A_Norma_Fundamental_de_Kelsen_-_Versao_para_Distribuicao.pdf

7
DADOS DO AUTOR E REFERÊNCIA DO TEXTO André Luiz Souza Coelho tem 32 anos, é bacharel em Direito pela UFPA (2005), mestre (2012) e doutorando (2015) em Filosofia pela UFSC. É professor do Centro Universitário do Pará (CESUPA) e escreve o Blog Filósofo Grego”, dedicado à Filosofia Moral, Política e do Direito, do qual foi retirado o texto abaixo. Contato: [email protected] Para fins de citação: COELHO, André. A Norma Fundamental de Kelsen: Explicando um Conceito Mal Compreendido. Disp. em <http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2011/01/nor ma-fundamental-de-kelsen.html>. Acesso em 6 Out. 2013 [inserir a data em que acessou o texto]. A Norma Fundamental de Kelsen: Explicando um Conceito Mal Compreendido Uma das teses pelas quais Kelsen é mais conhecido é a proposição, desde a primeira edição de sua Teoria Pura do Direito (1934), da chamada norma fundamental (Grundnorm). Nessa postagem vamos explicar: (1) O que é a norma fundamental e de que modo ela surge na argumentação de Kelsen; (2) quais as funções que a norma fundamental desempenha na concepção kelseniana de Direito; e (3) por que algumas críticas à norma fundamental partem de uma compreensão equivocada seja de sua natureza seja de suas funções. (1) Uma das premissas básicas de Kelsen é que uma norma não pode ser fundamentada por nenhuma outra coisa que não outra norma. Kelsen tem um argumento negativo e um argumento positivo para isso. O argumento negativo consiste em excluir as outras possibilidades. Para Kelsen, tais possibilidades seriam duas: (a) a norma ser autoevidente, prescindido de fundamentação noutra coisa; (b) a norma ser fundamentada na autoridade de quem a põe. Contra (a), Kelsen argumenta que só poderia haver normas autoevidentes se houvesse uma razão prática, o que, para Kelsen, quer dizer: se houvesse uma razão legisladora, se a razão ditasse normas de conduta para o homem. Porém, segundo Kelsen, a razão é apenas especulativa, quer dizer, apenas torna possível o conhecimento, nada tendo que ver com a ação. Provas de que a razão não é prática, ou seja, não é legisladora são o franco desacordo moral entre os homens e a incapacidade de qualquer sistema moral particular de alcançar um acordo universal. Kelsen conclui que, não havendo uma razão prática, isto é, não fornecendo a razão normas para a ação, nenhuma norma de ação pode ser, à luz da razão, evidente, sendo, portanto, sempre necessário fornecer para cada norma alguma fundamentação noutra coisa que não seu próprio conteúdo. Aliás, Kelsen acrescenta que as normas que parecem evidentes para os homens não o são em razão de seu conteúdo, mas sim devido à aceitação não problemática da autoridade que a pôs (ou seja, não pelo motivo (a), e sim pelo motivo (b)), por exemplo, Deus, um revelador profético, o costume etc. Mas Kelsen também nega que uma norma possa estar fundamentada simplesmente na autoridade de quem a pôs. Isso porque essa autoridade pressupõe a obrigação de

Transcript of A_Norma_Fundamental_de_Kelsen_-_Versao_para_Distribuicao.pdf

