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ANÁLISE DE VIBRAÇÕES NO SELF-SERVICE DE UM NAVIO DE PASSAGEIROS Regina Esteves 1 e José Manuel Gordo 2 1 Departamento de Projecto, Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Av. da Praia Norte, 4900-350 Viana do Castelo Email: [email protected] 2 Unidade de Engenharia e Tecnologia Naval, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa Email: [email protected] Resumo Na sequência de um problema de vibrações no navio Lobo Marinho, navio ferry de 1150 passageiros para a travessia Funchal - Porto Santo construído pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) em 2003, foram efectuadas várias medições de vibrações pelos ENVC para a análise do problema. Este navio tinha como exigência contratual a certificação na classe COMF-G da Bureau Veritas (BV). Esta classe limita os níveis de vibrações e ruídos a bordo em condições normais de navegação e corresponde ao nível mais baixo da classe Comfort desta Sociedade Classificadora. Neste artigo apresenta-se uma análise de vibrações em elementos finitos da zona mais problemática do navio, o self-service no pavimento 5, na zona de ré do navio. Nesta análise foi possível a validação do modelo de elementos finitos com as medições de vibrações efectuadas nas provas de mar do Lobo Marinho, permitindo o estudo da influência das condições de fronteira num problema deste tipo. 1 Introdução As vibrações e os ruídos estão sempre presentes nos navios, podendo causar problemas de saúde a passageiros e tripulantes, para além dos problemas estruturais associados por exemplo a fenómenos de fadiga do material. As vibrações e ruído são consequência da excitação estrutural resultante da acção dinâmica do hélice, máquina principal ou turbinas, veio propulsor, maquinaria auxiliar e ondulação. De entre estas, destacam-se o(s) hélice(s) e a(s) máquina(s) principal(ais) como as origens mais frequentes de problemas de vibrações a bordo. É considerada uma boa norma de projecto afastar as principais frequências naturais da estrutura do navio, pelo menos, 15%-20% das principais frequências de excitação (Det Norske Veritas

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ANÁLISE DE VIBRAÇÕES NO SELF-SERVICE DE UM NAVIO DE PASSAGEIROS

Regina Esteves1 e José Manuel Gordo2

1 Departamento de Projecto, Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Av. da Praia Norte, 4900-350 Viana do Castelo

Email: [email protected]

2 Unidade de Engenharia e Tecnologia Naval, Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa

Email: [email protected]

Resumo

Na sequência de um problema de vibrações no navio Lobo Marinho, navio ferry de 1150 passageiros para a travessia Funchal - Porto Santo construído pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) em 2003, foram efectuadas várias medições de vibrações pelos ENVC para a análise do problema.

Este navio tinha como exigência contratual a certificação na classe COMF-G da Bureau Veritas (BV). Esta classe limita os níveis de vibrações e ruídos a bordo em condições normais de navegação e corresponde ao nível mais baixo da classe Comfort desta Sociedade Classificadora.

Neste artigo apresenta-se uma análise de vibrações em elementos finitos da zona mais problemática do navio, o self-service no pavimento 5, na zona de ré do navio. Nesta análise foi possível a validação do modelo de elementos finitos com as medições de vibrações efectuadas nas provas de mar do Lobo Marinho, permitindo o estudo da influência das condições de fronteira num problema deste tipo.

1 Introdução

As vibrações e os ruídos estão sempre presentes nos navios, podendo causar problemas de saúde a passageiros e tripulantes, para além dos problemas estruturais associados por exemplo a fenómenos de fadiga do material. As vibrações e ruído são consequência da excitação estrutural resultante da acção dinâmica do hélice, máquina principal ou turbinas, veio propulsor, maquinaria auxiliar e ondulação. De entre estas, destacam-se o(s) hélice(s) e a(s) máquina(s) principal(ais) como as origens mais frequentes de problemas de vibrações a bordo. É considerada uma boa norma de projecto afastar as principais frequências naturais da estrutura do navio, pelo menos, 15%-20% das principais frequências de excitação (Det Norske Veritas

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(1983), Collins et al (1995), TNO (2002)). Para atingir este objectivo devem ser consideradas as frequências naturais dos vários tipos de vibração: globais, de subgrupos e locais.

As vibrações globais dizem respeito à viga-navio e englobam vibrações verticais e transversais devido à flexão, vibrações torsionais e vibrações longitudinais.

