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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 171-191, 2011 171 Tânia Franco ALIENAÇÃO DO TRABALHO: despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza 1 Tânia Franco * O ensaio resgata a noção de trabalho alienado, considerando o seu valor heurístico para com- preender, mais profundamente, as interconexões entre os fundamentos do trabalho e os atuais desafios da crise social e ambiental. As atuais interrogações sobre o trabalho conduzem à abor- dagem da precarização social, da perda de direitos, dos danos à saúde e ao meio ambiente, evidências, por si só, de uma profunda alienação social. A partir de uma breve retrospectiva histórica das sociedades urbano-industriais capitalistas – em que se destaca o crescente desa- cordo dos tempos sociais com os ciclos da natureza e com a plasticidade ou limites biopsicossociais dos indivíduos –, propõe-se uma releitura dos quatro aspectos do conceito de alienação de Marx. As interligações entre alienação e o conceito bourdieusiano de habitus, entre precarização social e destruição ambiental são, por fim, sintetizadas nas noções de despertencimento social e de desenraizamento em relação à Natureza, processos característi- cos da civilização contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: trabalho alienado, trabalho e meio ambiente, trabalho e saúde, precarização do trabalho, flexibilização e precarização social. TRABALHO ALIENADO, SAÚDE E MEIO AMBIENTE: introdução “Conjurar a amnésia conceitual e teórica a fim de traçar precisamente as descontinuidades e as continuidades de nossas interrogações sobre o trabalho” (Mercure; Spurck, 2005, p.11). Buscamos resgatar a noção de trabalho alienado, reconhecendo o valor heurístico dessa noção marxista para a construção de uma pers- pectiva teórica que incorpore a existência tanto dos limites biológicos, físicos e químicos da na- tureza quanto da plasticidade e limites biopsicossociais dos indivíduos como substrato da realidade social e, mais especificamente, do mundo do trabalho. Esses limites, frequentemen- te, permanecem como elementos exteriores ou acessórios nas análises sociológicas, restritos às abordagens funcionalistas e (ou) pulverizados em diferentes saberes disciplinares. No sentido em que lhe é dado por Marx, [aliena- ção é a] ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ ou [3] a outros seres humanos, e – além de, atra- vés de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas his- toricamente) Bottomore (2001, p.5). As sociedades urbano-industriais efetiva- ram, ao longo de quatro séculos, uma completa revolução nas atividades humanas no trabalho, ao inverterem o arranjo trabalhador instru- mento objeto, que prevalecia, até então, em diferentes contextos culturais, sob variadas for- mas de constrangimentos e de dominação. Nes- se arranjo ‘artesanal’, o trabalhador, mediante os instrumentos ou tecnologias, atuava e modi- ficava os objetos, imprimindo-lhes a sua ação, sua criatividade, sua vontade, seu savoir-faire. * Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do Centro de Recursos Huma- nos/FFCH/UFBA. [email protected] Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Estrada de São Lázaro, 197. Federação, Cep: 40.210-730. Salvador, Bahia – Brasil. [email protected] 1 Agradeço os comentários e sugestões dos pareceristas e da editora, que só fizeram enriquecer a qualidade do texto e, em especial, a Luara Campos, aluna e bolsista de Iniciação Científica do curso de Ciências Sociais/FFCH/UFBA, por sua colaboração na revisão do artigo.

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ALIENAÇÃO DO TRABALHO: despertencimento social edesrenraizamento em relação à natureza 1

Tânia Franco*

O ensaio resgata a noção de trabalho alienado, considerando o seu valor heurístico para com-preender, mais profundamente, as interconexões entre os fundamentos do trabalho e os atuaisdesafios da crise social e ambiental. As atuais interrogações sobre o trabalho conduzem à abor-dagem da precarização social, da perda de direitos, dos danos à saúde e ao meio ambiente,evidências, por si só, de uma profunda alienação social. A partir de uma breve retrospectivahistórica das sociedades urbano-industriais capitalistas – em que se destaca o crescente desa-cordo dos tempos sociais com os ciclos da natureza e com a plasticidade ou limitesbiopsicossociais dos indivíduos –, propõe-se uma releitura dos quatro aspectos do conceito dealienação de Marx. As interligações entre alienação e o conceito bourdieusiano de habitus,entre precarização social e destruição ambiental são, por fim, sintetizadas nas noções dedespertencimento social e de desenraizamento em relação à Natureza, processos característi-cos da civilização contemporânea.PALAVRAS-CHAVE: trabalho alienado, trabalho e meio ambiente, trabalho e saúde, precarização dotrabalho, flexibilização e precarização social.

TRABALHO ALIENADO, SAÚDE E MEIOAMBIENTE: introdução

“Conjurar a amnésia conceitual e teórica a fim detraçar precisamente as descontinuidades e ascontinuidades de nossas interrogações sobre otrabalho” (Mercure; Spurck, 2005, p.11).

Buscamos resgatar a noção de trabalho

alienado, reconhecendo o valor heurístico dessanoção marxista para a construção de uma pers-pectiva teórica que incorpore a existência tantodos limites biológicos, físicos e químicos da na-tureza quanto da plasticidade e limitesbiopsicossociais dos indivíduos como substratoda realidade social e, mais especificamente, domundo do trabalho. Esses limites, frequentemen-te, permanecem como elementos exteriores ou

acessórios nas análises sociológicas, restritos àsabordagens funcionalistas e (ou) pulverizados emdiferentes saberes disciplinares.

No sentido em que lhe é dado por Marx, [aliena-ção é a] ação pela qual (ou estado no qual) umindivíduo, um grupo, uma instituição ou umasociedade se tornam (ou permanecem) alheios,estranhos, enfim, alienados [1] aos resultados ouprodutos de sua própria atividade (e à atividadeela mesma), e/ou [2] à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e – além de, atra-vés de, [1], [2] e [3] – também [4] a si mesmos (àssuas possibilidades humanas constituídas his-toricamente) Bottomore (2001, p.5).

As sociedades urbano-industriais efetiva-ram, ao longo de quatro séculos, uma completarevolução nas atividades humanas no trabalho,ao inverterem o arranjo trabalhador è instru-

mento è objeto, que prevalecia, até então, emdiferentes contextos culturais, sob variadas for-mas de constrangimentos e de dominação. Nes-se arranjo ‘artesanal’, o trabalhador, medianteos instrumentos ou tecnologias, atuava e modi-ficava os objetos, imprimindo-lhes a sua ação,sua criatividade, sua vontade, seu savoir-faire.

* Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federalda Bahia. Pesquisadora do Centro de Recursos Huma-nos/FFCH/UFBA. [email protected] de Filosofia e Ciências Humanas. Estrada deSão Lázaro, 197. Federação, Cep: 40.210-730. Salvador,Bahia – Brasil. [email protected]

1 Agradeço os comentários e sugestões dos pareceristas e daeditora, que só fizeram enriquecer a qualidade do texto e,em especial, a Luara Campos, aluna e bolsista de IniciaçãoCientífica do curso de Ciências Sociais/FFCH/UFBA, porsua colaboração na revisão do artigo.

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Desde o período da manufatura – impulsionadapelo mercantilismo – e do sistema fabril, a orga-nização das empresas subverteu essa ordemprimeva através das relações de dominação docapital, que inverteram o sentido do trabalhonesse arranjo. O instrumento ou tecnologia (sur-ge como poder alheio e estranho) è (sob o qualo) trabalhador è (atua sobre o) objeto. Com-preender essa inversão é fundamental para focali-zar o trabalho alienado nas sociedades capitalistas.

As sucessivas revoluções industriais cris-talizaram tal inversão, que se materializou emtecnologias criadas e operacionalizadas sob a óticada competição e do lucro. Essa inversão – comsua imanente recriação – implicou rupturas im-portantes com as formas de civilização anterio-res e sedimentou as bases de um processo dealienação do trabalho que, no seio das socieda-des urbano-industriais capitalistas atuais, temmais traços de continuidade e aprofundamentodo que rupturas em relação a seus primórdios.

Tal inversão se inicia num tipo de organi-

zação do trabalho ainda assentada sobre umabase técnica subjetiva2 – a manufatura – nonascedouro da Revolução Industrial. Com mé-todos coercitivos e violentos, psicológica e fisi-camente, era garantida a submissão, bem comoa adaptação de seres humanos aos desígnios daprodução capitalista mediante salários de fome,castigos corporais, multas e prisões, recrutamentoem asilos, workhouses, orfanatos, dentre outros(Marx, 1959; Weber, 1967).

Essas coerções e esses constrangimentos,encarnados na rígida disciplina interna do sistemafabril, impuseram ritmos e intensidade do traba-lho em nada compatíveis com a plasticidade e os

limites biopsicossociais dos indivíduos. Inaugurou-se um novo tempo social, determinado pelo capi-tal, forjando novos habitus (Bourdieu, 1996, 1983):

O habitus preenche uma função que, em outra fi-losofia, confiamos à consciência transcendental:é um corpo socializado, um corpo estruturado, umcorpo que incorporou as estruturas imanentes deum mundo ou de um setor particular desse mun-do, de um campo, e que estrutura tanto a percep-ção desse mundo como a ação nesse mundo(Bourdieu, 1996, p.144, grifos nossos).

Transpondo a noção de habitus bourdieusianopara a dimensão do trabalho – eixo da sociedadesalarial ocidental –, podemos acentuar a percepçãode mudanças em várias dimensões da vida social.Na esteira dos novos habitus no trabalho (como serádesenvolvido adiante), proliferaram os acidentes, asmutilações e doenças relacionadas ao trabalho des-de o século XIX e, contemporaneamente, as epide-mias de LER/Dort e os transtornos mentais. Nãosem razão, emergiram também práticas deenfrentamento – em defesa da vida e da saúde –iniciadas pelas organizações operárias e sindicatosde trabalhadores, expandindo-se e diversificando-se com novos atores sociais.

Inicialmente confinados aos muros dasfábricas, os agravos se expandiram para os espa-ços extrafabris, pari passu às subsequentes re-voluções tecnológico-industriais e aos processosde urbanização, tornando cada vez mais com-plexas e interdependentes as relações entre tra-balho, saúde e meio ambiente. Nesse sentido,buscamos, através de uma breve retrospectivahistórica, delinear as principais configurações dassociedades capitalistas urbano-industriais, emseus aspectos micro e macrossociais relaciona-dos ao mundo do trabalho.