DADOS DO AUTOR E REFERNCIA DO TEXTO AndrLuizSouzaCoelhotem32anos,bacharelem DireitopelaUFPA(2005),mestre(2012)edoutorando (2015)emFilosofiapelaUFSC.professordoCentro UniversitriodoPar(CESUPA)eescreveoBlog FilsofoGrego,dedicadoFilosofiaMoral,Polticae do Direito, do qual foi retirado o texto abaixo. Contato: [email protected] Para fins de citao: COELHO,Andr.ANormaFundamentaldeKelsen: Explicando um Conceito MalCompreendido. Disp. em . Acesso em6 Out. 2013 [inserir a data em que acessou o texto]. A Norma Fundamental de Kelsen: Explicando um Conceito Mal Compreendido Uma das teses pelas quais Kelsen mais conhecido a proposio, desde a primeira edio de sua Teoria Pura do Direito (1934), da chamada norma fundamental (Grundnorm). Nessa postagemvamosexplicar:(1)Oqueanormafundamentaledequemodoelasurgena argumentaodeKelsen;(2)quaisasfunesqueanormafundamentaldesempenhana concepokelsenianadeDireito;e(3)porquealgumascrticasnormafundamental partem de uma compreenso equivocada seja de sua natureza seja de suas funes. (1) Uma das premissas bsicas de Kelsen que uma norma no pode ser fundamentada por nenhumaoutracoisaquenooutranorma.Kelsentemumargumentonegativoeum argumentopositivoparaisso.Oargumentonegativoconsisteemexcluirasoutras possibilidades.ParaKelsen,taispossibilidadesseriamduas:(a)anormaserautoevidente, prescindido de fundamentao noutra coisa; (b) a norma ser fundamentada na autoridade de quemape.Contra(a),Kelsenargumentaquespoderiahavernormasautoevidentesse houvesseumarazoprtica,oque,paraKelsen,querdizer:sehouvesseumarazo legisladora, se a razo ditasse normas de conduta para o homem. Porm, segundo Kelsen, a razo apenas especulativa, quer dizer, apenas torna possvel o conhecimento, nada tendo quevercomaao.Provasdequearazonoprtica,ouseja,nolegisladorasoo francodesacordomoralentreoshomenseaincapacidadedequalquersistemamoral particulardealcanarumacordouniversal.Kelsenconcluique,nohavendoumarazo prtica,isto,nofornecendoarazonormasparaaao,nenhumanormadeaopode ser, luz da razo, evidente, sendo, portanto, sempre necessrio fornecer para cada norma alguma fundamentao noutra coisa que no seu prprio contedo. Alis, Kelsen acrescenta que as normas que parecem evidentes para os homens no o so em razo de seu contedo, massimdevidoaceitaonoproblemticadaautoridadequeaps(ouseja,nopelo motivo (a), e sim pelo motivo (b)), por exemplo, Deus, um revelador proftico, o costume etc. Mas Kelsen tambm nega que uma norma possa estarfundamentada simplesmente na autoridadedequemaps.Issoporqueessaautoridadepressupeaobrigaode obedincia,eessaobrigaoteriaqueser,porsuavez,estabelecidaporumanorma.Ou seja, se uma norma N1 estiver fundamentada na autoridade da pessoa P1 que a estabeleceu, aautoridadedeP1requerer,porsuavez,umanormaN2queatribuaspessoasa obrigaodeobedeceraP1.Nessecaso,porm,serN2,enoP1,quedar verdadeiramenteofundamentodevalidadedeN1.Concluso:Comonoexisterazo prtica,isto,comoarazohumananolegisladoradenormasdeconduta,noh normas autoevidentes apenas por fora de seu contedo; as que se alega serem tais o so, na verdade,devidoaceitaonoproblemticadaautoridadequeasps;mastoda autoridadetambmprecisa,parasertal,deumanormaqueordeneaobedinciaaela,de modoque,sejaporumavia,sejaporoutra,oquefornecefundamentoaumanorma sempre outra norma, e no alguma outra coisa. EsseoargumentonegativodeKelsen.Seuargumentopositivoparaprovarqueapenas umanormapodeserfundamentodeoutranormapartedadistinoentreseredeverser. ParaKelsen,essadistinoaomesmotempointuitivaeontolgica:intuitivaporque imediatamente claro para nossa conscincia que uma coisa ser assim e assim diferente de essa coisa dever ser assim e assim, e vice-versa, no se podendo de uma concluir a outra; e ontolgicaporqueKelsenacreditaqueseredeversersodoisplanosdistintosde realidade,senonosentidorealistaplatnicodaexistnciadeummundododeverser, pelo menos no sentido