Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa político-religiosa de Cuiabá
(1930 – 1945)
RAFAEL ADÃO
CUIABÁ-MT ABRIL/2017
RAFAEL ADÃO
Anticomunismo e suas construções mitológicas na imprensa político-religiosa de Cuiabá
(1930 – 1945)
Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de Geografia, História e Documentação – IGHD da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial à obtenção de título de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Cândido Moreira Rodrigues.
CUIABÁ-MT ABRIL/2017
ADÃO, Rafael. Anticomunismo e suas construções mitológicas na Imprensa político-religiosa de Cuiabá (1930 – 1945). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2017.
RESUMO
Em se tratando dos enunciados contemporâneos no cenário político
brasileiro que reverberam contra o comunismo, é fundamental pensar o
anticomunismo no Brasil, sendo a década de 1930 momento crucial para
expansão e consolidação da propaganda anticomunista. Diante de um
contexto político conturbado e de intensas disputas, o anticomunismo se
intensificou perante uma elite cada vez mais temerosa de que as ideias
contestadoras do seu status quo ganhassem ampla adesão junto às classes
trabalhadoras. Nesse mesmo cenário, que abarca a crise do modelo
democrático liberal, observou-se pelo mundo a ascensão de expressões
extremistas nacionalistas e fascistas, refletida no Brasil com a formação do
governo autoritário do Estado Novo, vigente entre os anos 1937 e 1945.
Nesse sentido, a proposta deste trabalho objetiva analisar como estava
inserida a imprensa religiosa e partidária da capital mato-grossense, Cuiabá,
perante os debates anticomunistas dos anos de 1930 a 1945. E em diálogo
com o historiador francês, Rauol Girardet, busca-se compreender as
construções dos mitos políticos e conspiratórios contra essa outra expressão
política, o comunismo, assim como, tudo aquilo que ela representava,
contestava e repercutia.
Palavras chaves: Anticomunismo, construções mitológicas e imprensa.
ABSTRACT
In dealing with contemporary statements in the Brazilian political scene that
reverberate against communism, it is fundamental to think of anti-
communism in Brazil, the decade of 1930 being a crucial moment for the
expansion and consolidation of anti-communist propaganda. Faced with a
troubled political context and intense disputes, anti-communism intensified
in the eyes of an increasingly fearful elite that the contending ideas of its
status quo gained wide acceptance among the working classes. In this same
scenario, which encompasses the crisis of the liberal democratic model, the
rise of nationalist and fascist extremist expressions was observed in world,
reflected in Brazil with the formation of the authoritarian government of the
Estado Novo, in force between 1937 and 1945. In this sense, the purpose of
this study is to analyze how the religious and partisan press in Cuiabá, the
capital of Mato Grosso, faced the anticommunist debates of the years 1930
to 1945. In dialogue with the French historian Rauol Girardet, the aim is to
understand the constructions of political and conspiratorial myths against
this other political expression, communism, as well as everything that it
represented, challenged and reverberated.
Keywords: Anticommunism, mythological constructions and the press.
AGRADECIMENTOS
A constituição de todo este processo de pesquisa e escrita não foi
um processo solitário, mas cercado do auxílio e atenção de parceiros e
amigos. Apresento aqui, então, os agradecimentos a essas parcerias e
colaborações. Primeiramente ao meu estimado orientador, prof. Dr. Cândido
Moreira Rodrigues. Crítico, exigente e historiador de excelência, o prof.
Cândido, desde a graduação, partilha conosco de seu valoroso apoio e
incentivo nessa empreitada acadêmica e busca pela compreensão das
diferentes faces da política e da religião na história contemporânea.
Gratidão expressada também aos demais examinadores deste
trabalho acadêmico, a prof. ª Dra., Thaís Leão Vieira que dividiu conosco seu
olhar ímpar da História Cultural. Olhar este presente desde o processo
seletivo, onde na entrevista desafiou-me com pertinentes questionamentos
em relação ao meu projeto de pesquisa. E ao prof. Dr., Edvaldo Correa Sotana
que de maneira significativa nos auxiliou com seu conhecimento abrangente
sobre imprensa e sobre o comunismo.
Um agradecimento afetuoso aos funcionários do Arquivo Público
de Mato Grosso, que sempre me atenderam com apreço e dedicação. E aos
professores do Departamento de História da UFMT e do Programa de Pós-
Graduação em História, que são para mim referências de profissionalismo e
humanidade. Como ainda, ao professor Dr. Fernando Zolin Vesz do Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFMT.
Agradecimento fraternal aos amigos desta jornada tão
desafiadora no programa de pós-graduação, que graças a vocês se tornou
mais leve e divertida, em especial: Amauri Júnior da S. Santos (Mau), parceiro
de estudos e de Lollapalooza; Rafael Freitas (Rafa), amigo leal e
comprometido; Natally Sena (Taly), dona de deliciosas gargalhadas e sempre
de bem com vida; Túlio Arruda, uma amizade doce e amável; e ela, “de
Lucas”, Fernanda Nicoli da Silva, saiba que nossas conversas foram
fundamentais para a construção desta dissertação, aprendi muito contigo.
Este coração ainda carrega outros amigos da História e que
também marcaram suas presenças nas narrativas deste trabalho, assim tenho
enorme agradecimento a: Alexandre Vinícius (Ale), amigo fiel, que auxiliou-
me com sua perspectiva sensível; Luciene A. Castravechi (Lu), “fia de Xô dito”
e nossa musa Clio inspiradora, dona de uma personalidade cativante, doce e
ao mesmo tempo sincera; Ruan G. de Almeida Vital (Nito) e Léo Floriano,
“parças” de filmes e bagunças, meus amigos mais presentes; Rhaissa M. B.
Lobo (Tissa), mulher de fibra, uma alma linda e forte; Fernanda Queiroz de
Menezes (Mineira) e seu esposo Vitão, obrigado por sempre me receberem
com muito carinho em sua casa; Prof.ª Dra. Beatriz Feitosa (Bia),
extremamente amável e uma pessoa que tenho imensa admiração; Silvana
Ferrai Leite (pexinha), a ruiva mais divertida dos Estados Unidos; Mauro
Alcântara; Natália Madureira (Naty); Gisele O. Umbelino (Gi), obrigado pela
ajuda com as revisões ortográficas; Tiago Viera de Melo (Titi); Alencar
Cardoso da Costa; e Andrielly Natarry Leite (Dry) que compartilhou comigo
de preciosas referências bibliográficas e metodológicas.
Agradecimentos plenos de bons sentimentos aos meus outros
amigos e irmãos na vida, Luis Marcelo do Espírito Santo Costa e sua mãe
Gumercinda Leandra do Espírito Santo (uma segunda mãe para mim), Ruthe
Bispo Sales, Naiara Aparecida Cristina Gomes, Thargus Martins Bertholine,
Larissa S. Alvim, Carlos Eduardo Leite, Leonardo Melo de Oliveira e Samira
Rajab. Aos meus amáveis padrinhos, Gilda Neves de Oliveira e Wilson de
Oliveira, por sempre estarem ao meu lado nos momentos mais difíceis. Ao Sr.
Acomerques Costa e Silva e sua esposa Rosilene, que sempre acreditaram em
meu potencial e garantiram meus estudos em instituições fundamentais para
a minha formação.
E aos meus colegas do Ministério Público do Estado de Mato
Grosso, especialmente ao Procurador de Justiça - Paulo Roberto Jorge do
Prado, Cláudia Di Giácomo Mariano – Diretora Geral, minha Chefinha - Katiucy
Albuquerque, Gerson N. Barbosa, Eunice Helene R. de Barros, Maria Ap.
Leite, João Pedro de Campos Filho, Lúcia C. Cuiabano, Loaci A. Cavalcanti,
Giseli C. de Souza, Silvana S. Rodrigues e Lucinéia N. de Oliveira Sá.
Externo ao final minha gratidão mais cara e cheia de saudades,
revertida para minha mãe Lindaura Aparecida Adão, uma mulher guerreira e
de fé, que me deu forças e estímulos para abraçar a vida, para lutar e realizar
sonhos e seguir meus caminhos com dignidade, compromisso, liberdade e
sem jamais se enganar.
Por um mundo onde sejamos socialmente iguais,
humanamente diferentes e totalmente livres.
Rosa Luxemburgo.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Grafia do título do Jornal “O Matto Grosso”, Caderno: 184, 18 fev.
1937................................................................................................................70
Imagem 2: Grafia do título do Jornal “A Cruz” em 1939, Caderno: 1375, 12
fev. 1939..........................................................................................................74
Imagem 3: Dom Aquino Corrêa, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1182, 15 mai.
1935................................................................................................................75
Imagem 4: Propaganda vinculada no jornal “A Pena Evangélica, n.: 492,13
mar. 1937........................................................................................................76
Imagem 5: Grafia do título do Jornal “A Pena Evangélica” em 1942, n.: 743,
10 jan. 1942....................................................................................................77
Imagem 6: Grafia do título do Jornal “Alliancista” em 1937, Edição n.: 1, 10
out. 1937.........................................................................................................77
Imagem 7: “Presidente Getúlio Vargas e seu aniversário natalício”, Jornal “A
Cruz”, Caderno: 1527, 19 abr. 1942..............................................................187
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 14
CAPÍTULO I ........................................................................................... 34
Imprensa, anticomunismo e o arquivo ................................................. 34
Imprensa: desenvolvimento, percalços e desafios de seu
processo modernizador ............................................................... 34
Escrita e persuasão: a imprensa como plataforma privilegiada dos
intelectuais .................................................................................. 45
Imprensa, anticomunismo e as diferentes expressões políticas no
Brasil de 1930 a 1945 .................................................................. 50
Imprensa em Mato Grosso e o arquivo de periódicos ................ 65
CAPÍTULO II .......................................................................................... 80
Mitologia conspiratória anticomunista nos jornais de Cuiabá .............. 80
Cultura política, conceitos e possibilidades de análise ............... 80
O mito da conspiração e a construção do outro: “a luta do bem
contra o mal”. .............................................................................. 84
As expressões políticas e culturais do anticomunismo no Brasil 91
Anticomunismo e a reação católica contra o mundo moderno
liberal ........................................................................................... 94
Anticomunismo e a articulação protestante em torno da
modernidade e do progresso .................................................... 104
Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão .............. 109
CAPÍTULO III ....................................................................................... 143
Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo
........................................................................................................... 143
Anticomunismo na escala nacionalista e liberal ........................ 143
Os “traidores” da Pátria – O perigo vermelho afronta a nação 148
Comunismo – A utopia “extremista” frente às ideias liberais ... 170
Anticomunismo e o Estado Novo na imprensa religiosa cuiabana
................................................................................................... 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 197
FONTES/JORNAIS PESQUISADOS.........................................................200
REFERÊNCIAS. ..................................................................................... 200
14
INTRODUÇÃO
A imaginação coletiva é um recurso poderoso que mobiliza a
sociedade entorno de propósitos e crenças. Envolta de sentidos e
explicações, a imaginação repercute diversas visões de mundo, sejam elas
individuais ou coletivas. O filósofo polonês, Bronislaw Baczko1, entende o
imaginário coletivo como um artifício capaz de criar sentidos e narrativas
influentes na acomodação da vida em sociedade, direcionando condutas,
funções, posições sociais e modelos a serem adotados. Com seu auxílio se
fabricam mitos, monumentos, tormentas, identidades e as “fronteiras” que
demarcam as diferenças entre nós e o outro.
O âmbito do político também recepciona e constrói imaginários,
já que não é um espaço restrito às percepções racionais e pragmáticas,
conduzido apenas pelas estratégias e disputas em torno do poder. Imerso na
realidade global da sociedade, o universo político se embriaga de cores,
símbolos, tradições, sonhos, utopias, ódio, ressentimentos e compaixões.
É nesse sentido que historiadores como René Rémond2 e Serge
Berstein3 defenderam a tratativa dos estudos sobre o político em vigoroso
diálogo com as diversas dimensões sociais, inclusive a cultural. Pois, as
fronteiras do político não estão cercadas por uma muralha que o separa do
inconsciente e das emoções coletivas. É uma realidade de consistência
própria, mas conectada e influente sobre toda a esfera privada e pública da
sociedade e que:
Ora ele se dilata até incluir toda e qualquer realidade e
1 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. 2 RÉMOND, René. Uma História Presente. p. 13-36. In: RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003. 3 BERSTEIN, Serge. A cultura política. p. 349-363. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988. ´p. 349-363.
15
absorver a esfera do privado: este é o traço das sociedades totalitárias. Ora ele se retrai ao extremo. Essas variações obedecem a necessidades externas; refletem também as flutuações do espírito público.4
O historiador francês Raoul Girardet é outra relevante referência
dessa perspectiva. Seus estudos, em “Mitos e Mitologias Políticas” de 19875,
contribuíram com instigantes análises sobre os imaginários políticos e a
constituição de narrativas mitológicas acerca do outro e das realidades
sociais e políticas.
Nessa obra, Girardet atenta-se para a constituição do universo de
sentidos que se expressam na busca do salvador e na construção dos mitos
políticos. O autor acredita que tais manifestações se identificam de forma
mais intensa em momentos de profundas transformações, como as rupturas
políticas, revoluções, contrarrevoluções ou no estabelecimento de governos
totalitários. Dessa maneira, defende que o surgimento e a dinâmica dos mitos
políticos ocorrem prevalentemente como resposta e explicação aos
momentos de grandes crises, disputas e conflitos sociais, a fim de estabilizar
ou mesmo provocar as transformações da ordem corrente.6
A primeira metade do século XX foi um desses momentos de crise,
onde, de acordo com o historiador Eric Hobsbawm, ocorreu o profundo
desgaste das ideologias e instituições políticas da sociedade liberal burguesa
do século XIX.7 No Brasil, esse contexto se constituiu em grandes tensões
perante uma República pressionada internamente por movimentos que
4 RÉMOND, René. Do político. In: ______. (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003, p. 442. 5 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 6 Idem. 7 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX, 1914-1191. Companhia das Letras, São Paulo, 2013, p. 112.
16
reivindicavam renovações e rupturas com as antigas expressões oligárquicas
nacionais e regionais. Dentre essas tendências de ruptura, surge, em 1922, o
Partido Comunista do Brasil (PCB), ligado à III Internacional8, refletindo não
apenas o anseio por mudanças na composição política brasileira, mas
também aspirações revolucionárias de inspiração marxista-leninista e em
contestação às bases econômicas e sociais capitalistas.
É nesse contexto de intensas mudanças e rearranjo das forças
políticas e sociais que esta pesquisa se dedica aos anos de 1930 a 1945,
marcados pela inserção de novos protagonistas políticos. Contudo,
inicialmente não havia consenso sobre quais novas diretrizes o país deveria
seguir. E em relação à emissão das propostas comunistas, diversos setores
sociais e políticos estiveram sistematicamente em vigilância e oposição aos
anseios dessa ideologia política, assinalando um enfrentamento ativo
denominado de anticomunismo. Essa ação oposicionista propagou uma série
de mitos sobre o comunismo e seus partidários, alastrando um antagonismo
que circunscreve por diversos anos a história política brasileira.
Essa manufatura mitológica foi e é tecida com a ajuda de
diferentes suportes discursivos9, com o intuito de produzir e difundir
8 Importante destacar que, no ano de 1919, houve no Brasil a fundação de um Partido Comunista confluente das concepções libertárias da revolução russa, mas ainda muito ligado ao movimento anarquista brasileiro. Entretanto, as contradições entre as propostas do anarquismo e as concepções marxistas acabaram promovendo um processo de cisão entre seus intelectuais e militantes. Isso levou à constituição de um novo Partido Comunista, em 27 de março 1922, este sim ligado à III Internacional e tendo como um de seus principais fundadores o jornalista Astrojildo Pereira. Cf. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 251-282. 9 Michel Foucault ao pensar o discurso refuta sua compreensão como a de mera representação, mas sim um aparato de enunciados que constituem um campo discursivo estabelecido dentro de um espaço e tempo. Dessa maneira, Foucault acredita que para entender os discursos e seus enunciados, não se pode basear na simples interpretação textual e semântica, ou ainda, na identificação do que está oculto dentro de um determinado texto. Sua proposta vai além, tendo o discurso como um aparato de imagens, textos, falas e representações engendradas por diversas relações de poder e por seus campos de disputas. Assim, os discursos não são meros reflexos de ideias, são concepções
17
“verdades” que são construídas e repercutidas pelas instituições, pela
ciência, pelas tradições religiosas, pela política e nas relações sociais em
modo geral. No caso deste trabalho, o destaque se dá aos meios de
comunicação, especificamente à imprensa, que são reconhecidos pelo
filósofo e historiador Michel Foucault como um dos produtores dominantes
de regimes de verdades, um espaço de poder privilegiado que se utiliza de
determinadas regras e saberes para difundir explicações e “certezas” sobre a
realidade.10
A imprensa nacional e regional, expressa por uma variedade de
agentes do campo intelectual, religioso e político, utilizou-se desse espaço
privilegiado para difundir suas “verdades” discursivas sobre o comunismo,
com o interesse de alertar sua população sobre o que considerava ser uma
ideologia perigosa e ilusória.
Assim, esta dissertação propõe analisar as construções
mitológicas sobre esse outro, o comunismo, na imprensa cuiabana dos anos
de 1930 a 1945, período em que o anticomunismo se intensificou no Brasil.
Ato contínuo, pretende-se compreender a interação dos aspectos locais com
contextos mais abrangentes, no intuito de evidenciar as singularidades e
similaridades dessa manifestação política em comparação com o restante do
país.
Segundo Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, no século
XIX, diante do quadro de exploração dos trabalhadores, reflexo da Revolução
Industrial, os ideais comunistas ganharam destaque entre alguns
de verdade arqueologicamente formadas. Essa produção discursiva, como afirma Foucault em “A ordem do discurso”, é: “controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos”, com o intuito de estabelecer o domínio dos acontecimentos. Cf. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 8-9. 10 __________. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Gral, 2012, 30. reimp, p. 13.
18
pensadores11. Mas somente com Karl Marx e Friedrich Engels se construiu
um pensamento teórico comunista coligado a uma ação política prática e
revolucionária que ansiava suplantar o capitalismo. É o denominado
“socialismo científico”, distinto das propostas utópicas que acreditavam na
passagem impassível entre o modelo capitalista para o comunismo.12
O comunismo idealizado por Marx e Engels – como teoria
fundamentada entre a prática e a atuação política dos trabalhadores, no
intuito de modificar a realidade e estabelecer uma sociedade sem classes –
ganha novos contornos com Vladimir Lenin e a Revolução Russa, pois passa-
se a pensar a estruturação prática de um Estado comunista. Lenin,
amparando-se nas ideias de Marx, defende a constituição de um modelo de
transição, primeiramente de uma fase classificada de socialismo, apoiada na
conquista do poder pelo proletariado, mas ainda com divisões de classes.
Portanto, o socialismo seria um percurso inicial que, quando aperfeiçoado,
chegaria a constituição de uma sociedade sem a “dominação do homem
sobre o homem”13, alcançando, assim, o comunismo e o corpo social sem
classes.
As ideias e propostas do comunismo repercutiram na
concretização de importantes lutas e movimentos políticos e sociais, como a
Revolução de Outubro na Rússia de 1917. Já o mundo ocidental e capitalista
do século XX o tratou como uma grande ameaça a ser combatida:
11 O comunismo possui princípios que são encontrados desde a Antiguidade, ou ainda no Cristianismo Primitivo, estabelecendo a defesa de uma vida comunitária e combate à doutrina de riqueza e acumulação incessante de bens. Na Idade Moderna, diante da ascensão da burguesia, intelectuais como Thomas More (1478-1535) pensaram na possibilidade de construir uma sociedade utópica e sem propriedade privada, que deveria pertencer ao Estado, e onde os trabalhadores viveriam apenas para a sua subsistência. Cf. SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique Silva; Dicionário de Conceitos Históricos. 2.ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009, p. 70-74; 12 Idem. 13 Idem.
19
O que para algumas pessoas era a concretização de um sonho dourado, para outras era um pesadelo tomando formas reais. O comunismo despertou paixões intensas e opostas: de um lado, o dos defensores, encaravam-no como revolução libertadora e humanitária, que abriria acesso ao progresso econômico e social; de outro ponto de vista, o dos detratores, viam-no como uma desgraça total, a destruição da boa sociedade e a emergência do caos social e do terror político.14
No Brasil, a Revolução Russa inspirou diversas organizações
operárias e movimentos anarquistas e socialistas, tendo inclusive
influenciado greves e manifestações dos trabalhadores entre os anos 1917 e
192015. De acordo com Moniz Bandeira, Clovis Mello e A.T. Andrade, na obra
“O ano vermelho”, esse alcance se expressou inicialmente de maneira
confusa, pois proletariados e lideranças socialistas, em sua maioria ligadas ao
movimento anarquista, não assimilaram de forma imediata as propostas dos
bolcheviques russos. O desconhecimento das diretrizes de Marx e Engels
gerou uma ambiguidade de concepções que incluíam o anarquismo de M.
Bakunin e Kropotkin, e o comunismo utópico. No entanto, a revolução
bolchevique trouxe vigor às lutas operárias brasileiras, introduzindo
14 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho – O Anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 2000, p. 5. 15 Uma série de greves e levantes promovidas por trabalhadores, originadas de forma espontânea e sem um plano ou direcionamentos bem definidos e organizados, repercutiram pelo país entre os anos de 1917 e 1920, em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco e inclusive Mato Grosso. Tais manifestações se estabeleceram em um momento de crescimento dos centros urbanos e industrialização brasileira estimulada pela Primeira Guerra Mundial. Patrões e donos das fábricas impuseram um processo de exploração violenta sobre a massa de operários, criando um contexto de insatisfação geral dos trabalhadores. Esses operários, incluindo mulheres grávidas, idosos, enfermos e crianças, eram obrigados a trabalhar em um violento regime de trabalho de 10 a 12 horas por dia, com salários muitas vezes atrasados e em péssimas condições sanitárias e de segurança. Esse cenário era agravado em virtude da ascendente piora da vida dos trabalhadores urbanos, pressionados com a elevação dos preços dos aluguéis e de itens básicos de consumo, como os alimentos. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 51.
20
gradativamente novas ideias e estratégias da agenda revolucionária
comunista.16
Por outro lado, a reação à Revolução proletária russa foi imediata
em diversas partes do mundo: corporações industriais, imprensa burguesa,
potências imperialistas liberais, bem como a elite dominante brasileira,
objetivaram reprimir com agressividade a propagação da revolução. Reação
essa que ocorreu seja internamente em seus países, reprimindo os
movimentos revolucionários internos17. Seja por meio do patrocínio
financeiro e bélico do Ocidente às forças contrarrevolucionárias russas,
durante a Guerra Civil de 1918 a 1920.18
A reação também foi encampada por meio da imprensa. Os
autores de “O ano vermelho” demonstraram que, mesmo antes do processo
revolucionário se consolidar, uma série de informações falsas e conspiratórias
foram propagadas por agências telegráficas dos Estados Unidos e da Europa
e amplamente repercutidas nos jornais brasileiros: “as classes dominantes
inventaram toda a sorte de infâmias, contra o primeiro Estado proletariado.
A guerra fria principiou antes mesmo da intervenção militar, promovida pelos
aliados, na República dos Sovietes.”19
Essa oposição entre os adeptos do comunismo e os
16 Ibid., p. 140-146. 17 No Brasil, os movimentos grevistas de 1917 a 1919, por exemplo, apesar das poucas conquistas, como o aumento de salários, sofreram reações sistemáticas de desarticulação impetradas por donos de fábricas e governos estaduais e federais. Para tanto, instaurou-se um processo violento de perseguição com prisões e deportação das principais lideranças, fechamento de uniões operárias e proibição de circulação dos jornais operários ou daqueles que apoiassem as manifestações dos trabalhadores. Essas ações foram permitidas pelo estabelecimento do estado de sítio, suprimindo, assim as garantias básicas de direito. Houve também, intensa repressão policial às manifestações de greve, promoção de demissões em massa e articulação de uma campanha, via imprensa, que objetivava desacreditar e combater o incipiente processo revolucionário. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 48-72. 18 Cf. HOBSBAWM, Eric. Op. cit., 2013, p. 70. 19 Idem, p. 111
21
anticomunistas se deflagrou em quase todo século XX, influenciando
significativamente os rumos políticos de diversas partes do globo,
No decorrer do século XX, o conflito opondo comunismo e anticomunismo ocupou posição central, colocando-se como elemento destacado na dinâmica política, cultural e nas relações internacionais. Não é possível compreender os acontecimentos mundiais dos últimos decênios sem levar em consideração os embates em torno da utopia comunista.20
Os projetos e concepções do modelo marxista-leninista que
deram origem e base ao bolchevismo e ao projeto soviético foram
classificados de forma bastante temorosa e combativa por diferentes setores
da sociedade brasileira. Nesse sentido, em diálogo com Motta, é necessário
entender o anticomunismo de forma heterogênea, onde distintos grupos
como católicos, liberais, militares e outros projetos sociais e políticos
elaboraram diferentes visões e estratégias de enfrentamento ao comunismo.
Contudo, Motta constata que esses setores diversos e divergentes, em
momentos raros e de tensão, onde trataram a ameaça do comunismo como
crítica, realizaram ações conjugadas promovendo “verdadeiras ‘frentes
anticomunistas’ ”.21
Para a historiadora Carla Luciana Silva, a reação e preocupação
perante a consolidação da Revolução Russa e instituição da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi imediata, na década de 1920, por
parte dos setores dominantes da sociedade brasileira, como: o Estado,
políticos, pensadores, empresários e a Igreja Católica. No entanto, a
historiadora acredita que o anticomunismo no Brasil se intensifica a partir de
1930, ganhando formas mais claras e vinculadas a uma tradição
20 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 5-6. 21 Idem, p. 4.
22
conservadora e autoritária22. Isso tudo, situado em um contexto onde o
governo e outros setores dominantes da sociedade ansiavam controlar as
reivindicações dos trabalhadores brasileiros.23 Esses setores compartilhavam
da visão de que era preciso constituir o domínio das “massas”,
institucionalizando suas organizações junto ao Estado24, a fim de impedi-las
de compartilhar ideias revolucionárias e questionadoras do status quo, ideais
estes representativos do comunismo.
Em geral, conservadores e anticomunistas brasileiros temiam que
a ascendente população de trabalhadores urbanos se alinhasse plenamente
às organizações sindicais e aos movimentos políticos de esquerda. Diante
disso, compreendiam que era preciso controlar as “massas”, em sintonia com
às percepções do Estado. O intuito era forjar a harmonia social em oposição
ao comunismo e às propostas que desafiassem a sustentação de uma ordem
22 Segundo Mario Stoppino, pode-se definir o autoritarismo moderno como doutrinas antirracionalistas e anti-igualitárias, que defendem uma organização social marcada pela diferença e desigualdade, justificada pela “vontade de Deus e consolidadas pelo tempo e pela tradição ou impostas inequivocamente pela sua própria força e energia interna”, é marcada por três diferentes aspectos: “Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas. Em sentido psicológico, (...) acoplamento de duas atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição em tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm poder e autoridade. As ideologias autoritárias, enfim, são ideologias que negam de uma maneira mais ou menos decisiva a igualdade dos homens e colocam em destaque o princípio hierárquico, além de propugnarem formas de regimes autoritários (...)” Cf. STOPPINO, Mario. Autoritarismo. In.: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e; PASQUINO, Gianfranco (Org). Dicionário de Política – 11º ed. Volumes 1 e 2, Fundação Universidade de Brasília, Brasília/DF, 1998, p. 94-104. 23 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre: Ed. da PUC-RS, 2001, grifo nosso. 24 Cf. GOMES, Angela De Castro. Trabalhismo e Corporativismo. In.: ______. A Invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 237-264.
23
social historicamente excludente: “Em termos gerais, o anticomunismo
brasileiro apareceu junto com os movimentos populares, manifestações e
greves, os quais independem via de regra da história dos partidos comunistas
ou movimentos anarquistas”.25
Desta maneira e partilhando do olhar de Silva, compreende-se o
anticomunismo para além de uma mera oposição a um partido ou grupos
políticos que tenham vinculação com os projetos marxistas. Segundo a
historiadora, o anticomunismo no Brasil representa um processo discursivo
autoritário e de aspectos totalitários26 que impôs, por meio de jornais, livros,
sermões eclesiásticos, discursos e propostas políticas, imagens de terror e
medo contra qualquer propositura que ameaçasse a ordem social vigente.
Ou seja, por meio do anticomunismo se identificava um opositor generalista,
sendo qualquer cidadão “subversivo” que contrariasse a constituição de uma
sociedade assinalada pelo conservadorismo27:
25 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 47. 26 Carla Luciana Silva se baseia nas definições de Hannah Arendt acerca dos conceitos de totalitarismo. A argumentação de Silva estabelece que governos com aspectos totalitários se concretizam na medida em que haja uma sociedade com tendências totalitárias: “a existência de movimentos totalitários, ou seja, totalitarismo não se restringe à existência de um Estado detentor de um projeto totalitário. Uma dada sociedade, em dada época pode apresentar tendências totalitárias, o que poderá levá-la a encaminhar a existência de um Estado com características totalitárias”. Cf. SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros. Porto Alegre: Ed. da PUC-RS, 2001, p. 43. 27 O pensamento conservador, nas considerações de Karl Mannheim, está em oposição ao pensamento baseado no direito natural do século XVIII que delimitou os direitos básicos e naturais a todos os indivíduos e sociedades, como: a doutrina do contrato social, da soberania popular e os direitos inalienáveis ao homem (vida, liberdade, propriedade, o direito de resistir à tirania). O Direito Natural apresenta princípios racionais, gerais e de validade estática e universal a todos os indivíduos e sem distinções. Nesse sentido, o pensamento conservador é crítico e oposto às inovações políticas e sociais transmitidas pelo iluminismo e pela Revolução Francesa. A ênfase dada ao indivíduo pelos pressupostos iluministas é um problema na visão dos conservadores, pois defendem a percepção de Estado ou nação não como um conjunto e reunião de indivíduos, mas sim o contrário, onde os indivíduos fazem parte de um todo, um domínio amplo e nacional, onde o termo “nós” se sobrepõe ao “eu”. Para o pensamento conservador, portanto, existe uma unidade nacional, um povo, devotado ao seu passado, leis, costumes, linguagem e à sucessão de suas gerações. Nega-se, dessa forma, o indivíduo e o individualismo. Nega-se também o primado da razão iluminista, e em substituição valorizam a história, vida e a nação, uma vez
24
o inimigo que estava sendo construído tinha elementos totalitários, o que se percebe pela imprecisão histórica do “inimigo”. Os valores conservadores e reacionários sobre os quais estava fundada a sociedade são fundamentais para compreendermos como se processava a aceitação disso e a percepção de que a organização comunista era algo fantasmagórico e perigoso, aceitos de forma geral pela cultura política do período. As manifestações de oposições às atitudes do governo, ou se davam dentro das representações existentes – os partidos elitistas liberais ou conservadores – ou eram consideradas subversivas à ordem estabelecida.28
Assim, o anticomunismo sistematiza um discurso que não
necessariamente se dirigia aos militantes comunistas, mas que poderia se
estender a toda e qualquer manifestação conflitante com os interesses das
camadas detentoras de poder político e econômico. E em distintos
momentos da história brasileira, o anticomunismo incidiu-se como forma de
respaldo para a instauração de políticas conservadoras impetradas pelas
elites, produzindo um imaginário político e social que deu parte da
sustentação e legitimidade a projetos autoritários como: o Estado Novo
(1937-1945) e o golpe militar de 1964 que projetou uma ditadura sangrenta
com mais de 20 anos de duração.
Precisamente, durante os governos de Getúlio Vargas, nas
décadas de 30 e 40, o anticomunismo fez parte de um projeto político e social
extremamente conservador, “avesso à convivência pluralista e
diversificada”29 e que ambicionava forjar uma unidade nacional sem conflitos
que não acreditam em modelos universais de instituições e de direitos, possíveis de serem aplicados em lugares distintos. Cf. MANNHEIM. Karl. Sociologia (coletânea). Org. FORACCHI, Marialice Mencarini; [tradução: WILLEMS, Emílio; ULINA, Sylvio; MARCONDES, Cláudio; seleção e revisão técnica da tradução: FERNANDES, Florestan]. São Paulo: Ática, 1982. 28 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 34-35. 29 SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1984, p. 181.
25
e discordâncias. O objetivo era promover a homogeneização da moralidade,
da cultura, da língua, da ideologia e a “eliminação de quaisquer formas de
organização autônoma” e que não estivessem alinhadas ao Estado30,
principalmente o comunismo. Todavia, não apenas o Estado objetivou
promover esse projeto de identidade nacional uniforme e autoritária, tal
visão também era difundida e assimilada por integrantes religiosos,
intelectuais, partidos, movimentos políticos e pela imprensa. Assim, cresceu
o apoio entre as representações conservadoras da sociedade pela instituição
de um Estado antidemocrático e “forte”, capaz de repreender e afastar as
vozes discordantes e destoantes do domínio hegemônico.
A Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932, foi uma dessas
expressões políticas que partilharam de projetos e concepções autoritárias,
identificando-se com um modelo de nacionalismo rígido, pautado na
formação de uma sociedade uniforme e hierárquica, e com os discursos e
fundamentos dos governos nazifascistas. Apesar de referências, como a do
cientista político Hélgio Trindade31, que compreendem o integralismo como
uma das expressões fascistas da década de 1930, entende-se aqui que esse
foi um movimento político de massas organizado e estruturado em nível
nacional32, inclusive no estado de Mato Grosso33, com características
particulares e mesmo distintas das expressões fascistas italianas. Para
Rodrigo Santos de Oliveira, a identidade política do integralismo era definida
30 Ibid., p. 181-182. 31 TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O Fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974. 32 Cf. OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Imprensa Integralista, Imprensa Militante (1932-1937). 2009. 388 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, PUC-RS, Porto Alegre, 2009, p. 14. 33 Cf. ATHAIDES, Rafael; PEREIRA, Luciana Agostinho. A Ação Integralista em Mato Grosso (1933-1937). In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013; e ADÃO, Rafael. Integralismo e Anticomunismo no Jornal “A CRUZ”, Cuiabá: Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História, UFMT, 2013.
26
pelo antiliberalismo, espiritualismo (em oposição às concepções
materialistas, defendendo as bases e direcionamento de uma sociedade
cristã) e pelo o combate febril ao comunismo34.
Dessa forma, este trabalho almeja promover as análises da
repercussão do anticomunismo em Cuiabá, capital de Mato Grosso,
pensando conjuntamente a ascensão das propostas autoritárias nas décadas
de 1930 e 1940, repercutidas no Brasil, por exemplo, com a instauração do
regime ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas. E, internacionalmente
com a escalada de concepções e governos extremistas – como a Itália fascista
de Benito Mussolini e a Alemanha nazista de Adolf Hitler. Contudo, o recorte
temporal proposto nesta pesquisa não desconsidera as expressões
anticomunistas anteriores a esse contexto.
E no sentido de estruturar os enunciados e imagens do
anticomunismo presentes nos jornais de Cuiabá, aproxima-se da perspectiva
de Lawrence Stone35, que percebe o uso da narrativa como um importante
instrumento capaz de superar uma explicação puramente determinista ou
monocausal, muito característica de uma história estritamente estruturalista.
Portanto, este trabalho ambiciona projetar uma história que não é medida
estritamente por números, dados, ou pela “lei” das estruturas sociais e
econômicas. É antes de tudo, uma pesquisa que almeja entender as
sensibilidades e contradições dos indivíduos e da sociedade, suas
construções mitológicas, crenças, ideias e imaginários. Tal como, abranger o
desenho dos interesses e estratégias das diferentes culturas políticas
existentes dentro do contexto social e histórico da Cuiabá dos anos 30 e 40.
Nessa concepção, entende-se que o anticomunismo não foi
34 OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Op. cit. 35 STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. In: Revista de História. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1991.
27
produzido de forma estritamente consciente, como um “artifício” puramente
estratégico. Mas sim, em diálogo com Raoul Girardet36, é possível mesmo
compreendê-lo como uma construção mitológica que investiu sobre outro
uma construção narrativa conspiratória. Essa “trama” imagética e simbólica
incorporou elementos do imaginário ocidental, já há muito tempo difundidos
e envoltos dos medos mais profundos e inconscientes da sociedade.
Compreende-se, portanto, que as narrativas mitológicas anticomunistas
criadas historicamente no Brasil possuem aspectos subjetivos com o poder
de influenciar e trazer explicações sobre os acontecimentos, crises e tensões
políticas e sociais.
Como já mencionado, os impressos se constituíram como
instrumentos privilegiados na difusão do anticomunismo e, portanto, dentro
de um percurso metodológico, são fontes e objetos de pesquisa
fundamentais para compreender sua difusão e construção mitológica.
Desde a década de 1970, vem crescendo significativamente no
Brasil o número pesquisas na área da História que prestigiam os periódicos.
Isso advém, segundo Tania Regina de Luca, em “História dos, nos e por meio
dos periódicos”, em consequência de olhares cada vez mais atentos aos
aspectos culturais no processo de análise histórica, o que levou ao prestígio
de outras fontes para a compreensão de uma história mais local e que
vislumbra novos personagens. Dessa maneira, panfletos, revistas, jornais e
impressos ganharam mais destaque e espaço, simultaneamente à
consolidação de uma história com novas abordagens, objetos e problemas,
diversificando as pesquisas e enriquecendo suas análises.37
A mesma autora aponta para a renovação da História Política,
36 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 37 DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla. Fontes Histórica. Bassanezi, Editora Contexto, São Paulo SP; 2008, p. 111-115.
28
elencando René Rémond e Edward P. Thompson como colaboradores de um
novo momento deste campo da história. Também os historiadores dessa
nova História Política têm prestigiado jornais e revistas como importantes
fontes de pesquisa, já que nelas podem-se observar os registros e
representações diárias dos lances e “dos embates na arena do poder”.38
Não obstante, e ressaltando as propostas teóricas e
metodológicas presentes no artigo “Na oficina do historiador: conversas
sobre história e imprensa” de Heloisa de Faria Cruz e Maria do Rosário da
Cunha Peixoto: é preciso tratar a imprensa não como mero assessório da
história política e social, repercutindo em suas páginas o dia a dia dessas
esferas, mas como uma força atuante e influente na instituição de “nossos
modos de vida, perspectivas e consciência histórica”.39
Para Cruz e Peixoto, é função central problematizar as articulações
da imprensa em relação aos diversos momentos históricos e a compreendê-
la como parte do processo “de constituição, consolidação e reinvenção do
poder” da burguesia dentro das sociedades modernas capitalistas, refletindo,
assim, os diferentes contextos e produções hegemônicas. Ou seja, tratar a
pesquisa nessa perspectiva permite tomar a imprensa como “força ativa da
história do capitalismo e não como mero depositário de acontecimentos nos
diversos processos e conjunturas”40.
Dessa forma, permite-se concentrar os esforços não para a
partilha de uma história linear sobre a imprensa, mas uma análise atenta às
especificidades históricas como: o surgimento dos primeiros jornais e de uma
sociedade moderna, juntamente a “uma esfera civil pública nas sociedades
38 Ibid., p. 128. 39 CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. In.: Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC, n. 35, São Paulo: EDUC, 2007. p. 259; 40 Idem.
29
burguesas emergentes”; ou a constituição de grandes conglomerados de
empresas de comunicação, dotados de “poder econômico e político,
decisivos para o atrofiamento do espaço público e democrático na
contemporaneidade”.41
No Brasil, desde o século XIX e início do XX, os periódicos,
sobretudo nos ambientes urbanos, se constituíram repercutindo múltiplos
interesses, não apenas do grande empresariado, capaz de financiar vultuosas
redações, maquinários e editoras. Havia também pequenas e médias oficinas
de imprensa ligadas a operários, imigrantes e diversos grupos políticos e
religiosos que fizeram de seus impressos instrumentos políticos e de
produção cultural.42 Nesses parâmetros, o processo investigativo deve ser
capaz de delinear os espaços de produção da imprensa, como redações,
associações e editoras. Em conjunto, mapear seus escritores e as
reproduções de outras publicações, em nível nacional e regional, além de
estruturar seus parceiros e sua relação com o Estado.
De acordo com Jean-François Sirinelli, jornais e revistas são
projetos coletivos, resultados da união de várias pessoas em torno de
crenças, ideias e valores em comum.43 Portanto, os periódicos devem ser
avaliados sob inúmeros aspectos, e não apenas sob o ângulo de seus
escritores e textos. Por conseguinte, algumas questões são fundamentais a
serem avaliadas no processo investigativo das publicações, que envolvem: I)
seu financiamento; II) sua linguagem; III) suas peças publicitárias; IV) que
grupo (s) o(s) representava(m) e os intelectuais associados; V) sua tiragem;
VI) suas técnicas de impressão; VII) para qual grupo social era dirigido; VIII)
seu formato e disposição gráfica – notícias, manchetes, ilustrações; IX) e sua
41 Ibid. 42 Idem, p. 119-121. 43 SIRINELLI, Jean-Francois. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV editora, 2003, p. 249.
30
periodicidade,
As ambiguidades e hesitações que marcam os órgãos da grande imprensa, suas ligações cotidianas com diferentes poderes, a venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de determinadas conjunturas44.
Porém, é importante ressaltar os limites para abstração de todas
essas informações nos periódicos selecionados para esta pesquisa, tendo em
vista que esses impressos não estão mais em circulação e a composição dos
dados de seus bastidores, financiamento e circulação estão, em parte,
prejudicadas. Observa-se ainda que tais jornais omitiram diversas
informações acerca de sua tiragem por edição e é comum encontrar textos
sem o registro do seu autor. Contudo, tais obstáculos não impedem de
constituir um procedimento metodológico crítico e que permita um olhar
analítico para além da avaliação semântica posta nos textos dos impressos.
Deste modo, o objetivo é estar atento para outras questões
inseridas nos periódicos, como por exemplo: sua intencionalidade, seus
posicionamentos políticos, a conjuntura econômica na qual fez parte, sua
articulação com movimentos culturais e sua repercussão social. É um
exercício de historicizar a fonte, definindo suas escolhas e suas funções
sociais45, atento às especificidades de um jornal religioso ou de um jornal
político partidário.
Essa atitude de problematização da imprensa perante o processo
de pesquisa histórica permite superar a construção ideológica e celebrada de
uma imprensa que se reconhece neutra e objetiva. Como Cruz e Peixoto
44 DE LUCA. Tania Regina. Op. cit., p. 130. 45 Idem, p. 132.
31
destacam, a imprensa trata-se de uma prática constituinte da realidade
social, que contempla formas de pensar e agir, capazes de produzir
generalizações sobre diferentes posições e interpretações, pois em sua ação
“delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem
adesões e consensos”46. Nessa direção, jornais e revistas, desde o século XIX,
atuam para promoverem a divulgação e disseminação de valores,
comportamentos e ideias, instituir memórias, formar uma visão de mundo e
serem “vitrines” para o mercado consumidor.47
Portanto, toda essa postura metodológica e crítica,
problematizando a fonte, precisa estar atenta para os desdobramentos do
âmbito político, social, cultural e econômico das décadas de 30 e 40 do século
XX, compilados nos periódicos da época. Período esse onde a imprensa
brasileira teve sua liberdade cerceada pelo o Estado Novo e mesmo antes da
instauração deste regime. Tal aprisionamento se deu tanto pela via da
repressão, quanto por meio de acordos consensuais ou apoio irrestrito ao
governo e ao seu líder, porém, sem esquecer que houve resistência,
Não há como deixar de lado o espectro da censura. Em vários momentos, a imprensa foi silenciada, ainda que por vezes sua própria voz tenha colaborado para criar as condições que levaram ao amordaçamento. O papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar, seja na condição de propaganda política favorável ao regime ou espaço que abrigou formas sutis de contestação, resistência e mesmo projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas, inspiradas na renovação da abordagem do político.48
Para tratar de todas essas questões, as exposições dos temas aqui
46 CRUZ Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha, Op. cit., p. 260. 47 Idem, 261-262. 48 DE LUCA, Tânia Regina. Op. cit., p. 129.
32
tratados se dividem em três capítulos, sendo o Capítulo I, “Imprensa,
anticomunismo e o arquivo”, dedicado à história e historiografia da imprensa
brasileira e mato-grossense durante as décadas de 1930 e 1940, e igualmente
a repercussão do anticomunismo, isso tudo acompanhado da
problematização das fontes a serem analisadas: as publicações religiosas “A
Cruz – Instrumento de Imprensa da Igreja Católica no Estado de Mato Grosso”
e “A Pena Evangélica – Órgão Semanário da Primeira Igreja Presbyteriana de
Cuyabá”; e os impressos de vinculação político-partidária “O Matto-Grosso” -
do Partido Republicano Mato-Grossense e “Alliancista” - da Aliança Mato-
Grossense.
Ante a conjuntura de incertezas, da ascensão de diferentes opções
políticas e de conflitos irreconciliáveis entre essas distintas proposições, se
estabeleceram uma série de mitos políticos49 relacionados ao comunismo.
