Anemia Ferropriva na Infância- uma Revisão para Profissionais da Atenção Básica

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Rev . APS; 2011; jan/mar; 14(1); 101-110  101 RESUMO  A anemi a nutriciona l, de acordo com a O rganização Mun- dial de Saúde, é um estado em qu e as baixas concentrações de hemoglobina são uma consequência da deciência de um ou mais nutrientes essenciais, por qualquer razão. A anemia por deciência de ferro é a principal deciência nutricional no mundo, e estima-se que metade das crianças e joens em países em desenolimento seja afetada por esta patologia. Esta reisão foi elaborada para contribuir no planejamento de estratégias de controle da anemia fer - ropria por prossionais da atenão básica em saúde. O artigo descreve aspectos relacionados ao metabolismo do ferro, à etiologia da doena, seu diagnóstico diferencial, os grupos de risco, as consequências da deciência de ferro em crianas, e também as estratégias de combate à doena como a suplementaão de ferro e a forticaão e modi - cação dietética. Nas últimas duas décadas, a importância da deciência de ferro e da anemia como um problema de saúde pública vem sendo reconhecida pelas autoridades de saúde e governantes. O combate a essa patologia deve ser uma prioridade, com esforos na realizaão de polí ticas pú- blicas adequadas, promovendo envolvimento das pessoas e reformulando os serios de saúde. PALAVRAS-CHAVE: Anemia Ferropria. Deciência de Ferro. Anemias Nutricionais. Ate não Primária à Saúde. 1  Sabrine T eixeira Ferraz, Graduação em Medicina pela F aculdade de Medicina da Uni versidade F ederal de Juiz de Fora. Residência Médica em P ediatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Uniersidade de São Paulo (em andamento). E-mail: sabrine.ufjf@gmail.com ARTIGO DE REVISÃO ANEMIA FERROPRIVA NA INFÂNCIA: UMA REVISÃO PARA PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA Iron-deficiency anemia in childhood: a review for primary health care professionals Sabrine Teixeira Ferraz 1  ABSTRACT Nutritional anemia, according to the World Health Or- ganization, is a state in which a low blood hemoglobin concentration is a consequence of deciency of one or more essential nutrients, for any reason. Iron deciency anemia is the principal nutritional condition worldwide, and it is estimated that half the children and teenagers in deeloping countries are affected by thie condition. This reiew is a contribution to the planning of strategies for primary care control of iron deciency anemia. The article describes iron metabolism, disease etiology, differential diagnosis, risk groups, consequences of childhood iron deciency, and strategies such as iron supplementation and fortication and dietary modication. The importance of iron deciency and anemia, as public health problems, has been increasingly recognized by health authorities and policy makers in the last two decades. Fighting iron de - ciency anemia must be a priority, with efforts to deelop adequate public policies promoting people’s involvement and reformulating health care serices. KEY WORDS: Anemia, Iron-Decien cy . Iron Deciency. Nutritional Anemias. Primary Health Care.

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Rev. APS; 2011; jan/mar; 14(1); 101-110   101

RESUMO

 A anemia nutricional, de acordo com a Organização Mun-dial de Saúde, é um estado em que as baixas concentraçõesde hemoglobina são uma consequência da deciência deum ou mais nutrientes essenciais, por qualquer razão. Aanemia por deciência de ferro é a principal deciência

nutricional no mundo, e estima-se que metade das criançase joens em países em desenolimento seja afetada poresta patologia. Esta reisão foi elaborada para contribuirno planejamento de estratégias de controle da anemia fer-ropria por prossionais da atenão básica em saúde. Oartigo descreve aspectos relacionados ao metabolismo doferro, à etiologia da doena, seu diagnóstico diferencial, osgrupos de risco, as consequências da deciência de ferroem crianas, e também as estratégias de combate à doenacomo a suplementaão de ferro e a forticaão e modi-cação dietética. Nas últimas duas décadas, a importância

da deciência de ferro e da anemia como um problema desaúde pública vem sendo reconhecida pelas autoridades desaúde e governantes. O combate a essa patologia deve seruma prioridade, com esforos na realizaão de políticas pú-blicas adequadas, promovendo envolvimento das pessoase reformulando os serios de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Anemia Ferropria. Deciênciade Ferro. Anemias Nutricionais. Atenão Primária à Saúde.

