ANTIGO TESTAMENTO Desembaraçando Fios · O Livro de Rute..... 30 4. Os Livros de 1 e 2 Samuel........

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ANTIGO TESTAMENTO Desembaraçando Fios... Efraim Sanches Pereira Lins, abril de 2001.

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ANTIGO TESTAMENTODesembaraçando Fios...

Efraim Sanches Pereira

Lins, abril de 2001.

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SUMÁRIO

BUSCANDO O FIO DA MEADA ............................................. 05

O ANTIGO TESTAMENTO .................................................... 07

I - BREVE INTRODUÇÃO GERAL .......................................... 07

1. Língua ......................................................................... 072. Cânon .......................................................................... 073. A Transmissão do Texto.................................................. 074. Hipótese Documental ..................................................... 085. Os Documentos J, E, D, P ............................................... 096. Os Nomes de Deus ........................................................ 117. Gêneros Literários do A.T................................................ 11

O RITO ............................................................................ 21

I - O PENTATEUCO ............................................................ 21

1. Gênesis ....................................................................... 212. Êxodo .......................................................................... 223. Levítico ........................................................................ 234. Números ...................................................................... 235. Deuteronômio ............................................................... 23

II - OS ESCRITOS ............................................................. 23

1. Cânticos....................................................................... 241.1. Salmos ..................................................................... 241.2. Cântico dos Cânticos ................................................... 251.3. Lamentações ............................................................. 25

2. Sapienciais ................................................................... 252.1. Jó ............................................................................. 26.2. Provérbios ................................................................... 262.3. Eclesiástes ................................................................ 272.4. Ester ........................................................................ 27

AS NARRATIVAS ............................................................... 28

I - O ISRAEL PRÉ-MONÁRQUICO ......................................... 28

1. O Livro de Josué ........................................................... 282. O Livro dos Juízes ......................................................... 293. O Livro de Rute ............................................................. 304. Os Livros de 1 e 2 Samuel .............................................. 30

II - A MONARQUIA EM ISRAEL ............................................ 31

1. O Período de Saul (1 Sm 10-31) ..................................... 312. Davi: A Instituição do Estado (2 Sm) ............................... 323. O Reinado de Salomão (1 Rs 1-11) .................................. 33

III - A SEPARAÇÃO DO REINO DE ISRAEL (1 Rs 12 - 2 Rs 25).35

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Israel, Reino do Norte ........................................................ 352. Judá, Reino do Sul......................................................... 38

IV - O RETORNO DOS EXILADOS NA BABILÔNIA ................... 43

1. O Período Persa (Cr,Es,Ne) ............................................. 432. O Período Helênico (1-2 Macabeus) ................................. 44

A PROFECIA ..................................................................... 47

I - PROFETAS PRÉ-EXÍLICOS .............................................. 49

1. Amós ........................................................................... 492. Oséias ......................................................................... 503. Isaías .......................................................................... 514. Miquéias ...................................................................... 525. Naum .......................................................................... 536. Sofonias....................................................................... 537. Habacuque ................................................................... 548. Jeremias ...................................................................... 559. Joel ............................................................................. 56

II - OS PROFETAS EXÍLICOS............................................... 56

1. Ezequiel ....................................................................... 572. Obadias ....................................................................... 583. Deutero-Isaías .............................................................. 58

III - OS PROFETAS PÓS-EXÍLICOS ...................................... 59

1. Ageu ........................................................................... 602. Zacarias ....................................................................... 603. Trito-Isaías ................................................................... 614. Malaquias ..................................................................... 615. Jonas ........................................................................... 62

IV - A APOCALÍPTICA. ....................................................... 62

1. Daniel .......................................................................... 64

V - Sintetizando................................................................ 64

BIBLIOGRAFIA .................................................................. 65

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BUSCANDO O FIO DA MEADA

“...porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana...”

2 Pe 1.21

Todo conhecimento humano provém de observação e pesquisa. Mas nenhuma ciência,por mais sofisticada que seja, existe por si mesma. Ela produz o saber, satisfazendo os pressupostosde quem a utiliza como instrumental.

Estudar a Bíblia não é diferente, pois se trata de exercitar um saber e, conseqüentemente,também possui seu pressuposto que, no caso, está explicitado no verso acima. Abordamos otexto sagrado, aceitando-o como a expressão da vontade de Deus para o homem e Sua Revelação!A Bíblia é o instrumento que nos capacita ao compromisso e à prática da vontade divina, comvistas à Construção do Reino de Deus.

Ao analisar o Antigo Testamento, necessitamos delimitar o campo de pesquisa. Sedesejamos fazer teologia, é preciso compreender o agir de Javé na vida do povo de Israel.

Pode ser, no entanto, que a nossa abordagem seja no sentido de conhecer os limites, averacidade e a antigüidade dos documentos que registram o agir de Javé: então, devemosestudar a Introdução ao Texto Bíblico, para aprender sobre datas, testemunhos e como foi suatransmissão na sociedade israelita.

Como, porém, deram-se essas relações e como se desenvolveu a comunidade israelitaantiga? Qual foi o processo evolutivo desse grupo, suas origens e sua influência na formação dassociedades do Oriente Médio? Responder esta pergunta nos leva a estudar a História de Israel,sua religião, e a história de seus vizinhos, próximos ou remotos.

Usufruir da riqueza que a Bíblia possui requer uma postura abrangente que além de umavisão piedosa e devocional inclui, de forma decisiva, a necessidade de um aprofundamento dasperguntas ao texto, sem medo de que as respostas venham modificar ou reformular conceitosestabelecidos, muitos dos quais até sem a devida fundamentação. Esse é um dever de todocristão, pois que só dessa forma somos edificados e a Palavra se transforma em vida, realizandode maneira mística a comunhão com Deus, sempre acompanhada de orações e meditações.

Nosso trabalho deseja repartir aquilo que já se pesquisou e que hoje constitui um patrimôniovasto que inclui análise de manuscritos, artefatos arqueológicos, documentos históricos,personagens e tantas outras coisas que nos ajudam a “dar razão de nossa fé”.

Partindo do fato de que o texto já existe, que vem sendo utilizado pela história afora eque nossa motivação para estudá-lo é mais no sentido de buscar subsídio para educar, queradultos sedentos de conhecimento quer crianças e adolescentes, como abordaríamos conteúdotão vasto e tão intrincado como este que nos propomos a estudar?

Para responder esse questionamento, nos propusemos a buscar uma forma diferentede ler o Antigo Testamento. Nossa preocupação nasceu a partir do convite para participar daXV SAT - Semana de Atualização Teológica, promovida pelo CEBEP (Centro Evangélico

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Brasileiro de Estudos Pastorais), no período de 27 a 30 de julho de 1995, trabalhando o tema:“Agentes Educadores na Bíblia”.

Foi a partir da solicitação do Seminário da 5.ª Região Eclesiástica “Bispo Scilla Franco”, napessoa do seu diretor Rev. Oswaldo José de Souza, de um trabalho sobre o Antigo Testamentoque pudesse ser utilizado no CEL (Curso Especial para Leigos) que resolvemos desenvolver otema abordado por nós, na XV SAT.

Diante da premissa de que o Antigo Testamento é uma realidade acabada, nos dispusemosa transformá-lo em conteúdo pedagógico, dividindo-o em três partes: (1) O que convencioneichamar de Rito (as celebrações, ordenanças, rituais, regras de conduta e de purificação, ensinossapienciais, princípios litúrgicos, hinos, discussões filosóficas) que se comporia do Pentateuco edos Livros Sapienciais; (2) Narrativa (pré-monarquia, monarquia dos reinos: unido, dividido,sobrevivente, restaurado após o exílio e quase soberano no período grego) contida nos livros deJosué a 2 Crônicas, e nos apócrifos 1 e 2 Macabeus; e (3) Profecia (ditos proféticos, em todasas épocas em que os homens de Deus existiram e atuaram), compreendendo todos os livrosproféticos.

Nosso pressuposto é de que o Rito tem características formadoras, pois produz identidade,insere culturalmente. Quando se esgota em suas prerrogativas, necessita, para não ameaçar asociedade de dissolução, da Profecia, que o contesta e exige reformas. E o papel da Narrativa?É o palco onde a contradição Rito/Profecia acontece. Sem a Narrativa, não há equilíbrio, vistoque tanto Rito quanto Profecia, pretextam perfeição e instituição divinas.

Portanto, desejamos convidar você, leitor, a iniciar uma caminhada pelas terras e temposbíblicos, à procura de uma nova dimensão de fé e compromisso com Jesus e o Seu Reino.

Rev. Efraim Sanches PereiraLins, Abril de 2201

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O ANTIGO TESTAMENTO

I - BREVE INTRODUÇÃO GERAL

1. Língua.

Em que língua foi escrito o Antigo Testamento? Para responder esta pergunta, não bastaolharmos somente para o exemplar acabado que temos hoje.

O Antigo Testamento foi escrito em hebraico, contendo alguns textos em aramaico, devidoà influência persa. Sobreviveram também livros em grego, ainda que não reconhecidos comocanônicos por protestantes e judeus.

No entanto, devemos observar que, ainda que a língua fosse o hebraico, os textos contémnarrativas que se derivam da sabedoria dos acádios (2250 a.C.), sumérios (2000 a.C.) e egípcios.Derivando o seu conhecimento de fatos antigos dessas civilizações muito anteriores não é de seadmirar que termos dessas línguas antigas fossem apropriados e usados no idioma hebreu1 .

2. Cânon.

A palavra “Cânon” vem de Kanäh, que significa cano. Adquirindo o sentido de “régua,regra, reta”, deu origem à expressão “lista inalterável de escritos normativos para a vida e a fé”.

Seu desenvolvimento passou por um longo processo. Sabemos que os Salmos adquirirampoder normativo antes do que outros grupos de escritos, pois eram utilizados como livro nosofícios sacerdotais nos santuários locais e depois no templo de Jerusalém. Oficialmente, porém,a primeira porção a receber autoridade canônica foi a Torah (O Pentateuco) em cerca de 300 a.C.

Todos os grupos de escritos (Os Profetas, Os Escritos, as Narrativas) foram transformadosem Cânon no ano 100 d.C., no Concílio de Jâmnia, realizado, naturalmente, pelos judeus,preocupados com o avanço dos textos apocalípticos e o sincretismo religioso.

3. A Transmissão do Texto.

Naturalmente, para se transformar em Cânon, o texto percorreu um longo caminho atéchegar à condição de livro escrito, circulante e, finalmente, de autoridade espiritual e normativa.

3.1. Tradição Oral: Por muito tempo se questionou a Tradição Oral como sendo umafonte fidedigna de transmissão do conhecimento. Hoje, já se tem a certeza de que boa partedaquilo que está na Bíblia Hebraica é fruto de uma atividade cultural dos tempos

    1Para melhor compreensão disso, consultar: VV. AA. - Escritos do Oriente Antigo e Fontes Bíblicas - Ed. Paulinas - 1986 -São Paulo - págs. 63-67.

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antigos, qual seja, a de contar para os filhos, histórias ou acontecimentos que ocorreram nostempos anteriores ao narrador e ao ouvinte.

Boa parte do saber, da religião, das tradições, da cultura e da ciência antiga se fez pormeio de narrativas passadas de pai para filho, geralmente na forma de poesias.

3.2. Fontes Paralelas: Sabe-se que no Oriente Próximo floresceram, por volta de 2500a.C., inúmeras literaturas, descobertas a partir do século XVIII da nossa era, por arqueólogos.Estas são de povos como os sumérios, acádios, neobabilônios, hititas, persas, assírios e egípcios.Tais tradições culturais e literárias, das quais algumas sobreviveram em fragmentos, são suficientespara demonstrar a dependência de estilo e de conteúdo nos textos bíblicos hebraicos1 .

3.3. Tradição Escrita: Essa diz respeito apenas ao que se produziu na tradição israelita.Assim, existe consenso entre os estudiosos de que Moisés deixou alguns documentos; os santuárioslocais também preservaram suas tradições; e as tribos, seus aspectos históricos e culturais.

Para o texto chegar no que é hoje percorreu o caminho do agrupamento, do ajustamentoe da redação de diversas fontes que proveram todo este material.

Os agentes dessa grande obra foram, na sua maioria, profetas, sacerdotes e funcionáriosdo Estado, escribas que tinham como função primordial dar forma literária ao conteúdo dastradições orais, paralelas e oriundas da própria comunidade de Israel.

Esses momentos de formação do texto são transformados em literatura quando Israeltorna-se uma Monarquia estável, ou seja, pelo tempo de Davi e Salomão. Nessa época, 1000/900 a.C., já se tem uma sólida classe sacerdotal, nascendo o hebraico como língua literária, e asnarrativas, quer orais quer documentais e as influências do mundo da época são transformadasem um único texto. Assim começam os processos redacionais que ficaram conhecidos na ciênciada Introdução do Antigo Testamento como a Hipótese Documental.

4. Hipótese Documental (As grandes tradições de Israel).

É assim denominada a teoria de que o Pentateuco, e de resto boa parte da Bíblia Hebraica,tenha sido formado por documentos provindos de diferentes épocas e estilos. Essa Hipótese foidenominada de J, E, D, P, pois os documentos identificados possuíam características distintas; Jusava mais o nome de Javé; E usava mais a designação Elohim para Deus; D preocupava-se comnarrativas históricas, legislativas e de fundamentação teológica da centralidade do culto; P, comas celebrações, genealogias e prescrições cultuais. Esta hipótese surge a partir do texto acabado.É o desejo de saber como se formou o Antigo Testamento.

4.1. Esboço histórico da Hipótese Documental: O primeiro a notar as diferenças denarrativas foi um médico francês chamado Jean Astruc (século XVIII), que sugeriu ter Moisésconsultado duas fontes, uma que conhecia Deus como Javé, e outra como Elohim.

Depois dele, o estudioso Johann Gottfried Eichhorn escreveu uma Introdução ao AntigoTestamento, publicada em 1780-83, desenvolvendo a hipótese das duas fontes, dividindo o livrotodo de Gênesis e o início de Êxodo (caps. 1 e 2).

    1A Epopéia de Gilgamesh, por exemplo, que é datada de cerca de 2000 a.C., na qual encontramos um paralelo antecedente danarrativa do dilúvio. Gilgamesh - Rei de Uruk - Ars Poética - 2ªEd. 1992 - São Paulo - págs. 78-84.

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Wilhelm M. L. De Wette, escrevendo sobre o Deuteronômio (1805), propôs que ostextos a respeito da Lei não pudessem ser anteriores à Monarquia, usando como argumento acentralidade do culto, observada em Deuteronômio, acrescentando à lista dos dois documentosmais um: o D.

Coube a Julius Wellhausen dar a configuração mais clássica à teoria da HipóteseDocumental, nos seus livros “A Composição do Hexateuco” (que inclui Josué), publicado em1876; e Introdução à História de Israel, publicado em 1878. Hoje, essa teoria possui váriosdesdobramentos, mas tem sido um importante instrumento para se compreender como foi queo texto Sagrado chegou à forma que conhecemos nos nossos dias.

5. Os Documentos J, E, D, P.

5.1. O Documento Javista: Provavelmente é composto no reinado de Salomão (960/930 a.C). Podemos identificá-lo com margem de variação na análise dos livros de Gênesis, Êxodoe Números. Provavelmente, existam também narrativas desta fonte em Josué e Juízes. Nãosabemos o nome do escritor. Deixa notar em seus textos uma certa preferência pelas monarquiasde Davi e Salomão. Sua característica principal é a de designar o Deus de Israel como Yahweh ouJavé. Assim, ficou denominado como escritor Javista ou simplesmente J. O javista escreveu deJudá, daí a letra J ter dupla referência: Javé e Judá, sua tribo preferida.