fenomenolgico de que se trata de um aspecto ou dimenso distinta defuncionamentodenossaconscincia.Kelsenendossaoargumentohumeanoda impossibilidade de derivao do dever ser a partir do ser, bem como do ser a partir do dever ser. Para ser menos obscuro, isso quer dizer que Kelsen nega que alguma informao sobre como as coisas so possa, sem mais, permitir a concluso sobre como as coisas devem ser. O simples fato, por exemplo, de a maioria dos membros de uma assembleia concordar com umamedidaxnofazcomqueautomaticamentexdevaseradotada.assimapenasse houver uma norma segundo a qual as decises tomadas pela maioria dos membros daquela assembleiatornam-seobrigatriasparaessesmembros.Oqueapoiaaobrigatoriedadeda medida x no , ento, o fato de sua aprovao por maioria, mas sim a norma que torna esse fatomotivobastanteparasuaobrigatoriedade.Outraformadedizerissodizerqueum fatonuncapode,emsimesmo,darobrigatoriedadeaumanorma,amenosquetalfato esteja dotado de sentido normativo, o qual, por sua vez, ter que ter sido atribudo a ele por uma norma. Concluso: Dada a distino entre ser e dever ser, um fato nunca pode, em si mesmo, ser fundamento de uma norma, mas pode ser motivo de sua obrigatoriedade apenas namedidaqueumanormaatribuaaeleumsentidonormativoparticular.Dissosesegue que sempre uma norma, e nunca um fato, que d validade a outra norma. Tendo deixado clara essa premissa, Kelsen se apoia nela para chegar concluso de que inevitvelassumiraexistnciadeumanormafundamental.Kelsenraciocinaque,secada norma vigente precisa, para ser vlida, estar fundamentada numa norma anterior e superior, ento,dasduasuma:ouissolevaaumregressoinfinito,emquenuncahaveriauma primeira norma capaz de fundamentar todas as outras; ou isso levaria em algum momento a umanormaque,notendooutraanterioresuperiorqueafundamente,careceriade validade, contaminando, assim, de invalidade toda a sequncia de normas que se apoia nela. Regresso infinito ou incio arbitrrio parecem ser as duas possibilidades que se apresentam, compondo,assim,umdilemaqueimpediriaconcluircomoasnormaspodem,afinalde contas, ser fundamentadas. Para sair desse dilema que Kelsen concebe a noo de norma fundamental.Defato,cadanormapostaprecisaestarfundadanumanormaanteriore superior.Contudo,paraquenohajaumregressoinfinitoquefaaavalidadedessas normas cair no vazio, preciso que exista uma primeira norma que d fundamento a todas as demais. essa norma que, segundo o dilema acima, pareceria ter o problema de tambm precisardeumanormaanterioresuperiorqueafundamente,sobpenadeserinvlidae, assim, contaminar de invalidade todas as demais normas que nela se apoiam. Mas, explica Kelsen, isso s assim se essa primeira norma for uma norma posta, pois, sendo tal, teria que ter sido posta por algum, esse algum tendo, como j vimos acima, que ter autoridade e essa autoridade requerendo, por sua vez, outra norma que a estabelecesse. Kelsen, ento, argumentaqueessaprimeiranormanopodeserposta,mastemqueser,naverdade, pressuposta.Trata-sedeumanormaque,diferentedetodasasoutras,temsuavalidade fundamentadanoemoutranorma,massimnasimplesaceitaodesuavalidade.Essa simples aceitao, por sua vez, s ocorreria para que assim se pudesse dar validade a todo o restante das normas. Seria uma aceitao necessria para no fazer ruir o edifcio de normas que se apoia nesse primeiro fundamento. Masissoparecerianosdevolveraodilemaanterior.Afinal,emquedizerqueanorma fundamentalnofundamentadaporoutranorma,mas,aocontrrio,pressupostacomo vlida