Por vibração de subgrupos entendem-se vibrações em áreas maiores como as superstruturas, chaminé, casario, zona de ré do casco e do leme, etc.

As vibrações locais são as que ocorrem num elemento estrutural: chapas e painéis (anteparas, partes de pavimentos, chapas de pavimentos entre reforços, balizas, sicórdias, longitudinais), vigas (mastros, veio, gruas), sistemas elásticos com massas concentradas (auxiliares, caldeiras, condensadores). Nas vibrações locais o comportamento dinâmico do elemento não é significativamente afectado pelos elementos circundantes. O nível destas vibrações pode ser bastante elevado e, quando este fenómeno ocorre numa zona de passageiros e/ou tripulação, pode ser uma causa de problemas.

Nos navios de passageiros é habitual existirem grandes áreas abertas: zonas de estar, de refeições, de lazer. Durante a fase de desenvolvimento de projecto é conveniente uma análise em elementos finitos dos pavimentos destas grandes áreas para, se necessário, intervir atempadamente na estrutura, bem antes das provas de mar, onde já tudo está praticamente concluído.

Neste artigo analisa-se uma destas grandes áreas abertas em elementos finitos, o self-service do navio Lobo Marinho, situado na zona de ré do navio, no pavimento 5. A validação do modelo foi possível por comparação com os resultados das medições efectuadas pelos ENVC durante as provas de mar do navio.

2 Descrição do Lobo Marinho e do Self-Service

As características principais do Lobo Marinho resumem-se na tabela 1, apresentando-se o seu perfil na figura 1.

Figura 1- Perfil do Lobo Marinho. A ré indicação da localização do pavimento 5.

As principais frequências de excitação do navio em função da sua origem são apresentadas na tabela 2.

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LPP 98.20 m LOA 112 m B 20 m D (convés principal) 7 m T (projecto) 4.5 m V (serviço) 21 nós Nº de máquinas principais 2 × MAK 16VM32 MCR 16000 kW RPM 750 RPM Nº de hélices (CPP) 2 Nº de pás em cada hélice 4 Vel. rotação do veio 246.6 RPM Nº passageiros 1153 Nº tripulantes 47 Nº máx. de pessoas a bordo 2000 Nº de automóveis 145

Tabela 1- Características principais do navio

ORIGEM DA FORÇA DE EXCITAÇÃO FREQUÊNCIA Hélice (harmónicas da BPF, Blade Propeller Frequency) 1 × BPF = 16.44 Hz 2 × BPF = 32.88 Hz etc. Máq. Principal (harmónicas da meia ordem RPM) 0.5 × RPM/60 = 6.25 Hz 1 × RPM /60= 12.5 Hz 1.5 × RPM /60= 18.75 Hz 2 × RPM /60= 25 Hz Veio 1 × RPM/60= 4.11 Hz 2 × RPM/60= 8.22 Hz

Tabela 2- Principais Excitações Esperadas

A zona do self-service situa-se na zona de ré do pavimento 5 (figuras 1 e 2). É um salão com 25.4 m de comprimento e 12.8 m de largura onde existe uma área de serviço e uma área de refeições (figura 2). Estruturalmente esta zona tem apenas 2 sicórdias, a 3.2 m da linha de centro, em perfil L400×120×11.5×23. Este perfil é também utilizado nas balizas reforçadas desde ré até à baliza 36 (#36), ou seja, praticamente em todo o self-service. Os longitudinais são ferros bolbo FB100×6, espaçados 0.8 m entre si. Os restantes detalhes da estrutura podem ser vistos na figura 3 e na tabela 3.

Figura 2- Pavimento 5, zona de ré até #60

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Figura 3- Estrutura do self-service, desde #1 até #41

ESTRUTURA DO PAV.5 DA POPA ATÉ #36 #36 ATÉ #60 Sicórdias L400×120×11.5×23 L400×180×18×20 Balizas reforçadas L400×120×11.5×23 FB220×10 Longitudinais FB100×6 FB100×6 Chapa do pavimento 8 mm 8 mm DA POPA ATÉ #16 #16 ATÉ #60 Espaçamento entre balizas 0.61 m 0.65 m Espaçamento entre balizas reforçadas 3.05 m 3.25 m Espaçamento entre longitudinais 0.8 m 0.8 m Distância das 2 sicórdias (BB e EB) à LC 3.2 m 3.2 m

Tabela 3- Estrutura do Pavimento 5 de ré até à baliza 60.