5.1.1. Alguns textos característicos: Gn 2.4 a 3.24; 4.1-16; 18.1-15; Êx 1.6-12;17.1-7; 34.1-28; Nm 10.29-36; 32.1-38; Dt 31.14-23; 34.1-6.

5.1.2. Teologia: O homem é visto como rebelde que quer ser como Deus, tentandosubtrair-lhe a soberania, seus pensamentos estão sempre voltados para o mal. A humanidade épreservada da ruína para que Israel primeiramente e, depois, o mundo, possam participar dasbênçãos do perdão divino. Apesar de toda a resistência humana, se concretiza a soberania deDeus.

Javé aparece como aquele que ouve e atende a voz do homem: Ex. Abraão intercedendopor Sodoma. Embora a intercessão seja individual, a salvação é comunitária.

Javé, ao relacionar-se com o homem e se revelar antropomorficamente, ou seja, tomandoforma humana, ensina sua transcendência e sua constante presença. Assim, o homem podedecidir-se pelo bem como Abraão; ser paciente e conformado como Isaac; perseverante eesperançoso como Jacó; humilde como José.

5.2. O Documento Eloísta: Depois da divisão do Reino de Israel em Judá, Reino do Sul(capital, Jerusalém), e Israel, Reino do Norte (capital, Samaria), no período de 900-850 d.C.,outro escritor contou a narrativa primitiva de Israel. Falava do mesmo conteúdo do Javista.Começou pelos patriarcas e foi até Juízes. Esse escritor escolheu para o Deus de Israel a designaçãode Elohim para falar de sua atuação antes de Moisés. Assim, é denominado de Eloísta ou E. Esseautor vivia no Israel do Norte, composto principalmente das tribos de Manassés e Efraim. E,portanto, é o representante de Elohim ou de Efraim.

5.2.1. Seus textos característicos são: Gn 20.1-17; 21.9-21; 22.1-19; 31.19-35;35.16-20; Ex 18.1-8; 18.12-27; Nm 21.21-31.

5.2.2. Teologia: Elohim se revela por meio do sonho. Para que Elohim se comuniquecom o homem e ele compreenda sua vontade necessário se faz a presença e atuação do profeta.Sua mensagem possui um conteúdo pedagógico, deixando claro que o temor de Elohim produzconhecimento e perfeição moral.

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5.3. O Documento Sacerdotal: Ao Código Sacerdotal se convencionou designar pelaletra (P) que vem do termo alemão Priest (Sacerdote) porque esse Documento se caracterizapor manifestar um grande interesse em prescrições e instituições sacerdotais e cultuais.

P é o documento preocupado com árvores genealógicas, com estreitar compreensõesantes generalizadas. Exemplo disso é a interpretação da expressão “‘adam” (Adão) que podesignificar genericamente a humanidade criada, P confere ao termo o sentido de nome próprio.

5.3.1. Alguns textos do Sacerdotal: Gn 10; Gn 11.10-26; Êx 6.2-7.7; 12.1-20-28;13.1-16; 16.

5.3.2. Teologia: Esse Documento tem como centro de suas atenções a época deMoisés, pois é o tempo das instituições cultuais. Porém, ele descreve os ritos de sua épocaprojetando-os no período de Moisés, ou seja, cometendo um anacronismo1 . Fundamenta suasobservações teológicas também nas narrativas dos pactos, conferindo-lhes muita importância,pois, assim, divide a história da salvação em períodos: A criação do mundo, com Adão e Eva;Noé, salvando a humanidade com a arca; Abraão, por meio da circuncisão, tornando-se adoradorexclusivo de Javé; e a saída de Israel do Egito, com as prescrições de natureza cultual.

5.4. O Documento Deuteronomista: Esse Documento, denominado (D), foi assimchamado porque manifesta em seu conteúdo a preocupação de fundamentar historicamente pormeio de narrativas aspectos da pureza de culto devido a Javé. Assim, é a favor da centralizaçãodo culto em Jerusalém, abolindo todas as outras formas de religiosidade; prega o extermínio dosnecromantes; proíbe o sacrifício de crianças. O Deuteronomista possui característicasreformadoras. Ex.: O Livro de Deuteronômio, no Pentateuco!

5.4.1. Alguns textos: Dt 12-26; 31; 32; 33; 34.

5.4.2. Teologia: O D valoriza a Torah, utilizada pelo sacerdote para instruir. Ela nãosó é instrumento de educação, mas normatiza a vida do indivíduo e da sociedade. O Deuteronomistase interessa pela legislação. Tanto que o cumprimento da Lei, expressa na Torah, capacita acomunidade a possuir e a permanecer na Terra da Promessa. É o documento da Eleição. Javéescolheu Israel como seu povo e lhe deu a posse da terra. A importância da Eleição para oDeuteronomista é vital pois ela é a causa do desejo de relacionamento entre a divindade e anação. Javé é único Deus, ponto fundamental na teologia de D. Não existem outros deuses!Sendo assim, não pode haver outros lugares de culto: O Templo de Jerusalém é o único lugaronde esta divindade única deve ser adorada!

6. Os Nomes de Deus.

Deus é conhecido no Antigo Testamento sob vários nomes. Isto se deve ao desenvolvimentoda fé e do conhecimento gradativo das ações de Javé, que se revela aos pais de formas e nomesdiferentes. Não pretendemos esgotar o assunto, mesmo porque alguns termos provocam certacontrovérsia quanto à sua origem. Mas desejamos apenas relacionar os principais designativosde Deus.

6.1 - : Iahweh (Javé).- Esse é considerado o mais sagrado dos nomes. Provém daraiz HAYAH, que significa ser, existir; esta palavra é raiz também de EVA. Javé, portanto,significa fazer existir, dar vida, criar. Este nome foi revelado a Moisés, quando da presença

    1Anacronismo: Narrar um fato ou coisas atuais como se tivessem acontecido em período remoto. Ex.- Falar de Monarquia emIsrael quando ainda estamos no tempo de Moisés (Gn 36.31; 40.15; 50.10ss).

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de Deus na sarça ardente, segundo Êx 3.14. O termo Adonai é utilizado, hoje, para substituir onome mais sagrado. Adonai significa “Senhor” e ocorre algumas vezes no texto bíblico;

6.2 - : El, Elohim (deus, deuses).- Essa palavra, com sua correspondente plural, designaa divindade. No Gênesis (1.26-27), quando da criação do homem, ela aparece e pode ser vistacomo a presença de todo o panteão divino convocado para participar do ato da Criação;

6.3 - : Elyon.- Designa a divindade como o Altíssimo, o que não pode ser alcançado, vistonem tocado pelo homem. Está tão inatingível que pode ser considerado a fortaleza inexpugnável.Uma das ocorrências bíblicas encontra-se no Sl 91.1;

6.4.- : Shaday.- O “Onipotente”, mas não somente isso; também “aquele que alimenta,cuida, abençoa”. Esses significados vêm da raiz SHAD que literalmente designa os seios maternos,sendo a fonte de alimento, de vida, de carinho, de amor. DAD possui o mesmo sentido: seios,leite, vida. Assim, Shaday é aquele que pode tudo, inclusive, manter a vida existindo, alimentando-a e cuidando dela.

Existem outros termos que designam Deus no AT. Porém, são derivados desses quatroprincipais.

7. Gêneros Literários do Antigo Testamento.

Existe uma grande variedade de modos de falar e de gêneros literários empregados noslivros bíblicos. Suas raízes são encontradas nas antigas tradições do Antigo Oriente, decorrentesde formas vétero-orientais, pré-israelíticas e por concepções que surgiram na Palestina sob ainfluência da fé em Javé.

Esses gêneros estão presentes em toda a literatura mesopotâmica, egípcia e palestina.Conscientes de que o texto bíblico sofre a influência de seu tempo, é preciso levar essa informaçãoem conta ao estudarmos as formas de registro e transmissão desse texto. Muitos gêneros literáriosdos livros históricos ou jurídicos de Israel não são tipicamente veterotestamentários, mas vétero-orientais.

7.1-: Os gêneros normativos

a) Expressões do cotidiano.

· O nascimento de uma criança era motivo para serem compostas sentenças por parte dos paise parentes. As expressões, tais como “Tu tens um filho” Gn 35,17, criava o direito familiar desucessão.

· Em Gn 2,23, lemos que do “lado” do homem foi a mulher retirada. Era uma fórmula paraatribuir importância ao casamento. Naturalmente, o divórcio também está contemplado nasfórmulas do cotidiano, registrada em Os 2,4: “Ela não é minha mulher e eu já não sou seumarido”.

· Na ocasião da morte, uma fórmula usual era a registrada em Jó 1,21: “O Senhor deu, oSenhor tomou. Bendito seja o nome de Javé!”

· Outras máximas estão ligadas à comunidade, tais como as listas sobre as tribos, nas bênçãosde Jacó e Moisés, Gn 49;Dt 33, nas quais os chefes têm seus atributos ou nomes comparadosa animais ou situações de vida do cotidiano. A fórmulas tribais constituem a expressão de umtemperamento zombeteiro e bem-humorado das tribos no Israel seminômade.

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· As fórmulas da guerra empreendida quando ainda não havia exército regular. Essas eramproferidas em primeira ou terceira pessoa, Js 6,2;6,16. Essas sentenças tornaram-se ex-pressões litúrgicas. Havia, ainda, no contexto da guerra, as fórmulas ligadas à Arca, paralevantar ou depositá-la (Nm 10,35). Ou ainda o incitamento à bravura ou à fuga (2Sm10,12). Outras sentenças referentes à guerra podem ser vistas em 1Rs 5,17;Sl 18,39.

b) Normas de vida e de comportamento em estilo imperativo.

O estilo imperativo, “faze isto”, “não faças aquilo”, é uma forma antiga de dar ordens, encontradaem todas as culturas. Lv 18 nos apresenta uma dessas séries de ordenanças.A coleção de proibições, presente em Ex 20,1-17 e chamada de “decálogo” é uma série dessasordenanças de natureza comportamental. Este texto pode ser dividido da seguinte maneira:cinco ordenanças referem-se aos deveres do homem para com Deus e o próximo:

Ø Não terás outros deusesØ Não farás para ti imagem de deusØ Não pronunciarás o nome de Javé em vãoØ Não levantarás falso testemunho contra teu próximoØ Não cobiçarás a casa do teu próximo

Outras três, são proibições:Ø Não matarásØ Não cometerás adultérioØ Não roubarás

As últimas duas:Ø Lembra-te do dia do SábadoØ Honra teu pai e tua mãe.

Uma outra série secundária de normas de vida e comportamento pode ser encontrada em Ex34,14-26. Outras séries encontram-se também em Lv 19,3-12.

c) Axiomas legais e princípios jurídicos.

c.1. O domínio da administração da justiça nos oferece uma certa variedade de usos e deaxiomas jurídicos, Gn 9,6. Outra fórmula de acusação, contida em 1Rs 21,13: “Ele blasfemoucontra Deus e contra o rei”. Ou ainda, no caso do direito privado, por ocasião da obrigatoriedadede assumir a viúva do irmão, Dt 25,9.

c.2. As punições com a morte também nos legam fórmulas, em Ex 21,22;22,18;Lv 20,2,cujas sentenças assim se registram: “Aquele que amaldiçoar seu pai e sua mãe seja punidode morte”. A série de maldições de Dt 27,15-26 apresenta sempre a ameaça de castigo:“Maldito seja”.

c.3. A casuística jurídica, qual seja o processo de assimilação e formulação de novas leis,conforme a situação exigisse, Ex 21,12-17, por exemplo. Outro caso, o de Ex 21,2.

c.4. As narrativas etiológicas, de que deriva os costumes jurídicos das ações dos antepassados.Essas narrativas serviam de instrumento para organizar a vida, fortalecidas na figura depessoas importantes ou situações significativas do passado. Exemplos podem ser verificadosem Ex 12,27;13,14.

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b) Formas retóricas ligadas à fase processual.

Existem numerosos exemplos de modo de falar, usados freqüentemente pelos profetas emsuas pregações, que estão vinculados ao modo próprio das audiências. As artimanhas, com afinalidade de emperrar um processo, ou alegações de defesa ou acusação, as sentenças etc.,próprias de uma atividade especificamente jurídica.

c) Acordos e contratos.

Os contratos exerceram em Israel e, de resto, em todo o Oriente Antigo, um papel de grandeimportância. Na realidade, o Antigo Testamento muitas vezes só nos fala de celebrações decontratos, sem nada dizer a respeito dos contratos em si. Os contratos podiam ser:Ø Bilaterais, celebrados entre parceiros de iguais condições e que exprimiam as relações

recíprocas, com todos os direitos e obrigações que esta situação acarretava;Ø Acordos em que o poderoso se comprometia com o mais fraco, impondo-se condições e, ao

mais fraco, apenas o recebimento, sem possuir uma significação ativa;Ø Acordos de senhorio e servidão, em que os compromissos ficavam com a parte mais fraca;Ø Acordos que um terceiro firmava com outros dois.

As celebrações de tais acordos exigiam ritos em que o sangue era misturado ou aspergido(Ex 24,8); o aperto de mão (Ez 17,18); a troca de um bem particular (1 Sm 18,3); da construçãode uma coluna de pedras (Js 24,26); de um juramento (Gn 15,9), sendo que os violadores dopacto ficavam sob maldição (Jr 34,18).

7.2: Bênçãos e maldições.

a) Súplicas e desejos.

As fórmulas literárias também são percebidas no ato de pedir ou de desejar. O texto deLamentações é um exemplo disso.

Na vida cotidiana faziam-se pedidos para coisas corriqueiras como o pão (Gn 47,15) ou aágua (1Rs 17,10). Também se pedia uma mulher para poder casar-se (Jz 14,3) ou um favor vital(Gn 12,13).

Uma expressão sempre funcionava muito bem: “encontrar graça diante dos teus olhos” (Gn18,3;47,29).

O voto está também presente na vida israelita, como os votos de felicidade, Gn 24,60 ouRute 4,11.

b) Fórmulas de saudação.

As fórmulas de saudação são construídas sob a forma de desejo, de voto. Originalmente, sefundamentam na idéia de que a palavra falada possui certo poder de eficácia, de modo que asfórmulas comunicam e conferem à pessoa cumprimentada aquilo mesmo que elas exprimem.Ex: 1 Sm 25,6;2 Sm 8,10; Jz 6,12;Rt 2,4.

c) Bênçãos e maldições.

São sentenças que exprimem o desejo de felicidade ou de malefício. O grau de eficácia é tantomaior quando procedentes dos círculos mágicos, juntamente com a fé no

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poder da ação e na irrevogabilidade da palavra. Amaldiçoa-se um país (Dt 11,29) afetando ascidades (Jó 6,26), devorando casas (Zc 5,4) e determinando o destino de povos inteiros (Gn9,25).

A fórmula de bênção é introduzida geralmente com o termo “abençoado, bendito”, e a fórmulada maldição, pela expressão “amaldiçoado, maldito”. A sentença de maldição contém umajustificativa, a maldição propriamente dita e um desdobramento (Gn 3,14).Ø Em princípio, qualquer pessoa pode abençoar ou amaldiçoar, possuindo maior eficácia, quando

da hora da morte.Ø Acredita-se que as bênçãos e maldições proferidas pelos patriarcas eram dotadas de força

especial, bem como as palavras de Moisés em Dt 33.Ø No entanto, é o sacerdote que possui, em particular, o poder de abençoar ou amaldiçoar.

Quando ele invoca o nome de Javé, a bênção divina se torna eficaz (Nm 6,27). Uma dasfunções do sacerdote é de ministrar a bênção. Ele foi ungido para isso!

Ø A expressão “Bendito seja Javé” assume um aspecto de agradecimento acrescentando-se,logo a seguir, o motivo de gratidão (1 Sm 25,32).

a) Juramentos.

