Angela F ranco - SciELO · monossetorial da industrialização baiana e de geração de empregos...

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CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 359-380, Maio/Ago. 2009 359 Angela Franco O artigo analisa a dinâmica da Região Metropolitana de Salvador (RMS) a partir da implanta- ção da Ford, discutindo a perspectiva do ‘lugar’ (a periferia metropolitana), dentro de uma relação assimétrica com os negócios globais na era da flexibilidade. O texto caracteriza o complexo Ford de Camaçari a partir da reestruturação produtiva e das mudanças na organiza- ção e funcionamento dos territórios e, na segunda parte, seus impactos sobre a periferia metro- politana de Salvador. Na conclusão demonstra que as mesmas circunstâncias que permitiram a vinda da montadora para Camaçari constrangem as ambições originais de melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social: a flexibilidade dos novos arranjos, que tornam os espaços periféricos estratégicos, compromete o “enraizamento” do investimento; a “produção enxuta”, exígua de emprego e diligente na sua precarização, inibe os benefícios sociais. PALAVRAS CHAVE: reestruturação produtiva, mercado de trabalho, indústria automobilística, peri- feria metropolitana, segregação socioespacial. A Bahia ingressou nos anos 2000 sediando, enfim, a indústria automobilística, após a dura disputa pela vinda da Ford, que contou com um amplo arco de alianças locais, de governantes estaduais a sindicatos, evento de enorme significado para o desenvolvimento baiano, há muito estabelecido pelo planejamento governamental. Sendo um setor produtor de bens finais, o fabrico de automóveis seria capaz, em tese, de quebrar a rigidez do padrão de industrialização local, dada pela concentração na produção de bens intermediários e petroquímicos, cujos efeitos dinamizadores se dão, em boa medida, fora da região. Dentro da estratégia de diversificação da economia baiana, portanto, aquele segmento industrial seria uma opção promissora, como atestavam as experiências inaugurais do sul do país, que resultaram em mercados de trabalho estruturados e em importantes redes de cidades. EM TEMPOS GLOBAIS, UM “NOVO” LOCAL: a Ford na Bahia 1 Angela Franco * Na Região Metropolitana de Salvador (RMS), as elevadas e ascendentes taxas de desemprego mais do que justificavam o entusiasmo, mas ele se assentava em objetivos mais ambiciosos, como um melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social, mediante a alteração do padrão de urbanização herdado do ciclo petroquímico, marcado por um mercado de trabalho segmentado e precário, associado a forte segregação socioespacial. Assim, além de quebra do modelo monossetorial da industrialização baiana e de geração de empregos diretos e indiretos, caberia à Ford o até então inédito papel, determinado por negociações com os governos estadual e municipais envolvidos, de contribuir para alterar o padrão de segregação espacial da região, ao estabelecer, como critério de contratação de trabalhadores operacionais, a moradia nos municípios da periferia metropolitana. Contudo, em tempos de globalização, a em- preitada delineada carrega um paradoxo: as mes- mas circunstâncias que possibilitaram a vinda de uma das maiores montadoras de automóveis do mundo para uma região periférica, como a RMS, colocam sérios constrangimentos no caminho das * Arquiteta. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Professora da Universidade Salvador – UNIFACS. Rua: Félix Mendes, 18. Cep: 40.100-020. Garcia - Salva- dor - Bahia - Brasil. [email protected] 1 À Tânia Franco, meus agradecimentos pelas sugestões e revisão do artigo.

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O artigo analisa a dinâmica da Região Metropolitana de Salvador (RMS) a partir da implanta-ção da Ford, discutindo a perspectiva do ‘lugar’ (a periferia metropolitana), dentro de umarelação assimétrica com os negócios globais na era da flexibilidade. O texto caracteriza ocomplexo Ford de Camaçari a partir da reestruturação produtiva e das mudanças na organiza-ção e funcionamento dos territórios e, na segunda parte, seus impactos sobre a periferia metro-politana de Salvador. Na conclusão demonstra que as mesmas circunstâncias que permitirama vinda da montadora para Camaçari constrangem as ambições originais de melhorequacionamento entre crescimento econômico e progresso social: a flexibilidade dos novosarranjos, que tornam os espaços periféricos estratégicos, compromete o “enraizamento” doinvestimento; a “produção enxuta”, exígua de emprego e diligente na sua precarização, inibe osbenefícios sociais.PALAVRAS CHAVE: reestruturação produtiva, mercado de trabalho, indústria automobilística, peri-feria metropolitana, segregação socioespacial.

A Bahia ingressou nos anos 2000 sediando,enfim, a indústria automobilística, após a duradisputa pela vinda da Ford, que contou com umamplo arco de alianças locais, de governantesestaduais a sindicatos, evento de enorme significadopara o desenvolvimento baiano, há muitoestabelecido pelo planejamento governamental.Sendo um setor produtor de bens finais, o fabrico deautomóveis seria capaz, em tese, de quebrar a rigidezdo padrão de industrialização local, dada pelaconcentração na produção de bens intermediários epetroquímicos, cujos efeitos dinamizadores se dão,em boa medida, fora da região. Dentro da estratégiade diversificação da economia baiana, portanto,aquele segmento industrial seria uma opçãopromissora, como atestavam as experiênciasinaugurais do sul do país, que resultaram emmercados de trabalho estruturados e em importantesredes de cidades.

EM TEMPOS GLOBAIS, UM “NOVO” LOCAL: a Ford na Bahia 1

Angela Franco*

Na Região Metropolitana de Salvador (RMS),as elevadas e ascendentes taxas de desemprego maisdo que justificavam o entusiasmo, mas ele seassentava em objetivos mais ambiciosos, como ummelhor equacionamento entre crescimentoeconômico e progresso social, mediante a alteraçãodo padrão de urbanização herdado do ciclopetroquímico, marcado por um mercado de trabalhosegmentado e precário, associado a forte segregaçãosocioespacial. Assim, além de quebra do modelomonossetorial da industrialização baiana e de geraçãode empregos diretos e indiretos, caberia à Ford o atéentão inédito papel, determinado por negociaçõescom os governos estadual e municipais envolvidos,de contribuir para alterar o padrão de segregaçãoespacial da região, ao estabelecer, como critério decontratação de trabalhadores operacionais, a moradianos municípios da periferia metropolitana.

Contudo, em tempos de globalização, a em-preitada delineada carrega um paradoxo: as mes-mas circunstâncias que possibilitaram a vinda deuma das maiores montadoras de automóveis domundo para uma região periférica, como a RMS,colocam sérios constrangimentos no caminho das

* Arquiteta. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelaUFBA. Professora da Universidade Salvador – UNIFACS.Rua: Félix Mendes, 18. Cep: 40.100-020. Garcia - Salva-dor - Bahia - Brasil. [email protected]

1 À Tânia Franco, meus agradecimentos pelas sugestões erevisão do artigo.

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ambições baianas. Trata-se, portanto, de um casoparadigmático, em torno do qual se podemproblematizar questões relativas à presença de umempreendimento global em territórios periféricos.Esse é o objetivo deste artigo, estruturado em duaspartes principais.

Na primeira, aborda-se a reestruturação pro-dutiva, presidida pelo princípio da flexibilidade, eas modificações que vem ocasionando na organiza-ção e funcionamento dos territórios, submetidos ainvestimentos produtivos dotados de extrema mo-bilidade e destituídos das propensões enraizadorasno local, com efeitos socialmente estruturadores.Em paralelo, trata-se das mudanças no papel doEstado, conduzido a um comportamento competi-tivo e empreendedor, e a novo protagonismo dasesferas subnacionais, colocadas em acirrada dis-puta pela atração dos investimentos. Na sequência,privilegia-se a reestruturação produtiva no âmbitoda indústria automobilística em escala global enacional, a nova geografia do setor daí resultante,marcada pela busca dos espaços periféricos e, porfim, procede-se à caracterização do Complexo Fordimplantado em Camaçari.

A segunda parte do artigo atenta para osimpactos da implantação do Complexo Ford naperiferia metropolitana de Salvador e para suaproblematização. Inicia-se com a compreensão dolegado dos tempos da petroquímica, anteriores aosinvestimentos automotivos; em seguida, detém-se naanálise dos efeitos da nova onda industrialrelacionados à geração da riqueza, empregos erendimentos e às mudanças no padrão de urbanizaçãoaté então consolidado e, finalmente, discuteperspectivas do lugar (periferia metropolitana) dentrode uma relação assimétrica como a estabelecida comos negócios globais na era da flexibilidade.

A MOBILIDADE DOS NEGÓCIOS E A COMPE-TIÇÃO ENTRE LUGARES

São vários os estudiosos que vão de encon-tro à ideia de que o desenvolvimento espetacularde técnicas que comprimem o tempo e (quase) eli-

minam a distância – base dos processos dereestruturação produtiva e de globalização – de-semboca numa economia desligada de territórios.Para Veltz (1999), contudo, a imagem de uma eco-nomia pura de fluxos indiferente aos lugares nãose sustenta, sendo contraditória com a crescentepolarização geográfica das atividades: as cidadesmundiais, concentrando uma parte cada vez maisconsiderável da riqueza e do poder, estariam longedo “universo a-espacial da teleatividade”.

Mas também é verdade que tal concentra-ção de poder, pensada em relação às corporações,está associada ao incremento da capacidade dedispersão geográfica dos negócios da era flexível.Como assinala Harvey (1994), o capitalismo estáse tornando um sistema cada vez mais “organiza-do” através da mobilidade geográfica e das respos-tas flexíveis nos âmbitos da produção e do consu-mo, mediante contínua inovação tecnológica, deproduto e institucional.

Para Veltz, trata-se do desaparecimento pro-gressivo e rápido do mundo “bem organizado pelaproximidade e pela distância geométrica”. Nessecontexto, de drástica redução dos custos de trans-porte e de comunicação, de troca instantânea deinstruções e informações de ou para qualquer par-te do mundo, e de minimização das tradicionaisrestrições locais relativas a fontes de matérias-pri-mas e mercados, as relações horizontais entre polosde atividade são, com frequência, maisdeterminantes que as relações verticais entre eles esuas periferias, regionais e até nacionais. Enfim,“a economia global está imediatamente presente naeconomia local” (Veltz, 1999, p. 60), ainda que issoesteja impregnado do distanciamento, criado pelamundialização, entre o espaço das grandes empre-sas e a vida das sociedades locais.

Os novos termos dessa dispersão geográfi-ca das atividades econômicas ou, para Veltz (1999),da multilocalização, estão relacionados com osnovos modos da competição global e com aracionalidade organizacional das empresas sob oprincípio da flexibilidade.

Quanto ao primeiro aspecto, trata-se da exa-cerbação da competitividade nos mercados,

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centrada na variedade e na capacidade de reação,dando lugar às ondas de investimentos cujo obje-tivo principal – adquirir posições no mercado – ébuscado numa corrida na qual a rapidez e os efei-tos de imitação desempenham uma função essen-cial. Essa intensificação da competição, agregada àabertura das economias nacionais – novidade paraos paises latino-americanos, especialmente o Bra-sil, a partir dos anos 1980 e 1990 –, reforçaramconsideravelmente o grau de incerteza para asempresas e a importância de diferenciais (qualida-de, variedade, reatividade) na competitividade. Aessa diferenciação crescente dos produtos, bens eserviços corresponderia a passagem de uma com-petição centrada nos preços, para uma competiçãofocada, simultaneamente, no preço e na diferenci-ação ou, ainda, de uma economia mundial domi-nada pela oferta, para uma economia mundial do-minada pela demanda2 (Veltz, 1999).