3 Medições de Vibrações Realizadas

As medições de vibrações foram subempreitadas pelos ENVC a uma empresa dinamarquesa de consultoria de vibrações e ruído, a Ødegaard & Danneskiold–SamsØe (ØDS).

As condições em que as medições foram realizadas estavam de acordo com as regras da BV: navio à velocidade de serviço de 21 nós, calado de 4.7 m e 70 m de profundidade sob a quilha do navio, máquinas e sistemas auxiliares a funcionar (ar condicionado, ventiladores, estabilizadores, etc.), máquinas principais a 90% da potência máxima contínua (MCR), o que corresponde a 2x7200 kW a 750 rpm, passo do hélice a 90% à rotação 246.7 rpm, vento de este com força 3 e mar com pequena vaga 3.

Os pontos de medição no self-service foram aprovadas pela BV antes das provas de mar. Ficou acordada a medição dos 5 pontos indicados na figura 2. Os valores das medições de vibrações, bem como os valores admissíveis, constam na tabela 4.

De acordo com a BV o limite da velocidade para espaços como o self-service é de 3.5 mm/s. No entanto, tratando-se de uma zona de ré, sobre este valor é possível uma tolerância de 0.5 mm/s. A BV permite ainda uma outra tolerância nesta classe: em 10% dos pontos medidos em todo o navio, os limites das velocidades podem exceder em 1 mm/s os valores admissíveis. No Lobo Marinho mediram-se cerca de 90 pontos, o que permitiria ter cerca de 9 pontos com mais 1 mm/s. Sendo esta a zona mais problemática do navio, podia dispor-se desta tolerância para estes pontos.

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No entanto, as três medições feitas no ponto 54 excedem os 5 mm/s de limite admissível (já consideradas as tolerâncias máximas), razão suficiente para não ter sido atribuída a classe COMF-G ao navio.

PONTOS VELOCIDADE (Peak Hold) [mm/s]

FREQUÊNCIA [Hz]

LIMITES ADMISSÍVEIS DE VELOCIDADE (Peak Hold) [mm/s]

52 (RE BB) 3.8 11.75 3.5+0.5+1= 5 53 (RE EB) 4.4 27 3.5+0.5+1= 5 54 (LC) 5.6/5.1/6.7 8.3/8.0/8.3 3.5+0.5+1= 5 55 (AV EB) 4.7/4.1 8.5/16.5 3.5+0.5+1= 5 56 (AV BB) 5.9/4.3/4.2 17.0/16.0/18.5 3.5+0.5+1= 5

Tabela 4- Pontos medidos segundo a classe Comfort da BV

Os 5 pontos medidos são suficientes para revelar problemas nos níveis de vibrações mas insuficientes para permitir tirar qualquer conclusão acerca da origem do problema: se é uma excitação forçada, se a estrutura está em ressonância, qual o modo de vibração excitado ou em ressonância, etc. Estes dados são essenciais para a análise do problema e consequente resolução do mesmo.

A ØDS levou a cabo medições mais detalhadas, medindo 30 pontos nesta zona a partir dos quais determinaram os dois primeiros modos de vibração do self-service (figura 4).

Figura 4- Respectivamente, 1º e 2º modos de vibração na zona do self-service

A primeira frequência natural do pavimento da zona do self-service existe aos 8.5 Hz e a segunda aos 12.5 Hz. Se houver uma excitação com uma intensidade relevante a uma frequência próxima destas frequências a estrutura entrará em ressonância.

Dada a proximidade destas frequências com as frequências de excitação da máquina principal e do veio propulsor, e na ausência de níveis de vibrações importantes noutras zonas do navio, concluiu-se que se estava na presença de uma vibração localizada e não global do navio e que o pavimento estava em ressonância por existirem excitações dentro da margem dos 20%. Do ponto de vista do navio como um todo, a vibração do pavimento diz-se ser uma vibração local. No entanto, do ponto de vista de um painel, este tipo de vibração considera-se uma vibração global, pois as vibrações locais correspondem à vibração dos longitudinais e das chapas entre reforços.

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Neste artigo utilizam-se estes resultados para validar um modelo simplificado em elementos finitos que possa servir para este tipo de abordagem na fase de desenvolvimento do projecto.