O MUNDO DO TRABALHO EM RETROSPEC-TIVA: rupturas e continuidades

A Primeira Revolução Industrial consti-tui um ponto de partida privilegiado para divi-sar essas questões. Trata-se de um processo

2 Base subjetiva do trabalho em que o savoir-faire do tra-balhador e sua destreza no manejo dos instrumentossão a base do processo de trabalho, a exemplo do traba-lho artesanal e da manufatura. Distingue-se das confi-gurações subordinadas realmente ao capital, ulteriores,em que os trabalhadores são transformados em apêndi-ces das máquinas e equipamentos, devendo adaptar-se àsua materialidade e aos ritmos impostos. Desapareceu oprincípio subjetivo da divisão do trabalho, mas não asubjetividade do trabalhador. O processo de produçãopassou, então, a estar assentado em bases objetivas, tor-nando-se passível de análise e mensuração, o queviabilizou e favorece o controle sobre o trabalho. VerMarx (1959), especialmente os capítulos XI a XIII.

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multidimensional que inaugurou transformações– profundas e radicais – nas formas de viver etrabalhar, assentadas em relações sociais capita-listas dos homens entre si e na (com) a Natureza.Assim, grandes rupturas com as formascivilizatórias anteriores foram operadas, com des-taque para três dimensões: i) relações sociais: con-figurações societais e relações dos homens entresi, estabelecendo novas mediações entre indiví-duo e sociedade; ii) bases tecnológicas, com ouso de fontes de energia cada vez mais potentes,mecanização e automatização crescentes do tra-balho e da vida extratrabalho; iii) relações entreas atividades humanas na (com) a Natureza

(Franco, 2003).Sob essa perspectiva, podemos divisar três

grandes momentos das sociedades capitalistas oci-dentais: i) sociedades industriais pré-fordistas; ii)sociedades fordistas fossilistas (Altvater, 1995); iii)sociedades capitalistas fossilistas flexíveis. Vamosrevisitar esses momentos históricos, selecionan-do alguns referenciais societais, tecnológicos e dasrelações entre humanidade e natureza, para foca-lizar as rupturas e continuidades que espelham oaprofundamento da alienação ao longo da consti-tuição desse tipo de sociedade.

Tomamos como pano de fundo as socie-

dades pré-capitalistas, ou seja, aquelas socieda-des que, em termos gerais, eram predominante-mente rurais, artesanais, tradicionais e conser-vadoras, nas quais o tempo social e a vida eramfortemente regidos pelos ciclos naturais, com aobservância da alternância do dia e da noite, dasestações do ano, etc. Grande era o peso das for-ças da natureza sobre a vida social, assim comosua sujeição às catástrofes naturais. As forças, oslimites e os ciclos naturais estavam incluídos nasrepresentações sociais, fazendo parte do imagi-nário social. O ser humano fazia parte da Natu-reza e a ela se subordinava. Capaz de culturalizara vida (criando práticas e leis sociais), era um“ser da espécie” ainda permeável ao reconheci-mento e à sujeição às leis naturais, não sem gran-des temores. Em suma, o ser social e o ser bioló-

gico-natural estavam amalgamados, imersos

num mundo de representações sociais mediado,principalmente, pelo poder central das religiões,do qual emanavam os valores sociais, as noçõesde certo e errado, os padrões de conduta, o te-mor, etc. (Durkheim, 2008; Weber, 1967).

O mundo do trabalho e da produção eradependente das forças e dos limites naturais. Atecnologia, baseada em fontes de energia limitadase inconstantes, movia-se mediante a energia hu-mana, animal, eólica, etc., caracterizando-se, por-tanto, por uma produtividade e uma capacidadede consumo limitadas pelos elementos da nature-za. O trabalho, predominantemente artesanal, es-tava orientado para a sobrevivência e se caracte-rizava pela unidade entre trabalho de concepçãoe execução num mesmo indivíduo. No ocidente,prevalecia o trabalho em regime de servidão,muito distinto do trabalho escravo nas colônias,o que já traduzia o ímpeto de transitar para umasociedade voltada para o mercado e dominadapelo princípio do lucro.

A consolidação das sociedades urbano-in-dustriais capitalistas ocidentais está assentada emvários processos históricos interligados, dentreos quais destacamos, primeiramente, a crescen-te mercantilização da vida social (o mercado, desecundário, passa a central na arquitetura soci-al). Essa mercantilização se efetivou, por um lado,através da expulsão de gente das terras(“cercamento” das terras e êxodo rural, processoque persiste ainda hoje em vários países, a exem-plo do Brasil), alimentando a formação e o ama-durecimento do mercado de trabalho “livre” aolongo dos séculos (Hobsbawn, 1986; Canêdo,1987; Hardman; Leonardi, 1991). Simultanea-mente, ocorreu a progressiva apropriação pri-

vada dos elementos da natureza. Desde a revo-lução científica do século XVII, a natureza passaa ser vista como algo a ser dominado e usado,convertido pela lógica capitalista numa “coisa” aser apropriada “racionalmente”, sem limites(Canêdo, 1987; Passet, 1994; Harvey, 2004).

Essa configuração societal operou uma rup-

tura radical e profunda com as civilizações ante-riores. Trata-se do rompimento com fundamen-

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tos milenares da relação entre natureza e socieda-de, solidificando, doravante, uma razão instru-mental, utilitarista, que cria uma segunda natu-

reza (Kurz, 1997, 1992; Mészaros, 2006) e impõenovos tempos à vida social, ao trabalho e à pro-dução. São tempos do capital, cada vez mais ve-lozes, em profunda contradição com os temposnaturais – seja dos ciclos da Natureza, seja dosbiorritmos humanos –, imprimindo novos habitus

(conjunto de práticas sociais) que vão sendo in-corporados e naturalizados no cotidiano da vida.

Desde então, o mundo das mercadoriastraga, progressivamente, recursos naturais, gen-te e os mais diversos produtos materiais eimateriais. As relações mercantis permeiam avida social e tecem a inversão das relações soci-ais, ou melhor, cristalizam um processo decoisificação das relações sociais e de personifica-ção ou reificação das coisas. São expressões pró-prias da alienação do trabalho e do fetichismo damercadoria que constituem os pilares de umasociedade alienada e patogênica.

... para este [Marx], o fetichismo não éprioritariamente um fenômeno de consciência,mas um conjunto de manifestações de objetivida-de social, ou mais precisamente, de objetivaçãode petrificação de certas práticas sociais [...]. Asmercadorias são relações sociais que tomam a for-ma de objetos sociais cristalizados no que lhesserve de suporte material. Em outras palavras, umcerto tipo de relações sociais, acima da cabeça dosindivíduos, que produzem e reproduzem objetossociais consistentes, resistem às volições indivi-duais. Forma-se como que uma segunda nature-za, um ambiente quase natural povoado de obje-tos fascinantes (a fantasmagoria da mercadoria emMarx) que é quase impossível recusar. [...] Vive-se mais com os objetos sociais do que com os ou-tros. Mais precisamente, vive-se sua relação comos outros por intermédio dos objetos sociais(Vincent, 2005, p.265-266, grifos nossos).

O período compreendido entre a PrimeiraRevolução Industrial e o início do século XX (atéa Primeira Guerra Mundial) corresponde ao mo-mento pré-fordista das sociedades urbano-indus-

triais de capitalismo liberal (Hobsbawn, 1995,1986; Canêdo, 1987). No plano microssocial daorganização do trabalho, prepondera a concep-

ção utilitarista e de dominação do capital, materi-alizada em novas formas e condições que se tor-nam emblemáticas do sistema fabril. São mudan-ças profundas, que estabelecem as noções de tempo

útil e a caça aos tempos “mortos”, em detrimen-to dos tempos fisiológicos dos trabalhadores. Adisciplina e os modos operatórios, instrumentosde controle dos ritmos de trabalho, serão pro-gressivamente aperfeiçoados e incorporados àmaquinaria e à tecnologia de produção. O contro-le social do capital sobre o trabalho, antes exerci-do predominantemente através da violência físi-ca, de prisões, de multas e dos míseros salárioscoercitivos, passa a ser paulatinamente refinadocom a adoção de formas cada vez mais “racio-nais” de divisão do trabalho e de hierarquizaçãode tarefas, poder, controle, comando e concepção(menos empíricas e crescentemente objeto de pes-quisa científica).

São radicais as mudanças na materialidade

do processo de produção: uma concentração iné-dita de grande número de trabalhadores – ho-mens, mulheres e crianças – num mesmo espa-ço físico, com numerosos e diversos agentes agres-sivos físicos, químicos e mecânicos, configurandoambientes insalubres de trabalho (Canêdo, 1987;Marx, 1959). Os ambientes intrafabris foram, des-de então, incrementados por fontes de energiacada vez mais potentes, passando pelo carvão ve-getal, carvão mineral, o vapor e a energia elétrica,prosseguindo com o petróleo – que perpassa astrês revoluções industriais – e a energia nuclear –a partir da Segunda Guerra Mundial (Hobsbawn,1995; Altvater, 1995; Freitas, 1996; Passet, 2002).As relações de dominação no trabalho sãocrescentemente incorporadas à materialidade daprodução:

As máquinas [tecnologia] não são ferramentas‘neutras’, fazem parte da relação social entre ca-pital e trabalho. São ‘órgãos do cérebro humano,criados pela mão humana, a ciência coisificada’[...]. O trabalho intelectual, de que o capital seapropria, transforma-se em um poder do capitalsobre os trabalhadores. [...] Ao invés de aumen-tar a liberdade e a autonomia dos trabalhadorestanto nos processo de trabalho quanto na empre-sa, o capital instala o que Marx denomina um

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‘despotismo mesquinho e mau’. Por fim, o traba-lho ocupa cada vez mais tempo na vida do traba-lhador, tendendo a transformar a totalidade des-ta em tempo de trabalho (Spurck, 2005, p.205-206, grifos nossos).

Aprofunda-se a dominação nas relaçõesde trabalho – bem como a alienação do trabalho– crescentemente invisibilizada pela subordina-

ção real do trabalho ao capital (Marx, 1959,2004a), o que abrirá caminho para a intensifica-ção do trabalho – com a incessante caça aos tem-pos mortos – e a possibilidade de redução dasextensas jornadas de trabalho. Assim:

Entre os trabalhadores e suas criações se instalauma relação de exterioridade. Em suas represen-tações e em suas Weltanschauungen (“visões demundo”) eles não são os sujeitos-criadores dascoisas. São, ao contrário, as coisas que são os mes-tres de seu destino. Vivem em uma opacidadedensa, no constrangimento, e, muitas vezes, naangústia (Spurck, 2005, p.199, grifos nossos).