Diante dos novos termos da competitividade,entende-se o afinco das corporações para com oprincípio da flexibilidade, que permite areconfiguração interna de recursos, sobretudoquanto ao uso do trabalho e, ao mesmo tempo, aexternalização das limitações, riscos e incertezas.Em qualquer caso, constitui uma estratégia funda-mental na gestão empresarial, embora tenha seuslimites, razão pela qual, ao lado das estratégiasflexibilizadoras, observa-se o desenvolvimento detodo tipo de dispositivos de garantia como outratendência fundamental.

A geografia associada a tais estratégias nãose explicita na oposição entre “um mundo de pe-quenas empresas flexíveis e inovadoras, suportefundamental da territorialização da economia, e umuniverso rígido de grandes empresas atracadas aosmodelos da produção em série e indiferentes aosterritórios” (Veltz, 1999, p. 13). Afastando-se doenfoque dos “distritos industriais”, revitalizado

como paradigma da flexibilidade a partir do suces-so da Terceira Itália, o autor lembra que aquelasestratégias concernem tanto às pequenas quanto –e, sobretudo –, às grandes empresas. Estas lide-ram as mudanças produtivas e organizacionais queacabam por tornar cada vez mais imbricadas asdiferentes escalas empresariais.

À mesma linha de argumentação filia-seMarkusen (1995), ao pesquisar áreas de atração deinvestimentos nesse ambiente de hipermobilidade.Segundo a autora, não são apenas os novos distri-tos industriais3 – formados por firmas pequenas einovadoras, articuladas em um arranjo cooperati-vo de âmbito e direção regionais e com capacidadede adaptação e crescimento apesar das tendênciasda globalização – as estruturas que se cristalizamem meio à crescente mobilidade do capital. Suasanálises mostram que experiências bem diversastêm conduzido àquela atração, com ênfase não naspequenas firmas, mas na força de governos e decorporações multinacionais na configuração dedistritos industriais.4

O desacordo com a supremacia do paradigmados distritos também se revela na supervalorizaçãoda escala local (e da microlocal), contrariando evi-dentes preferências geográficas em favor das grandescidades, das regiões densamente povoadas e dasmetrópoles (Veltz, 1999; Markusen, 1995). Isso re-mete, de volta, à questão do território e seu papel nadinâmica da produção flexível. Ela carrega um gran-de paradoxo, uma vez que a economia avançada semove cada vez mais no “extraeconômico” e, nessemovimento, o território, como “estrutura de orga-nização, de interações sociais, e não como uma

2 Na nova multinacionalização, não deixam de estar pre-sentes as tradicionais vantagens - estratégicas, competi-tivas e comparativas – características das décadas de 1960e 1970, utilizadas concomitantemente, em graus dife-rentes conforme os países, os setores, as empresas e asconjunturas. Entretanto, os fatores de então não teriamhoje o mesmo significado, assim como a ideia de vanta-gem absoluta, sobretudo tecnológica, reaparece com vi-gor (Veltz, 1999).

3 Markusen constata ser rara a ocorrência desses novosdistritos fora da Europa e dos Estados Unidos. Os exem-plos tomados referem-se aos Distritos Italianos (da Ter-ceira Itália) e às experiências high tech americanas deOrange County e do Silicon Valley, com grandes diferen-ças entre si, sobretudo quanto aos resultados sociais. Aexperiência italiana é permeável à influência dos sindi-catos e tem fortes laços comunitários, enquanto, nasexperiências americanas, a cooperação mal transcende a“esfera do capital”, tendendo para um “extremadoconservadorismo laissez-faireano [...]” (Markusen, 1995,p. 20-21).

4 A diversidade de formas espaciais é demonstrada porMarkusen através de experiências nos Estados Unidos,Japão, Coreia do Sul e Brasil e da farta literatura sobre“especialização flexível” ou “novos distritos industri-ais” (Markusen, 1995).

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reserva de recursos sem passado e sem futuro” (Veltz,1999, p.14), desempenha uma função essencial.

O paradoxo se completa com a questão das“temporalidades”: por um lado, a globalização ace-lera os ritmos, impondo uma “economia da veloci-dade”, na qual as empresas são progressivamentedevoradas pelo curto prazo, em razão das incerte-zas ligadas aos novos termos da competição mun-dial, à financeirização da economia e ao domínio dalógica dos investidores que eleva os ganhos de ca-pital ao tempo em que reduz horizontes. Por outrolado, a competitividade da economia “real” acionarecursos que não podem ser criados e renovadossenão na estabilidade e ao longo do tempo, taiscomo as habilidades dos trabalhadores, a confian-ça nas relações entre atores, a capacidade coletivade manipular os sistemas técnicos cada vez maissofisticados e frágeis, além das externalidades domeio físico que, resultantes da combinação demúltiplos processos e agentes, tipificam os teci-dos urbanos (Veltz, 1999).

O território seria um elemento-chave na ar-ticulação dessas temporalidades: em certa medi-da, permite “reduzir” os ritmos, dando acesso àque-les “recursos lentos” da competitividade. Entre-tanto, ao mesmo tempo, e nas grandes cidades, oterritório configura

... una máquina formidable para acelerar los flu-xos, para vincular los ritmos del consumo y de losmodos de vida con los de la producción e el capi-tal, para limitar la incertidumbre garantizando alas empresas las amplas posibilidades deexternalización de los riesgos (por ejemplo, me-diante el uso masivo de la subcontratación) y elacceso a los mercados más flexibles del trabajomás cualificado (Veltz, 1999, p. 15).

Como alerta o autor, tais tensões temporaisrecaem, sobretudo, sobre os indivíduos, famílias ecomunidades locais, e estão também na origem dasintensas desigualdades concentradas nas grandescidades, refletindo o choque entre aquelacompulsão e a ausência de perspectivas de grandeparte da população.

No atual contexto da economia da velocida-de, da incerteza e da flexibilidade, as virtudes dasmetrópoles, embora realçadas, não implicam ne-

nhum determinismo geográfico: as vantagens dostecidos metropolitanos não desqualificam outrasformas de desenvolvimento territorial. O que, ali-ás, condiz com aquela outra dinâmica fundamen-tal da economia globalizada, a de operar pela di-versidade. Esta seria controlada, e não suprimida,numa estratégia que supõe estreita articulação comas especificidades locais dos mercados e dos con-textos sociopolíticos. Isso se daria – distinguindoa multilocalização de hoje da anterior – medianteuma centralização crescente e uma diversificaçãodas normas sócio-organizativas (a exemplo das po-líticas salariais, níveis de pessoal, formas jurídi-cas das filiais etc), com o objetivo de adaptar-se, omais possível, às especificações locais (Veltz, 1999).

Assim, a mobilidade lograda pelo capital,além de não implicar indiferença territorial, embo-ra possibilite a dispersão geográfica e a prolifera-ção de arranjos espaciais, tira o enraizamentoterritorial do âmbito exclusivo dos interesses doslugares, para colocá-lo, também, na raia dacompetitividade das empresas e das economias.Ao lado da potencialização da seletividade geográ-fica, esse compartilhamento dos interesses em tor-no do enraizamento territorial tem uma dimensãopolítica inequívoca, o que será delineado melhorcom a compreensão do novo papel do Estado.

Ficou muito difundida a ideia de que osEstados estariam batendo em retirada, uma vezinexoravelmente superados pela força daglobalização. Isso requer abordagem mais cuida-dosa, pois parece tratar-se da redefinição da atua-ção estatal e, algumas vezes, até do seu reforço,num ambiente no qual as empresas requerem rela-ções mais fluidas, no lugar das estratégias de con-trole e compromisso vividas antes da era flexível.Com efeito, Veltz (1999) salienta que a articulaçãoentre políticas setoriais tradicionais (como a in-dustrial) e outras formas de políticas estatais(macroeconômica, de ordenação do território, deacolhimento do investimento estrangeiro, de de-senvolvimento local, etc.) ficou problemática, emvirtude da dissociação entre o espaço das empre-sas e os espaços públicos institucionais.

Dentre as principais tendências a respeito,

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o autor se refere ao debilitamento das políticas deincentivo ao investimento, em contraste com o in-cremento das ajudas à exportação. Outra consisteem que as políticas industriais se tornam menosverticais (específicas de um setor, por exemplo) emais horizontais, objetivando melhorar o funcio-namento geral dos mercados e influir em fatorestransversais (como pesquisa e desenvolvimento ea formação).

Uma terceira tendência se traduz nacentralidade das políticas relativas ao investimen-to estrangeiro e na sua propensão a passarem docontrole à abertura. Os Estados nacionais tentammanter certo controle sobre os fluxos, ao tempoem que abrandam sua desconfiança em relação àsempresas. Estas, sobretudo as grandes, se conver-tem, fundamentalmente nos países em dificulda-des, “em colaboradores mimados, aos quais há quese tentar seduzir e fixar a todo custo [...] O atrativodo território se converte em objeto principal daspolíticas públicas” (Veltz, 1999, p. 136). Tal incli-nação seria marcante em países em vias de desen-volvimento, que revisaram seus critérios de inves-timento num sentido bem mais liberal. Tradicio-nalmente, eles compunham um esquema no qualnormas restritivas impostas às empresas estran-geiras eram compensadas com a garantia de acessoa mercados fechados. O desmanche desse siste-ma, a partir dos anos 1980-1990, deu lugar a umaconcorrência aguda entre espaços nacionais pelaatração de empresas então completamente refratá-rias a regras e limitações. Entretanto, adverte oautor, isso não impede o ressurgimento localizadode medidas de monitoramento análogas àquelasdos anos 1960-1970, a depender das relações deforça dentro do jogo estratégico que se dá entreEstados e entre Estados e grandes empresas. Portrás dessas inclinações gerais, que traduziriam aforte imbricação entre as estruturas estatais e a eco-nomia privada, mesmo nos paises teoricamentemais liberais, observa-se, de forma generalizada,uma grande dificuldade na organização daquelaspolíticas dentro de conceitos ou objetivos federati-vos (Veltz, 1999).

Não apenas entre Estados nacionais se pro-

cessa aquela concorrência, mas, desde os podero-sos movimentos no sentido da descentralização,também entre os espaços subnacionais, contribu-indo para essas dificuldades em torno da unidadeda federação.5 A acirrada disputa por investimen-tos, mediante toda sorte de benefícios e subsídios,se baseia em estratégicas diferenciações locais:

... o poder local se reconstitui no sentido de cons-truir um sistema regulatório que guie as práticasda vida cotidiana, através do qual se diferenciede outras localidades com as quais disputa a “hos-pedagem” de novos investimentos externos. In-tensificam-se as diferenciações entre as locali-dades, o que acentua a fragmentação territorial eregulatória no interior de uma mesma nação(Fernandes, 2001, p. 33).

As escalas subnacionais vão se qualificarnessa disputa através de uma série de práticas,desde aquelas anteriormente reguladas nacional-mente (como as disputas entre capital e trabalho),até a oferta das condições gerais de reprodução davida urbana (as várias políticas sociais), passandopela qualificação da mão de obra, produção de es-paço construído, logística e infraestrutura locais.Embora possam representar melhoria de condiçõesde vida da sociedade em geral, são respostas mui-to mais às exigências locacionais das empresas doque às mobilizações sociais locais, dada a relaçãoassimétrica estabelecida por essas partes. Nessaassimetria, segundo Fernandes (2001, p.34), opoder local costuma “inverter prioridades, desvi-ando recursos públicos para atender aos interes-ses corporativos [...] além de intensificar diferen-ças entre níveis salariais e arranjos nas condiçõesde trabalho”, resultando em estruturas sociaisterritorialmente divergentes e em mercados de tra-balho altamente fragmentados.