seria diferente de dizer que ela simplesmente uma norma arbitrria, que, como tal, noteriavalidade,nosendo,portanto,capazdefundamentaroquequerquesejaque pretenda apoiar-se nela? Ou ainda, para colocar em termos mais kelsenianos: Em que dizer que a norma fundamental tem uma validade pressuposta, quer dizer, simplesmente aceita como vlida, diferente de dizer que o simples fato da aceitao dessa norma que a torna vlida, ou seja, que teria havido uma violao da premissa de que a validade de uma norma nopodeestarfundadanumfatosemquehajaumanormaqueatribuaaessafatoum sentidonormativoparticular?Kelsenescapadessasobjees.Segundoele,emprimeiro lugar, uma norma pressuposta diferente de uma norma arbitrria se sua pressuposio for umaabsolutanecessidadeparaavalidadedeoutrasnormas.Senegamosvalidade,por exemplo,normaqueestabelecequeolimitedevelocidadeemcertarua60Km/h,isso nocomprometeavalidadedetodasasoutrasnormaseaexistnciadoprpriodireito. Portanto,sedissermos,paraessanorma,quesuavalidadesefundanumapressuposio, essapressuposioserarbitrria,nosentidodenojustificada.Se,porm,negamos validadenormafundamental,comprometemosavalidadedetodasasoutrasnormase ameaamosaprpriaexistnciadodireitoenquantotal.Portanto,setornarmosavalidade dessa norma pressuposta, no o estaremos fazendo arbitrariamente, e sim justificadamente. anicanormacujapressuposionecessriae,porisso,justificada,noconstituindo arbitrariedade.Emsegundolugar,Kelsennegaqueapressuposiodevalidadedanorma fundamentalsignifiquequeumanorma(deverser:anormafundamental)estarfundada num fato (ser: o fato de sua aceitao). No a aceitao da norma fundamental que a torna vlida, mas , ao contrrio, sua validade que torna obrigatria sua aceitao. Para que fosse possvelquesuaaceitaoatornassevlida,serianecessriosuporumaoutranorma, anterior e superior, que atribusse ao fato da aceitao da norma esse sentido normativo, o queafariadeixardeser,assim,aprimeiranorma,deixandodeser,porconseguinte,a normafundamental.Avalidadedanormafundamental,contudo,noposta,esim pressuposta. Ser pressuposta exatamente no depender de aceitao ou de qualquer outro fato, tendo que ser aceita para que seja possvel falar de um ordenamento jurdico vigente. isso que Kelsen chama de carter lgico-transcendental da norma fundamental: Ela uma pressuposiolgicanecessria,umaconditiosinequanon,paraquepossamosfalarda em diante de normas vlidas num sistema jurdico. Podemos,assim,encerraraprimeirapartedessaexposiorespondendoobjetivamentea essasduasperguntas:Oqueanormafundamental?Resposta:umanormapressuposta queservedefundamentodevalidadeparatodasasnormaspostasdeumordenamento jurdico. Como a norma fundamental surge na argumentao de Kelsen? Surge para escapar dodilemaentreregressoinfinitoedecisoarbitrrianafundamentaodenormaspor outras normas; surge, portanto, como fundamento primeiro pressuposto que torna possvel a considerao de validade de todas as demais normas do sistema. (2)Agoravamosexplicarasfunesqueanormafundamentaldesempenhanateoriade Kelsen. Essas funes so basicamente trs, que chamaremos de funo epistmica, funo demarcadora e funo unificadora. Vejamos cada uma. (a)Funoepistmica:Emprimeirolugar,anormafundamentaltornapossvela manutenodaquelaobjetividadequeKelsenconstantementeadvogaparaaabordagem cientficadodireito.Kelsenconcebequeacinciadodireitodeveter,peranteodireito vigente, uma atitude meramente constatativa: Deve preocupar-se com como o direito , mas nocomcomoeledeveser.Deve,porassimdizer,aceit-loedescrev-locomoele.O estudo