O juramento assume uma forma de maldição. Faz-se um compromisso, que se não cumprido,libera a maldição, Nm 14,21; 1Sm 1,26; 1Sm 14,39; Gn 42,15. Um juramento não cumprido,passa a agir de imediato, como uma maldição.

7.3: Ditos querigmáticos, doutrinários ou didáticos.

a) Oráculos.

Os sacerdotes e profetas eram consultados. Os primeiros, através de atos litúrgicos outécnicas, forneciam a interpretação que era buscada. Quanto aos profetas, a atividade oracularse dava, via de regra, por meio de êxtases, visões ou atos exemplares.

a.1. Quanto à técnica, encontramos a obtenção de presságios na observação de pássaros(Gn 15,11) ou a inspeção de água numa taça (Gn 44,5), o florescimento de plantas nosantuário (Nm 17,16), a mudança de ruído do vento nas árvores (2 Sm 5,22), por meio dobastão dos oráculos (Os 4,12) ou passando a noite no santuário (Gn 28,10;1 Sm 3; 1 Rs3,5). O meio mais importante de oráculo em Israel era a utilização do Urim (maldito) e doTumim, (inocente), “não ou sim”.a.2. A forma de sentença oracular, no caso de bênção, consistia simplesmente em dizer simou não à pergunta feita (1 Sm 23,2-11). Havia também fórmulas litúrgicas (1 Sm 1,17).a.3. As fórmulas oraculares apresentadas como palavras de Javé ocorrem freqüentementena primeira pessoa, entendidas como palavras unicamente divinas.

b) Testes judiciais.

Por meio de testes, provas, o sacerdote podia determinar a veracidade de um comportamento.As provas se aplicavam a situações onde houvesse suspeitas ou dificuldade de identificar otransgressor (Js 7,14). Eram usados ainda, testes com poções para a verificação da culpabilidadena infidelidade conjugal (Nm 5,11).

c) Torah.

A torah é um ensinamento ministrado oralmente, uma informação e uma instrução dadospelos sacerdotes aos leigos sobre questões ou situações concretas, com o fim de evitar açõesportadoras de maldição e alcançar ações portadoras de bênçãos.

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c.1. A torah cultual versava sobre a situação de pureza ou impureza, sagrado ou profano, Is1,10;c.2. A torah litúrgica, que examinava as condições de ingresso ao santuário, Sl 15;c.3 A torah da instrução sobre questões de direito, Os 4,6.

a) Normas cultuais e o saber sacerdotal.

As normas cultuais e o saber sacerdotal constituíam os instrumentos de que dispunham osministros sagrados em sua atividade específica e que lhes serviam não menos para a formaçãodos jovens sacerdotes.

d.1. As normas cultuais estabelecem critérios para a atividade dos sacerdotes, Lv 6,2;d.2. Outros textos mostram outros ensinamentos que deviam ser parte da formação sacerdotal,Lv 11-15.

e) Aprovação, rejeição, censura.

A aprovação de algo se faz por meio da frase “É uma coisa boa” (Dt 1,14). Também areprovação, nas fórmulas como “Não está certo o que fizeste” (1Sm 26,16). As perguntas: “Quefazes tu?” ou “Que fizeste?” exprimem uma censura (Nm 23,11; Jz 8,1).

6.4: Gêneros de transmissão e comunicação.

a) Diálogos.

Constituíam-se por uma série de locuções de temas bastante cristalizados. Iniciavam-secom uma saudação, perguntas de onde se vem, para onde se vai, nome do interlocutor, de suafamília e de sua região de origem.

Os diálogos podiam ser provocados por chamados insistentes, gritos para chamar a atençãoou simplesmente pelo nome, quando de um superior para o inferior (Gn 21,17). Também, o usode fórmulas, como “meu pai” (Gn 48,18).

Os diálogos podiam encerrar-se com frases importantes repetidas (1 Rs 18,11-14).

b) Discursos.

É de se supor que em Israel tenha havido uma certa técnica para proferir discursos. Essesnão desejavam convencer os ouvintes, mas impor-se a eles, influenciando diretamente as suasvontades. Daí o discurso compor-se de repetições e de oferecimento de garantias (Jó 19,2).

b.1. O discurso político era o mais usado para roubar partidários de alguém para si (Jz 9,7;2 Rs18,17).b.2. O discurso do chefe antes de uma batalha, explicando as razões da mesma e a necessidadede vitória, com a presença de Javé (2 Cr 20,20).b.3. O discurso que o chefe político ou espiritual pronunciava à hora da morte, despedindo-se de seus comandados (Js 23,24; 1 Sm 12).

c) Pregação.

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A pregação é uma mistura de gêneros literários. Era usada preferencialmente pelossacerdotes. Os profetas fizeram sua pregação diferentemente dos sacerdotes, utilizando-sepreferencialmente da métrica. A prosa aparece nas tradições de Jeremias e Ezequiel, em discursoslivres.

d) Orações.

Juntamente com as orações líricas dos Salmos, também a Bíblia possui orações em prosa.d.1. A oração de súplica possui elementos chamados principais, tais como a invocação deJavé, o pedido e a justificativa ou a indicação da finalidade pela qual se suplica mais arecordação que se faz a Deus das antigas maravilhas de sua graça (Jz 16,28;1 Rs 3,6-9).d.2. A oração penitencial implorando o perdão da culpa e o afastamento do castigo merecido(Jz 10,10; 10,15).d.3. Não existem fórmulas de orações de ações de graças, mas a de Jacó é um bom exemplo(Gn 32,10-13), bem como a de Davi (2 Sm 7,18-29).

a) Cartas.

Um exemplo esclarecedor sobre o gênero da missiva está em 2 Rs 19,9-14. As missivassurgiram a partir da comunicação oral das mensagens. A forma escrita servia para confirmar,comprovar e para conservar a mensagem.

As missivas mais antigas de Israel estão em 2 Sm 11,15; 2 Rs 5,5; 1 Rs 21,8-10. Jeremiasescreveu aos deportados de Babilônia (Jr 29,1-14).

Na época persa, temos as cartas dirigidas ao soberano com as respectivas respostas (Esd 4-6).

b) Epístolas.

A epístola não deriva de uma determinada situação nem possui remetente e destinatáriohistóricos, como a carta. Era mais um tratado, tendo apenas a aparência de carta (Dn 3,31;4,34; Et 9,20).

7.5: Gêneros narrativos.

a) Gêneros narrativos.

As relações mútuas entre os gêneros literários narrativos são determinadas pelo fato de queo mito e o conto, a saga e a lenda constituem formas originais de narração. O mito se situa,antes de tudo, em eras remotas e imemoriais, ao passo que o conto paira no tempo e no espaço,e a saga brota do caráter peculiar e da importância de certos fatos ou acontecimentos singularesocorridos no tempo e no espaço.

b) O Mito.

O mito se passa no mundo dos deuses que têm, no mínimo, uma participação decisiva noacontecimento narrado. Não existe em Israel nenhum mito que seja conhecido em sua totalidadeou por referência a ele. Parece que Israel não produziu nenhum mito, embora tivesse condiçõespara isto. Na fé javista faltam os pressupostos para a formação do mito: o politeísmo e a magia.

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a) Nas narrativas, a existência do elemento mítico se limita praticamente à história dos primórdios(Gn 1-11). Na narrativa dos gigantes nascidos da união de seres celestiais com as filhas doshomens (Gn 6,1-4) não existe nenhum paralelo, embora se perceba que no fundo há ummito. Na narrativa do dilúvio (Gn 6,5-9,17) está comprovada a origem mesopotâmica, nostextos de Gilgamesh.

b) Fora da história dos primórdios, é somente em Ezequiel que utilizam novamente motivosmíticos, sobretudo nas profecias escatológicas e nos salmos da época exílica e pós-exílica.

c) Conto.

A terra e o universo dos homens são o palco onde o conto se desenrola. No conto só aparecemseres divinos inferiores, que estão para com o homem numa relação imediata de amizade ouinimizade. O conto não está ligado nem ao espaço nem ao tempo nem às leis da causalidade. Noconto, confundem-se realidade e fantasia. Quase se poderia dizer que o conto é um mito que sepassa no âmbito terreno e humano, com desfecho favorável. Nessa categoria se enquadram ostextos de Ex 4,1; 2 Rs 2,8; 1 Rs 17,16; 2 Rs 4,1; 1 Sm 17.

d) Novela.

A novela tem de comum com o conto o fato de que ambos descrevem o destino do indivíduodentro de um acontecimento de caráter universal e da maneira como o mesmo possa vir semprea ocorrer; portanto, não como um acontecimento que sobreviverá como memória histórica, mascomo um fato que se verifica no aqui e no agora, mas de forma universalmente válida. Exemplosde novela (Gn 37;39-48;50 e o livro de Rute).

e) Anedota.

A estória (anedota), ao contrário dos demais gêneros literários até agora mencionados, fixa-se em torno de determinados fatos e pessoas. À diferença da novela, a estória faz o homemintervir pessoalmente nos acontecimentos e dominar situações (Jz 15,1;1 Sm 24;26; 2 Sm23,8).

f) Sagas e lendas.

As sagas são histórias antigas sobre feitos heróicos. As lendas são narrativas transmitidaspela tradição de fatos históricos, mas que carecem de comprovação. Podemos dividir as sagas elendas do Antigo Testamento em seis categorias principais.

h.1. As sagas referentes aos lugares e à natureza, como a Torre de Babel (Gn 11,1-9). Anarrativa de Sodoma, para explicar a origem do Mar Morto (Gn 19).h.2. As lendas referentes ao santuário, que tratam igualmente de um determinado lugar edevem explicar por que o santuário era tido por sagrado (Gn 16,7). A manifestação a Jacóem Betel (Gn 28,10). Em geral, a descrição trata da manifestação de uma divindade quehabita em determinado sítio, manifestação pela qual o interessado toma consciência, aomesmo tempo, da santidade do local e do desejo da divindade de que este lugar seja veneradono futuro.h.3. Lendas a respeito do culto deviam justificar a existência de um determinado culto ou deum rito: assim, explicava-se a presença da imagem de uma serpente no templo de Jerusalém,até cerca de 700 a.C., como sendo certo demônio de cura, partindo de um acontecimento dotempo de Moisés (Nm 21,4).

h.4. A saga das tribos e do povo é de particular importância para Israel. Ela deriva da concepção de que cada tribo e cada povo possuía um chefe ancestral cujos traços

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essenciais e cujo destino se representam, se fundam e se refletem naqueles da comunidade(Gn 9,25; Gn 19,30; Gn 48).h.5. A saga dos heróis constitui a segunda espécie mais importante, ao lado da saga relativaàs tribos e povos e começa com a época mosaica. A vitória sobre os amalequitas (Ex 17,8) ea quebra das tábuas da Lei (Ex 32).h.6. As lendas de caráter pessoal giram em torno de sacerdotes, profetas e mártires enquantofiguras religiosas (1Sm 1-3; Nm 16).

As sagas e as lendas, assumidas ou próprias, foram reelaboradas de diversos modos numlongo e progressivo processo histórico-tradicional. Nesse processo, quatro foram os princípiosque desempenharam importância:Ø As sagas e lendas foram adaptadas aos aspectos pessoais da fé javista e personalizadas.

Exemplo disso, a experiência de Jacó em Betel;Ø As sagas e lendas foram colocadas em relação com Israel, com seus antepassados, suas

tribos; foram, portanto, “nacionalizadas”, precisamente na medida em que isto se fazianecessário. Exemplo: José no Egito.

Ø As sagas e lendas foram javistizadas, na medida em que isto era necessário, isto é, foramrelacionadas com Javé, o Deus de Israel. Exemplo disso é a expressão de Jacó, quando desua experiência: “Verdadeiramente Javé está presente neste lugar, e eu não sabia”.

Ø As sagas e lendas foram entendidas, em escala crescente, em sentido religioso, e mesmoteologizadas. Quase sempre Deus desempenha um determinado papel, ou mesmo o papelessencial, e a exposição se torna mais profunda (Gn 6,5).

7.6: Gêneros informativos.

a) Listas.

As listas são relações de nomes e lugares, genealogias.

a.1. Listas de pessoas e povos entre os quais se contam em primeiro lugar as listas genealógicas(Gn 10; 22,20-24; 25,1-4).a.2. Listas histórico-geográficas, com nomes de povoações, de fortificações e das cidadesdos levitas (Js 15-19).a.3. Listas de donativos sagrados, onde objetos e coisas são classificados (Ex 35,21-29; Esd2,68).

b) Anais e crônicas.b.1. Devemos qualificar como anais os apontamentos distribuídos segundo os anos e, na suamaioria, de natureza oficial, sobre determinados acontecimentos de importância. Esses anaisse destinavam a fixar memória sobre os referidos acontecimentos e por isso eram guardadosem arquivos (1 Rs 9,15; 11,7; 14,25).b.2. Com relação aos dois estados de Judá e Israel devemos admitir também a existência decrônicas que, como suas similares do Antigo Oriente, encerravam as datas dos diversos reise curtas observações sobre seus feitos e seus destinos.

c) A narrativa histórica e a historiografia.

Dentro do grupo constituído por esse gênero literário, deve figurar em primeiro lugar aquelaespécie de narrativa, completa em si, em que se descreve um acontecimento de modo mais oumenos detalhado e tal qual se deu. Exemplo disso, Jz 9 e 1 Sm 11.

Paralelas a este grupo, existem as compilações, tais como 1 Rs 11,41; 14,19.29.

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Existe ainda a historiografia, a qual consiste de composições literárias que abrangem umdeterminado período e unem os diversos materiais, tanto internamente quanto do ponto devista dos temas tratados.

a) Biografia.

Na biografia, o indivíduo procura fixar seus próprios feitos ou os de outrem para que seguarde a memória dos acontecimentos descritos para justificar-se perante os seus contemporâneose perante a posteridade ou ainda como oferta a Deus (Amós 7,10-17).

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O RITO

A religião sacerdotal, as observâncias cultuais, os preceitos éticos, a educação religiosapor meio dos textos sapienciais e poéticos, com sua função normatizadora, têm a finalidade deeducar o fiel para que ele possa viver dentro da sociedade de forma harmônica, sem criar muitasdificuldades, aprendendo o caminho da vida coerente, livre de conflitos.

Praticando os ritos, o homem está em paz com a divindade e com os preceitos de cunhosocial. O rito tem esta capacidade: conferir ao indivíduo uma identidade religiosa e social,possibilitando uma vida de satisfação e tranqüilidade.

O Sacerdote e o Rito estão intimamente ligados. Ele é o homem escolhido na linhagem deArão com a função de ser o intermediário entre o israelita e sua divindade, Javé. É através dosacerdote que o fiel oferece holocaustos, sacrifícios pelo pecado ou de gratidão; expia o pecadoseu e de sua família; dirige-se a Deus e é ouvido.

O sacerdote é o intermediário entre o homem e Deus. Sem sua figura não há celebraçãode culto, não há perdão, intercessão, nem orações a favor do ofertante.

Diante do exposto, devemos adentrar os textos que nos falam mais de perto a respeito doRito, de como foi criado ou incorporado e sua função na religião e na formação do povo de Israel.Para conhecer o Rito, devemos estudar o Pentateuco e os Escritos (Cânticos e Sapienciais).

I - O PENTATEUCO

Os cinco primeiros livros da Bíblia recebem o nome de Pentateuco, “Livro composto decinco rolos”. Os hebreus os chamam de “Hattorah (A Lei); Torah-Mosheh (Lei de Moisés); SepherTorah Mosheh (O Livro da Lei de Moisés). Essencialmente, são livros do Rito!

Os nomes de cada um dos cinco livros são tomados das palavras iniciais. Os títulos emgrego preocupam-se em nomeá-los de acordo com o conteúdo.

1. GÊNESIS Bereshith: No Princípio - Como o próprio título já nos diz, trata dos inícios: da raçahumana; da salvação; do povo de Israel, na vida dos Patriarcas; o êxodo, com a descida dafamília israelita sendo abrigada e posteriormente, escravizada no Egito, preparando-os para odesenrolar do Pacto de Yahweh com Israel.