1  Sabrine Teixeira Ferraz, Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Residência Médica em Pediatria peloHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Uniersidade de São Paulo (em andamento). E-mail: [email protected]

ARTIGO DE REVISÃO

ANEMIA FERROPRIVA NA INFÂNCIA: UMA REVISÃO PARA PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA

Iron-deficiency anemia in childhood: a review for primary health care professionals

Sabrine Teixeira Ferraz1

 ABSTRACT

Nutritional anemia, according to the World Health Or-ganization, is a state in which a low blood hemoglobinconcentration is a consequence of deciency of one ormore essential nutrients, for any reason. Iron deciencyanemia is the principal nutritional condition worldwide,

and it is estimated that half the children and teenagers indeeloping countries are affected by thie condition. Thisreiew is a contribution to the planning of strategies forprimary care control of iron deciency anemia. The articledescribes iron metabolism, disease etiology, differentialdiagnosis, risk groups, consequences of childhood irondeciency, and strategies such as iron supplementationand fortication and dietary modication. The importanceof iron deciency and anemia, as public health problems,has been increasingly recognized by health authorities andpolicy makers in the last two decades. Fighting iron de-

ciency anemia must be a priority, with efforts to deelopadequate public policies promoting people’s involvementand reformulating health care serices.

KEY WORDS: Anemia, Iron-Deciency. Iron Deciency.Nutritional Anemias. Primary Health Care.

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INTRODUÇÃO

 A carência de ferro é a deciência nutricional maisprevalente no mundo1-3, e estima-se que quase dois bilhõesde pessoas sejam afetadas por ela.4 Essa condição pode serdenida como a ausência de estoques de ferro mobilizáeispara a eritropoiese, o que, em estados mais avançados, re-sultará em anemia.5 O grupo de risco para anemia ferropriainclui lactentes, pré-escolares, adolescentes e gestantes2,4 e a situação é mais preocupante em países em desenvol-

 vimento, nos quais se revela um importante problema desaúde pública.4,6

Um estudo elaborado pela Organização Mundial de Saú-de (OMS) mostrou que a anemia ferropria afeta 24,8% dapopulação mundial, sendo que a maior prevalência ocorreem crianas da faixa etária pré-escolar (47,4%).7 A anemiaferropria em pré-escolares foi considerada um problemade saúde pública no mínimo mediano em 99% dos paísesestudados.7 (WHO) Em países em desenvolvimento, o pro-blema é ainda mais grave, com prevalências que ultrapassamos 60% nessa faixa etária, e algumas ezes chegam a 90%.8,9 

Estudos brasileiros têm demonstrado um aumento naprealência e na graidade da anemia ferropria nos últi-mos 30 anos, independentemente da região estudada oudo nível socioeconômico das amostras.2,4,6,10 Na década de70, a prealência dessa patologia entre menores de 5 anosera de 23%, aproximadamente4; na década de 80 chegaaa 35% em uma amostra representatia da cidade de SãoPaulo.4,6 Atualmente, cerca de 45% a 50% das crianas

brasileiras apresentam anemia por deciência de ferro4,que dee então ser classicada como um problema desaúde pública grave.5 Quando consideramos a deciênciade ferro com ou sem anemia, esses números podem chegara mais de 70%.11

 A anemia ferropria resulta de um longo período dedesequilíbrio entre a ingestão e a demanda de ferro.3,6 Umgrande número de fatores predisponentes para anemiaferropria é citado na literatura, destacando-se suspensãoprecoce do aleitamento materno exclusivo, não utilizaçãode alimentos ricos em ferro, ingestão frequente de chás,

prematuridade, baixo peso ao nascer, crescimento intrau-terino restrito, gestações gemelares, sangramento perinatal,baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade materna,más condiões de saneamento básico, infestaão por an-cilostomídeo.2,4,12,13 Em adolescentes, pode ocorrer aindapor ingestão inadequada, seja por modismos alimentares oufatores socioeconômicos; maior necessidade de ferro parao crescimento, durante a incorporação de massa muscular;e perdas menstruais irregulares nas meninas.14-16

 A deciência de ferro, mesmo ainda sem anemia, estáimplicada em consequências como alteração do desempe-nho cognitivo, comportamento e crescimento em lactentes,pré-escolares e escolares; piores condiões imunológicas emaior chance de infecões; reduão da fora muscular ecapacidade física; alteraões no metabolismo de hormô-nios tireoidianos e catecolaminas; redução da capacidadelúdica; perda do apetite; insegurança e desatenção.4-6,10,17 Assequelas desses décits muitas ezes podem ser percebidasaté anos após a correão das carências, com deciênciascognitivas evidentes a longo prazo.12,13 A presença de ane-mia ferropria associa-se, ainda, a uma maior mortalidadeinfantil e ao aumento do risco de intercorrências perinatais.5