O mundo do trabalho pré-fordista é mar-cado ainda pelas longas e extenuantes jornadasde trabalho com 12, 14, 17 horas (Marx, 1959;Hobsbawn, 1986; Canêdo, 1987), em contradi-ção com os ciclos fisiológicos (que expressam li-mites naturais dos indivíduos) e pelos saláriosbaixíssimos (mecanismo de coerção social). Asrelações entre trabalho e saúde se expressam pelaalta frequência de acidentes de trabalho, commutilações, quedas e traumatismos restritos aoespaço intrafabril, além das doenças profissio-nais3 decorrentes principalmente da inalação dasnuvens de poeira, algodão, etc., prevalecentesnesses ambientes de trabalho.

Marca esse período a separação entre odomicílio e o local trabalho, levando a uma cres-cente concentração espacial e ao processo de ur-banização. No seio da sociedade do salariado,são gestadas e consolidadas as figuras sociais doempregador e do empregado, embora subsista aterceirização sob a forma de trabalho domiciliarcomo apêndice da indústria emergente (têxtil,

principalmente). Trata-se de uma terceirizaçãosecundária que se tornará progressivamente re-sidual no fordismo central até a década de 1970.Como será visto adiante, a partir da crise dofordismo, voltará à tona sob novas roupagens,deixando de ser acessória e passando a elementoestrutural do capitalismo flexível.

O plano macrossocial do período pré-

fordista é construído a partir do mercado “livre”de trabalho, com a generalização das relaçõesassalariadas e baixíssimos salários. A polariza-ção entre os extremos de pobreza e riqueza, nes-sa sociedade, se expressa pela forte exclusão so-cial de grandes massas humanas (ainda que as-salariadas) que sobrevivem com parcos recursosem condições urbano-industriais sub-humanasde saneamento, água e moradia (Hobsbawn,1996; Canêdo, 1987). Não sem razão, predomi-nam, nessa sociedade, os padrões de adoecimentoe morte decorrentes da precariedade social e dotrabalho, tais como as doenças infecciosas e dadesnutrição (“doenças da pobreza”), com umpeso crescente de acidentes de trabalho e dasdoenças profissionais.

Contudo, a sociedade é movida por forçassociais vivas e, desde a segunda metade do sécu-lo XIX, são intensos os movimentos políticos e deorganizações operárias nos países centrais. Teminício um processo de progressivas conquistassociais para preservar a vida, que serão consolida-das nas leis de proteção ao trabalhador: Lei dotrabalho do menor, limites de duração da jornadade trabalho (10 horas e, posteriormente, 8 horascomo referencial para as relações contratuais detrabalho ou seis 6 horas para certas categorias pro-fissionais), regulamentação das horas extras, insa-lubridade, periculosidade e reconhecimento legaldas organizações sindicais, dentre outras.

Apesar de variações entre os países, essa foiuma tendência geral a partir do final do século XIX.O Estado, através das leis trabalhistas, passou a as-sumir formas de regulação social que reconhecemcertos limites biopsicossociais dos trabalhadores.Para além do mundo do trabalho, os movimentossociais impulsionaram o Estado a implementar po-

3 Trata-se das pneumoconioses que “são doenças causadaspela inalação de aerossóis sólidos e reação tecidual dopulmão.“ (Algranti; Capitani; Bagatin, 1995, p.91).

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líticas públicas de saneamento, educação, saúde,dentre outras, particularmente na Inglaterra (potên-cia hegemônica, berço e exportadora da PrimeiraRevolução Industrial), conforme Canêdo (1987).Assim, no final do século XIX, teve início aredefinição do papel do Estado no seio das socie-dades capitalistas, com uma maior permeabilidadeaos diferentes segmentos sociais (movimentos soci-ais e organizações sindicais de trabalhadores), en-saiando-se os primeiros sinais de uma razão social

do trabalho (noção que será desenvolvida adiante)nas sociedades urbano-industriais capitalistas. Ti-veram curso, então, importantes transformações noperfil demográfico e nos padrões de adoecimento emorte nessas sociedades, como veremos.

Sociedades capitalistas fossilistas fordistas

O século XX – entre a Primeira GuerraMundial e a década de 1970 (Hobsbawn, 1995)– é o período de consolidação das sociedadesindustriais centrais – fordistas e fossilistas – e daconstrução política do capitalismo regulado peloEstado. Nas primeiras décadas, com turbulentasconjunturas até a Segunda Guerra Mundial, aface social é de forte exclusão, miséria, criseseconômicas e políticas, engendrando mobiliza-ções sociais – organizações sindicais e organiza-ções políticas de esquerda e anarquista – comdesdobramentos diversos. Sucedem-se a PrimeiraGuerra Mundial entre 1914 e 1918, em solo eu-ropeu, ampliando o mercado para a economiaemergente dos EUA; a Revolução Russa de 1917;a Crise de 1929 e a depressão de 1929-1933. Taisturbulências culminaram, por um lado, em des-fechos nazifascistas na Itália (1923) e na Alema-nha (1933), dentre outros, e, por outro, na con-solidação do bloco soviético em crescente pola-ridade com as sociedades capitalistas. Nos EUA,assim como nos demais países europeus, a saídada crise significou a opção política por um capi-talismo regulado pelo Estado (nos EUA, o gover-no Roosevelt, com a política do New Deal, e naEuropa, a construção do Estado de Bem Estar

Social-EBES) (Hobsbawn, 1995).Trata-se de um momento das sociedades

capitalistas centrais em que a regulação social doEstado se deu, sobretudo, por estratégicos e dife-renciados incentivos fiscais, políticas trabalhistase previdenciárias, regulação macroeconômica (po-líticas agrícola, industrial, etc.) e políticas públi-cas. A rede de proteção social (aposentadoria,seguro-desemprego, etc.) e o aumento dos gas-tos públicos com geração de emprego favorece-ram a aderência dos indivíduos e das organiza-ções sindicais. Consolidou-se nos EUA, entre1940 e 1972, e na Europa, entre 1950 e 1970, umcapitalismo com reforma social e econômica, noseio do qual foi criado um Sistema MonetárioInternacional pelo Acordo de Bretton Woods(1944), para, em princípio, controlar os fluxosde capital e evitar as grandes crises (Filgueiras,1997, 2000; Druck, 1999).

No plano microssocial, da organização dotrabalho, o cenário é composto pelo taylorismo-fordismo. A organização taylorista do trabalhoestá assentada na: (i) divisão entre o trabalho deconcepção, planejamento, direção e controle (re-alizado pela gerencia “científica”) e o trabalho

de execução (pela massa de assalariados); (ii) frag-mentação do trabalho, simplificação e esvazia-mento do conteúdo do trabalho (noção de postode trabalho e estrutura de cargos e salários); (ii)análise de tempos e movimentos, cronometrageme padronização das formas de trabalhar; (iii) po-líticas de punição e premiação individual; siste-mas de avaliação da produtividade individual;salário por peça; estímulo à competição (formasde controle e sujeição); operário-padrão (mecâ-nica de gestos, controle de atitudes, novos hábi-tos, trabalhador forte, ativo e docilizado, semconsciência crítica, sem criatividade), identifi-cação do trabalhador com a empresa (empresa–família); cooperação e harmonia imposta.

A base técnica do taylorismo-fordismo,crescentemente racionalizada e mecanizada, cul-minou nas linhas de montagem fordistas e equi-pamentos especializados que viabilizaram não sóuma grande escala de produção (produção em

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série), mas também ritmos e pressão cada vezmais intensos de trabalho e aceleração dos tem-pos sociais, incorporados e materializados nosequipamentos. Em contrapartida, estabeleceu-se,mesmo durante a Crise de 29, a norma salarialfordista, ou seja, de aumentos reais de salário eganhos de produtividade para os trabalhadores(Ferreira et al., 1994).

Assim, o fetichismo da mercadoria pode plena-mente desenvolver-se. Os homens criam a mer-cadoria, o capital, etc. Em suma, criam tudo oque existe socialmente, mas essas criações, quesão seus produtos, parecem a eles criações natu-rais às quais se submetem. O fetichismo não selimita à produção e ao trabalho. Penetra em todaa sociedade (Spurck, 2005, p.208, grifos nossos).

Em termos macrossociais, o fordismoconstruiu, material e ideologicamente, a socie-dade do ter, a sociedade do consumo de massa.O fordismo criou novos habitus e um jeito deviver marcado pela disciplina no trabalho, pelacriação do homem fordizado (Gramsci, 1984),com mentalidade consumista, aprisionado pelanoção do tempo útil. A sociedade ficou impreg-nada pelo imperativo do lucro e pela obsessãoda produtividade e consumo. Em três décadas,firmou-se um capitalismo com face social maisincludente, com um mercado de trabalho regu-lamentado, com a contratualização das relaçõesde trabalho (generalização da negociação coleti-va) e rede de proteção social (salários crescen-tes, benefícios diretos e indiretos). No imaginá-rio social (e nas leis), ergueu-se um importantereferencial que incorpora noções dos limitesbiopsicossociais nas relações de trabalho (dura-ção de jornada de trabalho, horas-extras, férias,seguro-saúde acidentário, aposentadoria, etc.).Operou-se a transformação do trabalho em em-

prego fordista, ou seja, do trabalho com ocorolário fordista de proteção social.

Essa regulação – assentada em pactos soci-ais – permitiu a expansão da massa salarial e ofortalecimento do mercado interno, levando ospaíses centrais quase ao pleno emprego na déca-da de 1960, realizando-se o ciclo virtuoso do

fordismo. Nos países europeus, foram fortalecidasas políticas públicas de saúde, educação e habita-ção, configurando o Estado de Bem Estar Social econduzindo à elevação generalizada do padrão devida da população. Esse longo processo socialmudou tanto o perfil demográfico nessas socie-dades – com o envelhecimento da população –quanto os padrões de morbi-mortalidade, pelodeclínio das doenças infecciosas e o peso crescen-te das doenças crônico-degenerativas, tais comoas doenças cardiovasculares, as neoplasias, os trans-tornos mentais, dentre outras (Hobsbawn, 1986;Canêdo, 1987; Barreto et al.,1993).