É provável que o seu autor tenha sido um profeta que viveu nos tempos da Monarquia deSalomão. Uma das razões seria a preocupação de ressaltar a monogamia como sendo um estadopreferível pelo Criador.

O Livro de Gênesis é um relato teológico-histórico. Seu autor utiliza-se da linguagemmítica para explicar as origens. Para ele, Deus é uma realidade que não precisa de

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fundamentação ou de provas de existência. Sua preocupação básica: deixar claro que tudo foicriado pela divindade.

Existe, no Gênesis, uma gama de rituais. Por exemplo, quando Abel e Caim apresentamsuas oferendas1 como ato de culto; ou quando Noé2 erige um altar; Abraão dá o dízimo3 epratica a circuncisão4 .

Naturalmente que outros ritos são encontrados no Gênesis e que não estão arroladosaqui. Os exemplos citados são suficientes para demonstrar uma das mensagens centrais desseLivro Bíblico: os ritos remontam aos Patriarcas! Eles simbolizam relações, acordos e obrigaçõesentre o adorador e seus descendentes junto à divindade, e esta, em contrapartida, respondecom sua presença e com as bênçãos: terra fértil, boa colheita, rebanho sadio e filhos homens efortes.

2. ÊXODO Ve’elleh Shemot: A Saída - Narra a escravidão dura dos israelitas no Egito. O problemada opressão é tão crucial que o texto nos fala de um desânimo para com qualquer discurso sobreliberdade5 .

Este Livro é o registro de como Javé comissiona o homem para realizar sua vontade,mesmo que esse tente de todas as maneiras fugir à Missão6 .

O Êxodo introduz a história da salvação por meio da Eleição de Israel como povo de Javé,escolhido para Sua Revelação e de sua Lei, como declaração de posse sobre este povo.

A Lei (Torah) tem duplo sentido. É uma declaração de posse por parte da divindade; deveser vista como a materialização da Aliança. Por outro lado, estabelece uma forma de viver e deser, promovendo um sentimento de pertença, de identidade, que transforma Israel na herançapeculiar de Iahweh.

O Êxodo nos dá uma descrição detalhada dos objetos do culto e de como deve ser construídoo Tabernáculo. As instituições sacerdotais são aqui determinadas.

3. LEVÍTICO Vayqra’: E Chamou - Livro das Instituições Cultuais, contém todas as regrasque devem ser observadas por Israel para as celebrações litúrgicas, festas, sacrifícios,

    1Gn 4.1-7: O culto oferecido e sua aceitação ou rejeição por parte da divindade já carrega um conteúdo: a qualidade da oferta ea intenção ofertante.    2Gn 8.20-22: Sua alegria com a nova vida se traduz no ato de consagração de um local para adorar. É a resposta humana ao atodivino de salvar!    3Gn 14.18-24. Sua oferenda é quantitativamente determinada e o coletor está divinamente autorizado! Rito formador do devoto!    4Gn 17.9-14: Este rito é estabelecido com a finalidade de marcar, separar, identificar. Os circuncidados são parte do pacto, osoutros, não! A instituição da circuncisão entre os descendentes de Abraão difere da praticada por outros povos, entre os quais,egípcios, edomitas e polinésios. Tribos antigas da África, não somente praticavam a circuncisão como também a escisão, ou seja,a retirada do clitóris, nas meninas em idade de procriar. Os descendentes de Abraão foram circuncidados ainda na infância,eliminando a significação de iniciação sexual.

    5Êx 6.9. A opressão atinge tal grau de desumanização, que a consciência fica insensível, incapaz de perceber a indignidade queestá sendo levada a cabo.    6Êx 3-4.

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ordenações e as prescrições aos sacerdotes. Deixa claro o pacto feito com Javé de observartodos os seus mandamentos para receber a bênção; e, se não, as maldições1 .

O Levítico é a expressão clara das normas da lei. Observá-lo é praticar a religião. Todas asdefinições teológicas recebem, neste livro, aplicações práticas e orientações de como devem sercompreendidas.

Quanto aos ritos, encontraremos vários. Talvez o que chame mais a atenção seja aqueleque transforma o sacerdote numa espécie de médico, fazendo-o opinar sobre a lepra2 de alguém.Impressiona por causa do componente segregacionista que acompanha toda liturgia para sedeterminar a doença ou a saúde de outros.

4. NÚMEROS Bemdbar: Recenseamento - Preocupa-se com as listas dos que foram retirados doEgito, assim como complementa alguns fatos históricos deixados de lado pelo Livro de Êxodo.

Apresenta alguns ritos importantes. Dentre eles, realçamos o do nazireu3 , pois se tratade uma prática de consagração que pode ser temporária. A relação com os cabelos possivelmentetem a ver com a crença de que estes representam a vitalidade e a força do homem. Ao deixá-loslivres para crescer, por determinado tempo, o votante está desejando receber poder de Deuspara enfrentar alguma situação de grande risco para sua existência.

5. DEUTERONÔMIO ‘elleh haddebarym: Estas são as Palavras - Trata-se de uma cópia da Leide Moisés, porém, feita a partir de um redator muito competente que procurou resumir e agruparfatos e palavras, fazendo uma “repetição” das palavras pronunciadas por Moisés ao Povo deIsrael.

Por se tratar de uma repetição das ordenanças, muitos dos ritos foram aqui reapresentados.O que chama a atenção é a centralidade da Torah, que deve ter lugar junto com os símbolos queestão guardados na Arca da Aliança4 , devendo ser depositada ao seu lado, ressaltada sua função:“... que ali esteja por testemunha contra ti...”!

II - OS ESCRITOS

1. CÂNTICOS.

Esta porção da Bíblia Hebraica se formou ao longo dos anos. Sua função é essencialmentelitúrgica, ou seja, satisfazer as necessidades das celebrações cultuais, festivas, sociais5 e políticas6 .

    1Lv 26.1    2Lv 13. Aliás, todos os rituais de purificação são interessantes por sua relação estreita com o culto.    3Nm 6.    4Dt 31.24-29.    5Como casamentos, funerais, ritos de iniciação etc.    6Os Salmos de Entronização do Rei, por exemplo: Sl 72.

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Os Cânticos não estão todos encerrados nos Livros dos Salmos, Cantares ou Lamentações,mas estes se tornaram, com o passar do tempo, depositários das composições, passando a seruma coleção das mesmas. Seus autores são diversos e, na maioria, desconhecidos. A poesia é aforma mais antiga de transmissão oral, não havendo como se descobrir a sua autoria, salvo se amesma trouxer o nome de seu criador. Algumas, mesmo mencionando o nome do autor, sãocertamente, tardias, colocando um nome famoso apenas para homenagear o poeta antigo.

1.1. SALMOS Tehilym: Cânticos - Colecionados ao longo dos anos, formaram um livro que veioa ser utilizado na liturgia do culto. Seus poemas podem ser divididos da seguinte forma:a) Livro I - Salmos 1-41; b) Livro II - Salmos 42-72; c) Livro III - Salmos 73-89; d) Livro IV -Salmos 90-106; Livro V - Salmos 107-150.

Além dessa divisão, podemos ver nos salmos os seguintes gêneros literários:1.1.1. Hinos: Compostos com a finalidade de louvar a Superioridade de Javé sobre os

outros deuses. Ex.: Sl 149;1.1.2. Cânticos de Sião: Poemas que exaltam Jerusalém como a cidade de Javé e único

lugar onde deve ser adorado; Ex.: Sl 122;1.1.3. Cânticos de Romaria: Compostos para serem cantados quando das peregrinações

para o Templo, em Jerusalém. Ex.: Sl 15;1.1.4. Cânticos de Lamentação Coletiva: Orações Pedindo socorro, ou perdão, de natureza

coletiva, envolvendo toda a comunidade. Ex.: Sl 126;1.1.5. Cânticos de Lamentação individual: Pedido de perdão por pecados cometidos pelo

compositor, que vê, no cântico, a forma de aproximar-se de Deus novamente. Ex.: Sl 25;1.1.6. Cânticos de Confiança Coletivos: Orações feitas professando a fé no poder de Javé

para proteger, redimir e restaurar a comunidade. Ex.: Sl 129;1.1.7. Cânticos de Confiança Individual: O homem, como unidade, busca alento, forças e

esperança em Javé. Ex.: Sl 23;1.1.8. Cânticos de Ações de Graças Coletivo: Quando as colheitas eram fartas e havia

bom desenvolvimento dos rebanhos, a comunidade se reunia para agradecer, por meio de festasdas colheitas. Ai eram entoados estes cânticos. Ex.: Sl 65;

1.1.9. Cânticos de Ações de Graças Individual: O homem dá graças pelo livramento dosinimigos; por sentir a presença de Javé iluminando o seu caminho; por alguma vitória pessoal,quer nos negócios, quer nos conflitos. Ex.: Sl 63;

1.1.10. Cânticos Reais: Utilizados nas cerimônias de entronização do Rei, ou na aclamaçãode Javé como o Rei de Israel. Ex.: Sl 72;

1.1.11. Cânticos Sapienciais Didáticos: Poemas compostos com a finalidade de ensinar ohomem a viver em paz consigo, com o próximo e com Deus, por meio da meditação na Lei deJavé. Ex.: Sl 1.

1.2. CÂNTICO DOS CÂNTICOS Shir Hashirim: Cântico dos Cânticos - Esse é um poema deamor. No decorrer da história, foi interpretado de diversas formas, sendo as principais:

1.2.1. Alegoricamente: Tanto judeus como cristãos interpretaram o Livro como sendo adeclaração de amor de Javé para Israel (judeus); ou de Jesus Cristo para com a Igreja;

1.2.2. Cultual - mitológica: Os amantes descritos, na verdade seriam a representação dedivindades masculinas e femininas que em todos os casamentos estariam sendo lembrados noseu matrimônio sagrado. Daí a necessidade de se cantar ou recitar o texto em cerimônias nupciais;

1.2.3. O Amor Humano: Os personagens seriam simplesmente homem e mulher vivendoa plenitude da dimensão física do amor. O objetivo deste texto estar entre os canônicos seria odesejo de desvincular o sexo da religião, demonstrando que esta esfera seria a do humano, nadahavendo de sagrado nos intercursos sexuais entre marido e mulher.

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O Cântico dos Cânticos foi usado largamente como literatura base para representaçõesteatrais. As classes média e alta de Israel o usavam para os momentos de celebração de casamentosou mesmo de reuniões festivas da comunidade.

Naturalmente, os objetivos do texto não incluem a procriação, visto que não são citadosnenhuma vez os filhos do casal. Os motivos inspirativos para composição dos poemas sãoencontrados na corte de Salomão, que muito provavelmente tenha sido o seu autor.

Aqueles que o preservaram tinham em mente fortalecer a relação monogâmica, mostrandoas delícias do relacionamento a dois como uma forte razão para tornar um matrimônio duradouro.

1.3. LAMENTAÇÕES ‘eykhah: “Ai, como”! - Este texto possui cinco lamentações em estilo de“canto fúnebre”, compostas de forma acróstica, sendo que o último canto segue o alfabetohebraico, provavelmente por acreditar no poder mágico das palavras.

O motivo dos cânticos é a cidade de Jerusalém. Os poemas são compostos de forma aentender-se que a cidade já estaria morta. Este livro certamente tem como período a queda deJerusalém ocasionada pela invasão e destruição feita por Nabucodonozor, em 586 a.C., provocandono poeta um sentimento de perda que se afigura insuportável.

Provavelmente foi composto por volta do ano 587 a.C. por uma testemunha ocular, antesda reconstrução determinada pelo Império Persa, a partir de 538 a.C.

Na Bíblia Hebraica, o Livro das Lamentações está colocado junto aos Escritos após Rute enão entre os Livros Proféticos.

2. SAPIENCIAIS.

Normalmente, quando se fala de Sabedoria, lembramos de Jó, Provérbios e Eclesiástes.Esses escritos levam o nome de “sapienciais”,ou seja, sabedoria.

Esses textos são o resultado da forma de pensar dos sábios, oriundos dos círculos sapienciaisque eram formados por sacerdotes, profetas, funcionários reais e líderes tribais. Naturalmenteque todo esse conhecimento não nasce em Israel, mas passa por um processo de apropriação deditos egípcios, histórias sumérias, cânticos acádios e hititas, que, juntos, tornaram o homempalestino dos tempos da monarquia em Israel capaz de formular um tipo de filosofia, de arte dopensar, que pudesse responder perguntas essenciais dos homens em todos os tempos. Salientamosque o fato de utilizar-se da sabedoria oriental da época não diminui a importância nem a autoridadedos escritos bíblicos1 .

A forma usual de produzir conhecimento, dentro deste gênero, é o provérbio, que pode ser deadmoestação; antitético, de paralelismos e nas instruções contidas em hinos2 , confissões ounarrativas.

Existe sempre algo que caracteriza a literatura sapiencial, que é o emprego do diálogo eda disputa.

    1 Lembramos que o Apóstolo Paulo, em At 17.28, usa da filosofia dos gregos para exemplificar e fundamentar o ato Criador deDeus.    2Sl 1

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O que é Sabedoria? Um modo de ver o mundo que se baseia na observação e na reflexão,procurando encontrar os pontos que harmonizam o homem com a ordem fundamental da natureza.Essa reflexão produz, assim, uma forma de comportamento que possibilite ao homem viver empaz por meio de um proceder ético, prático e adequado.

No fundo, a Sabedoria deseja provar, racionalmente, que os postulados da fé podem servivenciados de forma coerente e satisfatória, se observados os preceitos e normas que nosfazem existir harmonicamente com a natureza, com a sociedade e com Deus.

2.1. JÓ ‘Yob: Jó: Retorno - É uma narrativa que possui a seguinte característica: abre-se comprosa, depois transforma-se em poesia, e fecha-se com prosa, novamente. É interessanteobservarmos que o autor, na prosa, utiliza-se do nome de Deus, Iahweh; na poesia, chama adivindade de Shaday.

Qual seu objetivo? Os estudiosos acreditam que nesse livro o autor1 desejaquestionar o princípio de que quem pratica o bem recebe o mesmo em troca. Esse determinismoseria o alvo do escritor que, na montagem do drama, procura demonstrar que a vida, o sofrimentoe a própria divindade não podem ser equacionadas de forma fácil. Compreender a existênciaseria mais do que meras fórmulas decoradas e aprendidas quando criança.

2.2. PROVÉRBIOS Mashaly: Provérbios - Coleção de máximas, ditos, que tem como objetivoinstruir por meio da memorização verdades que dão ao homem capacidade para viverharmonicamente, na sociedade e com Deus. Assim, contém provérbios artísticos, estruturadosconforme a métrica hebraica; populares, em forma de prosa; didáticos, para inculcar valores;admoestações, instruções dos mestres aos discípulos; ordens; proibições; enigmas; fábulas;alegorias, que são metáforas ampliadas; discursos de disputa; listas de nomes formando acrósticos.

Provavelmente Salomão tenha sido autor de alguns provérbios. O próprio livro anunciaque possui outros autores2 . Os que deram forma ao livro certamente lançaram mão de toda aliteratura conhecida da época para criar esta obra muito instrutiva e necessária aos que desejamser sábios.

2.3. ECLESIASTES Qohelet: O que congrega - Esse talvez seja o texto mais enigmático doCânon Hebraico. Estamos diante de um livro que produz filosofia, que provoca reflexão por suasafirmações que são, muitas vezes, difíceis de compreender3 .

Suas observações iniciam-se e se concluem com a expressão “vaidade”, significando, comisso, “vazio, futilidade, inutilidade”.

Em suma, o texto é reflexivo. Ao observar a vida cotidiana o autor4 fala da busca humanapela sabedoria, conhecimento, riqueza, prazer, demonstrando que tudo isso, separado de Javé,não produz alegria nem contentamento.