 A OMS recomenda que os países estabeleçam, comoparte de seu sistema de monitoração da saúde e nutrição,a aaliaão de deciências de iodo, itamina A e ferro,além de sistematicamente avaliar o impacto dos programasde controle dessas desordens.5 No Brasil, o Ministérioda Saúde lançou, em 2005, um manual operacional parao Programa Nacional de Suplementação de Ferro, comrecomendações acerca de orientações alimentares, enrique-cimento de farinhas e suplementaão medicamentosa.18 Noentanto, faltam estudos que demonstrem a real eciênciadessas medidas e o impacto da sua aplicação nos índicesde prealência da deciência de ferro. Infelizmente, nãotem haido progresso signicatio no controle dos níeisendêmicos de anemia ferropria existentes na populaãoinfantil de países em desenolimento.5,19,20

Um estudo conduzido no país mostrou que, em uma

amostra de alta prealência de anemia ferropria, apenasuma minoria dos casos (7,5%) era do conhecimento dasmães, e que apenas 10,8% dessas crianas estaa em usode sulfato ferroso.21 A anemia ferropria é, portanto, umproblema subdiagnosticado e subtratado no país, e quenão em recebendo a ênfase deida no campo da atenãoprimária em saúde.

 As recomendações da OMS e do Ministério da Saúdea respeito da prevenção e do tratamento da anemia porcarência de ferro destinam-se a médicos de saúde da família,pediatras, obstetras e clínicos gerais, ou seja, àqueles que

são responsáeis pela grande maioria dos atendimentos aosgrupos de risco para essa condição. O atendimento porespecialistas na área (hematopediatras ou hematologistas)é limitado em grande parte do país pela escassez de pro-ssionais. Na erdade, a partir da compreensão de algunsconceitos básicos a respeito do metabolismo do ferro e dosexames complementares pertinentes, é possível conduzir amaioria dos casos sem a necessidade de encaminhamento. Aanemia ferropria e a deciência de ferro são, dessa forma,

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temas importantes na atenão primária à saúde, tanto porsuas elevadas prevalências, quanto por suas repercussõesa curto e longo prazo na saúde das crianças. Preveni-las etratá-las têm se reelado um desao em termos de saúdepública, e esse processo deve-se iniciar a partir da cons-cientizaão dos prossionais de saúde, das autoridades eda populaão quanto à graidade e consequências a longoprazo desta patologia.22 Portanto, diante do exposto, estarevisão tem como objetivo sistematizar alguns conceitosbásicos e fundamentais e direcionar os prossionais daatenão primária no diagnóstico, tratamento e prolaxiadessa condição.

 O metabolismo do ferro

Para a manutenão da saúde do indiíduo, é necessárioque haja um equilíbrio dinâmico no metabolismo do ferro,

 visto que tanto sua carência quanto seu excesso podemtrazer consequências nocivas ao organismo humano. Acompreensão desse metabolismo é necessária para a soli-citação e interpretação corretas dos exames laboratoriaispertinentes ao diagnóstico diferencial das anemias.

O ferro é obtido de duas formas: atraés da alimentaãoe da reciclagem das hemácias. Uma dieta normal contém de13 a 18 mg de ferro, dos quais somente 1mg a 2mg serãoabsorvidos diariamente.14,23 O ferro inorgânico deria de e-getais e cereais, mas não é tão bem absorvido quanto aqueleque é obtido pela hemoglobina e mioglobina contidas nacarne ermelha (ferro heme), e em menor quantidade em

ovos e laticínios.14,24 Além disso, a biodisponibilidade doferro é potencializada pela ingestão, na mesma refeião,de carnes, ísceras e alimentos ricos em ácido ascórbico,

 itamina A e beta carotenos, e inibida por tatos (cereais),compostos fenólicos (chá preto, café, refrigerantes) e outrosminerais como cálcio, zinco e cobre.21,25 A concentração deferro em alguns alimentos pode ser ericada no Anexo 1.

Em situaões em que há falta de ferro no organismo ouaumento de sua demanda ocorre incremento na absorção deferro por uma maior expressão de proteínas enolidas noprocesso (ferroportina e proteína transportadora de metal

dialente). Quando o ferro é internalizado pelo enterócito,pode permanecer armazenado sob a forma de ferritinaou ser liberado para a corrente sanguínea de acordo comas necessidades do organismo, sendo, nesse último caso,transportado pela transferrina.26

 A outra fonte de ferro é a degradaão de hemácias se-nescentes, realizada pelos macrófagos no bao e na medulaóssea, e em menor quantidade pelas células de Kupffer nofígado, gerando cerca de 30mg de ferro por dia.23 O ferro

resultante do processo pode ser estocado pelo própriomacrófago na forma de ferritina ou transportado pelatransferrina até a medula óssea onde será reutilizado nafabricaão de eritrócitos.