Nesse contexto, buscamos no Capítulo II, “Mitologia conspiratória
anticomunista nos jornais de Cuiabá”, em diálogo com Girardet, verificar as
“variantes narrativas” publicadas nos periódicos, compostas de inúmeras
“construções morfológicas” que promoveram, sob a perspectiva de certos
interesses, imagens temíveis e conspiratórias sobre grupos e indivíduos50.
Essas narrativas, já bastante dispersas e permanentes na imaginação coletiva
ocidental, também foram incorporadas pelos jornais cuiabanos, impondo
sobre este outro, o comunismo, concepções extremamente negativas e
sombrias e que continuam presentes, mas sob novos contornos, no
imaginário contemporâneo brasileiro.
Ainda no segundo capítulo, são debatidas duas expressões
políticas e religiosas do anticomunismo brasileiro, destacando-se as
enunciações que desqualificaram o comunismo por meio de um discurso
49 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 50 Idem, p. 34.
33
moral cristão no jornal católico “A Cruz” e no presbiteriano “A Pena
Evangélica”. Aqui, o recorte temporal privilegia os anos que antecedem a
instituição do regime do Estado Novo, em 1937.
Já no terceiro e último capítulo, o qual denominado
“Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo”,
evidenciam-se outras bases para a propagação do combate ao adversário
“vermelho”: o nacionalismo e o liberalismo, com a inserção dos jornais
políticos mato-grossenses: “O Matto Grosso” e “Alliancista”. Contudo, se faz
necessário observar que as publicações religiosas pesquisadas também
fizeram uso das referências nacionais e liberais para combater o comunismo
e que, portanto, são pensadas em conjunto a essa imprensa partidária. Não
se pode omitir ainda, o quanto a investidura do comunismo como uma
entidade de “homens do complô”51, serviu como um dos alicerces para a
efetivação de medidas autoritárias do Estado Novo de Getúlio Vargas,
questão também tratada neste capítulo.
51 Ibid., p. 49.
34
CAPÍTULO I
Imprensa, anticomunismo e o arquivo
(...) só existe imprensa livre quando o povo é livre; imprensa independente, em nação independente – e não há nação verdadeiramente independente em que seu povo não seja livre.52
Imprensa: desenvolvimento, percalços e desafios de seu processo
modernizador
Para compreender o decurso do tempo, jornais, panfletos e
revistas tornaram-se no Brasil, sobretudo a partir da década de 1970,
importantes instrumentos de investigação para os historiadores. A imprensa
é um instrumento de comunicação, capaz de difundir informações e entreter,
reverberando aspectos tanto do âmbito social e dos costumes, como das
questões econômicas e políticas.
Maria Helena Capelato, na obra “Imprensa e História do Brasil”,
entende que o uso da imprensa como fonte e objeto de análise permitiu
enriquecer as pesquisas do campo da história. Pois, nesse meio de
comunicação encontra-se um compilado de informações sobre cotidiano de
determinada sociedade e/ou época, revelando múltiplos aspectos e
experiências que contemplam não apenas “os ‘ilustres`, mas também os
sujeitos anônimos” 53
Contudo, a imprensa não é uma entidade anônima e abstrata,
composta apenas pelo elixir das palavras. Longe disso, é formada pela
reunião de pessoas capazes de utilizá-la como instrumento de influência e a
52 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 9. 53 CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1988, p. 20.
35
favor de seus interesses e ideias. Cabe ao historiador percorrer os bastidores
desse “palco” a fim de descortinar o texto e do mesmo modo, repercutir a
ação dos sujeitos dentro de suas determinações, contextos e realidades
sociais.54
Não são numerosos os trabalhos que discutem o papel e o
desenvolvimento da imprensa no Brasil, e grande parte deles centram-se na
repercussão da imprensa nos grandes centros urbanos do país. Destaque
para Rio de Janeiro e São Paulo, referências usuais para as formulações de
generalizações acerca de toda imprensa brasileira. Tal perspectiva impede,
no entanto, a consideração e abrangência das particularidades e diversidades
na produção dos impressos das demais regiões do país.
Dentre os autores que tentaram mapear o desenvolvimento
histórico da imprensa em todo o país evidencia-se o historiador Nelson
Werneck Sodré que, sob o referencial marxista, articulou o desenvolvimento
da imprensa com a ascensão do capitalismo. Para Sodré, estes dois eventos
estão intimamente relacionados, pois ao passo que cidades ascendiam e a
burguesia mercantilista conquistava mais espaço na Europa, exigia-se o
aperfeiçoamento da transmissão de informações: “Como todas as invenções,
a de Guttenberg resultou de necessidade social, que o desenvolvimento
histórico gerou e a que estava vinculada a ascensão burguesa, em seu
prelúdio mercantilista”.55
O acelerado ritmo do capitalismo, aumento da população urbana,
transportes mais velozes e novas tecnologias de impressão foram fatores que
permitiram o crescimento do número de publicações impressas, como os
jornais, e seu maior alcance geográfico e social, auxiliando os projetos
hegemônicos burgueses e a uniformização da sociedade,
54 Ibid. 55 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 2.
36
Em que pese tudo o que depende de barreiras nacionais, de barreiras linguísticas, de barreiras culturais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e de circulação – tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valores éticos e culturais, como pela padronização do comportamento.56
Para Antônio Gramsci as classes dominantes estruturam e
universalizam suas concepções de mundo em toda a sociedade por meio de
instituições, como a Igreja, partidos políticos, a escola, a universidades e os
meios de comunicação de massa, ocupadas por intelectuais profissionais.
Assim, os órgãos de imprensa são parte da estrutura ideológica que sustenta
o projeto hegemônico dos grupos dominantes. Pois, a manutenção do poder
por determinada classe dirigente não se estabelece apenas pelo aparato da
coerção e uso da força do Estado. Mas igualmente ou de forma até mais
significativa, por meio da difusão de modelos de autoridade, práticas e
saberes que promovam o consenso social entorno dos propósitos e valores
dos setores sociais dominantes, permitindo a sustentação e aceitação do seu
poder hegemônico entre os grupos próximos e subordinados.57
Grande parte da imprensa brasileira se configurou como aliada
dos interesses dos grupos dominantes e do capitalismo e para defendê-los
compôs-se, até mesmo, suscetível a ameaçar os regimes democráticos. Para
tanto, declara Sodré, os meios de comunicação brasileiros influenciaram nos
acontecimentos que levaram um presidente a cometer suicídio, e a outro no
patrocínio de seu exílio. Logicamente, fala-se aqui primeiramente de Getúlio
Vargas que antes de impor a morte sobre seu peito, em 1954, sofreu uma
56 Ibid., p. 2-3. 57 Cf. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Gramsci. In: OLIVEIRA, Luciano Amaral (Org.). Estudos do discurso: perspectivas teóricas. São Paulo: Parábola, 2013, p. 36-44;
37
campanha oposicionista de impressos e emissoras de rádio que auxiliaram na
propagação de uma crise política sobre seu governo. Já o presidente exilado
foi João Goulart, deposto em abril 1964 com o auxílio conjugado de jornais,
rádio e televisão: “A imprensa, acolitando o rádio, no primeiro caso, e a
acolitando o rádio e a televisão, no segundo, foi uma das alavancas que
destruiu dois presidentes eleitos”. 58
Sodré argumenta que na década de 1920, nos grandes centros
urbanos, a imprensa brasileira desenvolveu novos contornos. Com a inovação
tecnológica de seu parque de produção, o aumento no número de tiragens
diárias e consequente redução de seu valor para o leitor, verificou-se uma
repercussão cada vez maior das manchetes e ideias jornalísticas junto à
sociedade. O autor acredita, portanto, que nesse período se consolidou uma
imprensa baseada em uma estrutura empresarial.59 Estrutura essa que já
vinha se consolidando desde os últimos anos do século XIX, quando da
instauração da República, instituindo um processo industrial e comercial cuja
a grande mercadoria era a informação.60
Centrado também no percurso da imprensa empresarial
brasileira, Juarez Bahia apresenta uma percepção semelhante à estabelecida
por Sodré. Sua obra, “Jornal, História e Técnica”, da mesma forma, delimita
os anos 20 como o início de um processo de racionalização e modernização
da imprensa brasileira, a caracterizando como a primeira a romper com os
laços do partidarismo na América do Sul. Segundo Bahia, na década de 1930
esse processo foi intensificado, contexto no qual observa-se a superação da
imprensa de tipografia artesanal, substituída por uma produção jornalística
industrial. Em geral, os jornais e revistas passam a se constituir como
58 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. XIV. 59 Idem, p. 371-372. 60 Idem, p. 275.
38
verdadeiras empresas: com a organização de sua estrutura e incorporação da
divisão de tarefas, com o objetivo de tornar viáveis e rentáveis
economicamente a venda de informação.61
Os dois autores, preocupados em estabelecer compreensões
generalistas sobre a imprensa, centraram suas narrativas na busca de
evidenciar rupturas e formação de novas tendências. Suas delimitações
demonstram a passagem da produção jornalística opinativa, muito
identificada com a literatura, para um jornalismo de imprensa aos moldes
industriais de produção. Nessa direção, dá-se cada vez mais importância às
notícias, demarcando uma pretensa imagem de objetividade e de rigor
profissional.
Já a obra de Marialva Barbosa, privilegiando o século XX, “História
Cultural da Imprensa: Brasil 1900-2000”, atenta-se primordialmente para a
composição das identidades, memórias, mitos e representações dos
profissionais da imprensa brasileira. Utilizando testemunhos registrados por
esse grupo, a autora discute as construções representativas advindas da
relação entre as identidades e memórias dos jornalistas, pois: “(...) ao falarem
de si mesmos como grupo, instauram signos distintivos em relação a diversos
outros. É a memória como lugar de produção de discursos que funda as
particularidades desse lugar de pertencimento”.62 E para a autora, foi nos
anos de 1920 que se principia a construção de uma identidade memorável
dos jornalistas de imprensa, perpassada pela fundação de um passado
mítico, de entrega e de sacrifícios devotados à profissão:
A mítica da vocação, do amor à profissão, dos sacrifícios impostos, da necessidade de informar com isenção e longe
61 BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4ª ed., São Paulo: Ática, 1990, p. 105. 62 BARBOSA, Marialva. História cultural da Imprensa: Brasil – 1900-200. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 81.
39
dos arroubos políticos momentâneos, ao mesmo tempo em que cabia como missão ter claro papel político, tudo isso formula um lugar de fala no mundo do jornalismo que ultrapassa em muito os limites de uma década.63
As narrativas memoráveis dos jornalistas das décadas de 1920 e
1930, apresentadas por Barbosa, se expressavam em torno do signo da
modernidade, assinalando a identidade desse grupo no sentido de buscar
inovações tecnológicas e de linguagem. Dessa forma, assim como Sodré e
Bahia, Barbosa identifica nesse período um ideal de valorização da
informação por parte dos jornalistas, prosperando, a partir de então, um ideal
de objetividade e imparcialidade que privilegiou as notícias em detrimento
da opinião.64 Todavia, a autora se diferencia desses outros historiadores, pois
percebe as mudanças e inovações da imprensa como processo longo e
diversificado, sem a preocupação restrita de produzir marcos de transição de
uma imprensa opinativa para uma imprensa informativa e consolidada por
uma visão empresarial.
Apesar de aspectos modernizantes já estarem presentes nos anos
que antecederam a década de 1930 e da criação do curso de jornalismo no
Estado Novo, Barbosa lembra que a profissionalização dos jornalistas ainda
não havia se consolidado naqueles anos, processo que para a historiadora só
se efetivaria na década de 1950. Era comum, por exemplo, o jornalismo ser
exercido por funcionários públicos, em um empenho de dupla jornada entre
as profissões,
O ingresso no mundo do jornalismo pouco ou nada tinha mudado em relação ao início do século: indicações de pessoas influentes e relações de amizade são fundamentais para ingressar na profissão, que se acumular com outra
63 Ibid., p. 82 64 Idem, p. 80-81
40
atividade, normalmente no serviço público.65
Nesse cenário, Marialva Barbosa, sob o prisma preferencial da
história cultural, pretende superar uma perspectiva historiográfica sobre a
imprensa que privilegia os fatos marcantes e suas rupturas, e a consequente
narrativa linear temporal dos acontecimentos66.
Porém, como já destacado, toda essa produção historiográfica
omite em grande parte a imprensa desenvolvida pelo interior do país,
destacando, sobretudo a repercussão dos jornais e revistas de capitais como
Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, Porto Alegre-RS e Belo Horizonte-
MG.
Na opinião de Nelson W. Sodré permanece na década de 1930, no
interior do país, uma imprensa pequena e artesanal muito ligada a partidos
políticos regionais e “sem perspectivas, reduzida a estreitos horizontes,
ferozmente submetida ao latifúndio e limitada às questões domésticas e
pessoais”.67
Contrariamente à assertiva de Sodré, o contato desta pesquisa
com os periódicos do estado de Mato Grosso demonstrou que seus
horizontes estavam refletidos para muito além de suas margens fronteiriças.
Havia um leque variado de títulos que tratavam de questões regionais,
nacionais e internacionais. Em contato com agências de notícias e
repercutindo informações do rádio e de periódicos de outros estados e
países, os jornais, revistas e leitores de Mato Grosso assimilaram os
acontecimentos e assuntos mais atuais do mundo contemporâneo da
primeira metade do século XX.
Nesse sentido, o jornal “O Estado de Mato Grosso” demonstrou
65 Ibid., p. 140. 66 Idem, p. 11. 67 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 369.
41
preocupação em trazer ao seu público as notícias mais atualizadas, inclusive
contando com a instalação de uma sucursal na então capital federal, Rio de
Janeiro, no ano de 1939. A notícia da inauguração de uma redação na cidade
carioca foi reproduzida logo na primeira edição do jornal. O editorial de “O
Estado de Mato Grosso”, comandado por Archimedes Pereira Lima (1910-
1993)68, almejava refletir uma visão moderna e de profissionalização do
jornalista, um ofício de conhecimento próprio e específico. As envergaduras
das instalações estabeleceriam a racionalização do espaço, convertido em
uma “casa de trabalho”, onde não mais comportaria amadorismos:
“Mobiliário elegante e sóbrio, numa disposição prática própria de um jornal
moderno, caracterizando um perfeito conhecimento do difícil ‘métier’ que é
a imprensa. Uma casa de trabalho, de agitação intensa”69.
Embora restritos os números de trabalhos acadêmicos que tratam
da imprensa em Mato Grosso, algumas pesquisas contribuíram
significativamente com a compreensão da ressonância desse meio de
comunicação no estado. Destacam-se produções recentes como: “Rodapé
das miscelâneas70” de Yasmin Jamil Nadaf, que busca delinear a história do
folhetim em Mato Grosso; “Factos e cousas nas crônicas da revista mato-
grossense A Violeta (1916-1937)”71 de Laís Dias Souza Costa que estuda a
68 Getulista confesso, Archimedes Pereira Lima (1910-1993) foi um destacado jornalista mato-grossense. Fundou o jornal “O Estado de Mato Grosso”, em 1939, e o “Diário de Mato Grosso”, no ano de 1976. Dirigiu a Imprensa Oficial do Estado a partir de 1937, foi chefe do órgão de censura e propaganda do Departamento Estadual de Imprensa e Propagada (DEIP), durante a intervenção estadual de Júlio Müller, no Estado Novo. Lima e J. Müller estão entre os fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, em Mato Grosso. Seu jornal, “O Estado de Mato Grosso”, fez intensa propaganda política em prol de Getúlio Vargas e seu governo estadonivista. Cf. JUCÁ, Pedro Rocha. Exemplo e palavras de jornalismo. Biografia e perfil profissional, cultural, político e empresarial do jornalista Archimedes Pereira Lima. Cuiabá: Editora Memórias Cuiabanas, 1995. 69 Inaugurada solenemente a sucursal do “O Estado de Mato Grosso”, O Estado de Mato Grosso, Cuiabá/MT, 27 ago. 1939. número 01, p. 3. 70 NADAF, Yasmin Jamil. Rodapé das Miscelâneas: o folhetim nos jornais de Mato Grosso (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002. 71 COSTA, Laís Dias Souza da. Factos e cousas nas crônicas da revista mato-grossense A
42
revista “A Violeta”, impresso de divulgação das causas femininas e feministas,
oriunda do Grêmio Literário “Julia Lopes”; “Jornal do Comércio: arranjos
políticos e representações da Guerra em Mato Grosso (1930-1945)”72 de
Maurilio Dantielly Calonga, dissertação que analisa o discurso político-
partidário desse periódico durante os governos de Vargas; e “O Jornal A Cruz:
imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-
1924)”73 de Daniel Freitas de Oliveira, empenhando em analisar o processo
de fundação do jornal católico mato-grossense e a especificidade de seus
discursos ultramontanos. Esses trabalhos são indicações importantes que
ajudam a dimensionar os impactos dos periódicos no cotidiano mato-
grossense, considerando as mais distintas preocupações.
Uma exposição mais abrangente sobre a repercussão da imprensa
em Mato Grosso pode ser vista na tese de Eni Neves da Silva Rodrigues,
intitulada “Impressões em preto e branco: história da leitura em Mato
Grosso”. Nela destaca-se a expansão da inserção de livros e jornais no estado
já na segunda metade do século XIX. Suas discussões evidenciam um cenário
de transformações culturais a partir de 1870, contexto de reabertura da
navegação pelo rio Paraguai, fator esse que impactou e dinamizou
profundamente as bases econômicas, políticas e culturais da região.74
Rodrigues mapeou intensas atividades ligadas aos jornais,
associações culturais de teatro e literatura/leitura, tipografias, publicação de
Violeta (1916-1937). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2014. 72 CALONGA, Maurilio Dantielly. Jornal do Comércio: arranjos políticos e representações da Guerra em Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2014. 73 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016. 74 RODRIGUES, Eni Neves da Silva, Impressões em preto e branco: história da literatura em Mato Grosso na segunda metade do século XIX, Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UNICAMP, Campinas, 2008.
43
livros, livrarias e a presença de casas-editoras nacionais e estrangeiras em
Mato Grosso. Todo esse levantamento demonstrou uma quebra de
paradigmas que suplanta uma perspectiva tradicionalmente marginalizante
da produção e recepção cultural regional, sobretudo a literária e editorial,
Quase sempre, a produção regional de uma única unidade da Federação (ou do império, conforme a época) é que costuma servir de base para generalizações para o país. Este procedimento centralizador impede que se consiga traçar um quadro da realidade brasileira como um todo, pois ele não contempla a multiplicidade e a singularidade das muitas regiões de nosso vasto território. Assim, os estudos regionais, de todos os cantos do Brasil, são importantes para que se possam estabelecer relações e comparações entre eles e, desta forma, se ter uma ideia mais próxima da real situação do Brasil, seja em qual for a área de conhecimento. 75
Em diálogo com a historiadora Lylia da Silva Guedes Galetti76, Eni
Rodrigues entende que há uma identidade estigmatizada sobre a cultura
mato-grossense, marcada por uma visão que incorporava a região como
sendo isolada, bárbara e de baixa densidade demográfica. Um sertão distante
onde os pressupostos e referências materiais da modernidade sempre
chegariam com atraso. Essa identidade, construída historicamente, reflete
uma perspectiva europeia presente, a título de exemplo, nas narrativas de
viajantes europeus dos séculos XVIII e XIX, e partilhada até mesmo pelos
próprios mato-grossenses.77
Em oposição a esse estigma, observa-se, como já comentando,
um variado rol de impressos após a Guerra do Paraguai, o que demonstra que
75 Ibid., p. 18. 76 GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre o Mato Grosso. Tese (Doutorado em História), programa de pós-graduação do Departamento de História/FFLCH/USP, São Paulo, 2000. 77 RODRIGUES, Eni Neves da Silva. Op. cit., p. 23.
44
a região não estava isolada das notícias e inovações da imprensa. Nos
arquivos do Arquivo do Estado de Mato Grosso e do Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional da UFMT – NDIHR
identificamos o número de trinta e um periódicos que circularam somente
em Cuiabá, entre os anos de 1930 a 1945. Uma diversidade de publicações
ligadas a operários, literatos, estudantes, organizações femininas, instituições
religiosas, partidos políticos e de perfil empresarial.78
De acordo com Graciela R. da Silva e Otávio Canavarros79, a
produção jornalística mato-grossense se consolidou curiosamente, em parte
e em consequência, pela posição geográfica do estado, que por estar distante
dos grandes centros, recebia com grande atraso jornais da região litorânea,
impulsionando a imprensa local.80
Silva e Canavarros ainda destacam que até a década de 1940,
78 Os títulos identificados foram: I) “A Cruz”- Órgão da Liga de Bom Jesus; II) “O Pequeno Mensageiro” – Órgão das Obras do Beato Dom Bosco; III) “O Abecê” - Órgão do Grêmio Literário “José de Mesquita”; IV) “O Liceu” - Órgão do Liceu de Artes e Ofícios São Gonçalo; V) “Carapuça” – Critica-se. Noticia e faz Literatura; VI) “O Délio” – Órgam Literário e Noticioso; VII) “O Democrata” – Órgam do Partido Democrata Mattogrossense; VIII) “O Diplomata” – Órgam Independente e Dedicado aos Interesses do Povo; IX) “O Ferrão” – Crítica, dá noticias e faz literatura; X) “O Matto Grosso” - Orgam dedicado aos interesses do povo; XI) “Constitucional” - Órgam do Partido Constitucionalista de Mato Grosso; XII) “A Penna Evangélica”, nós pregamos a Cristo; XIII) “A Violeta”, Órgão do Grêmio Literário “Júlia Lopes”; XIV) “O Estado de Matto-Grosso” – Órgão do Partido Liberal Mattogrossense; XV) “O Estado de Mato Grosso” - Um jornal Regional de Âmbito e Sentido Nacionais; XVI) “O Estudante” - Periódico da Mocidade Estudiosa; XVII) “O Motorista” – Órgão da Associação Matogrossense de Motoristas; XVIII) “A plebe” – Tudo pelo Brasil. Tudo por Mato Grosso; XIX) “O Luctador” – Orgam do Operario Mattogrossense; XX) “O Operário” - Órgão do Centro Operário de Cuiabá; XXI) “A Batalha” - Um periódico que será sempre o mensageiro das aspirações Matogrossenses; XXII) “A União” – Orgam do Partido Republicano Mattogrossense; XXIII) “A Voz do Norte” – Semanário Independente, Literário e Noticioso; XXIV) “Folha Juvenil”; XXV) “O Alliancista” – Orgam da Alliança Mattogrossese; XXVI) “O Semeador” – Orgam Espiritualista; XXVII) “Folha do Norte” – Órgão Independente, dedicado aos Interesses do Norte; XXVIII) “O Jornal” – Órgam Independente; XXIX) “A Reacção” – Órgão Independente; XXX) Revista do Grêmio Literário Dom Aquino Corrêa; XXXI) Revista do Grêmio Literário “Alvarez de Azevedo”. 79 CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela. Aquisição de material impresso nos séculos XIX e XX. 13. COLE – Congresso de Leitura do Brasil, Campinas-SP, 2001. 80 Idem, p. 4.
45
viveu-se em Mato Grosso a “era dos impressos”, onde os periódicos locais
tinham grande receptividade, pois eram baratos e constituídos de uma
variedade de assuntos e temas do cotidiano: do horóscopo e colunas sociais
aos embates políticos, conquistando leitores ávidos por informação.81 E os
impressos mato-grossenses apenas passaram a perder expressividade com a
inserção do rádio e da imprensa nacional na década de 1940.82
Dentro das referências e análises aqui destacadas, percebe-se a
relevante inserção da imprensa na sociedade mato-grossense. Imprensa essa
que não estava desconectada do restante do país, mas sim, sempre
preocupada e interessada nos acontecimentos nacionais e internacionais.
Nesse sentido, este estudo almeja contribuir com a visão global do
anticomunismo no Brasil em interação com as particularidades de uma
imprensa regional, mas que de modo algum esteve restrita apenas à sua
localidade.
É relevante salientar que a imprensa não é uma entidade anônima
e suas escolhas não se restringem à visão de seus proprietários e editores.
Assim, o próximo ponto traz um pouco da relação entre imprensa e seus
escritores, expressos como verdadeiros intelectuais.
Escrita e persuasão: a imprensa como plataforma privilegiada dos intelectuais
Para Jean-François Sirinelli, a história dos intelectuais obteve
ênfase a partir da segunda metade da década de 1970, se constituindo em
81 Ibid., p. 5. 82 A primeira rádio em Mato Grosso foi a “Voz do Oeste”, fundada em 1939 e: veio disputar público informativo (com programas tipo “Bandeirantes no Ar”, com o vozeirão de Augusto Mário Vieira) e de entretenimento (com programas de calouros, tipo “Domingo Festivo na Cidade Verde”) com as fontes escritas. Chegava finalmente a Cuiabá a ‘era do rádio’ e da imprensa nacional, com O Cruzeiro, dos Diários Associados, à frente.” Cf. CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. A imprensa mato-grossense antes da era do rádio. Territórios e Fronteiras, Revista do PPGHIS/UFMT, v. 3, n. 01, jan./jun./2002.
46
um campo histórico autônomo, mas relacionado com a história política,
social e cultural. Antes disso, o historiador afirma que durante grande parte
do século XX a historiografia voltada para as “massas” desprezou o olhar
sobre os intelectuais, pelo fato destes fazerem parte da “elite” e porque seus
estudos eram costumeiramente classificados como de uma história
“positivista”, sendo renegados “ao purgatório dos subobjetos da história”.83
Com a colaboração de Sirinelli, entende-se o conceito de
intelectual sob dois pontos de vista: primeiro em um caráter amplo e
sociocultural que abrange os criadores e os “mediadores” culturais como
atores, jornalistas, professores e até mesmo parte dos estudantes; já a
segunda acepção, mais estreita, está ligada à noção de “engajamento na vida
da cidade como ator”, ansiando intervir e influenciar nos rumos de sua
sociedade. Porém, tais definições não devem ser desvinculadas, devendo o
historiador do político privilegiar uma compreensão abrangente:
Uma tal acepção não é, no fundo, autônoma da anterior, já que são dois elementos de natureza sociocultural, sua notoriedade eventual ou sua “especialização”, reconhecida pela sociedade em que ele vive – especialização esta que legitima e mesmo privilegia sua intervenção no debate da cidade -, que o intelectual põe a serviço da causa que defende.84
Entrar em contato com a história dos intelectuais, exige a
administração e análise de um expressivo número de correlações. É preciso
ler a produção do intelectual, mapear o suporte desse material, seu alcance
e circulação, tudo isso acompanhado de uma investigação prosopográfica85.
Assim sendo, ao correlacionar esta proposta com o trabalho de pesquisa da
83 SIRINELLI, Jean-François. Op. cit., p. 235. 84 Idem, p. 243. 85 Idem., p. 245.
47
imprensa da capital mato-grossense, Cuiabá, o método exige um esforço de
diálogo cuidadoso entre os textos analisados e a formação dos escritores:
vinculação política, relações coletivas, posição socioeconômica, influência,
ideias, origem e trajetória.
É necessário pensar, ainda, os espaços que esses escritores
ocupavam. A redação de uma revista ou jornal, por exemplo, constitui um
núcleo de profissionais que apresentam uma linguagem comum, definindo
estruturas elementares de sociabilidade. Essa estrutura é formada por
“forças antagônicas de adesão – pelas amizades que subtendem, as
fidelidades que arrebanham e a influência que exercem – e de exclusão –
pelas posições tomadas, os debates suscitados, e as cisões advindas”.86 Em
vista disso, Sirinelli propõe o estudo das estruturas de jornais e revistas como
espaços de sociabilidade - lugares de ebulição intelectual e de relações de
cumplicidade e de conflitos, o que permite subsidiar a análise do “movimento
das ideias”.87
Diante destas considerações, percebe-se a imprensa como
cenário privilegiado para a atuação dos intelectuais, espaço onde podem
exercer sua influência e partilharem ideias. Noberto Bobbio, em “Os
intelectuais e o poder”, enuncia que com a invenção da imprensa houve a
facilitação da difusão e multiplicação das mensagens do intelectual por meio
da escrita, transformando sua imagem clássica de orador:
Nas cidades gregas a força das ideias revelava-se por meio da palavra: a figura típica do intelectual era o orador, o retórico, o demagogo. Após a invenção da imprensa, a figura típica do intelectual passa a ser o escritor, o autor de livros, de libelos, e depois de artigos para revistas e jornais, de volantes, de manifestos, de cartas públicas, ao qual corresponde a contrafigura do escrevinhador
86 Ibid., p. 249. 87 Idem.
48
[pennivendolo] ou do escrevedor [pennaiolo].88
Esses escritores tornaram-se, segundo Tocqueville, homens
políticos de considerável influência, se convertendo para Bobbio “no mais
persistente e mais atraente modelo ideal dos intelectuais na sua relação com
o poder”89. O intelectual moderno almeja conquistar prestígio persuadindo
as opiniões, amparados na formação de uma opinião pública cada vez mais
intermediada pela imprensa, consolidada com a formação de um público
leitor.90 Este novo intelectual não é mais um ser pensante isolado em uma
torre de marfim, e sim apresenta efetivo engajamento e intervenção perante
os espaços públicos. Tal expressão adquire maior visibilidade no final do
século XIX, revelada, sobretudo, com o caso Dreyfus91.
Acompanhando todo esse processo, a imprensa brasileira se
propagou simultaneamente à difusão desse modelo de intelectual, durante
o século XIX. Médicos, advogados, educadores, engenheiros, literatos
expressavam nas páginas da imprensa seus conhecimentos específicos e
opiniões sobre os mais diversos assuntos em pauta de debate.92
88 BOBBIO, Noberto. Os intelectuais e o poder dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p. 120. 89 Idem, p.121. 90 Idem, p. 120-121. 91 Alfred Dreyfus (1859-1935), judeu e capitão da artilharia do exército francês, foi condenado à prisão perpetua, em 1894, acusado de alta traição por supostamente ter entregue à embaixada alemã, em Paris, segredos miliares franceses. O procedimento de julgamento às portas fechadas, foi bastante controverso, o que foi questionado e protestado por parte do meio intelectual, demonstrando cada vez mais sua atuação e engajamento dentro da esfera pública. Um dos primeiros a denunciar a condenação de Dreyfus foi o escritor Émile Zola (1840-1902), que defendeu, em uma “missão intelectual”, a inocência do judeu capitão e afirmou ser tal julgamento uma trama política antissemita. Cf. SILVA, Cintia Rufino da Silva. O caso Dreyfus, Émile Zola e a imprensa. Contemporâneos Revista de Artes e Humanidades, n. 11, abril/2013; e ZANOTTO, Gizele. História dos intelectuais e história intelectual: contribuições da historiografia francesa. Biblios, Rio Grande, vol. 22, n. 1, 2008, p. 31-45. 92 ENGEL, Magali Gouveia; SOUZA, Flávia Fernandes de; GUERELLUS, Natália de Santana (Orgs). Os intelectuais e a imprensa. 1. ed. - Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2015, p. 8.
49
Fabio Henrique Pereira ao pensar a relação do jornalismo com a
categoria de intelectual, evidencia, em diálogo com Pierre Bourdieu, que o
primeiro se configurou como um espaço autônomo, com regras e lógicas
próprias de funcionamento e disputas internas dentro de relações desiguais
e hierárquicas. Mas também, inserido em uma estrutura mais ampla,
estabelece, a depender da posição que ocupa, uma série de relações de força
com outros campos: “É impossível analisar o espaço jornalístico sem situá-lo
numa rede de dependências com os campos político, econômico e
intelectual, cujas lógicas determinam as modalidades de funcionamento
dessa atividade. ”93.
Desse modo, observando as especificidades e diferentes mídias
do campo do jornalismo é possível perceber que essas relações são
equacionadas de diversas maneiras, como exemplifica o autor, um jornal
sensacionalista se aproxima mais da influência e das imposições da esfera
econômica, já uma revista de cultura partilha de mais aproximações com o
polo intelectual.94 Contudo, Pereira acredita que é demasiadamente
reducionista constituir interpretações tendo por referência apenas as
estruturas sociais, pois considerando o “microcosmo” da carreira de um
jornalista-intelectual é possível apreender motivações subjetivas, nem
sempre “associadas à conflitualidade social”, mas que orientam e influem o
percurso desse profissional.95
Pontuando todas essas considerações, compreende-se a
importância de associar o anticomunismo e as diferentes vozes dos
intelectuais da imprensa cuiabana em uma relação dialética com seu
93 PEREIRA, Fábio Henrique. Os jornalistas-intelectuais no Brasil: identidade, práticas e transformação no mundo social. Tese (Doutorado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, UNB, 2008, p. 22. 94 Idem. 95 Idem, p. 23.
50
universo coletivo e contexto histórico. Todavia, sem omitir ou isolá-los de
suas visões de mundo e interesses pessoais.
Em complemento, associam-se essas considerações ao ponto de
vista ao de Nildo Viana que discute o papel do indivíduo na história. Para
Viana, os historiadores devem compreender que o indivíduo é um ser
definido socialmente e de autonomia relativa a depender da sociedade,
classe social, grau de consciência e época em que vive. Esse indivíduo
constitui um grau de influência no curso da história, mas isto depende, em
primeira instância, das condições sociais postas. Ou melhor, da aceitação que
ele terá em determinada sociedade, diminuindo sua atuação à medida que
suas ideias sejam recepcionadas em apenas certa classe social, ou fração
desta, ou ainda restrita apenas a um certo grupo.96
Deste modo, é possível afirmar que o papel de cada intelectual na
difusão do imaginário anticomunista, só ganhou aceitação e difusão, pois, nas
décadas de 1930 e 1940, há setores sociais e políticos como Igreja Católica,
partidos políticos, governo e integralistas que recepcionaram e desejaram a
propagação dessas ideias, conquistando alcance relevante na tribuna dos
periódicos.
Imprensa, anticomunismo e as diferentes expressões políticas no Brasil de
1930 a 1945
A década de 1930 caracterizou-se por um período de intensas
reivindicações políticas e sociais. Uma heterogeneidade de novas propostas
e ideias que influenciaram a desarticulação da República Oligárquica vigente
desde o final do século XIX.
96 VIANA, Nildo. O papel do indivíduo na história. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 14, n. 21, 2º sem. 2013, p. 130-131;
51
Dentre os novos protagonistas políticos destaca-se o tenentismo,
articulado a partir da década de 1920, esse movimento reuniu diversos
setores insatisfeitos e em oposição ao domínio político oligárquico dos
estados de São Paulo e Minas Gerais. Foi composto por militares e civis,
como: soldados e oficiais militares, em geral de baixa patente, que defendiam
profundas mudanças no sistema político em vigor; políticos e representantes
oligárquicos dissidentes e insatisfeitos com o governo; camadas médias
urbanas; e também contou com o apoio da imprensa oposicionista97. As
propostas eram as mais diversas: reformas políticas, voto secreto e fim das
fraudes eleitorais, legislações em defesa dos trabalhadores, como
regulamentação das horas de trabalho e fixação do valor base do salário
mínimo.98
Em 1929, o tenentismo rearticula suas forças com novos aliados
em torno da Aliança Liberal perante um cenário político de acirrada disputa
de sucessão presidencial99. Representando principalmente os insatisfeitos
com a disposição política oligárquica e rebeldes militares, a Aliança Liberal
lançou Getúlio Vargas como candidato à presidência da República.
Por sua vez, o grupo do então presidente Washington Luís,
vinculado ao tradicional poder oligárquico ligado ao governo, apoiou o
governador paulista Júlio Prestes, que se saiu vencedor. Parte do grupo
perdedor articulou um processo insurgente eclodido em 3 de outubro de
1930, após o assassinato do candidato à vice de Vargas, João Pessoa.
Surpreendido, Washington Luís tentou conter sua derrocada e realizou
97 PRESTES, Anita Leocádia. Os militares e a reação republicana: as origens do tenentismo. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 16-19 98 PANDOLFI, Dulce. Os anos a 1930: as incertezas do regime. In.: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 16. 99 PRESTES, Anita Leocádia. Op. cit., p. 87.
52
inúmeras prisões de políticos, tal como de jornalistas atuantes em periódicos
oponentes do Rio de Janeiro: “A Batalha”, “A Esquerda” (órgão tenentista),
“Diário Carioca”, “O Jornal” e “Diário da Noite” (estes dois últimos faziam
parte da cadeia de jornais dos Diários Associados de Assis Chateaubriand100).
As medidas repressivas incluíram a imposição da censura que restringiu o
conteúdo noticiado, ou mesmo, impedindo alguns jornais de circularem.101
Ainda assim, o movimento tenentista saiu vitorioso, depondo o
presidente Washington Luís, em 24 de outubro de 1930: “o Diário da Noite
abriu a primeira página com a manchete: Viva o Brasil! Viva a República Nova
e Redimida! (...) e a alegria da vitória foi acompanhada de represálias,
voltando-se a fúria popular contra a imprensa governista”.102 Jornais de apoio
ao governo, como “A Noite”, “O País”, “A Notícia”, “Crítica”, “Gazeta de
Notícias” e “Vanguarda”, tiveram suas sedes queimadas e pilhadas na capital
federal. Logo após esses acontecimentos, Getúlio Vargas assume a chefia do
Governo Provisório, em 03 de novembro de 1930, e passa a governar por
meio de decretos-lei diante do fechamento do Congresso Nacional, das
Assembleias estaduais e municipais e revogação da Constituição de 1891.103
Descontente com a perda de seu protagonismo político, a elite
paulista alavanca uma campanha exigindo que o governo provisório
retomasse as bases constitucionais no país. A defesa pela
100 Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira Melo (1892-1968) foi escritor e proprietário do grupo de comunicação “Diário Associados”, que reuniu uma rede de rádios e jornais como o “O Jornal”, “Diário de Pernambuco”, o “Jornal do Comércio” e o “Diário da Noite”, adquirindo inclusive, em 1928, a revista “O Cruzeiro”. Figura polêmica, teve uma relação bastante controvérsia e lucrativa com o governo de Getúlio Vargas, ora o atacando, ora promovendo sua imagem e ações governamentais às custas de vultuosos financiamentos. Cf. BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: as técnicas do jornalismo. 4ed., São Paulo: Ática, 1990, p. 262-264; e BARBOSA, Marialva. História cultural da Imprensa: Brasil – 1900-200. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 77-78. 101 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 374-375. 102 Idem. 103 Idem.
53
reconstitucionalização teve repercussão na imprensa, mas também houve
jornais que defendiam o prolongamento do Governo Provisório104. Então, o
movimento Constitucionalista deflagra contra o governo, no ano de 1932, um
conflito civil no estado de São Paulo, que apesar de derrotado, conseguiu
pressionar o governo a promover eleições para a formação de uma
Assembleia Constituinte, em 1933.
Todo esse cenário refletia um período de efervescências políticas
e de opiniões divergentes acerca dos destinos do país, o que fomentou
diversos debates e disputas. Essa situação se dava, especialmente, em
virtude da crise econômica de 1929 e do insurgente movimento tenentista.
Mas, incorporado a esse contexto, havia também outras expressões políticas
que conquistavam cada vez mais espaço,
A mobilização era intensa: jovens militares, intelectuais, profissionais liberais, estudantes, lideranças sindicais, comunistas, socialistas e também setores da Igreja, integralistas, políticos tradicionais e dissidências partidárias.105
Entre essas novas mobilizações e contestações, encontra-se a
Aliança Nacional Libertadora (ANL), que reuniu em 1935 correntes e
instituições anti-imperialistas e anti-integralistas, tendo como principal figura
de liderança o ex-tenentista Luís Carlos Prestes. Tal associação foi composta
por uma diversidade de aderentes, como partidos políticos, entre eles o
Partido Comunista do Brasil, sindicatos, militares, profissionais liberais, grupo
de estudantes e organizações feministas.106
104 Ibid., p. 377. 105 VIANNA, Marly de Almeida G. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In.: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 65. 106 Idem, p. 80-87.
54
Entretanto, a elite liberal burguesa brasileira assume uma postura
temerosa diante do fortalecimento organizacional do proletariado e da maior
participação e reivindicação popular no âmbito político. O surgimento da
ANL, propondo maiores liberdades democráticas e reforma agrária, se
configurou como uma ameaça aos interesses dessa elite. Grande parte da
imprensa, dominada e patrocinada pelos setores dominantes do país, ajudou
a impulsionar um clima de medo sobre movimentos que almejassem desafiar
a ordem estabelecida, como era o caso da ANL.107
Nas páginas dos impressos o medo era estrategicamente
incorporado ao comunismo, formatando a ANL como um movimento
exclusivamente comunista e desconsiderando toda a sua diversidade política.
Assim, ANL esteve inserida em um discurso anticomunista amplamente
difundido nos jornais e em uma conveniente aliança com os interesses do
governo:
No dia 26 de junho de 1935, em sua primeira edição, o jornal O Globo deu início a uma grande provocação (o que seria repetido por ocasião do Estado Novo), anunciando a descoberta de “um plano subversivo”, ordenado por Moscou, para implantação imediata no Brasil de um regime soviético.108
Dentro desse momento de instabilidade, ocorreram levantes
armados liderados pela ANL, incialmente deflagrados em Natal-RN, no dia 23
de novembro de 1935, repercutindo em seguida nas cidades de Recife-PE e
Rio de Janeiro-RJ, respectivamente nos dias 24 e 27 do mesmo mês. Segundo
Marly Vianna, a base deste “movimento era a dos tenentes, de luta contra a
exploração do Brasil pelo capitalismo internacional, pela reforma agrária e
107 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 379-380. 108 VIANNA, Marly de Almeida G., Op. cit., p. 86.
55
pela democracia – por pão, terra e liberdade”.109
Essas ações, classificadas em tom depreciativo pelos
anticomunistas como “Intentona”110, irromperam uma expressiva repressão
por parte do Estado. No campo discursivo, o governo Vargas e a grande
parcela dos jornais traduziram os levantes de novembro de 1935 como um
movimento exclusivamente comunista, o associando ao imaginário brasileiro
que já percebia o comunismo como uma expressão perigosa e aterrorizante.
Em consequência, e contando com o apoio da maioria da imprensa, da Igreja
Católica, de diversos intelectuais, do Congresso que cedeu ao Executivo
praticamente poderes ilimitados de repressão e de outros setores da
sociedade, Vargas justificou a necessidade de medidas autoritárias, como a
suspensão de garantias constitucionais e censura à imprensa, para combater
a “ameaça vermelha” comunista:
A imprensa empresarial criou as condições para o desencadeamento e a manutenção desse clima de pânico e de medo. Pagou por isso, pouco depois, como o Congresso que, tendo cedido tudo, inclusive a retirada e espancamento de membros das suas duas casas, e votado o estado de sítio e o estado de guerra, acabou fechado.111
As medidas de repressão se intensificaram e no ano seguinte os
109 Ibid., p. 102. 110 Maria Celina D`Araújo informa que os acontecimentos em torno dos levantes de 1935, denominados pelos anticomunistas de Intentona “significando intento louco, plano insensato”, se configuraram, a partir de 1937, em um evento constantemente rememorado pelas Forças Armadas por meio de cerimônias oficiais, encerradas apenas na década de 1990. Essas cerimônias serviam para homenagear as perdas militares em decorrência das ações comunistas. Há controvérsias quanto ao número de vítimas fatais, que segundo as instituições militares teriam chegado ao número de 30, mas pesquisas historiográficas indicam o número de 22 mortos. No entanto, o que mais impactava os militares foram as notícias e narrativas propagadas de que militares teriam sido mortos dormindo. Contudo, os documentos do Tribunal de Segurança Nacional mencionam apenas uma morte de militar em situação indefesa e sem arma, mas não em posição de repouso. Cf. D`ARAÚJO. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 16-17. 111 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 379-380.
56
opositores, sejam de esquerda ou de oligarquias, foram perseguidos e
julgados conjuntamente por uma instância de exceção, o Tribunal de
Segurança Nacional, sob o pretexto de combater os crimes contra o país e
suas novas diretrizes conservadoras. Dessa maneira, o governo conseguiu
reprimir às forças políticas descentralizadoras e àquelas que ansiavam por
ações liberalizantes, permitindo, sem obstáculos, a instauração de um regime
ditatorial em 1937.112 Assim, em novembro de 1937, antes das eleições
presidenciais de 1938, Getúlio Vargas e seus principais aliados, como os
generais Góes Monteiro, Daltro Filho e Eurico Gaspar Dutra, o idealizador e
redator da nova Constituição de 1937 - Francisco Campos e o Chefe de Polícia
Filinto Müller concretizaram a instauração do Estado Novo.113
Esse regime autointitulado de novo, foi a sistematização de um
programa nacionalista uniformizante e conservador. Um projeto, que de
acordo com Marialva Barbosa, foi expresso e difundido por pensadores como
Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alberto Torres e Francisco Campos,
refletindo todo um ideário de nação que deveria ser conduzido pelo Estado
e por seus intelectuais.114 Tal proposta de nacionalidade esteve vinculada à
concepção de uma sociedade hierarquizada e que naturalizaria suas as
diferenças sociais e econômicas. Marcava-se assim, uma divisão social
definida entre os homens considerados “habilitados” para educar e
promover leis e aqueles obedientes e seguidores das diretrizes promulgadas
pelo topo da “pirâmide social”.115
Os subordinados da nação, a população de maneira geral, eram
então caracterizados, inclusive pelos escritores conservadores da imprensa,
112 D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 19. 113 CAPELATO. Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: O Brasil Republicano – O Tempo do nacional-estatismo, do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 116-117. 114 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 104. 115 Idem, p. 104-108.