Essa espécie de concorrência “espúria” com

5 No Brasil, a trajetória das políticas de desenvolvimentoilustra as mudanças na atuação do Estado. A partir dosanos 90, ajustes neoliberais comandam as decisões gover-namentais, na contramão das políticas desenvolvimentistascom que eram enfrentadas, até então, as desigualdadesregionais, dificultando o planejamento de médio e longoprazos e a priorização de atividades produtivas e regiões. Asmais atrasadas, como a Nordeste, desaceleradas suas eco-nomias, lançaram-se, com o argumento da desigualdaderegional, mas sem o guarda-chuva do desenvolvimentismo,na disputa pela atração de investimentos de que o episó-dio da Ford na Bahia é emblemático (Guimarães Neto,2004).

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as localidades rivais corresponde a um estilo maisempresarial de gestão, como sugeriu Harvey (1996),com a idéia de “empresariamento urbano” substi-tuindo o “gerenciamento urbano”. Assim:

Planejadores e autoridades locais são persuadi-dos a adotar uma postura mais pró-ativa e em-presarial [...] de suporte ao capital privado, in-cluindo o uso de financiamentos de alavancagem,subsídios diretos, parcerias público – privadas eremoção de restrições regulatórias como medi-das para tornar investimentos mais atrativos eassegurar o envolvimento do setor privado narevitalização urbana (Swyngedouw et al., apudFernandes, 2001, p. 38).

Tamanho zelo com o empreendimento pri-vado deve encontrar alguma forma de legitimação,o que dota as novas políticas do local de outrastantas estratégias dirigidas para a formação de iden-tidades territorialmente determinadas, de um cha-mado “patriotismo local”, requisitado para a cons-trução de um “consentimento concertado” queviabiliza politicamente aquela, não raras vezes, in-versão de prioridades (Vainer, 2000; Arantes, 2000;Fernandes, 2001).

Em nome da luta contra o inimigo, no quala crise transforma as localidades concorrentes, osconflitos intraurbanos são esvanecidos sob a idéiada pátria local. O consenso assim constituído im-plica o reforço da tradicional e pragmática solidari-edade entre poder público e setores empresariais,agora com a coadjuvância (ou protagonismo) degrupos transnacionais, todos movidos por forteconcorrência e seduzidos pelo crescimento dascidades. Essa convergência de perspectiva – quediz mais respeito às elites urbanas, que aos de-mais habitantes e (ou) usuários da cidade – radicano pressuposto de que, sem crescimento, a cidadedesvaloriza-se e, junto com ela, os ativos nela imo-bilizados. Nenhuma novidade, lembra Fernandes(2001), não fosse tal ameaça potencializada pelascaracterísticas destes tempos de globalização(relocalizações de investimentos, competitividadeacirrada entre localidades, taxas de crescimentobaixas, etc).

O apoio governamental, por sua vez, é obti-do mediante a adesão da população local às metasde crescimento, pela via do já mencionado patrio-

tismo local, construído sobre valores culturais e,dada a crise, sobre o velho argumento dos novosempregos, questão particularmente cara aos seg-mentos populares e de enorme centralidade polí-tica por força da reestruturação produtiva. Eficazcomo marketing, o argumento do emprego é, nomínimo, inconsistente, quando emitido pela esfe-ra local, cuja margem de manobra, nesse aspecto,é insignificante. Como é sabido, são as políticasmacroeconômicas aquelas de maior efeito sobre onível de emprego, apesar das desregulações na vidaurbana e dos incentivos empreendidos pelas esfe-ras locais, justamente para atrair novos investimen-tos. Tais procedimentos resultam em altíssimo ônuspara o poder público (custos relativos à renúnciafiscal e aos incentivos disponibilizados) e em ele-vados custos sociais (pelas perdas salariais e tra-balhistas decorrentes das desregulamentações nomundo do trabalho, pela elevação dos custos davida urbana – da terra e das mercadorias em geral– e pelo dreno dos recursos públicos das áreassociais).6

Aqui caberia retomar Veltz (1999), quandoquestiona sobre as possibilidades de o Estado e asinstâncias subnacionais, em particular, fazeremmais que tentar seduzir os investidores, nacionaisou estrangeiros. Ou seja, indagações sobre se ha-veria lugar para políticas mais seletivas, nas quaisas instituições públicas já não se contentassem emadministrar as condições gerais para o desenvolvi-mento econômico e em “vender” bem seus recur-sos, mas fossem, verdadeiramente, atores que ori-entam as trajetórias do sistema produtivo.

O autor não se alinha com o pensamentosegundo o qual a dissociação entre o espaço dasempresas e o das nações seria tal, que uma claraopção teria de ser feita. Nessa lógica, a política es-

6 Nos países menos avançados, esse empreendedorismourbano conta com as agências multilaterais de financia-mento, entre as quais se destaca o Banco Mundial, difusorde “... métodos de planejamento urbano sensitivos aomercado” e da escala local – a municipalidade – paraefeito do desenvolvimento econômico. O Brasil dos anos90 vivencia o interesse crescente nas estratégias compe-titivas para atração de negócios, então identificadas nagestão de cidades como o Rio de Janeiro, Curitiba e San-to André, exemplos recorrentes das melhores práticasdisponibilizados pelos estrategistas de cidades(Fernandes, 2001).

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tatal teria como único objetivo o de incrementar acompetitividade nacional (ou da região, da cida-de), desenvolvendo suas infraestruturas materiaise imateriais. Por sua vez, as concepções de atraçãode investimentos e de políticas públicas que dei-xam maior margem de manobra ao Estado, funda-mentalmente através de uma política mais seletiva,teriam, reconhecidamente, margem estreita. Paraescapar de tais polarizações, dever-se-ia transcen-der o meramente econômico, para apreender o ter-ritório como uma “estrutura ativa [...] e não somen-te como um perímetro/receptáculo das atividades”[...] os territórios não são campos de manobra, se-não atores” (Veltz, 1999, p. 138). E o Estado nãoseria a base estritamente técnica da economia (pro-vedor de formação, de infraestruturas materiais,sociais etc), mas a dimensão da coesão social e con-dição da própria eficiência do sistema econômico,como visto na era gloriosa do capitalismo.

A reestruturação global da indústria automo-bilística e a busca pelos espaços periféricos

As circunstâncias internacionais que cer-cam a vinda da Ford para a Bahia remetem ao pro-cesso de reestruturação produtiva que vem alte-rando, drasticamente, a indústria automobilísticaem âmbito global, sobretudo a partir dos anos 1980,impulsionado pela 3ª revolução tecnológica de basemicroeletrônica e associado a mudanças nos pa-drões de gestão da produção e do trabalho e nageografia do setor em escala mundial.

A reestruturação produtiva tem sido asso-ciada à crise que se abateu, na virada dos anos1970 para os 80, sobre a produção em massa, sis-tema produtivo iniciado pela Ford – daí a denomi-nação de fordista – adaptado pela General Motorse assim difundido, a partir dos anos 1940, porquase toda a estrutura produtiva capitalista, esta-belecendo-se como paradigma dominante em pra-ticamente todos os sistemas de montagem no mun-do ocidental.

Baseado na produtividade obtida à custa daexploração de escalas crescentes vis a vis um mer-

cado de consumo de massa, esse sistema entra emcrise devido à sua rigidez diante de uma demandapor renovação e diversificação, num mercado cadavez mais concorrencial e internacionalizado. A crisedo trabalho dos fins dos anos 1960 – expressão darecusa, por parte dos trabalhadores, do modeloorganizacional estabelecido e das dificuldades decumprimento dos pactos trabalhistas por parte dasempresas – e as crises monetária e do petróleo, noperíodo 1971-1974, completam o quadro de esgo-tamento do sistema de produção em massa ou, nomínimo, de estancamento de sua difusão nos mol-des até então verificados.

Nesse contexto, consolida-se outro sistemade produção, de origem japonesa, desenvolvidoem larga medida pela Toyota Motor Company (e,por isso, inicialmente conhecido como toyotismo),bastante distinto do modelo de produção em mas-sa, porque adaptado às condições do Japão pós-guerra, defrontado com mercados pequenos e in-certos. Assentado numa estratégia de “reduçãopermanente dos custos com volume constante”(Toyota) e na “inovação e flexibilidade” (Honda), oassim configurado modelo japonês vai resultarnuma notável performance das firmas que o con-ceberam e, sob o rótulo de produção enxuta, apa-recer como a alternativa mais coerente com ummundo em profundas mudanças.

Na verdade, a disseminação da produçãoenxuta embute uma diversidade de modelos. Nãose estaria, portanto, diante de um modelo único,acabado, mas de uma trajetória na qual

mais pragmáticos, os dirigentes das firmas de-claram voluntariamente, hoje, pesquisar e apli-car as ‘melhores práticas’ constatadas em quais-quer que sejam seus concorrentes (Boyer;Freyssenet, 2000, p. 17).

Entretanto, a adição das “melhores práticas”em todos os domínios da gestão (concepção, fabri-cação, compras, distribuição) não seria suficientepara garantir o melhor desempenho. Tal automatismonão combina com a diversidade de condiçõesmacroeconômicas e sociais nas quais evoluem asfirmas, suas escolhas estratégicas e seus sistemasde produção, mesmo se verificadas algumas conti-

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nuidades e convergências. Com efeito, a noção demodelo em elaboração mediante combinações di-versas de elementos novos e já consagrados tem severificado empiricamente, como indicam os váriosestudos sobre os novos investimentos automotivosno Brasil que, sob o signo geral da produção enxu-ta, caracterizam-se mais pela diversidade que porsemelhanças (Ramalho, 2004, 2006 e 2006a; Abreu,Beynon, Ramalho, 2006; Sako, 2006; Garcia, Gui-marães, 2006; Neves, Carvalho Neto, 2006).

Sendo um modelo em “fazimento”, caracte-riza-se por um elevado grau de experimentalismo,para o que os locais periféricos têm sido úteis, sus-citando mudanças a todo o momento e implicandouma tensão permanente, sentida por todos os en-volvidos no processo. Em geral, a busca por inova-ções tem promovido uma radicalização da estraté-gia japonesa, levando-a às últimas consequênciascomo um “princípio permanente de tensão, que temcomo objetivo [...] conseguir, na empresa, ainternalização da gestão da mudança” (Coriat apudTeixeira; Vasconcelos, 1999, p. 18).

A despeito da diversidade de trajetórias ede modelos industriais estabelecidos, pode-se,sobretudo para a Ford, traçar as linhas gerais des-se processo de transição. Uma primeira mudançase refere à passagem da automação rígida, baseadaem máquinas “dedicadas”, fundamentais ao con-trole da produção fordista, para a automação flexí-vel que, com os avanços da microeletrônica, éprogressivamente viabilizada com o desenvolvi-mento de máquinas de comando numérico, robôse sistemas informacionais os mais diversos. Comisso, não apenas os controles tornaram-se maisconfiáveis e menos caros, potencializando o pró-prio avanço da automação flexível, como tambéma sua utilização permite, agora, a fabricação de umamplo mix de produtos, possibilitando a estraté-gia de sua diferenciação, de modo a enfrentar osmercados saturados e (ou) sob intensa disputa emescala mundial (Alban; Souza; Ferro, 2000;Uderman; Cavalcante, 2004).