Em condiões normais, a transferrina plasmática circulacom uma saturaão de aproximadamente 30%. Situaõesem que ocorre eleaão dos estoques de ferro eleam essasaturaão e podem resultar em circulaão de ferro lire,contribuindo para o dano celular. Em oposição, baixosestoques de ferro resultam em uma menor saturaão detransferrina.5

O ferro ca estocado nas células reticuloendoteliaisdo fígado, bao e medula óssea, nas formas de ferritina ehemossiderina (uma proteína resultante da degradação doexcesso de ferritina). O ferro é eliminado do organismopelas secreões corpóreas, descamaão das células intesti-nais e da pele ou sangramento menstrual.23 O controle dosestoques de ferro se faz atraés da hepcidina, um peptídeocirculante que inibe a absorão de ferro ao ligar-se à fer-roportina, leando à sua degradaão. Sua expressão estádiminuída quando há ferropenia, permitindo o aumentode sua absorão; e aumentada em estados inamatórios.Como a ferroportina também é necessária para a saída deferro dos estoques celulares (macrófagos, hepatócitos), oaumento da hepcidina lea à reduão do ferro disponíelpara a produção de hemoglobina mesmo nas situações emque o estoque celular está adequado.

Para crianas pequenas, o leite é o alimento básico. Osprodutos do leite são fontes pobres de ferro, mas o leite

materno, pela presena da lactoferrina, faorece a absorãodesse elemento, com uma biodisponibilidade de 50%.13,21,27 

 Além disso, o feto armazena ferro sobretudo durante oterceiro trimestre da gestação, sendo esperados níveis ele-

 vados de hemoglobina ao nascimento.13 O ferro resultanteda hemocaterese desses eritrócitos é, em geral, sucientepara sustentar a eritropoiese nos primeiros meses de vida,ou seja, uma deciência de ferro não é esperada para o pri-meiro semestre em lactentes nascidos a termo. O segundosemestre de ida será, ao contrário, o período mais crítico,pois as necessidades nutricionais da criança aumentam, o

leite materno sozinho não tem mais condições de supriras necessidades nutricionais, e a introdução de alimentoscomplementares adequados será essencial.28 

Nos primeiros dois meses de vida, ocorre uma quedana concentração de hemoglobina, sendo os valores maisbaixos entre seis a oito semanas. Nessa fase, alores dehemoglobina entre 9 e 11 g/dL podem ser consideradosnormais. Isso ocorre por conta da menor produão deeritropoietina devido ao aumento súbito da saturação de

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oxigênio ao nascimento, com consequente supressão daeritropoiese. Esta queda é conhecida como anemia sio-lógica do lactente, não sendo eitada por qualquer medidapreventiva e nem acompanhada de qualquer anomalia.29

 A diminuião dos estoques de ferro pode ser classicadaem três níveis de acordo com a gravidade. O primeiro nível(depleão do ferro) acarreta a diminuião dos depósitosde ferro, medido pela diminuião da ferritina sérica. Esteníel não se associa a consequências siológicas adersas,pois caracteriza-se por um aumento compensador de suaabsorão que eita a eoluão a estágios mais graes. Nosegundo níel de depleão (ferropenia sem anemia ou de-ciência de ferro), ocorrem alteraões na produão normalde hemoglobina e de outros compostos essenciais, comdiminuião da saturaão de transferrina e um aumento daprotoporrina eritrocitária e do receptor de transferrina sé-rica. No terceiro níel, a anemia ferropria está instalada.30,31 

Exames laboratoriais na anemia ferropriva

O hemograma completo é um dos exames mais im-portantes na elucidaão dos casos de anemia, e sua análisecuidadosa pode guiar o diagnóstico diferencial entre anemiaferropria e outros casos de anemia na infância. A Tabela1 traz os alores de referência, segundo a OMS, para osníeis de hemoglobina em diferentes faixas etárias.

Idade Hemoglobina (mg/dL) Hematócrito (%)

6 meses a 59 meses 11 335 a 11 anos 11,5 3412 a 14 anos 12 36

Tabela 1  - valores de referência para hemoglobina deacordo com a faixa etária.

Fonte: Adaptado de: World Health Organization, 2001.5

 A dosagem dos níveis de hemoglobina tem suas limi-tações, pois seus valores podem se alterar na presença deinfecões e inamaões, hemorragia, hemoglobinopatias,desnutrião proteico-energético, deciência de folato e/ou vitamina B12, uso de medicamentos, desidratação,

gestação e tabagismo.14 Assim, o ideal é conrmar a do-sagem, realizar uma análise cuidadosa dos índices hema-timétricos e, quando possível, completar a investigaçãocom a chamada “cinética do ferro” (ferritina, ferro sério,

 índice de saturaão da transferrina e capacidade total deligaão do ferro).

 A Tabela 2 é um guia para o cálculo e a interpretaãodos índices hematimétricos, essenciais para o entendimentocorreto do hemograma.