4 Modelação do Self-Service em Elementos Finitos

Na análise de um problema utilizando elementos finitos, a parte mais trabalhosa é, normalmente, a modelação. Por um lado, quanto mais complexo é o modelo, mais morosa é a sua modelação, por outro lado a restrição da modelação a uma zona menor pode tornar-se complicada por exigir que as condições de fronteira simulem as zonas adjacentes de uma forma fiável.

Por regra, a modelação envolve simplificações em relação ao modelo real. Algumas dessas simplificações são feitas por limitações da transição realidade/modelo e outras podem ser feitas para diminuir o tempo de modelação. Dado que estas simplificações conduzem a grandes diferenças nos resultados, testaram-se dois modelos aos quais correspondem diferentes níveis de simplificação. O software utilizado foi o Ansys (versões 5.4 e 7).

4.1 Definição da Área a Modelar e Tipo de Modelos

Na figura 3 foi assinalada a área utilizada para fazer os modelos. Modelou-se esta área por se considerar ser uma aproximação suficiente, uma vez que tornava possível a imposição de condições de fronteira, razoavelmente rígidas a toda a volta: a ré, bombordo (BB) e estibordo (EB) existem anteparas corrugadas de aço de 6 mm, e a vante uma antepara estrutural.

Para se ganhar sensibilidade ao rigor dos modelos, utilizaram-se 2 tipos de modelos:

- Modelo 1: modelo curto, detalhado, onde todos os elementos são elementos placa. Diz-se modelo “curto” porque, conforme será visto mais tarde, houve necessidade de fazer um outro modelo mais extenso. Diz-se detalhado por se considerar que é um modelo mais próximo da realidade, onde todos os reforços são desenhados a 3D, como elementos placa com espessura. Neste modelo tentou-se uma representação muito fidedigna da realidade, existindo por isso alguns elementos de malha mais curtos do que um espaçamento de baliza ou longitudinal (figura 5).

- Modelo 2: modelo curto, simplificado, onde as vigas são agora representadas como linhas (elementos viga). Este modelo é mais simples, com um tempo de modelação muito menor do que o primeiro (figura 6).

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Figura 5- Estrutura e condições de fronteira do modelo 1 . À direita pormenor da estrutura.

Figura 6- Estrutura e condições de fronteira do modelo 2 . À direita pormenor da estrutura.

4.2 Tipo de Elemento e Tamanho da Malha

Para o modelo 1 utilizaram-se elementos placa SHELL63, elementos elásticos de placa, com 4 nós, com capacidades de transmissão de esforços de flexão e de membrana. É permitida a aplicação de forças no plano médio e no plano normal. O elemento tem 6 graus de liberdade em cada nó: translações e rotações segundo x, y, z.

No modelo 2 utilizaram-se os mesmos elementos de placa e ainda os elementos viga BEAM44, elementos elásticos de viga tridimensional, 2 nós, assimétrico, com capacidades de tracção, compressão, torção e capacidades de flexão. Este elemento tem os mesmos 6 graus de liberdade em cada nó e exige a introdução das características da secção: área, momentos de inércia, distância do eixo neutro da viga à placa, rigidez torsional.

O tamanho da malha foi, regra geral, o de um espaçamento de baliza por um espaçamento longitudinal (aproximadamente 0.65 m × 0.8 m). Esta malha não permite resolver a vibração dos elementos de placa, o que também não é do âmbito deste estudo.

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4.3 Condições de Fronteira

Em ambos os modelos foram impostas condições de fronteira simplesmente apoiadas (SA), restringindo todas as translações (ux=uy=uz=0) nos locais onde existem anteparas de aço, a toda a volta do modelo. A EB ainda se consideraram as anteparas que delimitam o compartimento da câmara frigorífica e o corredor de acesso à cozinha, substituindo-as por restrições aos deslocamentos lineares.

É de notar que a primeira grande diferença entre os modelos surge precisamente na aplicação das condições de fronteira. No modelo 2 as condições SA aplicam-se restringindo as translações nos nós das placas e vigas, alguns deles nós comuns, como se vê no pormenor da figura 6. No entanto, para se conseguir uma situação equivalente a esta no modelo 1, apenas se podem restringir as três translações da chapa do pavimento (pormenor da figura 5). Se no modelo 1 se restringissem também as três translações nos reforços ficava-se com uma situação equivalente a um encastramento, uma vez que a viga tem três dimensões e existiria o impedimento de rotações nas suas extremidades. Esta é uma das grandes dificuldades que decorre da aplicação das condições de fronteira a um modelo deste tipo.