57
como sociedade de massas, onde seus indivíduos compreenderiam “um todo
amorfo, anônimo e uniforme”116. Dessa maneira, construiu e fundamentou-
se um discurso de tutela e direcionamento dos trabalhadores, “através da
educação e da massificação das informações”117,
Caberia ao governo, através de múltiplos aparelhos burocráticos criados no período e com o concurso de intelectuais orgânicos dos grupos dirigentes, desempenhar funções cada vez mais complexas, inclusive a de dar orientação ao povo, massa amorfa e indiferenciada. Paralelamente, apresenta-se a necessidade de difundir conhecimentos e noções elementares e, assim, tornar-se fundamental o papel dos intelectuais e dos veículos de difusão, isto é, a imprensa.118
Portanto, as décadas de 1930 e 1940 são marcadas pelo domínio
de uma imprensa em proximidade e relações de poder junto ao Estado, tal
como pela conjugação do público leitor e da população como uma massa que
deveria ser tutelada politicamente e intelectualmente.
Essas interpretações estiveram relacionadas à construção de um
projeto conservador e dominante de nacionalidade inspirado no pensamento
autoritário europeu, mas que no Brasil assume outros contornos. Essas
expressões autoritárias, também observadas em outros países da América
Latina, como a Argentina de Juan Domingo Perón, se caracterizaram pelo
desmantelamento do pluripartidarismo e fortalecimento do poder executivo
por meio do estabelecimento de um consenso social, instrumentalizando-se
de uma propaganda política muito bem arquitetada.119
A construção da imagem do consenso político e social no Estado
116 Ibid. 117 Idem. 118 Idem. 119 Cf. CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2º ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
58
Novo contou com o apoio majoritário dos periódicos que continuaram
circulando após a instauração do novo regime. Em troca, muitas publicações
se beneficiaram da proximidade com o Estado varguista, por meio de
isenções de impostos e subsídios para importação do papel de impressão e
de equipamentos gráficos120. Contudo, não se deve esquecer que a
propaganda em prol do Estado Novo e de seu líder era acompanhada do
silenciamento e cerceamento da liberdade de imprensa, então proibida de se
opor e criticar o governo.
Com o objetivo de centralizar e controlar a propaganda política,
perante todo o âmbito de divulgação, seja ele, radiofônico, revista ou jornal,
o Estado Novo varguista criou, em dezembro de 1939, o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), chefiado por Lourival Fontes. O referido órgão
além de controlar a propaganda do Estado, era responsável pela censura da
produção dos meios privados de imprensa e rádio, do teatro e do cinema. No
ano seguinte, foi criado em cada estado e com as mesmas atribuições do DIP,
o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), dirigido no
Estado de Mato Grosso pelo jornalista pelo Archimedes Pereira Lima.
O DIP foi antecedido por outros dois órgãos até conquistar a sua
configuração mais consolidada e abrangente. No ano de 1932, o Ministério
da Educação, sob a regência de Francisco Campos, passou a ser constituído
por um Departamento de Propaganda, com o objetivo de orientar a massa
popular por meio de um cinema educativo. Já em 1934, Getúlio Vargas
reformula o Departamento de Propaganda, o subordinado ao Ministério da
Justiça e com uma nova denominação: Departamento de Propaganda e
Difusão Cultura (DPDC). Este novo órgão, também sob tutela de Francisco
Campos e dirigido por Lourival Fontes, ganhou “novas formas de controle e
120 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 121.
59
coerção” sob o rádio e cinema.121
Mas foi com o DIP, criado a partir da junção do DPDC ao Serviço
de Divulgação ligado ao Gabinete do Chefe da Polícia de Filinto Müller, que a
censura assumiu um papel de repressão policial. Ocorreu, naquele momento,
a incorporação progressiva de policiais como censores, substituindo os
jornalistas. Assim, O DIP assumiu um poder de censura extremamente
repressivo e em associação com as ações de propaganda política. Cabia,
então ao órgão controlar o registro dos meios de comunicação, inclusive
serviços de alto-falantes, fomentar a propaganda em torno do regime,
determinar o que deveria ou não ser publicado e ordenar a prisão de
jornalistas e o fechamento de jornais e rádios não alinhados com o
governo.122
Além da censura, o Estado Novo realizou o controle da “produção
discursiva da imprensa” por meio de um grande aporte de verbas públicas
destinadas aos jornais, revistas, agências de notícias e emissoras de rádio que
colaborassem com aquele sistema político. Por outro lado, os periódicos e
emissoras de rádio que não colaborassem com o regime sofriam pressões
econômicas por meio de cortes da publicidade governamental ou, no caso de
jornais e revistas, suspensão dos subsídios para importação do papel e de
equipamentos gráficos. O governo federal exercia rígido controle sob a
importação de papel para a imprensa, a fim de limitar apenas a circulação
dos periódicos que estivessem em conciliação com a propaganda política
instituída. E nas situações mais extremas e rigorosas obrigava-se o
fechamento ou incorporação dos meios de comunicação ao Estado.123
Contudo, além de se estabelecer um papel de censura, o estado
121 Ibid., p. 117 122 Idem, p. 120 123 Idem, p. 121-121.
60
objetivava com o DIP alastrar a ideologia estadonovista perante toda a
sociedade brasileira. Para tanto, o DIP era responsável inclusive por promover
manifestações cívicas e festas populares que exaltavam os referenciais
nacionalistas e difundiam propaganda do estado varguista.124
Até o seu funcionamento em 1945, o DIP tratou de sacralizar a
imagem de Vargas, coordenando grande parte desses eventos e datas
comemorativas que contavam com a presença deste. Segundo Ângela de
Castro Gomes, criou-se a impressão de que o país vivia um “tempo festivo”,
um período de grandes desfiles com multidões, músicas, bandeiras e
estandartes, objetivando estabelecer um tom mítico e de grandiosidade em
torno do regime. Gomes destaca que dentro dessas solenidades públicas,
havia três momentos fundamentais onde se criavam simbolicamente uma
aproximação entre as autoridades do Estado Novo e a plateia de
trabalhadores: o aniversário do Presidente, o Dia do Trabalho e o aniversário
do Estado Novo. Somado a esses três eventos, o calendário festivo e de
propaganda do regime junto aos trabalhadores, ainda era marcado pelo 7 de
setembro, Natal e Ano Novo.125
Como se verifica no trecho abaixo do jornal “A Pena Evangélica”,
as diretrizes da propaganda em prol do Estado Novo por meio das
manifestações cívicas também se fizeram testemunhar no jornal
presbiteriano:
O mês de Novembro, pode-se chamar sem mêdo de erro, sob as novas diretrizes do Estado Novo, o mês do civismo e da exaltação à Pátria. Não haviam cessado ainda os écos da estrondósa manifestação de alegria das comemorações festivas do 1º aniversário do Estado Novo, e já o povo jubiloso pelos seus elementos mais representativos, voltava
124 Ibid., p. 118-119 125 GOMES, Angela De Castro. A Invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 216-218.
61
para as ruas, alegre, comemorando a significativa data consagrada á Bandeira. (…) Pela Força Publica estadual, pelas escolas e repartições, a mesma vibração e disposição de ânimo impulsionavam as massas para os festejos que se realizaram. E tantos foram eles em todos os setores da vida cuiabana, desde o palácio interventorial até o mais modesto serventuario, que desnecessàrio se torna descreve-los. A mesma ideia fascinava a todos O culto á Bandeira do Brasil. 126
Apesar desta ser uma publicação anterior a instituição do DIP e de
sua sucursal estadual, o periódico da Igreja Presbiteriana de Cuiabá já
indicava em 1938 os moldes da propaganda política do Estado Novo por meio
dos festejos cívicos, exaltação dos símbolos nacionalistas, como a bandeira,
e comemoração da instauração do novo regime. Em todos os espaços
públicos o estado varguista impunha sua presença e devoção junto as massas.
Outra ação relacionada à difusão da ideologia e propaganda do
Estado Novo era efetivada por meio da transmissão obrigatória via rádio do
programa “Hora do Brasil”, a partir de 1939, transmitido até mesmo por meio
de alto-falantes em praças públicas e vias de maior trânsito de pessoas. Nesse
sentido, O DIP realizava e articulava todas essas medidas, a fim de incorporar
a figura personalista de Vargas ao Estado Novo, efetivando uma campanha e
propaganda política de considerável sucesso e abrangência. O DIP então
apresentou Vargas como o “pai dos pobres”, o estadista que realizava e
orientava as massas de trabalhadores, um líder de ação: “que cria,
determina, estabelece, assina, manda e executa.”127 O estado, personificado
na figura de seu líder, foi, então, revestido de um papel condutor da nação e
dos trabalhadores, construindo, em consequência, a perspectiva de uma
126 A Bandeira. “A Pena Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 29 nov. 1938, Caderno 580, p. 1. 127 BARBOSA, Marialva. Op. cit., p. 119-120.
62
cidadania passiva e receptora.128
O DIP é, portanto, parte do projeto constitucional de 1937 que
institucionalizou a censura nos meios de comunicação. Nesse momento, a
imprensa esteve revestida de um caráter público, atrelada aos interesses e
ideologias do Estado.129 Segundo Capelato, o governo, sob a justificativa de
estabilizar a ordem pública e atender aos projetos do Estado e da Nação,
promoveu a institucionalização dos meios de comunicação em massa junto a
estrutura governamental, cerceando sua ação independente. E em uma
estratégia semelhante ao governo fascista italiano, a imprensa escrita se
constituiu no Estado Novo como um dos principais meios de propaganda
política, objetivando promover suas ações, camuflar as intempéries
enfrentadas e ocultar a repressão exercida pelo regime.130
Há três produções acadêmicas instigantes que analisaram a
inserção de jornais mato-grossenses nesse contexto de coerção e de “função
pública” da imprensa no governo Vargas. Em “Tempo de esperança: a
imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense”131, Léia de Souza
Oliveira estudou a difusão da imagem do Estado Novo por meio do jornal “O
Estado de Mato Grosso”. A autora conclui que há uma forte relação entre a
imagem do Estado Novo e as ideias de modernidade e progresso nacional,
onde Mato Grosso ocupava posição estratégica na campanha estadonovista
de ocupação e integração desta região com o restante do país, denominada
“Marcha para Oeste”, o que foi propagado por essa publicação.
Em outra obra, “Propaganda Política e Trabalhismo na imprensa
128 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 21ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p. 130. 129 CAPELATO, Maria Helena. Op. Cit. 130 Idem, p. 79-95. 131 OLIVEIRA. Léia de Souza. Tempo de esperança: a imagem do Estado Novo na imprensa mato-grossense. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, PUC, São Paulo, 1995.
63
campo-grandense durante o governo Vargas (1930-1943)”132, de Fernanda
Chaves de Andrade, é discutida a veiculação dos discursos sobre o
trabalhismo como forma de propaganda política de Getúlio Vargas
demarcando, inclusive, períodos anteriores ao Estado Novo. A historiadora
utilizou como fonte os periódicos “O Jornal do Comércio” e “O Progressista”,
ambos da cidade de Campo Grande, atual capital do Mato Grosso do Sul –
lembrando que no recorte cronológico da pesquisa o referido centro urbano
ainda pertencia ao estado unificado de Mato Grosso. Andrade verificou que
os dois periódicos cumpriram a missão oficial em relação ao discurso
trabalhista de Vargas, todavia, também identificou neles críticas comedidas
ao regime estadonovista133.
Percebe-se assim, apesar de que Vargas e seu governo quisessem
impor apenas uma narrativa oficial sobre a realidade, de maneira sutil ou
mesmo clandestina, houve discordâncias e críticas que escaparam do
controle da censura. Segundo Nelson W. Sodré, algumas publicações de
oposição, inclusive comunistas, conseguiram atuar mesmo com grandes
dificuldades. O historiador cita dois jornais com títulos que refletem a
resistência e contestação a esse cenário de amordaçamento: “Folha
Dobrada”, de 1939 e “A Resistência”, de 1944.134
Por fim, e voltando ao contexto mato-grossense, registra-se um
trabalho bastante próximo com esta pesquisa. Trata-se da dissertação da
historiadora Jucineide Moreira de Souza Pereira, “Entre a Cruz e o Estado: O
anticomunismo na imprensa mato-grossense durante o primeiro governo
Vargas (1930-1945)”135. Apesar dos temas abordados, anticomunismo e
132 ANDRADE. Fernanda Chaves. Propaganda Política e Trabalhismo na imprensa campo-grandense durante o governo Vargas (1930-1943). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2011. 133 Idem, p. 125. 134 SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 382. 135 PEREIRA, Jucineide Moreira de Souza. Entre a Cruz e o estado: anticomunismo na
64
imprensa, serem também tratados neste trabalho, Pereira, em uma relevante
pesquisa historiográfica, toma outro enfoque, concentrando-se na
repercussão do combate ao comunismo enquanto propaganda política
estratégica do governo de Getúlio Vargas na imprensa mato-grossense. Em
associação, realizou a análise da incorporação da imagem de Vargas como
grande líder e “pai dos pobres” nessa mesma imprensa.
Contudo, e como já destacado, este trabalho objetiva
compreender o anticomunismo não somente como instrumento estratégico
e de propaganda política do Estado. Pois, partilhando das perspectivas de
Carla Luciana Silva e Rodrigo Patto Sá Motta, pode-se considerar que o
anticomunismo já se fazia presente na sociedade brasileira e mato-grossense
antes do seu uso político como artífice do medo e de convencimento para
instauração do Estado Novo, auxiliando na sustentação de Getúlio Vargas e
de seus aliados no poder.
Instituições como a Igreja Católica, apesar de sua aliança com o
Estado varguista, trataram do combate ao comunismo considerando diversos
outros fatores, como as orientações papais e as perspectivas ideológicas de
seus intelectuais e lideranças. A batalha católica contra o comunismo esteve
relacionada até mesmo com sua proximidade ao integralismo, o que é
refletido no Jornal “A Cruz” através da “Columna Integralista”. Ainda,
destaque para o pouco abordado anticomunismo protestante, como
também, de grupos oligárquicos e partidários de Mato Grosso.
Outro fator que distingue esta dissertação da composta por
Pereira foi em relação à escolha dos jornais. A historiadora priorizou a
pesquisa analítica do jornal “A Cruz”, e teve como fonte suplementar e
comparativa, outros três periódicos: a revista feminina “A Violeta”, “O Estado
imprensa mato-grossense durante o primeiro governo Vargas (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, 2008.
65
de Mato Grosso” e “Alliancista”. Já esta dissertação delimitou para a análise
quatro periódicos, sendo dois religiosos – “A Cruz” e “A Pena Evangélica” – e
dois relacionados a partidos oligárquicos do cenário político mato-grossense
– “O Matto Grosso” e “Alliancista”.
Apesar das distinções, ambas abordagens podem estabelecer
diálogos e contribuir com a ampliação dos debates regionais e nacionais
acerca do anticomunismo. No próximo item trata-se mais detalhadamente
acerca da seleção do corpus documental e das características próprias de
cada periódico selecionado para esta pesquisa.
Imprensa em Mato Grosso e o arquivo de periódicos
Ao adentrar no âmbito da imprensa em Mato Grosso, verifica-se
uma longa data de existência e tradição, transparecidas em uma expressiva
produção. Conforme apontam Graciela Rodrigues da Silva e Otávio
Canavarros, no artigo “A imprensa mato-grossense antes do rádio”136, desde
a implantação do jornal oficial “Themis Mattogrossense”, que começou a
circular em 1839, até o ano de 1939, quando passou a ser impresso um dos
mais longevos jornais locais intitulado “O Estado de Mato Grosso”, foram
produzidos mais de 120 títulos. Seja no Império, como nas primeiras fases da
República, pequenos jornais exerceram papel importante e significativo em
um Estado distante dos grandes centros urbanos do país.137
Canavarros e Silva traduzem uma diversidade de títulos
jornalísticos, concentrados principalmente na capital, Cuiabá. Todavia, essa
diversidade era acompanhada de uma “fugacidade”, pois grande parte dos
136 CANAVARROS, Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. A imprensa mato-grossense antes da era do rádio. Territórios e Fronteiras, Revista do PPGHIS/UFMT, v. 3, n. 01, jan/jun/2002. 137 Cf. JUCÁ, Pedro Rocha. Imprensa Oficial de Mato Grosso. Cuiabá: Edições Aroe, 2009, p. 65.
66
títulos sobreviviam a curtos períodos de duração. De um levantamento de
125 títulos do acervo microfilmado no Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional da UFMT (NDIHR), registraram uma média de
136 edições por órgão.138
Distintamente do que se observou nos grandes centros urbanos
do Brasil, quando da consolidação e predomínio de uma grande imprensa
empresarial, durante a pesquisa dos periódicos de Mato Grosso139, entre os
anos de 1930 a 1945, percebeu-se uma diversidade de pequenos títulos.
Esses, então, eram ligados a partidos políticos, maçons, liberais, intelectuais,
instituições religiosas católicas, espíritas e evangélicas, associações
femininas, grêmios estudantis e operários. Contudo, como já observado por
Canavarros e Silva, a grande maioria dessas produções circularam durante
pouco tempo, cinco exceções são destacadas: o órgão do Republicano “O
Matto Grosso” (1879-1937); o jornal católico “A Cruz” (1910-1969); a revista
feminina “A Violeta” (1917-1950); o jornal presbiteriano “A Penna
Evangélica” (1925-1944); e jornal “O Estado de Mato Grosso” (1939-1979),
fundado por Archimedes Pereira Lima.140
A partir da década de 1940, os impressos mato-grossenses
perdem espaço para o rádio. Nesse mesmo período, o mercado local de
periódicos também reduz seu espaço em consequência da acirrada
concorrência com as publicações nacionais, que passaram a chegar com
regularidade após o estabelecimento de uma linha de transportes aéreos
regulares. O período marcou a implantação de um mercado nacional de
livros, jornais e revistas, tendo a revista “Cruzeiro”, do grupo “Diários
Associados”, como destaque. Deu-se o estabelecimento de uma nova “era”
138 CANAVARROS; Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. Op. cit., 2002, p. 23. 139 MORGADO, Eliane Maria Oliveira. Catálogo de jornais, revistas e boletins de Mato Grosso – 1847-1985. Cuiabá: EdUFMT, 2011. 140 Idem.
67
com o rompimento do “monopólio do jornalismo provinciano”.141
Problematizando as fontes, Michel Foucault, em “Arqueologia do
Saber”, as compreende como arquivos, mas não como um aparato de
vestígios deixados pelas sociedades, reunidos como herança do passado em
uma biblioteca ou museu. Trata-se aqui de uma concepção que questiona
sobre: a) o que a sociedade escolheu guardar?; b) por que decidiu armazenar
determinados documentos, em prejuízo de outros?; c) e como convencionou
o armazenamento de sua multiplicidade de acervos?142
Essas perguntas devem ter em mediação os diferentes percursos
históricos e as particularidades de cada arquivo. A seleção e classificação do
arquivo não são aleatórias, sua forma de organização implica em uma nova
prática discursiva que acaba por influenciar nossa visão sobre determinado
discurso. Dessa forma, o pesquisador deve constituir uma postura crítica
quando proceder a seleção de suas fontes e corpus de análise.143
Neste diálogo de questionamento com Foucault, o desafio é
perceber o arquivo, não como algo neutro, mas um lugar cheio de seleções e
códigos que refletem a visão de uma sociedade, constituindo uma relação de
poder acerca do que é eleito ser preservado. O fazer história, irá também se
constituir em uma nova seleção, produzindo novos sentidos, dentro de um
“reemprego coerente”, ao proceder o exercício de “recopiar, transcrever ou
fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu
estatuto”.144 O historiador tem a tarefa, portanto, de explicitar suas escolhas,
a forma que encontrou organizado, classificado e preservado os documentos,
e como pretende reorganizar dentro de sua pesquisa esse acervo
141 CANAVARROS; Otávio; SILVA, Graciela Rodrigues da. Op. cit., 2002, p. 29-30. 142 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro/RJ: Forense Universitária, 2008, 7 ed. 143 Idem. 144 CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: ______. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1982, p. 81.
68
documental, permitindo, assim, um diálogo transparente.
A busca desse arquivo de impressos “provincianos” para a
discussão do anticomunismo em Cuiabá deu-se em duas instituições.
Primeiramente no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT) e por
meio da Biblioteca Nacional Digital145, uma ferramenta online, da Biblioteca
Nacional.
No APMT tivemos acesso facilitado aos exemplares selecionados,
o acervo está em parte microfilmado, ou acondicionado em caixas, separados
por datas e títulos. Alguns títulos foram encadernados, garantindo uma maior
preservação do material, outros são encapados com papéis, a fim de protegê-
los da ação do tempo e do ambiente e para que não haja perda dos
fragmentos que estejam se desfazendo. De fato, uma pequena parte das
fontes pesquisadas tiveram que ser desconsideradas devido a sua
ilegibilidade, tanto em microfilme quanto em documento físico, porém sem
grandes prejuízos para a pesquisa.
Por meio da ferramenta online Biblioteca Nacional Digital
conquistou-se uma grande agilidade na pesquisa, o que possibilitou o acesso
ao acervo digitalizado da Biblioteca Nacional, em qualquer horário e local.
Este instrumento auxiliou principalmente a busca por jornais com acervos
mais numerosos. É possível ainda pelas buscas online proceder a seleção de
“palavras-chaves” relacionadas à pesquisa, evitando leituras cansativas e por
vezes infrutíferas.
Em relação aos periódicos destacados, foram abordados os
seguintes critérios: a) abrangência temporal, dentro do período de 1930 a
1945; b) variedade de títulos levando em consideração a que grupo social ou
instituição pertenciam, ou seja, observar as diferentes vozes, seja de
católicos, protestantes e partidos políticos; e c) número relevante de
145 Disponível no seguinte domínio: <https://bndigital.bn.br/>.
69
exemplares disponíveis para pesquisa, a fim de contribuir com uma análise
contínua.
Levando em consideração esses parâmetros, chegou-se ao
número de 4 (quatro) periódicos. A apresentação sucinta obedece a uma
ordem temporal, primeiramente elencando os mais antigos:
I) O Matto Grosso
“O Matto Grosso”, fundado no ano de 1878, ainda no Império, e
teve uma circulação longa, até o ano de 1937. Ligado ao “Partido Republicano
Mato-Grossense”, deixou de circular logo após a saída do governo de Mario
Corrêa da Costa, então principal nome deste quadro partidário. Dentro do
recorte da pesquisa, as edições disponíveis no APMT e na hemeroteca digital
da Biblioteca Nacional são dos anos de 1930 a 1933 e 1935 a 1937.
Entre as transformações pelas quais o jornal passou durante sua
circulação, observa-se mudanças de título e direção. Na sua fundação, por
mérito de Joaquim Rodrigues Calháo, que também o dirigiu, o jornal recebeu
o título de “A província de Matto Grosso”. Passou a se chamar “O Matto
Grosso” somente dez anos após o início de sua circulação e já sob o comando
do jornalista, político e filho do fundador deste periódico, Emílio do Espírito
Santo Rodrigues Calháo (1865-1935), que dirigiu o jornal até o fim de sua
vida.146
Após a morte de Emílio Calháo, o desembargador e escritor
Octavio Cunha (1882-1958) assumiu a direção do jornal “O Matto Grosso”, a
partir de maio de 1936, permanecendo nesta função somente até 1º de
novembro deste mesmo ano, quando o jornal passa a ser dirigido pelo
146 SÁ, Niconor Palhares; SILVA, Marijâne Silveira da. Intelectuais e discursos veiculados pelo jornal O Matto Grosso (1910-1930). Cuiabá: VII Congresso Brasileiro de História da Educação, 2013.
70
advogado e político José Jayme Ferreira de Vasconcelllos (também conhecido
como Jayme F. Vasconcellos) até a sua última publicação em 1937.
Vasconcellos também foi ligado a outro periódico, sendo fundador e
proprietário do “Jornal do Comércio” de Campo Grande e membro do
Instituto Histórico de Mato Grosso (IHMT) e da Academia Mato-Grossense de
Letras (AML).147
O jornal “O Matto Grosso” era dividido em quatro partes, sendo a
primeira página dedicada aos principais artigos, pronunciamentos de
políticos, publicações e divulgação de decisões judiciais, bem como a
exposição na parte superior direita das chamadas notícias de “última hora”.
Na segunda e terceira páginas, exibiam-se classificados e propagandas com
uma variedade de imagens, as representações iconográficas no periódico
estavam limitadas apenas ao campo da publicidade. Já a quarta página
apresenta uma diversidade de pequenas notícias, em nível mundial, nacional
e regional, além de mais divulgações de propagandas e classificados.
Imagem 1: Grafia do título do Jornal “O Matto Grosso”, Caderno: 184, 18 fev. 1937.
Em suas páginas o enfrentamento contra os grupos políticos
concorrentes era constante. Destaque para os embates contra o senador
João Villasbôas, que outrora fora aliado do partido. Na edição de n. 143, de
16 de dezembro de 1936, em manifesto do deputado Agrícola Paes de Barros,
147 CALONGA, Maurilio Dantielly., Op. cit., p. 22-24.
71
verificam-se os momentos de instabilidades e de disputa política que irão
culminar com a deposição de Mario Corrêa, em março 1937. E meses depois,
em outubro de 1937, com a ascensão de Julio Müller como governador:
A frase lançada pelo Senador Villasbôas e repetida em todos os comícios por todos os oradores: ‘Não haverá mais governo contra a vontade do povo’!-ainda ecôa em nosso Estado. E o Partido Liberal, que hontem uniu se ao bloco Evolucionista por achar nocivo aos interesses públicos a politica dos Irmãos Muller, vem, 18 meses depois, unir áquelles que tanto guerrearam para derrubar um Governo honesto e trabalhador.148
O fragmento acima indica parte das características disputas das
elites mato-grossenses em torno do poder regional e oligárquico. Em um
costumeiro rearranjo político, as principais lideranças dos partidos Liberal e
Evolucionista uniram-se e criaram o Partido Alliancista, em apoio aos irmãos
Filinto e Julio Müller e contra o governo de Mario Corrêa e seu partido. As
configurações e desfechos desses embates políticos e principalmente o
enfrentamento ao comunismo, tido como grande ameaça da soberania
nacional, serão detalhados no Capítulo III.
II) A Cruz
O Jornal “A Cruz” (Órgão da Liga do Bom Jesus149 - Instrumento de
Imprensa da Igreja Católica no Estado de Mato Grosso) foi um semanário,
distribuído aos domingos, fundado em 1910 e interrompendo sua circulação
apenas em 1969. Este jornal nasceu a partir de dois episódios importantes: a
148 BARROS. Agricola Paes. Ao Povo. O Matto Grosso. Orgam Dedicado aos interesses do povo. Cuiaba, 16 dez. 1936, Caderno 143 da 3ª fase. 149 A partir de 1925 o jornal apresenta a denominação de A Cruz – Órgão da “Liga Cathólica” da Archidiocese. Já na edição de número 1182 de 15 mai. 1935 constitui um novo subtítulo: “Órgão da Liga do Bom Jesus”, que perdurou até o ano de 1950.
72
chegada dos salesianos a Mato Grosso, acompanhados de uma máquina
tipográfica, na qual inicialmente era impresso o jornal; e pela disputa de
interesses ideológicos e políticos entre integrantes da Igreja Católica em
Mato Grosso e republicanos positivistas e anticlericais, que almejavam o
estabelecimento de um estado laico, em todos os seus aspectos, seja na
educação, ou na política de intervenção junto aos povos indígenas.150
Foi articulado por eclesiásticos e leigos da Liga Católica de Mato
Grosso, como o arcebispo Dom Carlos D`Amour, o franciscano Frei Ambrósio
Daydé151 (diretor do Jornal entre 1910 a 1925), o arcebispo metropolitano de
Cuiabá Dom Francisco de Aquino Corrêa, o comendador José Barnabé de
Mesquita (substituto de Frei Ambrósio na direção do jornal, entre os anos de
1925 a 1953), bem como clérigos, juristas, políticos, professores e
intelectuais de representatividade junto à comunidade católica em Cuiabá.
O arcebispo Dom Aquino Corrêa (1885-1956) foi certamente a
grande expressão intelectual e de condução do jornal durante o período que
esta pesquisa trata, suas cartas pastorais, discursos, escritos e mensagens de
cunho conservador eram destacadas, em prevalência nas primeiras páginas.
Além de religioso e escritor, foi político, governando o estado nos anos de
1918 a 1922, em um momento de conflitos políticos entre partidos e
oligarquias estaduais. Implementou a fundação do Instituto Histórico e
150 CANAVARROS, Otávio. Leitura na Imprensa Cuiabana: o caso de A Cruz. (1910/1940). In: XVI COLE - Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas. CD - Rom - Anais do XVI COLE. Campinas, SP: ALB - Unicamp, 2007. v. 1; 151 O franciscano Frei Ambrósio Daydé (1875-1945) foi redator-chefe do jornal “A Cruz” entre 1910-1924. Ao lado do arcebispo de Cuiabá, Dom Carlos Luiz D`Amour, foi defensor assíduo da Igreja Católica e de sua hierarquia. Polêmico, envolveu-se em diversas querelas com articulistas de outros periódicos, como “O Debate”, “Jornal do Commércio” e “O Paiz”. Para Daniel F. de Oliveira, sem a presença do frei franciscano Daydé a criação do jornal “A Cruz” não teria sido dada em 1910. Cf. OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016, p. 83-89.
73
Geográfico de Mato Grosso (1919) e do Centro Mato-Grossense de Letras
(1921), instituições de referência para a difusão de uma nova identidade
mato-grossense: mais coesa, menos fragmentada e ligada à religiosidade
católica.152
Além de D. Aquino e Mesquita, em sua edição de 1937 de
aniversário, “A Cruz” divulgou toda a sua equipe de redação naquele
momento, composta exclusivamente por homens: Nunes Ribeiro, Palmyro
Pimenta, Antonio Estevão de Figueiredo, Antenor de Figueiredo, Professor
Feliciano Galdino de Barros e os contadores Benedicto A. London (gerente da
publicação “A Cruz”) e Manoel Deschamps Cavalcanti.153
A coleção deste título jornalístico, disponível no APMT, é a mais
completa dentre os jornais analisados e dentro do recorte temporal desta
pesquisa. Registra-se os anos de 1930 a 1945, mas há ausência de algumas
edições e o estado de conservação de outras impediram sua leitura, sem,
contudo, impedir a análise ampla deste periódico.
O jornal apresentou uma variedade de crônicas, sonetos, poesias
e artigos, e segundo levantamento de Daniel F. Oliveira, teve uma tiragem
entre 1000 e 1.100 exemplares154 logo nos primeiros anos, distribuídos, além
da capital cuiabana, em outras cidades e localidades do interior do Estado,
como Várzea Grande, Cáceres, Diamantino, Poconé e Corumbá.155 Jucineide
Pereira, em pesquisa na Cúria Metropolitana de Cuiabá, identificou
assinaturas do jornal no ano de 1935, nas cidades de Poconé, Coxim, Três
Lagoas, Lageado (atual Guiratinga) e até mesmo no Rio de Janeiro, mas
152 PEDRAÇA, Célio Marcos. O Universo ideológico de Dom Aquino e os anos Vargas: entre a Igreja e o Estado (1930-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, 2007, p. 56-66. 153 Redação d` “A Cruz”. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 mai. 1937, Caderno 1284, p. 2. 154 No período que compreende os anos de 1930 a 1945 o periódico não informou a sua tiragem. 155 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 139-144.
74
também havia distribuição gratuita do periódico na capital e em outras
cidades de Mato Grosso.156 Quando o jornal iniciou sua distribuição a
publicação era quinzenal, mas com a aquisição pela Liga Católica, em 1911,
de uma máquina rotativa Marinoni própria, não mais dependendo dos
equipamentos tipográficos da Escola Salesiana, tornou-se possível a tiragem
semanal do impresso. 157
O semanal era composto por quatro páginas e expunha além dos
textos já citados, informes, notícias e uma variedade rica de propagandas,
estas últimas dispostas entre a terceira e quarta páginas. Em edições
ocasionais e comemorativas, duas ou quatro páginas eram acrescentadas. Os
textos relacionados ao comunismo ganhavam geralmente destaque logo nas
primeiras páginas.
Imagem 2: Grafia do título do Jornal “A Cruz” em 1939, Caderno: 1375, 12 fev. 1939.
Entre os quatro periódicos analisados, o jornal “A Cruz” foi o mais
rico e variado em seu material iconográfico. Eram postas em destaque as
imagens de autoridades eclesiásticas e políticas, publicadas geralmente na
primeira página, por vezes na segunda e mais raramente na terceira. As
imagens do material publicitário eram impressas nas duas últimas páginas.
Ênfase para as imagens oficiais de José de Mesquita, de Getúlio Vargas –
sobretudo a partir de 1941, ano da visita deste à Cuiabá –, e de maneira mais
156 PEREIRA, Jucineide Moreira de Souza, Op. Cit., p. 63. 157 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 143.
75
constante do arcebispo Dom Aquino, conforme registro abaixo:
Imagem 3: Dom Aquino Corrêa, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1182, 15 mai. 1935.
De todos os periódicos, certamente, “A Cruz” foi o mais
combatente do comunismo, espelhando bastante da postura política
institucional da Igreja Católica e de seus membros.
III) A PENA EVANGÉLICA
O periódico “A Pena Evangélica – Órgão Semanário de
Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá”158, como o próprio
nome sugere, foi um semanário presbiteriano que circulou entre 1925 a
1944. Apresentou posturas bastante conservadoras em relação aos aspectos
morais e de comportamento, em vista de posicionamentos contrários a
certos costumes católicos, considerados inadequados. Também como em “A
CRUZ”, é possível observar discussões atinentes aos aspectos políticos,
formando opiniões e imagens contrárias acerca do comunismo.
Sua redação, no recorte temporal da pesquisa, foi composta por
158 O título do jornal inicialmente circula com a grafia “A Penna Evangélica” (duplicando a letra “n” da palavra pena), mas a partir da edição 556 de 04/06/1938 adota a grafia com apenas uma letra “n”: “A Pena Evangélica”.
76
um grande número de componentes: Augusto José de Araújo (pastor),
Francisco Cesar Melo (presbítero), Joaquim Jorge de Carvalho (presbítero), e
os diáconos Américo Gomes de Barros, João Carlos de Araújo Bastos, João
Mendes Rodrigues, João Manoel da Cruz e João Paes de Barros.159
A publicação presbiteriana foi semanal e constituída de quatro
páginas, mas entre 1936 e 1938 foi mais comum circular com seis. Dispôs nas
duas primeiras laudas de mensagens religiosas, artigos e expedientes do
jornal. Na terceira e quarta páginas destaque para o suprimento noticioso,
“O mundo em sete dias”, e também havia espaço para publicidade, informes
e classificados. As ilustrações se limitaram às imagens de aporte publicitário:
Imagem 4: Propaganda vinculada no jornal “A Pena Evangélica, n.: 492,13 mar. 1937.
A coleção desse título jornalístico disponível no APMT e na
Biblioteca Nacional Digital não está completa, e dentro do recorte temporal
desta pesquisa registram-se os anos de 1930, 1931, 1934, 1936-1938, 1942
e 1944, contudo, mesmo com a ausência de alguns anos e edições, o acervo
159 Expediente. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 4 jan. 1936, Caderno 430, p. 2.
77
identificado auxiliou as percepções políticas engendradas por esta
publicação.
Imagem 5: Grafia do título do Jornal “A Pena Evangélica” em 1942, n.: 743, 10 jan. 1942.
IV) ALLIANCISTA
“Alliancista”, jornal do partido Aliança Mato-Grossense foi
articulado pelos senadores João Vilasboas e Vespasiano Barbosa Martins,
congregando parte dos membros dos antigos partidos Evolucionista e Liberal.
Imagem 6: Grafia do título do Jornal “Alliancista” em 1937, Edição n.: 1, 10 out. 1937.
Circulou às quintas-feiras e domingos e conteve de forma mais
frequente quatro páginas, dispondo de artigos, discursos políticos e atos
governamentais nas primeiras laudas e nas últimas deu maior espaço para
propagandas e notícias. Constam no acervo do APMT vinte edições deste
impresso, entre outubro de 1937 a janeiro de 1938. Representou
iconograficamente as imagens de Filinto Müller, Júlio Müller (Interventor do
Estado durante o Estado Novo), João Ponce de Arruda (Secretário Geral do
78
Estado durante o governo de Júlio Müller), Isaac Póvoas (prefeito de Cuiabá,
entre 1937 a 1941) e Getúlio Vargas, a quem, já nos primeiros números,
declarou enérgica adesão.
Em sua primeira edição de 10 de outubro de 1937160 comemorou,
em primeira página, a posse do novo governador Julio Müller, então eleito de
forma indireta, um mês antes, pela Assembleia Legislativa, mas que no mês
subsequente recebeu o aval de Getúlio para ser seu representante como
interventor no Estado, quando da instauração da ditadura varguista. Na
mesma publicação divulgou uma carta de despedida de Manoel Ary da Silva
Pires, ex-interventor do Estado que naquele momento se retirava da
condução do governo e a transferia para Müller.
A década de 1930 foi assinalada pela atuação de interventores no
Estado, como Antônio Mena de Gonçalves161 e Manoel Ary da Silva Pires, em
grande parte consequência de conflitos entre as oligarquias políticas do
estado. A fim de suprimir essas e outras disputas, inclusive o movimento
separatista da região sul162, o governo federal promoveu ativa repressão ao
“habitat político dos poderosos senhores locais.”163. O grupo político do
“Alliancista” articulou parte desses conflitos entre oligarquias locais,
principalmente, contra Partido Republicano.
E dentro das novas referências de atuação do governo federal,
articulando uma política mais centralizadora, o jornal demonstrou vigorosa
160 Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 10 out. 1937, Caderno 1, p. 1-2. 161 Interventor do Estado logo após a ascensão de Getúlio Vargas à presidência em novembro de 1930 até abril de 1931: “Sua gestão como interventor do estado, ainda que só tivesse a duração de cinco meses, caracterizou-se por uma ação saneadora e moralizadora contra os grandes proprietários usineiros do norte, que chegaram a ser presos e humilhados em seus próprios domicílios.” Cf. CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso: (1889-1943). Campo Grande: Ed UFMS, 2006, p, 166 (grifo do autor). 162 Idem, p. 165. 163 Idem, p. 165-177.
79
aliança com as estratégias e a propaganda política de Getúlio Vargas e de seus
aliados. O anticomunismo se insere nessa perspectiva, em torno da definição
conspiratória de um inimigo, em apoio a um projeto nacional rígido
conduzido pelo líder Vargas, questão a ser debatida no capítulo III.
80
CAPÍTULO II
Mitologia conspiratória anticomunista nos jornais de Cuiabá
Ou retomamos o feito conservador, jurídico, tradicional da nossa politica, desde o Imperio, ou descambamos pelo plano inclinado da força e das aventuras communistas, com que se rotula a anarchia legalizada. (…) Operarios, guardae bem estas palavras: A Religião, eis vossa protectora! O communismo, eis o vosso inimigo!164
Cultura política, conceitos e possibilidades de análise
Nos capítulos II e III objetiva-se examinar os jornais selecionados
em diálogo fundamentalmente com o conceito teórico da mitologia
conspiratória do historiador Raoul Girardet165, a fim de examinar, sob
diferentes aspectos, as construções narrativas conferidas sobre essa outra
conjugação política, o comunismo. Girardet compreende que os mitos
políticos conspiratórios possuem o poder de desfigurar a realidade,
instituindo outra cheia de pesadelos, “certezas”, paixões e medos, servindo a
certos interesses daqueles que a fomentam. Todas essas percepções que
evidenciam as questões mais subjetivas do campo do político são
compartilhadas com os sentidos de uma história política associada ao
domínio cultural.
Tratar a esfera política como algo à parte do restante da vida
social, refletindo apenas os jogos de poderes e de interesses, onde são
aplicadas decisões racionais e estratégicas, é certamente uma fragilidade
argumentativa. Dentro dos ambientes institucionais, representativos e nos
espaços de poder há uma imersão cultural composta por uma diversidade de
164 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 1-2. 165 GIRARDET, Rauol. Op. cit.
81
ideias, tradições, identidades e valores:
Sem a intenção de opor à escolha racional um paradigma culturalista, os estudos dedicados às culturas políticas revelam outras dimensões explicativas para os fenômenos políticos, como a força dos sentimentos (paixões, medo), a fidelidade a tradições (família, religião) e a adesão a valores (moral, honra e patriotismo).166
Considerando essas assertivas, o olhar sob os aspectos culturais
se constitui como um processo de análise imprescindível para os estudos do
campo político. Dois historiadores franceses, Serge Berstein e Jean-François
Sirinelli, contribuíram, no final dos anos de 1980, com importantes reflexões
e possibilidades de investigação da cultura política das mais diferentes
expressões políticas existentes, como a comunista, liberal, socialista,
conservadora, republicana, democrata, fascista e diversas outras.167 Rodrigo
Patto Sá Motta, em interlocução com esses dois historiadores franceses,
afirma que a cultura política é uma abordagem enriquecedora atenta para as
representações, imaginários e mitos políticos que se refletem e orientam as
decisões e os projetos de políticos.168
Portanto, compartilhando da visão de Motta, entende-se a cultura
política como “conjunto de valores, tradições, práticas e representações
políticas”169 comungado por certo partido, nação, religião, movimento
sindical ou qualquer outro grupo social e político. Abarcando ideias,
166 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In. ______ (Org.). Culturas Políticas na História. 2 ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014, p. 29. 167 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988. p. 354. 168 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A cultura política comunista: alguns apontamentos. In: ______.; NAPOLITANO, Rodrigo (Orgs.). Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural. Belo Horizonte.: Editora UFMG, 2013, p. 17. 169 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 21.
82
linguagens, identidades coletivas e interpretações que traduzem uma visão
comum sobre o passado e refletem propostas e direções para o porvir170.
Assim, em interação com âmbito da cultura política é possível
construir um exercício de análise das correntes ideológicas e do conjunto de
tradições que as cercam, considerando o contexto histórico e local. Promove-
se uma correlação entre diferentes elementos, como o discurso codificado e
suas palavras chaves, fórmulas repetitivas, símbolos, gestos e representações
visuais.171 Contudo, deve se tomar o cuidado para não se restringir a análise
ao campo das representações, mas relacioná-la ao caráter prático das
escolhas e interesses dos sujeitos.172
Para Serge Berstein, essas escolhas práticas do indivíduo são
influenciadas pela sua vivência coletiva, que o autor define como “vetores de
socialização”, incorporados às filiações políticas, à família, filiações sindicais,
corporações militares e às instituições de ensino, por exemplo. Não se trata
de um processo de doutrinação, mas de composições influentes e variadas,
que por vezes até se contrapõem. Apresenta-se, dessa maneira, uma
variedade de ações culturais sobre o indivíduo, uma “difusão de temas, de
modelos, de normas, de modos de raciocínio que, com a repetição, acabam
por ser interiorizados e que o tornam sensível à recepção de ideias ou à
adopção de comportamentos convenientes.”173
A essa “lista” de vetores influentes, Motta acrescenta ainda a
religião e as publicações impressas como importantes veículos que
interferem na dimensão política dos indivíduos. Esta pesquisa partilha da
opinião de Motta, no sentido que identifica na imprensa cuiabana e mato-
170 Ibid. 171 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre e Jean-François Sirinelli. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1988, p. 349-363. 172 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 23. 173 BERSTEIN, Serge. Op. cit., p. 357.
83
grossense a difusão de imagens capazes de constituir uma série de heróis,
oponentes e crenças da mitologia política, onde o leitor encontra “motivação
para identificar-se e aderir” às mensagens publicadas174. Como também,
identificamos de forma bastante presente a influência do campo religioso,
pois as igrejas católica e presbiteriana de Cuiabá foram propagadoras de
identidades e valores que repercutiram significativamente no plano político.
Os jornais selecionados neste trabalho, estejam eles ligados aos
partidos políticos ou às instituições religiosas, responderam e partilharam de
uma cultura política conservadora, estabelecendo representações
mitológicas contra um inimigo comum, o comunismo. A tratativa é entender
como essas instituições aliaram seus interesses e a semeadura de imagens
negativas em relação ao oponente “vermelho”. E compreender ainda, como
essas estratégias, sejam no campo prático ou na formatação de mitos
conspiratórios, alinharam-se ao golpe autoritário do Estado Novo.