Tabela 2 - Índices hematimétricos: cálculo e interpretaão.Índice

 volume corpuscu-lar médio (vCM)

Hemoglobina

corpuscular média(HCM)

Concentraçãode hemoglobinacorpuscular média(CHCM)

Red-blood-celldistribuition width(RDW)

Cálculo

hematócrito x 10hematimetria

hemoglobina x 10

hematimetria

HCM X 100CHCM

Fornecido pelocontador

 Valoresnormais

80-100 fL

28-32 pg 

32-35 g/dL

10-14%

Interpretação

 valores menores que 80 fLsão comuns na anemia ferro-priva (microcitose).

Parâmetro de baixa utilidade,

pois sua variação ocorreparalela ao vCM.

 valores menores que 32 g/dLsão comuns na anemia ferro-priva grave (hipocromia).

Classicamente está maior que14% na anemia ferropria,podendo se alterar mesmo nadeciência de ferro ainda semanemia.

Obseraão: os alores siológicos do vCM possuem ampla ariaão em crianas, e tabelas etárias deem ser consultadas

para sua correta interpretação.Fonte: Adaptado de: Failace, 2003.30

 Apesar de serem comumente utilizados para avaliar adeciência de ferro, os índices hematimétricos são marca-dores mais tardios do processo.31 O aporte inadequado deferro faz com que os eritrócitos produzidos sejam pálidos(hipocromia - redução da Hemoglobina Corpuscular Médiae da Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média -HCM e CHCM, respectivamente), pequenos (microcitose- reduão do volume Corpuscular Médio - vCM) e comgrande variação no tamanho (anisocitose - aumento do Red--blood-cell distribuition width - RDW). O RDW aumentaprecocemente na anemia ferropria, podendo detectara carência incipiente de ferro, antes mesmo de ocorreralteraões no vCM, sendo o melhor índice discriminadorde anemia ferropria.1,32 A contagem reticulocitária podeestar normal ou diminuída, e as plaquetas estão usualmenteaumentadas por conta de um efeito inespecíco da eritro-poietina.33,34

O níel de ferritina sérica é o teste bioquímico que maisespecicamente se correlaciona com os estoques corporaisde ferro.5,31 Ao interpretar esse teste, no entanto, deve-seconsiderar que seus níeis se eleam em inamaões ouinfecões, pois a ferritina é também uma proteína de faseaguda. Os alores abaixo dos quais consideramos que hádepleão do estoque de ferro são 12 µg/L para menores de5 anos e 15 µg/L para maiores de 5 anos.5 Aparentemente,a ferritina tem uma menor sensibilidade em detectar ane-mia em lactentes.32 Outro ponto a ser considerado é quea hipoferritinemia pode ocorrer sem anemia coexistente,dada a história natural da doena, e sua detecão precoce

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permite a reposião dos estoques de ferro antes de existirum maior comprometimento pela anemia.26

 A deciência de ferro resulta ainda na diminuião doferro sérico, na eleaão da transferrina (medida indire-tamente pela capacidade total de ligaão do ferro - totaliron-binding capacity - TIBC) e numa reduão na satura-ão da transferrina (calculada diidindo-se o ferro séricopela TIBC). No entanto, é necessário considerar que os

 alores do ferro sérico e, consequentemente, da saturaãoda transferrina, são instáeis e ariam ao longo do dia.31 O ferro sérico normal aria de 60-150 mcg/dL; o alornormal da TIBC é de 250-360 mcg/dL; e a saturaão datransferrina aria de 30 a 40%. Na anemia ferropria, usu-almente o TIBC é maior que 400 mcg/dL e a saturaãode transferrina é menor que 15%.33  Em casos severos,pode ocorrer pecilocitose (presena de formas anormaisde eritrócitos), com aspectos ariados, podendo ocorrereliptócitos e dacriócitos.33

 A gravidade da anemia é tradicionalmente determinadapela dosagem da hemoglobina. Considera-se anemia graveaquela com hemoglobina menor que 7 g/dL; moderada sea hemoglobina estier entre 7 e 9 mg/dL; e lee quando ahemoglobina é maior ou igual a 9 mg/dL.5 A prevalênciade anemia grae é ariáel entre os estudos porque muitas

 ezes são utilizados critérios diferentes, mas pode chegara cerca de 55% do total de crianas anêmicas.35

 A escolha dos parâmetros a serem utilizados deve le- var em consideração as características inerentes ao grupopopulacional, a prealência e seeridade da deciência de

ferro, a incidência de doenas inamatórias e infecciosas,a frequência de doenas hematológicas, o olume daamostra de sangue requerido, o custo e a complexidade dametodologia utilizada e a suscetibilidade a erros laborato-riais.31 É razoáel solicitar-se, inicialmente, o hemogramacompleto, reserando a pesquisa da cinética do ferro paracasos em que há dúida diagnóstica ou resposta terapêuticainsatisfatória.