4.4 Carga Aplicada

Estimou-se que a carga distribuída a aplicar na zona seria cerca de 50 kg/m2, incluindo o peso do pavimento flutuante, mesas, cadeiras, material do bar, etc. Com base nesta estimativa, a carga aplicou-se uniformemente na chapa do pavimento alterando a sua densidade. Em vez de 7.85 de densidade do aço utilizou-se 14.1.

5 Resultados

De seguida apresentam-se e comparam-se os resultados dos dois modelos, obtidos utilizando o método de Lanczos por blocos, método de determinação de valores e vectores próprios de uma estrutura não amortecida disponível no Ansys.

A comparação entre os modos de vibração dos dois modelos mostra que apenas no primeiro e no segundo modos (figuras 7 e 8) a correspondência é inequívoca. Os modos são os mesmos em ambos os modelos e nota-se que a frequência de vibração estimada é superior no modelo 1 relativamente ao modelo 2, o que significa que o modelo 1 é mais rígido do que o modelo 2, se se tiver em consideração que a frequência natural de uma estrutura não amortecida é proporcional à relação /K M , onde K representa a rigidez da estrutura e M a sua massa.

No terceiro modo já não se verifica uma total correspondência entre os dois modelos. No modelo 2 vêem-se dois espaçamentos entre balizas reforçadas com a mesma direcção enquanto no modelo 1 o movimento se altera de espaçamento em espaçamento (figura 9). Da mesma forma não se mantém a relação de ordem entre as frequências dos dois modelos, sendo neste caso a frequência do modelo 2 superior à do modelo 1.

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Figura 7- Modelo 1 (Modo 1: 6.573 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 1: 5.907 Hz)

Figura 8- Modelo 1 (Modo 2: 10.372 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 2: 9.598 Hz)

Figura 9- Modelo 1 (Modo 3: 12.41 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 3: 12.813 Hz)

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Figura 10- Modelo 1 (Modo 4: 13.371 Hz)

Figura 11- Modelo 1 (Modo 5: 13.561 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 5: 13.777 Hz)

Relativamente aos modos 4 e 5 do modelo 1, também não existe correspondência directa com os modos 4 e 5 do modelo 2, sendo o modo 4 do modelo 2 muito diferente. Por esta razão nem sequer foi colocado à direita da figura 10. Quanto muito, pode dizer-se que o modo 5 do modelo 2 (figura 11) junta os dois modos, 4 e 5, do modelo 1, figuras 10 e 11.

Os erros relativos das frequências destes cinco primeiros modos estão na tabela 5. Aparentemente o erro relativo vai decrescendo à medida que os modos avançam mas, como visto anteriormente, só existe uma boa correspondência entre os primeiros 2 modos pelo que esta conclusão não é fiável.

MODOS Modelo 1- Modelo 2

Modelo 1 Freq. [Hz]

Modelo 2 Freq. [Hz] Erro relativo [%]

Modo 1 - Modo 1 6.573 5.907 10.1 Modo 2 - Modo 2 10.372 9.598 7.5 Modo 3 - Modo 3 12.410 12.813 -3.2 Modo 4 - Modo 5 13.371 13.777 -3.0 Modo 5 - Modo 5 13.561 13.777 -1.6

Tabela 5- Erros relativos dos modos de vibração (modelo 2 em relação ao 1).

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No modo 1 a diferença entre os modelos é de cerca de 10%. No entanto, calculou-se este erro em relação ao modo 1 do modelo 1, que também não está de acordo com o resultado esperado. De acordo com as medições anteriormente descritas o modo 1 desta zona situa-se nos 8.5 Hz. Ambos os modelos estão muito longe deste valor experimental, sendo o erro relativo do modo 1 do modelo 1 de 23 %. Isto significa que este modelo tem menos rigidez do que o self-service na realidade tem, assumindo que a distribuição uniforme da sobrecarga não afecta significativamente os modos e as frequências naturais. Estas condições de fronteira não se mostram capazes de garantir o nível de encastramento que as anteparas de aço e o restante pavimento atribuem à zona. Desta forma, decidiu-se voltar a correr os dois modelos mas agora com as condições de fronteira encastradas (EE) (ux=uy=uz=rx=ry=rz=0), mantendo o mesmo posicionamento das figuras 5 e 6. Os resultados obtidos para estes dois primeiros modos com as condições de fronteira encastradas estão ilustrados nas figuras 12 e 13.