Pensar a repercussão das representações, imagens, valores,
tradições, crenças e mitos nos jornais cuiabanos, “O Matto Grosso”, “A Cruz”,
“A Pena Evangélica” e “Alliancista” é viabilizar a análise de uma série de
filiações políticas e culturais dos grupos e indivíduos dessas publicações. Cada
publicação elegeu valores, diretrizes morais, padrões de nacionalidade, bases
econômicas e políticas junto a seus fiéis e eleitores. Suas atuações, no recorte
temporal de 1930 a 1945, demonstram um momento de instabilidades e de
grandes escolhas, sendo o comunismo percebido como uma expressão
totalmente oposta às normas conservadoras as quais defendiam. Nesse
embate, promoveram e apropriaram-se de outras construções mitológicas
que instituíram um simulacro conspiratório anticomunista, a ser melhor
tratado nas subsequentes discussões.
174 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2014, p. 23-24.
84
O mito da conspiração e a construção do outro: “a luta do bem contra o mal”.
Antes de promover diálogo e análise direta das fontes, é preciso
delimitar mais um conceito para a compreensão do anticomunismo e seu
desenvolvimento imagético e discursivo. Neste ponto, sob o prisma de Raoul
Girardet, destacam-se os mitos políticos, uma construção subjetiva, mas não
desvinculada da realidade e das vivências sociais. Os mitos políticos inseridos
na definição de Girardet são promovidos como uma fabulação, deformação
ou interpretação objetivamente recusável do real. Portanto, este é um
instrumento analítico fundamental para compreendermos como os aspectos
subjetivos podem influir significativamente nos destinos de uma sociedade,
por meio da imposição de “verdades” que não são explicadas apenas por
uma referência demasiadamente racionalista.175
Nesta perspectiva e dentro de um traçado metodológico, Girardet
alerta que o mito político não pode ser medido e classificado
sistematicamente, pois sua característica mais marcante é ser imprevisível e
dinâmico, necessitando estar atento para suas singularidades. No entanto, o
mito pode vir revestido de características que se repetem, apresentando
traços comuns com outras manifestações mitológicas, e ainda completa: “é
preciso igualmente entender que um mesmo mito é suscetível de oferecer
múltiplas ressonâncias e, não menos, numerosas significações”176
As construções mitológicas se intensificam diante de uma
realidade envolta de tensões e desequilíbrios sociais. São propagadas de
forma mais violenta e nítida quando se acentuam as angústias coletivas, em
momentos bruscos, de desajuste da estrutura social e nos embates virulentos
pelo poder. Nessa via, os sistemas mitológicos estão conectados aos
175 GIRARDET, Raoul. Op. cit. 176 Idem, p. 15.
85
momentos de crise, transição, rupturas, mudanças repentinas e aceleradas
que trazem “desagregação dos mecanismos de solidariedade e de
complementariedade que ordenam a vida coletiva.”177
Perante as angústias e incertezas, o mito político, enquanto
narrativa explicativa, tem a capacidade de restabelecer o equilíbrio,
reconquistar a lógica do mundo, ou seja, é capaz de trazer uma visão global
e coerente que pode ser encontrada nas visões nostálgicas:
O desconhecido ameaçador de um universo social fendido pode ser novamente subjugado e dominado. Sobre os restos das crenças mortas, novas certezas se edificam. Nos corações, nas consciências, os equilíbrios rompidos se reconstituem. Fornecendo-lhe novos elementos de compreensão e de adesão, o imaginário mítico permite àquele que ele se abandona reamarrar-se em um presente reconquistado, tomar pé em um mundo que voltou a ser coerente, que voltou a ser com efeito, claramente “legível”.178
Como já destacado, a década de 1930 esteve em uma sucessão de
acontecimentos, tanto a nível nacional como internacional, onde as certezas
escapavam às leituras da realidade. O ocidente, até então “refundado” na
lógica racional do iluminismo e do progresso, sentiu seu mundo estremecer.
A democracia liberal sofreu um duro golpe econômico e estrutural, iniciado
em um dos seus centros financeiros, se propagando em cadeia pelo mundo.
A experiência traumática de 1929179, logo após uma guerra de caráter
177 Ibid., p. 180. 178 Idem, p. 183. 179 Segundo José Jobson de Andrade Arruda, em “A crise do capitalismo liberal”, os Estados Unidos caminharam rumo a um sistema econômico insustentável que privilegiava a concentração de riquezas e um modelo altamente liberal. A crise se alastrou por várias partes do mundo, em diferentes proporções e em diferentes momentos. O governo brasileiro queimou parte da produção nacional de café para reajustar os preços do produto no mercado externo, uma medida drástica a fim de sustentar a elite cafeicultora. ARRUDA, José Jobson de Andrade Arruda. A Crise do capitalismo liberal. In.: FILHO. Daniel Aarão Reis;
86
mundial e que teve a Europa como cenário principal, alardeou incertezas, e
deu ressonância às vozes que buscavam mudanças, e claro, novas bases e
alternativas. Mas nem todas essas mudanças propagavam o “novo”, em vez
disso, difundiam uma velha ordem, cheia de ressentimentos e
irracionalidades expostas no fascismo, nazismo180, salazarismo, franquismo,
Estado Novo e outros poderes autoritários.
No estremecer das balizas também havia outra opção,
consolidada no século XIX por Friedrich Engels e Karl Marx, o socialismo
científico, que denunciou a exploração capitalista e seu domínio ideológico,
evidenciando os excluídos da história e os conclamando para a luta, com a
finalidade de desenvolver uma sociedade comunista, sem classes,
propriedade privada e alienação humana. A Revolução Russa de 1917 tornou-
se um marco na concretização prática das propostas de Engels e Marx, porém
sob o influxo de uma tradição “marxista-lenista” e adaptações práticas181,
influenciando de maneira mítica182 partidos políticos e movimentos
revolucionários em todo o mundo.
FERREIRA, Jorge; ZENHA, Cleleste. O século XX. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005, p. 11-34. 180 Ver: ELIAS, Nobert. O Colapso da civilização. In: Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus no século XIX e XX. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 267-355. 181 A Revolução Russa instituiu uma tradição marxista-leninista que reverberou nas ideias e proposituras dos partidos comunistas. O socialismo enquanto estrutura estatal e partidária se reverteu em um sistema que impôs, de cima para baixo, as vontades e decisões dos líderes partidários, instituindo um governo centralizado. O modelo instaurado na União Soviética, com algumas mudanças, foi referência para os demais países socialistas pós II Guerra Mundial. Cf. HOBSBAWM, Eric. Revolução Mundial. In.:_____. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita; revisão técnia Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89. 182 Hobsbawm afirma que a Revolução de Outubro na Rússia se reverteu em um acontecimento que “abalou o mundo”. A Revolução Russa transformou-se em um símbolo de adoração por parte daqueles que ansiavam por mudanças revolucionárias em prol de uma melhor alternativa ao modelo de sociedade capitalista, inspirando importantes levantes e revoluções pelo mundo Cf. HOBSBAWM, Eric. Revolução Mundial. In.: _____. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita; revisão técnia Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89.
87
Nesse mundo de tensão, mesmo em um território de fronteira
como o Mato Grosso, e por vezes esquecido pelo poder central, os
acontecimentos e novas ideias precisavam de uma rápida explicação, que se
fez amplamente presente nas letras e papéis de jornais e revistas. A imprensa
é um dos mecanismos reguladores sociais capazes de controlar, em limites
suportáveis, as tensões internas da sociedade, empregando regimes de
verdades.183
Assim, os recursos da narrativa e do imaginário mitológico foram
largamente acionados pela imprensa cuiabana e utilizados para manutenção
da ordem existente, fazendo, em sua prevalente maioria, severa oposição à
alternativa revolucionária comunista. Em vista disso, numerosas foram as
significações postas pelo anticomunismo na capital mato-grossense,
apropriando-se de uma linguagem política amplamente difundida na cultura
política ocidental: o mito da conspiração.
Em sua obra “Mitos e Mitologias Políticas”, Girardet trata da
construção de três mitos conspiratórios, sobretudo na França do século XIX,
e que envolvem três personagens: o maçom, o jesuíta e o judeu. Girardet,
então percebe que foram criadas narrativas que seguiram um roteiro muito
bem tramado, uma “identidade de estrutura” arquitetada em torno ao
“legendário do complô”. Esse sistema de imagens e representações se baseia
em uma trama composta por uma organização cheia de segredos, pactos de
silêncio, laços de promessas, códigos e senhas, onde quem infringir e romper
essa ordem será punido exemplarmente. Constituídas de uma “hierárquica
rígida e piramidal”, suas lideranças possuem autoridade absoluta e os
submissos deverão passar por uma escala de aperfeiçoamento para chegar
aos níveis superiores. Suas reuniões são em locais desconhecidos e
estratégicos, de vigilância constante e alterados frequentemente para não
183 Cf. FOCAULT. Michel. Op cit., 2012, p. 13.
88
serem desvelados.184
Na vontade de alcançar seus objetivos de dominação, a
organização conspiratória utiliza-se de todos os meios e recursos, e não há
limites para isso: serviços de espionagem, assassinatos e delações. Sua
influência está presente em todos os âmbitos, educacionais, bancários,
institucionais, políticos e familiares. Presente também, no controle da
imprensa, a fim de manipular as informações e ludibriar a sociedade. Todo
esse estratagema conspiratório é alicerçado pela corrupção e destruição dos
sistemas de valores morais e de costumes.185 Aos agentes do complô são
revestidas imagens demoníacas, sangrentas, animalescas, de escuridão e
perversão moral, um corruptor forasteiro capaz de levar à ruína famílias e
toda a sociedade.186
Um dos modelos mais significativos de um mito conspiratório foi
a propaganda antissemita “Os protocolos dos Sábios de Sião”, aludindo um
complô judaico de dominação mundial. Tal peça narrativa serviu às mais
diferentes posições conservadoras de diversos países, e de forma mais
intensa entre as duas guerras mundiais. Também o anticomunismo brasileiro,
na década de 1930, valeu-se desse recurso mítico, mesmo quando já se sabia
de seu caráter fraudulento.187 Inicialmente formulado no século XIX pela
polícia czarista Russa, A narrativa de “Os protocolos dos Sábios de Sião”
objetivou atacar as ações modernizadoras no âmbito econômico, impetradas
184 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 33-36. 185 Idem, p. 38-40 186 Idem, 43-49. 187 A associação entre comunistas e judeus foi bastante utilizada por integralistas, principalmente por um dos seus membros e liderança, Gustavo Barroso, um intelectual reconhecidamente antissemita. Essa associação ganha expressão também no Estado Novo, justificando a perseguição de judeus, que nem sempre tinham ligação com o comunismo. Cf. JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. O Anticomunismo de Gustavo Barroso: A crítica política como instrumento para um discurso antissemita. In: RODRIGUES, Cândido Moreira; BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Orgs). Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920 – 1950. Cuiabá/MT: Editora da UFMT, 2011, cap I, p. 15-32;
89
pelo ministro Witte, e assim, proporcionar um cenário conspiratório em
torno da das aspirações liberais deste.188
O Jornal presbiteriano “A Penna Evangelica”, divulgou as cenas
sobre Moscou de uma exposição nazista, em Berlim, se apropriando do
modelo narrativo antissemita que tem o judeu “sem-pátria” e estrangeiro
como um modelo conspirador sanguinário, “sádico” e sem escrúpulos. São
essas referências, já há muito tempo reproduzidas e que serviram de
instrumentos imagéticos na batalha cristã contra o comunismo, associada
aqui ao antissemitismo:
São indescriptiveis os documentos autenticos que falam do ultraje cultural dos 6 milhões de trabalhadores forçados, que são sacrificados nas immensas florestas da Siberia e que sofrem sob o jugo de estrangeiros, seus dominadores, que são todos, sem excepção, judaico-sadistas. Grandes fotografias demonstram assassinios em massa e assassinios de refens. Esta exposição, única no mundo pela sua integridade, dá um quadro horripilante do terror sanguinario e da miseria geral do povo, e impõe-se ao espectador um sentimento de abominação e horror contra um regime, que um pequeno numero de salteadores assassinios e judaicos-sadistas quer implantar ao povo de todo o mundo.189
Como observado no texto acima, toda essa construção imagética
conspiratória se articula a outros enunciados e referências mitológicas já
presentes no imaginário político ocidental e, desta forma, conquista maior
receptividade junto a sociedade. As funções dos mitos políticos são
inerentemente estratégicas, já que são poderosos instrumentos para
legitimar perseguições e exclusões, e ocultar as falhas do poder vigente.190
188 Ibid., p. 50. 189 O Bolchevismo sem máscara. “A Penna Evangélica”. Órgão Semanário de Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuiabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 190 GIRARDET, Op. cit., p. 49-51.
90
Por conseguinte, os mitos políticos, como a mitologia do complô,
tratam de uma narrativa que não está apartada da realidade histórica, mas
sim relacionada aos acontecimentos e às estratégias políticas frente a disputa
ou manutenção do poder:
Nenhum dos mitos políticos se desenvolve, sem dúvida, no exclusivo plano da fábula, em um universo de pura gratuidade de transparente abstração, livre de todo contato com a presença das realidades da história. Mas, no que diz respeito a mitologia do Complô, aceita-se de boa vontade que a carga de densidade histórica se revela, com toda evidência, particularmente pesada: com efeito, não há nenhuma, ou quase nenhuma de suas manifestações ou de suas expressões que não possa ser relacionada mais ou menos diretamente com os dados factuais relativamente precisos, facilmente verificáveis em todo caso, e concretamente apreensíveis.191
Sem embargo, toda essa urdidura da narrativa mitológica constitui
um poder de manipulação significativo, amplificando, distorcendo e
promovendo um efeito polêmico e mutacional sobre a realidade, onde o
contexto temporal é invalidado: “a relatividade das situações e dos
acontecimentos, esquecida; do substrato histórico não restam mais que
alguns fragmentos de lembranças vividas, diluídas e transcendidas pelo
sonho.192
Por meio dessas valiosas considerações, compreende-se que a
construção de uma entidade demoníaca e conspiratória foi um amálgama
importante, principalmente nos momentos de instabilidade social e política.
Posições conservadoras no Brasil de 1930 consolidaram a figura do mal
comunista costurada com a narrativa imagética do complô:
191 Idem, p. 51-52. 192 Idem, p. 52-53.
91
O Mal que sofre, e mais ainda, talvez, aquele que se teme, acha-se doravante muito concretamente encarnado. Ganhou uma forma, um rosto, um nome. Expulso do mistério, exposto em plena luz e ao olhar de todos, pode ser enfim denunciado, afrontado e desafiado.193
Perpassando todos esses pontos ligados a uma perspectiva da
cultura política, duas questões são levantadas: Como se produziu e refletiu a
construção dos mitos e imaginários anticomunistas nos jornais cuiabanos
entre os anos de 1930 a 1945? Quais suas vinculações políticas e suas
posições diante do contexto histórico de crise da democracia liberal, e diante
dessa crise, quais alternativas e soluções defenderam? Todavia, antes de
responder essas questões, é preciso trazer as diferentes expressões políticas
e culturais brasileiras que imputaram combates repressivos e narrativas
conspiratórias contra o comunismo.
As expressões políticas e culturais do anticomunismo no Brasil
A cultura comunista extrapolou às composições partidárias e às
teorias marxistas. As adesões ao comunismo ocorreram não apenas por
interesses políticos e de classe, mas também por refletir identidades e
projetos envoltos de um ideal a ser conquistado, perpetuando mitos e
símbolos capazes de arregimentar operários, pensadores e diversas camadas
sociais.194
Por sua vez, grupos religiosos, midiáticos, políticos, militares e
intelectuais com objetivo de manipular o imaginário social brasileiro,
construíram uma série de referências representativas, simbólicas e
193 Ibid., p. 55. 194 Cf. FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do Mito – Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002.
92
discursivas de impressão negativa em relação aos comunistas. Os impressos
constituíram, nas décadas de 1930 e 1940, lugar de destaque para a
propagação intensa de uma propaganda política de massa contra o
comunismo. O intuito era promulgar uma narrativa carregada de
estereótipos, sob a égide da conspiração. Nesse momento, os que aderiram
ao anticomunismo partilharam de construções mitológicas em prol de
combater o “inimigo vermelho”, integrando os propósitos de unificação e
consolidação de valores e opiniões junto a um Estado nacional.
Mas essas ações se estabeleceram sobre diferentes motivos e
interesses, que em alguns momentos se arregimentavam. E a fim de
compreender as bases e as diferentes expressões políticas e culturais do
anticomunismo no Brasil, partilha-se das concepções de Rodrigo Patto Sá
Motta. O referido autor identificou diferentes esferas ideológicas
anticomunistas, ligadas até mesmo ao campo da esquerda195, contudo e de
forma predominante, as vertentes conservadoras e reacionárias foram as que
mais produziram discursos de combate extremo ao comunismo. E dentre
essas três matrizes conservadoras destacam-se: o catolicismo, o
nacionalismo e o liberalismo.196
Mas, todas essas matrizes se articulavam e não estavam isoladas
uma das outras, tendo o anticomunismo católico maior expressão e
amplitude.197 Em conjunto, ou em atuação paralela, diversos grupos ligados
195 Rodrigo Patto Sá Motta aponta que parte da esquerda brasileira se posicionou contrária ao comunismo considerando os aspectos autoritários da União Soviética, trazidos principalmente à tona, em 1956, por meio de um relatório secreto do XX Congresso do PCUS. Contudo, em comparação aos partidos socialistas da Europa Ocidental em um contexto pós Segunda Guerra Mundial e sob influência estadunidense, essa postura não foi tão expressiva, pois, no Brasil, tradicionalmente o anticomunismo estava associado ao círculo conservador e reacionário. Cf. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho – O Anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 2000, p. 33-34. 196 Idem, p. 35. 197 Idem, p. 67-68.
93
às forças armadas, instituições religiosas, governo, setor empresarial, AIB,
parlamento, organizações femininas e meios de comunicação estiveram
empenhados, não apenas nas décadas de 1930 e 1940, como em todo o
contexto da Guerra Fria, na luta discursiva, conspiratória e repressiva contra
o adversário “diabólico, imoral, exótico e ilusório”.
Entretanto, esta pesquisa entende ser relevante destacar as
outras expressões que efetivaram o combate ao comunismo, mesmo que não
sejam prevalentes, como o caso do protestantismo. É oportuno que as
pesquisas sobre o anticomunismo também ambicionem compreender a
inserção de outras instituições, grupos e movimentos neste debate, como as
diversas denominações protestantes ou evangélicas, religiões que estão em
ascensão política e social no país198.
No caso deste estudo, identificamos que a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, por meio de seu jornal, “A Pena Evangélica”, imputou forte empenho
no combate ao comunismo. Dessa forma, é importante inserir nesta
discussão, além da esfera católica, as características do anticomunismo
protestante, mesmo encontrando dificuldades como o restrito número de
trabalhos que possam auxiliar e referenciar esta análise. Nesse sentido, os
dois próximos tópicos almejam apresentar as discussões acerca das bases e
expressões cristãs do anticomunismo no Brasil, destacando o catolicismo e o
protestantismo.
198 Nos últimos 10 anos o número das chamadas denominações cristãs evangélicas aumentou 61,45 % no Brasil, somando uma população de 42.275.440 de pessoas, mais de 20 % da população brasileira. Apenas os evangélicos de missão, que incluem luteranos, presbiterianos, metodistas, batistas, congregacionais e adventistas representam atualmente 4% da população. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Censo demográfico 2010: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. ISSN 01004-3145, Rio de Janeiro – RJ.
94
Anticomunismo e a reação católica contra o mundo moderno liberal
De maneira geral, as religiões cristãs contribuíram
significativamente para a difusão do anticomunismo. Mas, certamente, o
maior empenho foi praticado pela Igreja Católica que tratou o comunismo
como um adversário impiedoso, tanto por parte de suas lideranças, como de
seus membros leigos.
Carla S. Rodeghero entende que este processo, se insere no
combate da Igreja Católica aos processos de modernização da sociedade
ocidental. Desde o período da Renascença, passando pela Reforma
Protestante, pela Revolução Industrial na Inglaterra, pelo movimento
iluminista e Revolução Francesa, a modernidade racional e ocidental vem
questionando os preceitos e a ordem católica.199
Esse processo modernizador se repercute na laicização do Estado
e na ascendente secularização da sociedade ocidental, cada vez mais urbana,
industrializada e incorporada de novos valores e utopias, se afastando
progressivamente das referências morais da Igreja. Aos olhos do catolicismo,
o comunismo seria parte desse processo, juntamente com outras expressões
políticas, sociais e culturais como: o liberalismo, anarquismo, indústria
cultural, movimentos juvenis e femininos que teriam aprofundado “ainda
mais o fosso aberto anteriormente entre religião e sociedade.”200
Em ofensiva contra esse percurso histórico, a Igreja Católica reagiu
por meio de um movimento denominado catolicismo ultramontano iniciado
no século XIX, e que se manteve até a segunda metade do século XX. Tal
movimento se caracteriza por um processo de centralização hierárquica da
199 RODEGHERO, Carla Simone. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998, p. 44. 200 Idem, p. 44-45.
95
Igreja, encabeçado pelo Papa Pio IX (1846-1878). Em referência à teologia
tomista, o movimento primou pela rejeição à filosofia racionalista, à ciência
moderna e à democracia liberal burguesa, bem como ao capitalismo e ao
comunismo,
as características fundamentais da reação anti-moderna católica permaneceram mais ou menos as mesmas. Na esfera intelectual, a rejeição à filosofia racionalista e à ciência moderna. Na esfera doutrinária, a retomada das decisões tridentinas e da filosofia e teologia tomista. Na política externa, a condenação à liberal democracia burguesa e concomitante reforço da idéia monárquica. Na política interna, o centralismo em Roma e na pessoa do Papa e o reforço do episcopado. Na esfera sócio-econômica, a condenação ao capitalismo e ao comunismo e um indisfarçável saudosismo da Idade Média, que se manifestará fortemente no Brasil na década de 1930.201
As ideias marxistas revolucionárias, baseadas no materialismo e
atreladas ao cientificismo, marcando críticas severas ao campo religioso,
tornaram-se o mais novo inimigo moderno e conspirador dos valores morais
da Igreja. Portanto, na percepção dessa Igreja ultramontana o comunismo era
um concorrente potencial, portador de crenças e ideias totalmente opostas
às diretrizes religiosas e capazes de fazer ruir toda a instituição:
A filosofia comunista se opunha aos postulados básicos do catolicismo: negava a existência de Deus e professava o materialismo ateu; propunha a luta de classes violenta em oposição ao amor e à caridade cristãs; pretendia substituir a moral cristã e destruir a instituição da família; defendia a igualdade absoluta contra as noções de hierarquia e ordem, embasadas em Deus. No limite, o sucesso da pregação comunista implicaria no desaparecimento da Igreja, que
201 MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História. Tempo e eternidade no pensamento Católico (1800-1960). Maringá/PR, Eduem, 2004, p. 11.
96
seria um dos objetivos dos líderes revolucionários.202
Um dos primeiros documentos produzidos pela Igreja Católica
condenando o comunismo e o socialismo foi a encíclica Quanta Cura,
publicada em 1864 pelo papa Pio IX, perfazendo essas manifestações
políticas como ideias que objetivavam destruir a religião e a família. O
documento está claramente inserido no contexto de crítica da Igreja aos
processos de modernização da sociedade, dentre eles a laicização. Processo
este que defendia o afastamento da Igreja do poder do Estado e da educação
dos jovens que passaria a ser encargo do governo.203
Continuando o avanço combativo, a encíclica Quod Apostolici
Muneris de Leão XIII, de 1878, alertou, não de maneira evidente, os bispos
católicos sobre os perigos das propostas revolucionárias comunistas. Já em
1891, a Encíclica Rerum Novarum, do mesmo papa, fez críticas tanto à
exploração gananciosa do capitalismo, como ao comunismo, então tratado
como uma grave ameaça à harmonia social, defendendo a obediência do
operariado frente aos patrões e proprietários. No entanto, refletindo
preocupações com as questões sociais, Leão XIII apoiou a atuação do Estado
no sentido de proteger o trabalhador da exploração excessiva, mas também
caberia a este impedir greves e proteger a propriedade privada204.
A partir da Revolução Russa, em 1917, o temor da Igreja Católica
em relação ao comunismo se acentuou. Todavia, a escalada ascendente do
anticomunismo católico se deu na década de 1930, durante a Guerra Civil
Espanhola, pois, segundo Marco Antônio M. L. Pereira, a Igreja Católica se
opôs expressivamente ao crescimento e a ação de partidários anarquistas e
comunistas em um território onde a Igreja teve por séculos um domínio
202 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 38-39. 203 DENZINGER, Enrique. El magistério de la Iglesa. Barcelona: Herder, 1955, p. 402-403. 204 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 37-38.
97
político protagonista.205
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) tratou-se de um confronto
entre forças conservadoras, nacionalistas e fascistas, defensores do fim da
república, e a base do Governo Republicano Espanhol, a Frente Popular,
composta de sindicatos, anarquistas, comunistas, outras correntes de
esquerda e partidários democráticos. Nesse contexto, de acordo com Pereira,
a Igreja católica viu seu domínio na esfera civil social diminuir
consideravelmente na República espanhola. E diante das bases anticlericais
dos republicanos, o catolicismo espanhol arregimentou suas forças ao lado
dos conservadores e nacionalistas. Como consequência de suas posições,
sofreu intensa perseguição por parte dos grupos republicanos durante o
conflito espanhol, o que impactou demasiadamente a Igreja e acentuou suas
posições anticomunistas, inclusive junto ao catolicismo brasileiro.206
Há controvérsias sobre as ações que culminaram em depredações
de santuários, ataques e assassinatos de sacerdotes. Para muitos autores
esses atos de violência foram fruto das explosões revolucionárias populares.
No entanto, os integrantes da Igreja Católica no Brasil associaram as
agressões sofridas na Espanha quase que exclusivamente aos comunistas. Já
em relação aos demais componentes da frente republicana, formada por
democratas e anarquistas, a culpabilização se dava de forma mais
oscilante.207
Em reação a esses acontecimentos o Papa Pio XI, no ano de 1937,
publicou a Encíclica Divinis Redemptoris, onde reforçou de maneira direta a
postura anticomunista da instituição religiosa católica, advertindo sobre as
205 Cf. PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso anticomunista católico. Dissertação (Mestrado em História). UNESP, Franca, 2010, p. 87-98. 206 Idem. 207 Idem.
98
consequências do comunismo e conclamando seu enfrentamento. Esta e as
demais orientações papais aqui destacadas repercutiram junto ao
episcopado brasileiro, que reforçava a posição anticomunista do Vaticano por
meio de Cartas Pastorais destinadas às suas dioceses.208
No Brasil, os anos de 1930 marcaram um processo de retomada
da Igreja Católica no cenário central da política brasileira, sob a condução do
Cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira (1882-1942). Em face da
proclamação da República, no final do século XIX, a Igreja perdeu
considerável poder de influência política e social, em consequência da
separação protocolar entre Estado e Igreja. Perante esse contexto, o objetivo
era “recristianizar” a sociedade e reaproximar de forma mais expressiva as
posições católicas das tomadas de decisões pelos poderes oficiais do Estado.
A partir desse momento, Dom Sebastião Leme, principal liderança
do movimento de restauração católica, apoiou a aproximação da Igreja a seus
membros leigos, como intelectuais conservadores e políticos de direita.209 O
cardeal, então, incentivou uma série de ações como o fortalecimento da
imprensa católica e constituição de entidades seculares de atuação junto aos
jovens, mulheres, processos eleitorais e operários. Seguindo as diretrizes do
Papa Pio XI (1922-1939), criou-se organizações como a Ação Católica e Liga
Eleitoral Católica (LEC) que se constituíram em projetos políticos e de
divulgação, não partidários, mas que objetivavam difundir os preceitos e
valores seguidos pela Igreja, entre eles o anticomunismo.
A Ação Católica foi um movimento que contou com a participação
de fiéis leigos difundido em alguns países católicos e no Brasil, aqui se
208 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 39-43. 209 MOURA, Carlos André Silva. Restaurar todas as coisas em Cristo: Dom Sebastião Leme e os diálogos com os intelectuais durante o movimento de recatolização no Brasil (1916-1942). In: RODRIGUES. Cândido Moreira; PAULA, Christiane Jalles de. Intelectuais e militância católica no Brasil. Cuiabá: EdUFMT, 2012, p. 17.
99
estabelecendo oficialmente em 1935 com Dom Sebastião Leme. Tal
movimento objetivava a inserção de leigos na hierarquia da Igreja, auxiliando-
a na defesa de seus princípios e no seu projeto de maior influência sobre a
sociedade. Seu estatuto dividiu esta organização em quatro ramos: 1º)
Homens de Ação Católica; 2º) Liga Feminina da Ação Católica; 3º) Juventude
Católica Brasileira; e 4º) Juventude Feminina Católica.210 Contudo, como
observa Darlene Socorro da Silva, apesar de ter sido instituída oficialmente
em 1935, diversas manifestações já em 1922 seguiam o modelo da Ação
Católica proposta por Pio XI. Em Mato Grosso, por exemplo, a própria Liga das
Senhoras Católicas de Cuiabá, criada em 1924, seria uma ramificação da Ação
Católica.211
Já a LEC, criada em 1932 por Dom Sebastião Leme, objetivou
trazer de forma mais atuante as demandas católicas para o cenário político,
tendo em vista o momento de discussão de uma nova Constituição para o
Brasil, direcionando e angariando votos aos candidatos que defendessem às
causas da Igreja Católica, como a obrigatoriedade do ensino religioso nas
escolas.212
A imprensa foi outro instrumento importante para Igreja Católica
propagar seus valores e o anticomunismo. Segundo Cândido Rodrigues, a
revista “A Ordem”, dentro desse contexto de “reação católica” que marca a
reaproximação da Igreja com o Estado, demonstra a posição da instituição no
combate às proposituras liberais e socialistas.213 A revista idealizada pelo
210 PEDRAÇA, Célio Marcos. O Universo ideológico de Dom Aquino e os anos Vargas: entre a Igreja e o Estado (1930-1945). Dissertação de Mestrado. UFMT, Cuiabá, 2007, p. 55-56. 211 OLIVEIRA. Darlene Socorro da Silva Oliveira. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): O movimento de Ação Católica e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2010, p. 73-74. 212 RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem – uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte: Autêntica/Fapesp, 2005, p. 142. 213 Cf. RODRIGUES, Cândido Moreira, Op. cit.
100
intelectual Jackson de Figueiredo (1891-1928), assim como o Centro Dom
Vital, nos anos de 1921 e 1922, respectivamente, se estabeleceram como
órgãos de representação laica, dirigidos por Alceu Amoroso Lima (1893-
1982), a partir de 1928214. Em Mato Grosso, o jornal católico “A Cruz”,
similarmente, se configurou como mecanismo importante para o combate ao
comunismo, mas esse ponto será discutido de forma abrangente logo
adiante, quando se der a análise dos periódicos.
Para Rodrigues, Alceu Amoroso Lima, também conhecido por seu
pseudônimo de Tristão de Athayde, foi um destacado intelectual católico e
defendeu durante a década de 1930 a intervenção católica na política, não
pela constituição de partidos, mas por meio da propagação dos valores
religiosos católicos junto à sociedade e através de organizações como a LEC
e a Ação Católica. Opôs-se à Aliança Nacional Libertadora - ANL por sua
relação com o comunismo, e definiu este último como antiespiritualismo,
antinacionalismo e antifamiliarismo. Entendeu, nessa fase, o comunismo
como uma ilusão e ameaça à Pátria, uma “hipertrofia da coletividade”, tão
perigosa quanto o liberalismo que, por sua vez, classificava como expressão
do individualismo. Chegou a avaliar, em 1935, o Integralismo “como o
movimento mais próximo dos católicos”, evidenciando, naquele momento215,
posições autoritárias.216
214 Ibid., p. 15. 215 É importante salientar que Cândido Rodrigues constata mudanças nas percepções políticas de Alceu Amoroso Lima, já no final de 1939 e meados de 1940, abandonando sua aprovação ao integralismo. A datar de 1942, passa a realizar inclusive uma crítica progressiva ao Estado Novo, partilhando da filosofia democrática de Jacques Maritain passando a defender um pensamento progressista democrata. Cf. RODRIGUES, Cândido Moreira. Aproximações e conversões: o intelectual Alceu Amoroso Lima no Brasil dos anos 1928-1946. São Paulo: Alameda, 2013. 216 RODRIGUES, Cândido Moreira. Observações insuficientes de fenômenos parciais da sociedade: comunismo e democracia em Alceu Amoroso Lima. In.: _____.; BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Orgs.). Intelectuais e comunismo no Brasil: 1920-1950: Gustavo Barroso – Plínio Salgado – Alceu Amoroso Lima – Jorge Amado – Miguel Costa. Cuiabá: EdUFMT, 2011, p. 77-92, grifo nosso.
101
Outra atuação demonstrativa da preocupação e das estratégias da
Igreja Católica com relação ao comunismo foram os Círculos Operários,
reflexos das diretrizes papais de Leão XIII e Pio XI. Por intermédio desses
núcleos, a Igreja tinha o propósito de afastar a classe trabalhadora das ideias
comunistas. Articulados primeiramente no Rio Grande do Sul, essas
associações tiveram repercussão nacional a partir de 1935, ano dos levantes
comunistas.217
Na perspectiva de Astor Antônio Diehl, a Igreja Católica, diante da
frágil atuação do Estado na solução dos problemas sociais, assumiu o papel
de estimular a organização operária sob uma ótica assistencialista, mutualista
e corporativa.218 Nesses parâmetros, os Círculos Operários se constituíram
como parte de uma ação política vigorosa da Igreja, que ansiava influenciar
os meios sociais, através de associações laicas, e impedir a propagação do
comunismo na sociedade:
combate ostensivo ao materialismo, através do púlpito e da ‘boa imprensa’; organização de associação de senhoras, de estudantes, de moços, Ação Católica, LEC, onde se formavam líderes ‘imbuídos do espírito cristão’, e finalmente, a aproximar-se do operariado pela organização dos Círculos Operários.219
Nesse sentido, a Igreja conseguia abranger diversas camadas
sociais difundindo seus preceitos e o enfrentamento ao comunismo. A
organização da LEC objetivava angariar votos aos candidatos que apoiassem
os seus ideais e a Ação Católica na difusão desses. A revista “A Ordem” foi
voltada para os intelectuais e os Círculos Operários direcionados para ação
217 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 46-47. 218 DIEHL, Astor Antônio, Círculos Operários no Rio Grande do Sul: um projeto sócio-político da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre. EDIPUCRS, 1990, p. 18. 219 Idem, p. 26, grifo do autor.
102
junto aos trabalhadores.
Todavia, a atuação da Igreja Católica no combate ao comunismo e
no estabelecimento de frentes doutrinárias, que tocavam aspectos morais,
políticos e econômicos, não se restringiu apenas a essas organizações, à
imprensa católica e às cartas episcopais. Constantemente livros e outros
jornais publicavam textos de religiosos e leigos católicos. Além disso, sua
influência junto aos políticos parlamentares da Assembleia Nacional
Constituinte de 1933/1934 foi bastante significativa, representada no debate
do ensino religioso nas escolas e na oficialização do casamento religioso.220
Para influenciar efetivamente e buscar um espaço privilegiado
junto ao poder estatal, opondo-se ao liberalismo e ao comunismo, a Igreja
também se aproximou daquele que se anunciava como nova alternativa
política: o governo Vargas, principalmente a partir de 1935.221 Foi
extremamente conveniente para Getúlio Vargas a aliança com a Igreja
Católica, pois encontrou neste grande aliado referências de imagem,
tradição, prestígio e importantíssimos códigos que legitimaram sua ação e a
instauração do regime autoritário do Estado Novo. A Igreja, no que lhe
concerne, percebia esse “Estado sacralizado” como um parceiro fundamental
para suas ações junto à sociedade civil e no combate ao comunismo:
São dois os planos de auxílio que a Igreja prestou ao Estado no Brasil dos anos 30: o primeiro, de caráter, mais constitucional, significou um apoio político decisivo em momentos cruciais da década; o segundo, não menos importante, relacionou-se à função milenar e indispensável de dominação das consciências. O agudo anticomunismo, que atendia aos interesses imediatos da Igreja enquanto instituição em nível mundial, serviria aqui de eficiente instrumento para denunciar, isolar, desmoralizar o adversário e fornecer ao Estado uma legitimidade especial
220 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 103. 221 DIEHL, Astor Antônio. Op. cit., p. 49.
103
para suas práticas repressivas.222
Dentro dessa realidade, e de acordo com o historiador Jérri
Roberto Marin, o arcebispo de Cuiabá, D. Francisco de Aquino Corrêa,
defendeu a cristianização da sociedade por meio da configuração de alianças
entre a Igreja, o Estado e as elites. Para D. Aquino, o “marco civilizador de
Mato Grosso estava associado à Igreja Católica”. O “homem católico e
apostólico” deveria se constituir como expressão da identidade e dos valores
católicos e instrumento para a expansão do catolicismo no estado.223 Essa
missão civilizatória e projeto de domínio religioso do catolicismo mato-
grossense estiveram em sintonia com as propostas do Estado Novo de Vargas,
aliado ainda ao anticomunismo, questões a serem detalhadas no capítulo III.
Portanto, e haja vista a configuração de uma República que retirou
a Igreja de sua estrutura oficial, mas não deixando de ser influenciada por
essa. E tendo em conta, a crise do liberalismo no final da década de 1920,
que para parte dos membros católicos, religiosos e leigos, seria o grande
culpado do avanço do comunismo. A Igreja Católica brasileira empenhou-se,
nas décadas de 1930 e 1940, para propagar um modo de vida cristão e de
apaziguamento de conflitos, ambicionando impedir a inserção de ideias
“duvidosas” e que projetassem a mobilização política e autônoma de fiéis e
trabalhadores. Para tanto, membros e lideranças católicas, como Dom
Sebastião Leme e o arcebispo de Cuiabá, Dom Francisco de Aquino Corrêa,
apoiaram alternativas autoritárias, como o Estado Novo, empenhando-se, de
maneira expressiva e em conjunto a esta conformação política, na luta contra
o comunismo.
222 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. 2. Ed. Campinas: Papirus, 1986, p.189-190. 223 MARIN. Jérri Roberto. A Igreja católica em Mato Grosso e as divisões eclesiásticas. In.: PERARO. Maria Adenir. (Org.). Igreja católica e os cem anos da arquidiocese de Cuiabá (1910-2010). Cuiabá: EdUFMT/FAPEMAT, 2009, p. 58-59.
104
Anticomunismo e a articulação protestante em torno da modernidade e do
progresso
O teólogo e sociólogo Valdinei Aparecido Ferreira, em sua tese
“Protestantismo e Modernidade no Brasil – da utopia à nostalgia”224, aborda
os conceitos sobre a modernidade e sua relação e desenvolvimento nas
Igrejas Protestantes até a sua inserção na América Latina e no Brasil.
Analisando as obras de diversos autores que direta ou indiretamente
estudaram o protestantismo e a modernidade, como François Guizot, Georg
Wilhlm, Hegel, Émile Louis, Max Weber, Karl Marx, Peter Berger, Ernest
Troeltsch, Ferreira identifica que a esfera protestante foi articulada sob os
contornos da modernidade, desde a instauração da Idade Moderna,
passando pela formação de uma nova consciência iluminista e racionalista,
até chegar ao desenvolvimento de uma sociedade capitalista industrial.225
Inicialmente, o protestantismo se estabeleceu na crença da
soberania do sujeito, visto pela Reforma Protestante como capaz, por meio
de sua consciência íntima e individual, de realizar a leitura e interpretação
das palavras bíblicas sem a intermediação de uma autoridade eclesiástica.
Em um eixo filosófico, foi impactado e aproximou-se dos pressupostos
iluministas, sob a leitura de que o mundo é regido por leis naturais,
perfeitamente possíveis de serem compreendidas pelo saber e razão. E sob
o controle e entendimento dessas leis seria possível reger o progresso
contínuo da humanidade.226
224 FERREIRA, Valdinei Aparecido. Protestantismo e Modernidade no Brasil - da utopia à nostalgia. Tese (Doutorado em Sociologia), programa de pós-graduação do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas/FLCH/USP, São Paulo, 2008. 225 Idem, p. 43-48. 226 Idem.
105
Max Weber, ao investigar as vertentes protestantes, em “Ética
Protestante e o espírito do capitalismo”227 publicado a primeira vez em 1904,
acredita que estas, em especial o calvinismo e os segmentos puritanos,
contribuíram substancialmente para a expansão e desenvolvimento da
sociedade capitalista industrial. Isso, em consequência das afinidades entre a
fé e o modelo moral rígido protestante e a “organização racional do
trabalho”228 do mundo capitalista.
Na perspectiva dos estudos de Weber, essa conduta moral da
“ética protestante” prega a seus membros a composição de uma vida regrada
e racionalizada, que valoriza o trabalho e o crescimento profissional e por sua
vez condena os vícios e o ócio.229 Tal modelo de vida expressaria o espírito
burguês nos círculos protestantes, incentivando o fiel a buscar seu
enriquecimento que somado a um estilo de vida prudente e sem excessos,
permitiria o acúmulo de capitais, um dos princípios do capitalismo.230
Contudo, Weber ressalta que nem todo tipo de protestantismo apresenta
essa afinidade, como é o caso do luteranismo, pois, para o pensador alemão,
esta vertente não apresentaria o ímpeto do racionalismo tão presente no
“espírito do capitalista” moderno.231
A lógica do sistema econômico capitalista moderno se sustentaria
pela configuração de um Estado nacional laico e eficiente
administrativamente, bases que garantiriam o desenvolvimento e progresso
desse modelo.232 As Igrejas Protestantes também defenderam a instituição
dos Estados-nacionais desassociados da religião, o que permitiria o
227 WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução: José Marcos Mariane de Macedo; São Paulo: Companhia das Lestas, 2004. 228 Idem, p. 82. 229 Idem, p 157. 230 Idem, p. 118. 231 Idem, p. 81. 232 FERREIRA, Valdinei Aparecido. Op. cit., p. 47.
106
surgimento de uma pluralidade de instituições religiosas, cabendo a escolha
de uma delas ao indivíduo, e não a imposição e monopólio de uma única
crença.233
Ao observar todo esse arcabouço de conceitos e acontecimentos
da modernidade e da ideia de progresso, evidenciados pela Reforma
Protestante, Revolução Francesa e ascensão da sociedade capitalista
industrial. Ferreira apresenta as várias perspectivas teóricas que discutem as
relações, transformações e rompimentos do protestantismo em relação às
propostas da modernidade reformista, iluminista e industrial. Dessa maneira,
o autor defende que as respostas, escolhas e diretrizes do protestantismo
quanto aos paradigmas da modernidade e do progresso foram as mais
diversas. Seja de diálogo e acomodação, ou de recusa e crítica, evidenciando
distintos segmentos do protestantismo: liberais, conservadores e
pentecostais.234
Dentre esses distintos traçados, Ferreira ao investigar os primeiros
missionários protestantes estadunidenses, líderes das primeiras missões no
Brasil da segunda metade do século XIX, capta uma acentuada identificação
desses grupos religiosos com o modelo de progresso e modernidade liberal
representada pelos Estados Unidos:
Advogavam o trabalho livre, o valor do indivíduo, a disciplina pessoal como caminho para o progresso. Enxergavam nos Estados Unidos o modelo de nação moderna. No Brasil, na medida do possível, tratavam de se aproximar das elites liberais e propagar tais ideias.235
Em sentido próximo, Ducan Alexandre Reily, em diálogo com Paul
233 Ibid., p. 47-48. 234 Idem, p. 134. 235 Idem, p. 194.
107
Pierson (1974), entende que o conceito de progresso propagado na fase
inicial do protestantismo brasileiro associava: uma norma rigorosa de
moralidade pessoal a ser seguida, que traria a prosperidade individual,
benefícios à saúde e também de forma semelhante à nação; identificação da
democracia com o protestantismo, em especial a vertente calvinista; e a
convicção de que a difusão de escolas protestantes e o investimento em
educação proporcionaria, em consequência, o progresso de toda
sociedade.236
A convicção entorno do progresso e da educação, pode ser
observada materialmente inclusive pela implantação de instituições
educacionais protestantes de ensino básico e superior em várias partes do
país. Exemplo da Escola Americana, fundada em 1870, atualmente Instituto
Presbiteriano Mackenzie. Regionalmente a Missão Evangélica Presbiteriana
do Brasil Central fundou a Escola Evangélica de Buriti, no município de
Chapada dos Guimarães no ano de 1913.237
Diante dessas considerações e da conjunção do protestantismo
brasileiro com um modelo de modernidade liberal, quais foram os
posicionamentos deste segmento religioso em relação ao comunismo?
Apesar de definir um recorte temporal distinto desta pesquisa, o
livro de Paulo Julião da Silva, “O Anticomunismo Protestante e o alinhamento
ao golpe militar (1945-1964)”238, fornece intepretações que podem
corroborar com as análises do anticomunismo propagado pelo jornal
presbiteriano “A Pena Evangélica”.