Estratégias para a prevenção da deciência de ferro

Segundo a OMS, a melhor abordagem para a prevençãoda carência nutricional de ferro é atraés da alimentaãoadequada, com aumento da ingestão de carnes, legumese egetais folhosos cozidos (isto que a cocão inibeparcialmente os tatos, que interferem negatiamente naabsorão do ferro), além da correta preparaão dos alimen-tos.5 No entanto, a alimentação das crianças brasileiras temuma densidade em ferro muito baixa para todas as faixasetárias, tanto por questões econômicas quanto culturais,36 

um problema a ser abordado para o sucesso do combatea essa condição.

 A forticaão de alimentos é também consideradacomo uma medida custo efetia. Em diferentes paísessão adotadas estratégias de forticaão de farinhas, arroz,cereais matinais, pães, etc. No Brasil, a experiência maior écom a forticaão do leite em pó ou uido, com resultadossatisfatórios tanto na preenão quanto no tratamento daanemia.37 Um estudo recente aaliou ainda a ecácia dasuplementação do arroz, apresentando resultados satis-fatórios.38 A forticaão da farinha de milho e trigo comferro e ácido fólico foi adotada em 2002 pelo goernofederal; cada 100 gramas de farinha contém 4,2 miligramasde ferro e 150 microgramas de ácido fólico.13,18 A escolhados alimentos a serem forticados dee lear em contanão somente a relaão custo-efetiidade do processo, mastambém o hábito alimentar da populaão e a alorizaãocultural de certos alimentos. Assim, embora a escolha do

leite como um alimento a ser forticado possa lear aquestionamentos a respeito de seus fatores dicultadoresda absorão do ferro (presena de cálcio, fósforo e caseí-na; precipitaão de grande parte do conteúdo de ferro nanata após a ferura)37, não pode ser desconsiderado o fatode que o leite é culturalmente considerado um alimentoessencial na infância, e que as famílias tendem a ofertá-loem quantidades signicatias desde que tenham condiõesnanceiras para tal. Já o estudo a respeito da suplementaãodo arroz encontrou, como um possível entrave para suaefetiidade, a suboferta do alimento às crianas estudadas,38 

o que poderia, a longo prazo, resultar em diculdades napossível implementação de um programa de suplementaçãocomunitário.

 A suplementaão preentia com sais ferrosos é ou-tra medida de baixo custo e alto benefício. Crianas quenasceram a termo e com peso normal, e que recebemaleitamento materno exclusivo, não necessitam de suple-mento até 4 a 6 meses de idade. No entanto, ao iniciar aalimentaão complementar, e sempre após os 6 meses deidade, os lactentes necessitam de quantidades adicionais deferro para manterem seus estoques.5 As fórmulas lácteas

infantis comercializadas no Brasil são enriquecidas comferro, e seu consumo diário de no mínimo 500mL garantea suplementaão de ferro necessária para os menores de 2anos.39 As indicaões de suplementaão com sais ferrosos,segundo a OMS, estão resumidas na Tabela 3. Deve-selembrar que o Brasil é um dos países em que a prevalên-cia de anemia ferropria supera os 40%, portanto estáindicada a suplementaão por três meses nos diferentesgrupos etários.

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No Brasil, a recomendação do Ministério da Saúde é

a realização de uma suplementação semanal de 25mg deferro elementar para todas as crianas de 6 a 18 meses (oude 4 a 18 meses caso não esteja em aleitamento maternoexclusio). Dee ser utilizado o sulfato ferroso, ia oral, enão parece haer diferenas signicatias entre a adminis-tração domiciliar ou em unidade de saúde.40 Para criançasque nasceram prematuras ou com baixo peso, mas aindacom mais de 1500g, a suplementação deve iniciar-se apartir do 30º dia de ida, na dose de 2mg/kg/dia de ferroelementar, durante um ano; a partir daí a dose passa a serde 1mg/kg/dia. Para prematuros entre 1000g e 1500g, a

dose inicial deve ser de 3mg/kg/dia, e para aqueles commenos de 1000g, doses iniciais 4mg/kg/dia.18

O consumo de leite de aca em qualquer faixa etáriaaumenta o risco de ferropenia,36 justicando a prolaxiada deciência de ferro para crianas que o consomem nosprimeiros seis meses de ida. Isso acontece não somentepela menor biodisponibilidade do ferro no leite de aca,como também pela ocorrência de sangramento gastroin-testinal oculto.25,41 O prossional que acompanha a crianadee estar atento ainda ao frequente excesso de consumode leite com farinhas, que proporciona maior saciedade e

prejudica a ingestão de outros alimentos ricos em ferro. Oleite de aca é o alimento mais utilizado na fase de desmameda criança, por vezes substituindo ou complementandorefeiões salgadas, que seriam potenciais fontes de ferro.25 Outro aspecto alimentar cultural bastante frequente é ooferecimento de chás e água a lactentes joens, que parececontribuir com a redução dos níveis de hemoglobina.41