    1O autor de Jó é desconhecido. Sabe-se que sua obra é antiga, provavelmente remontando à época dos eventos narrados no livro.Por outro lado, argumenta-se que Jó não seria um personagem real, mas criado com a finalidade de ensinar o equilíbrio na vida.    2Pv 30.1    3Exemplo disso é o verso 16 do cap.7.    4A autoria do Livro é geralmente colocada na época dos Ptolomeus, III século a.C., conforme muitos estudiosos - ver IntroduçãoSocioliterária à Bíblia Hebraica - págs. 537ss.

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Eclesiastes é um texto para meditar sobre o sentido da vida. Ser jovem ou velho nãosignifica nada. O conhecimento sem sabedoria também é “vaidade e correr atrás do vento”. Aohomem está reservado o conhecimento do mistério, se atrelado a Deus.

2.4. ESTER: ‘Esther: Estrela - Esse livro é considerado por alguns como histórico e por outroscomo uma novela. Ele nos conta a situação dos judeus que viveram no Cativeiro Persa, tendocomo personagens heróicos Esther e seu tio, Mordecai.

Esther é uma cativa que se torna rainha e vive a situação de poder salvar o seu povo doextermínio perpetrado por um oficial do rei, Aman, que, para deliciar-se com a morte de seusinimigos judeus, chega a construir, nos fundos da casa, uma forca. Por que o seu ódio? É queMordecai, funcionário do rei, descobre uma conspiração e salva o monarca. Por medo destejudeu se tornar muito importante, e movido pela inveja, Aman decide matá-lo, e a todos os seus.

Hoje, sabemos que as informações históricas não são exatas. No entanto, o Livro é muitoimportante, pois institui a celebração da Festa do Purim. A palavra pûr significa sorte, e denominaa festa, porque foi o que fez Aman para descobrir o dia que mataria aos judeus: tirou sorte (pûr)!

Aprendemos com esse livro sobre a natureza humana; a solidariedade e a cumplicidadeque devem existir entre familiares e patrícios; a insanidade do preconceito; a dedicação e aintegridade no exercício das funções destinadas.

AS NARRATIVAS

Por que as narrativas estão na Bíblia? Não há somente a preocupação histórica, massobretudo, pedagógica, no sentido de prover os fiéis que investigariam as ações de Javé, deexemplos humanos de convivência e de bênção de Deus.

I - O ISRAEL PRÉ-MONÁRQUICO

Esta parte do Antigo Testamento é a mais complicada para se discorrer sobre ela, porquesuas datas são recuadas e as fontes são escassas para nos informar com segurança os fatos.

1. O Livro de Josué: Yehoshuah1

O Livro de Josué contém as narrativas da conquista2 . Ele nos fala da invasão das tribos,embora seja mais preciso em documentar a tradição de Benjamim. Se prestarmos atenção,veremos que na lista das cidades conquistadas, todas são possessões dessa tribo.

    1Significa “Javé é salvação”.    2a) Js 1 a 12: Narrativa da conquista da Cisjordânia sob a Liderança de Josué; b) 13 a 22: As distribuições de terra às tribos eàs instituições públicas por Josué; c) 23 a 24: Os dois discursos de despedida de Josué.

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A época da invasão israelita é datada entre 1305-1200 a.C1 . A dominação egípcia duranteestes anos conhece momentos de derrota, pois o anseio do Faraó Ramsés II de tomar a Síria fazperder o controle da Palestina para o Império hitita. Nesse tempo é que Josué entra na Palestinacom as tribos de Israel. Canaã era habitada mais nas planícies do que nas montanhas, o quepossibilitou uma invasão mais segura.

A Palestina desse período era uma sociedade tendente para o comércio de madeira,fabricação de tecidos e especiarias. Lingüisticamente, era uma região onde todos os idiomas daépoca eram falados, havendo grande proliferação de literatura, principalmente em acádio, línguados cananeus. Religiosamente, possuía quatro deuses maiores, El, Baal, Astart e Anat. Os menoreseram chamados de Baalins. Baal era considerado o mais ativo, apesar de ser o segundo nahierarquia, sendo responsável pela fertilidade.

Politicamente, esse povo, dada as constantes invasões, possuía pouco sentimentonacionalista, sendo dividido em cidades-estado. Sua região era muito cobiçada pelos impérios e,quase sempre, foi palco de guerras de conquista.

A conquista da Palestina segue sendo vista na literatura veterotestamentária sob trêsteorias:

1.1. Modelo de conquista: Somos informados que Josué entrou na Palestina com asdoze tribos e, por meio de ataques relâmpagos, foi tomando as terras e as dividindo de acordocom o tamanho das tribos2 ;

1.2. Modelo de imigração: Esse nos informa que Israel infiltrou-se paulatinamente naPalestina de forma pacífica, por um longo tempo, alcançando somente a vitória final nos temposde Davi;

1.3. Modelo de revolução social: Essa teoria se fundamenta na idéia de que os israelitas,na verdade, compunham-se de cananeus nativos que se revoltaram contra seus soberanos etomaram, assim, as cidades-estado, através da união de suas forças com um grupo de invasores(O Israel que saiu do Egito).

A apresentação sucinta dessas três teorias mostra a dificuldade que se tem hoje, apesarde todo o progresso no estudo do Antigo Testamento, de afirmar categoricamente que Israelentrou dessa ou daquela forma na Palestina.

Talvez possamos especular que Israel possa ter vivido, no processo de ocupação daPalestina, as três possibilidades acima mencionadas. Entra um bando guerreiro na terra, lideradopor um homem de Efraim, Josué, que se alia a povos etnicamente provindos do mesmo ancestrale, com base nisso, consegue tomar o poder, alimentando militarmente insatisfações de camponesessob a dominação e exploração das cidades-estado que, depois de séculos de luta, alcançam umacerta estabilidade nos dias de Davi.

2. O Livro dos Juízes: Shophetim3

Depois da conquista, vem a ocupação e a permanência na terra. Esse período é conhecidocomo a Época dos Juízes. Os relatos encontram-se no Livro de Juízes.

    1Existem outros que datam a conquista entre 1200-1000 a.C. GOTTWALD, N. K. Introdução Socioliterária da Bíblia Hebraica- Ed. Paulinas - São Paulo - 1988. pág. 222ss.    2As informações mais detalhadas desse modelo e dos outros podem ser encontradas em: GOTTWALD, N. K. - IntroduçãoSocioliterária da Bíblia Hebraica - pág. 251-265.    3De Shephet: julgar, punir.

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Quem eram esses homens e mulheres? As narrativas nos dizem que eram pessoas que sesentiam chamadas para atuar num determinado momento da história de Israel, via de regraquando ocorriam invasões e havia necessidade de um Libertador. Dado importante é que essesjuízes nunca atuaram sobre todo o Israel, mas na opressão verificada nas tribos, isoladamente1 .

Os “juízes” eram, no mais das vezes, líderes tribais que tiveram suas tradições preservadase que podem ter vivido simultaneamente, visto que suas participações se circunscrevem a áreas,não havendo, ainda, a concepção de Israel como conceito político unificado; é o tempo em que“cada um fazia o que parecia certo aos seus olhos”2 . Sua sociedade era agro-pastoril, centradanas famílias, clãs e tribos.

O Livro dos Juízes se divide da seguinte forma:2.1. Jz 1.1-2.5: Conquistas feitas aos poucos e incompletas da terra pelas tribos

individualmente, depois da morte de Josué;2.2. Jz 2.6-3.6: Introdução à Era dos Juízes;2.3. Jz 3.7-16.31: Narrativas dos Juízes em suas funções;2.4. Jz 17-21: Duas narrativas da época dos Juízes.

3. O Livro de Rute 3 : Rût

Dentre as narrativas existentes no Livro dos Juízes, bem poderíamos incluir a novela doLivro de Rute. O contexto para o enredo nos reporta aos tempos pré-monárquicos, provavelmenteaos tempos dos Juízes.

Conta a história da família de Noemy, que para fugir da fome reinante na terra muda-separa Moabe. Porém, não é feliz lá e volta. Nesse retorno, Rute, que é moabita, resolve ficar juntocom a sogra, as duas acabam sendo salvas, literalmente, por Boaz, tornando-se a moabita,antepassada do Rei Davi.

É uma novela que exalta a fidelidade, a integridade e a fé em Javé, que aparece nanarrativa como Aquele que orienta a vida das pessoas e está presente com os necessitados.

Seu valor está em justamente realçar a experiência de pessoas comuns, tanto com Javécomo com a Torah que, se praticada, proporciona à Israel o exercício da misericórdia e,conseqüentemente, o favor divino.

4. Os Livros de 1 e 2 Samuel: Shemuel4

Os nomes desses dois livros poderiam estar ligados à tradição judaica segundo a qualforam redigidos por Samuel, Natan e Gad, como já 1 Cr 29.29 manifestamente o supõe.

    1Otoniel, de Judá; Eúde, de Benjamim; Débora, de Efraim; Barac, de Naftali; Gideão, de Manassés; Tola, de Issacar; Jair, deGileade; Jefté, de Gileade; Sansão, de Dã etc.    2Jz 17.6.    3Significa “Vistosa”.    4Significa “Nome de Deus”: Shemû+el.

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No Cânon, os dois livros constituíam, originalmente, uma unidade que só se desfez nosmanuscritos e nas impressões hebraicas executadas a partir de 1448. A versão da LXX(Septuaginta) reuniu os livros de Samuel e Reis num só livro chamado Reinos e o subdividiu emquatro livros numerados seguidamente, dos quais os dois primeiros correspondem a 1 e 2 Sm eos últimos, a 1 e 2 Reis.

1 e 2 Sm são fruto da unificação de várias tradições. Os livros, como os temos, já são umprocesso elaborado, ou seja, alguém juntou as tradições e deu forma redacional para que, lido,pudesse apresentar uma certa coerência de conteúdo.

Seu conteúdo engloba as tradições de Samuel, Saul e Davi1 . Todo o contexto dos livrosestá voltado para as batalhas, primeiro de Samuel, depois de Saul e Davi, contra os filisteus e asdificuldades inerentes a isso. Nesses livros vamos encontrar a gênese da função do profeta emIsrael, exemplificada nas figuras de Samuel, Natan, Gad e outros não identificados, mas queexerceram seu ministério.

II - A MONARQUIA EM ISRAEL

A Monarquia israelita abrangeu quatro séculos. Os três primeiros reis exerceram seugoverno sob uma nação unida. Essa monarquia unida durou pouca coisa mais do que um século,iniciando-se por volta de 1020 a.C.

Sua origem está centrada no fato de que os filisteus estavam se tornando uma ameaçamilitar muito forte, fazendo com que os israelitas desejassem ter as mesmas condições paraenfrentá-los2 .

Para atingir esse fim, Israel precisa deixar de ser tribal. Antes da Monarquia, não haviaEstado. As decisões eram isoladas, ocorrendo nas tribos, clãs, cidades-estado e outras subdivisõesque mostram bem a diversidade de relações do Israel pré-monárquico.

As tribos se uniam, na eventualidade de acordos ou ataques inimigos. Os estudiososfalam de uma Confederação de Tribos (Anfictionia), que se reunia para deliberar atividadesconjuntas, possuindo uma liderança flutuante. Outros, aventam a hipótese de não haver talconfederação, mas uma união de duas ou mais tribos ou cidades-estado, para fazer frente aalgum perigo comum. O certo é que não havia estado constituído. As funções de naturezareligiosa e ritual eram executadas, via regra, pelos pais de família ou chefes de clãs, em santuárioslocais.

1. O Período de Saul: Sha’ul3 1 Sm 10-31

    1Podemos dividi-lo da seguinte forma: a) 1 Sm 1-7: As tradições de Samuel; b) 8-15: Samuel e Saul; c) 16-31: Saul e Davi; d)2 Sm 1-8: Ascensão de Davi; e) 9-20: Governo de Davi e a sucessão no trono; f)21-24: Apêndices falam dos Gibeonitas, dosHeróis de Davi, um Salmo, suas últimas palavras, nova lista de heróis e o recenseamento e a epidemia.    2"Possuíam os filisteus a vantagem da liderança oligárquica, ao contrário das cidades-estado cananéias divisivas, e suas armasde ferro e força de choque móvel faziam deles lutadores eficazes na região das colinas. Essa ameaça unificada punha em movimentouma contrabalançadora defesa militar unificada da parte de Israel”. GOTTWALD, N. K. - Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica - pág. 304.    3Significa “Pedido de Deus”.

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É provável que Saul tenha governado por volta de doze ou vinte dois anos. Sua escolha sereveste de controvérsia, pois existem textos que dizem ter sido ele ungido por Samuel1 e, deoutro lado, que foi resultado do desejo de Israel de ter um rei, insurgindo-se contra a realeza deJavé2 . Também sua rejeição é narrada duas vezes3 .

Acredita-se que Saul não tenha sido um rei, na verdadeira acepção do termo, por, entreoutras coisas, não possuir uma sede para seu governo; não conseguir montar um exército regular;não ter exercido funções administrativas nem construído nada. Sua passagem por Israel épuramente militar e seu reinado é marcado por um estado constante de guerra! Podemos dizerque seu “reinado” não passaria de uma “pré-monarquia”.

Nos textos mais antigos, Saul não é chamado de rei, malkah, mas de noged príncipe oucomandante. Exerceu sua liderança por todo o tempo da beligerância com os filisteus, o queequivale a toda a sua vida. Morreu guerreando, sem condições para outorgar sua liderança aodescendente.

Existem algumas particularidades quanto ao reinado de Saul. Não se pode deixar demencionar sua capacidade militar, bem como sua dificuldade de manter-se fiel aos princípiosestabelecidos por Samuel. Percebe-se uma constante tensão entre as instituições da monarquia,do sacerdócio e do profetismo. O capítulo 28 nos testemunha a sua incapacidade de aceitar queseu tempo havia terminado.

Seu relacionamento com Davi também é tumultuado, havendo momentos de grandetensão entre eles. Os relatos nos falam de situações difíceis, de origem espiritual4 e da presençade Davi, como que para aliviá-lo de seu sofrimento. Um final melancólico para um herói deguerra! Seu mérito? Preparar as tribos para a liderança de Davi e a instalação do Estado deIsrael.

2. Davi David5 A Instituição do Estado. (2 Sm)

A Monarquia começa, efetivamente, com Davi. O estabelecimento do Estado, com todasas suas características, terá seu auge no período de Salomão, mas Davi é o rei por excelência.Ele é chamado de “malkah”!

Sua subida ao trono não se deu pacificamente. Os textos nos informam que houve lutaentre os adeptos de Saul e de Davi, para se saber quem seria o seu sucessor6 .

Davi, depois de ter sido aclamado rei sobre todo o Israel, assume para si a guerra com osfilisteus e os derrota. A partir daí, começa uma nova fase para Israel.

    11 Sm 9.1-10.16    21 Sm 8.10, 17ss    31 Sm 13.8ss e 15.10ss    41 Sm 16 5Significa “Amado”.    62 Sm 2.

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O reinado de Davi institui, de uma vez por todas, o Estado. Conquistando Jerusalém, umacidade que não pertencia a nenhuma tribo, inaugura um governo independente e de estrutura.A capital necessita de funcionários que desempenhem os papéis vários de um Estado. Há umesforço que se coroa de êxito na centralização da fé em Javé, na cidade de Jerusalém, quando dotransporte da Arca da Aliança1 .

As guerras não se resumem aos filisteus somente. Também os amonitas, moabitas eedomitas são alvo da espada de Davi, estabelecendo a hegemonia de Israel até o rio Eufrates.

É importante ressaltar que tais êxitos políticos militares se dão, por falta da presença dasgrandes potências, que neste período estão enfraquecidas e portanto, possibilitam o surgimentoe fortalecimento de reinos menores.