Outra mudança diz respeito aos novos re-querimentos do trabalho, traduzidos na “multifun-cionalização”, que consiste numa mão de obra al-

tamente treinada em várias funções, possibilitan-do não só a operação das máquinas flexíveis, comoa rápida reconfiguração de todo sistema produtivo,sempre que necessário. Em flagrante oposição aosrequisitos de especialização do trabalhador fordista,essa polivalência, associada a estruturas hierárqui-cas horizontalizadas e à manipulação de máquinasde controle microeletrônico, tem resultado numaredução significativa dos empregos na linha demontagem e na intensificação do trabalho em escalasem precedentes (Alban; Souza; Ferro, 2000).

A chamada qualidade total corresponde aoutra quebra da rigidez fordista, constituindo-secomo “uma alternativa à qualidade amostral da pro-dução em massa”. Tomada como um princípio deaperfeiçoamento constante do processo produtivo,mediante a participação ativa do trabalhador, impli-ca a assimilação da tensão como elemento perma-nente do ambiente de trabalho, fundamental para ainternalização da noção de mudança, tão cara aosmodelos flexíveis (Alban; Souza; Ferro, 2000).

Articulando esse conjunto de mudanças,desenvolveu-se o sistema Just in time (JIT) degerenciamento, caracterizado por baixos estoquesassociados a requerimentos de fornecimento depeças e componentes “no tempo certo” e na “quan-tidade certa”. O sistema JIT não apenas significamudanças radicais na tradicional relação verticalentre montadoras e fornecedores, mas também umaprofunda reconfiguração espacial da indústria au-tomobilística. Operando de maneira integrada – complantas de autopeças “dedicadas” –, tais empresasnão precisariam se situar junto aos polos tradicio-nais, podendo escolher localizações mais favorá-veis em função dos custos de matérias-primas einsumos, transportes, mão de obra e, sobretudo,dos incentivos fiscais. Para as empresas, as vanta-gens advindas desse sistema são claras:

... as montadoras assumem um enorme poder debarganha, estabelecendo um verdadeiro leilãode incentivos fiscais entre as diversas regiões in-teressadas. Foi exatamente isso o que asmontadoras japonesas fizeram ao entrar no mer-cado americano, sendo logo copiadas pelas euro-péias e, também, pelas próprias americanas namedida em que estas se adaptaram à produçãoenxuta. (Alban, Souza e Ferro, 2000, p. 14).

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É com o advento da produção enxuta queos incentivos fiscais, de fato, ganham relevância.Até então, os incentivos à relocalização eram prati-camente inviabilizados pelas vantagens da “pola-rização concentrada”, ao tempo em que a atuação,de forma não-integrada, impossibilitava a coorde-nação de uma mudança espacial de todo o sistema– montadoras e fábricas de autopeças. As novasbases tecnológicas, produtivas e organizacionaisvão se constituir, portanto, em mecanismos fun-damentais para o enfrentamento da crise da in-dústria automotiva, redesenhando a espacializaçãodo setor em escala mundial e conferindo aos in-centivos fiscais um papel sem precedentes.

A essa enorme mobilidade lograda com aprodução enxuta soma-se outra característica dosnovos arranjos entre montadoras e fornecedores,de importância crescente a partir dos anos 1990,colocada nos seguintes termos:

Entre as medidas tomadas por certas firmas ame-ricanas e européias e mais recentemente por fir-mas japonesas, para reduzir seu ponto morto,melhor controlar a variedade e ter uma capaci-dade ampliada para se ajustar às variaçõesconjunturais da demanda, há uma comconsequências ao mesmo tempo mundial e cer-tamente de longa duração: a externalização denumerosas atividades de concepção e de fabri-cação em benefício de fornecedores de primeiralinha, independentes ou que assim se tornaram.Os fornecedores foram colocados de fato em po-sição de estruturar e gerenciar a fileiraautomotiva no seu setor de competência. Elesadquiriram uma importância, cujo amanhã nosdirá se as montadoras estarão em condições decontrolá-los (Boyer e Freyssenet, 2000, p. 33).

Na mesma direção, mas deixando entrevero comando das montadoras na externalização deatividades, Teixeira e Vasconcelos (1999) interpre-tam que as empresas automobilísticas

... estão tentando seguir uma linha que as trans-forma de fabricantes de veículos em vendedoresde serviços de consumo7 [...] a esta integração

para frente, corresponde uma retirada dos seg-mentos a montante: as empresas estão vendendosuas próprias fábricas de autopeças de acordocom a tendência de se desvencilharem, cada vezmais, das atividades diretas de produção8

(Teixeira e Vasconcelos, 1999, p. 18).

Assim, as montadoras têm buscado transfe-rir, para os fornecedores, atribuições antes consa-gradas como atividades típicas dos fabricantes deautoveículos e, consequentemente, destes têm re-cebido não somente peças, como também compo-nentes complexos já montados, com claros efeitossobre a redução de estoques e de logística.9

Essa tendência à estruturação de uma “ca-deia totalmente integrada” evidencia-se, num pri-meiro momento, na constituição dos “distritos in-dustriais”. Neles, as empresas que formavam acadeia clientes-fornecedores buscavam reduzir seuscustos de transporte de produtos, assistência téc-nica e manutenção industrial através da localiza-ção mais próxima entre elas. A fábrica da Fiat, ins-talada na Região Metropolitana de Belo Horizonte,ainda na segunda metade dos anos 1970, é umexemplo. Tais arranjos evoluem, nos anos 1990,

... para experimentos como a criação de consór-cios modulares e a formação de condomínios in-dustriais, a vanguarda corrente de inovação nasrelações montadoras-fornecedores (Uderman;Cavalcante, 2004, p. 5).

O consórcio modular pressupõe umaterceirização radical, na qual os fornecedores sãoresponsáveis pela montagem e por garantir osmódulos de montagem, enquanto a montadora, quedá a “marca”, faz a supervisão e o teste dos veículosproduzidos. A Volkswagen de Resende, no Rio deJaneiro, implantada em 1996, tipifica esse arranjo.

Mais recentemente, surgem os condomíni-os industriais, colocados em posição intermediá-

7 Tal tendência também tem sido impulsionada pela dinâ-mica da globalização associada à liberalização da circula-ção de capitais, que realçou a importância dos acionis-tas, atores das empresas situados, até então, em posiçãomais discreta. Eles começaram a exigir remuneração cadavez maior para seus capitais móveis, forçando a adoçãode uma série de medidas e direcionando as empresaspara atividades potencialmente mais rentáveis, como osserviços ligados ao automóvel (Boyer; Freyssenet, 2000).

8 A exemplo da Volkswagen, que já teria definido umalinha estratégica que a levaria a transformar-se em umaempresa de projetos, marketing e serviços, sem ativida-des diretas de produção. No consórcio modular da em-presa em Resende, Rio de Janeiro, até a montagem finaldos caminhões VW é terceirizada.

9 Enquanto as montadoras tradicionais trabalhavam com1000 a 2000 supridores diretos, as japonesas lidam com100 a 200. Na produção fordista ocidental, as montadorasrespondiam pela fabricação de 70% dos componentesutilizados, ao passo que, na produção enxuta, essa pro-porção se reduz para 30% (Teixeira e Vasconcelos, 1999).

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ria entre os distritos industriais e o consórcio mo-dular, cujos exemplos destacados, o da Ford emCamaçari, Bahia (inaugurada em fins de 2001) e aGeneral Motors em Gravataí, Rio Grande do Sul(implantada em 2000), guardam diferenças entresi. De um modo geral, o condomínio industrial éconfigurado quando as montadoras reúnem, aoredor de sua fábrica, seus principais fornecedo-res, definindo partes ou módulos a serem produ-zidos e estipulando que lhe construam plantasdedicadas. Atuando no mesmo sítio – e muitasvezes na mesma edificação –, montadoras e forne-cedores constroem relações de dependência mú-tua, numa espécie de rede hierarquizada, na quala montadora detém o domínio da estratégia de de-senvolvimento e operação da planta.

Tais arranjos combinam uma estratégia deterceirização com a exigência de coabitação de for-necedores e montadoras. A terceirização, por suavez, alcança tanto as tarefas quanto a propriedadede ativos (Sako, 2006). A variedade desses arran-jos, portanto, resultaria de diferentes padrões depropriedade de ativos, de intensidade e diversida-de da terceirização de tarefas e do grau de proximi-dade das operações dos fornecedores de autopeçase módulos com a dos fabricantes de veículos. OComplexo Ford, de Camaçari, ocuparia uma posi-ção intermediária entre os arranjos de Resende eGravataí.10 Tal variedade traduziria, também, dife-rentes possibilidades de combinações de estratégi-as corporativas com políticas governamentais lo-cais, dentre as quais subsídios e incentivos queimplicam a transferência de ativos para as empre-sas. (Teixeira; Vasconcelos, 1999; Sako, 2006;Abreu; Beynon; Ramalho, 2006)

Apesar dessa variedade, todos os novos ar-ranjos produtivos buscam diminuir custos e

flexibilizar o risco do investimento. Ao operar umcondomínio industrial – o caso da Ford é exemplar–, a montadora não está apenas firmando contratosde fornecimento, mas também compartilhando osinvestimentos necessários com seus parceiros e,sobretudo, dividindo os riscos do empreendimen-to. Assim, “... torna-se mais fácil descontinuar oprojeto e reiniciá-lo em qualquer outra parte domundo, caso as condições locais não permaneçamfavoráveis” (Teixeira; Vasconcelos, 1999 p. 23). Essapossibilidade é também salientada como uma estra-tégia de “minimização das barreiras à saída” (Lung,2000), especialmente importante diante das incer-tezas dos mercados emergentes, locus privilegiadodos recentes investimentos automobilísticos. Nes-ses mercados, os novos arranjos produtivos têm sedirigido para territórios virgens na produçãoautomotiva e nas tradições trabalhistas e sindicaisvinculadas ao setor, bem como de governança me-nos estruturada, facilitando o alcance das metas deflexibilidade e inovação permanentes perseguidaspelas montadoras e a obtenção de toda sorte de in-centivos ofertados pelas localidades em troca da atra-ção de investimentos.

Com a corrida das montadoras para os cha-mados países emergentes, novos padrões de locali-zação da indústria automobilística em nível mundi-al se efetivaram a partir dos anos 1990. De fato, osmercados tradicionais, fortemente disputados pe-las empresas japonesas desde os anos 1980, e pelascoreanas, na década seguinte – num desafio àhegemonia das principais montadoras americanase ameaçando a vida das congêneres europeias –,apresentavam sinais de saturação: supercapacidadede produção e taxas baixas de habitantes por carro.

Em vista dessa saturação, a América Latinae partes da Ásia apresentavam-se como mercadospromissores, além de representarem oportunida-des para cortar custos, crescer a produtividade etestar métodos inovadores de produção e de ar-ranjos organizacionais, metas neles mais factíveis.Ademais, nesses territórios, potencializados pelaconstituição dos mercados regionais, como oMercosul, tal movimento foi facilitado por umambiente amigável aos investimentos estrangeiros

10 A Ford de Camaçari e a Volkswagen de Resende sãoproprietárias de terrenos e edificações usadas pelos for-necedores. Na GM de Gravataí, esses itens são detidospor cada empresa do arranjo; em 2004, o número defornecedores no local de montagem variava de 7 (VW,Resende) a 21 (Ford, Camaçari) e o percentual de empre-gados das montadoras sobre o total de empregos era de22,5% (VW, Resende), 43,5% (Ford/, Camaçari) e 69,6%(GM, Gravataí)(Sako, 2006). Na Ford de Camaçari, nãohá a integração radical de Resende, mas não há a separa-ção entre montadora e fornecedores da GM de Gravataí(Teixeira; Vasconcelos, 1999).