236 REILY, Ducan Alexandre. A. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Aste, 1993, p. 269. 237 FREITAS, Lucas Paulo; SÁ, Elizabeth Figueiredo de Sá. Philippe Landes e sua atuação na educação mato-grossense. Artigo publicado no Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História, Natal, 2013, p. 09. 238 SILVA, Paulo Julião. O Anticomunismo protestante e o alinhamento ao golpe militar (1945-1964). Curitiba, Editora Primas, 2014.
108
Em se tratando do anticomunismo protestante, Julião da Silva
constituiu um trabalho expressivo buscando analisar os discursos
anticomunistas de Igrejas Protestantes de Recife/PE, de denominações
presbiterianas, batistas e Assembleias de Deus. As fontes pesquisadas foram
as mais diversas: periódicos, depoimentos orais e prontuários da Delegacia
de Ordem Política e Social.239
Em sua pesquisa, Silva demonstra que o combate ao comunismo
em Pernambuco realizado pelos protestantes foi intenso e em vigilância
contra “possíveis infiltrações subversivas”. Dessa forma, o autor revela que
mesmo as Igrejas Protestantes, costumeiramente associadas como
instituições religiosas “apolíticas”, mas arraigadas da influência cultural
norte-americana em um contexto de Guerra Fria, constituíram a ascensão de
movimentos de esquerda naquele Estado, a exemplo das ligas camponesas,
como uma grande ameaça. O combate ao comunismo, dessa maneira, se
converteu em uma campanha que incluía todos os subversivos de esquerda,
externos ou internos, alinhando-se aos discursos de apoio ao golpe militar de
1964. Dentro de seus quadros, membros, fiéis ou pastores suspeitos foram
afastados de suas funções na Igreja, ou até denunciados aos órgãos de
repressão.240
Nas conclusões de Julião Silva as Igrejas Protestantes no Brasil,
com fortes ligações históricas com o protestantismo inglês e estadunidense,
aderiram ao discurso anticomunista amplamente propagado por essas
nações capitalistas e liberais. Nessas circunstâncias, as denominações
religiosas pesquisadas estiveram avessas a quaisquer propostas de mudanças
revolucionárias e contestadoras da ordem social.241
239 Ibid. 240 Idem. 241 Idem, p. 201-203.
109
Silva, abarcando reflexões de Peter Berger242, ainda compreende
que o anticomunismo protestante era reflexo de um segmento religioso que
se sentia fragilizado diante de uma sociedade cada vez mais secularizada e
descrente dos “milagres divinos”, diminuindo seu poder representativo junto
à sociedade.243 A oposição ao marxismo se reflete também, em diálogo com
Pierre Bourdieu244, diante de suas críticas às bases religiosas, percebidas
como legitimadoras da dominação de um certo grupo ou classe e
propagando a “manipulação simbólica das aspirações opositoras”.245
Assim, e em convergência com todas essas considerações aqui
realizadas, paradoxalmente, o protestantismo que se forjou sob o rompante
da modernidade não esteve em total sintonia com suas considerações,
transformações e reflexos, enfrentando ao longo de sua história crises
teológicas246. Apesar de suas origens reformistas e diante de uma sociedade
em ascendente descompasso com a espiritualidade religiosa, as diferentes
denominações protestantes temeram a perca de fiéis e de influência.
Contudo, cada uma delas escolheu e trilhou respostas diferentes para esse
processo. “A Pena Evangélica”, representando a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, manifestou esses conflitos em suas páginas, o que será evidenciado
e examinado no próximo tópico juntamente ao jornal católico, “A Cruz”.
Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão
Trabalhador, não se iluda, não se enraiveça e não se deixe levar
pela cólera da luta de classes, pelo sonho da liberdade, pelas mentiras
242 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para a teoria sociológica da religião. – 5º ed. São Paulo: Paulus, 2004. 243 Idem, p. 71-73. 244 BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. 245 SILVA, Paulo Julião. Op. cit., p. 50-51. 246 BERGER, Peter L. Op. cit.
110
sorrateiramente propagadas, pelas paixões ludibriadoras e pelo perigoso
“canto da sereia”247. São esses e outros enunciados utilizados pela imprensa
religiosa cuiabana para desacreditar o comunismo junto à população.
Como discutido no primeiro capítulo, as ideias postas na imprensa
mato-grossense tinham grande repercussão social na década de 1930.
Constata-se uma variedade significativa de periódicos regionais, em um
momento onde o rádio e a imprensa de âmbito nacional não haviam
consolidado sua presença no estado, algo que só viria a ocorrer a partir
década de 1940. Essa imprensa periódica de fácil acesso era uma importante
plataforma para a população local, letrada ou não (considerando as práticas
de leituras coletivas248), acessar outros territórios e constituir percepções
para além das preocupações cotidianas de seu universo local.
Reiteradamente esses impressos compreendiam estar “a postos”
para proteger mato-grossenses e brasileiros, em nome da religião, da família,
das mulheres, crianças, operários, dos cristãos e da moralidade, contra um
oponente muito bem articulado e cheio de “falsas” propostas de felicidade
plena. Para José Barnabé de Mesquita (1892-1961), esse adversário era um
“falso condutor”249 e de pretensões duvidosas, buscando por meio da
fragilidade dos “espíritos ignorantes”250 germinar seu controle demoníaco.
José de Mesquita demonstrou ser uma das vozes atuantes no
combate fervoroso contra os “agentes soviéticos”251. Figura influente e um
dos fundadores do Instituto Histórico de Mato Grosso (1919) e da Academia
247 LEITE, João Carlos Pereira. Cuidado com a sereia. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 10 jul. 1932, Caderno 1036, p. 1. 248 Cf. CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Ed. Liberdade, 1996. 249 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 1. 250 Idem. 251 Idem.
111
Mato-Grossense de Letras (1921). Foi desembargador e presidente do
Tribunal de Justiça do Estado e um dos principais articuladores e diretor do
jornal católico “A Cruz”. Bastante erudito, produziu uma variedade de textos
como artigos, poesias e crônicas. Sua formação católica e atuante, inclusive
como presidente da Liga Católica Mato-Grossense (1925-1953), associação
responsável pelo jornal “A Cruz”, se evidencia em muitos desses textos e
traduziram seu alinhamento com a Igreja em relação ao comunismo. Nas
palavras de Mesquita, o comunismo e outras ideias revolucionárias seriam
fontes de desordem, capazes de abraçarem perigosamente o operário e
imporem uma nova e caótica ordem social:
São amigos-ursos do operariado, todos os revolucionarios desde os de 1789 até os de hoje, que têm no “Contrato Social” de Rousseau ou no “O Capital” de C. Marx, todos esses que pregam abertamente, á face dos governos que os toleram, a destruição da ordem social, para se criar em substituição uma nova ordem, que melhor se diria desordem de cousas...252
Este fragmento textual, segundo “A Cruz”, faz parte de uma
conferência realizada por José de Mesquita, no dia 18 de novembro de 1932.
Devido sua grande extensão, acabou publicada em partes 5 edições
sequenciais pelo periódico católico. Nessa composição, a fala de Mesquita
esteve repercutida não apenas em um evento para um número restrito de
pessoas, mas foi cuidadosamente registrada, através de doses explicativas e
em exposições catequéticas, nas primeiras páginas do impresso católico.
Sua postura contrária às ideias de Jean-Jacques Rousseau e Karl
Marx refletiu nessa conferência uma clara aproximação com as novas leituras
252 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 11 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 11 dez. 1932, Caderno 1058, p. 1.
112
da filosofia tomista realizada pela Igreja. Conforme avaliado pelos
historiadores Rogério Luiz de Souza e Edison Lucas Fabrício, as ideias do
pensador medieval Tomás de Aquino (1225-1274) revigoraram dentro da
Igreja Católica do século XIX com a encíclica do papa Gregório XVI, “Mirari
Vos” (1832), que promove censuras ao liberalismo. Ainda, foram recuperadas
na encíclica “Aeterni Patris – Sobre a Restauração da Filosofia Cristã conforme
a Doutrina de São Tomás de Aquino” (1879) de Leão XIII, em um contexto de
fortes conflitos ideológicos entre a Igreja e os novos preceitos liberais
expandidos após a Revolução Francesa.253
No Brasil, no entanto, a teologia tomista somente constituiu maior
destaque no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX,
carregada de novos sentidos e releituras. As principais influências
neotomistas vieram dos franceses Jacques Maritain, Etienne Gilson e
Sertillanges, como também de autores brasileiros, como Leonel Franca, Alceu
Amoroso Lima e Afrânio Coutinho, estes dois últimos pertencentes ao Centro
Dom Vital do Rio de Janeiro. Essa releitura marca uma posição antimoderna
e conservadora dos intelectuais católicos, traduzida na negação aos
paradigmas positivistas, materialistas, cientificistas, racionalistas (na
perspectiva do filósofo Kant) e comunistas, concepções que teriam se
contraposto aos dogmas religiosos e ao cristianismo.254
Promovendo a articulação das referências e o emprego das
imagens do anticomunismo católico, Mesquita preocupou-se não apenas em
precaver sobre as possíveis ameaças do comunismo para a classe
trabalhadora, mas em complemento, trouxe propostas para as causas sociais
dos trabalhadores, a fim de impedir a expansão dos ideais socialistas entre
253 SOUZA, Rogério Luiz; FABRÍCIO, Edison Lucas. Neotomismo e política: Leonel Franca e o debate sobre modernidade e totalitarismo. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IX, n. 25, Maio/Agosto de 2016 - ISSN 1983-2850, p. 40-41. 254 Idem, p. 42-50.
113
estes:
O espirito do cooperativismo, a organização de classe, bem entendida, a justiça accessivel, rapida e gratuita, a assistencia moral nos infortunios, muito mais graves quando falta amparo de um conselho amigo, são outros tantos pontos que exigem o exame dos pensadores e dos homens de governo, verdadeiramente conscios dos seus encargos.255
As questões e demandas sociais, como acesso à justiça e a
organização das classes foram reconhecidas aqui por Mesquita como
“encargos” do governo e a este caberia organizar os trabalhadores, a fim
assisti-los e prestar-lhes amparo.
Angela de Castro Gomes aponta a crescente preocupação no
período republicano com as “questões sociais”, ou seja, com a situação social
dos mais pobres e dos trabalhadores, com o objetivo de ordenar e controlar
o mercado de trabalho, impedindo a composição de possíveis distúrbios. Para
tanto, ansiava-se desvincular a imagem do trabalhador ao cenário de pobreza
e promover um ideal de trabalho associado à conquista da cidadania. Dessa
forma, difundiu-se, pós-30, um modelo de trabalhador nacional que via no
trabalho: “(...) um direito e um dever; uma tarefa moral e ao mesmo tempo
um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas
também uma necessidade para o próprio indivíduo (...)”256.
Dentro dessas articulações, a Igreja Católica no Brasil reconhecia
que o capitalismo liberal e os empregadores cometiam abusos contra o
operariado e clamava pela atuação assistencial do Estado para mitigar essa
255 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 04 dez. 1932, Caderno 1057, p. 1-2. 256 GOMES, Angela de Castro. Ideologia e Trabalho no Estado Novo. In.: PANDOLFI. Dulce Chaves. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 55.
114
relação de exploração e impedir a eclosão de revoltas e a desordem social,
conforme as orientações de Leão XIII, por meio da Rerum Novarum (1891), e
Pio XI com a encíclica Quadragésimo Anno (1931)257. Portanto, para os
clérigos e intelectuais conservadores da Igreja, como Mesquita, o trabalhador
brasileiro deveria ser instruído, assistido e controlado, com o objetivo de ser
afastado dos ideais marxistas, do “falso amigo”, da luta por igualdade, das
greves, das organizações independentes e da aspiração pelo controle dos
meios de produção.
Neste sentido, o escritor católico José de Mesquita, destacando as
duas encíclicas papais acima mencionadas, tratou de construir uma imagem
ideal de operário como a de um “bom cristão” conduzido pela Igreja, sem
preocupações com as questões materialistas e distante das ideias
revolucionárias da “flammula rubra”258. Esse trabalhador cristão deveria ser
disciplinado, respeitar às relações hierárquicas de poder e, referenciando um
“espírito cooperativo”, se organizar aos moldes de um artesão medieval:
A Edade-media, tão aviltada pela ignorancia e pela má-fé dos sectarios, foi o periodo aureo da historia do operariado. Organizam-se as corporações de classe, o artesanato, visando o amparo dos operarios contra a-opressão dos senhores.259
Assim, para combater as pretensões da “anarquia” comunista
junto aos operários, Mesquita compreendeu que era necessário a atuação da
Igreja e do Estado, em uma conjugação reacionária e em sentido contrário às
257 DIEHL, Astor Antônio, Op. cit., p. 17-18. 258 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 25 dez. 1932, Caderno 1060, p. 1. 259 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 01 jan. 1933, Caderno 1061, p. 1.
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bases filosóficas e políticas do iluminismo e do liberalismo. E concluiu a sua
extensa conferência, afirmando que era necessário reviver as normas e as
tradições conservadoras do governo Imperial brasileiro:
Ou retomamos o feito conservador, jurídico, tradicional da nossa politica, desde o Imperio, ou descambamos pelo plano inclinado da força e das aventuras communistas, com que se rotula a anarchia legalizada. (…) Operarios, guardae bem estas palavras: A Religião, eis vossa protectora! O communismo, eis o vosso inimigo!260
A conferência de novembro de 1932 realizada pelo
desembargador Mesquita e publicada no jornal “A Cruz”, elucida, em vários
aspectos, o momento político combativo da Igreja Católica brasileira e sua
luta contra o comunismo. Combate esse constantemente reverberado nas
páginas e pelos intelectuais do jornal católico, evidenciando a crença de uma
missão: afastar os trabalhadores brasileiros das promessas das “sereias
moscovitas”261, traduzidas como ameaças ao “humilde, dócil e servil”
operário brasileiro, já “domado” pela submissão da dor e da exploração de
um passado escravocrata:
O nosso operario é bom, é simples, é de boa fé. Produto de gerações de gente crente, vindo de uma sedimentação ethnica, que fructificou, muitas vezes, na dôr, através das senzalas e dos eitos, nunca foi um revoltado nem perverso. A crença ancestral e a doçura da índole fazem delle um receptivo para a ternura e para o bem. É preciso não deixar que o entoxiquem com as doutrinas malsans do extremismo corruptor.262
260 A religião e o Operariado – Conferencia na “Liga Catholica” – 17 de novembro de 1932, Pelo seu presidente José de Mesquita. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 08 jan. 1933, Caderno 1062, p. 2. 261 A Acção Catholica e o Proletariado. A Cruz - Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 23 fev. 1936, Caderno 1222, p. 1. 262 Idem.
116
Mas para o catolicismo conservador o comunismo não era o único
adversário, o combate se dava também em relação a outros grupos,
instituições e ideias anticlericais que defendiam um Estado laico, separado
das questões religiosas, como os maçons, protestantes, liberais e o
movimento positivista.263
O historiador José Oscar Beozzo afirma que antes de 1930 e a
partir da ascensão, em 1870, de uma burguesia liberal ligada aos
pressupostos capitalistas, seja no campo, com a crescente economia cafeeira
capitalista, ou nas cidades, com o fortalecimento de setores bancários e
comerciais, a Igreja perdeu parte de seu poder político anteriormente
fundado em uma sociedade de senhores de escravos. Essas novas elites
afastaram-se consideravelmente da Igreja Católica e buscaram novas fontes
de sentidos como o liberalismo, protestantismo, positivismo e a maçonaria.
Esta última organização, por exemplo, substituiu grande parte da
representatividade das irmandades e das ordens religiosas leigas.264
Nesta perspectiva, em interação teórica com Pierre Bourdieu e
suas considerações acerca das disputas dentro do campo religioso, a Igreja
Católica tentou monopolizar o poder da religião e o mercado de bens de
salvação individual junto aos leigos. Assim, enfrentou com austeridade as
ideias e religiões concorrentes de seu status privilegiado no Brasil,
ambicionando fixar total domínio sobre os bens simbólicos do mercado
religioso. Desse modo, ambicionava garantir o “controle do acesso aos meios
263 Para José Oscar Beozzo, tendo por referência Pablo Richard, a Igreja Católica foi vista por liberais e positivistas, do final do século XIX e início do XX, como uma instituição anticientífica, irracional, e oposta à modernidade e ao progresso. Cf. BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira: Tomo III O Brasil Republicano. IV vol. DIFEL, São Paulo, 1986; cap VI, p. 277. 264 Idem, p. 276.
117
de produção, de reprodução e de distribuição dos bens de salvação”, que
seria assegurado pelo seu corpo hierárquico e especializado de sacerdotes
clericais265. Em vista disso, a inserção de novos concorrentes religiosos, como
o protestantismo, e ainda de ideologias críticas do domínio religioso católico,
como o positivismo e o marxismo, foram combatidas pelo catolicismo de
forma rigorosa e através de uma atuante desqualificação de tais vertentes.
O próprio surgimento do jornal “A Cruz”, em 1910, esteve
relacionado à oposição da Igreja Católica em Mato Grosso aos seus
adversários e em reação às publicações anticlericais, a exemplo do jornal “A
Reação” (1909-1914), propagador dos propósitos positivistas e liberais da
Liga Mato-Grossense de Livres Pensadores.266 Nesse período, de acordo com
Daniel F. Oliveira, o episcopado brasileiro defendia a inserção e expansão da
imprensa católica, seguindo as orientações ultramontanas dos Papas Leão XIII
(1878-1903) e Pio X (1903-1914). Essas diretrizes, incorporadas pelo
episcopado brasileiro, traduziram uma visão maniqueísta, onde a boa
imprensa católica, propagadora dos bons costumes, deveria, em oposição,
combater uma má imprensa que estaria em dissonância com a moral e os
princípios cristãos defendidos pela Igreja.267
O jornal foi articulado pelos representantes da “Liga Social
Catholica Brasileira de Matto Grosso” como Frei Ambrósio Daydé e outros
clérigos e leigos católicos de prestígio social e político268 e inicialmente
refletiu as posturas do arcebispo de Cuiabá, D. Carlos Luiz D`Amour (1877-
265 BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 57-58. 266 Cf. CANAVARROS, Otávio. Leitura na Imprensa Cuiabana: o caso de A Cruz. (1910/1940). In: XVI COLE - Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas. CD - Rom - Anais do XVI COLE. Campinas, SP: ALB - Unicamp, 2007. v. 1. 267 OLIVEIRA, Daniel Freitas de. Op. cit., p. 58-62, grifo nosso. 268 Cf. CANAVARROS, Otávio, Op. cit., 2007; e OLIVEIRA, Daniel Freitas. Op. cit. 2016, p. 58-74.
118
1921), partidário da romanização269 da Igreja em Mato Grosso e de posições
ultramontanas. O arcebispo D. Carlos, segundo a historiadora Sibele Moraes,
tentou suprimir um catolicismo popular e regional evidenciado por festas de
santos, procissões e distintas celebrações litúrgicas.270 Isso é característico de
uma sociedade com passado colonial e marcada pelas atividades
mineradoras, como foi o caso da capital mato-grossense, onde predominou
uma comunidade eclesial formada de componentes leigos e organizada por
meio de irmandades.271
“A Cruz”, dessa maneira, constituiu-se como plataforma de valores
religiosos e moralizantes católicos e em consonância com as posições
ultramontanas da Igreja. Em conjunto, e conforme investigações realizadas
por Daniel F. Oliveira ao estudar a inserção do jornal católico nas suas duas
primeiras décadas de atuação, identificou-se que um dos objetivos do jornal
269 Processo que objetivava reformar o catolicismo o tornando mais ligado às diretrizes de Roma, ou seja, à autoridade papal. No Brasil, esse processo ganha expressão no período imperial, principalmente na segunda metade do século XIX, onde os bispos da Igreja objetivavam conquistar maior autonomia perante os representantes imperiais (sistema padroado - onde o imperador indicava os cargos eclesiásticos mais importantes) e em relação ao poder dos leigos reunidos em irmandades. “A romanização teve como estratégia principal a interferência do clero na liderança e orientação do culto, num movimento de reforço da estrutura hierárquica da Igreja. A aproximação da liderança eclesiástica no Brasil com a Igreja romana implicava a observância dos princípios defendidos pela cúria pontifícia então envolvida numa campanha política e ideológica contra o liberalismo, o racionalismo, o protestantismo e a Maçonaria.” Essa campanha católica conservadora fazia parte do pensamento ultramontano. Cf. VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 660. 270 MORAES, Sibeli. O episcopado de D. Luiz Carlos D`Amour. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2003, p. 50-54. 271 Kleber Roberto Lopes Corbalan (2006) evidencia que em regiões de mineração, por proibição régia da Coroa Portuguesa, não se podiam instalar ordens religiosas regulares, caso de Minas Gerais, Goiás e Cuiabá. Assim, associações leigas, como as irmandades, predominaram no cenário religioso de Mato Grosso. Essas comunidades eclesiais eram formadas por escravos, livres e senhores, e tinham uma forte relação com seu santo padroeiro. Os clérigos envolviam-se mais com as questões burocráticas, dando espaço e bastante autonomia para os componentes leigos. Cf. CORBALAN, Kleber Roberto Lopes. A Igreja Católica na Cuiabá Colonial: da primeira capela à chegada do primeiro bispo (1722-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2006, p. 47-55.
119
seria impedir a expansão de religiões e ideologias concorrentes do
catolicismo. Dessa forma, seus redatores promoveram polêmicas
campanhas, durante a direção de Frei Ambrósio (1910 a 1924),
principalmente contra o protestantismo, o espiritismo e a maçonaria,
caracterizados frequentemente como seitas diabólicas.272 Também se fazia
presente a oposição ao positivismo, anarquismo, socialismo e ao comunismo,
dentre outras conjugações.273
Mas foi a partir da década de 1930, sob a direção de José de
Mesquita e forte influência do arcebispo Dom Aquino, que o jornal se voltará
ativamente e rotineiramente contra o comunismo, como exposto mais acima
pelas falas do próprio Mesquita. No entanto, os demais adversários católicos
aqui destacados ainda foram preocupações impressas no periódico católico,
contudo de forma menos destacada.
Esses embates evidenciam não apenas os aspectos religiosos do
jornal, como ainda a permanente atuação política do catolicismo. Apesar do
afastamento desta tradicional instituição religiosa em relação ao poder
oligárquico liberal e republicano, sua forte influência ainda se fez presente,
mesmo sofrendo oposição de grupos positivistas e maçônicos. Como já
realçado no I Capítulo, D. Francisco de Aquino Corrêa, aliás, foi um ator
importante e de consenso para apaziguar conflitos políticos entre grupos
opositores274, assumindo a presidência do estado, de 1918 a 1922, com
apenas 32 anos de idade. Além disso, a Igreja estava presente em vários
272 OLIVEIRA, Daniel Freitas. Op. cit. 273 Idem, p. 12. 274 O período que antecedeu a chegada de Dom Aquino à presidência do Estado, marca a disputa pela hegemonia política e oligárquica do Estado, inclusive com lutas armadas, entre o Partido Republicano Conservador (PRC), chefiado pelo deputado federal Antônio Azeredo e o Partido Republicano Mato-grossense (PRMG), liderado pelo senador da República Pedro Celestino Corrêa da Costa. Cf. PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Uma república de muitos coronéis e poucos eleitores: coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930), Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2009, p. 129-131.
120
aspectos da sociedade civil, como na atuação catequista junto a comunidades
indígenas, dirigindo escolas275, hospitais, asilos e, evidentemente, na
articulação de uma imprensa católica como “A Cruz”, jornal que como visto
no primeiro capítulo, tinha circulação não apenas na capital cuiabana, mas
abrangia outras cidades do estado.
Em articulação com o nível nacional o periódico se engajou no
projeto da Igreja de recristianizar a sociedade, dentro das diretrizes de Dom
Sebastião Leme, conforme exposto no tópico “Anticomunismo e a reação
católica contra o mundo moderno”. As diferentes frentes de atuação junto
aos seus fiéis leigos, como os Círculos Operários, a Liga Eleitoral Católica e a
Ação Católica276, estiveram repercutidas em suas páginas.277
No fragmento abaixo, que noticia a fundação da Liga Eleitoral
Católica na arquidiocese de Cuiabá no dia 22 de janeiro de 1933, é possível
verificar como a Liga Eleitoral Católica era um instrumento que servia, além
275 Um importante grupo de atuação católico foram os salesianos, que chegaram em Mato Grosso em 1894. Congregação católica oriunda do norte da Itália, fundaram na capital cuiabana dois centros educacionais e de ofícios diversos, o Lyceu Salesiano São Gonçalo, em 1902, e, na região do Coxipó, a Escola Agrícola Santo Antônio, iniciando suas atividades em 1897. Já na cidade de Corumbá, em 1899, instituíram o Colégio Santa Tereza. Estabeleceram também relevante atividade por meio de colônias junto aos índios Bororo e Xavante. Os salesianos perpetraram novos aspectos culturais no estado, se inserindo na vida cotidiana de maneira significativa. Sua atuação objetivava, por meio da educação e da catequese, propagar, na sociedade católica mato-grossense e nos grupos indígenas com os quais atuavam, práticas de modernização e de ordenamento disciplinar por meio do trabalho e da educação. Cf. FRANCISCO, Adilson José. Educação e Modernidade. Os Salesianos em Mato Grosso – 1894 – 1919. Fapemat/Editora da UFMT, Cuiabá/MT, 2010, p. 17-25. 276 Ver em: OLIVEIRA. Darlene Socorro da Silva Oliveira. Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935): O movimento de Ação Católica e as Associações Femininas. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFMT, Cuiabá, 2010. 277 Círculos Operários Católicos: edições n. 979, de 07 jun. 1931; n. 1548, de 4 out. 1942 e n.1683, de 22 jul. 1945. Liga Eleitoral Católica: 1933, assunto abordado em 23 edições; 1934 - 28 edições; 1935 - 02 edições; 1936 - 01 edição; 1937 – 01 edição; 1945 – 14 edições. Ação Católica: 1932, assunto abordado na edição 1016; 1933 – ed. 1093; 1936 – edições 1222 e 1263; 1937 – ed. 1316; 1938, assunto tratado em 8 edições; 1939 – 10 edições; 1940 – 09 edições; 1941 – 04 edições; 1942 – 04 edições; 1943 – 10 edições; 1943 – 03 edições; e 1945 – 06 edições.
121
de arregimentar os votos dos católicos278, para promover o enfrentamento
ao comunismo tido como subversivo, irreligioso e ateu:
Celebrou-se a 22 do corrente, conforme noticiáramos, a fundação da Liga Eleitoral Catholica desta Archidiocese. (...) A força do systema communista está na irreligião e no atheismo, com que materializa as massas populares para atiral-as contra a sociedade. Somente a religião, portanto, pode oppor uma barreira a essa onda subversiva. D`aqui a necessidade e o dever cívico de prestigiar a religião, não só no lar e no templo, mas também nas escolas, na imprensa, na visa oficial do Paiz, e em toda parte.279
Nessa mesma publicação noticiosa são informados os membros
leigos da LEC na arquidiocese de Cuiabá, alguns deles inclusive eram
colaboradores do jornal “A Cruz” ou da Liga Católica Mato-grossense, como
o desembargador João Carlos Pereira Leite (presidente da LEC e colaborador
do jornal), Manoel Deschamps Cavalcanti (secretário geral da LEC e membro
da redação do periódico católico), Benedicto Augusto London (membro da
LEC e gerente da publicação semanal) e Major Américo Monteiro Salgado
(membro da LEC e vice-presidente da Liga Católica).280
Dentro das atuações políticas da Igreja Católica em Cuiabá, as
páginas do periódico católico também repercutiram a aproximação da Igreja
com iniciativas autoritárias, como o Estado Novo de Getúlio Vargas281 e o
Integralismo. Em relação a este último, entre os anos 1935 e 1937, “A Cruz”
cede um importante espaço ao movimento integralista no estado de Mato
Grosso por meio da “Columna Integralista”, onde foram divulgadas as ações
278 RODRIGUES, Op. cit., 2005, p. 142 279 Liga Eleitoral Catholica - A sua fundação nesta Archidiocese. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 29 jan. 1933, Caderno 1065, p. 1. 280 Os demais integrantes são: Miguel de Castro e Silva e Luiz Robertino Ribeiro. Fonte: Liga Eleitoral Catholica - A sua fundação nesta Archidiocese. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 29 jan. 1933, Caderno 1065, p. 1. 281 Assunto a ser abordado no III capítulo.
122
e diretrizes ideológicas deste grupo político.
Luciana A. Pereira e Rafael Athaides conseguiram identificar uma
significativa presença dos integralistas neste estado, durante os anos de 1933
a 1937. Em pesquisa realizada junto à imprensa integralista, os pesquisadores
assinalaram que a AIB contou com sete mil filiados em diversas áreas urbanas
como Cuiabá, Campo Grande, Três Lagoas, Aquidauana, Diamantino, Várzea
Grande, dentre outras. Ao todo, de acordo com o jornal “Monitor
Integralista”, estruturam-se 18 núcleos municipais, 6 distritais e 2 rurais que
se concentraram primeiramente e em maior número na porção sul do estado,
hoje o atual estado do Mato Grosso do Sul.282
Repercutindo parte dessa atuação em Mato Grosso, a “Columna
Integralista” além de ter servido como espaço de propaganda e divulgação
das ideias integralistas, demonstrou a proximidade da hierarquia e da
intelectualidade católica com tendências autoritárias e fascistas, conciliados
por suas posições antiliberais e anticomunistas283. A referida coluna
propagou, em combinação ao discurso católico conservador, a defesa de
trabalhadores ordeiros e a constituição de uma sociedade cristã, em total
oposição à luta “entre classes”284, mas pela constituição da unidade nacional
“mediante o systema orgânico e crhistão das cooperações”285, seguindo o
princípio “da ordem e da autoridade”286. Já o comunismo e a III Internacional,
nas palavras publicadas na “Columna Integralista”, representariam um
artífice moderno que ameaçaria a fé e a moral cristã e católica, atuando
282 ATHAIDES, Rafael; PEREIRA, Luciana Agostinho. A Ação Integralista em Mato Grosso (1933-1937). In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013, p. 19-43. 283 CORDEIRO. Leandro Luiz. Alceu Amoroso Lima e a intelectualidade católica frente ao integralismo. In.: BERTONHA, João Fábio (Org.). Sombras autoritárias e totalitárias no Brasil Integralismo, fascismos e repressão política. Maringá: Eduem, 2013, p. 95-96. 284 Columna Integralista. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 20 out. 1935, Caderno 1204, p. 2. 285 Idem. 286 Idem.
123
dentro de cinco frentes:
1º Religião: Destruir e desacreditar toda a fé christan, pela philosophia, pelo mysticismo e pela sciencia empírica. 2º.) Moral: Corromper a moralidade das raças occidentaies por infiltração da moralidade oriental; enfraquecer os laços do matrimonio, destruir a vida familiar, abolir as successões e até os nomes da família. 3º. Esthético: culto da fealdade e da estravagancia na arte, na literatura, na musica e no theatro. Modernismo, orientalismo puro, degeneração. 4º) Social: abolição da aristocracia, criação da plutocracia, crear a revolta dos cérebros proletários pela vulgaridade, pela corrupção e inveja, dando origem ao ódio de classe. 5ª.) Destruição do ideal do artífice, abolição da propriedade particular, aniquilar o patriotismo, o orgulho de raças.287
Verifica-se, portanto, a defesa pela conservação de um modelo
social excludente, que rejeita ideias que possam trazer “revolta dos cérebros
proletários”. Ocorre, portanto, a negação de qualquer crítica ao modelo de
exploração e hierarquização social. As manifestações de resistência ou
revolta, até mesmo no campo artístico e estético, eram renegadas como um
plano degenerado, imoral e comunista que intuiria destruir a pátria, as bases
patrimonialistas e a fé cristã.
Outra publicação religiosa que repercutiu com intensidade o
cenário político e o tom discursivo contra o comunismo foi o veículo de
imprensa presbiteriana “A Pena Evangelica – Órgão semanário de
propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá”. Sua posição
anticomunista se dava em nome de uma vida cristã, e contra o “irracional
irreligioso”288 e promotor de ilusões do “pseudo paraíso vermelho”289.
287 Columna Integralista. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 06 out. 1935, Caderno 1202, p. 2. 288 Communismo. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 19 dez. 1936, Caderno 480, p.2. 289 Impressão da Russia Sovietica. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 26 dez. 1936, Caderno 481, p. 6.
124
Os articulistas do periódico semanal presbiteriano eram
expressivamente rígidos em relação aos costumes, marcando críticas aos
hábitos considerados inapropriados, como o consumo de bebida alcoólica e
de cigarros. Postura essa muito condizente com a identificação do
protestantismo presbiteriano com a defesa de uma moral austera, questões
apresentadas por Max Weber290 e destacadas no tópico anterior.
Essa defesa rígida dos costumes pode ser percebida através das
críticas realizadas pelo jornal em relação ao catolicismo em Mato Grosso,
definido como muito conivente com certas práticas consideradas
inapropriadas e incompatíveis com os dogmas religiosos cristãos. Parte
desses julgamentos aparecem em embates, no carnaval de 1936, com o
periódico católico “A Cruz”, onde “A Pena” repreende a publicação de
propagandas de bebidas alcoólicas291 e de lança-perfumes292 no jornal
católico cuiabano:
Por muito tempo este jornal inseriu nas suas columnas um annuncio de uma fabrica de licores do segundo Districto desta cidade, que se tornou bem conhecida e afamada, não somente devido á qualidade do seu produto alcoolico, mas principalmente devido á propaganda que della fez o órgão catholico, por muitissimo tempo. (…) Passam se os tempos.
290 WEBER, Max. Op. cit. 291 A partir da edição n. 1204 de 20/10/1935, “A Cruz” publicou sucessivamente até a edição de 1233 de 10/05/1936, a seguinte peça publicitária: “Elesbão Ferreira da Cruz – Atacadista de aguardente/Offerece as vantagens seguintes: Productos de 1ª qualidade/Medida com sobra/Preços modicos”. Ao todo foram 30 edições que repercutiram a referida propaganda de aguardente, entre os anos de 1935 a 1936, fixadas na terceira ou quarta página. 292 As propagandas de lança perfumes no jornal “A Cruz” podem ser vistas em uma série de publicações contínuas a partir da edição n. 1199 de 15/09/1935, até a publicação de n. 1221 de 16/02/1936, já às vésperas do carnaval de 25 de fevereiro de 1936. Assim, totalizaram-se 23 publicações contendo a peça publicitária de lança perfumes, majoritariamente expostas na quarta página, onde foi registrado uma tabela de preços do comércio dos “Irmãos Miraglia”, então localizado da rua 13 de junho. O texto publicitário repetidamente informou: “LANÇA PERGUMES: Para conhecimentos dos nossos distinctos amigos e fregueses damos a seguir o preço dos Lança-perfumes para carnaval de 1936 - RODO DE LUXO METALLICOS”.
125
Aproxima-se o carnaval. Com que sorpreza nos deparamos n` “A CRUZ” com um annuncio de lança-perfumes! E nós pensamos, contrariados: “de certo “A CRUZ” não coopera mesmo comnosco. E alem disso, ainda é para nós uma pedra de tropeço. Commo pode ser que emquanto combatemos o carnaval, o jornal catholico faça a propaganda do carnaval, annunciando lança-perfumes? Não, não é possível”. É o cumulo. O jornal catholico, o órgão da Liga do Bom Jesus, aconselhar o povo a comprar lança-perfumes e aguardente, o que importa em fazer a apologia do carnaval e da embriaguez. Não. “A CRUZ” está errada, e decididamente, precisa mudar de rumo.293
“A Pena Evangelica” ainda empunhou, em junho de 1936, severas
críticas à tradicional festa religiosa de São Benedito que fazia emprego de
touradas, o que classificava como um ato brutal e selvagem:
Alvoraça-se na cidade com a triste noticia de que este anno vamos ter touradas. Vae se realizar a festa de S. Benedito e immediatamente depois se seguirão estes outros malfadados festejos, perversamente brutaes e brutalmente perversos (…) A cidade movimenta-se nos preparativos para aquelles dias de selvageria e de retrocesso moral.294
Em sua próxima edição uma campanha se deu nas páginas do
jornal, com o slogan: “Maltratar os animaes é indicio de máo caracter”.295
Nesse mesmo editorial, logo na primeira página, clamou para que o jornal
católico “A Cruz” promovesse uma “boa imprensa” em prol da moralidade:
Concitamos tambem a imprena local e principalmente a ilustrada colega “A Cruz”, para que em nome da boa imprensa, da imprensa sadia e moralizante, levantemos a
293 Os erros d` “A Cruz”. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 8 fev. 1936, Caderno 435, p.2. 294 Touradas. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 jun. 1936, Caderno 453, p.2. 295 As Touradas. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 20 jun. 1936, Caderno 454, p.1.
126
nossa voz e entremos numa campanha tenaz contra as touradas. Ninguem pense que neste momento fazemos propaganda sectaria. Não! Somente falamos como defensores da moral, da lei e da civilização. É por isso que sem nenhum constrangimento, apesar de sermos uma órgão de doutrinação evangelica, sentimo-nos bem em appelar para “A CRUZ” para que juntas façamos a campanha do bem e da moralidade.296
O protestantismo histórico, de acordo com o historiador Carlos
Barros Gonçalves, foi implementado na segunda metade do século XIX e
expresso pelas Igrejas Congregacional (1855), Batista (1859/1882),
Presbiteriana do Brasil (1862), Presbiteriana Independente (1903), Metodista
(1878), e Episcopal (1889). Seu estabelecimento promoveu-se tendo por
base as ações missionárias, principalmente norte-americanas, incluindo
britânicas.297
No início do século XX o embate entre o catolicismo e o
protestantismo foi vigoroso no estado de Mato Grosso. O fim do Império e a
separação da Igreja e do Estado proporcionou ambiente favorável para que
os protestantes expandissem sua atuação em um país predominantemente
católico. Conforme o historiador Sérgio Ribeiro Santos, a inserção do
protestantismo na capital mato-grossense, Cuiabá, se deu no final do século
XIX e começo do século XX, contexto da Primeira República, onde ocorreu a
promoção da liberdade religiosa e configuração do Estado laico.298
A presença e incorporação do protestantismo no estado também
decorreram de transformações sociais e culturais, favorecendo o
reordenamento do cenário religioso.299 Santos, assim, enumera alguns
296 Ibid. 297 GONÇALVES, Carlos Barros. As polêmicas antiprotestantismo nas primeiras décadas do século XX: Cuiabá 1926, 1927. Fronteiras: Revista de História, v. 12, n. 21, 2010, p. 153-154. 298 SANTOS, Sergio Ribeiro. A inserção do protestantismo em Cuiabá na Primeira República. RPC Gráfica, Cuiabá, 2010. 299 Idem, p. 19.
127
desses aspectos de transformação, como: a amplitude, em nível nacional e
local, de ideias liberais que marcam a defesa das liberdades individuais de
crença, pensamento e de livre iniciativas econômicas; as concepções
filosóficas positivistas300 vinculadas ao cientificismo e em oposição ao
catolicismo ultramontano, este último refletido como ultrapassado; e o apoio
de entidades maçônicas, grande incentivadora do ideário liberal, ao
desenvolvimento de outras vertentes religiosas distintas do catolicismo. 301
Em compatibilidade com as discussões trazidas no tópico
“Anticomunismo e a articulação protestante em torno da modernidade e do
progresso”, o protestantismo em Mato Grosso associou sua fé e imagem aos
ideais de modernidade, progresso e civilização, em oposição ao catolicismo,
refletido como velho e grande empecilho para a propulsão das invocações
necessárias. Os missionários protestantes consideravam-se na missão de
promover um projeto civilizatório para o Brasil, em objeção ao que definiam
como atraso econômico e social advindo de uma exploração colonial
portuguesa e católica, que teria subjugado o povo brasileiro a um
obscurantismo religioso.302
O catolicismo, por sua vez, e como já aqui caracterizado, com a
considerável perda de seu espaço político privilegiado, engajou-se em uma
missão de recomposição de forças dentro de sociedade brasileira. A disputa
pelo espaço religioso entre católicos e protestantes, nas últimas décadas do
século XIX e início do XX, constituiu na difusão de um antiprotestantismo por
parte dos membros da Igreja Católica, e anticatolicismo por meio dos filiados
ao protestantismo, reverberando na imprensa desses dois grupos religiosos
300 Ênfase para a Liga dos Pensadores, associação fundada em Cuiabá no ano 1910, com o objetivo de promover as ideias racionais e liberais e combater a estrutura hegemônica católica. Cf. SANTOS, Sergio Ribeiro. A inserção do protestantismo em Cuiabá na Primeira República. RPC Gráfica, Cuiabá, 2010, p. 19. 301 Idem. 302 GONÇALVES, Carlos Barros. Op. cit., 2010, p. 160-161.
128
os confrontos traçados.303
Segundo Carlos Barros Gonçalves304 o jornal “A Pena Evangélica”,
objetivou dar suporte na divulgação e expansão da doutrina presbiteriana,
que já havia marcado sua presença por meio de trabalhos missionários no
final do século XIX e por meio de sua estruturação institucional enquanto
Igreja, em 1912, na cidade de Corumbá, e no ano de 1920, na capital Cuiabá.
Dessa maneira, “A Pena Evangélica”, que inaugurou sua circulação em 16 de
maio de 1925, era parte da significativa atuação do presbiterianismo dentro
do estado de Mato Grosso.
Este periódico presbiteriano teve como um dos seus articuladores
iniciais o Reverendo Philip Sheeder Landes, que além de desejar difundir os
ensinamentos de sua denominação cristã, utilizou a publicação como
instrumento para desqualificar o discurso antiprotestante empregado por
intelectuais católicos no Jornal “A Cruz” e em outras publicações regionais,
como “O Matto Grosso” e “Revista Pro-Familia” – do Lyceu Salesiano de Artes
e Ofícios São Gonçalo. As críticas ao protestantismo, inclusive a empregada
por D. Aquino Corrêa, em conferência de abril de 1926 chamada de
“Imperialismo e protestantismo”, qualificavam o protestantismo como uma
ação imperialista estadunidense e de dominação estrangeira305, traduzindo
parte dos conflitos discursivos e imagéticos que perpassaram a disputa pelos
espaços da fé e das crenças da sociedade mato-grossense.
Mas, como já explicitado, o semanal presbiteriano também esteve
envolvido em outra campanha: o anticomunismo, dentro de uma bandeira
moralizante, equivalente à realizada pelo semanal católico “A Cruz”.
Em seu suprimento noticioso, “O mundo em sete dias”, há uma
303 Idem, p. 153-159. 304 GONÇALVES, Carlos Barros. Até os confins da terra: o movimento ecumênico protestante no Brasil e a evangelização dos povos indígenas. Ed. UFGD, Dourados, 2011. 305 GONÇALVES, Carlos Barros. Op. cit., 2010, p. 168-176.
129
relevante atenção dada às notícias, não apenas pelo grande espaço dado a
essa seção, mas ainda, em um dos lemas propagados pelo jornal
presbiteriano que se autodenominava o mais “noticioso do Norte do Estado”.
Dentro da publicação dessas narrativas noticiosas, no recorte dado na
pesquisa, destaque para o panorama do comunismo na Rússia, para a Guerra
Civil Espanhola, para os regimes fascista italiano e nazista alemão e para os
eventos em torno da II Guerra Mundial.
Curioso é que grande parte das notícias, em sua maioria breves e
sem comentários, não tinham as suas fontes divulgadas e quando essas eram
reveladas indicavam agências internacionais e nacionais de notícias306,
serviços de informação do governo, outros jornais, emissoras de rádio e
telegramas.
As agências internacionais de notícias tiveram um papel
fundamental na produção de notícias, vendidas como valiosas mercadorias e
que se difundiram ainda mais com o advento de instrumentos tecnológicos
como o telégrafo. Esse instrumento e meio de comunicação modificou a
circulação das notícias e a forma de narrar os acontecimentos, acelerando
sua repercussão.307 Antigos relatos extensos, cheios de dados e minúcias,
foram substituídos por textos rápidos, breves e atuais308, reflexo da demanda
de leitores ávidos por informação e que cada vez mais vivenciavam uma vida
urbana acelerada e frenética.
306 Algumas das agências de notícias citadas pelo jornal foram: “United Press” (edições: n. 206 de 13/09/1930, 577 de 29/10/1938, 743 de 10/01/1942, 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942; 853 de 26/02/1944 e 865 de 21/05/1944); “Associated Press” (edições: 743 de 10/01/1942, n. 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942 e 868 de 10/06/1944); “Reuters” (edições: 779 de 26/09/1942 e 878 de 19/08/1944); “Transocean” (edição n. n. 744 de 17/01/1942); “Stefani” (edição n. n. 744 de 17/01/1942); e Agências oficiais como a “Agência Nacional” do Governo Vargas (edições 744 de 17/01/1942, 748 de 14/02/1942, 752 de 14/03/1942) e Agência oficial alemã “D.N.B.” (26/09/1942 e 878 de 19/08/1944). 307 MACIEL, L. A., Cultura e tecnologia: a constituição do serviço telegráfico no Brasil, Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 41, p. 127-144. 2001, p. 128. 308 Idem.