Como as necessidades do Estado davídico eram relativamente baixas, os tributos tambémo foram, pois suas construções se afiguram modestas. No entanto, a provisão de fundos ematerial para as edificações posteriores, foram abundantes.

O narrador (Obra Historiográfica do Deuteronomista) no entanto, não deixa de mencionaras desventuras de Davi, tais como o adultério com Bete-Seba e o conseqüente assassínio deUrias, seu marido; as dificuldades com Absalão e a guerra sucessória; e as insubordinações deJoabe, seu general e cúmplice.

Por fim, legou ao seu filho Salomão um Estado com francas possibilidades de expansão, oque será plenamente realizado.

3. O Reinado de Salomão: Shelomoh2 1 Rs 1-11.

No momento que assume o trono, Salomão precisa sufocar uma rebelião e uma tentativade golpe de Estado, perpetrado e levado a cabo por seu irmão Adonias e o sacerdote Abiatar3 .

Desse modo, realiza logo todas as “maldades4 ” no início de seu governo, demonstrandocapacidade e autoridade, o que fundamenta o seu reinado perante as tribos.

Salomão procurou solidificar seu reinado da seguinte maneira: a) buscou recursos nosexcedentes agrícolas produzidos pelos camponeses das tribos; b) tributou as caravanas quetinham forçosamente que passar pelo território, taxando-as na entrada e na saída, conferindo-lhes segurança em todo o trajeto por dentro do reino; c) realizou astutas operações comerciaisvendendo armas, cavalos e carros de guerra egípcios a outros estados.

    12 Sm 6.12-23: Esse relato do transporte da Arca é de fundamental importância, pois a Arca era o objeto que significava apresença de Javé e sua vinda para Jerusalém designava essa cidade como sendo a morada de Deus.    2Significa “Pacífico”.    31 Rs 2.13-27.    4Uma curiosidade: Maquiavel, que viveu na Idade Média, aconselhou o Príncipe a, quando assumisse o trono, realizar todas asmaldades de uma só vez e no início do reinado, pois, dizia ele, “as maldades o povo esquece com o tempo”; no entanto, asbondades deveriam ser feitas aos poucos, pois o príncipe deveria ser sempre lembrado como benfeitor e homem bom.

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Também militarizou o seu estado, para que pudesse fazer frente a todas as atividades.Nas suas realizações, contam-se as construções suntuosas do Palácio Real; o Templo; cavalariçase outros palácios, relatados pelo texto bíblico.

Salomão procedeu a uma reforma administrativa, nomeando novos funcionários ecentralizando o comando do Estado. Paralelo a isso, vamos ver surgir em Israel desse período,um surto muito importante de literatura.

O culto mereceu especial atenção por parte do rei. Existem registros de sacrifíciosmonumentais1 bem como dotou o Templo de altares, pias e demais utensílios, para que fossemusados na adoração de Javé. Naturalmente, instituiu e fortaleceu o sacerdócio.

Porém, um Estado edificado sobre bases econômicas frágeis tende a se deteriorar. Assim,apesar de haver o povo de Israel percorrido rapidamente a distância de uma confederação tribalpara um Estado politicamente organizado, tal situação lançou Israel na seguinte situação:

3.1. Centralismo político: Um estado tem o poder de alistar e de tributar, como possuitambém o monopólio da força. A criação de exércitos permanentes; funcionários para realizar oserviço burocrático; ocasionou um esvaziamento do campo, no recrutamento da mão-de-obraque deveria estar produzindo riqueza, mas que agora apenas consome e se torna abastada;

3.2. Distanciamento de Classes Sociais: A criação de uma classe nova, emergente, ados funcionários do Estado, causa uma mudança no panorama social de Israel, com o surgimentode ricos servidores do reino, que aplicam suas economias na cidade e na expansão da atividadefinanceira através de empréstimos a juros altos. O resultado é a distância cada vez maior entrea classe nobre emergente e o camponês da tribo, que se vê sem mão-de-obra e sem recursospara produzir, tendo que pagar mais imposto e aumentar sua produtividade;

3.3. Transformações no Direito da Terra: O camponês, sem dinheiro para pagar suasdívidas, entrega sua terra. E depois, para sobreviver, vem para os aglomerados citadinos e sevende como escravo; é o fim da dignidade humana. As terras, a par disso, se tornam propriedadede poucos e muitos ficam sem seu meio de subsistência, rumando para as cidades;

3.4. Conseqüências domésticas do comércio exterior: Naturalmente, a política externase funda no comércio, na diplomacia e na guerra. Davi conseguiu manter-se e não somente isto,alargou suas fronteiras. Salomão as mantém até certo ponto, quando começa a perder suaspossessões por causa das invasões constantes e da incapacidade do Estado de fazer frente aelas. Internamente, já está presente o germe que dará seu fruto no reinado de Roboão, dividindoo Estado.

O final do governo de Salomão é melancólico. O texto nos informa que ele se deixou levarpelas esposas (setecentas esposas e trezentas concubinas2 ) e construiu santuários idólatras portodo Israel. Roboão herdou todas estas dificuldades, perdendo, finalmente, uma parte consideráveldo Reino para Jeroboão. Estava terminada uma era de unidade do Reino de Israel, e começavaum período de vigência dos Reinos do Norte e do Sul.

    11 Rs 8.62-63.    21 Rs 11.3.

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III - A SEPARAÇÃO DO REINO DE ISRAEL(1 Rs 12 - 2 Rs 25)

Após a morte de Salomão, sobe ao trono seu filho Roboão. Por causa das dificuldadeseconômicas, agravadas pelo reinado de Salomão, as tribos desejam uma situação mais favorávelpara sobreviverem diante da crise. Tal não acontece com Roboão, deixando clara uma política demais tributos, o que ocasiona a cisão ocorrida por volta de 931 a.C., dando origem a Israel, Reinodo Norte e a Judá, Reino do Sul.

1. Israel, Reino do Norte (931-722 a.C.1 ).

O Reino do Norte foi formado por dez tribos, sendo que destas, a tribo de Efraim semprefoi a mais numerosa e mais forte, havendo ocasiões nas quais o texto bíblico refere-se a Israel,mas usando o nome de Efraim como sinônimo de todo o povo.

As raízes do surgimento do Reino do Norte estão fundamentadas na situação econômicae tributária do Reino Unido. Por outro lado, não se pode ignorar a participação profética que, pormeio de Aías2 , desencadeia o processo, culminando na separação e estruturação sob o primeirorei, Jeroboão I.

1.1. Jeroboão: Yarabe’am3 931-884 a.C4 : Seu reinado constitui a primeira dinastia esegue, basicamente, a mesma estrutura do governo de Salomão, ainda que sem as mesmascondições para desenvolvimento imediato.

Algumas cidades importantes são tomadas e temporariamente transformadas em sedede governo5 . Além do problema da centralização da administração, é preciso pensar na questãodo culto, pois o povo não pode continuar indo a Jerusalém. Daí, torna-se necessário substituir oculto no Templo de Jerusalém pelos santuários de Dã e Betel, em que se introduzem os “bezerrosde ouro”. Esses, por sua vez, não tinham conteúdo idolátrico porque serviam apenas de suportesdo Trono de Javé. O redator, que era de Judá, interpreta dessa forma, por razões de preconceitocontra Jeroboão e seu governo. Todo o problema é causado pela descentralização do culto a Javé.

O culto precisa de oficiantes. Não podem ser os mesmos de Jerusalém. Assim, Jeroboãodestitui os levitas e institui novos sacerdotes, para que ministrem em Israel, nos santuáriosescolhidos.

Esse período é difícil tanto para Israel como para Judá, pois o Egito, pelo quinto ano doreinado de Jeroboão e Roboão6 , no desejo de reafirmar sua soberania sobre os reinos

    1Os textos de Tradição Histórico-Deuteronomista desse período: 1 Rs 12 a 2 Rs 17.    21 Rs 11.29ss.    3 Significa “O povo tornou-se numeroso”.    41 Rs 12.16 a 16.15.    5Siquém, Peniel e Tirza, 1 Rs 12.25-33.    61 Rs 14.25.

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palestinos, promove uma campanha militar com a finalidade de enfraquecer militarmente osmesmos e reafirmar a hegemonia egípcia no local. Deste modo, embora houvesse guerra constanteentre os dois Reinos, nenhum pode dar cabo do outro, por absoluta incapacidade militar paraisso.

Tanto Jeroboão como Baasa reinaram brevemente, derrubados por golpes militares, dandoorigem à dinastia seguinte.

1.2. Omri: ‘âmêry1 880-841 a.C.2 : Zimri ocupa o trono, depois de assassinar o rei3 !Omri, seu sucessor, utiliza-se do mesmo método4 , proclamando-se rei e tendo de enfrentar umaguerra civil por quatro anos, saindo dela vitorioso5 .

Ao tornar-se rei, inicia um governo que deseja perpetuar-se pelas realizações. Estabelecesua capital em Samaria6 , e desenvolve boas relações com a vizinhança, fazendo alianças. Seufilho Acabe, procede da mesma forma, transformando Israel e concedendo-lhe a condição de sernotado no cenário internacional.

Ao lado de tanta opulência, naturalmente que Javé levanta os seus profetas, pois injustiçasse fazem. É o período de Elias e Eliseu.

As tradições de Elias: ‘elyahu7 e Eliseu: ‘elysha’ 8 são importantes depósitos sobre ascondições em que se deram as relações sociais e cultuais na dinastia de Omri, sobretudo noreinado de Acabe.

Os profetas eram as únicas vozes a levantar-se contra a opressão que se exercia sobre opovo comum da terra. A própria vivência deles junto aos chamados “bandos de profetas” étestemunho claro de sua opção, pois estes grupos viviam à margem da sociedade, tendo quesubsistir da melhor maneira possível, provavelmente camponeses sem terra, perdidos aos grandesproprietários, existentes graças ao advento do estado.

Paralelamente a isso vemos, nesse período, fruto do casamento de Acabe com Jezabel,princesa sidônia, o desvirtuamento da lei e do culto a Iahweh, ocasionando forte oposição dosprofetas que, neste momento, promovem um movimento de retorno ao Deus de Israel, participandode lutas religiosas e desafios ao poder do rei.

Os exemplos de opressão e torção da justiça e dos costumes se exemplificam nanarrativa do caso da vinha de Nabote9 , o que não ficou sem a condenação do profeta Elias

    1Significa “grosseiro, impetuoso”.    21 Rs 16.21 a 2 Rs 9.37.    31 Rs 16.10ss.    41 Rs 16.18.    51 Rs 16.21ss.    61 Rs 16.24.    7Significa “Javé é meu El( Deus)”.    8Significa “El (Deus) é salvação”.    91 Rs 21.

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Outra observação importante é a participação política ativa dos profetas desse período,Elias e Eliseu, no processo de desestabilização do rei, criando as condições de derrubada, ungindosimplesmente outro para o lugar do monarca. Percebemos o reconhecimento da autoridadeespiritual, visto que suas unções causavam aquilo para o qual haviam sido planejadas. Suapalavra era respeitada e sua fonte, sempre compreendida como sendo Javé.

Elias e Eliseu (e os outros profetas anônimos1) são importantes para firmar a superioridadede Javé sobre Baal; para amparar as comunidades destituídas, vivendo na fome, na miséria eaté na falta de ferramentas para o trabalho2 ; suas intervenções se dão pela absoluta falta deamparo das instituições religiosas, jurídicas e administrativas do reino. São a única possibilidadee esperança de um povo desiludido e produto da opressão e do descaso.

A atuação dos profetas e a existência de desprovidos e marginalizados nos fazem pensarno fato de que a dinastia de Omri reativou a cobrança de impostos, com a finalidade de sustentaro “desenvolvimento” do reino.

1.3. Jeú: Yehu’3 841-7524 era militar. Toma o poder depois de ter sido ungido pelomoço de Eliseu. Sua escolha está diretamente ligada à destruição do culto a Baal, favorecidopela casa real de Israel. Assim, mata os representantes e partidários da Dinastia de Omri eproclama-se rei, não antes de executar também o rei de Judá!

Decepciona os círculos proféticos ao não se libertar do domínio estrangeiro, tornando-sevassalo da Assíria. Embora tenha dado um golpe duro no culto a Baal, o fato de submeter-se aosassírios implicitamente reconhece os deuses dos mesmos. Outra expectativa dos profetas era arestauração das condições de vida da população, o que não deve ter acontecido, haja vista anecessidade de pagar pesados tributos aos dominadores estrangeiros, por conta de uma pretensaliberdade de existir como nação.

No decorrer do tempo, Damasco e Assíria se enfraquecem. Isso possibilita a Jeroboão IIconseguir um certo surto de desenvolvimento, com o progresso da agricultura, ainda quebeneficiando apenas uma certa classe. Assim, veremos o profeta Amós denunciar os privilégiose o enriquecimento desenfreado de alguns, em Israel.

O assassinato de Zacarias5 , filho de Jeroboão II, desencadeia uma série de distúrbios.Manaém6 , com o desejo de assegurar-se no trono, paga pesado tributo aos assírios, dandoorigem a um movimento antiassírio que sob Peca foi esmagado, havendo a

    11 Rs 19.18.    22 Rs 6.5ss.    3Significa “Ele é Iahweh”.    42 Rs 10.1 a 2 Rs 15.12.    52 Rs 15.10.    62 Rs 15.14.

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primeira deportação1 . Sob Oséias, cai Samaria diante da Assíria, depois de haver sido descobertauma conspiração para libertar-se2 .

Dessa forma, encerra-se a história do Reino do Norte, Israel, cativo que foi para a Assíria,no ano 722 a.C. Sua duração foi de cento e nove anos, aproximadamente. O povo de Israel foiespalhado pelos assírios com a finalidade de quebrar qualquer nacionalismo. O resultado foi aperda quase completa dessa parte do povo de Deus.

Os seus reis foram: Jeroboão I, Nadabe, Baasa, Ela e Zimri; Omri, Acabe, Acazias eJorão; Jeú, Joacaz, Joás, Jeroboão II e Zacarias; Salum, Manaém, Pecaías, Peca e Oséias.

2. Judá, Reino do Sul (931-586 a.C.3 ).

2.1. Roboão: Rehabe’am4 931-913 a.C., é o sucessor de Salomão. Conforme o textobíblico5 , sua administração se caracterizou pela inabilidade política, com a finalidade de mantero Reino Unido. Durante todo o seu reinado houve guerra entre os dois reinos, Israel e Judá.

2.2. A religião continuou decadente, e seu filho Abias: ‘abyam 6 913-910 a.C., assumeo trono, herdando um estado saqueado pelo Faraó Sisaq, rei do Egito. Reinou apenas três anos.

2.3. Asa: ‘asa’7 910-869 a.C., é o sucessor de Abias8 . Seu contexto também é deguerra contra Israel. Seu reinado caracteriza-se por uma pequena reforma no culto e na religião,fazendo derribar os templos pagãos e consagrando utensílios para o Templo de Javé. A principalvirtude foi conferir estabilidade ao Reino de Judá.

2.4. Josafá: Yehoshaphat9 869-848 a.C., rei de Judá no lugar de Asa, seu pai, ampliaas fronteiras de Judá. Seu governo caracteriza-se pelo zelo com o culto de Javé. Também existemregistros de suas construções e realizações na política exterior, bem como uma reorganizaçãointerna, com o estabelecimento de juízes por todas as cidades importantes de Judá.

A aliança entre Josafá e Acabe vai nos proporcionar um texto muito interessante sobreMicaías, um dos profetas de Javé, preso em Israel10 justamente por falar contra os pecados dorei.