No Brasil, o processo de industrializaçãofordista teve como característica diferencialmarcante a face social excludente, configurandoa via do fordismo periférico, ou seja, com gran-de defasagem na capacitação tecnológica e umcrescimento econômico concentrador eexcludente, sem a norma salarial fordista. Comum passado escravista, um regime autoritário esem a formação de um Estado de Bem Estar Soci-al, o “milagre brasileiro” foi feito sob a égide doestímulo ao investimento, apenas, sob forte repres-são política aos movimentos sociais (Ferreira, 1994).Sua configuração como sociedade urbano-indus-trial é marcada por transformações tanto no perfildemográfico – o envelhecimento da população, aredução das taxas de natalidade e mortalidade (Sou-za, 1996) – quanto no quadro de morbi-mortalida-de que passou a combinar o aumento das doençascrônico-degenerativas e das causadas por fatoresexternos (homicídios, acidentes de trânsito e sui-cídios) com as relacionadas ao trabalho, com umpatamar ainda elevado de doenças infecciosas,4

sobretudo no tocante à morbidade (Possas, 1989;Barreto et al., 1993; Monteiro, 1995; Navarro et

al., 2002; Barreto; Carmo, 2007).

4 Em relação às doenças infecciosas, no Brasil, Barreto e Carmo(2007) apontam três importantes tendências nas duas ulti-mas décadas: doenças transmissíveis com tendênciadeclinante (varíola, poliomielite, sarampo, tétano, raiva hu-mana, dentre outras); doenças com quadro persistente (he-patites virais, tuberculose, malária); e doenças transmissíveisemergentes e reemergentes (AIDS, dengue, cólera, hantavirose,dentre outras). Vale salientar a complexidade do quadro demorbi-mortalidade no Brasil contemporâneo e a diferencia-ção nos indicadores de saúde por regiões, taxas de pobreza,gênero, grupos étnicos, dentre outros.

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Mundialmente, o taylorismo foi difundidode 1910 a 1920, não sem muitas resistências dostrabalhadores, consolidando-se nos diversos paí-ses, apesar dos diferentes matizes e regimes políti-cos (incluindo desde o fascismo italiano aostakhanovismo soviético). Os problemas de saúdegerados com essa forma de trabalhar foram inúme-ros e em alta frequência, incluindo acidentes de tra-balho com mutilações, traumatismos eadoecimentos, pela enorme intensificação do traba-lho e mecanização. Essa página virada na históriaconduziu ao início do controle sobre os agentes agres-sivos mensuráveis (principalmente os físicos, me-cânicos e químicos) e à explicitação de nexos entresaúde e trabalho. A organização taylorista-fordistatornou-se a base de novos adoecimentos, dentre osquais crescentes transtornos mentais, tendo iníciopesquisas com foco na organização do trabalho e nasaúde mental numa perspectiva crítica (Dejours,1987; Seligmann-Silva, 2011). Os intensos movi-mentos sociais da década de 1960 colocaram-se cri-ticamente em relação ao way of life fordista, à socie-

dade do ter sem o ser, levantando as questões dosvalores humanos, da ética, da liberdade, da aliena-ção e coisificação dos indivíduos, da guerra, da dis-criminação étnica dentre outras.

Em relação ao trabalho taylorista-fordista, asorganizações sindicais se colocaram contra as ca-dências, os ritmos, a pressão de tempo, a mo-notonia, a desqualificação e esvaziamento dos con-teúdos do trabalho, e os trabalhadores resistiramcom absenteísmo, operações-padrão, recusa aotrabalho taylorizado, demissões voluntárias e gre-ves. Essas organizações foram enfraquecidas coma difusão da flexibilização do trabalho a partirdos anos 1980 nos países capitalistas centrais e,nos anos 1990, no Brasil.

Por outro lado, é necessário considerar quea consolidação da sociedade fordista está associ-ada: (i) à concentração e centralização de capi-tal; (ii) à transformação de conhecimentos cien-tíficos em força produtiva (aplicação contínuade conhecimento, gerando tecnologia); (iii) aouso de fontes de energia predominantementefósseis, a partir de recursos naturais finitos e não-

renováveis, a exemplo do petróleo; (iv) à extração,em grande escala, de recursos naturais e geraçãode resíduos tóxicos; (v) a uma inédita capacidadede produção e destruição em série; (vi) ao uso – eà criação – de inúmeras substâncias neurotóxicas,cancerígenas, teratogênicas e mutagênicas; (vii) aosurgimento de novos problemas de saúde que vãose manifestar a partir da década de 1970, seja porcontaminações lentas e crônicas, seja através deacidentes industriais de grande porte, ambos al-cançando os espaços extra-fabris.5

As bases energéticas fossilistas do fordismo– com o amadurecimento, principalmente, dasindústrias química e de petróleo, além da posteri-or indústria nuclear – vão romper os limites dosmuros das indústrias. Trata-se de riscos industri-ais (efluentes líquidos, sólidos e gasosos) que mi-gram e modificam os espaços fabris e extrafabris,suporte de um padrão de produção e consumoque agride cronicamente os mecanismos regula-dores da Natureza e dos indivíduos.

Sociedades capitalistas fossilistas flexíveis: fa-ces atuais

Em meados da década de 1970, na esteirada crise econômica – com aumento da capacida-de produtiva desproporcional aos mercados, des-locamento do capital produtivo para a esfera dasfinanças e ciranda especulativa – manifestam-seproblemas sociais (distributivos e de redução doemprego) e problemas ambientais.

Assim, a crise do fordismo nos anos 1970-1980 evidencia tanto problemas econômicosstricto sensu (superprodução, choques petróleo,taxas de juros) quanto questões humanas esocietais profundas, que remetem aos pilares dessaforma de civilização. Num processo cumulativo,crise social e ambiental se delineiam, constituin-do as duas faces de uma mesma moeda.

No cenário político do neoliberalismo e da

5 Para maiores detalhes ver Capra (1982); Thébaud-Mony(1990, 2007); Altvater (1995); Freitas (1996); Franco (1997);Freitas, Porto e Machado (2000); Jobin (2006); Rigotto (2008).

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mundialização,6 as supostas saídas adotadas para acrise foram a liberalização do capital, a flexibilizaçãodo trabalho e a desregulamentação social. Elas sig-nificaram o recuo das políticas keynesianas do ca-pitalismo administrado pelo Estado e umaredefinição do próprio papel do Estado como agentede regulação social. Na verdade, as “saídas” adotadase a complacência do Estado aprofundaram as duasfaces da crise: a crise social, com o aumento daprecarização pela flexibilização do trabalho e aregressão da regulação social e fiscalização do Es-tado; e a crise ambiental, pela continuidade dadepredação maciça do planeta, desproporcionalao engatinhar das políticas ambientais que, alémde fragmentadas, não atingem o cerne do proble-ma, qual seja, os próprios padrões capitalistas deprodução e consumo em contradição com os sis-temas e tempos de autorregulação da Natureza edos seres humanos.

Vale destacar que a Terceira Revolução In-dustrial microeletrônica – em resposta à rigidez téc-nica do fordismo – trouxe novas bases parareconfigurar o mundo do trabalho: a flexibilizaçãosob rígido controle do capital. Essa férrea

flexibilização tem viabilizado acelerações e compres-sões inéditas, aparentemente irrefreáveis, dos tem-pos sociais. A velocidade dos tempos sociais está nacontracorrente dos tempos naturais, inclusive dostempos fisiológicos humanos (biopsicossociais), fe-nômeno flagrante e ocultado socialmente. Desdeentão, tem se aprofundado a loucura social de ten-tar vencer o tempo com a velocidade, alimentando-se um círculo vicioso e patogênico.

Como o trabalho é agora submetido ao capital eneste é integrado o tempo de trabalho e a jorna-da de trabalho tornam-se plásticos. Ademais, ostrabalhadores se tornam, também eles, plásticos,no sentido de que se adaptam às exigências daacumulação do capital criada por eles e que osdomina. Estamos, pois, em presença de um dosfetichismos do capital, visto que os trabalhado-res criaram essas coisas que os dominam. [...] Emcompensação, para o capital, trata-se de uma‘questão de vida ou morte’, a saber, impor a mais

total disponibilidade do trabalhador para satis-fazer as exigências, sempre mutáveis, do traba-lho (Spurck, 2005, p.199, 204, grifos nossos).

Em contraposição às políticas keynesianasda Era de Ouro, a tônica das políticas neoliberais,desde os anos 1980, repousou na compreensãode que a regulação pelo Estado seria um entrave,ao limitar os interesses e ganhos do capital atra-vés da regulamentação do mercado de trabalho(relações contratualizadas e direitos trabalhistas),da política tributária, alfandegária, da concorrên-cia (de empresas estatais) ou da política de subsí-dios para setores estratégicos e políticas sociais.Portanto, o cerne do ajuste neoliberal para “sair”da crise envolveu: (i) liberar o capital das amarraspela via da desregulamentação; (ii) reconfigurar omundo do trabalho ou da produção pelaflexibilização dos salários e desestabilização dosempregos; (iii) anular as regras de aumento sala-rial com base na inflação; (iv) anular a coberturae a extensão da seguridade social (benefícios); (v)liberar os procedimentos de demissão; (vi) des-truir o “emprego fordista”, ou seja, o trabalho como corolário de proteção social; vii) recriar o traba-lho precário via terceirização ou sub-contratação,

além de outras formas de vínculo frágil.

O capitalismo em geral e a produção capitalistaem particular são criadores de instabilidade e deincerteza concernentes ao futuro, e finalmente,criam angústias existenciais (Spurck, 2005, p.202,grifos nossos).

No início dos anos 1990, os países periféri-cos – com um tecido social já fortemente marca-do pela precariedade pré-existente – trilharam osmesmos caminhos acima descritos, enfeixados nosplanos de estabilização da periferia, de entradamaciça de capital especulativo (capital volátil eveloz) e reformas do Estado com a privatizaçãode bens públicos e empresas público-estatais,com reformas estruturais e de gestão, e com a que-bra dos monopólios estatais estratégicos.

Sob a perspectiva do mundo do trabalho,esse processo tem conduzido à desconfiguração dasrelações entre capital e trabalho, descaracterizando

6 Ver Chesnais (1996), Bourdieu (1998, 2001), Harvey (2004);sobre a noção de globalização flexível, ver Soane e Taddei(2010).

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as figuras do empregador e do empregado. Simul-taneamente, forja-se uma gama de denominaçõesque mesclam os sujeitos sociais – colaboradores,partners, team, parceiros, associados, cooperados– que vão confundir atores sociais tanto na cons-trução das representações e organizações coletivasde solidariedade e resistência, quanto na aplica-ção das leis trabalhistas. Abre-se o caminho paraapagar da memória social os referenciais de rela-

ções contratuais de trabalho conquistados cumu-lativamente desde meados do século XIX e conso-lidados na legislação trabalhista durante o fordismo.São referenciais fundamentais, na medida em queincorporam, ainda que timidamente e no seio deuma sociedade regida pela razão instrumental, oreconhecimento de limites biopsicossociais dosseres humanos, simbolizando o germe de uma ra-zão social do trabalho.