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diretos, resultado da liberalização comercial quemarcou o ajuste à ordem globalizada e que signifi-cou, para a maioria dos países da América Latina,o esgotamento do modelo de substituição de im-portações, base do seu processo de industrializa-ção11 (Uderman; Cavalcante, 2004).

Contudo, as empresas de automóvel estãoengajadas numa corrida para países emergentesnum ambiente de incertezas quanto à evoluçãodesses mercados – desde as de ordem política,envolvendo a liberalização comercial, até a fortevolatilidade da demanda nesses espaços, passan-do pelo crescimento dos fluxos financeiros inter-nacionais (sobretudo dos capitais especulativos),articulado a políticas cambiais e de juros – comefeitos diretos sobre a demanda, os custos e acompetitividade da indústria automobilística.

Quadro no qual “as firmas buscam, antesde tudo, definir formas de investimento adapta-das a este mundo de incertezas” (Lung, 2000, p.57). As duas principais respostas das montadorasa essas incertezas têm sido: a separação da produ-ção e das vendas, com parte da produção destina-da à exportação para outros países industrializa-dos e (ou) emergentes; e a “minimização das bar-reiras à saída” mediante novos padrões de relacio-namento com fornecedores (tal como o condomí-nio industrial, adotado pela Ford de Camaçari).Vale lembrar que a socialização dos riscos entremontadoras e fornecedores se estende a governose comunidades locais, uma vez que as empresassão geralmente beneficiadas por financiamentospúblicos. A propósito, o autor elucida:

As montadoras colocam sistematicamente emcompetição os países ou as regiões suscetíveis dereceber investimentos para fábricas de monta-gem. Os governos e as autoridades locais são,então, estimulados a oferecer subsídios e exone-rações fiscais cada vez maiores. O financiamen-to público pode atingir proporções consideráveis

(ver o caso do Brasil e a pressão exercida pelaFord para seu projeto “Amazon”), diminuindo namesma proporção o volume dos recursos avan-çados pelas montadoras (Lung, 2000, p. 59).

A despeito da incerteza dos mercados emer-gentes, eles parecem se consolidar como a válvula deescape da crise das montadoras tradicionais e comoalvo privilegiado da expansão das empresas japone-sas nos anos 2000, além das chinesas, dentre outras.

A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRA-SIL, A DESCONCENTRAÇÃO ESPACIAL E AVINDA DA FORD PARA A BAHIA

Na primeira onda de investimentosautomotivos de meados dos anos 1950 até o finalda década de 1960, todas as montadoras aqui ins-taladas optaram pelo município de São Paulo eseu entorno, conhecido como a região do ABCD.Esse padrão foi levemente modificado com a se-gunda onda de investimentos, nos anos 1970 e1980, quando montadoras já instaladas decidirampor localizar novas plantas no Vale do Paraíba e,principalmente, quando a Volvo e a Fiat excluí-ram São Paulo de suas cogitações, instalando-seem Curitiba, no Paraná, e no município de Betim,na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Mi-nas Gerais, respectivamente.12 Esse quadro só se-ria revertido nos anos 1990, com a terceira ondade investimentos automotivos favorecida pela aber-tura comercial e a estabilização monetária, que ga-rantiram um ambiente amigável aos investimentosexternos e condições favoráveis de mercado. Di-ante da saturação dos mercados tradicionais, umgrande potencial do mercado local era vislumbra-do com a baixa relação habitantes por veículo, numpaís populoso como o Brasil.13

11 De fato, se, nas décadas de 1950 e 1960, as políticas desubstituição de importações contribuíram para atrairinvestimentos que objetivavam tirar partido dos altoslucros propiciados pelos mercados protegidos da Améri-ca Latina, nos anos 1990, quando se impunha aintegração global, abertura comercial e investimentosestrangeiros diretos pareciam estar altamentecorrelacionados, especialmente no caso da indústria au-tomobilística (Uderman; Cavalcante, 2004).

12 Ainda assim, a região paulista não apenas permaneciacomo principal mercado, como detinha a quase totalida-de do parque produtor de autopeças, sendo que a fugaem relação a esse centro exigia fortes incentivos com-pensatórios, o que de fato se efetivou em ambos os ca-sos (Alban; Souza; Ferro, 2000).

13 Apesar dos baixos níveis de renda per capita e dos eleva-dos índices da concentração da renda, os incentivos aoscarros populares, aliados à estabilização monetária, anun-ciavam possibilidades concretas de expansão desse mer-cado (Alban; Souza; Ferro, 2000).

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No âmbito da liberalização comercial, o setorautomotivo foi beneficiado por uma das poucas açõesde política industrial do período, o chamado Regi-me Automotivo, no qual se vinculava a importaçãode veículos e componentes, mediante baixas tari-fas, ao comprometimento com a produção local(Alban; Souza; Ferro, 2000). Não surpreende que oBrasil tenha se tornado um dos alvos preferidos deinvestimentos no mundo, com mais de um terçodas intenções de investimentos das multinacionaisdo setor industrial no país direcionadas para a in-dústria automobilística, intenções essas comparti-lhadas por quase todos os maiores produtoresmundiais de carros (Uderman; Cavalcante, 2005).

Enfim, com o imenso grau de mobilidadeconquistado através da produção enxuta e suasvariantes, e fugindo a controles – como a organiza-ção sindical característica da localização tradicio-nal – a terceira onda de investimentos automotivosiria incidir, na sua maior parte, fora de São Paulo,conduzida por um processo de competição entreestados brasileiros, um intenso leilão de incenti-vos fiscais, mudando por completo a configuraçãoespacial do setor automotivo no país (Uderman;Cavalcante, 2005; Alban; Souza; Ferro, 2000). Es-tabeleceu-se uma espécie de “dispersão concen-trada”, mantendo-se ainda a forte centralidade deSão Paulo, relativizada, agora, por outras porçõesgeográficas, sobretudo sulistas. Os únicos pontosfora dessa poligonal, salientam Uderman e Caval-cante (2005), são as plantas da MMC Automotorese da Ford de Camaçari, a última implantada. Naluta política pela vinda da montadora para a Bahia,essa centralidade foi arguida contra acusações defavoritismo baiano embutido na “emenda Ford”,apelido da lei que possibilitou o investimento, fi-nalmente sancionada após reavivar velhos emba-tes Nordeste versus Sudeste.14

Quanto à evolução da produção domésticade veículos, os dados da Anfavea evidenciam osalto de cerca de 900 mil veículos em 1990, para

algo em torno de 1,8 milhão, em 2003. Enquantoisso, o emprego total, no mesmo período, caiu dopatamar dos 117 mil para aproximadamente 80 mil,por conta da notável produtividade verificada: arelação veículos por empregado, que era de 7,8 em1990, salta para 23,1 em 2003, significando que,em média, um trabalhador isolado produzia, nes-se último ano, três vezes mais que no início dadécada de 1990 (Uderman; Cavalcante, 2005).

O Complexo Industrial Ford Nordeste emCamaçari , Bahia

Inaugurado em 12 de outubro de 2001, nomunicípio de Camaçari, o Complexo IndustrialFord Nordeste (CIFN) representou um investimen-to da ordem de US$ 1,9 bilhão, o maior da empre-sa em âmbito mundial.15 O montante financiadonão é informado pelas empresas,16 mas a estruturaoperacional do financiamento envolveu institui-ções privadas e estatais.17 Investimento e proprie-dade da Ford, as instalações físicas (prédios,galpões) são cedidas e compartilhadas com assistemistas que investiram na aquisição de seumaquinário, ferramentas e equipamentos18 (Mer-cês, 2005) mas, para sua implantação, o CIFN con-tou, sobretudo, com uma série de ações e compro-missos do Governo do Estado relativos à

14 Trata-se da Lei Federal n. 9826/1999, que ampliou oprazo de habilitação das montadoras no âmbito do Regi-me Automotivo Especial para as Regiões Norte, Nordes-te e Centro-Oeste. Sobre a trajetória da “emenda Ford”ver Franco (2008).

15 Desse valor, US$ 1,2 bilhão coube à Ford e o restante aoconjunto das sistemistas – empresas fornecedoras queintegram o complexo (Mercês, 2005).

16 A imprensa, por ocasião da disputa em torno da vindada Ford para a Bahia, divulgou alguns números dessefinanciamento: o BNDES se comprometeu com R$ 700milhões e o BNB com cerca de R$ 250 milhões iniciais(Franco, 2008).

17 O BNDES financiou máquinas e equipamentos nacio-nais, com Desenbahia e BNB como intermediadores lo-cais; o financiamento de máquinas importadas contoucom recursos do Unibanco ou com capital próprio dasempresas. Compõe ainda a infraestrutura financeira, umalinha de empréstimos do Banco do Brasil e de bancosprivados (como o Unibanco) – até um teto de R$ 400milhões – para micro e pequenas empresas instaladasou que venham a adensar a rede de fornecedores da Fordna Bahia (Mercês, 2005).

18 É um modelo de subcontratação que preserva, nas mãosda empresa-âncora, a propriedade de ativos, de modosimilar ao consórcio modular da VW/Resende, no Rio deJaneiro, e diferente do condomínio industrial da GM/Gravataí, no Rio Grande do Sul (Sako, 2006).

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infraestrutura física19 e social.20

O arranjo produtivo do CIFN é classificadopelos especialistas como um consórcio industrial,com o sistema de produção modular sequenciada,mediante operações just in time e just in sequence– na hora certa e na sequência correta. Dele fazemparte, além da Ford – responsável pela estampa-ria, montagem da carroceria, pintura, montagemfinal e controle de qualidade – trinta e um “parcei-ros”, fornecedores de peças, componentes emódulos diretamente na linha de montagem. Naárea do Complexo, estão instaladas vinte e cincoempresas sistemistas, enquanto outras seis estãolocalizadas fora dele, nos municípios de Camaçari,Dias D´Avila e Feira de Santana (Ford..., 2006),sendo que 88% delas são de pequeno e médioportes, segundo o número de funcionários,21 con-forme Mercês (2005).

A capacidade plena foi atingida no prazopretendido, com “912 veículos fabricados por diaou um veículo a cada 80 segundos” (Ford, 2006...),apesar dos alegados obstáculos.22 Mediante ante-cipações superavitárias das metas intermediárias,as produções de 2003 e 2004 extrapolaram as pre-visões em cerca de 11% e 30%, respectivamente.Do mesmo modo, a meta de exportar 25% da produ-

ção para mercados internacionais foi superada des-de 2002, considerado o marco zero da operação doComplexo. Tal desempenho se deu à custa de eleva-da dependência de compras externas de insumos,peças, componentes e serviços especializados (deestados do sul do país e de outros países), reve-lando a ausência de encadeamentos à montante,tão fundamental ao enraizamento local do comple-xo automotivo (Consórcio..., 2003; Mercês, 2005;Franco, 2008).

As expectativas de geração de emprego tam-bém foram superadas. A meta prevista de cincomil empregos diretos no final de 2005, com a pro-dução na sua capacidade plena, foi atingida emmeados de 2003 e, a partir de agosto de 2004, coma implantação do terceiro turno de trabalho, essenúmero se ampliou, atingindo 8,5 mil empregosdiretos, em 2006. Predominam os contratos for-mais de trabalho, inclusive nas micro e pequenasempresas (Mercês, 2005). Sob o comando da Ford,o gerenciamento dos recursos humanos baseia-senum sistema único, aplicável a todos os emprega-dos do Complexo, do que decorre uma estruturacomum de salários para operadores – mas não paragerentes e engenheiros – aplicada à Ford e a forne-cedores próximos, negociada com o sindicato,filiado à CUT. Das negociações resultou a criaçãodo Comitê de Gestão de Recursos Humanos (G7),composto de sete empresas principais do Com-plexo, para monitorar o sistema de recursos hu-manos e evitar conflitos trabalhistas (Sako, 2006).