    12 Rs 15.29.    22 Rs 17.1-6.    3Os textos da Tradição Histórico Deuteronomista que nos contam a história do Reino do Sul: 1 Rs 12 a 2 Rs 25.    4Significa “O povo cresce”.    51 Rs 14.21-31.    6Significa “Javé é Pai”.    7Significa “médico”.    81 Rs 15.8.    9Significa “Javé julgou”.    101 Rs 22.13-28.

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2.5. Morto Josafá, seu filho Jeorão: Yehoram1 848-841 a.C., reinou em seu lugar, nacidade de Jerusalém. Seu governo foi catastrófico, tendo que administrar crises internacionaiscom os edomitas, amonitas e os povos de Libna2 , sujeitados por Josafá. O autor de Reis não temsobre ele opinião muito favorável, pois era genro de Acabe, rei de Israel.

2.6. Acazias: ‘ahazeyahu3 841 a.C., reina no lugar de seu pai, mas dura pouco. Éassassinado por Jeú, que toma o trono de Israel. O trono de Judá é usurpado pela mãe deAcazias, Atalia: ‘ataleyah4 841-835 a.C., que para manter-se no poder manda matar todos osdescendentes da família real. Somente Joás: Yero’ash5 ) 835-796 a.C., escapa6 para se tornarrei, aos sete anos de idade7 , sendo Atália executada pelos adeptos de Joás. Nos seus dias, houveguerra com a Síria, que só se retirou depois de receber pesados tributos8 . Joás foi assassinado!

2.7. Amazias: ‘amatçyahu9 797-767 a.C., filho de Joás, reinou durante vinte e noveanos em Jerusalém. Sua primeira providência foi vingar a morte de seu pai, mandando justiçaros servos que o mataram.

Nos seus dias, guerreou com os edomitas e os venceu. Ficou entusiasmado e desafiou orei de Israel, sofrendo fragorosa derrota, tendo os cofres de Jerusalém saqueados e as muralhas,parcialmente derrubadas. Seu fim foi o mesmo de seu pai: assassinado em Laquis10 .

2.8. Sucedeu-o no trono, com apenas dezessete anos, seu filho Uzias: ‘uzyahu11 767-739 a.C. Ficou leproso e Jotão, um dos seus filhos, assumiu a tarefa de governar a casa real etambém o reino. Uzias, citado em 2 Cr 26.1-15, é o mesmo Azarias, de 2 Rs 15.1-4.

2.9. Jotão: Yotam12 739-731 a.C., manteve a mesma política de seu pai. Teve deenfrentar invasões promovidas por Israel e pela Síria.

    1Significa “Javé é sublime”.    22 Rs 8.20-22.    3Significa “Javé tem sustentado”.    4Significa “Javé aflige”.    5Significa “Javé é forte”.    62 Rs 11.1-3.    72 Rs 11.4-12; 2 Cr 24.1.    82 Rs 12.17.    9Significa “Javé é forte”.    102 Rs 14.19.    11Significa “Força de Javé”.    12Significa “Javé é reto”.

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2.10. Seu filho Acaz: ‘ahaz1 731-715 a.C., assume, após sua morte, tendo que sehaver com a guerra promovida por sírios e efraimitas. O resultado é um acordo com a Assíria,que ataca Damasco e leva cativos os sírios. Haveria de fazer o mesmo, mais tarde, com Israel,destruindo Samaria e levando os israelitas cativos.

Esta aliança marca profundamente o reino do sul, pois introduz os costumes assírios emJudá, bem como os seus deuses, dificultando a prevalência do culto a Javé. O autor de Reisdeplorará tremendamente essa situação, descrevendo o rei desfavoravelmente2 .

Em relação a esses reis que governaram Judá antes da queda de Samaria (722 a.C.)deve-se ressaltar a sua preocupação em proclamar os seus sucessores, fazendo-os participar daadministração, o que conferiu estabilidade ao trono e talvez tenha sido a causa de o Reino deJudá sobreviver mais tempo independente.

A partir do ano 722 a.C., o Reino do Sul, Judá, com capital em Jerusalém, vai existirsozinho na Palestina, pois Israel já não existe mais.

Sua existência, no entanto, se deve à condição de vassalo da Assíria, situação esta queEzequias, filho de Acaz, deseja mudar.

2.11. Ezequias: Hizeqyah3 715-686 a.C., assume o trono na condição de servo do reida Assíria, mas, logo, segundo parece, alia-se ao Egito4 (713-712 a.C.) tendo, porém, que sesubmeter uma vez mais, para não sofrer conseqüências sérias.

Em 705 a.C., novamente Ezequias participa de uma revolta bem arquitetada com outrosreinos, envolvendo os caldeus da Babilônia. Não deu certo, mas os tributos pagos o livraram deser deposto e sua cidade, destruída, embora os arredores de Judá sofressem terrível destruição5 .

Ezequias celebra uma Páscoa. Para o acontecimento, convida todas as tribos remanescentesdo Norte, numa clara tentativa de se tornar o rei de todos os israelitas. Aliás, esse rei procuroupurificar o culto javista de todos os elementos assírios introduzidos por Acaz, seu pai, revitalizandoum sentimento nacionalista que serviria para alimentar o desejo de libertar-se da Assíria.

2.12. O próximo rei é Manassés: Manasheh6 686-642 a.C. Apesar de um reinadolongo (55 anos), produziu muito pouco documento para que pudesse ser avaliada

    1Significa “Ele tem sustentado”.    22 Rs 16.10-18.    3Significa “Javé dá fortaleza”.    42 Rs 18.21.    5Tiglate-Pileser III assim se pronuncia sobre este confronto: “... Quanto a Ezequias do país de Judá, que não tinha se submetidoao meu jugo, sitiei e conquistei 46 cidades que lhe pertenciam, fortificadas com muralhas, e as inumeráveis pequenas cidadesdos seus arredores, por meio de superposição de rampas e de golpes de aríetes, de ataques de infantaria, por meio de perfurações,de brechas e da utilização de instrumentos de sítio; fiz sair delas e contei como despojos 200.150 pessoas, pequenos e grandes,...Quanto a ele (Ezequias), encerrei-o em Jerusalém, ... Cortei do seu país as cidades pelas quais havia incursionado e as dei aMitinti, rei de Ashdot, a Padi, rei de Eqron e a Cilbel, rei de Gaza...” in:VV.AA - Israel e Judá - Textos do Antigo Oriente Médio - Ed. Paulinas - São Paulo - 1985 - pág. 76    6Significa “que faz esquecer”.

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sua conduta e sua administração. Vassalo dos assírios, cooperou com eles pagando-lhes pesadostributos1 .

No seu tempo, o culto a Javé se viu totalmente esquecido, sendo introduzida toda formade idolatria e feitiçaria; cultos sacrificiais de crianças (até do próprio filho do rei!) e outraspráticas abomináveis para o autor de Reis2 que, segundo ele, culminaram no juízo sobre Judá esua destruição.

2.13. Depois da morte de Manassés, seu filho Amon ‘amon3 642-640 a.C. assume otrono, mas fica nele por pouco tempo. Seus servos o matam dentro de sua própria casa. Houverevolta contra o assassinato e depois de justiçados os tais servos, Josias é proclamado rei.

2.14. Josias: Y’oshyahu4 640-609 a.C., é outro rei criança. Seu governo inicia-se nosseus oito anos de idade5 . Seu reinado se reveste de importância, pois nele acontece um dosmais importantes movimentos de reforma da religião que se tem notícia nos anais dos reis deJudá. Talvez pelo fato de ser tutelado pelos sacerdotes, Josias se propõe, com o descobrimentodo Livro da Lei (Deuteronômio), a purificar o Templo de Jerusalém e os lugares santos, a publicaro Livro da Lei descoberto e a centralizar todo o culto a Javé em Jerusalém, fechando os santuáriosdistantes.

Josias pode ter obtido sucesso em seu programa, devido ao fato de que a Assíria já nãoexistia mais e os colaboracionistas, tão denunciados pelos profetas, haverem caído em desgraça.

Assim como Ezequias idealizara, Josias conseguiu promover um soerguimento do Reinodo Sul, Judá, restaurando-lhe, mais uma vez, a identidade cultual com Javé. O programa do reipoderia ter conhecido maior sucesso. Jeremias, falando contra Jeoaquim6 , deixa clara apreocupação de Josias com uma justiça social, que foi interrompida pela campanha contra oFaraó Necao, perdendo a vida na batalha do vale do Megido em 609 a.C.7 .

2.15. O povo, entristecido com a morte de Josias, entroniza seu filho, Jeoacaz:Yeho’ahaz8 609 a.C., que, ao final de três meses de governo, é deposto por Necao, quecoloca outro filho de Josias, Eliaquim, mudando-lhe o nome para Jeoaquim:

    1As crônicas de Asaradon, soberano assírio:” Então ordenei aos reis de... Manassés, rei da cidade de Judá... que fizessemcarrear, com grande dificuldade, ... para Nínive... grandes troncos, excelentes colunas, longas vigas de cedro..., colossos degranito, ... blocos de alabastro, ... brita... para as necessidades do meu palácio.” in: Israel e Judá - pág.79.    22 Rs 21.1-18.    3Significa “Segurança”.    4Significa “Javé sara”.    52 Rs 22.1.    6Jr 22.15-16.    72 Rs 23.29ss.    8Significa “Javé se apoderou”.

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Yehoyaqym1 609-598 a.C., levando Jeoacaz para o Egito, onde, diz o texto bíblico, que morreu2 .

Jeoaquim tornou-se vassalo do Egito. No entanto, com a invasão babilônica de Canaã,transferiu sua vassalagem para a Babilônia, tendo se revoltado logo depois3 . Seu reinado foitumultuado e tremendamente opressor, tanto que Jeremias faz contra ele vaticínios imprecatórios.

2.16. Sucedeu-lhe ao trono seu filho Joaquim: Yehoyakhyn4 598-597 a.C., que reinousomente três meses, tendo de enfrentar a primeira campanha de Nabucodonozor contra Jerusalém,que levou consigo para Babilônia, cativa toda a nobreza de Judá bem como os artífices de todaobra, saqueando também o Templo e todas as riquezas da Casa Real.

2.17. Nabucodonozor colocou no trono o tio de Joaquim, Matanias, mudando-lhe o nomepara Zedequias: Tçideqyahu5 597-586 a.C. Depois de várias intrigas antibabilônicas, Zedequiasfoi deposto por Nabucodonozor, Jerusalém destruída (586 a.C.) e o Reino de Judá transformadoem província. Todos os chefes e líderes, ainda presentes em Judá, foram levados cativos numasegunda deportação. Os babilônios colocaram um governador chamado Godolias que, sendoobjeto de oposição, acabou assassinado e os seus executores, com medo da reação do Impériocaldeu, fugiram para o Egito, levando consigo o profeta Jeremias!

Findada a tentativa de ser um reino independente, Judá só retornará, após o edito deCiro, em 538 a.C., para reconstruir o Templo e, após, os muros de Jerusalém.

IV - O RETORNO DOS EXILADOS NA BABILÔNIA

Sabe-se que os que voltaram não representavam todos os cativos. Os exilados, depois desetenta anos, tinham dificuldades para abandonar a vida construída em Babilônia para aventurar-se pela Palestina novamente. Assim, o Israel pós-exílico é formado por, no mínimo, quatroinfluências: a) dos que voltaram da Babilônia para a Palestina e reconstruíram Jerusalém e oTemplo; b) dos que permaneceram em Babilônia mas mantiveram contato com Judá; c) dos queficaram e viveram na própria terra, não sendo deportados por não representar lucro ao Império;d) dos que foram para o Egito e desenvolveram uma cultura própria, distante da teologia herdadada dominação medo-persa. 1. Período Persa (538-332 a.C.).

    1Significa “Javé estabeleceu, ou que Javé levante”.    22 Rs 23.34ss.    32 Rs 24.1ss.    4Significa “que Javé estabeleça”.    5Significa “retidão de Javé”.

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Em 539 a.C., Ciro toma Babilônia e inaugura uma nova era para as comunidades emexílio. A política persa é mais flexível, permitindo, praticamente um ano depois, em 538 a.C.,que os judeus possam voltar para Jerusalém e reconstruir o Templo.

1.1. Sesbazar: Sheshbhatçar1 538 a.C.2 , recebe de Ciro a incumbência e as condiçõespara voltar e reedificar o Templo de Jerusalém. Pouca informação existe dessa primeira missão,acreditando-se que se tratava mais de uma sondagem do que uma expedição com a finalidadede fixação na terra.

1.2. Zorobabel: Zrobabel3 520 a.C., e Josué são mandados para a Palestina no tempode Dario, com a preocupação básica de reconstruir Jerusalém para interpor essa às dificuldadesgeradas por um Egito inquieto. O cap. 2 de Esdras nos apresenta uma lista de repatriados quetem por finalidade satisfazer uma necessidade persa de recensear Judá e a legitimação dos quepertenciam à verdadeira comunidade do culto a Javé. O Templo foi reconstruído por Zorobabel eJosué entre 520-515 a.C.

1.3. Neemias: Nehemyah4 445-430 a.C., foi enviado para Judá como governador daprovíncia com poderes para reedificar Jerusalém, reorganizando a sociedade judaica e instalandouma administração provincial.

Apesar da reconstrução do Templo, a cidade estava ainda em ruínas e a população eraextremamente baixa, o que não interessava à metrópole medo-persa. É claro que uma Jerusalémfortificada e repovoada realçava a administração imperial, o que não interessava aos adversários,sempre envolvidos com revoltas oriundas da Síria, da Grécia e do Egito. É nesse contexto quedevemos encaixar Sambalá, Tobias e Gesém, adversários e quase assassinos de Neemias5 .

Reconstruída a cidade e os seus muros, surge outro problema: as dificuldades com aquelesque passavam a viver uma condição sócio-cultual dúbia, tomando para si mulheres não israelitase outras práticas condenadas. Nasce, assim, a necessidade de instrução.

1.4. Esdras: ‘ezra’ 6 428 a.C., vem para a Palestina com a finalidade de fazer valercomo instrumento de normatização da sociedade recém-construída, a Torah! Essa, pela orientaçãode Esdras, tem o objetivo de fundamentar as normas para o culto e para a convivência emsociedade. Interessa ao poder persa que os judeus vivam sob sua própria lei, objetivando suaspretensões quanto a Jerusalém se tornar a capital de um reino vassalo forte o suficiente parafixar e manter a população, com vistas a defender as posições perante os inimigos.

Os textos que nos servem de base para o conhecimento dessa fase de Israel são osLivros de 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias. Esses livros bíblicos são, provavelmente, obra deum mesmo autor, chamado pelos estudiosos de Obra Historiográfica do Cronista, que foicomposta depois do Exílio babilônico e que tem por objetivo fundamentar a Monarquia

    1Seu nome reflete uma forma hebraica de um nome babilônico que significaria “oh, Shamash, protege o pai”.    2Ed 1.8. Este texto não parece ter continuidade com o cap. 2. Daí entenderem os estudiosos que, provavelmente, houve outramissão, que é narrada no cap. 2.    3No acádico, zer babili, que alguns eruditos pensam significar “prole da Babilônia”.    4Significa “Javé consola”.    5Ne 6.    6Significa “auxílio”.

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como a melhor forma de governo e, dentro dessa, eleger o reino de Davi como o modelo a serseguido para a ressurreição do novo Estado de Israel.

2. O Período Helênico (332-198 a.C.).Alexandre, o Grande, conquistou o Império Persa. Seu domínio estendeu-se da Grécia até

a Ásia, levando de roldão os pequenos reinos vassalos da Palestina. Esse conquistador acreditavaser necessário o conhecimento, pelos povos, da forma superior de pensar, ou seja, a filosofia e oconhecimento gregos. Assim, procurou helenizar todos os povos que subjugou.

No Oriente Médio, tal política significou a imposição do imperialismo greco-macedônio,presente pelas armas, contra a cultura estabelecida e amadurecida pelos séculos.