 A suplementaão semanal traz antagens quanto à ade-são ao tratamento, ao menor índice de efeitos colaterais e

menores custos.13,17 No entanto, estudos mostram que asuplementaão diária é mais ecaz na preenão da anemiaferropria no lactente,20 sugerindo que a estratégia semanaldeveria ser revista. O tema é controverso porque outraspesquisas trazem resultados contraditórios.19 É preciso res-saltar que existem poucos estudos abordando esse tópico, eque ainda é necessário aaliar e comparar melhor a ecáciade estratégias adotadas em diferentes países e regiões, istoque há consenso internacional de que os programas parapreenão e controle da anemia por deciência de ferronão têm sido efetios.5,7,19,20

Estudos conduzidos no Brasil demonstram que asuplementaão de ferro de acordo com essas recomen-daões reduziu a prealência de anemia ferropria emcrianas entre 12 e 18 meses; no entanto, a prealênciaainda permaneceu muito elevada.42,43 Dessa forma, outrasestratégias devem ser consideradas para o combate ao pro-blema. A maior prealência de ferropenia em crianas declasses socioeconômicas menos faorecidas e com famíliasnumerosas21 sugere que é necessário inestir também emeducaão em saúde, fornecendo aos cuidadores conceitosde higiene e manipulação de alimentos e noções sobre aescolha de alimentos adequados.28 A educação em saúde éainda um elemento essencial para a adesão ao tratamentoe para a utilização correta das medicações prescritas, sejaprolaticamente ou para tratamento.

Dee-se lembrar ainda que os produtos forticadoscom ferro e a suplementaão prolática não deem serindicados para crianças portadoras de talassemias ou anemia

falciforme. Em caso de dúida diagnóstica, o início da su-plementaão dee ser adiado até a conrmaão necessária.44

Outras medidas importantes são o controle das doençasparasitárias, melhoria das condiões de ida e de sanea-mento, educação em saúde, nutrição e higiene e preparaçãodos alimentos, estímulo ao aleitamento materno exclusivo,melhoria da alimentação em creches e escolas. Criançasfrequentadoras de creche obtêm praticamente 70% de suasnecessidades nutricionais durante o período de permanêncianessas instituições, sendo essencial que recebam uma alimen-tação balanceada nesse momento.10,39 No entanto, estudos

mostram que a dieta oferecida a pré-escolares em crechesapresentam décit energético e quantidades inadequadas deferro, com baixa ingestão de carnes, leguminosas e hortali-ças.45 A creche pode ser uma parceira importante tambémna administraão da suplementaão oral de ferro, isto que aincorporaão desta nas rotinas de cuidados diários resulta emuma elevada taxa de adesão e no sucesso dessa terapêutica.11

Outro ponto a ser destacado é a presença do nutri-cionista na Unidade Básica de Saúde. Embora essa não

Tabela 3 - Suplementaão de ferro na infância: indicaõese doses.Grupo

Baixo peso ao nascer

Crianças entre 6 e 23meses de idade

Crianças entre 24 e 59meses de idade

Crianças maiores de60 meses

Indicações parasuplementação

Universal

Sempre que a dieta nãoinclua alimentos forti-cados ou se a prevalênciade anemia ferropria formaior que 40%

Prevalência de anemiaferropria maior que 40%

Prevalência de anemiaferropria maior que 40%

Dose de ferroelementar

2mg/kg/dia

2mg/kg/dia

2mg/kg/diaaté 30mg 

30mg/dia

Duração

Dos 2 aos23 meses deidade

Dos 6 aos23 meses deidade

3 meses

3 meses

Fonte: Adaptado de: World Health Organization, 2001.5

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seja a realidade do país, a presena desse prossional seriaimportante na elaboração do esquema de introdução dealimentos complementares de acordo com o perl dealimentos consumidos em cada região, além de orientar afamília quanto à necessidade de suplementaão e da intro-duão de alimentos que melhorem a absorão de ferro.28

Tratamento 

Para o tratamento da ferropenia, o sulfato ferroso é o salde escolha devido ao seu baixo custo e alta biodisponibili-dade. Idealmente dee ser administrado antes das refeiões,pois a presença de alimentos no estômago prejudica suaabsorção. A administração conjunta com suco de laranja éuma medida barata e acessíel que faorece sua absorão.