A precarização, caracterizada por muitosautores como um processo multidimensional defragilização das formas de inserção e dos víncu-los sociais, vira uma tônica no mundo laboralque caminha pari passu com a intensificação dotrabalho. Ela ocorre por mecanismos tais comoo irrefreado aumento da velocidade e do ritmodo trabalho; a multifuncionalidade (com acúmuloe desvio de funções, o que implode as noções deposto de trabalho, de cargos e salários), dentreoutros elementos do toyotismo (modelo japonês)favorecidos pelo patamar tecnológico da Tercei-ra Revolução Industrial microeletrônica.

Os avanços tecnológicos não têm sido uti-lizados para reduzir a jornada de trabalho e ge-rar emprego, particularmente desde a TerceiraRevolução Industrial. Na prática, tem ocorrido aextensão das jornadas de trabalho, com o apaga-mento da noção de horas-extras e o recursoindiscriminado ao trabalho em turnos e notur-no. Tem se criado o habitus de viver, consumir etrabalhar ininterruptamente, em não importa quehorários, apagando da memória social os funda-mentos constitutivos da espécie humana,estruturantes dos ciclos fisiológicos inscritos namemória biológica de cada indivíduo (alternânciadas polaridades de atividade e repouso, de noite

e dia, de contração e relaxamento, etc.).Sob a gestão pelo medo – com ameaça de

demissão, de desmoralização profissional, dedescartabilidade social – combinada com o discur-so participativo, impõe-se a prática da participa-ção forçada e controlada, que leva à autoaceleraçãoe à submissão dos indivíduos às metas e à inten-sificação do trabalho. Prevalece o discursoparticipativo ao lado das práticas de “apagamen-to dos vestígios” e construção da mentira dentrodas empresas, instituições e corporações(Dejours, 1999).

No Brasil, generalizou-se a flexibilização dotrabalho via terceirização.7 A maioria das análises eestudos empíricos, particularmente da Sociologiado trabalho, tem demonstrado que a terceirizaçãofoi adotada como política de gestão flexível do tra-balho, dentre outras, o que tem levado à precarização

social. Trata-se de um processo multidimensionalque atinge o trabalhador – como indivíduo, família,coletivo de trabalho e cidadão –, esgarçando o teci-do social ao fragilizar ou degradar: (i) os vínculosde trabalho e relações contratuais; (ii) a organizaçãoe condições de trabalho; (iii) a saúde e segurança notrabalho; (iv) o reconhecimento e valorização sim-bólica na construção de identidade individual ecoletiva; (v) a representação e organização coletiva,fragilizando os trabalhadores como atores sociais.8

TRABALHO ALIENADO: quatro aspectos daabstração dos limites humanos e da natureza

As transformações das sociedades urbano-industriais, resumidas na periodização apresenta-da, contêm mudanças ininterruptas da base técnica

subjetiva do processo de trabalho para uma baseobjetiva crescente, através da mecanização einformatização, buscando racionalizar o controledo trabalho, impor os ritmos e tempos do capital

7 Trata-se da transferência da atividade de um “primeiro” –que deveria se responsabilizar pelos encargos e direitostrabalhistas que pautam as relações entre empregado eempregador – para um “terceiro”. Ver Carelli (2003); Drucke Franco (2007).

8 Para maiores detalhes ver Druck e Franco (2007); Franco,Druck e Seligmann-Silva (2010).

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no processo de produção (bem como na circula-ção e no consumo). A vontade de neutralizarquaisquer práticas de resistência dos assalariadose a tentativa de consagrar a empresa como o espa-ço eficiente – harmônico, sem conflitos, perfeito,exato, calculável, previsível, programado,programável, eficiente e, mais recentemente, deexcelência – impulsionou continuamente essamaterialização da base objetiva do processo detrabalho e – contemporaneamente – a quebra dosdireitos do trabalho e dos possíveis referenciaisde uma razão social do trabalho, via flexibilizaçãoe precarização do trabalho.

Tecnologias (e no limite, a ciência) têmsido instrumentalizadas como meio de aumen-tar a produtividade, de garantir a competitividadee como meio de sujeição dos homens e da natu-

reza. Ambos – homens e natureza – passaram aser representados como meros recursos instru-mentais sob variadas denominações (“fator hu-mano, recursos humanos, recursos naturais,insumos, matérias-primas”...), cujos biorritmos

e ciclos naturais são negligenciados noequacionamento do mundo da produção e dotrabalho com o do livre mercado. Essa inversãodo sentido do trabalho e a busca obsessiva pelaprodutividade induziram uma tendência à re-dução da ciência aos limites de sua aplicaçãocomo tecnologia produtiva do capital e de domi-nação, ameaçando, contemporaneamente, a pró-pria autonomia da produção científica.

Em meio às mudanças na configuração domundo do trabalho, persiste um eixo ou fio con-dutor de análise: o trabalho alienado – que seaprofunda – e suas consequências em termos desaúde e destruição do meio ambiente. Tais pro-cessos, com matizes culturais e políticos varia-dos, envolveram diferenciados mecanismos decoerção na organização do trabalho, ao longo dotempo, e múltiplas expressões de resistência, as-sim como de transição e adaptação aos novoshabitus no trabalho criados pela inversão para oarranjo instrumento de trabalho e tecnologia è

trabalhador è objeto.A materialização da inversão desse arran-

jo é apreendida pelo conceito de subsunção real

do trabalho ao capital em Marx (1959, 2004a).Na verdade, o conceito de alienação do trabalhode Marx sintetiza um longo processo histórico etem longo alcance, permitindo focalizar as pos-síveis consequências dessa inversão e a perda dosentido social do trabalho para o indivíduo.

Que sentido tem esse modo de trabalho, com re-ferência ao desenvolvimento do homem? Comesta pergunta a teoria marxista abandona o “ní-vel da economia política”. [...] Longe de ser umamera atividade econômica (Erwerbstatigkeit), otrabalho é a “atividade existencial” do homem,sua ‘atividade livre, consciente’ – não um meiode conservação da sua vida (Lebensmittel), masum meio de desenvolvimento da sua “naturezauniversal”. As novas categorias vão avaliar a rea-lidade econômica sob o ponto de vista da açãodesta sobre o homem; suas faculdades, poderese necessidades. Marx resume estas qualidadeshumanas quando fala da ‘essência universal’ dohomem [...]. Estes termos remontam a Feuerbache a Hegel. A verdadeira natureza do homem estána sua universalidade. [...] O homem só é livrese todos os homens forem livres e existirem, como“seres universais”. Quando for atingida essa con-dição, a vida será moldada pelas potencialidadesdo gênero Homem, que abarca as potencialidades[e diversidade] de todos os indivíduos que con-tém. A preeminência dada a esta universalidadeincorpora a natureza ao autodesenvolvimento dahumanidade. O homem é livre se “a natureza étrabalho seu e sua realidade”, de modo que ele “asi mesmo se reconhece num mundo que ele mes-mo construiu” (Marcuse, 2004, p.238-239).

Compreender o trabalho alienado permi-te-nos entrever três grandes rupturas fundamen-tais para a vida e a saúde, operadas desde o sé-culo XVIII, como vimos: a ruptura nas relaçõesdos homens com a natureza, a ruptura dos laçosdos homens entre si e, também, do homem consi-go mesmo.

Com a valorização do mundo das coisas aumen-ta em proporção direta a desvalorização do mun-do dos homens. O trabalho não produz só merca-dorias; produz a si mesmo e ao trabalhador comouma mercadoria, e isto na proporção em que pro-duz mercadorias em geral. Marx (1983, p.148-150).

A partir dessa construção conceitual, passa-mos a resgatar quatro aspectos ou faces do trabalho

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alienado,9 como perspectivas para transpor e refle-tir sobre a realidade atual.

Primeiro aspecto: o trabalho sem arte

Como vimos, o produto do trabalho hu-mano foi reduzido à mera condição de “coisa”portadora de valor, adquirindo a duplicidade devalor de uso e valor de troca. O ser humano –trabalhador, criador e produtor – também foireduzido à coisa-mercadoria específica, que tema capacidade de criar mais valor (para o capital)do que encerra em si mesmo. Ao longo dos últi-mos séculos, a ótica empresarial e as teorias daorganização confundiram o valor existencial eético do ser humano com a noção de valor para

o capital, buscando reduzi-lo e confiná-lo ao“universo redentor” da organização.

A ideologia contemporânea, que enaltece,de modo mistificador, a “valorização do ser hu-mano na empresa” e a “excelência” – as quais têmproduzido, segundo Seligmann-Silva, o apaga-

mento ético, a insensibilidade, a ruptura da socia-bilidade e a desestabilização da saúde (Seligmann-Silva, 1994, 1995, 2001, 2011) – é prisioneira des-sa lógica redutora e originária do século XVIII.Contemporaneamente, a rigor, não houve ruptu-ra quanto a esse aspecto. A flexibilização do tra-balho trouxe, sim, mudanças na aparência dosfenômenos, o refinamento dos discursos e a am-pliação dos instrumentos de controle sobre o tra-balho dominado e do sequestro da subjetivida-de dos indivíduos. Essencialmente, aprofundou-

se o processo de alienação que mergulhou na sub-jetividade humana, intencional e racionalmente,radicalizando-se a dominação, com sériasconsequências para a sociabilidade e a saúde, es-pecialmente a saúde mental (2011).

Emergiu, assim, uma espécie de coerção à per-feição humana, algo que se transformou eminvectiva onipotente e onipresente nas empre-sas. Esta invectiva se evidencia como profunda-mente perversa, na medida em que ignora os li-mites e a variabilidade dos processos fisiológi-cos e mentais dos seres humanos, como a análi-se dos princípios e paradoxos da excelência per-mite constatar (Franco; Druck; Seligmann-Silva,2010, p.23).

Ao lado da “valorização do ser humano”,num aparente paradoxo, opera-se a banalizaçãoda injustiça social com a descartabilidade das pes-soas no mundo do trabalho, a instrumentalizaçãodo medo na gestão das empresas e a violênciapsicológica.