do direito deveria, para Kelsen, estar isento de qualquer juzo de valor do intrprete a respeito do contedo das normas vigentes. Isso no quer dizer que o intrprete no possa formularumjuzocrticosobreasnormasoupropornormasmelhoresqueasqueesto vigentes,masquerdizer,sim,quenodeveconfundirseujuzocrticoesuaspropostas legislativas com o direito que est, de fato, vigente em certo tempo e lugar. Pois bem, para Kelsen,talobjetividadenoseriapossvelsemanormafundamental.Seno,vejamos: Todas as normas inferiores se apoiam, direta ou indiretamente, na constituio. Mas o que tornaaconstituiovlida?Ora,teriaqueserouqueasnormasdaconstituiosoboas normas, que, porque so boas, deveriam ser aceitas; ou que a constituio foi posta por um atovlidodeautoridade,sejadaautoridadeautocrticadeumditadorsejadaautoridade democrticadeumaassembleiadecidados.Numcasoounooutro,nosemanteriaa necessriaobjetividadenoestudododireito.Noprimeirocaso,asnormasdaconstituio seriamvlidasapenasnamedidaemqueointrpreteasconsideraboasnormas,demodo que a considerao de sua validade estaria contaminada de juzos morais de valor sobre seu contedo. No segundo caso, as normas da constituio seriam vlidas apenas na medida em queointrpreteaceitasseaautoridadedoatoqueaestabeleceu.Masaaceitaodessa autoridade, no sendo comandada por uma norma, teria que depender da anuncia poltica dointrpretequelefato,oquetambmpassapelorecursoajuzosdevalor.Se,ao contrrio,sesupequeavalidadedasnormasdaconstituioprovmdeumanorma fundamentalpressupostaquemandaobedecerconstituio,essanormafundamental poderseraceitacomopuranecessidadelgico-transcendental,aqualprescindede qualquerjuzodevalormoralsobreocontedodasnormasconstitucionaisedequalquer juzo de valor poltico sobre o ato que instituiu essas normas. a norma fundamental que tornapossvelsustentaravalidadedasnormasjurdicasdeumpontodevistalgico-transcendental,querdizer,isentodevalores,capazdemanteratopropugnada objetividade cientfica do estudo do direito. (b) Funo demarcadora: Em segundo lugar, a norma fundamental que permite distinguir entre direito e no direito. Uma das teses bsicas do positivismo jurdico a da separao entrenormasjurdicasenormasmorais.Dopontodevistaformal,essaseparaoentre normascujaobrigatoriedadeobjetiva(nosujeitaaojuzodecadaum)eindependede seucontedoserbomoumau(asnormasjurdicas)enormascujaobrigatoriedade subjetiva(sujeitaaojuzodecadaum)edependedeseucontedoserbomoumau(as normas morais). Contudo, essa tese s faz sentido se houver algum critrio objetivo com o qualsejapossvelidentificarquaissoasnormasjurdicasvigentes.ParaKelsen,esse critrioobjetivodedemarcaodequaisnormassojurdicasequaisnosono exatamenteanormafundamental,masdependedela.Ocritrioparasaberquaisnormas jurdicasestovigentesconsultarquenormasforampostasporautoridadesautorizadas pela constituio e esto dentro dos limites de contedo que a constituio impe. Para toda normainfraconstitucional,suavalidadeomesmoquesuaconstitucionalidadeformale material.Mas,paraqueaconstituiopossadesempenharessepapel,precisoquesuas normastenhamtambmvalidadeequeessavalidadenosejamoral.Oquepermitea validade no moral das normas da constituio a norma fundamental. (c)Funounificadora:Porfim,aterceirafunodanormafundamentalunificaro sistema jurdico. Ser possvel dizer, ento, que para todo par de normas jurdicas N1 e N2, verdadeiro que tais normas pertencem aomesmo sistema jurdico se ambas puderem ser reconduzidas,remontandonacadeiadenormas,mesmanormafundamental.Ditode outro modo, normas cuja validade