130
Importante destacar que a notícia não é uma informação neutra.
Tudo o que é produzido pelas agências internacionais de notícias, como a
“Associated Press” e a “United Press”, ambas estadunidenses, a inglesa
“Reuters” e a francesa “France Presse” – apenas para destacar as principais
atuantes no mercado brasileiro das décadas de 1930 e 1940 –, passa por um
crivo apropriado de divulgação e seleção, tanto das agências que as
produzem como dos jornais que as recepcionam. Há, portanto, uma relação
dinâmica na produção e exposição das notícias, que podem servir aos mais
variados usos e posições de interesses.309 Assim, as notícias, que tanta
acomodação ganharam na publicação semanal “A Pena Evangélica”, não
eram simplesmente aportes informativos, mas ideológicos. Através de um
recorte apropriado, eram feitos direcionamentos que contribuíram para a
afirmação e propagação das crenças e ideias defendidas pela Igreja
Presbiteriana:
A Russia decretou hoje uma lei, prohibindo de uma maneira radical o aborto provocado. Outrosim, a lei do divorcio só será aplicada quando as duas partes quiserem. A nova lei entra nos assumptos mais intimos da família.310
A notícia acima é um exemplo de como a edição do jornal
delimitou os seus aportes moralistas, ainda que de maneira sutil, alertando
seus leitores que o governo russo, então comunista, violava as questões de
foro íntimo de seus cidadãos. Aquele sistema antirreligioso e “ateu
vermelho” atacaria e estaria em confronto com as questões morais e os
valores presbiterianos. Nessa mesma direção, os articulistas do periódico
309 BAHIA, Juarez. Op. cit., p. 275-276. 310 O mundo em 7 dias. Coluna de notícias do jornal “A Penna Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 4 jul. 1936, Caderno 456, p. 4.
131
fomentaram uma campanha constante, contrapondo o comunismo aos
ensinamentos e símbolos cristãos:
Muito se tem escrito, no mundo, a respeito da atividade de que os chefes vermelhos na Russia, sempre tiveram e continuam tendo, para com a religião. Adotando eles a opinião de Lenin - “a religião é o opoio dos povos” não se limitam apenas, a prender, assassinar e deportar os sacerdotes que, ainda hoje, trazem nos labios e no coração os ensinamentos de Cristo. Iniciaram uma campanha continuada e sordida contra todas as religiões, transformaram as igrejas em cabarets quebraram, as imagens dos santos nas ruas (…)311
O artigo acima, de julho de 1938, é uma republicação da “Agência
Carioca”, mas reverbera a posição dos membros do jornal “A Pena
Evangélica”, auxiliando na construção negativa do comunismo, em um
período já marcado pelos levantes comunistas e pelo Estado Novo,
acontecimentos que acentuaram a conjugação de distintos posicionamentos
conservadores no Brasil e suas posições anticomunistas.
Os redatores da publicação presbiteriana cuiabana rechaçaram a
via do autoritarismo no intervalo dos anos de 1936 e 1937, antes da
acomodação do Estado Novo, se colocando em uma campanha contrária a
movimentos de vinculação fascista como o integralismo. Tal campanha se
articulou em conjunto ao anticomunismo e foi designada de: “Nem
communismo, nem integralismo”312. Houve também outros textos onde a
campanha contra estas duas vertentes políticas se davam em conjunto, com
dois artigos intitulados: “A Foice, o Fascio ou A Cruz? – Communismo,
311 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - aspectos deprimentes da luta contra as religiões (Comunicado da Agencia Carioca). “A Pena Evangélica”. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5. 312 Edições: 465 de 05/09/1936; 472 de 24/10/1936 e 546 de 26/03/1938;
132
Fascismo ou Christianismo?”313, neste caso o combate estava associado à
defesa dos princípios cristãos, contra a “foice comunista” e a associação do
integralismo com o fascismo. Todavia e contraditoriamente, “A Pena
Evangélica” exprimiu apoio às medidas repressoras de Vargas e à instauração
do regime autoritário do Estado Novo, questões essas delimitadas no
próximo capítulo.
Imerso nessas posições políticas, os redatores dos periódicos “A
Cruz” e “A Pena Evangélica” auxiliaram na construção mitológica
anticomunista fundada em tons moralizantes. Ambos os jornais, em defesa
da instituição familiar e da fé, marcando posições bastante conservadoras,
exprimiram a defesa de uma sociedade assinalada por diferenças
hierárquicas. Contrapondo-se, dessa maneira, não apenas aos projetos
revolucionários igualitários e de promoção das bases sociais, mas também à
instituição de mudanças estruturais que instabilizassem suas
representatividades sociais e políticas.
Essa ameaça, percebida e combatida como real, mas também
engajada de maneira vantajosa em relação a certos interesses, forjou o
comunista, em diversas publicações, como o “conspirador de ilusões”, a
“figura do ateu”, “promotor da desordem” e “desmantelador da sociedade
cristã”. Os comunistas, retratados como uma organização conspiratória
agiriam dentro de uma “manipulação multidimensional”, capaz de operar e
promover uma “gigantesca rede de controle e de informação”. Assim, a
atuação dos agentes comunistas não estaria restrita apenas aos espaços
políticos e governamentais, mas sua expansão e influência se efetivaria “em
todos os domínios da vida coletiva, quer se trate dos costumes, da
organização familiar, como também do sistema educacional ou dos
313 Edições: 476 de 28/11/1936 e 477 de 28/11/1936.
133
mecanismos econômicos.”314
O alcance nefasto dos “homens do complô”, atuando de forma
influente sobre a família, as mulheres, as crianças, a educação, a imprensa e
os bancos, promoveria a corrupção e o afrontamento dos bons costumes.
Uma verdadeira dissolução de princípios que levaria à “desagregação
sistemática das tradições sociais e dos valores morais”.315
Nos parâmetros desta conspiração, a sociedade soviética,
instaurada na União Soviética, foi costumeiramente associada pelos discursos
religiosos a uma incivilizada libertinagem, capaz de desvirtuar e condenar o
a cultura e a estrutura social. No mundo comunista, o divórcio, o adultério e
a “ ‘libertação’ da mulher”316 seriam propagados, proporcionando a
destruição do casamento e, por consequência, da família. Seguindo essa
perspectiva, o articulista René, em “A Pena Evangélica”, fez um alerta
moralizador dos filmes que deveriam ser evitados pelos bons cristãos:
O máo cinema contamina o cerebro das nossas patricias, pois as scenas de adulterio são um caminho aberto para a satisfação das paixões a se desenvolverem amanhã. Nisto reside tambem o exemplo frisante do communismo, que vem sendo condenado em todos os sectores dos povos civilizados. É por isso que aquelles que querem seguir verdadeiramente a doutrina de Christo devem renunciar o máo cinema e não assistir a filmes em que se desenrolem scenas de adulterio. As fitas do cinema devem ser seleccionadas. Aconselhamos áquleles que nos quiserem ouvir, que quando for levado á tela um bom film que encerre exemplos de honra, de trabalho, de dignidade, de coragem, de patriotismo, etc. corram sem demora a assisti lo. Mas que evitem o mào cinema.317
314 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 38-39. 315 Idem, p. 40. 316 O Bolchevismo sem máscara. “A Penna Evangélica”. Órgão Semanário de Propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuiabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 317 RENÉ. Certos filmes Cinematographicos.... A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 26 set. 1936, Caderno
134
Dentro desse recorte, o artigo aqui destacado indicou filmes que
exaltassem bons exemplos de trabalho, honra e patriotismo, ou seja, que
fecundavam um modelo disciplinar e ordeiro. O alerta sobre o adultério se
dá, em evidência, a uma escolha de gênero, às “patrícias”, que o articulista
do periódico acreditava terem cérebros facilmente manipuláveis e movidos
pelas paixões.
Escritores do jornal religioso “A Cruz”, composto por uma redação
exclusivamente masculina, conforme evidenciado no Capítulo I,
argumentavam que a mulher deveria se voltar para as atividades domésticas
e para o âmbito privado da família. Pois, para eles, o “papel” feminino teria
uma função extremamente relevante na conformação de um modelo familiar
tradicional e bíblico. Os articulistas do impresso “A Cruz” compreendiam o
Estado soviético como parte de um processo modernizador que permitiu a
perdição da mulher, a inserindo dentro dos quadros de trabalho do
proletariado e a desviando de suas tarefas e funções no ambiente
doméstico318. Como consequência de tais ações, haveria o desmantelando da
tradicional configuração do lar cristão:
Uma intensiva mobilização das mulheres para empregos industriaes, assignala a celebração do “Dia Internancional
468, p. 3. 318 Yasmin Jamil Nadaf expressa o modelo de mulher idealizado pelo intelectual católico e escritor José de Mesquita, através da interpretação do conto “Crucina (Ensaio sobre a mística do sofrimento)”, publicado no jornal católico “A Cruz”, entre março a julho de 1935. Segundo investigações de Nadaf, a personagem principal do conto seria a mãe de Mesquita, a Sra. Maria Cerqueira Caldas, que reflete na imagem de sua genitora um padrão ideal e apropriado. Tal referência indicaria a defesa da mulher voltada aos espaços domésticos, dedicada ao cristianismo, à caridade, submissas e sempre cheias de virtudes, docilidade e simplicidade. Uma evidente representação refletida nos contornos da Virgem Maria, tão comum ao catolicismo. Mesquita evidencia a afeição por essa representação feminina em depreciação e oposição à personagens de costumes mais contemporâneos e modernos. Cf. NADAF, Yasmin Jamil. Crucina, de José de Mesquita. Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso, n, 71, 2012, p. 76-79.
135
das Mulheres”. O Dia 8 de Março, ha oito annos, foi escolhido para realização dos “meetings” femininos, sob auspicios dos Sovietes. O dia é empregado na mais vasta propaganda e no trabalho educacional, em favor das mulheres. Entre o seu programma de trabalho do corrente anno o governo fez figurar o de retirar 1.600.000 esposas e filhas dos serviços domesticos para industria, a fim de fazer frente á falta de braços. (…) Os jornaes hoje salientam a necessidade de tirar as mulheres das cosinhas para as fabricas, como uma das tarefas governamentaes, de maior urgencia. (…) Em centenas de villas os presidentes dos Sovietes são do sexo feminino. Os armazens, escriptorios, theatros e outros logares publicos, estão decorados com bandeiras vermelhas, nas quaes estão escriptos lemmas de defesa do progresso das mulheres. Almejarão as mulheres brasileiras viver sob taes influencias modernizadoras do regimen sovietico, gozar o tal progresso e emancipação feminina, tão decantados pelos pregoeiros do communismo?319
A notícia publicada pelos redatores de “A Cruz”, sem referência de
fonte, mas que aparenta divulgar informações da imprensa soviética, traz o
“Dia Internacional das Mulheres” como marco de uma série de ações e
propagandas soviéticas visando a emancipação feminina. Trata-se, segundo
a publicação, de um movimento modernizador do regime soviético que
desemboca na ascensão da mulher em ambientes de liderança e de trabalho,
considerados estritamente masculinos.
Esse cenário reflete parte das aspirações da Revolução Russa e do
comunismo, que abriram espaços para a atuação política e militante das
mulheres320. Como ainda, recepcionaram as colaborações teóricas de
319 As mulheres na Russia. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 13 dez. 1931, Caderno 1006, p. 1. 320 Jorge Ferreira afirma que o modelo feminino do comunismo revolucionário, das décadas de 1930 a 1950, também compartilhava de visões tradicionais da mulher enquanto exemplo de virtude moral, maternal, de sacrifícios, subordinação e abnegações. Contudo, o projeto comunista incentivava o engajamento das mulheres no cenário político e auxiliou as lutas femininas pela libertação da opressão social e a ampliação da cidadania da mulher. Cf. FERREIRA, Jorge. Imagens femininas. In.: ______. Prisioneiros do Mito – Cultura e
136
grandes intelectuais femininas, a exemplo da polonesa Rosa Luxemburgo321
e da líder revolucionária russa Alexandra Kollontai – defensora da
emancipação da mulher e de seu direito ao voto, bem como da igualdade de
oportunidades e de rendimentos entre os dois sexos.322
Aos olhos contemporâneos e mais progressistas, que assistiram e
ainda contemplam de forma positiva a inserção da mulher no mercado de
trabalho e das lutas feministas que ampliaram o poder e articulação da
mulher dentro da sociedade, a notícia acima do jornal católico mais parece
uma campanha positiva ao comunismo. Mas, em se tratando da época e das
posições dos escritores do periódico católico, o que se perfazia era uma
divulgação negativa de comportamentos e influências modernizadoras,
demarcada pelos posicionamentos do catolicismo ultramontano frente a
esses ideais.
Em análise da revista católica “A Ordem”, Carla Luciana Silva
entende que a presença da mulher no mercado de trabalho, era interpretada
pela Igreja Católica como o avanço do comunismo e de suas ideias sobre a
sociedade brasileira. A instituição alegava que mulher deveria regressar e se
limitar ao lar e para sua missão de mãe e esposa, do contrário, sua moral e
saúde física estariam comprometidas.323 Nesse sentido, ocupar funções
imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002, p. 129-133. 321 Rosa Luxemburgo liderou a Liga Spartacus, ala revolucionária dos socialistas alemães, ao lado de Karl Liebknecht. Após a instauração da república na Alemanha, em 1918, os socialistas de direita dirigiram a socialdemocracia alemã e impediram a passagem do poder para os conselhos operários e soldados, a fim de implementar reformas graduais às instituições monárquicas e imperialistas. Então, os revolucionários espartaquistas deflagraram uma rebelião, em janeiro de 1919, mas após dominarem Berlim, a ação foi sufocada pela socialdemocracia com o apoio do exército imperial. Rosa Luxemburgo foi presa ao lado de Liebknecht, e logo depois, ambos foram assassinados pelas forças oficiais. Cf. BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2ª ed. Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 189-194. 322 RIBEIRO, Maria Rosa Dória. As comunistas e o feminismo. Revista Perseu: História, Memória e Política, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, n. º 9, ano 7, 2013, p. 121-123. 323 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 94.
137
entendidas como inerentemente “masculinas” seria algo contra a virtude da
mulher.
O comunismo, então, utilizaria o sexo feminino como instrumento
de sua conspiração e de seu projeto de dominação. Como bem destaca
Girardet, a mulher é no mito do complô: “Habilmente colocada a serviços dos
poderosos deste mundo, é a ela que caberá a tarefa de destruir os lares, de
dilacerar as famílias”324. No artigo abaixo, novamente do jornal católico “A
Cruz”, publicado na Coluna “Communicado” de um dos principais articulistas
e lideranças católicas de Cuiabá, João Carlos Pereira Leite (1861-1933)325,
sogro de José de Mesquita, percebe-se como essa convenção mitológica é
cuidadosamente empregada como se estivesse revelando ao leitor um plano
comunista nocivo que instrumentalizaria a mulher a seu favor:
Passa a demonstrar com a doutrina comunista dos congressos o conceito que fazem do papel da mulher e o odio que votam á família. ‘Para que a revolução triunfe precisamos da mulher. Para possuirmos a mulher, necessitamos fazel-a abandonar a família. É preciso destruir nela o sentimento egoista e o instinto do amor maternal. A mulher não passa de uma cadela, de uma fêmea, emquanto ama os filhos’. Será isto invenção? Absolutamente. ‘O Congresso das mulheres comunistas, reunido em Paris, a 16 de Novembro de 1924, assim definiu o papel da mulher no
324 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 41. 325 Um dos principais personagens que articulou a fundação do jornal “A Cruz” e a Liga Social Catholica Brasileira de Mato Grosso, ocupou importantes posições políticas, como deputado federal (legislaturas de 1915-1926), desembargador e exerceu cargos públicos no Estado de Mato Grosso. Foi presidente da Liga Católica de Mato Grosso entre 1912 a 1914 e ajudou a fundar, em 1926, a Liga Eleitoral Católica, sendo o primeiro presidente desta associação. De acordo com Daniel F. de Oliveira: “Em seus discursos sempre se mostrou convicto do sucesso da missão do jornal. Apesar de sua relação com a diretoria da associação católica e com a redação do periódico católico ter sido momentaneamente abalada entre fins de 1914 e 1915, a posterior reconciliação com os redatores d’A Cruz e, ainda, sua mobilização em prol da criação de uma liga eleitoral católica em Cuiabá demonstra que se manteve convicto em seus princípios católicos e da atuação do laicato no meio social.” OLIVEIRA, Daniel Freitas de. O Jornal A Cruz: imprensa católica e discurso ultramontano na arquidiocese de Cuiabá (1910-1924). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UFGD, 2016, p. 89-91.
138
movimento bolchevista’.326
Destruir o instinto natural, dócil e maternal da mulher, de cuidado
e de doação à família, eis o “projeto comunista revelado” com o auxílio do
articulista católico João Carlos. Assim, nessa artimanha mitológica o
comunismo defenderia que a figura feminina voltada para o âmbito
doméstico, não passaria de uma fêmea animalesca. Nesta trama
conspiratória, a mulher era, então, associada como um “frágil” elo e que seus
“caprichos, suas fantasias e suas exigências”327 poderiam servir como meios
para o comunismo conquistar seus objetivos, e em consequência, assolar o
modelo familiar cristão defendido pela Igreja.
Interessante salientar que esse artigo trouxe uma série de
considerações originalmente publicadas em um diário protestante suíço,
“Jornal de Genéve”, do dia 20 de abril de 1932. Nessas considerações, o
intelectual católico Pereira não se abstive de fazer uso de uma publicação
religiosa concorrente do catolicismo, o que é discordante com a posição
antiprotestante da publicação católica “A Cruz”. Todavia, indica a
aproximação dos dois discursos anticomunistas conservadores. Não
obstante, o escritor ressaltou que muitas seitas protestantes, em coligação
com o “Estado Leigo” e a “Liga Anticlerical”, seriam complacentes com as
considerações “propagandistas do communismo”.328
Ainda no âmbito da moralidade, das tradições e da família, a
criança é outro sujeito suscetível de ser “corrompido”, dentro da lógica
conspiratória. Seguindo essa linha de pensamento, governos, educadores e
326 LEITE. João Carlos Pereira; MESQUITA, José de. Communicado – O Bolchevismo contra o Cristianismo. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 26 jul. 1932, Caderno 1034, p. 2. 327 GIRARDET, op. cit., 1987, p. 41. 328 LEITE. João Carlos Pereira. MESQUITA, José de. Communicado – O Bolchevismo contra o Cristianismo. A Cruz, Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 26 jul. 1932, Caderno 1034, p. 2.
139
instituições são convertidos e manipulados pela entidade conspiratória em
prol do rompimento das “concepções habituais de bem e mal” na sociedade,
e compondo a corrupção, perversão e a “libertinagem precoce” na
infância329.
Os articulistas das publicações religiosas presbiteriana e católica
produziram este tipo de construção imagética que credenciava o comunismo
soviético como um agente corruptor das crianças, estampando um cenário
comovente e caótico que impôs a “miseria das crianças bolchevistas”.330
Nesse âmbito, o sistema educacional soviético teria instaurado a ordem da
subversão e de afastamento dos rebentos de suas famílias, em um quadro de
delinquência sem controle:
Em nenhum paiz civilizado do mundo, a juventude vive sob tão grande tyrania, como na Russia Bolchevista. Dos corações e das almas, das crenças, arrancaram Deus e a religião. Na Rússia a vida do homem baixou até a dos irracionais. O governo monopolizou a educação das creanças; desde os primeiros meses são tiradas do seio da família. Os paes não teem direito de educar seus filhos; há poucas famílias, e somente onde ainda não penetrou o communismo. O governo educa a juventude em institutos próprios. E qual é o resultado desta educação sem Deus, sem religião, sem oração e até sem a doçura do lar doméstico? Todos os paizes cultos, tomandos juntos, não teem tanta juventude corrompida e degenerativa como actual Rússia! Pena de morte para os menores, em nenhum paiz existe: estes pequenos delinquentes, em ultimo caso, se recolhem nas casas de correção. Mas o céu assim permite, para que se veja o resultado da educação leiga e sem Deus!331
329 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 40-41. 330 O Bolchevismo sem máscara. A Penna Evangelica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 06 fev. 1937, Caderno 487, p. 2. 331 Abominação Moderna. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 13 out. 1935, Caderno 1203, p. 1.
140
Sem fé e sem Deus, um ateu sem escrúpulos, o comunismo foi
tratado pelos jornalistas dos dois periódicos religiosos, “A Cruz” e “A Pena
Evangélica”, como uma ilusão extremamente pecaminosa e imoral, onde os
ataques a toda e qualquer religião seriam radicalmente potentes:
A campanha, contra as religiões tomou no territorio russo, aspectos ignobeis. Não raro promovem os comunistas “festejos”, onde as creaturas depravadas dão expansão aos seus sentimentos cinicos levantam-se forcas e queimam se fogueiras, pendurando-se nas primeiras e atiçando ás segundas, as imagens de Cristo, de Budha e de Mahomet. E a orgia flutua. E os sorrisos sacrilegos abalam os espaços.332
Essa luta antirreligiosa teria chegado ao nível de uma encenação
bolchevista pretensiosa, que teatralizou o julgamento de Deus:
Mas não é só. (…) Leon de Poncins conta que, em 1923 Trotski e Lunatcchersky (hoje já desaparecidos da Russia) fizeram realizar um juri, na praça publica, com o fim de julgar um “grande criminoso” DEUS! Assistiram a esse “julgamento” nada menos de cinco mil soldados do exercito governista. Trotski, com a palavra pronunciou longo discurso insultando o “criminoso” com linguagem desabrida. Seu companheiro, do mesmo modo. Por fim, como “Deus não tivera a coragem” de comparecer ao julgamento, os dios revolucionarios resolveram julgal-o “um coverde”. Espetaculos como esses não devem ser ignorados. Deprimentes e brutaes, eles valem, certamente, como uma eloquente demonstração do nivel moral dos chefes bolchevistas – daqueles que despudoradamente, prometiam a vitoria da revolução tragica, dias melhores para o povo russo que, oje mais do que nunca, vive submergido na lama de todas as desgraças.333
332 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - Aspectos deprimentes da luta contra as religiões (comunicado da Agencia Carioca). A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5. 333 Idem, p. 5-6.
141
Destaca-se, desta forma, que a consideração do comunista como
ateu foi uma associação bastante instrumentalizada por essas duas vertentes
religiosas. Porém, Guy Besse entende que as críticas de Karl Marx às religiões
não são considerações baseadas no ateísmo, apesar de Marx ter aderido à
algumas delas. O marxismo não objetiva extinguir a crença em alguma
divindade, mas defende a luta dos homens por justiça social sob bases
materiais e terrenas, sem a espera de uma intervenção divina ou sob os
fundamentos alienantes das concepções religiosas.334
Assim, e dentro dessas análises, apesar de adversários entre si,
católicos e presbiterianos cuiabanos deram especial atenção ao
enfrentamento de um outro oponente, o comunismo. Dessa forma,
propagaram uma série de enunciados que buscavam, sobretudo por meio
das referências morais e das crenças cristãs, combater um concorrente
simbólico e secular que se fez crítico das instituições religiosas dominantes.
Em geral, o que se observa é a promoção de um simulacro de
ideias e imagens com a finalidade de desqualificar o outro comunista,
instaurando uma série de imagens depreciativas sobre este. O emprego
dessas imagens refletiu uma narrativa conspiratória e mitológica bastante
eficiente, que estimulou o temor e a irracional oposição contra uma possível
difusão de proposituras comunistas junto aos trabalhadores brasileiros. Da
mesma forma que respaldou o uso da repressão e da instituição do
autoritarismo, questão a ser tratada no capítulo seguinte.
Contudo, esses dois combates cristãos apesar de terem
constituído proximidades, distinguiam-se quanto às suas motivações e eram
tecidos de certas particularidades das duas vertentes religiosas. De um lado
teve-se o catolicismo brasileiro e mato-grossense, em conjugação com o
334 BESSE, Guy. O ateísmo nos nossos dias. In: ARNAULT, J. et al. Cristãos e comunistas. Paris. Publicações Europa, 1976.
142
neotomismo e os valores ultramontanos, que ambicionavam reinstaurar a
presença católica junto ao Estado e conquistar o monopólio da esfera
religiosa nacional. Em outra posição, o presbiterianismo influenciado pelos
princípios do calvinismo e das missões protestantes anglo-saxãs, planejava
conquistar novos adeptos, recorrendo à defesa das concepções modernas e
liberais, mas totalmente contrários às novas expressões sociais e políticas
revolucionárias.
É significativo ainda salientar que essas narrativas voltadas ao
campo da moralidade e da constituição do comunismo como uma ilusão,
particularmente para os mais pobres e operários, não ficaram restritos a
esses dois jornais religiosos de Cuiabá, mas foram mais evidentes nessas
publicações. Nem tão pouco, o discurso anticomunista posto em “A Cruz” e
“A Pena Evangélica” esteve restrito a essas formações. Dessa maneira, no
próximo capítulo, abrange-se o estudo de mais periódicos e destaca-se a
construção mitológica do comunista como um estrangeiro audaz que
ambicionava a instauração da dominação soviética pelo mundo, bem como
as relações dos periódicos com o Estado Novo.
143
CAPÍTULO III
Anticomunismo entre o nacionalismo, o liberalismo e o Estado Novo
A ameaça que representam é aquela que jamais deixou de obsedar os sonhos das cidades pacíficas: a do vagabundo, do nômade que ronda as casas felizes (...). A do viajante sem nome que traz com ele a doença ou a epidemia, cuja chegada faz apodrecer a colheita e perecer o gado.335
Anticomunismo na escala nacionalista e liberal
Atentando-se agora para outras referências do anticomunismo
brasileiro, elenca-se aqui as vertentes do nacionalismo e do liberalismo. Em
relação ao primeiro, por se tratar de um conceito amplo, partilha-se da
compreensão de Motta que delimita o nacionalismo conservador como
aquele que conduziu o enfrentamento ao comunismo no Brasil. Tendência
essa que trouxe referências do romantismo alemão336 e do corporativismo337,
onde delimita-se o sentido de nacionalidade ao território e ao seu povo, com
335 GIRARDET, Rauol. Op. cit., p. 43-44 336 A partir da virada para o século XIX o romantismo político na Alemanha apresenta críticas ao modelo de Estado-nacional burguês originário da Revolução Francesa, o percebendo como demasiadamente individualista. Pensadores como F. Schlegel e A. Müller, então defenderam um modelo de organização social corporativo, onde o ordenamento político não deveria ser tratado sob as bases racionais iluministas, mas pela evolução histórica e natural, respeitando os fundamentos e permanências do organismo e corpo social, e assim preservando suas tradições e passado. Cf. CESA, Claudio. Romantismo político. In.: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e; PASQUINO, Gianfranco (Org). Dicionário de Política – 11º ed. Volumes 1 e 2, Fundação Universidade de Brasília, Brasília/DF, 1998, p. 1133-1135. 337 De acordo com Maria Celina D`Araújo, o corporativismo no Brasil das décadas de 1930 e 1940 teve influência do ponto de vista doutrinário do romeno Mihail Manoilescu: “O corporativismo de Manoilescu procurava associar um espírito medieval de comunidade com a ideia de Estados nacionais fortes e centralizados; mais do que isso, postulava que seria através desse Estado forte que se recomporiam as estruturas sociais em patamares superiores ao então existentes – a organização social através de ramos da produção ou seja, das corporações (...) Os partidos e a liberdade de organização política deveriam ser substituídos por câmaras e/ou setores da produção organizados e liderados por um Estado fortalecido.” D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 11.
144
padrões culturais e de identidades uniformizantes, perfazendo uma ordem
centralizadora e tradicional. Assim sendo, tal organização nacional deveria
ser protegida contra todos aqueles que anseiam desestruturá-la: “Neste
sentido, os comunistas seriam elementos deletérios, pois instigavam a divisão
e a própria destruição do “corpo” nacional, à medida que insuflavam o ódio
entre as classes”.338
Estado, Igreja Católica, imprensa, literatura, políticos e
intelectuais, propagaram nos anos de 1930 um modelo de nacionalismo
baseado em uma comunidade una e orgânica, reprimindo às manifestações
contrárias à constituição dessa unidade nacional e de seu “corpo” social. O
sentido era camuflar as intempéries e exclusões sociais, e respaldar os
interesses de dominação assegurados pelo Estado339. Portanto, não se
deveria falar de luta de classes e pluralidade de concepções, mas sim,
disciplinar o povo e afastar “os despossuídos” dos espaços públicos e
políticos.340
Carla Luciana Silva destaca que a partir da década de 1920, houve
a preocupação com a construção de uma nova nacionalidade por meio de
características idealizadas do povo brasileiro e de sua história, bem como das
relações entre classes sociais e das formações políticas nacionais. Parte dessa
construção esteve ligada às tendências e ideais autoritários, como a dos
teóricos Sílvio Ramos, Oliveira Vianna, Alberto Torres, Guerreiro Ramos,
Manuel Bonfim, influenciados por pensadores europeus e conceitos do
darwinismo e evolucionismo social.341 Sob estes referenciais, os intelectuais
338 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 50. 339 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 12-15. 340 Idem. 341 O darwinismo social é a tradução da teoria das leis de seleção natural proposta por Charles Darwin (1809-1882), para aplicação e compreensão das sociedades humanas. O filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) iniciou a apropriação dos estudos de Darwin para o âmbito social e defendeu que os seres humanos são desiguais por natureza. A vida
145
conservadores procuraram assinalar as desigualdades sociais brasileiras por
meio de explicações “científicas”, as justificando como algo “natural”.342
Dessa maneira, esses pensadores, compreendendo as diferenças
e tensões sociais do Brasil como cientificamente justificável, se posicionaram
contrários às ideias contestatórias de uma estrutura social excludente, como
o marxismo representa. Assim, esses intelectuais, como leigos católicos,
políticos, advogados e adeptos ou simpatizantes da Ação Integralista
Brasileira, desqualificavam o socialismo e o marxismo por meio de
explicações teóricas, os tratando como uma verdadeira farsa messiânica e
ilusória, promotora de rebeliões e do caos.343
Sob referências nacionalistas exacerbantes, a AIB empregou o
patriotismo como uma das fortes bandeiras para o chamamento de
apoiadores que pudessem integrar seus quadros. A “idolatria” incondicional
à pátria serviu, em conjunto, para marcar posição no combate ao
comunismo, traduzido como um movimento “exótico” ao que seria
compreendido como a “alma brasileira”. O anticomunismo integralista foi
em sociedade seria um campo de batalha, como em um ambiente natural, vencendo e sobrevivendo os mais “aptos”, dividindo a sociedade entre os inferiores (pobres e proletariados) e superiores (ricos, políticos). Para Spencer este processo “natural” não deveria ter a interferência do Estado, dando condições para a sobrevivência dos mais pobres, ou seja, menos “aptos”. Dessa forma, deveria ocorrer um processo de “evolução” social, sobrevivendo as sociedades mais “civilizadas” e “superiores”. Cf. BLANC, Marcel. Os herdeiros de Darwin. São Paulo: Scritta, 1994. Em complemento, Maria Augusta Bolsanello afirma que o darwinismo social estava associado à defesa de uma sociedade capitalista, baseada na apologia laissez faire econômico e social, vinculando-se logo posteriormente a ideologias eugenistas e racistas, propagando preconceitos e até mesmo a eliminação dos classificados como “inferiores”. Essas ideias foram partilhadas por um grande número de intelectuais brasileiros, no final do século XIX e início do XX. Esses pensadores apoiaram a imigração de europeus para a realização de uma nova miscigenação e “embranquecimento” do povo brasileiro. Suas concepções, em geral, objetivavam legitimar, por meio de bases declaradas como “científicas”, os preconceitos e as desigualdades sociais existentes no país. Cf. BOLSANELLO. Maria Augusta. Darwinismo social, eugenia e racismo: sua repercussão na sociedade e na educação brasileiras. Educar. n. 12, Editora UFPR, 1996, p. 153-165. 342 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 51-58 343 Idem.
146
também um importante mote para conquistar adesões daqueles que temiam
o avanço vermelho.344
Deste modo, o comunista foi expressado como o outro, um
extremista que desestabilizaria a harmonia social da nação, estimulando
conflitos e rebeliões, ferindo e dividindo a visão de uma nação integral e
organicista. O nacionalismo de expressão conservadora e autoritária apontou
sumariamente o comunismo como “inimigo da nação”. Inimigo esse
percebido como uma ameaça real e concorrente, mas foi, sobretudo, uma
construção conveniente que justificou perseguições e repressões contra as
mais diversas manifestações que perturbassem a ordem moral e social,345
Os comunistas representavam o inimigo a combater, a fim de servirem como argumento capaz de justificar a coesão em função da presença de um agente nocivo. Ao mesmo tempo em que deveriam ser mantidos pelo governo para sustentar o mito da conspiração, sua eliminação também era necessária. Ao negarem a cooperação social apregoada pelo imaginário totalitário, os comunistas impediam a imagem de uma sociedade orgânica e harmoniosa.346
Dentro do legendário simbólico da conspiração347, o comunismo
foi classificado como o “império das trevas”, personalizado na figura do
estrangeiro “feiticeiro”, a serviço do mal e do medo, agindo pela escuridão
em uma ação contra a família e a pátria. Esse outro, o comunista, seria
344 Hélgio Trindade aponta que o principal motivo revelado pelos integralistas para adesão à AIB foi o anticomunismo. Logo após, tem-se a identificação com o fascismo europeu, seguido do nacionalismo e da oposição ao governo Cf. Cf. TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O Fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974, p. 55. 345 Elizabeth Cancelli entende que os comunistas foram, dentre os inimigos construídos pelo Estado, os que mais sofreram perseguições policiais e mais tiveram sua imagem associada a uma visão mítica de grande mal, e que, portanto, deveriam ser plenamente combatidos. Cf. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 79. 346 Idem, p. 82. 347 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 42-49.
147
rendido à URSS e seu plano arquitetaria subjugar a nação brasileira às
vontades “imperialistas” de Moscou:
O communismo, como todo movimento que agita paixões e se baseia numa systematização total do mundo, é por sua natureza imperialista. Sempre o foi na mente de Marx, como foi na tactica de Lenine.348
Já, em relação ao anticomunismo propagado pelo liberalismo,
deve-se ater, segundo Motta, para os seus dois planos, o econômico e o
político.349 Este último, o liberalismo político, nas observações de Kalina
Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, constituiu-se por meio de uma na
base social burguesa e pensamento de filiação liberal e iluminista, em
contraposição ao absolutismo. Seu auge se deu no século XIX, tanto na
Europa Ocidental quanto na América Latina, até o período do entre guerras,
quando sofreu considerável abalo com a crise de 1929 e ascensão de regimes
fascistas. Por sua vez e em relação à perspectiva econômica e capitalista, o
liberalismo rejeita a intervenção estatal e defende a livre-iniciativa
comercial.350
Dessa maneira, a via do liberalismo econômico critica o
comunismo por considerá-lo um sistema demasiadamente intervencionista,
restringindo a liberdade comercial. Assim, o discurso empregado pelos
liberais sustenta a livre-iniciativa empresarial e qualifica o sistema econômico
comunista como ineficiente e com sérios problemas de funcionamento. Os
anticomunistas que compartilham dessas percepções, ainda repercutem o
comunismo como ameaça à garantia da propriedade privada, visto que o
348 O communismo e meios de combatel-o. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 09 jan. 1938, Caderno 1318, p. 1. 349 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 60. 350 SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA Maciel Henrique Silva. Op. cit., p. 258.
148
pensamento liberal a defende como um “direito individual inalienável” e
intocável.351
Mesmo a Igreja Católica que apresentava críticas ao capitalismo
liberal, igualmente estruturou considerável empenho, inclusive por meio de
encíclicas papais, na defesa da propriedade particular e individual, vista como
um direito legítimo. Já para o protestantismo, a defesa da propriedade
privada e acúmulo de bens materiais, um dos princípios do capitalismo, está
em conciliação com os parâmetros da “ética” protestante352.
No tocante ao anticomunismo refletido pelos adeptos do
liberalismo político, vinculados a uma tradição ideológica e institucional
liberal-democrata, constantemente trataram os Estados comunistas como
avessos às liberdades democráticas.353 Todavia, Motta acredita que esse
discurso não foi nada coerente, já que os partidários do liberalismo acusavam
os regimes comunistas de serem verdadeiras tiranias e ditaduras, mas
omitiam a tradição autoritária da República brasileira. Em contrapartida, a
defesa das bases democráticas-liberais para constituir críticas em
comparação ao comunismo, era perigosa, como foi durante os anos de
repressão do Estado Novo, o que, em certa medida, provocava a
marginalização dos enunciados denunciativos do autoritarismo dos regimes
comunistas.354
Os “traidores” da Pátria – O perigo vermelho afronta a nação
O comunismo idealizado por Marx configura-se como um projeto
político que almeja proporcionar uma revolução a nível mundial, extinguindo
351 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 64. 352 WEBER, Max. Op. cit. 353 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 60. 354 Idem, p. 61.
149
as concepções nacionalistas burguesas e a desigualdade entre as classes. O
“Manifesto do Partido Comunista” (1848) elevou essa ideia, convidando os
trabalhadores de todo o mundo a se unirem e instaurarem uma nova ordem
mundial, que nas palavras de Eric Hobsbawm: “é, quase com certeza e de
longe, o escrito político individual mais influente desde a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa”.355 O sonho
revolucionário mundial ganhou impulso particularmente dois anos após a
Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, impelindo uma verdadeira onda
revolucionária por diversas regiões do globo:
A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo desde a conquista do islã em seu primeiro século. Apenas trinta ou quarenta anos após a chegada de Lenin à Estação Finlândia em Petrogrado, um terço da humanidade se achava vivendo sob regimes diretamente derivados dos “Dez dias que abalaram o mundo” (Reed, 1919) e do modelo organizacional de Lenin, o Partido Comunista.356
Portanto, o potencial revolucionário, na expectativa de
desmantelar as bases do capitalismo, se propagou e se consolidou na Rússia
bolchevista, onde constituiu um modelo político sólido que reconfigurou o
cenário da geopolítica internacional, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial.357 As reações aos ânimos da revolução socialista russa foram
enérgicas nos países capitalistas, em campanhas nacionalistas que
credenciavam o comunismo como um projeto imperialista da União
Soviética.
355 HOBSWAM, Eric J. Introdução ao Manifesto Comunista. In.: _____. Sobre história. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 381, grifo do autor. 356 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX, 1914-1191. Companhia das Letras, São Paulo, 2013, p. 62. 357 Idem.
150
A expressão internacionalista do bolchevismo russo foi, dessa
forma, qualificada pelos anticomunistas brasileiros como contrária à essência
dos valores brasileiros e tida como uma associação conflituosa com as bases
da civilização ocidental. Ainda acusavam as organizações comunistas pelo
mundo de serem instituições totalmente influenciadas e obedientes aos
interesses do partido comunista russo.358 Os partidários do comunismo
foram, então, tratados como um “intruso que se introduz nos lares prósperos
para levar-lhes a perturbação e a ruína”359. Um estrangeiro portador de
doenças e epidemias capazes de devastar a paisagem, espalhando medo e
insegurança, sempre a vagar pela noite como uma ameaça hostil à paz e à
ordem.
Neste sentido e dentro dessa arquitetura mitológica, o
anticomunismo brasileiro, apresentou o socialismo russo como uma ameaça
internacional capaz de romper as balizas da nação, em rejeição à
conformação internacionalista do comunismo. Compartilhando dessa visão,
a narrativa traçada pelos periódicos cuiabanos acreditava revelar um complô
do “subterrâneo império socialista”. Uma trama de controle mundial que
objetivaria destruir governos e nações e substituí-los por ditaduras
proletárias submetidas aos desígnios dos bolcheviques russos. E os
brasileiros aliados a essa “trama” comunista eram qualificados de traidores
da pátria.
Apropriando-se dessa fonte mitológica, os redatores de “A Pena
Evangélica”, em 1936, demarcaram o comunismo como um perigo
internacional. E de maneira noticiosa, trataram de expor e “revelar” aos seus
leitores, os planos de um arranjo secreto muito bem articulado em várias
posições mundiais:
358 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 75-76. 359 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 43-44
151
Os communistas internacionaes tem nestes ultimos dias feito reuniões secretas. Ha um convenio secreto para levar a cabo urgentemente movimentos revolucionarios em varios logares do mundo. No dia 12 de Setembro houve uma reunião dos comunistas internacionaes em que foi conseguido uma importante soma para o fundo secreto. Varios inspectores foram nomeados para agir e representar o movimento em varios pontos. Um foi para Amsterdam e outro para Basileia. Em 16 de Setembro ultimo, os comunistas franceses receberam novas instruções para que consigam descontentamentos em varios paizes, até que consigam desencadear qualquer movimentos revolucionario. No proximo dia 16 de Outubro, haverá, promovido pelo partido comunista, um congresso dos sem trabalho.360
A ação “atroz” dos comunistas já havia sido exposta no Brasil pela
ação da “intentona comunista” de 1935, segundo relato abaixo e não
assinado de “A Pena Evangélica”. A “intentona”, de acordo com a edição,
trouxe consequências aterrorizantes sobre a vida de crianças, mulheres e
famílias das cidades impactadas por essa ação:
A ultima tentativa de communismo trouxe muitas lagrimas para a familia brasileira. A esta hora muitas mães choram a perda de seus filhos, muitas esposas chamam em vão pelos seus esposos, muitas irmãs esperam os seus irmãos, que nunca mais voltarão. Muitas noivas guardam recordação de seus noivos e muitas crianças choram na orphandade. Todos estes cahiram no campo de lucta, defendendo a honra e a gloria da Patria, ultrajadas e postas em perigo pelo egoismo atroz de muitos brasileiros desalmados. Entretanto houve um bem para o Brasil, sahido da confusão da ultima intentona. Aquelles que se achavam illudidos com a campanha communista, cahiram na realidade e viram que o que domina nos comunistas são baixos e vis interesses, com excepção feita de alguns comunistas ideallistas, que os há felizmente. No movimento do Nordeste os communistas
360 O mundo em 7 dias. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 17 jul. 1936, Caderno 471, p. 2.
152
tomaram conta da cidade de Natal por 48 horas. Por lhes ter sido adversa a sorte das armas, tiveram de abandonar a cidade após 48 horas. Pois bem. Quando elles sahiram de Natal, carregaram consigo, saqueados dos bancos e das casas de comercio, mais de cinco mil contos; e deixaram violadas 96 menores da Escola Domestica e diversas familias. Isto em 48 horas! Está ahi o panno de amostra para que o nosso povo veja e saiba o que é e o que quer o communismo! (...) Imaginemos o que será da nossa Patria se o communismo vier a dominar!361
É interessante observar que esse relato estabelece o termo
“intentona”, para tratar das insurreições que se sucederam em Natal-RN,
Recife-PE e Rio de Janeiro. Esta denominação foi apropriada para
desprestigiar os levantes comunistas e marcar suas derrocadas, perfazendo
tais ações como meras e desastrosas intenções. Nesta sequência, na ânsia de
desqualificar as insurreições de 1935, a narrativa presente no texto “O
Comunismo em ação” diminuiu significativamente a amplitude e a resistência
dos levantes, principalmente no estado potiguar, onde o movimento teve
início e não ficou restrito a capital, mas estendeu-se para o interior. Outra
pretensão de menosprezar o movimento está na afirmativa de que, em Natal,
a ação dos levantes teria durado apenas 48 horas, quando na realidade durou
quatro dias e com relevante participação popular362.
A historiadora Marly de Almeida G. Vianna defende que as
insurreições ocorridas em 1935, cuja expressiva quantidade era de militares,
refletiram “a última manifestação da rebeldia tenentista”363, diante de uma
nova configuração política que não atendia as expectativas de muitos
soldados e oficiais. A unidade dessas ações se efetivou, sobretudo, pela
361 O communismo em acção. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 04 jan. 1936, Caderno 430, p. 5. 362 VIANNA, Marly de Almeida G. Op. cit., p. 88-91. 363 Idem, p. 101.
153
imagem de Luís Carlos Prestes, o “herói” tenentista da Coluna Prestes364, que
já nesse período havia se conjugado ao comunismo:
Os movimentos seguiram as tradições das lutas que vinham ocorrendo no Brasil desde 1922 e que expressavam os anseios de classes e camadas da população que queriam novos caminhos para o país, superando a dominação dos grupos da já ultrapassada República Velha365.