A injustiça e o sofrimento no trabalho dominadonada têm de novo. A novidade que assusta é a deque esteja se disseminando rapidamente abanalização do mal, isto é, a tolerância em relação àinjustiça e ao sofrimento. Dejours apontou [...] paraa íntima associação que existe entre processos denatureza política e processos de ordem psicológi-ca. [...] “insensibilidade ética” [...] estaria generali-zando-se em certos escalões gerenciais que rece-bem “missões” para atingir “metas de enxugamento’,abstraindo a dimensão humana do que isto signifi-ca. Esta insensibilidade explicaria a indiferença e anaturalidade com que a própria escalada do desem-prego passou a ser interpretada em vários ambien-tes. (Seligmann-Silva, 2011, p.26)

Segundo aspecto: o trabalho dominado

A dominação está inscrita na relação dotrabalhador com o ato da produção, está inscritae materializada no processo de trabalho. Essesegundo aspecto nos remete ao crescente con-trole sobre o trabalho, com a imposição do modo

de trabalhar e o estabelecimento dos modos ope-

ratórios e scripts nos cenários de trabalho, tantona produção de mercadorias materiais, quantoimateriais (Spurck, 2005).

9 É necessário referir a diversidade de ênfases e interpreta-ções dos vários autores sobre as principais característicasou aspectos do conceito de alienação de Marx. Ainda queessa discussão teórica não caiba no escopo deste ensaio,vale esclarecer que, ao invés de destacarmos ou acentuar-mos as discrepâncias, entendemos tais diferenças comoreveladoras da complexidade do conceito, dos olhares cir-cunstanciados dos diferentes autores – que abrangem umvasto período histórico com vistas à atualidade, ou não,do conceito em face das mudanças sociais – e da formaesparsa e inacabada pela qual se encontra na própria obrade Marx; e, por fim, pela delicada rede de mediações ecomplexa interligação entre os sentidos e interpretaçõesque tais características ou dimensões do conceito de alie-nação comportam. Ver Marcuse (2004); Mészaros (2006);Giddens (1990); Bottomore (2001), Spurck (2005); Antunes(2002) e Marx (1983, 2004b).

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... a alienação não se mostra apenas no resultado,mas no ato da produção, dentro da atividade pro-dutiva mesma. Como o trabalhador poderia sedefrontar alheio ao produto da sua atividade seno ato mesmo da produção ele não se alienasse desi mesmo ? Pois o produto é só resumo da ativi-dade, da produção. Se por conseguinte o produtodo trabalho é a exteriorização, então a produçãomesma tem que ser a exteriorização ativa, aexteriorização da atividade da exteriorização. [...]Em que consiste a exteriorização do trabalho ?Primeiro: que o trabalho é exterior ao trabalhador[...] não pertence à sua essência... que, portanto,ele não se afirma, mas se nega em seu trabalho [...]mas mortifica a sua physis e arruína a sua men-te. [...] O seu trabalho não é portanto voluntário,mas compulsório, trabalho forçado. Por conse-guinte, não é a satisfação de uma necessidade[necessidade lógica e (ou) ontológica], mas somen-te um meio para satisfazer necessidades fora dele.A sua alienidade emerge com pureza no fato deque, tão logo não exista coerção física ou outraqualquer, se foge do trabalho como de uma peste.[...] // trabalho // não é seu próprio [...] nele não sepertence a si mesmo, mas a um outro [...] Pertencea um outro, é a perda de si mesmo. (Marx, 1983,p.152-153, grifos nossos).

O trabalho prescrito tem sido revestido poruma roupagem “científica” desde o final do sécu-lo XIX. A imposição do modo de trabalhar foiconsagrada e radicalizada pelo taylorismo (the one

best way), e, sucessivamente, enriquecida e refi-nada pelas diversas escolas de humanização dotrabalho que se consolidaram na esteira das resis-tências e críticas ao taylorismo no século XX.10 Aimposição do trabalho prescrito será redefinida, for-temente, pelas mudanças na estratégia de domina-ção com a difusão das práticas participativas japo-nesas e a flexibilização do trabalho.

Além do saber operário, que o fordismo expro-priou e transferiu para a esfera da gerência cientí-fica, para os níveis de elaboração, a nova face docapital, da qual o toyotismo é a melhor expressão,

retransfere o savoir faire para o trabalho, mas ofaz visando apropriar-se crescentemente da suadimensão intelectual, das suas capacidadescognitivas, procurando envolver mais forte e in-tensamente a subjetividade operária (Antunes,2002, p.40).

A difusão da flexibilidade é simultânea àrigidez do mercado absoluto e à precarização dascondições de vida e de trabalho, que viabilizam acoexistência paradoxal de práticas participativas,ditas consensuais, com a rigidez da competitividade,a inflexibilidade do lucro e da dominação no fi-nal dos séculos XX e XXI.

Desde Taylor, passando pelas escolas dehumanização do trabalho até a flexibilização dotrabalho com o toyotismo, há uma sucessão detentativas para higienizar socialmente o proces-so de trabalho (expurgando conflitos, diferençasde interesses e negando a existência de classessociais) muito nos moldes durkheimianos de umaconcepção da divisão social do trabalho harmôni-ca e tendendo ao equilíbrio. Suas contradições easpectos aviltantes para a condição humana sãovistos como exteriores à organização do trabalhocapitalista (que, na pós-modernidade, não seriamais capitalista!), superáveis, portanto, na medi-da em que a divisão do trabalho avance, engen-drando a solidariedade orgânica. É a tentativa dereintroduzir o sentido do trabalho a partir de seuaspecto técnico e a-histórico, reduzindo o valorético dos seres humanos à dimensão do valor docapital, esvaziando-os ontologicamente e identi-ficando-os com a empresa. É a reestruturaçãoepidérmica, de superfície, que não toca nem osfundamentos nem a prática das organizações, quecontinuam a afirmar, praticar e exigir o lucro e acompetição como valores máximos.

Os indivíduos são parte da organização e,cumprindo o seu papel nesse “todo”, nesse siste-ma social – inquestionável –, deveriam, ceteris

paribus, nessa rede de relações, na versão

10 Nos EUA, destacam-se a Escola das Relações Humanas,desenvolvida por Elton Mayo na década de 1930; na déca-da de 1950, a Teoria de Hierarquia de Necessidades deMaslow; a Teoria X e a Teoria Y de Douglas McGregor, aTeoria da maturidade-imaturidade de Argyris e a TeoriaMotivação Higiene de Herzberg. As teorias contemporâne-as de motivação, segundo Robbins: a Teoria ERC – exis-tência, relacionamento e crescimento, de Clayton Aldefer;a Teoria de Necessidade de McClelland (necessidades derealização, poder e afiliação); a Teoria de Avaliação Cognitiva(final dos anos 60); a Teoria de Determinação de Metas(final dos anos 60); a Teoria do reforço (behaviorista); aTeoria da Equidade de Pearson; a Teoria da Expectativa deVictor Vroom. Para maiores detalhes, ver Robbins (1999).

Vale referir ainda a Teoria Z de William Ouchi, e a impor-tante Escola Sócio-Técnica, desenvolvida no Instituto deTavistock, Inglaterra, por desmistificar o determinismotecnológico, reconhecer a importância da participação sin-dical e preconizar mudanças de caráter coletivo na organi-zação do trabalho, dentre outros aspectos. Para maioresdetalhes ver Lemos (2001).

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parsoniana, mais atualizada, realizar-se e desenvol-ver-se como indivíduos plenos, identificados coma organização. O sistema social, a organização é per-feita, ou, se ainda não o é, deve ser continuamenteaperfeiçoada. Na visão restrita da mecânica do reló-gio, atualizada no mundo do trabalho pela visãomecanicista de Taylor (da organização como máqui-na), ou na visão dos organismos complexos (siste-mas sociotécnicos, enfoque dos sistemas abertos,da teoria da contingência, da ecologiaorganizacional), ou na metáfora das organizaçõescomo cérebro, numa analogia aos sistemasholográficos,11 os sistemas sociais não sãohistoricizados nem contextualizados.

Assim, persiste a abstração dos limites –dos indivíduos e da natureza – inerente à lógicado mercado, do lucro e da dominação pelo capital,imposta aos sistemas informacionais e de feed-

backs. No marco da globalização e do neoliberalis-mo, a exacerbação da competitividade, a buscapela excelência e a gestão pelo medo têm sido oacicate da precarização do trabalho contempo-râneo. Em consequência, os reais desafiospermanecem intocados, travestidos em epifenô-menos e mudanças epidérmicas, pontuais,reiteradoras do fetichismo, a exemplo do fascíniogeneralizado pelas inovações tecnológicas, amaquiagem das práticas participativas, asdemocracias representativas vazias, a mise-en-

scène do consenso, a mentira transfigurada emverdade e a insensibilidade ética (Dejours, 1999;Seligmann-Silva, 2011).

A violência da excelência em geral é marcada pelasutileza e imposta de modo a disfarçar a domi-

nação, por exemplo, sob discursos e projeção decenários de um futuro promissor para a empresae para seus colaboradores (expressão que ocultaa relação de poder embutida na subordinaçãocapital/trabalho). A imposição dos paradigmas daexcelência acontece juntamente com a imposi-ção do medo de discordar, já que o dilema é ade-rir ou ser excluído. Isso dá lugar a uma verdadei-ra coação ao fingimento – pois todos precisammostrar-se excelentes, energizados para cumpriras metas e, por conseguinte, fingir (até para simesmos) que estas são sempre alcançáveis (Fran-co; Druck; Seligmann-Silva, 2010, p.238).

Terceiro aspecto: a perda da razão social dotrabalho

Concerne às relações dos homens entre si

– na esteira das relações de apropriação ou do-minação e perda da razão social do trabalho(Druck; Franco, 2007) – e do homem consigomesmo (perda de si mesmo), indissociáveis, arigor, dos demais aspectos.

Uma consequência imediata do fato de o homemestar alienado do produto do seu trabalho, da suaatividade vital, do seu ser genérico, é o homemestar alienado do homem. [...] Em geral, a propo-sição de que o homem está alienado do seu sergenérico significa que um homem está alienadodo outro, tal como cada um deles da essência. //...// humana. [...] Na relação do trabalho aliena-do, portanto, cada homem considera o outro se-gundo o critério e a relação na qual ele mesmo seencontra como trabalhador. [...] Se o produto dotrabalho me é alheio, [...] se a minha própria ati-vidade não me pertence, sendo uma atividadealheia obtida por coação, a quem pertence então?(Marx, 1983, p.158-159, grifos nossos).