est sustentada, de modo direto ou indireto, prximo ou remoto, pela mesma norma fundamental so normas que fazem parte de um mesmo sistema jurdico.Aquinecessrioevitarumaconfusoquefrequente.Kelsenenfatizaqueo contedodanormafundamentalsempreomesmo:Elaordenaobedecerconstituio. Ento,seconsiderarmosossistemasjurdicos,porexemplo,doBrasiledaArgentina, ambosestofundados,emltimainstncia,nanormafundamental,aqualtem,tantono BrasilquantonaArgentina,omesmocontedo.Sendoassim,porqueosistemajurdico brasileiro e argentino no so, ento, um nico e mesmo sistema jurdico? A resposta a esta questo que, assim como uma norma que mandasse em cada regio falar-se a lngua local teria diferentes resultados no Brasil e na Argentina simplesmente porquea lngua local de umpasedooutronosoamesma,deigualmodoumanormaquemandeobedecer constituioterdiferentesresultadosnoBrasilenaArgentinasimplesmenteporquea constituiodeumpasedooutronosoamesma.MasqueBrasileArgentinano tenham a mesma constituio deriva de um fato poltico, e no jurdico. Sendo assim, isso nocomprometeriaocarterlgico-transcendentaldanormafundamental,umavezque aquiloqueelacomandaaobedinciaconstituioexistentenaqueletempoenaquele lugar particulares seria na verdadea adesoa um fato puramente poltico? Essa objeo confundeduascoisasdistintas.Umacoisaordenaraobedinciaaumanormaques existeemrazodeumfatopoltico.Outracoisaordenaraobedinciaaessanormaem razodessefatopolticoaqueeladevesuaexistncia.Sendoassim,claroquea autonomiapolticadoBrasilemrelaoArgentinaevice-versaumfatopoltico.Mas noemrazodessefatoqueanormafundamentalmanda,noBrasilenaArgentina, obedeceraconstituio.Omotivodocomandodanormafundamentallgico-transcendental:Semumanormaquecomandeobedecerconstituio,estaficariasem validadeecomprometeriaaexistnciadetodooordenamentojurdico.Aconstituiode cadalocalexisteporummotivopoltico.Masnopormotivopolticoqueanorma fundamentalcomandaobedecerconstituio,esimparatornarpossvelaconsiderao puramente cientfica da validade das normas jurdicas de cada Estado. (3)Amododeconcluso,vamosprimeirorevisarocontedodapostagematagora. Primeiro mostramos por que, para Kelsen, apenas uma norma pode fundamentar a validade de outra norma e por que, para escapar ao dilema entre regresso infinito e deciso arbitrria, Kelsen adota a sada de uma norma pressuposta capaz de fundamentar a validade de todas asnormaspostas.Emseguida,mostramosqueessanormapressuposta,anorma fundamental,permiteamanutenodaobjetividadedacinciadodireito(funo epistmica), a distino entre direito e no direito (funo demarcadora) e a distino entre normas jurdicas que pertencem ou no ao mesmo sistema jurdico (funo unificadora). Ao longodaexplicao,jafastamosalgumasobjeesnoodenormafundamentalque derivamdemscompreensesdesuanaturezaoudesuafuno.Afastamosaobjeode queanormafundamentalarbitrria,umavezquesuapressuposionecessriae, portanto,justificada.Afastamosaobjeodequeelaconverteumfato(aceitao)em fundamento de uma norma, pois na verdade no a aceitao da norma fundamental que a torna vlida, e sim sua inevitvel pressuposio para que se possa falar de qualquer sistema jurdicovigente.Afastamosaobjeodequeelatemcontedopoltico,pois,emboraa norma que ela comanda obedecer (a constituio) dependa, para sua existncia, de um fato poltico,noessefatopolticoomotivopeloqualanormafundamentalcomanda obedec-la, e sim a necessidade desse comando para a manuteno da validade de todas as normas do ordenamento jurdico. Precisamos,agora,afastarduasltimasobjees.Aprimeiradeque,comoanorma