Tais conflitos teriam, entre suas motivações,a defasagem dos salários pagos pela Ford em rela-ção àqueles adotados pela empresa na regiãopaulista (cerca de um terço, inicialmente). Apósinúmeras greves e manifestações, os metalúrgicosdo CIFN chegaram a uma média salarial em tornode 45% daquilo que o operacional ganha no ABC.Já do ponto de vista das fornecedoras de autopeças,e confirmando as queixas de muitas das sistemistas,os níveis salariais hoje vigentes estão bem próxi-mos aos praticados nos outros estados – em algu-mas empresas tais níveis superam o da matriz e,em outras, atingem de 70% a 80% do que é prati-cado fora – resultado daquela singularidade da

19 Doação da gleba (469 ha); implantação do arruamento epátios internos à planta industrial dotados de toda ainfraestrutura; melhoria do sistema viário de acesso e doentorno; suporte para as tubulações; fornecimento deenergia elétrica, água potável e gás natural; infraestruturade proteção contra incêndio; captação e tratamento deefluentes industriais e esgotamento doméstico; pátio deresíduos sólidos; sistema de telecomunicações; reflores-tamento ecológico; infraestrutura ferroviária e portuária(Consórcio..., 2003).

20 Investimentos em qualificação profissional e ampliaçãodos recursos de ensino existentes; melhoria e ampliaçãodas condições de atendimento à saúde; estímulo à im-plantação de unidades habitacionais e de lazer para fixa-ção da mão de obra local; ampliação da capacidade deatendimento em creches; investimentos em instalaçõesda Polícia Civil, Militar, Rodoviária e Corpo de Bombei-ros; concessão de linhas regulares de transporte coletivonos municípios de Camaçari e Dias D´Ávila;infraestrutura física para cadastramento, triagem e re-crutamento (Consórcio..., 2003).

21 Por esse critério, a microempresa teria até 20 funcioná-rios; a pequena mais de 20 e menos de 100 empregados;a média mais de 100 e menos de 500, e a grande mais de500. Mercês alerta, contudo, que, se o critério fosse ofaturamento, os resultados seriam outros, já que taisempresas são, na maioria, filiais de matrizes estrangeirascom posições consolidadas no mercado.

22 Obstáculos de natureza diversa, tais como qualificaçãoe (ou) indisponibilidade de mão de obra experiente,logística, etc. Para maiores detalhes, ver Franco (2008).

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gestão local de recursos humanos (Franco, 2008).Os empregos diretos, em 2002, correspondiam,

em sua grande maioria, a níveis salariais baixos:cerca de 55,6% com até dois salários mínimos (SM)de renda mensal; 29% entre dois e dez SM e ape-nas 15,4% acima dos dez SM (Consórcio..., 2003).Não surpreende, portanto, a declaração do presi-dente da montadora, Bill Ford, de que a fábrica deCamaçari estaria a salvo do corte de postos de tra-balho que ocorreria em todo o mundo, particular-mente nos Estados Unidos, até 2005, sob a justifi-cativa de que “é a fábrica com menores custos emtodo o mundo” (Menor..., 2002, p. 3). Trata-se deníveis salariais que, embora defasados em relaçãoa outras praças, sobretudo do Sul e Sudeste dopaís, superam, como advoga a própria Ford, amédia regional e a do município de Camaçari. Jus-tificar-se-iam, assim, os júbilos em torno dos em-pregos do CIFN, ainda que desprovidos dos en-cantamentos que acompanharam aqueles do setorpetroquímico.

A mão de obra empregada é composta por79% de residentes em Camaçari e Dias D’Ávila,sobretudo, e em municípios metropolitanoscircunvizinhos, e por apenas 17% de residentesem Salvador.23 Esse talvez seja o traço maismarcante desses novos empregos, pois, em prin-cípio, inverte a situação construída no ciclopetroquímico,24 em função do requisito da mora-dia em Camaçari (e entorno) para um empregooperacional no CIFN, sacramentado após as nego-ciações entre os governos estadual e municipaisenvolvidos e a montadora, na tentativa de corrigiras disfunções urbanas até então engendradas.

A REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR EMTEMPOS DE INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

A herança da era petroquímica

Segundo o Censo Demográfico de 2000, aRMS,25 com cerca de 3 milhões de habitantes, é asexta área metropolitana mais populosa do país, eSalvador, com 81% desse contingente, situa-secomo a terceira maior cidade brasileira. Essacentralidade demográfica reflete o processo demetropolização de Salvador, desde a sua consti-tuição como a principal praça agroexportadora (aolado de Recife) e como sede do Governo Geral doBrasil, até a sua longa estagnação, decorrente datransferência da capital do país para o Rio de Ja-neiro e, principalmente, da crise da economiaagroexportadora colonial.

Dessa letargia, em que o crescimentodemográfico foi inibido e o tecido urbano se mante-ve praticamente inalterado, Salvador emerge somen-te a partir dos anos 1950, e como novo poloarticulador de uma região urbano-industrial, sob asupremacia da região Sudeste. Essa entrada na rotamodernizante do país se inicia com a implantaçãodas atividades de extração e refino do petróleo (cri-ação da Petrobrás e da Refinaria Landulfo Alves -RLAM), passando pelos investimentos industriaisincentivados dos anos 1960 (Centro Industrial deAratu) e, nos anos 1970, com o Polo Petroquímicode Camaçari. Estratégico para complementar amatriz industrial brasileira com a produção deinsumos básicos e bens intermediários e converti-do no eixo dinâmico da economia regional e baiana,o polo petroquímico representou “o último vagãodo trem da política de substituição de importa-ções”, adotada nacionalmente desde a década de1950 (Souza, 2004).

23 Para maiores detalhes sobre o perfil salarial, residência,nível de escolaridade, diversidade étnico-cultural, jorna-das de trabalho e saúde dos empregados do CIFN, verFranco (2008).

24 Pesquisa realizada em 2002, no universo de trabalhado-res do Polo Petroquímico aponta a seguinte distribuiçãosegundo local de residência: 59% (Salvador); 30,2%(Camaçari); 6,2% (Dias D’Ávila); 3,3% (Lauro de Freitas)e 1,3% (outra localização) (Prefeitura Municipal deCamaçari, 2006).

25 A RMS é composta por dez municípios: Salvador,Camaçari, Candeias, Itaparica, Lauro de Freitas, São Fran-cisco do Conde, Simões Filho, Vera Cruz, Dias D’Ávila eMadre de Deus. Cinco deles concentram os segmentosindustriais de peso na região (química, petroquímica, si-derúrgica, metalúrgica): Camaçari, Dias D’Ávila, SimõesFilho, São Francisco do Conde e Candeias. As unidadesindustriais estão localizadas, sobretudo, no interior daregião, próximas às sedes municipais e, em alguns casos,próximas ao bordo da Baía de Todos os Santos. A exceçãoé a Milenium situada na orla do município de Camaçari.

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Politicamente, tal processo configuraria aversão baiana da modernização conservadora bra-sileira – o carlismo – uma combinação de moder-nização econômica com conservantismo político,mediante a conciliação de interesses políticos comos de setores hegemônicos do capitalismo nacio-nal. Em nome dos interesses da Bahia, combati-am-se dissensões, negava-se o conflito social, re-sultando num “padrão aclamativo de legitimação”,pelo qual se afirmava o moderno, ao tempo emque era truncado o pluralismo político. Tamanha“esterilização do espaço público” inibiu iniciati-vas no sentido da formulação e execução de estra-tégias complementares ou alternativas de desen-volvimento regional, bem como de políticas públi-cas capazes de modificar o quadro social adversoda região (Dantas Neto, 2003).

Principal referência dessa modernização, opolo petroquímico provocou profundos impactos notecido metropolitano. Um deles, definidor do pro-cesso de urbanização da região, é a segmentação qua-litativa do mercado de trabalho, à qual correspondeu,desde o início, uma segmentação espacial. Com efei-to, a quase totalidade dos postos de trabalho demelhor qualidade, gerados nas empresaspetroquímicas ou fora delas, foi ocupada por traba-lhadores residentes em Salvador e Lauro de Freitas.26

Já nos municípios periféricos, principalmenteCamaçari e Dias D’Ávila, o mercado de trabalhopautou-se na precariedade, seja quanto às formasde inserção, seja quanto aos níveis de remunera-ção, estruturando-se em torno das atividades dasempresas prestadoras de serviços e das atividadesde comércio e de serviços ligados ao consumo dapopulação aí residente, todas elas permeadas pelainformalidade (Borges; Franco, 1997).

Estruturou-se, assim, uma rede urbana pe-riférica – localizada mais ao interior da região me-tropolitana, nos municípios de Camaçari, DiasD’Ávila, Candeias, Simões Filho, São Franciscodo Conde e, mais recentemente, Madre Deus – locusde residência e de consumo de grandes parcelas

de trabalhadores cujas precárias condições de in-serção ocupacional e os baixos níveis de remune-ração por ela propiciados fazem da pobreza desseurbano uma redundância. Portanto, o urbano pe-riférico não se constituiu como espaço de consu-mo das camadas de renda média e alta. Elas dãocorpo ao complexo urbano que é Salvador e aosespaços abastados também presentes fora do mu-nicípio da capital, sobretudo na orla metropolita-na – a do próprio município de Camaçari, além deLauro de Freitas –, ocupada, desde os anos 1970,por loteamentos e condomínios de média e altarenda e, agora, segundo a mais recente tendência,por investimentos turísticos sofisticados.

A partir do final dos anos 1980, a economiaregional foi palco de um dos mais precoces ajustesobservados no país, no bojo da reestruturação pro-dutiva, enfática na terceirização, com a qual asempresas responderam à crise e às exigências dacompetitividade global. Não é sem razão que a dé-cada de 1990 vivencia a interrupção do processode estruturação do mercado de trabalho que se vi-nha desenhando até então,27 reforçando o proces-so de periferização da mão de obra, tanto em ter-mos ocupacionais (alargando os segmentos exclu-ídos das relações estabilizadas), quanto em termosespaciais, reiterando a tendência de os núcleos ur-banos dos municípios periféricos se constituíremem local de residência desses trabalhadores. Comefeito, não apenas as terceiras passaram a optar pelalocalização nessas sedes municipais, como passa-ram a adotar o local de moradia próximo ao sítioindustrial como critério de seleção de mão de obra.É nesses termos que a periferia metropolitana ten-deu a se constituir como a franja dos fluxos demigrantes semi ou não-qualificados oriundos dointerior do estado e também, com o arrefecimento

26 Característica que atingia, inclusive, os empregos maisbem remunerados da administração pública dos muni-cípios periféricos.

27 Isso se evidencia com: a queda do peso das atividadesindustriais na estrutura ocupacional da RMS (no ramoquímico e petroquímico, em apenas dez anos, forameliminadas cerca de 16 mil vagas – de 28 mil, em 1989,para pouco mais de 12 mil, em 1999); a tendência àredução do “núcleo estruturado” do mercado de traba-lho versus o aumento dos vínculos empregatícios pre-cários (nos quais se inclui boa parte dos terceirizados); odesemprego, que não apenas se elevou, mas, atingindodesigualmente os segmentos da força de trabalho, pelaprimeira vez afetou a todos; e a redução dos rendimen-tos médios reais dos ocupados (Borges, 2003).