Convém destacar que, em relação à essên-cia da natureza humana, Marx:

... nega que o homem seja um ser essencialmenteegoísta, porque não aceita algo como uma natu-reza humana fixa (e, na realidade, não aceita nadafixo). Na visão de Marx, o homem não é, por na-tureza, nem egoísta nem altruísta. Ele se torna, porsua própria atividade, aquilo que é num determi-nado momento. E assim, se essa atividade fortransformada, a natureza humana hoje egoísta semodificará, de maneira correspondente. Nestaconcepção, a essência humana está na sociabili-dade (o conjunto de relações sociais) e não o ego-ísmo. Uma natureza dotada de plasticidade – nãofixa, transformável – cujo desenvolvimento (“rea-

11 “Muito recentemente, o cérebro tem sido comparado comum sistema holográfico, uma das maravilhas da ciência dolaser. A holografia, inventada em 1948 por Dennis Gabor,usa uma câmera sem lentes para registrar informação demaneira a armazenar o todo em todas as partes. Raios deluz entrecruzados criam um ‘modelo de interferência’ quedispersa a informação que está sendo gravada num discofotográfico, conhecido como holograma, que pode, entãoser iluminado para recriar a informação original. (...) Aholografia demonstra, de forma muito concreta, que é pos-sível criar processos nos quais o todo pode ser contido emtodas as partes, de tal forma que cada uma e todas as partesrepresentem o todo. O neurocientista Karl Pribram da Uni-versidade de Stanford sugeriu que o cérebro funcione deacordo com os princípios holográficos: que a memória édistribuída através do cérebro e pode assim ser reconstituídaa partir de qualquer das partes.” (Morgan, 1996, p.84).

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lização adequada”) “não pode ser a concorrência– essa ‘condição inconsciente da humanidade’ quecorresponde ao egoísmo e ao bellum omnium con-tra omnes hobbesiano –, mas a associação cons-ciente (Mészaros, 2006, p.137-138).

Um sistema social baseado na competi-ção, no mercado e na apropriação ilimitada debens comuns sociais e de bens comuns da natu-reza (Seoani; Taddei, 2010) conduz à perda darazão social da vida, significando a abstração do“lado social da vida humana” (Mészaros, 2006,p.160) e a alienação do homem de seu ser gené-rico, do homem pelo homem, alienação de suaprópria essência (sociabilidade). Trata-se de uma‘segunda natureza’ do homem, no âmbito de umasociedade alienada, embotada quanto àspotencialidades da natureza humana.

Em todos os casos, a alienação surge como umdivórcio entre o individual e o social, entre o na-tural e o autoconsciente. Segue-se, emcontraposição, que numa relação humana não-ali-enada, o individual e o social, o natural e oautoconsciente devem estar juntos – e formar umaunidade complexa. [...] O enriquecimento do su-jeito físico, sozinho, é o enriquecimento da “mer-cadoria humana”, que é um “ser desumanizadotanto espiritual quanto corporalmente” (32). A lutacontra a alienação é, portanto, aos olhos de Marx,uma luta para resgatar o homem de um estado noqual “a expansão dos produtos e das carências otorna escravo inventivo e continuamente calcu-lista de desejos não humanos, requintados, nãonaturais e pretensiosos” (Mészaros, 2006, p.160-163, grifos nossos).

Quarto aspecto: ser humano desenraizado

Refere-se à Natureza que nos envolve, nosentranha, nos contém e nos supera. Na socieda-de urbano-industrial contemporânea, especifi-camente, ocorre a desvalorização do mundo hu-mano e a valorização do mundo das coisas (acoisificação da rede de relações sociais). Vive-senum espaço–tempo construído e recriado soci-almente, sob a égide dessa ilusão.

... diz respeito, grosseiramente, à ordem de pro-dução totalmente artificial à qual o trabalhador

estava submetido. Ordem ‘artificial’ por que nãorespeita as leis da biologia, por exemplo (fadiga,ciclos de vigília e de sono, morfologia, estaçõesclimáticas, ritmo pessoal etc.), e sim ‘leis’ dita-das pelas exigências não-naturais de uma pro-dução maximizada. Notemos que se encontra, jáaí, uma preocupação com a ordem ambiental, quenão será considerada, infelizmente, pela evolu-ção ulterior das ‘ciências’ econômicas. (Calvez,1978 apud Aktouf, 1996, p.106)

A coisificação da existência produz ho-mens desligados dos laços que os unem entre si– através dos laços sociais, realizando a sociabi-lidade inerente que lhes confere sua humanida-de – e o ser humano desligado do “ser da espé-

cie” que os une umbilicalmente à natureza.Argumentamos que os homens e a natu-

reza são e não são separáveis um do outro. Pon-tuamos que é necessário olhar com prudência (elente histórica) a formulação de Marx sobre otrabalho alienado no que concerne à relação ho-mem–natureza, que ora revela uma visãoantropocêntrica, ora não. Assim, no nosso en-tender, é importante reconhecer o alcance, atua-lidade e profundidade dessa teoria, buscandosintonizá-la naquilo que seria difícil perceber noséculo XIX, mas que os séculos XX e XXI evi-denciam: os indivíduos humanos – a espéciehumana – estão imersos na natureza, dependemdela para viver, são parte dos fios de sua rede e,simultaneamente, têm o poder (histórico etecnológico) de tocá-la como nenhuma outra es-pécie viva, até então conhecida, e de transformá-la numa segunda natureza e até de destruir par-

te dela, que é este planeta. Assim, sem dúvida, ohomem é o sujeito-agente da história, e, nesseprocesso, modifica a natureza incessantemente,modificando a si próprio. “No entanto, antes doaparecimento da humanidade, os seres já eramseres” (Damásio, 1996, p.279). Antes da huma-nidade, a natureza já existia sem os homens.

Consequentemente, precisamos reconhecerque a natureza não é redutível à espécie humanae que não deve ser recriada à nossa medida. Pre-cisamos admitir que somos, sim, os agentes dahistória, das diferentes civilizações, criadores dostempos sociais, mas não somos deuses.

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Que essas afirmações não sejam entendidascomo apelos de volta a uma natureza intocada (algoimpossível), ou de lamentação quanto ao processohistórico de desencantamento do mundo (Weber,1967; Bourdieu, 1979). Não. Pensamos ser necessá-rio o re-encantamento do mundo, pelo reconheci-mento da complexa teia da vida, sua plasticidade elimites. Ou seja, por uma comunhão entre razão –livre da dominação ou alienação, redimensionada ecolocada pelo bom-senso em seu devido lugar – esentimento, umbilicalmente ligado à ética e aos va-

lores da dignidade e respeito humano, àquilo de maisfino, sublime e delicado que confere grandeza aoespírito humano e que nos permite conviver. A per-sistência do império de uma racionalidade infladae instrumentalizada pelos interesses e poder de eli-tes vorazes mantêm-nos a chafurdar na pequenez

humana da competição, da opressão, dodarwinismo social, banalizados e afirmados comoinatos e inexoráveis. A grandeza e a pequenez hu-mana são, ambas, possíveis; sabemos disso no diaa dia. A natureza humana tem plasticidade, e suatransformação emancipatória e desalienante é umanecessidade histórica, pelo processo ou fluxo in-cessante de interiorização e exteriorização mediadopelos habitus. Nesse sentido, precisamos recriar,re-fundar uma razão social e os tempos sociais, demodo a compatibilizá-los com os ciclos naturais queexistem no macro e microcosmo (sociedade e natu-reza, indivíduo e sociedade).

Para a compreensão da importância de foca-lizarmos o tempo social, são decisivas as contri-buições de Bourdieu. O autor, muito claramente,coloca que

... a ordem social é, antes de mais nada, um rit-mo, um tempo. Conformar-se com a ordem soci-al é primordialmente respeitar os ritmos, acom-panhar a medida, não andar fora de tempo. [...]Adotar ritmos desusados e itinerários própriossignifica já excluir-se do grupo (Bourdieu, 1979,p.47-48, grifos nossos).

Ora, nas sociedades urbano-industriaiscontemporâneas, a inclusão na ordem social pres-supõe a imersão dos indivíduos em tempos soci-ais ao avesso de seus biorritmos. Nessa linha de

argumentação, é importante retomar o conceito dehabitus de Bourdieu:

... [habitus é um] modo de engendramento daspráticas, condição de construção de uma ciênciaexperimental da dialética da interioridade e daexterioridade, isto é, da interiorização daexterioridade e da exteriorização da interioridade.As estruturas constitutivas de um tipo particu-lar de meio (as condições materiais de existênciacaracterísticas de uma condição de classe), quepodem ser apreendidas empiricamente sob a for-ma de regularidades associadas a um meio soci-almente estruturado, produzem habitus, sistemasde disposições duráveis, estruturas estruturadaspredispostas a funcionar como estruturasestruturantes, isto é, como princípio gerador eestruturador das práticas e das representaçõesque podem ser objetivamente “reguladas” e “re-gulares” sem ser o produto da obediência a re-gras, objetivamente adaptadas a seu fim sem su-por a intenção consciente dos fins e o domínioexpresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o pro-duto da ação organizadora de um regente. [...]as práticas que o habitus produz (enquanto prin-cípio gerador de estratégias que permitem fazerface a situações imprevistas e sem cessar reno-vadas) são determinadas pela antecipação implí-cita de suas consequências, isto é, pelas condi-ções passadas da produção de seu princípio deprodução de modo que elas tendem a reproduziras estruturas objetivas das quais elas são, em úl-tima análise, o produto.[...] O habitus está noprincípio de encadeamento das ‘ações’ (1983,p.60-61, grifos nossos).

Transpondo o conceito de habitus para adimensão do trabalho, compreendemos o habitus

como a construção dinâmica de ajustes, adapta-ções e resistências pelos coletivos e indivíduos,para viverem, no cotidiano, em sociedadesestruturadas e estruturantes. Trata-se de umcomplexo de múltiplas mediações. Assim, ohabitus sintetiza o vórtice de tempos distintos,naturais e históricos: os tempos sociais, o tempocósmico, os tempos biológicos e psíquicos.Condensa, portanto, os níveis individuais,microssociais e macrossociais em que se plasma otempo real vivido, presente e imaginado. As rela-ções dos seres humanos com a natureza são con-fluências, vórtices de tempo cósmico, de um tem-po histórico-social, dos tempos biopsicossociais,dos biorritmos... São construções e modulações

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na confluência de todos esses tempos. Os habitus

são construtos humanos contínuos, que têmcomo referência, consciente ou inconscientemen-te, essa complexa existência, e têm o sentido deviabilizar a vida cotidiana neste turbilhão de tem-pos entrelaçados, plasmando distintos ritmos,potencialidades e limites. Os tempos sociais sãoconstrutos humanos, distintos dos tempos na-turais que se nos sobrepõem e que, socialmente,a humanidade insiste em ignorar e negligenciar.

