento nos termos do art. 181, da OTM, no mbito da qual, para alm da

    possibilidade de utilizao de meios coercivos para impor o cumprimento do estabelecido, sempre

    pode haver lugar a uma condenao em multa do prevaricador e ao pagamento de uma indemnizao

    a favor do menor, do progenitor requerente do incidente de incumprimento ou de ambos.58

    5.5. No que concerne s vrias condutas que cabem na previso do art. 249 n1, al.c), do

    C.Penal, pode ser agente do crime qualquer dos progenitores, independentemente de ter ou no a

    guarda da criana.

    A recusa, atraso ou criao de obstculos para a entrega ou acolhimento do menor pode ocorrer

    relativamente a qualquer dos progenitores. Isto independentemente de a conduta ter lugar por parte

    do progenitor com quem o filho reside habitualmente ou por parte daquele com que no tem a guarda

    da criana.

    Por fora do disposto no art. 1907 do C.Civil59 e dada a circunstncia de, como atrs referimos,

    considerarmos que na previso da norma cabem tambm as situaes de regulao do exerccio das

    responsabilidades parentais no mbito de uma ao tutelar comum, mormente a intentada nos termos

    dos art.s. 1918 e 1919, do C.Civil, o agente do crime pode, de igual modo, ser uma terceira pessoa

    57 Assim no o entendeu o Ac. da Relao de Coimbra, infra mencionado. 58 Art. 181 n 1 da OTM. 59 Consagra o n1 deste artigo que por cordo ou deciso judicial, ou quando se verifiquem algumas das

    circunstncias previstas no art. 1918, o filho pode ser confiado a terceira pessoa.

  • ANA TERESA LEAL A tutela penal nas responsabilidades parentais - O Crime de Subtrao de Menor : 29

    a quem a criana esteja entregue por deciso judicial e que impede, cria obstculos ou dificulta, de

    forma repetida e injustificada, que a mesma conviva com os progenitores, nos exatos termos

    constantes daquela deciso.

    O mesmo raciocnio se aplica quando as condutas em causa so levadas a cabo por parte do

    responsvel pelo estabelecimento de educao e assistncia a quem a criana foi entregue no mbito

    de uma providncia decretada ao abrigo do disposto no art. 1918, do C.Civil.

    Agente do crime previsto na al.c) pode agora ser qualquer pessoa que tenha o poder de facto

    sobre o menor e se encontre vinculada pela deciso ao cumprimento do regime estabelecido para o

    exerccio das responsabilidades parentais na vertente do convvio do menor com os seus

    progenitores.

    A previso da al.c) do art. 249, na redao anterior abrangia a recusa de entrega do menor a

    quem exercesse o poder paternal, a tutela ou a quem o mesmo estivesse legitimamente confiado.

    Aqui o agente do crime tanto podia ser o progenitor que no exercia o poder paternal como um

    qualquer terceiro. Ento, s quem no tinha a guarda do menor podia ser autor do crime.

    Com a nova redao da norma, algumas das situaes que se podiam enquadrar na al.c), agora

    encontram acolhimento na previso da al. a) do mesmo preceito.

    O bem jurdico tutelado na al.c) deixou de ser o poder paternal, a tutela ou a guarda legal sobre

    um menor para passar a ser o direito de convvio, sem obst