 A dose habitual é de 4-6 mg/kg/dia de ferro elementar.Uma alternatia ecaz é o ferro quelato glicinato, que temainda como antagem uma menor ocorrência de efeitoscolaterais.11  O ferro carbonila também demonstrou sereciente na reduão da anemia, sem antagens signicatiasquanto às ocorrências adersas.46

 A partir do início do tratamento, a correção da anemiageralmente ocorre em seis semanas. No entanto, a medi-cação deve ser mantida por um período mínimo de quatroa seis meses para que os estoques sejam repostos, uma vezque ocorre diminuião da absorão de ferro após correãoda anemia.47 A resposta ao tratamento pode ser avaliadapela contagem de reticulócitos, que se eleam a partir de48 a 72 horas do início da administraão e atingem um pico

após 5 a 10 dias. A hemoglobina e o hematócrito comeama se elear após duas semanas e se normalizam com doismeses de terapia, mas, como já mencionado, a reposiãodee ser mantida por no mínimo dois meses após essanormalização.34

Os efeitos colaterais gastrintestinais (náuseas, cólicasabdominais, constipação e/ou diarréia) são observados em15 a 20% dos pacientes que recebem sais ferrosos por iaoral. Estes efeitos parecem relacionados à dose, que podeser reduzida para atenuá-los apesar de prolongar o trata-mento.47 O fracionamento da dose é outra possibilidade,

podendo o ferro ser administrado antes das duas ou trêsprincipais refeiões.

O prossional dee ainda car atento à necessidade dahigiene dentária após o uso de medicaões que contenhamferro, uma ez que, do contrário, existe um risco para o sur-gimento de manchas dentárias que podem ser um motiopara a suspensão do tratamento pelos familiares da criana.

 As preparaões de ferro parenteral não deem serutilizadas na assistência primária à saúde, mas são neces-

sárias na terapêutica de indiíduos com anemia seera,grave intolerância ao tratamento via oral ou resistência aotratamento.47 A intolerância grae às preparaões orais éincomum na faixa etária pediátrica, de forma que o ferroparenteral deve ser evitado, exceto em situações especiaiscomo crianças em nutrição parenteral total prolongada, uma

 ez que diersos efeitos colaterais podem ser obserados,tais como dor e hiperpigmentaão local, febre, reaão ana-lática, hipotensão, broncoespasmo, artralgias, mialgias.34

O encaminhamento ao hematologista deve ser consi-derado sempre que houver alteração de mais de uma sériedo hemograma; quando não houver resposta terapêuticaapós ericaão da adesão ao tratamento e adequaão dedoses; quando exames complementares da medula ósseaforem necessários para melhor elucidaão diagnóstica; ouainda quando há dúida a respeito do diagnóstico ou casosmais graves, com repercussão hemodinâmica.

 Alimento (100g) Teor de Ferro (mg) Biodisponibilidade

Carne bovina 4,0 AltaCarne suína 3,2 AltaPeixes 1,4 AltaCarne de frango 1,7 AltaFígado bovino 5,1 AltaMiúdos de galinha 4,3 AltaGema do ovo 2,3 BaixaLeite humano 0,5 AltaLeite de vaca pasteurizado 0,1 Baixa

Cereais matinais 12,5 Alta Aveia (farinha) 4,5 BaixaFarinha láctea 4,0 AltaFeijão vermelho 2,4 BaixaErvilha 1,8 BaixaLentilha 2,1 BaixaSoja 3,4 BaixaBrócolis 1,3 AltaEspinafre 3,2 BaixaBeterraba 0,8 BaixaCouve crua/cozida 2,2/0,7 MédiaSuco de limão 0,6 AltaPolpa de açaí 11,8 AltaLaranja 0,7 Alta

Banana prata Média Açúcar mascavo 3,4 AltaRapadura 4,2 Alta

 Anexo 1  - Concentraão de ferro nos alimentos e suabiodisponibilidade

Fonte: Adaptado de: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2006.39

CONCLUSÃO

 A anemia ferropria é uma condião multifatorial, nãoestando sua origem apenas atrelada aos fatores biológicos,

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deendo ser eidenciados fatores socioeconômicos, cul-turais, de morbidade, presentes na populaão infantil. Ocombate à deciência de ferro dee ser uma prioridade,passando por estratégias de estabelecimento de políti-cas públicas adequadas, envolvimento da comunidade ereformulaão de serios de saúde. A maior atenão aoacompanhamento pré-natal, diminuindo o baixo peso aonascer, a prematuridade e a anemia materna, bem como oincentivo ao aleitamento materno exclusivo e a orientaçãosobre a adequada alimentação complementar ao aleitamen-to ou articial, são medidas importantes para a reduão daprevalência de anemia em crianças.

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Submissão: feereiro de 2010 Aprovação: julho de 2010