Na cidade de Natal o movimento iniciou-se em consequência da
revolta de militares rebeldes e contou com o apoio da população. Em Recife,
foi provocado pelos líderes regionais do PCB, mas sem participação popular,
apesar de terem buscado a adesão desta. Já no Rio de Janeiro, os levantes
liderados por Prestes, ficaram principalmente concentrados nos quartéis. Os
eventos se deram de maneira desarticulada, e muitos dos militares
envolvidos não eram partidários das ideias comunistas, e nem mesmo ligados
à Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou ao PCB. Mas, como já explicitado no
primeiro capítulo, de maneira geral as reivindicações refletiam a luta pela
democracia e reforma agrária e contra a exploração capitalista
364 A Coluna Prestes inicia-se em 1925 da junção de duas frentes tenentistas de oposição à configuração oligárquica da Primeira República. Após os levantes de São Paulo, em 1924, os revoltosos partiram em direção ao sudoeste, até adentrarem no Estado do Paraná, onde enfrentaram forças federais comandadas por Cândido Rondon. As forças rebeldes gaúchas, comandadas por Luís Carlos Prestes partem para se unir às forças paulistas no Paraná, enfrentando antes tropas legalistas no caminho, perdendo metade do seu contingente, em abril de 1925. Após a união das duas frentes, lideradas por Miguel Costa e Prestes, seus componentes fizeram uma jornada de 25.000 quilômetros até o ano de 1927, contando com uma força que chegou a 1.500 homens, atravessando 13 estados brasileiros, inclusive Mato Grosso, e dois países estrangeiros, Paraguai e Bolívia. Caracterizou-se principalmente como um movimento de contestação e que ajudou a fragilizar o sistema político vigente. Cf. FERREIRA, Marieta de Morais; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano (v.1): o tempo do liberalismo excludente - da proclamação da República à Revolução de 1930. 4ª ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 387-415. 365 VIANNA, Marly de Almeida G. Op. cit., p. 101.
154
internacional.366
Atentando-se para a repercussão dos levantes comunistas em
Mato Grosso, o recente artigo do historiador Vitor Wagner Neto de Oliveira
investigou um processo criminal do Tribunal de Segurança Nacional e nele
pode constatar a participação de militares e civis mato-grossenses, em
dezembro de 1935, de articulações comunistas em hibridismo com o
tenentismo. Essas articulações ocorreram em Aquidauana, na fazenda Ipê
pertencente a Garibaldi Medeiros, que possuía um irmão e filho presos na
capital federal por participação nos levantes de novembro de 1935. No local,
além de Medeiros, estavam presentes o capitão Antonio Rollemberg,
membro da ANL, e outros militares.367
Outro personagem identificado na investigação foi Agrícola
Batista, também membro da ANL e que teria participado dos movimentos
tenentistas dos anos de 1920, cujo nome verdadeiro era Radio de Queiroz
Maia. Batista já teria tentado, em setembro de 1935, junto com Godofredo
Gonçalves (caudilho gaúcho) e Silvino Jacques (líder de bandos armados),
articular levantes revoltosos na fronteira com o Paraguai com o auxílio de
trabalhadores rurais, mas acabou preso na cidade de Bela Vista. Tais
tentativas de levantes demonstraram um ambiente político conturbado e de
agitações militares, em um cenário de violência armada relacionado,
inclusive, com aspirações de divisão do estado de Mato Grosso, caso de
Silvino Jacques.368
Não identificamos nos jornais analisados a repercussão desses
acontecimentos descritos por Vitor Oliveira, pois, provavelmente as
investigações tenham ocorrido em sigilo. Todavia, imprensa, Estado,
366 Ibid., p. 102-103. 367 OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. Articulações comunistas em Mato Grosso. Revista Cadernos de História – PUC MINAS, n. 24, v. 16, 2015, p. 51-67. 368 Idem.
155
religiosos, figuras políticas e intelectuais intensificaram a luta contra o
comunismo, julgando os levantes de 1935 como estrita materialização do
empreendimento soviético e sua influência perigosa e “bárbara” no Brasil,
sem apreciar a atuação de outras forças no movimento, como o tenentismo.
(Serviço de Imprensa do Departamento Nacional de Propaganda) - Vencidos dentro das nossas fronteiras pela heroica resistencia dos bens servidores da patria, que salvaram na hora do maior perigo, os agentes do bolchevismo internacional promovem agora no extrangeiro a mais desabrida campanha de injuria e calumnia contra o governo e nação, que em perfeita solidariedade, souberam defender a civilização contra os assaltos da barbaria vermelha.369
Em continuidade à atenção em torno dos levantes de 1935, os
componentes do impresso “O Matto Grosso”, do Partido Republicano
advogaram pela punição dos envolvidos e sem direito às garantias
constitucionais de defesa. O jornal rechaçou notícia divulgada pelo
Departamento de Propaganda do governo que repercutia o pedido de
libertação de presos políticos no Brasil, em destaque Prestes, feito por um
deputado espanhol comunista:
Pregando a destruição da Sociedade e o assassinio oficializado, os communistas não tem direito de exigir a justiça organizada do regime liberal democratico, com as amplas garantias de defesa. Na Russia estariam fuzilados summariamente os que, como entre nós, se levantaram ousadamente contra as instituições politicas. O excesso de liberalismo das nossas leis e não os moinhos de vento dos “sanchos” communistas e que nos privam, pelos sentimentos de humanidade, tão próprios dos brasileiros, de implantar, contra os inimigos das nossas instituições os
369 A campanha communista no estrangeiro contra o Brasil e seu governo. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiaba, 15 ago. 1936, Caderno 63 da 3ª fase.
156
methodos criminosos por elles próprios apregoados.370
“O Matto Grosso”, fundado em 1879, ainda no período Imperial,
esteve vinculado, após a instauração da República, ao Partido Republicano
Mato-Grossense. Circulou na capital Cuiabá, com algumas interrupções, até
o ano de 1937. Defendeu a modernização e o progresso de Mato Grosso,
dentro de um modelo capitalista de acentuação do processo de urbanização
e de exploração e expropriação dos recursos naturais. E esteve em oposição
às imagens compostas em contos publicados, sobretudo nos grandes centros
urbanos brasileiros, onde designavam Mato Grosso como uma terra
selvagem e bárbara371.
Lylia da Silva Guedes Galetti explana que, entre os anos de 1918-
1922, as elites da sociedade norte mato-grossense e o Estado, sob a
condução de Dom Aquino, promoveram várias manifestações culturais de
exaltação “à terra e ao homem mato-grossenses, com o intuito de ‘livrá-los’
do estigma da barbárie” de uma terra longínqua e na “fronteira do mundo
civilizado”.372 Destaque para a fundação do Instituto Histórico de Mato
Grosso (1919) e o Centro Mato-grossense de Letras (1921), e a difusão de
símbolos para delimitar a identidade regional como hino, datas
comemorativas, brasão e a eleição de grandes personagens para serem
inscritos na memória histórica local.373
Os articuladores do jornal “O Mato Grosso” também desejavam
370 Petulancia dos patrias quixotescos – Comunistas hesponhóes com a pretenção de dar ordens ao governo brasileiro. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 29 mai. 1936, Caderno 2 da 3ª fase. 371 A obra da historiadora Lylia da Silva Guedes Galetti apresenta as diversas imagens acerca desta territorialidade, o Mato Grosso, costumeiramente representado como um “sertão a ser conquistado” por estrangeiros e por outras regiões do país. Cf. GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Sertão, Fronteira, Brasil: imagens de Mato Grosso no mapa da civilização. Cuiabá, MT: Entrelinhas: EdUFMT, 2012. 372 Idem, p. 321, grifo da autora. 373 Idem.
157
superar a identidade estigmatizada em torno da região. Nesse sentido,
aclamaram a imagem de um Estado que começava a absorver elementos
civilizatórios e de progresso, como emissoras de rádio e hotéis, ao contrário
das crenças e narrativas que qualificavam essa fronteira como selvagem:
Os tempos vão passando, as cousas vão se transmudando, o sr. Monteiro Lobato prevê o petroleo jorrar, aos borbotões, do nosso sub-solo, e as opiniões, as crendices sobre o nosso Matto-Grosso, vão se modificando. As onças vão se rareando, os bugres desaparecem no recesso das florestas, as cobras se evolam, e novos casos, modernos, de accôrdo com a civilização que surge, são engendrados. (…) Por ahi se vê que em vez de selvagens e de reptis, já apparecem, nos casos passados em Cuiabá, hoteis e radios. De facto, Matto-Grosso progride.374
Em se tratando de um periódico político, seus escritores
repercutiram semanalmente o cotidiano da política regional e nacional. As
publicações políticas e partidárias, em Mato Grosso, tinham a função de
propagar as ideias de suas principais lideranças, mas também serviam de
instrumento de ataque a seus adversários, travando diversos embates
passionais.375 No período que abrange o recorte deste trabalho e das edições
localizadas, o periódico, vinculado ao então denominado Partido Republicano
Mato-Grossense, repercutiu, destacadamente, as disputas contra os
membros do Partido Evolucionista.
Outrossim, respaldou de forma veemente o principal nome do
partido e então governador, Mario Corrêa da Costa (1886-1937), durante o
período bastante instável de seu segundo376 e curto mandato, entre
374 Matto-Grosso civiliza-se. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 28 nov. 1936, Caderno 128 da 3ª fase. 375 PORTELA, Lauro. A Primeira República em Mato Grosso por meio dos periódicos. Cuiabá: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, n, 71, 2012, p. 45. 376 Mario Corrêa da Costa foi também governador de Mato Grosso de 1926 a 1930.
158
setembro de 1935 a março de 1937. O último número identificado de “O
Matto Grosso”, foi no mês de março de 1937, o mês em que o governador
Mario Correia da Costa foi afastado do comando do estado e em seu lugar
instituído o interventor federal Ari da Silva Pires. Mas o referido partido,
nesse momento ligado à União Democrática Brasileira, de Armando de Salles
de Oliveira, já em julho de 1937, constituiu um novo jornal sob o título de “A
União”, cuja última edição foi registrada em 07 de novembro de 1937 no
Arquivo do estado de Mato Grosso, mês em que teve início o Estado Novo e
a consequente extinção dos partidos políticos.
Dentro da tradução conspiratória, o periódico “O Mato Grosso”
revestiu o comunismo como um projeto de dominação que possuiria
instrumentos importantes para conseguir instaurar um mundo de ruínas e de
submissão, o meio de comunicação seria um deles. Portanto, os “homens do
complô” almejariam apropriar-se da imprensa para manipular e arregimentar
a alma e a inteligência das pessoas.377 José de Mesquita, articulista católico
do jornal “A Cruz”, em cadência poética e ganhando espaço nas páginas de
“O Matto Grosso”, fez uma distinção maniqueísta entre a boa e a má
imprensa rubescente e subversiva:
Do mundo hodierno em meio ao rudes torvelinhos, entre a sombra que envolve e entenébra os caminhos, vejo as ambas que vêm de oppostas direcções, marchando, uma serena e outra lugubre e irosa, trazendo uma nas mãos uma tocha radiosa, e outra a bomba e o punhal das rubras subversões. Uma de chlámide alva e casta vem cingida, um nimbo de ouro traz sobre a fronte garrida, e um sorriso de amor nas faces lhe reluz. É a Imprensa que educa e eleva e purifica, que da austera Moral as bases edifica, e tem por mira o Bem, e tem por arma a Cruz!
377 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 38.
159
Outra veste de negro e, na treva, maneja a perfidia e a calumnia e, sordida, rasteja sobre o lameiro vil sobre o impuro atascal. É a Imprensa, que aggride ou bajula, destruindo tudo que a alma possue de mais nobre e mais lindo, para erguer, sobre a ruina, as construcções do mal!378
Vinculado, igualmente, a uma lógica conspiratória, o periódico
“Alliancista – Órgão da ‘Alliança Mattogrossense’”, apresentou os levantes de
1935 como uma “intentona” fracassada e falaciosa, engendrada por traidores
aliados ao “credo moscovita”:
É sabido que o komintern cujus processos de luta, na phase de preparação revolucionaria, consistem, principalmente, na mentira, no embuste, no disfarce, na mystificação, na astucia, na trahição, no mascaramento mais cynico de attitudes, ordenou aos seus corypheus do Brasil, depois do fracasso da intentona de Novembro de 35, que abjurassem, de publico e razo, para escaparem ás sancções da lei de segurança o credo moscovita379
Este fragmento é parte do discurso realizado pelo deputado
estadual, Agrícola Paes de Barros, pronunciado no dia 6 de agosto de 1937,
na Assembleia Legislativa do Estado, e objetivou alertar que a ação dos
comunistas soviéticos ainda estaria presente junto aos brasileiros, mesmo
após repressão aos levantes de 1935. Mas, em 1937, os “homens do complô”
comunista agiriam de maneira disfarçada, sorrateira e mascarada. Negavam,
em público, serem aliados do “credo” de Moscou, no objetivo de continuar a
colocar em prática suas estratégicas e escapar da rigorosa vigilância da lei.
378 MESQUITA, José Barnabé. As duas imprensas. O Matto Grosso. Orgam dedicado aos interesses do povo. Cuiabá, 28 nov. 1936, Caderno 128 da 3ª fase. 379 A “União” - instrumento consciente ou inconsciente – do komitern. Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 17 out. 1937, Caderno 3, p. 2.
160
Contudo, essa tática teria sido desvelada pelo Chefe da Polícia do governo
Vargas, o mato-grossense Filinto Müller:
Não ha, no Brasil, quem ignore essas instrucções do Komintern porque foram ellas descobertas a tempo pela polícia de Filinto Muller, - sentinella vigilante das instituições e da civilização christã brasileiras – e divulgadas a tempo de se precatar a nação contra semelhantes manifestações de arrependimento tardio e solerte. Sabido como é que comunismo é, por assim dizer, o banditismo codificado: que o crime é a base dessa philosophia maldita; que a deshonra é aconselhada por esse tenebroso credo; que na destruição completa e impiedosa do nosso grandioso patrimonio moral e christão é que pretende o credo moscovita erguer, no Brasil, a instituição do amôr livre e do paganismo; que a mentira, a calumnia a infamia, o disfarce mais descarado são as armas mais poderosas;380
O mote aqui ansiou instaurar o comunismo como uma “crença”
exógena e estranha à civilização brasileira e cristã. Uma ameaça que
propagaria o caos, o “amor livre” e o “paganismo”, e pronta para se utilizar
da imprensa como forma de infiltração:
Essa capacidade de infiltração e de dissimulação dos communistas que, sob esta e outras formas, vão minando todo nosso organismo social; essa capacidade de mystificar que vae ao ponto de transformar jornaes democraticos em doceis instrumentos de seus manejos inconfessaveis, é que nos faz pensar na extensão da trama que nos envolve, é que nos faz meditar horrorizados no dia de amanhã se, por desgraça suprema, virmos a ser presa das hordas barbaras de Moscou, é que nos põe alerta, -em sentido!- de pé, na defesa da honra das nossas famílias e nos suggere o appello que destas columnas formulamos aos nossos confrades: para que não sirvam de instrumentos dos baixos manejos communistas; para que expulsem do corpo de seus collaboradores esses vendilhões do templo; para que pensem, finalmente na família brasileira que essas bestas
380 Ibid.
161
féras querem lançar nos braços do amôr livre, e gritem, conosco, lealmente NÃO, ALTO LÁ! PARA TRAZ COMMUNISTAS!381
Há diversas referências neste trecho do discurso do deputado
estadual Paes de Barros, onde primeiramente atenta-se para o perigo da
corrupção da imprensa em prol da causa comunista, como ainda a
correspondência com as falas religiosas e moralistas contra o comunismo, já
discutidas no capítulo anterior.
Destaca-se, porém, a tradução do comunismo como uma
expressão bestial capaz de minar o “organismo social”. Dessa maneira,
encontra-se no “Alliancista” uma representação imagética, também
visualizada em outros jornais382 aqui pesquisados, que relaciona o
comunismo a uma figura animalesca, uma “besta fera”. Um simbolismo
mitológico denominado por Girardet de “bestiário do complô”, produtor de
representações iconográficas e textuais que associam o inimigo a seres
peçonhentos, venenosos, rastejantes, imundos, e transmissores de
doenças383, capazes de contaminar e destruir todas as esferas da sociedade.
Tal apropriação foi realizada em um outro exemplo partilhado no
jornal aliancista, onde o comunismo esteve comparado a uma hidra, animal
da mitologia grega com corpo de dragão e várias cabeças de serpentes
381 Ibid. 382 “A Pena Evangélica” informa que um periódico do Rio de Janeiro, sem citar o nome, chama o comunista Luiz Carlos Prestes de lobisomem. Cf. Coluna “Última hora”. “A Penna Evangélica” - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 04 mar. 1936, Caderno 439, p. 2; Por sua vez, José de Mesquita afirmou que o socialismo seria um lobo com aparência de ovelha para enganar e ludibriar o operariado. Cf. MESQUITA. A religião e o operariado. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá/MT; 18 dez. 1932; Caderno 1059, p.1. Mas em “A Cruz” há outras associações do comunismo como uma expressão animalesca e bestial, trazendo referências como a de dragões, tentáculos e algo desumano, e podem ser vistas, como exemplo, nas seguintes edições: Ed. 939 de 31 ago. 1930, p. 2; Ed. 1040 de 07 ago. 1932, p. 2-3; Ed. 1052 de 30 out. 1932, p. 1 e 2. 383 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 44-45.
162
venenosas, e a um polvo cheio de tentáculos viscosos: “[…] doutrina
condemnada pela gente culta, hydra e polvo, cujos tentaculos ameaçam as
nossas instituições democraticas.”384 Conforme Verônica Karina Ipólito, em
sua tese “O vermelho que violenta a ordem”, o imaginário anticomunista, por
diversas vezes, utilizou-se da imagem do polvo, reproduzido como um animal
devorador, cujos tentáculos simbolizariam o avanço e a dominação comunista
pelo mundo.385
O órgão da “Alliança Matogrossense”, assim como “O Matto
Grosso”, foi um jornal pertencente a um grupo político, a Aliança Mato-
Grossense - liderada pelos senadores João Vilasboas (1891-1985) e
Vespasiano Barbosa Martins (1889-1965), congregando parte dos membros
dos antigos partidos Evolucionista e Liberal. Seus componentes apoiaram a
liderança política dos irmãos Filinto e Julio Müller, destacados aliados de
Getúlio Vargas e fizeram intensa oposição aos representantes do antigo
Partido Republicano Mato-Grossense, de Mário Corrêa da Costa.
Para o historiador Valmir Batista Corrêa, os partidos republicanos
estaduais qualificaram-se como instrumentos das oligarquias locais que
dificilmente transpunham os limites de suas fronteiras, ou seja com restrito
alcance nacional. Também se caracterizavam por uma “vida efêmera”, com
arranjos e rearranjos estratégicos em torno das eleições, ou mesmo para fixar
oposição ao grupo oligárquico presente na liderança do Estado,386
Nascidos normalmente para atender a interesses imediatos, os PRs regionais nem sempre demonstravam claramente seu papel político, seus programas, plataformas
384 Festa da bandeira em S. Antonio do Rio Abaixo. Alliancista – Orgam da “Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 28 nov. 1937, Caderno 14, p. 1, grifo nosso. 385 IPÓLITO, Verônica Karina. O vermelho que violenta a ordem: os comunistas sob o olhar da DOPS no Paraná. Tese de Doutorado em História, UNESP, Assis, 2016, p. 168-169. 386 CORRÊA, Valmir Batista. Partido Nacional dos Pobres (Campo Grande, 1934). In: Estudos Regionais, 1981, p. 57-58.
163
e objetivos. E utilizando comumente o jornalismo como veículo de propaganda política e de defesa de suas posições partidárias387
Refletindo essa conjugação, os impressos de “O Mato Grosso” e o
“Alliancista” configuraram-se como espaços de defesa de interesses políticos
oligárquicos e partidaristas, que mudavam de posição à medida que suas
lideranças se rearticulavam no jogo político.
O senador Vilasboas foi exemplo dessa dinâmica política
conveniente, pois anteriormente atuava pelo Partido Liberal, ajudando Mario
Correia a ser eleito governador do Estado, pela Assembleia Constituinte
Estadual de 1935. Mas, já em 1936, o acordo se desarticulou diante da crise
das contas públicas estaduais, e Vilasboas migrou para a Aliança Mato-
Grossense. Os ânimos se acirram entre o grupo político dos senadores
Vespasiano e Vilasboas e os partidários republicanos mato-grossenses,
culminando em um conflito armado, em 22 de dezembro de 1936. Para se
protegerem, os dois senadores tiveram que se abrigar no quartel do 16º BC
e a situação somente foi controlada com o envio de tropas federais à
Cuiabá.388
O “Alliancista” originou-se do jornal Evolucionista, submetido à
censura nas eleições municipais de janeiro de 1936.389 O primeiro número do
“Alliancista” circulou em 10 de outubro de 1937, um mês antes da instituição
do Estado Novo, e transpôs constantemente os acontecimentos de 22 de
dezembro de 1936, como um marco de resistência e triunfo diante da
derrocada do governo de Mario Corrêa (em março de 1937) e posterior
ascensão de Julio Müller ao comando do Estado:
387 Ibid. 388 MENDONÇA, Rubens. História de Mato Grosso. Cuiabá: Instituto Histórico de Mato Grosso, 2ª ed., 1970, p. 112-114. 389 Idem, p. 114.
164
Um anno decorreu ontem do misero attentado de que foram victimas nesta capital, os eminentes mattogrossenses Drs. João Villasbôas e Vespasiano Martins, então nossos egregios representantes na Camara Alta do Paiz. Não houve, nesta terra, quem não se lembasse daquella scena vandalica, friamente planejada e executada com todo requinte de selvageria, pelo mais truculento dos governos que infelicitou o nosso Estado. (…) Assim como nas luctas travadas em torno de um ideal, o martirio de que se lança mão para anniquilla-lo é a aurora do seu triumpho, assim tambem o sangue de Villasbôas e de Vespasiano Martins, foi o clarão annunciador da nossa vitoria, projectado na noite escura e tormentosa que vinhamos atravessando.390
Mesmo fiéis ao seu passado político, os membros do jornal
“Alliancista” não mediram esforços para propagar o apoio ao governo de
Getúlio Vargas, ainda enquanto presidente Constitucionalista. Já no Estado
Novo, promoveram Vargas, nos moldes de uma propaganda nacionalista,
enquanto líder redentor e nacional. E justificaram o regime varguista,
levando-se em consideração o combate aos “inimigos da pátria”, entre eles o
comunismo: “salvador da nossa nacionalidade. Reagiu na altura que devia
reagir, contra as sucessivas investidas dos inimigos do regimen e da ordem
que se avolumavam cada vez mais.”391
O patrocínio ao Estado Novo não poupou esforços, mesmo que
isso ferisse a identidade política do “Alliancista”. Logo após a extinção dos
partidos políticos pelo regime, o jornal altera o seu título, retirando a
denominação “Orgam da Alliança Matogrossense”, passando a se chamar
“Alliancista – Órgão Independente”, já a partir da 15º edição, de 05 de
390 22 de Dezembro – Uma pagina negra da historia politica de Matto-Grosso. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, 23 dez. 1937, Caderno 18, p. 1. 391 Novos Rumos – O patriotismo nunca desmentido das nossas classes armadas, traça novos rumos á nossa nacionalidade. Alliancista – “Orgam Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 14 nov. 1937, Caderno 10, p. 1.
165
dezembro de 1937.
Assim, os escritores do jornal, em sintonia com as estratégias
políticas do governo e de seus apoiadores, defenderam a aplicação de
medidas repressivas contra o comunismo e utilizaram-se de fortes
referências nacionalistas para isso, tendo em conjunto uma campanha de
exaltação da imagem de Vargas:
felizmente o gesto nobre e edificante do grande Presidente Getúlio Vargas porá o nosso paiz a cavalleiro da situação deprimente que estava a crear para elle os hipocritas pregoeiros do communismo. Felizmente esse gesto sublime que tanta resonancia teve em toda a vastidão do territorio patrio e que veio arregimentar todas as energias do nosso paiz em torno da figura mascula desse grande brasileiro a que estão hoje entregues os destinos da nossa nacionalidade, felizmente, esse gesto sublime, repetimos, distanciará cada vez mais de nós a possibilidade de sermos colonia de Moscou.392
Essa ordem em sentido patriótico forjava um país classificado por
conservadores como pacífico e de uma população resignada, o que seria
característico da “alma brasileira”. O comunismo foi entendido sim como uma
composição perigosa à nação, mas o argumento para seu aniquilamento
serviu de grande instrumento para instauração de um regime de líderes
“salvadores” contra os “traidores da pátria”393 e a ameaça forasteira. Os
defensores da nação conquistaram os louros da vitória reprimindo a ameaça
estrangeira e vermelha, em nome da preservação nacional.
Exaltou-se, dessa forma, as principais figuras do Estado Novo,
como Getúlio Vargas e Filinto Müller, e a de seus representantes locais, como
o interventor Júlio Müller e seu Secretário de Estado, João Ponce de Arruda.
392 Tentativa frustrada. Alliancista – “Orgam Alliança Mattogrossense”, Cuiabá, 28 nov. 1937, Caderno 14, p. 1. 393 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 56.
166
Mesmo em apoio ao regime, registra-se no Arquivo Público do Estado de
Mato Grosso, em janeiro de 1938, a última publicação do jornal “Alliancista”.
Nessa última edição identificada, verifica-se novamente o episódio
envolvendo a disputa política com os republicanos:
Na data de 5 de janeiro (?), “O Evolucionista”, órgão da extincta Alliança de Partidos e que se editava nesta cidade, publicava, entre duvidas e aprehensões, na sua primeira pagina, a noticia horripilante da scena de vandalismo, a mais trafica das que infelizmente têm nodoado a historia politica da nossa terra-o attentado de 22 de Dezembro de 1936, contra a vida de dois Senadores da Republica. Uma duvida terrivel, como uma sombra negra pairava sobre a nossa terra, enchendo de sérios pressentimentos a alma das nossas famílias.394
Não era condizente em um regime autoritário ter um impresso
que estampasse em sua capa o nome de um antigo partido e que ainda fazia
constantes referências à sua história. Nas ditaduras se almeja instituir, pela
força e pela propaganda, apenas uma narrativa e somente uma versão sobre
o passado395, ainda que outros passados, como o episódio de 22 de
dezembro de 1936, permanecessem latentes. Todavia, para os redatores do
“Alliancista”: “[…] não é missão nossa agora, recrudescer essa chaga, cuja
lembrança ainda permanece viva na memoria de todos”.396
O governo varguista combateu vigorosamente os conflitos
políticos regionais ao longo das décadas de 1930 e 1940, tendo Vargas
394 Anno Novo. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, jan. 1938, Caderno 20, p. 1. 395 O Estado Novo se preocupou com a construção de uma história que favorecesse seus preceitos políticos, e, para tanto, estabeleceu um rígido controle sobre a produção de ensino de História. Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Lourival Fontes no DIP articularam a promoção de uma História do Brasil do fim do século XIX até o Estado Novo que prezou para a construção de uma única história, desconsiderando as especificidades e particularidades de cada período, como também, as divergentes visões historiográficas. Cf. GOMES, Angela de Castro. História e Historiadores; Rio de Janeiro: FGV, 1996. 396 Anno Novo. Alliancista – “Orgam Independente”, Cuiabá, jan. 1938, Caderno 20, p. 1.
167
interferido no estado por meio de um projeto saneador e moralizador,
repreendendo grupos armados, contrabandistas e o poder dos coronéis.397
Dessa maneira, expressando as diretrizes da aliança com Vargas e
com a família Müller, os promotores do “Alliancista” silenciaram as chagas de
seu passado de ardentes disputas políticas. Em primeiro plano, a missão
desse jornal, vinculado a membros de uma elite política conservadora, foi
proporcionar aplausos e sustentação aos “novos ventos” e ao “novo” regime.
Sua aliança foi primordial com o ordenamento autoritário, retratado,
contraditoriamente, como tempo de “paz”, “liberdade” e “sossego”, e dando
voz à batalha contra o comunismo:
Felizmente, para a honra do nosso povo e gloria dos nossos foros de civilisação, outros zéfiros desfraldam a flámula auriverde, emblema sagrado da nossa Patria, e nova auróra, promissora, dealba no horizonte mattogrossense, anunciando, num (?) perene de paz, a liberdade e o sossêgo de que tanto carece o nosso povo para a concretisação dos seus puros ideaes de concordia, de grandeza e prosperidade. Hoje, vendo assegurados todos os seus direitos, livre das ameaças moscovita, que tentou desgraçadamente villipendiar o nosso passado de tradições das mais honrosas, a nossa nacionalidade se sente disposta e confiante no porvir sempre grandioso da terra extremecida.398
Segundo Maria Helena Capelato, intelectuais e políticos de
tendências antidemocráticas evidenciaram uma inquietação com as questões
sociais e debateram formas para imposição do controle das massas.399 Nesse
sentido, o uso de referências nacionalistas foi bastante apropriado para a
construção de uma única identidade nacional coletiva, em oposição à
397 CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso: (1889-1943). Campo Grande: Ed UFMS, 2006, p. 165-177. 398 Idem. 399 CAPELATO, Maria Helena. Op. Cit., 2007, p. 109;
168
imagem ameaçadora de um estrangeiro que estimularia as lutas de classes e
a divisão social:
O comunismo habitava os pesadelos dos conservadores, à medida que representava o fantasma da desagregação, da ruptura da ordem e da unidade orgânica da nação. Ele era a personificação do estrangeiro, do alienígena, em uma palavra, do “outro”.400
Essa unidade nacional comportaria a expressão de um brasileiro
ordeiro, disciplinado, que não questionaria as forças hierárquicas
dominantes. A representação pela união nacional, pela sua segurança e
ordem esteve envolta de heróis, símbolos e da ideia de uma massa uniforme,
anulando e diluindo as diversidades, conflitos, erros, derrotas e injustiças.
Dentro dessa construção, as lutas de classes não fariam sentido aqui, pois as
distintas camadas sociais conviveriam em “perfeita harmonia”, conforme
espelhado por artigo do intelectual nacionalmente reconhecido e de
pensamento conservador, Oliveira Vianna401, publicado no periódico “A
Cruz”:
É preciso que fique bem assentado este ponto: no Brasil, as classes proletárias não precisam, empregar a violência, para conseguir a realização das duas aspirações de justiça social. Em nossa historia, nunca houve (apesar do que sustentam em contrario a mim, alguns sociólogos nosso) lutas de classes. Não há, nas chamadas classes burguesas, para com
400 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 55-56. 401 Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) foi um Intelectual que contribuiu direta e indiretamente com a consolidação dos projetos políticos dos governos de Vargas: “membro importante do corpo de governo da Era Vargas, com as seguintes atribuições: Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho (1932-1940); integrante da Comissão Especial encarregada do anteprojeto da Constituição (1933); integrante da Comissão Revisora das Leis do Ministério da Justiça (1939) e Ministro do Tribunal de Contas da República (1940-1951).” Cf. SILVA, Fernanda Xavier da. A formação do Brasil moderno em dois tempos: uma análise comparada do pensamento de Oliveira Vianna e Hélio Jaguaribe. Tese de Doutorado em Sociologia, UNICAMP, Campinas, 2013, p. 7.
169
as classes trabalhadoras, nenhum sentimento de instransigencia e hostilidade, como em outros paizes de velha civilização.402
Partilhando das considerações de Angela de Castro Gomes,
Oliveira Vianna, unido a outros pensadores, fez parte e adesão de uma
cultura política expressa pela idealização da formação de um país moderno,
baseado em uma economia urbana e industrial.403 Nesta perspectiva, Vianna
formulou propostas que objetivavam superar o considerado atraso histórico
de um país limitado por seu passado colonial: de falta de governo, saúde,
educação, opinião pública e outras carências e características de uma
sociedade moderna.404 O conjunto de sua obra obteve grande repercussão e
receptividade junto a imprensa, editoras, leitores e junto ao governo, onde
atuou como consultor jurídico do Ministério do Trabalho (1932-1940).405
As formulações molduradas por Vianna no periódico “A Cruz”
refletiram as aspirações de uma cultura política autoritária e a “construção
simbólica da identidade nacional” que naturalizavam as desigualdades entre
os seres humanos.406 Tais proposituras defendiam um projeto social
402 VIANNA, Oliveira. Communismo, Nacionalismo e Constituição. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT; 1º mar 1936; Caderno 1223, p.2. 403 GOMES, Angela de Castro. Oliveira Vianna: o Brasil do insolidarismo ao corporativismo. In.: LIMONCIC, Flávio; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. Os intelectuais do antiliberalismo: projetos e políticas para outras modernidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 205-211. 404 Segundo Gomes, a concepção de que o Brasil era atrasado por seu passado histórico já estava dispersa e ainda se faz presente na imprensa, meio intelectual e no senso comum, tendo por referência o modelo social, econômico e político de países europeus e dos Estados Unidos. Para superar tal “atraso” e falta de solidariedade social, Vianna, um intelectual antiliberal, defende a formulação de um Estado forte e autoritário que deveria conduzir a sociedade para “novas regras de convívio e cooperação”, ou seja, um modelo social e político alicerçado no corporativismo. Cf. GOMES, Angela de Castro. Oliveira Vianna: o Brasil do insolidarismo ao corporativismo. In.: LIMONCIC, Flávio; MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. Os intelectuais do antiliberalismo: projetos e políticas para outras modernidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 207-209. 405 Idem, p. 205-206. 406 Idem, p. 211-217.
170
rigorosamente conduzido pelo Estado e em contraposição a “uma sociedade
fundada no dissenso, postulando a tendência à unidade em todos os
aspectos, fossem econômicos, políticos, sociais ou morais”.407
Dentro dessas reflexões, é possível concluir que os escritores dos
jornais, sejam políticos ou religiosos aqui analisados, constituíram, entre os
anos 1935 e 1937, uma “frente anticomunista”, embora possuíssem posições
distintas e divergentes. Na perspectiva de Rodrigo Patto Sá Motta, tanto em
1935/37, como em 1964, diferentes setores sociais como Igreja, militares,
empresários, intelectuais, governo, constituíram uma mobilização nacional
que caracterizou o comunismo como o grande adversário da nação.408
Sob o propósito de defender a pátria, apoiaram, em conjunto,
ações de violência do Estado, mesmo que para isso partidos fossem extintos,
órgãos de imprensa censurados e o passado “amordaçado”. Dessa forma, não
apenas o comunismo seria silenciado, mas todas e quaisquer divergências
que ameaçassem a idealização de uma homogeneidade social e que
perturbassem a constituição historicamente excludente da nação brasileira.
Comunismo – A utopia “extremista” frente às ideias liberais
Para Carla Luciana Silva, intelectuais e a imprensa brasileira,
incorporando inclusive textos estrangeiros, retrataram o comunismo como
um sistema de “miséria e tirania”. Um regime fadado ao fracasso, limitador
das garantias individuais e da propriedade privada. Assim, as campanhas
anticomunistas classificaram a União Soviética como um ambiente isolado e
que havia iludido seus operários, condenando os mais humildes a um cenário
de sangue e pobreza, enquanto as lideranças comunistas viveriam uma vida
407 Ibid., p. 222. 408 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 57.
171
luxuosa.409
Os jornais cuiabanos analisados também fizeram uso da
propositura dessa construção. No artigo “A Rússia empobrece-se sob o
regime soviético – Um pouco de estatística”, o jornal do Partido Republicano
Mato-grossense trata de uma publicação do Serviço de Imprensa do
Departamento Nacional de Propaganda, e fica evidente a defesa da livre
iniciativa comercial baseada no lucro. Em contrapartida, há uma propagada
ineficiência do regime econômico socialista russo, com base em estatísticas
que não problematizaram a nova realidade soviética:
Examinando os proprios dados officiaes, nos quaes, se erros existem, são no sentido de favorecer o regimen – verifica-se que a actividade da producção teve, nos 19 annos de experiencia communista, uma baixa de 14%. A Russia dos tempos do Tzar exportava mais de um bilhão e oitocentos milhões de francos ouro, de cereaes. Toda a exportação de productos agricolas, em 1934 não ia além de alguns milhões de francos. A lição da Russia é clara: todas as vezes que os dirigentes sovieticos pretendem aplicar ao campo as suas doutrinas theoricas o descalabro é fatal. Quando acontecer baterem em retirada, forçados pela pressão da fome e das revoltas que nem sempre é possivel afogar em sangue-a situação melhora. (...) Sem liberdade e sem esperança de lucro não ha trabalho efficiente, nem há progresso possivel.410
A equipe editorial de “O Matto-Grosso” retratou o sistema
econômico socialista como disseminador da pobreza e destinado ao fracasso.
Contudo, como aponta Hobsbawm, a economia do socialismo real
implantada na União Soviética teve várias fases e estágios. Antes da
consolidação do Estado “bolchevista” a Rússia havia recém-saído da Primeira
409 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 133-139. 410 A Rússia empobrece-se sob o regime soviético – Um pouco de estatistica. O Matto Grosso – Orgam dedicado aos interesses do povo, Cuiabá, 07 jul. 1936, Caderno 31, 3ª fase.
172
Guerra Mundial, e de uma Guerra Civil (1918-1920)411, encontrando novos
desafios e adaptações de um inédito sistema que enfrentou o isolamento e
boicote de países capitalistas, o que representou considerável baixa em suas
exportações e investimentos: “Assim, a jovem URSS foi necessariamente
lançada num curso de desenvolvimento autossuficiente, em virtual
isolamento do resto da economia mundial”.412
Após a vitória dos revolucionários no conflito interno, Lenin
planeja um sistema denominado de Nova Política Econômica (NEP),
alicerçado na economia de mercado camponês, mas controlada pelo Estado
e de planejamento gradual para sua transformação em uma base
exclusivamente socialista. A NEP não conseguiu ampliar o parque industrial
da União Soviética, mantendo-se, sobretudo, ligada ao ambiente rural, mas
permitiu a restauração da produção industrial aos níveis anteriores à
guerra.413
Já com Joseph Stalin, a partir de 1928, ocorreu um processo de
industrialização intensa, nivelado a um programa de planejamento e
modernização da economia. A nova diretriz deu prioridade à indústria de
base (produção de energia, petróleo, carvão, ferro e aço), controlada por uma
estrutura estatal altamente centralizada. Deste modo, a União Soviética
manteve elevadas taxas de crescimento na década de 1930, enquanto o
mundo capitalista amargava uma crise sem precedentes em sua história,
contrariando os roteiros que constituíram o socialismo soviético como um
caos econômico.414
411 Os “bolcheviques” tiveram que enfrentar uma guerra civil contra forças absolutistas e burguesas, respaldadas com recursos estrangeiros, que desejavam retomar o poder, entre 1918 e 1920, conflito este que fragilizou imensamente a economia russa. Cf. HOBSBAWM. Eric. A revolução mundial. In.: ____. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-89. 412 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 366. 413 Idem, p. 363-371. 414 Idem.
173
Como já afirmado, de todos os jornais aqui analisados, “A Cruz”
foi o mais combativo em relação ao comunismo e sua leitura foi favorecida
pelo grande número de periódicos disponíveis nos acervos pesquisados. Este
jornal também estruturou o comunismo, já em 1930, como um sistema frágil
economicamente e uma utopia inspirada no socialista Etienne Cabet (1788-
1856):
A Russia despenhou-se pelo declive da mais perigosa instituição social, saindo, por assim dizer, de uma pobreza sem andrajos para uma verdadeira miseria de mulambos. Da crise economica foi ter á crise social e com esta a excruciante miséria da infeliz experimentação de um regimen já fracassado nas aspirações de Cabet.415
Identifica-se aqui uma confusão contextual neste trecho da
publicação católica, pois Cabet416 foi um socialista utópico, com
compreensões distintas das propostas pelo socialismo de Marx e que
influenciou as bases revolucionárias da Rússia. Nos primeiros anos da década
de 1930 é possível notar pouca familiaridade do jornal católico com as bases
teóricas marxista e leninista do socialismo russo, o associando inclusive ao
anarquismo, conforme trecho publicado da palestra do cuiabano e membro
da Academia Mato-Grossense de Lestras, Nilo Póvoas (1891-1967):
“O ANARQUISMO”, estudo minucioso, desenvolvido com rara penetração e proficiência, sobre as multifárias correntes filosóficas que assoberbam hodiernamente os espíritos com os espalhafatosos rótulos de “MARXISMO”, “BOLCHEVISMO”, “SOVIETISMO”, “COMUNISMO”, e quejandos e ateando por tôda a parte o facho da revolução,
415 Rússia Bolchevista. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 09 nov. 1930, Caderno 949, p. 2. 416 Ver: MANIKA, Rodrigo Wünsch. Liberdade e igualdade no pensamento utópico de Etienne Cabet. Revista Vernáculo, n. 23 e 24, 2009.
174
com sério gravame para a ordem e harmonia social.417
Todavia, a partir de 1932, essas confusões entre socialismo
utópico, anarquismo e comunismo diminuem, sem, no entanto, gerar
qualquer prejuízo ou diminuição no arsenal argumentativo que ansiava
traduzir a vida na União Soviética como caótica e miserável. E para dar
credibilidade às suas falas, “A Cruz” utilizou inclusive a exposição de relatos
de viajantes que teriam conhecido o regime de perto.
O fragmento abaixo repercute o discurso do deputado e jornalista
Rosário Congro (1884-1963), na Assembleia Constituinte do Estado, sessão
do dia 28 de novembro de 1935. Este deputado mencionou o relato
publicado no jornal “A Razão”, de Cáceres, que destaca a entrevista do
jornalista Gondin da Fonseca ao jornal “Correio da Manhã”, que em visita à
Rússia, acabou se decepcionando com o país socialista, narrando um cenário
de miséria, fome e cerceamento das liberdades mais básicas:
Na Russia há fome, opressão, mendigos. Todas as liberdades foram suprimidas. Todas! Não só as vulgares liberdades acadêmicas, consagradas em velhas e novas democracias, como até a simples liberdade de locomoção que mesmo os cães possuem. Quer um cidadão russo viajar dentro da Russia? Impossivel, a menos que obtenha permissão especial das autoridades. Mudar de quarto? Utopia irrealizável. Tudo se permitte apenas áquelles que estão nas graças do poder, considerados satisfeitos e adeptos fervorosos do regimen tiranico que substituiu o terror czarista pelo mais grave ainda terror soviético.418
Gondin da Fonseca foi enviado à Rússia pelo jornal “Correio da
417 PÓVOAS, Nilo. Catholicismo, obscurantismo e analphabetismo – 4ª conferência da série organizada pela Liga Católica, proferida a 21 de abril de 1929, pelo Prof. Nilo Póvoas. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 31 ago. 1930, Caderno 939, p. 2. 418 CONGRO, Rosário. A Ilusão Comunista. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 22 dez. 1935. Caderno 1213, p. 1-2.
175
Manhã”, em 1934, momento em que se debatia o reconhecimento
diplomático da URSS. Seus artigos trataram de diferentes aspectos da Rússia,
desde o plano econômico até as particularidades do viver cotidianamente em
um país comunista. O jornalista se colocava como um escritor imparcial e sem
intenções de “atacar os Soviets”, mas com o intuito apenas de retratar o
mundo político e social em torno de Moscou. No entanto, as publicações de
Fonseca no “Correio da Manhã” fizeram parte da campanha anticomunista
deste jornal e os artigos do jornalista estiveram na direção de demarcar as
contradições vividas em um sistema político que defendia a igualdade, mas
onde, contraditoriamente, suas lideranças exploravam seu povo.419
Em outra avaliação, militantes e simpatizantes brasileiros das
propostas do marxismo-leninista também empreenderam viagens à Rússia
desde a década de 1920, e deixaram uma série de relatos acerca das
percepções que tiveram daquela inédita experiência comunista. Na obra
“Relatos de viagens à URSS em tempos de militantes comunistas brasileiros”,
o historiador Edvaldo Correa Sotana analisa livros, cartas, artigos e memórias
de intelectuais comunistas que estiveram na URSS. Durante as décadas de
1920 e 1930, destacam-se os nomes de Heitor Ferreira Lima, Caio Prado
Júnior, Astrojildo Pereira e o ex-tenentista Luiz Carlos Prestes. No entanto,
diferente de Gondin, os militantes comunistas difundiram uma série de
representações positivas em torno da União Soviética que, na contramão do
capitalismo, seria um lugar justo e onde os “sonhos revolucionários” teriam
obtido sua concretude.420
Para Sotana, as observações dos militantes e intelectuais
comunistas que estiveram na União Soviética foram marcadas por suas
419 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 160-161; 189. 420 SOTANA, Edvaldo Correa. Relatos de viagens à URSS em tempos de militantes comunistas brasileiros. Curitiba: Casa Editorial Tetravento Ltda. p. 37-38.
176
filiações políticas e práticas culturais, como também as interpretações dos
viajantes anticomunistas.421 Assim, os intelectuais comunistas brasileiros
representaram simbolicamente o “mundo soviético” “como um modelo ideal
de sociedade”422, não obstante seus relatos sobre as experiências vividas na
URSS incluíam críticas e reflexões sobre o regime423.
Por outro lado, nas páginas da publicação católica cuiabana,
marcando sua posição anticomunista, as únicas vozes eleitas a expor os novos
rumos da URSS foram a dos viajantes que traduziam a Rússia como uma
utopia repressora. E, propositalmente, os editores de “A Cruz” não
apresentaram e confrontaram outras perspectivas daqueles que estiveram
na União Soviética424.