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dos fluxos para a região Centro-sul, observadodesde os anos 1980, de outras regiões do Nordes-te (Borges; Franco, 1997). A esse processo, deter-minado pela (des)estruturação do mercado de tra-balho, se sobrepõem outros, que atuam na consti-tuição de uma periferia urbana com as característi-cas descritas: são os processos originários da valo-rização do solo urbano na capital e do esgotamen-to do seu padrão de crescimento periférico, impli-cando crescentes dificuldades de fixação de seg-mentos de população e de migrantes pobres nomunicípio-sede e sua expulsão para a periferiametropolitana.28

Na década de 1990, as desigualdades entrenúcleo e periferia destacavam a RMS como a por-tadora da maior proporção de pobres dentre asregiões metropolitanas brasileiras, presentes tantono núcleo como na periferia. Entretanto, a perife-ria de Salvador era a mais homogeneamente po-bre, abrigando, bem menos que as demais, estra-tos de renda mais elevados (Borges; Franco, 1997).No início dos anos 2000, esse traço persiste, comodemonstram Carvalho e Codes (2006): os já altosníveis de pobreza (35,3% em 1991 e 30,7% em2000) e de indigência (15% em 1991 e 13,5% em2000)29 de Salvador são superados por todos osoutros municípios metropolitanos, em ambos osanos. A queda verificada nesses níveis, nos anos1990, favoreceu todos os municípios da região, àexceção de Camaçari, no qual cresceram as pro-porções de pobres e indigentes.

Quanto à concentração da renda, fenômenoacentuado em toda a RMS (48% da renda sãoapropriados pelos 10% mais ricos, contra 1,7%pelos 20% mais pobres), a sua exacerbação, nosmunicípios de Salvador e Lauro de Freitas, apon-ta para a presença, nesses municípios, de estratosde renda mais elevados, enquanto, nos municípi-

os industriais em geral, a ausência deles (ou a pre-sença de um urbano menos diferenciado) resultanuma concentração mais aliviada, ainda que emníveis perversos.30

Assim, apesar da concentração de investi-mentos industriais nos municípios periféricos edo intenso processo de urbanização por elesvivenciado, esses territórios não lograram caracte-rizar-se como tecido urbano-industrial proporcio-nal à magnitude dos capitais neles investidos, eCamaçari é um bom exemplo disso: em 2000, en-quanto o município pontificava como o segundoPIB da Bahia, ocupava a 20ª posição, dentre osmunicípios baianos, em renda familiar per capita.Essa mesma disparidade se explicita nos Índicesde Desenvolvimento Econômico (IDE)31 e de De-senvolvimento Social (IDS):32 os principais muni-cípios industriais – Camaçari, Candeias e SimõesFilho –, bem posicionados no ranking dos 415municípios baianos, em termos de IDE (2º, 3º e 5ºrespectivamente), não repetem o mesmo desem-penho quando se trata de desenvolvimento social(10º, 28º e 31º respectivamente) (Franco, 2008).

SOB O IMPACTO DA NOVA ONDA INDUSTRIAL

Na primeira metade dos anos 2000, a eco-nomia baiana consolida o seu crescimentoalicerçado no setor industrial, associado, princi-palmente, aos novos investimentos puxados pelosegmento automotivo. Com efeito, a evolução do

28 Os dados dos Censos de 1991 e 2000 demonstram essecrescimento acelerado dos municípios periféricos, so-bretudo dos industriais e de suas sedes, a taxas bastantesuperiores à da capital e acima da média metropolitana(Borges e Franco,1997).

29 Níveis de pobreza (frequência de moradores com rendamensal familiar, per capita, de até meio salário mínimo)e de indigência (frequência de moradores com rendamensal familiar, per capita, de até um quarto do saláriomínimo) (Carvalho; Codes, 2006).

30 Em Camaçari, os 10% mais ricos se apropriam de 48,2%e os 20% mais pobres de 2,0% da renda (Carvalho; Codes,2006).

31 O IDE busca refletir o grau de riqueza alcançado pelomunicípio, através de uma proxy do PIB municipal, ali-ada a indicadores de infraestrutura econômica (energiaelétrica, telefonia, rede bancária, estabelecimentos decomércio e serviços) e de qualificação da mão de obraformal. Sinaliza, portanto, a capacidade de geração derenda e de atração de novos investimentos do municí-pio (SEI. Classificação dos Municípios Baianos, 2007).

32 O IDS qualifica o município quanto ao grau de desen-volvimento social através de indicadores: do nível desaúde (incidência de doenças de notificação obrigatória,óbitos por causas mal definidas, número de estabeleci-mentos de saúde, de leitos, de profissionais da saúde, devacinas aplicadas); de educação (matrículas e níveis deescolaridade); saneamento (energia elétrica e água trata-da) e renda dos chefes de família (SEI. Classificação dosMunicípios Baianos, 2007).

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PIB baiano sofre uma clara inflexão, no sentidoascendente, a partir de 2003, não por acaso mo-mento da antecipação das metas produtivas doCIFN, configurando o “efeito Ford”. Na RMS, queconcentra mais da metade do PIB da Bahia, o mu-nicípio de Camaçari – locus, por excelência, daindústria baiana –, segundo maior PIB dentre osmunicípios baianos em 1999 (atrás de Salvador),alcança o primeiro lugar em 2003, respondendopor quase 1/3 do PIB metropolitano e por quase17% do estadual (Pessoti, 2006).

Dos investimentos industriais realizados noperíodo 1994-2004, 66% se concentraram na RMS,sendo que o município de Camaçari abrigou nadamenos que 52% do total e 79% do investido naregião. Atestando o caráter capital intensivo des-sas indústrias, tais montantes investidos no espa-ço metropolitano se traduziram em apenas 28%do emprego gerado pelos empreendimentos noestado, característica mais acentuada em Camaçari,onde se situaram 11% daquele total e 38% domontante da RMS. Como seria de esperar, foi aindústria automobilística a grande responsável pelamagnitude e concentração dos investimentos naRMS, com 40% deles, dividindo com o segmentopetroquímico (com cerca de 30%) o papel princi-pal e tendo o município de Camaçari como o cená-rio privilegiado dos novos acontecimentos.

Impulsionando tais investimentos, o gover-no estadual exercitou uma estratégia calcada, cen-tralmente, na dotação da infraestrutura e na ofertade incentivos fiscais e financeiros.33 Os programasde incentivos fiscais, convém lembrar, estão asso-ciados à mudança no padrão de atuação do gover-no central na economia, com o abandono dos pro-jetos de desenvolvimento regional, delegando acada unidade federativa a tarefa de, por si,promovê-lo. Revestem-se de grande diversidade,ligada à tendência de adaptar os incentivos às ne-cessidades empresariais, o que acaba comprome-tendo a possibilidade de os governos estadual emunicipais presidirem os investimentos a partir

da lógica do desenvolvimento regional e da supe-ração das fragilidades locais, enquanto cedem be-nefícios fiscais para empresas que decidem comoe onde vão se instalar.

Ademais, com a isenção nos fluxos de co-mércio de matérias-primas, peças, material interme-diário e componentes vindos do exterior, incluídosem quase todos os programas de incentivos, os re-flexos negativos sobre o encadeamento produtivolocal são óbvios, já que a isenção para operações deimportação desestimula a internalização da produ-ção. Com relação à indústria automobilística im-plantada, essa questão ficou evidenciada nas pou-cas ligações do CIFN com os setores locais – inclu-sive com a petroquímica –, bem como pelas frágeispossibilidades de desdobramento dos seus negó-cios na região, tão caro ao pretendido enraizamentodo empreendimento (Desenbahia, 2002, 2003;Mercês, 2005; Cerqueira, 2007; Franco, 2008).

Finalmente, no que se refere aos impactospara a receita de Camaçari, espaço de convergênciados ciclos petroquímico e automotivo e primeiroPIB da Bahia, desde 2003,34 o município não arre-cada ICMS na mesma escalada de crescimento desua riqueza: as participações do ICMS (arrecadadoe repassado) no PIB gerado caem ao longo do perí-odo 1999-2003. Trata-se de um dado preocupante,pois o ICMS constitui o principal item da receitamunicipal, respondendo pela capacidade de gastodo poder local que, com a atração incentivada deinvestimentos industriais, é também pressionadopor crescentes demandas sociais e urbanas. Faz sen-tido, portanto, a noção comum, compartilhada porgovernantes e munícipes, de que se trata de ummunicípio rico, mas de riqueza impalpável para amaioria de sua população, situação paradigmáticada industrialização excludente que tem caracteri-zado a periferia metropolitana de Salvador.

Quanto às tendências do mercado de traba-lho regional, os dados da Pesquisa de Emprego eDesemprego (PED), para o período de 1998-2005,

33 Para maiores informações, ver Cerqueira (2007) e Fran-co (2008).

34 As informações da SEI apontam para a manutenção deCamaçari como o primeiro no ranking do estado, em2004 e, a partir daí, para a 2ª posição, novamente atrás deSalvador, por conta da estabilização do efeito Ford.

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apontam para o aumento da taxa de atividade si-multânea à manutenção de elevadíssimas taxas dedesemprego, as quais, contrariamente ao ciclo an-terior, apresentaram, nos anos 2000, um viés dequeda (de 26,4% em 1998, para 26,0% em 2004,para a RMS). Os declínios mais expressivos ob-servados em Camaçari, sobretudo, e nos municí-pios industriais35 não os tira da triste condição decampeões nesse indicador, mas indicam que fo-ram palco privilegiado da criação dos novos em-pregos na região: em 2005, Camaçari e os municí-pios industriais ainda amargavam taxas de desem-prego de 26,6% e 31,1%, respectivamente.

Outra mudança em relação ao quadro anteri-or está na ampliação do assalariamento com carteiraassinada, alimentando a tendência à formalizaçãoda ocupação, paralelamente à diminuição do pesodas ocupações precárias que compõem o informal.36

Mais enfaticamente, tal fenômeno se verifica emCamaçari e nos municípios industriais, refletindo aincidência, neles, da nova onda de empregos in-dustriais. Todavia, os dados também revelam a imen-sa margem ainda mantida pela informalidade (41%dos ocupados residentes em Camaçari) naquele queé a sede do maior PIB e da indústria mais moderna,entre os municípios baianos.

A tendência de queda do rendimento mé-dio dos ocupados mantém-se, numa espécie decontrapartida, perversa do aumento da formalizaçãoda ocupação. Nos anos 2000, isso aconteceu paraa RMS, Salvador e municípios industriais, à exce-ção de Camaçari, onde o rendimento médio realpassou de R$ 588 para R$ 605. Trata-se de umaocorrência esperada: a entrada em cena da Ford,com salários médios acima da média regional,embora inferiores aos da petroquímica, parecejustificá-la. Mas a segmentação espacial entre nú-cleo e periferia metropolitana é evidente: os mora-dores de Camaçari e municípios industriais atin-gem apenas 77% (Camaçari) e 70% (municípios

industriais) da renda média dos ocupados que re-sidem na capital, mesmo computando-se a inci-dência dos gerentes e executivos habitantes doscondomínios fechados da orla de Lauro de Freitase Camaçari. A gravidade desse quadro provém dofato de que a própria capital, tomada como refe-rência, é exemplo de níveis precários de remune-ração do trabalho (pouco mais de 2 salários míni-mos, na média dos ocupados), uma infeliz marcaimpressa no mercado de trabalho metropolitano,o mais estruturado da Bahia.