fundamentalmandaobedecerconstituioindependentementedeestatercontedobom oumaueindependentementedetersidopostaporatoditatorialoudemocrtico,entoa normafundamentalcriaumapredisposiodeaceitaoacrticadainjustiaedo autoritarismo.Primeiro,porqueanormafundamentalnoumfato,esimuma pressuposio, que, enquanto tal, no capaz de provocar nas pessoas o que quer que seja, muitomenosumapredisposioparticular.Dizerquehumanormafundamental pressuposta que manda obedecer constituio apenas dizer que, se h uma constituio vigente,entoprecisosuporaexistnciadeumanormaquemandeobedeceraessa constituio.Segundoporque,sehouverdapartedaspessoasumapredisposiode aceitao acrtica do que quer que seja, tal predisposio seria, certamente, bem anterior teoriadeKelsenebastanteindependentedaaceitaodesuaspremissas.bemprovvel que o positivismo jurdico s seja possvel em funo de certa fora que essa predisposio tem na modernidade, e no o contrrio. A segunda (e, em certosentido, a mais populare a menos slida de todas) a objeo de quemuitoadmiraqueumateoriaquetantoinsisteemqueacinciaseatenhaapenasa juzosdefato,emquedeixemosdeladofantasiasmetafsicasequimerasmorais,alegue como fundamento de validade de todo o ordenamento jurdico uma norma que basicamente no um fato, mas uma simples pressuposio cerebrina da lavra do filsofo. Em resumo, muito admira que uma teoria positivista do direito recorra a pressuposies. Essa afirmao produto de ignorncia pura e simples sobre o que e como funciona o positivismo. No apenas no Direito, mas em qualquer campo que seja, o positivismo no empirismo: Ele , inclusive,porassimdizer,anegaodoempirismo.Enquantooempirismodizque podemosconheceratravsdasensaoosfatosdarealidade,opositivismodizques podemos conhecer os fatos que o mtodo torna possvel conhecer, sendo o mtodo, e no a realidade,ofundamentodevalidadedoconhecimento.Nocasodopositivismojurdico, isso quer dizer que no a simples observao das normas que nos vai dar uma concepo cientfica do direito, mas, ao contrrio, necessrio um mtodo atravs do qual tais normas seroapreciadaseestudadasdemodotalapermitirquesefaadelasumjuzocientfico, isto , para o positivismo: um juzo objetivo, isento de valores, suscetvel de demonstrao. Ocorrequeomtodonofato,omtodoumconjuntoderegrasepressupostosque tornampossveloconhecimentoobjetivodecertaporodarealidade.Sendoassim,uma teoriapositivistaprecisaassumirregrasepressupostos,sobpenadenodispordeum mtodo,esperartudodosfatosedeixardeser,emsentidoestrito,umateoriapositivista. Kelsennoacreditaqueosfatossozinhospossamnosfornecerumateoriacientfica.Os fatos s nos dizem algo quando interrogados e interpretados luz de um mtodo construdo demodotalquenosproporcionerespostasobjetivas.Paraisso,sonecessriasregrase pressuposies,nosendoanormafundamentalnemapressuposionicanemamais problemtica das que Kelsen nos informa que necessrio assumir numa teoria positivista dodireito.Masopiordetudoquequemformulaessaobjeoouacreditaqueseria possvel uma teoria puramente factual do direito que no recorresse a qualquer pressuposto que fosse, ou acredita que o positivismo jurdico parte dessa hiptese, que , pelo contrrio, exatamente aquela que ele nega mais veementemente. Seja num caso seja no outro, o tipo decoisaquejamaisdeveriaserditoasrionoplanoacadmico,mas,infelizmente, repetidoatortoeadireitograduaoeps-graduaoafora.Esperotercontribudopara que esse tipo de erro no ocorra mais. Sobre Kelsen no Filsofo Grego ler ainda: 5 Erros Comuns a Respeito da "Teoria Pura do Direito", de Kelsen