Apesar da postura antiliberal da Igreja Católica, outro ponto
fundamental tratado na publicação “A Cruz” foi a defesa da propriedade
privada:
O communismo é pura utopia que não admitte o pronome meu nem seu; tudo é nosso. Se estivessemos num regimen communista, ninguém poderia dizer: minha casa, meu jardim, meus animaes. Casas, jardins e animaes seriam communs, pertenceriam a todos e a ninguém porque seria o governo quem distribuiria temporariamente essas cousas a quem quisesse.425
A defesa da propriedade privada foi um dos fatores
preponderantes para a Igreja Católica condenar e se opor ao socialismo. Na
421 Ibid., p. 223.
422 Idem, p. 224. 423 Idem, p. 226. 424 Outras edições do jornal “A Cruz” onde é possível verificar relatos de viajantes decepcionados com o comunismo soviético: 1291 de 4 jul. 1937, p. 1-2; 1273 de 21 fev. 1937, p. 2. Em “A Pena Evangélica” também se verifica tal mote discursivo na edição 481 de 26 dez. 1936, p. 6. 425 LEITE, João Carlos Pereira. Communicado – O comunismo rubro. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 11 dez. 1932, Caderno 1058, p. 1.
177
Encíclica “Rerum Novarum”, promulgada em 1891, do Papa Leão XIII (1810-
1903), constantemente referenciada por outros religiosos, defende-se que a
propriedade particular era um direito divino e natural, e os operários
deveriam conquistá-la através de seu trabalho.426 O controle da propriedade
pelo Estado foi considerado pelo papa como uma “subversão completa”427 e
contrária ao direito legítimo dos proprietários.
Importante observar, segundo Motta, que o anticomunismo
brasileiro, em defesa da propriedade, não necessariamente esteve em
acordo com uma “aceitação acrítica do capitalismo”428. Este foi o caso da
Igreja Católica e também dos colaboradores de “A Cruz”, que fizeram
reprovações ao capitalismo em sua expressão liberal. Fernando Saboia de
Medeiros, por exemplo, em artigo publicado no referido jornal, classifica o
liberalismo burguês como o precursor do comunismo e como uma premissa
individualista que teria afastado a sociedade da autoridade divina da Igreja:
Nos limites do egoísmo se estendem a revolta rousseauista contra o principio de autoridade e a insurreição communista contra o direito de propriedade. Dest’ arte se póde afirmar que o socialismo é consequência do individualismo. Pleitear a egualdade de direitos é assumir um titulo á defesa da igualdade de bens. (...) As fronteiras do egoísmo excluem os domínios da religião e do sobrenatural. Separar a Egreja do Estado, considerar a religião um acto unicamente do fôro interno, admittir a autoridade enquanto simples elemento humano da sociedade civil, são outras tantas premissas do individualismo burguez.429
426 MENDES, Claudinei Magno Magre; OLIVEIRA, Terezinha, PERIN, Conceição Solange Bution. Do Antissocialismo ao Anticapitalismo: um estudo sobre a Rerum Novarum. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IX, n. 25, Maio/Agosto de 2016 - ISSN 1983-2850, p. 294. 427 Rerum Novarum, § 3. 428 MOTTA, Rodrigo de Patto Sá. Op. cit., 2000, p. 64. 429 MEDEIROS, Fernando Saboia. Reconstituição social. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 14 jul. 1935, Caderno 1190, p. 1-2.
178
A “revolta” de Rousseau, ou seja, os ideais que inspiraram a
Revolução Francesa teriam afastado o Estado da Igreja, e junto com a
Revolução Russa, propagaram ideias egoístas que representariam o
rompimento e insubordinação do homem frente ao domínio sobrenatural da
Igreja. E mais, a luta pela igualdade de direitos promovida pelo liberalismo,
teria permitido a luta comunista pela igualdade de bens.
Em sentido argumentativo próximo, e servindo-se das
considerações do Papa Pio XI, a Carta Pastoral de Dom Aquino, “Deus e
Pátria”, publicada no jornal “A Cruz”, classificou o materialismo marxista
como expressão de uma “economia moderna” e de uma mentalidade
racionalizada, “divorciada da lei moral” cristã, promovendo a destruição das
bases de uma sociedade coesa em torno da religião:
Fundamental nos parece a observação de Pio XI, que assim pondera: ‘Tendo a economia moderna principiado a organizar-se, exatamente quando as máximas do racionalismo haviam penetrado e arraigado em muitos espiritos, dahi nasceu, dentro em breve, uma sciencia economica divorciada da lei moral, o que resultou em dar-se redea larga, ás paixões humanas’. Do racionalismo ao materialismo, como se sabe, a estrada é franca e escorregadia (...)’. Não há lei alguma, que possa cohonestar semelhante situação. (…) D`aqui o combate a Deus e a todas as religiões. (...) D`aqui o anniquilamento de toda a organização social, em que hoje prosperam os povos. D`aqui, em suma, o bolchevismo da Russia sovietica e vermelha.(…)430
Agora, em relação “A Pena Evangélica”, seus articulistas
repercutiram suas vinculações protestantes e calvinistas, em conjugação com
430 Deus e Patria. Trechos da Carta pastoral de S. Excia. Revma. O Snr. Dr. Aquino Corrêa, sobre a actual socitação política do Brasil. A Cruz – Órgão da “Liga Catholica” da Archidiocese, Cuiabá, 10 jan. 1932, Caderno 1010, p. 1.
179
valores liberais e de um Estado laico. Como já discutido no capítulo anterior,
o calvinismo apresenta afinidades ao senso jurídico e empresarial do
capitalismo burguês.431 Mesmo diante da crise liberal democrática, os
jornalistas de “A Pena” defenderam este modelo político, em contrapartida
às outras opções classificadas como extremistas, perigosas e radicais. Assim,
trataram o comunismo como um extremismo de esquerda, em comparação
às expressões como o nazismo e integralismo tidas como extremismos de
direita:
Atrocidades, vandalismo, intuitos sanguinarios, de lado a lado. Fascismo e communismo. Communismo e fascismo, sob varios nomes nacionaes. Muda se o emblema mas no fundo é a mesma cousa. Seja o legendario feixe com a machadinha, seja a cruz swastica, seja o sigma – a idéa é a mesma – Estamos sob duas alternativas. Extremismo da esquerda, extremismo da direita. (...) Como bem acentuou o dr. Bianco Filho no seu discurso publico no “Dia da Patria,” devemos manter a Liberal Democracia e zelar pelas nossas tradições de honra e de liberdade. Mas a Liberal Democracia e as nossas tradições de honra e liberdade estão ameaçadas de morte pelo Integralismo e pelo communismo, os indesejaveis extremismos, da direita e da esquerda, como tambem acentuou nesta semana o senador João Villasboas. Christianismo é o de que precisamos. E os ideaes de Christo salvarão o mundo. Fóra de Christo não há salvação.432
O artigo acima é elucidativo sobre a posição dos membros e
colaboradores do jornal, que se colocaram a favor da democracia liberal até
pouco antes do início do Estado Novo. E dessa maneira, posicionaram-se
contra ditaduras que poderiam perseguir os indivíduos inclusive tendo em
consideração o exercício de sua fé.
431 Cf. WEBER, Max. Op. cit., p. 90-126. 432 Venha o Christianismo. A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 12 set. 1936, Caderno 466.
180
Atendo-se em específico ao comunismo, este foi tratado como um
caminho temerário que deflagraria contra as liberdades de expressão e
contra a propriedade privada, defendida como um princípio capitalista muito
caro para a ideologia privatista de protestantes originários de países como
Estados Unidos e Inglaterra433, como era o caso da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá.
Porém, ao final do artigo acima, promovendo um diálogo com a
fala do senador Vilasboas, o periódico manifesta que fora do cristianismo
“não há salvação”, contrariando sua posição em defesa pela liberdade e de
oposição aos extremismos. Evidenciou, assim, uma posição intransigente,
onde as ideias e pessoas que estivessem afastadas dos preceitos religiosos
cristãos não seriam recepcionadas e aceitas, polarizando o mundo em uma
fórmula dicotômica, entre cristãos e não cristãos, e entre o bem e o mal.
No empenho de combater a expressão “maléfica” do comunismo,
este foi qualificado de sistema tirânico e a encarnação mais exemplar de uma
ditadura expressa pela violência e censura. Os editores de “A Pena
Evangélica” destacaram essa colocação em suas notícias:
Noticias de origem russa disem que as desordens na Russia são cada vez mais espalhadas por toda a parte. O massacre é terrivel, e onde ha rios ou é perto do mar o governo bolchevista manda lançar os cadaveres a agua. A censura telegraphica não deixa dar pormenores da revolta434
Como discutido no capítulo anterior, as notícias não são
construções imparciais, de modo que a “A Pena Evangélica” proporcionava
uma seleção e tessitura de relatos que retratavam bastante da sua postura
433 SILVA, Paulo Julião. O Anticomunismo protestante e o alinhamento ao golpe militar (1945-1964). Curitiba, Editora Primas, 2014, p. 97. 434 O mundo em sete dias. A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 19 set. 1936, Caderno 480, p. 6.
181
em relação aos acontecimentos. O suplemento noticioso de “A Pena
Evangélica” não informou neste caso as fontes das “notícias de origem russa”,
mas paradoxalmente destacou as dificuldades de conseguir mais
informações diante da censura soviética.
Quanto à feição da repressão e terror stalinista, somente foi
possível ter uma ideia de sua abrangência após o XX Congresso do Partido
Comunista, em 1956, onde foram denunciados os crimes cometidos por
Stalin.435 Antes disso, a “cortina de ferro” imposta pelo ditador russo
dificultava o conhecimento amplo do que se passava na URSS. Hobsbawm ao
comentar sobre a troca e recepção de informações sobre os países socialistas
da União Soviética, destaca os obstáculos quanto à censura, língua e contexto
histórico dessa região:
Durante longos períodos, muito pouca informação sobre esses países pôde sair, e muito pouca sobre outras partes do mundo pôde entrar. Em troca, mesmo cidadãos não especializados mas educados e sofisticados do Primeiro Mundo muitas vezes descobriam que não conseguiam entender o que viam ou ouviam em países cujo passado e presente eram tão diferentes dos seus, e cujas línguas muitas vezes estavam além do seu alcance.436
O “Alliancista”, com a contribuição de Noemio Silva no artigo
“Democracia ou morte”, foi outro periódico que discursivamente defendeu a
democracia, nos momentos que precederam ao golpe do Estado Novo, e em
435 Jorge Ferreira, em “Prisioneiros do Mito”, traduz os impactos das revelações sobre o terror de Stalin, no XX Congresso do Partido Comunista, entre os comunistas brasileiros. Tal evento abalou as narrativas míticas sobre o “culto à personalidade” de Stalin e sobre o que era ser comunista, o que exigiu uma reforma desta concepção por meio da reafirmação de antigos valores revolucionários do marxismo-leninismo e abandono do stalinismo. Cf. FERREIRA, Jorge. 1956: o ano terrível. In.______. Prisioneiros do Mito – Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002, p. 290-302; 436 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 365.
182
oposição e proclamação do comunismo e integralismo como manifestações
extremistas:
Illudidos pelas labias dos extremistas, muitos brasileiros se deixaram embahir pelos cantos de sereia dos pseudos salvadores; porém hoje, não existe no Brasil quem ignore que tão pernicioso quanto o negregado credo communista, é o seu irmão gemeo o integralismo.437
Por outro lado, no mesmo artigo, revestiu a figura do presidente
Getúlio Vargas à qualificação de democrata, o mesmo governante que já a
partir de 1935 vinha consolidando um sistema de governo que cerceava
direitos e liberdades coletivas e individuais, com total apoio do Congresso
Nacional438: “Não ha duvida que a Nação deve vêr no Snr. Getulio Vargas a
maior sentinella da Democracia Brasileira.”439
Apesar dos jornalistas de “A Pena Evangélica” e “Alliancista” terem
se posicionado em prol da democracia, defenderam a repressão contra
aqueles qualificados de “extremistas e inimigos do Estado”. E verifica-se, logo
após a chegada do Estado Novo, sem nenhuma resistência, mas em evidente
respaldo, que “A Pena Evangelica” contemplou a instauração desse regime
como medida necessária para reprimir o comunismo e impedir a perturbação
da ordem. Assim, contra o “extremismo” vermelho, incoerentemente
associou o novo status político de novembro de 1937 como uma severa
medida para que se pudesse “desfrutar” da “verdadeira democracia”. Os
articulistas do jornal também fizeram votos de legitimidade à ditadura
Vargas, como uma ação “medicamentosa” e necessária que “cauterizaria” os
437 SILVA. Noemio. Democracia ou morte. Alliancista – Orgam Alliança Mattogrossense, Cuiabá, 14 out. 1937, Caderno n. 2, p. 1. 438 D’ARAÚJO, op. cit., 2000, p. 19 439 SILVA. Noemio. Democracia ou morte. Alliancista – Orgam Alliança Mattogrossense, Cuiabá, 14 out. 1937, Caderno n. 2, p. 1.
183
“males” no caminho da nação, geralmente incorporados como comunistas:
A vida collectiva, como o organismo humano, exige por vezes a intervenção cirugica, ou a applicação medicamentosa drastica (…) O Dr. Getulio Vargas, com a serena tranquillidade de quem cumpre o dever, vae reconduzindo o Brasil á pose da sua finalidade, sem abalos e com o applauso geral, e sem recúo cauterisando as fontes geradoras dos males que nos tomavam o caminho440
Os fragmentos aqui expostos fizeram parte da construção
imagética de um oponente “vermelho” e que respaldava medidas
repressoras para combatê-lo. Essa arquitetura conspiratória do medo, por
sua vez, auxiliou a instauração do Estado autoritário de Vargas: “Não há como
fazer a separação entre o que é ‘projeto do Estado’ dos interesses mais gerais
da sociedade, que apoiava e solicitava suas medidas, o que observamos
especificamente com relação às práticas anticomunistas”.441 Os jornalistas e
seus impressos aqui designados, juntamente a outros periódicos em nível
regional e nacional, constituíram parte desse apoio.
Entende-se nessa conjuntura que as narrativas aqui
problematizadas, em diálogo com as proposituras de Girardet, obedeceram
a uma série de formulações mitológicas, pois distorceram e negligenciaram
contextos, manipulando informações e designando o comunismo e suas
diversas manifestações estrangeiras e nacionais, como meras farsas
ditatoriais de Moscou.
Ampliando o debate, Hobsbawm ressalta que os movimentos
socialistas e trabalhistas, como sindicatos, cooperativas e partidos, em
essência são democráticos, pois se constituem por meio de assembleias e
440 O momento. A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 08 jan. 1938, Caderno 535, p. 1. 441 SILVA, Carla Luciana. Op. cit., p. 41.
184
eleições, permitindo as manifestações de oposição e até mesmo a
democracia direta. Contudo, não se deve negar que o poder revolucionário
russo, marxista-leninista, acabou por se concentrar em um modelo de
“socialismo real” unipartidário e centralizado. O que permitiu, sob a liderança
de Stalin, tornar-se altamente repressor, eliminando e perseguindo seus
próprios cidadãos soviéticos. Contudo, o historiador britânico chama a
atenção para a leitura contextual da Revolução Russa, bem como, para seus
desdobramentos.442
O advento da Guerra Civil, por exemplo, contribuiu para a
instauração de um governo cada vez mais autocrata e a imposição do uso do
terror sobre os contrarrevolucionários. O Estado soviético ganhou então a
feição do centralismo, culminando, após a morte de Lenin, com a formação
de um poder absoluto nas mãos de Stalin. E este último se perpetuou pelo
terror e medo, aniquilando sumariamente seus adversários, que outrora
tinham sido aliados.443 Todavia: “Isso certamente não fora previsto por Marx
e Engels, e também não se desenvolvera na II Internacional (marxista)”.444
Diante das considerações aqui inseridas, em contrapartida, os
jornalistas cuiabanos dos periódicos analisados associaram o comunismo
estritamente ao regime político soviético. Intelectuais, religiosos e políticos,
tendo como instrumento as páginas dos impressos locais, instituíram as
traduções sob o regime russo e o comunismo como leituras estereotipadas,
omissas e carregadas de proposições ideológicas. Dessa maneira, ignoraram,
ou mesmo, suprimiram as diversas propostas marxistas que eram pensadas
sob o eixo democrático, a exemplo de Rosa Luxemburgo (1871-1919) que
defendeu a concepção democrática de socialismo por meio da propagação
442 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 376-385. 443 Idem. 444 Idem, p. 379.
185
da “ativa” e “enérgica” “vida política das massas”.445
Porém, tais leituras não devem ser desqualificadas como meras
farsas, já que influíram significativamente sobre a realidade, perpetuando e
consolidando formulações mitológicas sobre o comunismo, até hoje
presentes no imaginário político brasileiro.
Neste sentido, o anticomunismo manifestou-se nos quatro jornais
de representações religiosas e políticas como uma combinação importante,
em um momento de instabilidades políticas e sociais, como foram os anos de
1930, tanto a nível internacional, nacional e mesmo regional. E apesar de
suas diferenças e rivalidades, reuniram suas posições contra um “mal” capaz
de ameaçar suas tradições e objetivos de controlar e arregimentar as massas
em torno de suas convicções e aliados. Para tanto, qualificaram o comunismo
como extremismo e tirania, sem a apreensão de suas diversas visões,
contextos e expressões políticas. E de maneira divergente, não esconderão o
apoio ao regime repressor de Vargas – caso de o “Alliancista”, “A Pena
Evangélica” e “A Cruz” – em nome da pátria, da ordem e, paradoxalmente,
até mesmo da democracia.
Anticomunismo e o Estado Novo na imprensa religiosa cuiabana
Como já se colocou em evidência as relações entre as publicações
de o “Alliancista” e o Estado Novo, no subcapítulo “Os traidores da Pátria – O
445 Atenta às leituras dos escritos de Rosa Luxemburgo, a filósofa Isabel Maria Loureiro, destaca que a socialista polonesa defendia a formação de um “autogoverno” das massas baseado em conselhos, e não no modelo de representação parlamentar burguês. Ou seja, a democracia socialista de Luxemburgo previa: “participação de amplas massas populares procurando rapidamente transformar a ordem constituída e instaurar a igualdade econômica, política e social – isto é, uma verdadeira democracia – o que, no seu entender, é incompatível com o capitalismo. (...) Democracia, revolução e socialismo – eis o tripé em que se assenta a teoria política de Rosa Luxemburgo.” Cf. LOUREIRO, Isabel Maria. Democracia e socialismo em Rosa Luxemburgo. Revista Crítica Marxista, São Paulo, Xamã, v.1, n. 4, 1997, p. 45-57.
186
perigo vermelho afronta a nação”, interpretadas como uma relação fiel e
propagandística que exaltava os símbolos nacionais, faz-se necessário de
forma mais abrangente entender os posicionamentos políticos dos dois
jornais religiosos.
Importante destacar que não foi possível realizar uma análise das
relações do Estado Novo com o jornal republicano “O Matto-Grosso”, pois
este já havia sido extinto em março de 1937. Extinção esta que coincide com
a saída de Mario Corrêa da Costa do governo, que passou a ser conduzido
por um interventor federal até a eleição indireta pela Assembleia Legislativa
de Júlio Strubing Müller. Este último passou a governar a partir de outubro
de 1937 e continuou como interventor do Estado Novo até o final do regime.
Nas imprensas católica e presbiteriana cuiabanas, o
anticomunismo também fez parte da propaganda varguista. Novamente em
referência à historiadora Maria Helena Capelato, na obra “Multidões em
cena”, esta propaganda política instituiu paixões nacionais, promoveu o
medo e conspirações, apropriou-se da história, calou a esquerda e encenou
a imagem de um Estado harmonioso, centrado na figura de um mito
sacralizado, que se afirmava defensor do trabalhador brasileiro.446
O jornal católico “A Cruz”, em relação ao Estado Novo, auxiliou na
sacralização da liderança do regime e promoveu uma propaganda política aos
moldes de um órgão oficial do governo Vargas:
446 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit., 2008, p. 73-96.
187
Imagem 7: “Presidente Getúlio Vargas e seu aniversário natalício”, Jornal “A Cruz”, Caderno: 1527, 19 abr. 1942.
Getúlio Vargas contou com a afinidade e respaldo institucional da
hierarquia eclesiástica brasileira e mato-grossense desde sua ascensão à
presidência, pois perceberam na figura desse líder político uma aliança que
poderia reconciliar a presença do catolicismo junto ao Estado. A adesão do
catolicismo ao projeto nacionalista do Estado varguista representava a união
em torno de um “ideal de regeneração social e política do Brasil.”447
No período varguista, principalmente durante o Estado Novo,
estabeleceu-se em Mato Grosso uma política centralizadora, sob o título de
“Marcha para Oeste”, que objetivou ocupar a região incentivando o
povoamento por meio das migrações. O intuito era reduzir os aspectos
regionais e nacionalizar as fronteiras baseando-se em um discurso de
progresso e civilização, por meio da exploração e domínio das riquezas
naturais da região. Tal ação era partilhada pelos interesses e percepções do
episcopado mato-grossense, pois ambas as esferas visavam “sanear,
447 MARIN, Jérri Roberto. A Igreja Católica em terras que só deus Conhecia: o acontecer e “desacontecer” da Romanização na Fronteira do Brasil com o Paraguai e Bolívia. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2009, p. 473.
188
moralizar e civilizar a fronteira oeste”448. Estaria, nesse sentido, inaugurada
uma nova fase de “colonização”, que se distinguiria por conta de seus “bons
propósitos”:
Sendo a vida perpetua renovação é natural que se cogite agora, embora, por enquanto, sob a forma de bôa intenção, de retomar a marcha para oeste do Brasil, não para dilatar o meridiano, frear selvícolas e descobrir ouro e gemas preciosas, mas para levar a civilização e o progresso a essa imensa região desaproveitada, incorporando à Nação as formidandas riquezas naturaes que a tornam privilegiada.449
No periódico católico a plena adesão a Getúlio Vargas já se
delineou após os levantes comunistas de 1935, se efetivando em conjunto a
uma postura anticomunista, o que justificaria o apoio das medidas
repressivas de um Estado “forte”. Na sequência dos levantes de 1935, o
governo Vargas iniciou uma série de ações de exceção, como decretação do
estado de sítio450, com o objetivo de conter os opositores.
Como observado no Capítulo I, apôs os levantes, esquerda e
oposição, comunistas e oligarquias, foram perseguidos todos juntos e
processados pelo Tribunal de Segurança Nacional451, sob a justificativa de se
448 Ibid. 449 O Futuro de Mato Grosso. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 10 jul. 1938, Caderno 1344, p. 1. – Artigo republicado do jornal “Diário de Notícias”, de 28 jun. 1938. 450 Após os denominados levantes comunistas, a justificativa para fechamento do regime estava dada. O Congresso, a partir de novembro de 1935, passou a aprovar uma série de medidas que garantiam amplos poderes ao Executivo, como a decretação do Estado de Guerra, e em contrapartida, a esfera legislativa limitava sua própria ação. Mesmo antes do levante comunista, em abril de 1935, por conta do impacto de várias greves, o Congresso aprovou a Lei de Segurança Nacional, suprimindo diversas garantias democráticas da Constituição de 1934, permitindo a censura dos meios de comunicação e prisões de manifestantes. Cf. PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2 ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 33. 451 Este tribunal de exceção foi instituído em setembro de 1936, e estava sob a regência da
189
julgar crimes contra a ordem nacional. Dessa forma, o governo conseguiu
limitar a ação dos seus opositores, abrindo o caminho para a instauração do
regime autoritário452. A implantação do Tribunal, em setembro de 1936,
favorecia a ingerência da Justiça, suprimindo as garantias de defesa, com o
objetivo de preservar o governo no poder mediante a vigilância e uso da
repressão.453
Antes mesmo da instalação do Tribunal, e diante das atuações de
repressão aos comunistas após os levantes de 1935, “A Cruz” chancelou e
esperava a continuidade de tais ações: “Prosiga na severa reacção, O Governo
e terá as bênçãos e os applausos de todos os bons brasileiros”454. A reação
enérgica contra o comunismo e seus apoiadores evitaria o que refletiam
como perversidade antirreligiosa e caótica do comunismo, desafiando a
estrutura social reinante.
O arcebispo Dom Aquino Corrêa, na missa de Ação de Graças
realizada para homenagear a vinda de Getúlio Vargas à capital mato-
grossense, primeiro presidente da República a visitar Cuiabá, em agosto de
1941 e em plena vigência do Estado Novo, defende de forma veemente o
governo autoritário de Vargas, dando preferência a este regime de exceção
Justiça Militar. Composto por juízes civis e miliares (inclusive pelo chefe da polícia - Filinto Müller) indicados diretamente pelo presidente da República, devendo ser acionado sempre que o país estivesse em Estado de Guerra. O tribunal foi criado logo após os levantes comunistas ocorridos nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro, em novembro de 1935. Sua atuação visava julgar e processar os envolvidos em atividades que fossem classificadas como ameaçadoras da segurança nacional. A partir do Estado Novo, passa a ser uma jurisdição autônoma, passando a julgar não apenas os comunistas e militantes de esquerda, mas também integralistas e políticos liberais que se opunham ao governo. Cf. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília. Ed. UNB, 1993, p. 102-107.; e FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS/CPDOC. A Era Vargas dos anos 20 a 1945. Rio de Janeiro-RJ, 2014.Disponível.em:<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos3037/RadicalizacaoPolitica/TribunalSegurancaNacional>. Acesso em: 20 jun. 2016. 452 D’ARAÚJO, Maria Celina. Op. cit., p. 18. 453 CANCELLI, Elizabeth. Op. cit., p. 102-107. 454 Actualidades: Novos Processos de Governo. A Cruz – Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá/MT, 19 jan. 1936, Coluna: Actualidades, Caderno 1217, p. 1.
190
em detrimento à via democrática representativa e constitucional:
E, de mais a mais, de que servem as constituições, quando o povo, a quem elas conferem a soberania, se converte em joguete nas mãos dos magnatas, cuja prepotência, mancomunada com a chicana dos mentores, torce a mercê dos interesses partidários, ou seus mais salutares dispositivos? A quejandos regimes constitucionais, confesso candidamente, prefiro, mil vezes, um governo como esse, que há cerca de onze anos, vem regendo e felicitando os destinos do povo brasileiro. Disse o filósofo grego, que o juiz deve ser a justiça animada: V. Excia., Senhor Presidente, tem sido a nossa constituição animada, e animada do verdadeiro espírito de brasilidade, que é a alma do Brasil, deste Brasil, que, como bem disse V. Excia., nasceu sob o signo da cruz.455
O salesiano Francisco de Aquino Corrêa, segundo arcebispo de
Cuiabá, entre 1922 a 1956 (ano de seu falecimento), teve grande destaque e
influência junto Governo Federal no decorrer da década de 1930,
configurando-se em um dos principais religiosos católicos ao lado do regime
do Presidente Getúlio Vargas, na compreensão do historiador Célio Marcos
Pedraça. Sua participação nos anos Vargas foi manifestada por meio de
discursos, poesias, cartas pastorais e representações em eventos, sobretudo
no decorrer do Estado Novo. Sua eloquência como orador, poeta e escritor
garantiram ressonância de seus discursos carregados de moralismo e tom
instrutivo, que em grande medida, aglutinavam religião e política em uma
perspectiva expressamente conservadora.456
A carta pastoral de Dom Aquino datada de 1938 e intitulada “O
455 CORRÊA, Francisco de Aquino. A oração gratulatória do Arcebispo D. Aquino Corrêa. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 10 ago. 1941, Caderno 1502, p. 1. 456 PEDRAÇA, Celio Marcos. Personalidades da Igreja Católica e os anos Vargas: o personagem Dom Aquino Corrêa (1930-1945). In.: PERARO. Maria Adenir (Org.). Igreja Católica e os cem anos da arquidiocese de Cuiabá (1910-2010). EdUFMT/FAPEMAT, 2009, p. 183-185.
191
Culto da Autoridade”, mas publicada de forma fragmentada em sete edições
do jornal “A Cruz” de 1939, argumentou que a relação entre liberdade e
autoridade é uma “equação” complicada. A título de mau exemplo dessa
“equação” trouxe a Rússia comunista que, em nome da liberdade proletária,
acabou se constituindo em uma “ditadura soviética” tão repressora como o
governo dos Czares russos:
Assim é que em resolvel-o acham-se empenhadas as nações e todas as escolas. De um lado, o communismo, que sob calor de salvar a liberdade, aggravou-lhe o supplicio, e na Russia, para usar a comparação do tribuno proletario, nada mais fez senão virar de cima para baixo o pau da bengala, que é o povo, de modo que sobre este hoje, em vez do castão de ouro, que era a autocracia dos czares, pesa ponteira de aço, que é a dictadura dos soviestes.457
O arcebispo compreendia, em suma, que o exercício da
autoridade seria benéfico, em prol do “equilíbrio social”, coligando poder e
liberdade. Para tanto, a autoridade deveria ser revestida dos princípios
cristãos e reconhecida por Deus, referenciando aqui as proposituras de
Tomás de Aquino458, cabendo ao povo total submissão e obediência aos
superiores. Esta carta pastoral elucida ainda mais a aproximação de Dom
Aquino e o Estado Novo de Vargas, em um regime que se consolidava pelo
culto à figura de seu líder, legitimado e revestido pela sacralidade da Igreja
Católica.459
457 CORRÊA, Francisco de Aquino. O culto da autoridade. Carta Pastoral publicada no jornal “A Cruz”, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 jan. 1939, Caderno 1371, p. 1. 458 Como Célio Marcos Pedraça informa, Dom Aquino, aliado às convenções do tomismo, defendia um poder de esfera espiritual, comandado pela Igreja, e um poder temporal materializado na figura do Estado. Os poderes superiores deveriam ser obedecidos, na justificativa que “não há poder que não venha de Deus”. Portanto, Dom Aquino, também embasado em São Paulo, apoiava a aliança e submissão dos cristãos aos poderes superiores legitimados por Deus. Cf. PEDRAÇA, 2009, p. 185. 459 LENHARO, Op. cit., p.189-190.
192
Ainda, em o “Culto da Autoridade”, o arcebispo cuiabano cuidou
de denunciar os perigos da liberdade, que para a liderança católica estariam
materializados no comunismo e na democracia liberal. Segundo o clérigo, o
modelo liberal de democracia laicizante teria favorecido “surtos de
anarchia”.460 Nesse sentido, o apoio dos intelectuais religiosos de “A Cruz” a
um Estado “forte” e autoritário também representava parte de suas posições
antiliberais e em associação ao combate do comunismo. Pois, de acordo com
os enunciados expostos no jornal católico e discutidos no tópico anterior, os
pressupostos liberais seriam em parte responsáveis pelo surgimento das
ideias comunistas e contrárias aos preceitos religiosos cristãos.
Já para os editores de “A Pena Evangélica” a defesa da democracia
não se constituiu mais apropriada com a instauração do Estado Novo. Neste
caso, os articulistas do jornal aderiram ao projeto ditatorial getulista,
marginalizando sua bandeira a favor da democracia liberal, logo após a
instauração do regime. Como apontado no tópico anterior, a adesão ao
Estado Novo expressou-se no sentido de defender posturas severas e
enérgicas contra os males que perturbassem a ordem social vigente, em
especial o comunismo.
Como medida de repressão à indesejavel doutrina do communismo que quer á viva força se introduzir entre nós, o Exmo. Sr. Presidente da Republica não tem descuidado em por em pratica as mais severas providencias afim de que possamos desfrutar a verdadeira democracia portadora de uma boa civilização. (…) Nosso Senhor Jesus Christo que não se incomodou com as convenções de seu tempo, embora guerreado e odiado pelos que queriam introduzir doutrinas que não vinham de Deus, explicou ás multidões que o homem não pode fazer o que quer, pois os que comentem erros, são filhos do erro. (...) Neste sentido, nada de perturbação da ordem publica, e nem outros factos que
460 CORRÊA, Francisco de Aquino. O culto da autoridade. Carta Pastoral publicada no jornal “A Cruz”, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 15 jan. 1939, Caderno 1371, p. 1.
193
tenham em vista generalizar o extremismo que só serve para diminuir os horizontes da nossa democracia e da verdadeira civilisação que sempre desfrutou a nossa estremacida Patria, digna de melhor sortenão podemos estar de acordo com as investidas do communismo. 461
No propósito de combater a “doutrina filha do erro”, aprovou a
instituição do regime autoritário, para manutenção do ordenamento social
contra possíveis extremismos e a fim de manter a “democracia”, mas que
naquele momento estava bem distante, lá no “horizonte”. O periódico passa,
a partir de então, a reconhecer o governo estadonovista, seus símbolos e
principais apoiadores, silenciando a palavra democracia de suas páginas, mas
reproduzindo outras de maneira mais significativa, como: pátria, patriotismo,
nação, bandeira, civismo, ordem, medo e povo brasileiro. Certamente essa
defesa também refletia os aspectos da censura, que não apenas eliminavam
a liberdade de opinião, como igualmente exigiam espaços para propaganda
das imagens cívicas e realizações do governo.
Essa propaganda não se limitou ao governo federal, mas deu até
mais destaque aos políticos de Mato Grosso e representantes do Estado
Novo, principalmente ao interventor federal Julio Müller:
O orgam official do Estado consignou na integra, na sua edição do corrente, um documentos que deve ser registrado e vulgarisado, pela sua alta significação. Referimo-nos ao manifesto do sr. Interventor Julio Muller. Acreditamos sinceras as palavras do jovem administrador em cujas mãos, neste instante de tanta responsabilidade, acham-se entregues os destinos de Matto-Grosso.462
461 MORENO. Nada de extremismo. A Penna Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 nov. 1937, Caderno 527, p. 5. 462 O Momento. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 08 jan. 1938, Caderno 535.
194
O auxílio ao Estado Novo, foi registrado nos dois jornais, até
próximo dos últimos atos do regime, em maior destaque para “A Cruz”.
Porém, já em 1942, “A Pena Evangélica” deu sinais de uma certa resistência
frente ao regime de censura:
Infelizmente ainda perdura a dificilima situação criada para a pequena imprensa em consequencia do preço exorbitante do papel. Temos feito todos os esforços para nos manter e não faltarmos em dar semanalmente aos nossos amigos e pão do espirito, por meio de um conselho sadio ou um apelo pertinente ao coração.463
A restrição e controle de importação de papel linha d'água para
impressão dos jornais foi imposta pelo DIP. As taxas eram elevadas e ficavam
isentas delas apenas os impressos que tivessem autorização para circular.
Dessa forma, o governo varguista conseguia restringir o uso de papel e
controlar a imprensa, sem precisar do uso da força.464 O trecho acima
denuncia de maneira cautelosa essa “situação criada” para a pequena
imprensa, sem se referir diretamente à censura do governo.
Interessante constatar também que nos anos de 1942 e 1944 não
se verificou textos anticomunistas no periódico presbiteriano. Há, no
entanto, um destacado registro sobre o que se passava no país socialista, em
tom de desconstrução das narrativas mitológicas anticomunistas propagadas
anteriormente pelo jornal:
Muitas pessoas continuam até hoje fazendo uma péssima idéia da Russia, como um pais onde absolutamente não
463 A Pena Evangélica. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 13 jun. 1942, Caderno 764. 464 DE LUCA, Tânia Regina. As revistas de cultura durante o Estado Novo: problemas e perspectivas. IV Encontro Nacional da rede Alfredo de Carvalho. 2006, São Luis do Maranhão/MA. Anais do 4o Encontro Nacional de História da Mídia. São Luis/MA: Rede Alfredo de Carvalho, 2006. v. 1., p, 3.
195
existe liberdade religiosa e onde tudo é contra a religião e os que são religiosos. Está idéia, porém, se desvanece para quem toma o “O Estado de São Paulo” e lê o seguinte telegrama: Londres, - O Dr. Ciril Garbetr, arcebispo de York, declarou hoje que existia uma grande esperança para a Igreja na Russia, apesar do carater secular do Estado. Os altos dignatarios da Igreja Russa pediram ao arcebispo de York que servissem do porta-voz de uma mensagem em que se dizia que todos gozavam de completa liberdade em suas igrejas e que jamais foram interrompidas na celebração do seu culto. O Dr. Garbett disse que “os altos dignatarios eclesiasticos da Russia estão prestando sincero e cordeal apoio ao esforço de guerra”.465
O jornal presbiteriano mudou de posição em relação à questão
religiosa na Rússia. Aqui não se tem mais a Rússia ateia e que ousou “julgar”
Deus466, como tratado no Capítulo II. Na década 1930 os redatores da
publicação presbiteriana expressaram que o país russo comunista perseguiria
as religiões de maneira implacável e em estabelecimento a um Estado
fundamentalmente amoral.467 Essa mudança de posição pode ser reflexo da
acomodação russa como aliado da guerra contra os nazistas e fascistas,
isentando-a do papel de principal adversário a ser combatido.
Os escritores do jornal católico, por sua vez, continuaram firmes
em sua batalha antiliberal e anticomunista. A “Coluna Atualidades”, de 16 de
julho de 1944, discute as possíveis propostas pensadas para o Brasil após a
Segunda Guerra Mundial, demarcando total crítica ao modelo soviético
russo, ou liberal inglês:
465 Há liberdade religiosa na Russia. A Pena Evangélica. Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá, Cuiabá, 19 fev. 1944, Caderno 852. 466 Na Russia, os communistas realizaram um Juri para julgar Deus! - Aspectos deprimentes da luta contra as religições (comunicado da Agencia Carioca). A Pena Evangélica - Órgão semanário de propriedade da Primeira Igreja Presbyteriana de Cuyabá. Cuiabá, 16 jul. 1938, Caderno 562, p. 5 467 Ver o subtópico: “Contra a degeneração moral: anticomunismo cristão”, inscrito no capítulo II.
196
Vemos, assim, quem julgue ótimo para “salvar a Patria” (erro de visão, facil de explicar) os regimes made in London, ou in Moscóvita, tais sejam as tendencias capitalistas ou communistas dos pretensos reformadores, messias que se propõe a fazer um Brasil novo, à mercê de seus secretos desejos desinteressados…468
Perante todos esses questionamentos e análises, as campanhas
anticomunistas vinculadas às expressões conservadoras e autoritárias até
aqui tratadas, incitam uma instigante indagação, emoldurada por Girardet:
“A ordem que o Outro é acusado de querer instaurar não pode ser
considerada como o equivalente antitético daquela que se deseja por si
próprio estabelecer?”.469 Por conseguinte, lança-se outra questão: O poder e
a influência sobre a sociedade credenciado aos comunistas, não era, em
diversos aspectos, semelhante ao reivindicado pelos membros de entidades
religiosas e forças oligárquicas aqui destacadas?
Na esperança de arregimentar opiniões, ações e sentidos, em
meio à turbulência de novas disputas e acontecimentos, tais agentes
utilizaram-se das páginas de seus jornais para imprimir seu desejo de
expansão e de influência junto aos poderes constituídos. E perante esse
cenário de instabilidades, compartilharam e ajudaram a edificar narrativas e
fontes mitológicas em negação ao comunismo. Em suma, e de forma
conveniente, suas campanhas anticomunistas se estenderam a outros
elementos considerados “subversivos” e que contestassem os princípios e as
estruturas de poder dominantes, tais como: a defesa da propriedade privada,
o domínio oligárquico, a constituição social de sujeição das mulheres, os
preceitos morais cristãos e a preservação de uma sociedade marcada pela
desigualdade e por uma tradição política autoritária e conservadora.
468 Modelos. A Cruz, Órgão da Liga do Bom Jesus, Cuiabá, 16 jul. 1944, Caderno 1688, p1. 469 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 62.
197
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas páginas de representativos jornais cuiabanos o
anticomunismo se sustentou como uma associação mitológica expressada
por diferentes culturas políticas e religiosas do estado de Mato Grosso, como
católicos, presbiterianos, representantes da oligarquia política local e o
Estado, ou ainda outras manifestações políticas e sociais. Uma luta
estruturada e de interesses, mas também cheia de paixões, sentidos,
inseguranças e certezas sobre os rumos que a sociedade mato-grossense e
brasileira deveriam traçar.
A imprensa das décadas de 1930 e 1940 incorporou inovações
tecnológicas, de linguagem e de edição, em busca de sua modernização, no
entanto sem abandonar parte de suas antigas convenções e práticas. Este
meio de comunicação foi e ainda se constitui como espaço privilegiado para
intelectuais, grupos políticos, religiosos, editores e empresários
conquistarem as opiniões e a cognição do seu público leitor. E dentro de seu
percurso histórico, em meio às suas inovações, censuras e vinculações
políticas, foi possível identificar as especificidades da imprensa local, repleta
de variados títulos e plataforma primordial de informação da sociedade
cuiabana nas primeiras décadas do século XX.
Cristãos como padres, pastores e seus fiéis utilizaram-se desse
espaço discursivo de poder, a imprensa, e nela propagaram e registraram
suas doutrinas moralistas e conservadoras, com o propósito de arregimentar
e influenciar os espaços da fé, tal como, da política. De um lado, teve-se o
catolicismo, no intuito de resgatar e expandir seu domínio hegemônico no
campo religioso, fragilizado pela ascensão de uma sociedade politicamente e
culturalmente mais secularizada. O marxismo e suas vertentes eram vistas
pelos intelectuais católicos cuiabanos, em destaque Dom Aquino e José de
198
Mesquita, como parte dessa desestabilização e como mais um golpe
moderno contra o poder da Igreja Católica, assim como o liberalismo.
Nesta direção, os significados das lutas e propostas do comunismo
foram duramente combatidos pelo catolicismo mato-grossense em sua
tribuna jornalística “A Cruz”. E esse enfrentamento foi revestido das
referências do discurso moralista cristão, ultramontano e neotomista, aliado
às orientações e ações das lideranças eclesiásticas romanas e nacionais. E
esteve em convergência até mesmo, com outro grupo anticomunista, o
integralismo, movimento de massas e de vinculações com o fascismo, que
teve acomodação de seus discursos no periódico “A Cruz”, no período de
1935 a 1937.
Também defendendo a moral cristã, a família e a religião contra o
comunismo, o presbiterianismo em Cuiabá perfez construções mitológicas
frente ao socialismo de Marx, Engels e Lenin através de sua “Pena
Evangélica”. No entanto, ao contrário e em conflito com os dogmas católicos,
os escritores presbiterianos, ligados à tradição protestante calvinista
(sobretudo de origem estadunidense), opuseram-se ao comunismo e
também ao integralismo, em defesa dos pressupostos liberais.
No terceiro capítulo, com a inserção de dois jornais partidários à
discussão, “O Matto Grosso” e o “Alliancista”, verificou-se a luta contra o
comunismo associada à representação mitológica deste como algo perigoso
aos ideais nacionais e liberais. Isso esteve conectado à instituição de uma
nacionalidade rígida e uniformizante que censurou e combateu o comunismo
e as demais vozes políticas e sociais que pudessem desestabilizar a nova
ordem de repressão política, então consolidada pelo Estado Novo. As
diretrizes antidemocráticas deste regime objetivaram controlar e disciplinar
a “massa” de trabalhadores, supervisionando suas reinvindicações e
associações.
199
Em identificação com tal ordem, os representantes dos jornais “A
Cruz”, “Alliancista” e “A Pena Evangélica”, coligaram-se ao projeto autoritário
e à propaganda política varguista, mesmo que isso contrariasse parte de suas
convicções, caso dos dois últimos. Já os interesses dos clérigos e leigos
católicos de “A Cruz” estiveram em considerável consenso com o Estado
Novo, aliado ao contexto nacional de reaproximação da Igreja Católica e do
Estado.
Por fim, articulando as proposituras trazidas ao longo deste
processo de pesquisa, análise e escrita, entende-se que os enunciados e as
construções mitológicas anticomunistas impressas nas publicações aqui
estudadas, foram partes constituintes de uma cultura política onde imperou
valores dominantes e excludentes.
Religiosos, intelectuais e políticos fomentaram o medo e
distorceram a realidade, deslegitimando as diversas propostas do
comunismo e negligenciando o contexto histórico da União Soviética. Para
tanto, configuraram diversos mitos políticos que visavam suprimir esse outro
projeto e, no mesmo sentido, as ideias e ações contestatórias de uma longeva
estrutura social injusta e desigual. Assim, defenderam à constituição e
permanência de uma sociedade alicerçada por pressupostos morais cristãos,
conservadores e autoritários.
E neste sentido, auxiliaram o Estado na promoção de um cotidiano
de censura e opressão, mas também de conciliação em torno da imagem de
Vargas, tratado, sob a arquitetura de uma propaganda política e mitológica,
como o “condutor e salvador da nação”. De modo consequente,
promoveram, de maneira significativa, o silenciamento da pluralidade de
ideias e das lutas políticas e sociais que desejavam mais cidadania e
igualdade, exaltando, por outro lado, uma aparente harmonia e unidade
nacional.
200
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