Figura 12- Modelo 1 (Modo 1: 11.465 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 1: 10.207 Hz)

Figura 13- Modelo 1 (Modo 2: 13.648 Hz) vs. Modelo 2 (Modo 2: 12.364 Hz)

Interessa notar que os erros relativos são semelhantes aos obtidos com as condições de fronteira SA. No entanto, se com as condições de fronteira SA o modelo com o primeiro modo mais próximo do medido era o modelo 1, agora com condições de fronteira encastradas o modelo mais próximo é o modelo 2. O menor erro relativo da primeira frequência natural deste modo em relação ao medido é de cerca de 32%, erro, à semelhança do anterior, muito elevado.

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MODOS Modelo 1- Modelo 2

Modelo 1 Freq. [Hz]

Modelo 2 Freq. [Hz] Erro relativo [%]

Modo 1 - Modo 1 11.465 10.207 11.0 Modo 2 - Modo 2 13.648 12.364 9.4

Tabela 6- Erros relativos agora com condições de fronteira encastradas (modelo 2 em relação ao 1).

Há uma conclusão importante a tirar: as condições de fronteira do self-service do navio encontram-se entre as SA e as encastradas. Há visivelmente um grau de rigidez intermédio difícil de quantificar e que variará de navio para navio, de modelo para modelo.

Para conseguir um modelo com esta rigidez nas condições de fronteira há duas abordagens que imediatamente ocorrem como sendo as mais simples: a) ou se põe elementos mola com uma certa rigidez nas extremidades do modelo e se “afina” a rigidez utilizando as medições reais ou b) se estende o modelo até ao casco para ver se esta continuidade do piso e novas restrições nas condições de fronteira na zona do casco se aproximam da rigidez necessária.

A primeira hipótese foi posta de parte à partida por não ter tanto interesse para abordagens futuras onde não exista alguma familiaridade com o tipo de navio e se possa confiar na rigidez dos elementos mola, ou existam medições pelas quais “afinar” o modelo.

A segunda hipótese surge como mais interessante por se continuar a ter o mesmo tipo elementos e haver apenas a extensão do modelo. É certo que vai exigir mais algum tempo dispensado com a modelação mas como é uma situação mais genérica, isto é, situações de superstruturas que vão quase até à borda são comuns a muitos navios, considerou-se preferível. O tempo da análise em elementos finitos é naturalmente mais longo mas não tem qualquer expressão com os processadores actuais.

Só se estendeu o modelo 2 pelo facto de o modelo 1 ser extremamente trabalhoso e por se ter, até agora, o mesmo grau de fiabilidade do que no modelo 1, isto é, ainda nada se concluiu acerca do maior rigor de um ou de outro. O modelo 1, pelo tempo que despende na modelação, não tem tanto interesse como o modelo 2 para efeitos de anteprojecto e projecto em estaleiro. O modelo 2 foi então estendido, a ré até ao casco e a vante até às próximas anteparas estruturais paralelas, o que equivale à baliza 56, a vante da cozinha (figura 14). Com esta extensão pretende-se exactamente dar ao modelo condições de fronteira mais reais, entre as condições de fronteira SA e EE, uma vez que a chapa adicional acrescenta rigidez à rotação.

A parte acrescentada ao modelo 2 também tem cargas diferentes, estimadas em cerca de 30 Kg/m2 na zona exterior (zona mais clara da figura 14) e em cerca de 110 Kg/m2 a zona da cozinha (zona mais escura da figura 14), de acordo com os valores de projecto.

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Figura 14- Modelo 2 estendido até ao casco e a vante até à baliza 56.

As figuras 15 e 16 ilustram os resultados obtidos.

Figura 15- Modelo Extenso (Modo 1: 8.852 Hz e Modo 2: 8.9 Hz)

Figura 16- Modelo Extenso (Modo 3: 9.039 Hz e Modo 13: 11.621 Hz)

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O primeiro modo da área surge na zona da cozinha por volta dos 8.852 Hz (modo 1 da figura 15). Este modo tem pouco interesse para a análise em questão, uma vez que as amplitudes mais elevadas se situam na zona da cozinha, fora do self-service.