No mercado de trabalho de Camaçari, a ob-tenção de melhores salários deve ser buscada naindústria de transformação, mesmo que esse setorpague menos que antes a seus operários. Com basena Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/MTE), houve aumento da participação desse setorindustrial no estoque total de empregos e no in-cremento havido entre 2000 e 2004 em todos osmunicípios industriais da RMS. Mas o destaquefica por conta de Camaçari, onde esse setor absor-veu, em 2004, 36,3% dos empregos totais do mu-nicípio e respondeu por 44,5% do aumento depostos de trabalho,37 tudo isso acompanhado daqueda do rendimento médio do trabalhador, tam-bém captada pela RAIS.

O requisito de moradia em Camaçari (e en-torno), para um emprego operacional no CIFN, éum fator inusitado que, em princípio, teria grandeinfluência na nova dinâmica urbana da periferiametropolitana. Tanto é que foi objeto de negocia-ção entre o governo estadual e os governos muni-cipais envolvidos, e a montadora, na tentativa decorrigir, com tão vultoso empreendimento, asdistorções do modelo urbano engendrado no ciclopetroquímico, marcado por forte segmentaçãoocupacional e por uma não menos intensa segre-gação dos espaços de moradia. Entretanto, tudoaponta para a persistência da matriz básica da se-

35 Os municípios industriais compreendem: Candeias,Simões Filho, São Francisco do Conde, Dias D´Ávila,Madre Deus e Lauro de Freitas.

36 Para a PED, o informal é composto de: assalariados semcarteira; autônomos, donos de negócio familiar, empre-gadores e outros sem contribuição para a previdênciasocial; empregados domésticos.

37 Sozinho, Camaçari respondeu por 69,5% do incremen-to dos empregos industriais na RMS, no período 2000-2004, seguido pelos demais municípios industriais, queabsorveram 45,2% daquele acréscimo metropolitano. Ouseja, o saldo positivo desses empregos, na primeira me-tade dos anos 2000, deveu-se à periferia metropolitana,sobretudo a Camaçari. O único município a apresentarpequeno decréscimo absoluto nos postos de trabalhoindustriais foi Simões Filho.

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gregação socioespacial: a periferia metropolitanamantém-se como o locus de moradia dos trabalha-dores formais ocupantes de postos menos qualifi-cados, subalternos na hierarquia, com menoressalários (sobretudo os “chão-de-fábrica”) e dos tra-balhadores informais de todo tipo, cujas ocupa-ções também proliferam no bojo dos novos inves-timentos.38 Enquanto isso, Salvador e a orla marí-tima dos municípios de Lauro de Freitas e Camaçaricontinuam como o espaço de moradia dos segmen-tos mais qualificados, superiores hierárquicos, comsalários mais altos ligados aos negócios industriais,bem como ao comércio e aos serviços, setores quetambém se expandem com o novo ciclo industrial eque já vinham crescendo na esteira dos investimentosimobiliários e turísticos de alto padrão, turbinadosa partir dos anos 1990, com a abertura a investi-mentos de grandes grupos estrangeiros.

A renda média das famílias é a variável maiselucidativa dessa persistente articulação entresegmentação ocupacional do mercado de trabalhoe segregação dos territórios de moradia: enquantoas famílias metropolitanas em geral, passaram aviver com menos reais nos anos 2000, as deCamaçari teriam a comemorar a vinda da Ford, poislograram um aumento na renda do lar. Mas, ao secompararem com as famílias da capital (ou daRMS), verão que conseguiram alcançar apenas doisterços do montante com o qual elas vivem, sendoque as dos municípios industriais sequer atingi-ram esse patamar (Franco, 2008).

O NOVO NO MESMO E A PERSPECTIVA DOLUGAR

Apesar da persistência dos velhos traços, adinamização do urbano periférico é inequívoca,com a ampliação do núcleo formal do mercado detrabalho propiciada pelo novo setor industrial ecom integrantes, majoritariamente, residindo nassedes dos municípios industriais. Embora perce-

bendo salários médios inferiores aos dos compa-nheiros do ABC paulista, constituem uma massasalarial superior àquela que circulava antes do ad-vento Ford e de potencial consumo local. Oterciário se complexifica, com a afluência de co-mércio e serviços mais sofisticados, paralela à pro-liferação dos negócios informais. O mercado imo-biliário explode (elevação da carência e preços deimóveis), as pressões sobre os serviços públicoscrescem, e a vida social “se agita”, com a multipli-cação de equipamentos de entretenimento e lazer.E, seguindo a pauta do progresso urbano, a vio-lência vem colocando, cotidianamente, a periferiametropolitana nas páginas policiais, com as sedesmunicipais como o palco principal dos crimescometidos (Franco, 2008).

Essa justaposição de Camaçari e mercadode trabalho com Camaçari e espaço de moradianão traz, necessariamente, a possibilidade de rom-pimento do ciclo vicioso inserção ocupacional pre-cária e urbano precário, já que os mecanismos paraisso se mantêm. Mas permitiria refletir sobre a di-mensão política dessa identidade entre trabalho emoradia, ou seja, na possibilidade de interferên-cia em processos de determinação extra-local – esujeitos à lógica da globalização –, de modo a favo-recer os impactos positivos no desenvolvimentosocioeconômico local. Para tanto, as dificuldadesjá não advêm do autoritarismo que presidiu o ci-clo petroquímico, em que pese o seu prolongamen-to via carlismo, estando associadas, no atual ambi-ente democrático, ao diapasão da reestruturaçãoprodutiva em curso e ao novo protagonismo dosagentes locais, reféns da chantagem permanenteque envolve empregos e investimentos.

Entretanto, observa-se certo avanço nainstitucionalidade local,39 mesmo que sujeito aconsiderações. As próprias empresas, impulsio-nadas pelos requisitos de responsabilidade social– também estratégicos na sua competitividade –patrocinam ações sociais e desenvolvem mecanis-mos de participação da comunidade local. No caso

38 Essa periferia está também presente em Salvador. Con-tudo, os impactos dos novos empregos dizem mais res-peito ao município de Camaçari e seu entorno imediato,como demonstraram os dados analisados.

39 Sobre o papel do Sindicato dos Metalúrgicos do Estadoda Bahia e dos governos estadual e municipal de Camaçarina vinda da Ford, ver Franco (2008).

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do Complexo Ford, tais iniciativas, embora auxi-liares das políticas públicas, são por demais aca-nhadas em relação ao poderio do benfeitor que, alémdisso, parece estar permanentemente a contradizeros princípios da responsabilidade social com suaatuação intramuros da fábrica.40 Importante e eficazmecanismo de marketing e de empatia com o local,a atuação responsável não deve ser tomada comoformato de uma nova institucionalidade, substitutivada esfera pública tradicional.

Quanto ao sindicato, ator importante na vin-da da montadora, ele percebe que as questõesvivenciadas demandam uma visão social maisampla, mas suas energias se esvaem nas crescen-tes disputas que resultam da “produção enxuta” eda compulsão empresarial pela inovação, numaregião sob forte desestruturação do mercado de tra-balho e campeã, há décadas, em taxas de desem-prego no país. Sequer se verificam articulações comsindicatos de categorias diferentes (caso dospetroquímicos), a despeito de viverem situaçõesconstrangedoramente semelhantes e partilharempreocupações com os rumos do desenvolvimentolocal e regional.

O governo estadual, além de conceder todasorte de incentivos e subsídios, vem exercitando“salvaguardas” na tentativa de fixar e “otimizar”os investimentos realizados. Elas abrangem desdeo compromisso selado de contratar mão de obralocal e residente na periferia metropolitana, até osintentos de aumentar o conteúdo baiano dos veí-culos aqui produzidos, através do programa de“baianização” do investimento, passando pela do-tação de um novo e “irreversível” patamar logísticoregional, incluindo os de formação de mão de obra.Caudatários no processo, os governos municipaisempenham-se no preparo de seus territórios paraatender a condições negociadas com o investidore às demandas urbanas ampliadas com a intensifi-cação dos fluxos migratórios, atraídos pela novi-dade industrial. Num ambiente democrático, vêmadotando mecanismos mais avançados de partici-

pação direta e exercitando uma administração maisenfática nas áreas sociais. Isso não vem se reali-zando sem problemas evidenciadores da comple-xa arquitetura política local, em meio a uma esferapública fragilizada por tempos autoritários não tãoremotos e chantageada por interesses poderosos,e globais.

Trata-se, enfim, da dimensão política do ter-ritório, que poderia conduzir a mudanças na dire-ção de superar a prostração local diante dos impe-rativos da ordem globalizada, operando uma políti-ca de acolhimento de investimentos mais seletivaou, ainda, uma vez abrigados, à conduta socialmentemais justa dos negócios e do Estado hospedeiro.Ou, finalmente, abrir caminhos até então impensa-dos, pois, apesar de as tendências apontadas teremcaráter universal e nivelador, sequer os arranjosprodutivos com que se concretizam são os mesmos,em função das especificidades do lugar.

(Recebido para publicação em maio de 2009)(Aceito em julho de 2009)

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EM TEMPOS GLOBAIS, UM “NOVO” LOCAL: a Ford na Bahia

EN PERIODE DE MONDIALISATION, UN“NOUVEAU” LOCAL: Ford à Bahia

Ângela Franco

Cet article traite de l’analyse de la dynamiquede la Région Métropolitaine de Salvador (RMS), à par-tir de l’implantation de l’usine Ford. On y discute de laperspective du “lieu” (la périphérie métropolitaine),dans une relation asymétrique avec les affaires globalesà une époque de flexibilité. On y caractérise lecomplexe Ford de Camaçari à partir de larestructuration productive et des changements dansl’organisation et le fonctionnement des territoires. Sesimpacts sur la périphérie métropolitaine de Salvadorsont présentés dans la deuxième partie. En conclusion,on y démontre que ce sont les mêmes circonstancesqui ont permis l’arrivée de l’usine de montage àCamaçari qui représentent une contrainte pour lesambitions qui, à l’origine, voulaient atteindre unemeilleure équation entre la croissance économique etle progrès social. La flexibilité de ces nouveauxarrangements, qui rendent les espaces périphériquesstratégiques, compromet “l’enracinement” desinvestissements, la  “production exiguë”, l’exiguïté desemplois et la diligence dans leur précarisation, elleinhibe les avantages sociaux.

MOTS-CLÉS: restructuration productive, marché du travail,industrie automobile, périphérie métropolitaine,ségrégation sociale et spatiale.

IN GLOBAL TIMES, A “NEW” PLACE:Ford in Bahia

Ângela Franco

This paper makes an analysis of the dynamicsof the Metropolitan Area of Salvador (in Portuguese,RMS) starting from the implantation of Ford, discussingthe perspective of the ‘local’ (the metropolitanperiphery), inside of an asymmetrical relationship withglobal businesses in the age of flexibility. The FordAutomotive Compound is caracterized in the first partof the paper from its productive reestructuring andchanges in the organization and work of territories,and, in the second part, from its impact on the themetropolitan periphery from Salvador. In its conclusionit demonstrates that the same circumstances thatallowed the arrival of the automotive maker inCamaçari constrain the original ambitions of betterratio between economical growth and social progress:the flexibility of the new automotive productionmethods, making peripheric spaces strategic,compromises on the permanence of the investments;and the “streamlined production”, easy on jobproduction and hard on job flexibilization inhibit soci-al benefits.

KEYWORDS: productive restructuring, job market,automobile industry, metropolitan periphery,socioespatial segregation

Angela Franco - Arquiteta, Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Arquitetura e Urbanismopela UFBA. Professora da Universidade Salvador – UNIFACS. É autora de vários artigos publi-cados e seu mais recente trabalho científico é a tese de doutorado Globalização e Fiesta naBahia: impactos e tendências da implantação da indústria automobilística na Região Metropoli-tana de Salvador, 2008.