Os danos à saúde relacionados ao trabalho,assim como os danos ao meio ambiente em nossacivilização, têm um tronco originário comum, querevela a incompatibilidade entre estruturas crista-lizadas dos padrões de produção e consumo cria-dos e os limites biopsicossociais dos seres huma-nos e da natureza (ritmos e ciclos físico-químico-biológicos dos ecossistemas). Os habitus,

construídos ou em transição, são tentativas de adap-tação humana. A natureza, stricto sensu, tambémtem seus mecanismos adaptativos, mas ambos têmlimites (não redutíveis uns aos outros) que trans-cendem a ordem social ou dela escapam.

A sociedade do trabalho alienado, erigida aolongo da revolução industrial capitalista, desde háquatro séculos, tem produzido incessante e cumu-lativamente novos riscos ou danos, típicos destacivilização, e potencializado riscos ou danos pré-existentes. A historicidade dos riscos e sua origem12

revelam a centralidade do trabalho alienado na vidae morte dos indivíduos e na depredação do planetanas sociedades contemporâneas.

E como a relação do homem com a natureza émediada por meio de uma forma alienada de ati-vidade produtiva, ‘a natureza antropológica’ forado homem traz as marcas dessa alienação de for-ma cada vez mais acentuada, demonstrada grafi-camente pela intensidade da poluição que amea-ça a própria existência da humanidade(Mészaros, 2006, p.100).

Novos problemas de saúde no trabalhoafloraram e constituem indicadores da discordânciaentre os novos habitus no trabalho alienado e oslimites biopsicossociais dos indivíduos. Bourdieuaponta para a discordância entre as estruturas e oshabitus em situações de transição entre uma econo-mia pré-capitalista e uma economia capitalista. Aofocalizarmos o mundo do trabalho, chamamos a aten-ção para as possíveis discordâncias entre habitus no

trabalho, em formação ou já formados, e as estrutu-ras dinâmicas biopsicossociais dos indivíduos.

A história do século XIX evidenciou, sobre-tudo, os limites da vida humana no trabalho alie-nado, que originaram o campo da medicina do tra-balho, e, posteriormente, o da ergonomia e o cam-po da saúde mental. A história do século XX reve-lou os limites da natureza, de seus mecanismosreguladores, originando as ciências do meio ambi-ente. Essas dimensões e questões são indissociáveis,pois os homens estão umbilicalmente ligados à Terrae ao cosmos. A alienação produz artificialmenteuma dupla ruptura nessa ligação. O seuequacionamento encontra-se em interdependênciae o reatar destes elos, o religar, não cabe no escopode uma civilização ou sociedade dedicada à merca-doria e à dominação.

A flexibilização do trabalho mantém esse pro-cesso de inversão e o radicaliza. Assim, tanto odespertencimento social quanto o despertencimentoem relação à Natureza revelam o atributo inerente docapitalismo de ser um padrão civilizatório incapazde incorporar os limites humanos e da Natureza.

Trata-se de um padrão civilizatório ineren-temente avesso à natureza e à vida humana, namedida em que sua perspectiva é a dominação, ocontrole e a apropriação. Tocamos, aqui, nas raízese fundamentos de uma sociedade patogênica –cujos tempos sociais são incompatíveis com osbiorritmos humanos (tempos para autorregulação

12 Ainda que não seja objeto do presente ensaio, vale desta-car a argumentação crítica de Castel (2009) quanto à con-cepção de ‘sociedade do risco’ de Ulrich Beck (1998), am-plamente disseminada. Castel enfatiza a necessidade dedesconstruir a concepção globalizante do risco que preva-lece atualmente, preconizando a distinção dos riscos nasociedade contemporânea (que o autor preliminarmentediferencia em três tipos de configurações ou constelações– riscos sociais; populações de risco e riscos concernentes

ao meio ambiente) –, ao invés de adicioná-los. Os riscossão heterogêneos (quanto à origem, à estrutura e aos efei-tos). Não são cumuláveis, tendo em comum apenas o pro-duzir ameaças e medo. O autor adverte que esse tipo deadição (de medos) – ou de reducionismo, no nosso enten-der– nunca foi um bom guia, seja para a reflexão, sejapara a ação. “O amálgama dos riscos conduz, sobretudo, àconfusão intelectual e à impotência prática” (Castel, 2009,p.33-37, tradução livre).

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dos indivíduos) e com os tempos da Natureza (ci-clos de autorregulação dos ecossistemas).

O processo de alienação é, portanto, vivenciadocotidianamente pelo trabalho, e a desalienação éparte imprescindível desse processo, é a ‘inces-sante rebelião da atividade contra a passividade,do ser contra o sofrimento’(Holloway, 1997). É aexpressão da revolta da atividade contra a suacondição estranhada (Antunes, 2002, p.41).

ALIENAÇÃO DO TRABALHO: a perda darazão social e a ruptura com a natureza.

O processo de desfiliação social (Castel,1998) produzido pela flexibilização e precarizaçãodo trabalho (Appay; Thébaud-Mony, 1997; Hirata;Préteceille, 2002; Thébaud-Mony; Druck, 2007;Druck; Franco 2007; Bourdieu, 1998, 2001;Antunes, 2002, 2007) tem se expressado,contemporaneamente, na desvalorização da vidae na descartabilidade das pessoas, na “banalizaçãoda injustiça social” (Dejours, 1999), atingindo asidentidades individual e coletiva, a dimensão éti-ca e a dignidade humana (Seligmann-Silva, 1995,2001, 2010, 2011). Configura, em síntese, um pro-cesso de despertencimento social, nutrido pelaalienação do trabalho, que aprofunda o processode coisificação das relações humanas, favorecen-do a proliferação de diversas formas de violênciasocial, inclusive no trabalho, sem limites de clas-se, gênero, etnia, idade, ramo e ocupação, etc.

A precarização do mundo do trabalho e adesregulação social em curso apontam para umprocesso de apagamento das noções de limitesbiopsicossociais – inclusive éticos –, cuja funçãoé proteger a vida. Esse processo consolida a per-da da razão social do mundo do trabalho e acen-tua a inversão das relações da humanidade comos limites e ciclos da Natureza.

Essa inversão em relação aos biorritmos eciclos naturais produziu um generalizado“despertencimento” em relação à Natureza e umabarreira para que o ser humano, hoje, possa sereconhecer como “ser da espécie”, um ser oriun-do da natureza e dela dependente. Cotidianamen-

te, os habitus no trabalho, que impregnaram a vidasocial – acesa, apressada e veloz– cristalizam tem-pos sociais incompatíveis com os biorritmos dosindivíduos, cuja ruptura se expressa em muitosadoecimentos e acidentes relacionados ao trabalho.

Esse desenraizamento em relação à Nature-

za se evidencia, também, na contradição entre ostempos sociais do capital e os ciclos e sistemas re-guladores biológicos. Essa contradição produz opadrão predatório das relações entre as atividadeshumanas e o meio ambiente. Em suma, o mundodo trabalho contemporâneo aprofunda e materiali-za todas as dimensões do trabalho alienado. Suaconfiguração expressa a transformação do traba-

lho alienado em trabalho patogênico; de uma so-ciedade alienada em sociedade patogênica.

A desalienação social passa, necessariamen-te, pela redefinição do sentido do trabalho – dospadrões de trabalho, com reversão do binômioflexibilização e precarização –, com o fortalecimen-to da razão social do trabalho. Uma razão socialque seja, simultaneamente, a busca do bem viver

dos homens entre si, na e com a natureza, ou seja,assentada em novos padrões de produção e con-sumo que, ao invés de predatórios, se ajustem ànatureza e a seus ciclos.

(Recebido para publicação em 21 de fevereiro de 2011)(Aceito em 02 de maio de 2011)

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Tânia Franco

Tânia Franco - Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do Centrode Recursos Humanos/FFCH/UFBA no campo temático do trabalho, saúde e meio ambiente. Tem gradua-ção em Economia, Medicina e Mestrado em Ciências Sociais pela UFBA. É organizadora do livro Trabalho,

riscos industriais e meio ambiente: rumo ao desenvolvimento sustentável?, (Edufba, 1997) e co-organizadorado livro A perda da razão social do trabalho: precarização e terceirização. (São Paulo: Ed. Boitempo,2007), com artigos em periódicos diversos (Revista Brasileira de Saúde Ocupacional; Ciência & Saúde

Coletiva; Caderno CRH; RELET - Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo; Pistes; Laboreal).

ALIENATION OF LABOR: social uprooting andunbelonging in relation to nature

Tânia Franco

This essay recalls the notion of alienatedlabor, given its heuristic value to understand moredeeply the interconnections between thefundamentals of labor and the current challengesto the social and environmental crisis. Currentquestions about labor lead to the approach of soci-al precarization, loss of rights, damage to healthand the environment, evidence in itself, of aprofound social alienation. From a brief historicaloverview of urban-industrial capitalist societies -which highlights the growing disagreement of so-cial times with the cycles of nature and the plasticityor biopsychosocial limits of individuals - it isproposed to reconsider the four aspects of Marx’salienation concept. The interconnections betweenalienation and the Bourdieusian concept of habitus,between social precarization and environmentaldestruction are finally summarized in the notionsof social unbelonging and uprooting in relation tonature, processes characteristic of the contemporarycivilization.

KEYWORDS: alienated labor, labor and environment,work and health, precarization of work,flexibilization and social precarization.

ALIÉNATIONS DU TRAVAIL: non-appartenance sociale et déracinement par

rapport à la nature

Tânia Franco

Cet essai reprend la notion de travailaliéné, vu sa valeur heuristique, pour mieuxcomprendre les interconnexions entre lesprincipes fondamentaux du travail et les défisactuels de la crise sociale et environnementale.Les questions qu’on se pose actuellement à proposdu travail mènent à une approche de la précaritésociale, de la perte de droits, des dommages pourla santé et pour l’environnement, preuves en soid’une profonde aliénation sociale. À partir d’unebrève rétrospective historique des sociétésurbaines et industrielles capitalistes – quisouligne un croissant désaccord entre les tempssociaux et les cycles de la nature ainsi qu’avec laplasticité ou les limites biopsychosociales desindividus – on propose de revoir les quatreaspects du concept d’aliénation de Marx. Lesinterconnexions entre l’aliénation et le conceptd’habitus de Bourdieu, entre la précarisationsociale et la destruction de l’environnement, sontfinalement résumées dans les notions de non-appartenance sociale et de déracinement parrapport à la Nature, processus caractéristiquesde la civilisation contemporaine.

MOTS-CLÉS: Travail aliéné, travail et environnement,travail et santé, précarisation du travail, flexibilitéet précarisation sociale.