O 2º modo de vibração, modo 2 da figura 15, tem amplitudes mais elevadas na zona do self-service e corresponde ao 1º modo de vibração global do "rectângulo" self-service. Este é um dos modos correspondentes à análise modal efectuada e cujo valor determinado foi de 8.5 Hz. O valor obtido no Ansys para este modo foi de 8.9 Hz, o que corresponde a um erro de 4.7%, podendo considerar-se que este modelo está bastante ajustado com as medições.

A diferença dos resultados, além dos erros inerentes aos elementos finitos, pode corresponder a um erro na estimativa da carga aplicada na zona do self-service. Testou-se a influência da variação da carga e um erro de 10 kg/m2, ou seja, se, em vez de 50 kg/m2, se aplicassem 60 kg/m2 obtinha-se uma diferença de 2.5%-3% na primeira frequência natural. Este valor é da ordem do erro obtido. Neste caso, mais 10 kg/m2 iam baixar a frequência em cerca de 2.5%-3%. Uma vez que a frequência varia de acordo com a relação /K M este erro pode significar que a carga foi sub-dimensionada. O 3º modo (figura 16) é muito localizado e sem qualquer interesse prático. Uma série de vibrações deste tipo, fora do self-service, aparecem sucessivamente até ao 13º modo (figura 16), onde surge o 2º modo global do "rectângulo" self-service. Trabalhando com um modelo maior e que abarca zonas distintas é natural, como aconteceu neste caso, que surjam vários modos locais com menos interesse. O 13º modo é o segundo modo do qual existe análise modal. Na tabela que se segue comparam-se os 2 modos globais do "rectângulo" self-service com os valores medidos.

MODOS

Valores Medidos Freq. [Hz]

Modelo Extendido Freq. [Hz] Erro relativo [%]

Modo 1 8.5 8.90 4.7 Modo 2 12.5 11.621 -7.0

Tabela 7- Erros relativos do modelo estendido vs. valores medidos

O 2º modo apresenta um erro de 7%, não estando tão bem ajustado com os valores medidos embora ainda dentro dos limites da ordem de erro aceitável para as análises em elementos finitos (10%).

Enquanto no 1º modo global do "rectângulo" o erro é positivo, no 2º modo, o sinal negativo indica que a estimativa de elementos finitos tem um valor inferior ao medido.

Anteriormente mencionou-se que o ajustamento do 1º modo do "rectângulo" poderia ser obtido pelo aumento da carga no self-service em cerca de 10 kg/m2. É de notar que o "arranjo" do 1º modo vai "desarranjar" o 2º modo pois ao baixar a frequência

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do 2º modo com o aumento da massa o erro vai também aumentar. Por isso, é necessário ter muito cuidado com os ajustes dos modos. Esta é uma solução de compromisso, com erros menores do que 10%, que se considera boa e validada com a realidade.

No entanto, numa fase inicial de projecto, é suficiente obter uma informação credível do primeiro modo e uma indicação da ordem de grandeza do 2º modo para afastar estes modos 20% ou mais das principais frequências de excitação.

6 Comentários Finais

Os modelos de dimensão reduzida mostraram ser pouco fiáveis na previsão das primeiras frequências naturais, o que significa que é difícil modelar as restrições impostas pelas anteparas.

A extensão do modelo de elementos finitos até ao costado na zona em estudo mostrou ser suficiente para a obtenção de valores credíveis para a primeira e segunda frequências naturais.

Não se notaram diferenças substanciais entre os modelos detalhado (modelo 1) e simplificado (modelo 2) podendo-se optar pelo segundo, dada a maior facilidade de modelação.

Agradecimentos

Agradece-se aos ENVC a disponibilidade de toda a informação relativamente ao navio e às medições realizadas.

Referências:

Bureau Veritas, (April 2001), “Comfort on Board (COMF)”, BV rules, Part F, Chapter 6.

Collins, D.G., Fitzsimmons, P.A., Wong, S.F., (1995), Lloyd's Register, “Ship Vibration - The Methodology and Practice of Vibration Control”, International Conference on Noise and Vibration in the Marine Environment, London.

Det Norske Veritas, (1983), “Prevention of Harmful Vibration in Ships”, Norway.

TNO, (2002), “Sound and Vibration on Board” workshop, Delft.