A morte de Alexandre em 323 a.C. desencadeou um período de lutas pela divisão de seuimpério. Duas décadas foram necessárias para que os domínios ficassem estabelecidos.

Essas lutas não excluíram Judá. Em 301 a.C., Antígono, um dos generais sucessores deAlexandre, foi derrotado, consolidando-se a hegemonia ptolemaica sobre o Egito, a Palestina e aSíria. Judá ficou sob esse poder até o ano de 191 a.C.

Paralelamente à influência helênica em Judá, uma grande comunidade de israelitas sefixa em Alexandria. Esta cidade passa a ser um centro difusor de conhecimento, provocando atradução das obras conhecidas na época para o grego, inclusive o Antigo Testamento, a versãochamada de LXX (Septuaginta), traduzida do hebraico para o grego por sábios judeus residentesem Alexandria. Ali, houve uma biblioteca de cerca de três milhões de volumes entre história,ciências e literatura da antigüidade.

Em 198 a.C., o domínio da Palestina passou dos ptolomeus para os selêucidas, na vitóriade Antíoco III. Os judeus tiveram importante participação nisso, pois ficaram sem pagar impostospor três anos e os sacerdotes ficaram isentos para sempre.

Mas, após alguns anos, as coisas mudaram. As guerras com os romanos puseram fim àspretensões selêucidas e veio a crise fiscal havendo, a partir daí, saques a templos, o que ocasionouuma guerra civil, fazendo surgir os Macabeus que, organizados em bandos, conseguem libertar-se da dominação dos selêucidas.

2.1. Estado Judaico (140 - 63 a.C.).

Os governantes desse período são chamados de asmoneus. O primeiro a governar Judáfoi João Hircano (135-104 a.C.). Empreendeu guerras de reconquista, banindo com mão deferro as comunidades helenizadas e sendo o responsável pela judaização da Iduméia (Edom) eda Galiléia. Em 128 a.C., João Hircano arrasou a cidade de Samaria e destruiu o templo dosjudeus heterodoxos no Monte Gerizim.

Internamente, João Hircano sofreu um conflito entre os governistas e os assideus, judeusque tinham uma prática mais radical da fé em Javé e recusavam os modernismos introduzidosna administração, pois João usava os padrões gregos de nomear e organizar seu Estado. Opondo-se aos assideus, futuramente, fariseus, Hircano se aproximava dos saduceus, membros da parcelada sociedade mais abastada, grande parte assim graças às conquistas asmonéias.

Aristóbulo I (104-103 a.C.), governou pouco tempo. Sucedeu-o Alexandre Janeu(103-76 a.C.), que viveu toda a problemática do conflito interno entre os assideus, fariseus esaduceus.

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Alexandre Janeu teve seu poder contestado pelos camponeses que, na sua maioria, eramtradicionalistas, vendo nos helenistas ricos e abastados a razão da sua condição. Foi com muitadificuldade que o rei conseguiu manter-se no poder. Assim que se viu fortalecido com o apoio denacionalistas, tomou vingança contra os judeus fariseus que se revoltaram contra ele e, deles,executou certa de 800, juntamente com suas famílias1 .

Alexandre Janeu foi sucedido por Salomé Alexandra, que fez paz com os fariseus econcedeu-lhes participação nos negócios internos do governo. Após ela, Aristóbulo II procurouapoderar-se do poder de seu irmão, mais fraco, Hircano que, para defender-se, aliou-se a Antípater,pai de Herodes, O Grande. A situação ficou de tal forma que os fariseus recorreram, em 63 a.C.,a Pompeu para que não reconhecesse nenhuma das facções envolvidas na luta.

Pompeu nomeou Hircano II sacerdote, não rei. Deportou Aristóbulo para Roma e, maistarde, Pompeu colocou Herodes como rei de Judá, despojando esse reino de suas possessõesgregas. Dessa forma é que Judá entra no Novo Testamento, nos dias de Jesus: governada porum rei vassalo do Império Romano!

Os textos que nos mostram esse período histórico helenista do povo de Israel encontram-se na Bíblia Católica sob o nome de pseudo-epígrafes, tais como 1 e 2 Macabeus, livros que,juntamente com outros produzidos nesta época, não foram aceitos, nem pelos judeus nem pelosprotestantes, como parte do Cânon do Antigo Testamento. Possuem, apesar disso, muitainformação histórica que nos ajuda a compreender um pouco do período em que viveu Jesus,realidade afeita ao Novo.

    1Nesse período, a Comunidade Essênia de Qumran receberá muitos adeptos fariseus, fugidos da perseguição de AlexandreJaneu. Por causa de sua opção em favor dos camponeses, os fariseus conquistarão, mais tarde, autoridade e simpatia do povocomum de Israel.

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A PROFECIA

Todas as vezes que abrimos um texto bíblico, comumente nos Livros Proféticos, temos aimpressão de que o autor está sentado em uma escrivaninha, com uma vela diante de si, recebendoinformações ou ordenanças de Deus e, conseqüentemente, anotando tudo. Depois, saindo deseus aposentos, diante do povo começa a pregar, lendo seus apontamentos. Nem sempre foiassim!

O termo PROFETA vem da língua grega “profétes”, conhecido desde o século V a.C. Designaalguém que possui a missão de anunciar, de falar ou de publicar alguma mensagem. A função seaproximava mais da proclamação do que do predizer, que está embutido no significado do termo(profémi: dizer diante de; e dizer antes de). Com o decorrer do tempo a Igreja entendeu oprofeta como mais ligado a esse tipo de atividade.

Mas o termo grego deriva-se de termos hebraicos, pois que “profétes” é uma tradução daLXX (Septuaginta) para a palavra “nabî”.

Esse termo não designa somente o indivíduo, mas também o grupo. Lemos, nos relatosde 1 e 2 Sm., a respeito dos “filhos dos profetas” e dos “discípulos dos profetas”, sendo a palavraempregada para esses também. Pode ser traduzido por “vidente”, “visionário”.

Existe outro termo hebraico para designar o profeta: “ro’eh”: vidente de natureza cultual,recebendo os que iam consultar Javé. O nabî e o ro’eh tinham basicamente as mesmas funções.O primeiro intervinha no Reino de Israel e o segundo, no reino de Judá.

O “Nabî” é essencialmente, o homem da palavra. Essa é para ser proferida e não lida. Eleproclama os oráculos sem se preocupar em escrever os mesmos. Seus ditos foram registrados,na maioria das vezes, não por uma interferência pessoal, mas por seus discípulos ou por aquelesque viveram as influências das suas profecias. Esses entenderam que eles eram homens querealmente tinham uma comunhão profunda com Javé e disseram e fizeram coisas importantespara a vida pessoal, espiritual e nacional do povo de Israel.

Assim, não foi da forma como está no livro de Isaías, por exemplo, que este falou. Mas,ele falou e alguém, depois, juntando os seus oráculos, organizou-os de tal forma que hojepodemos ler na seqüência, tendo a sensação de que ele as proferiu da forma como está compostono livro.

Outro aspecto importante é o surgimento do profetismo, no período da realeza1 . É umfenômeno que está presente enquanto existe monarquia. É interessante essa relação, pois quenos faz perceber a tensão entre o rei, o profeta e o sacerdote: o rei como mantenedor do culto edetentor do poder político; o sacerdote como legitimador do rei e normatizador da vida social ereligiosa do povo de Israel; e o profeta como desestabilizador do rei e do sacerdote.

Jeremias pode ser citado como um exemplo do que estamos dizendo: fez oposiçãosistemática às instituições reais e sacerdotais, bem como entrou em conflito com os profetasque serviam no Templo!

    1AMSLER, S. e outros - Os Profetas e os livros proféticos - Ed. Paulinas - São Paulo - “ O profetismo estava assim, associadoà realeza e desapareceu quando se dissiparam as últimas esperanças de restauração da dinastia davídica” pág. 21.

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O profetismo intervém na História de Israel praticamente por três séculos, entre 750/450a.C. É justamente o período mais crucial da nação de Israel, momento de divisão do reino;depois, a destruição de Samaria (Reino do Norte: Israel) em 722 a.C; e Jerusalém (Reino do Sul:Judá) em 586 a.C.

Como eram os profetas? A psicologia vem analisando esses homens especiais em suassituações mais desconcertantes, tais como Jeremias passeando pelas ruas de Jerusalém com umjugo, uma canga, no pescoço1 ; Ezequiel cozendo seu pão sobre excrementos humanos2 ; Oséiasunindo-se a uma prostituta e, depois, sendo instado a casar-se com uma adúltera3 .

Diante dessas ações insólitas, podem ser classificados como homens desequilibrados.Além disso, tinham visões, entravam em êxtase4 , ficando fora da realidade presente devido auma forte emoção; andavam durante horas sem fadiga5 , dançavam da manhã até à tarde6 , oubatiam palmas, sapateando e ou ficando como que paralisados7 , mudos8 , vivendo experiênciasmísticas profundas com a divindade: situações inusitadas, eufóricas.

Por que faziam essas coisas? Por serem parte constitutiva do seu Ministério. As visões,por exemplo, são indispensáveis à atividade profética. Ocorrem em vários momentos de suavida e servem para ilustrar a mensagem proferida ao povo de Israel nos seus vários momentos!Talvez seja a manifestação mais freqüente nos “nabî”.

Os atos proféticos são ações simbólicas de origem mais ou menos mágicas. Esses,exemplificavam as intervenções de Javé em favor ou contra seu povo demonstrando através doprofeta as situações que seriam vividas pela comunidade. Portanto, passear no meio do povocom uma canga no pescoço ou, como Isaías, andar nu9 em Jerusalém durante três anos, sãoatos simbólicos. Ezequiel recebe a ordem de raspar a cabeça e, com os cabelos retirados, separaruma terça parte queimando na praça; o outro um terço, passar a fio de espada e, por último,espalhar ao vento o restante, separando alguns fios e atando à roupa10 .

Esses exemplos nos mostram como eram pronunciadas as profecias e os oráculos deJavé, por meio de ações, muitas vezes, estranhas.

    1Jr 28.    2Ez 5.9-17.    3Os 1-3.    4Estado de profundo prazer em que a pessoa se mantém alheia aos fatos ambientais, como se observa nos religiosos e místicos.DORIN, E. Dicionário de Psicologia - Ed.Melhoramentos - São Paulo - 1978.    5Elias, em 1 Rs 18.46.    6Os profetas de Baal, 1 Rs 18.26-29.    7Ez 4.4-8.    8Ez 3.26; 24,27.    9Is 20.1-6.    10Ez 5.1-4.

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Diante do que estamos estudando, devemos perguntar: como discernir o falso do verdadeiro“nabî”? O texto bíblico nos dirá para observar se a profecia se cumpre. Mas não somente isto. Épreciso que tal palavra esteja de conformidade com a fidelidade de culto a Javé, pois oacontecimento somente não autentica o “nabî”1 .

Mas devemos insistir: qual é o critério que distingue o “nabí” falso do verdadeiro? Oprofeta verdadeiro é aquele que se compromete com o martírio! Para ele, a obediência àpalavra recebida é tão forte; sua experiência com Javé tão profunda, que ele não vê obstáculos,não se intimida diante do desterro, do preconceito, do banimento social ou mesmo da perda desua própria vida! A ordem de Javé, de tão marcante que foi, se torna sua razão de viver e nadamais importa. O profeta é o homem que diante da certeza da revelação de Javé, assume ocompromisso de pronunciar Suas palavras, sem preocupar-se com a própria integridade.

O profetismo é um fenômeno essencialmente vinculado à monarquia de Israel. Surgecom os reis e desaparece com eles. É a tensão do poder que faz surgir o profeta! Uma corteestabelecida; uma classe de funcionários, como fonte econômica para o desenvolvimento dacapital; a corrupção, inerente ao estado; a classe sacerdotal reivindicando privilégios; as tribosinsatisfeitas com o ônus de sustentar um estado pesado; os erros e desmandos dos reis; osurgimento e enriquecimento de uma classe de nobres que vai desestruturando a propriedadetribal da terra; o expansionismo davídico e salomônico, produzindo a contaminação teológica elitúrgica; todas estas coisas vão fazer com que a função profética seja altamente necessáriacomo instrumento de contradição dentro dessa sociedade.

Os profetas serão opositores ferrenhos dos sacerdotes, do rei, da classe nobre e dosprofetas “cultuais”, homens pagos pelo rei para pronunciar predições e servirem nos locais deculto.

Sua atuação se deu em momentos distintos da História de Israel. O Profetismo pode serdivido em três fases: Pré-exílica, Exílica e Pós-exílica.

I - PROFETAS PRÉ-EXÍLICOS (Séculos VIII e VII a.C.)

A profecia, nessa primeira fase (pré-exílica), caracteriza-se pela denúncia do pecado, aiminência do juízo de Javé e a possibilidade de suspensão desse juízo através do arrependimento,conversão e nova vida! Os principais expoentes desse período aparecem nos séculos VIII e VIIa.C. São eles:

1. Amós - século VIII a.C.

Sua intervenção situa-se nos tempos de Jeroboão II (786-746 a.C.), no Reino do Norte,Israel, numa época em que a nação estava segura, sem a presença de ameaças.

Este profeta origina-se do Reino do Sul, da cidade de Tecoa, na Judéia. Seu nome significa“erguer, segurar, levar”, derivado da raiz ‘azz.

    1Dt 13.1-2, que deixa claro que o cumprimento puro e simples não autentica o profeta: é preciso coerência entre a palavra e a fé.Dt 18.19-22 reforça o critério do cumprimento do vaticínio.

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Sua cidade está localizada a apenas 18km de Jerusalém, sendo um lugar próspero eimportante1 na época dos reis. Sua origem é rural. Possuía também um conhecimento razoávelda história, conforme os capítulos 1 e 2. Provavelmente, tenha sido alguém que freqüentava oscírculos sapienciais dos clãs.

Como profissão, ele mesmo se define como criador de animais2 . Acredita-se que suasatividades incluíam a guarda e o cuidado com a alimentação dos rebanhos a partir de incisõesfeitas nos sicômoros, tornando-os comestíveis para o rebanho. Não se aceita, hoje em dia, aafirmação de que ele era um simples trabalhador, mas que, ao contrário, seria um homempossuidor de recursos econômicos e conhecimentos, o que o coloca acima da média da populaçãode sua época3 .

Sua missão é denunciar o pecado, a injustiça e a maldade do Reino do Norte, apresentandoa mensagem4 de condenação e também a da possibilidade da conversão e conseqüente perdão,da parte de Javé. Após sua pregação, ele desaparece da história bíblica.

2. Oséias.

Intervém no Reino do Norte também sob Jeroboão II e seus sucessores5 . Seu contexto éa deterioração rápida de Israel provocada por intrigas palacianas e o conseqüente submetimentoao Império Assírio. É a época da guerra siro-efraimita, em que Judá e Efraim (Israel), aliado daSíria, chocam-se num confronto fratricida, condenado pelo profeta. Seu ministério se estendepor quase trinta anos sendo provavelmente testemunha do cerco de Samaria pelos exércitosassírios.

Oséias6 provavelmente foi um sacerdote ou membro dos círculos cúlticos. Sabemos queera um homem muito culto, conhecedor das tradições históricas de Israel. Mas o que realmentemarca o seu ministério é a ação simbólica ligada aos seus casamentos7 .

Naturalmente que existem dificuldades de interpretação. Como pode Javé ordenar a umseu profeta, sacerdote (que pela Lei deve somente se casar com uma virgem, nunca viúvas oudivorciadas) que contraia matrimônio com mulheres impuras?

    12 Sm 14.1-24; 23,26; 2 Cr 11.5-6.    2Am 7.14.    3O vocabulário usado em 1.1 e 7.14 é menos claro do que parece à primeira vista. O termo “noqed” é raro. Ele se encontra em 2Rs 3.4 mas também nos documentos ugaríticos, sendo traduzido geralmente por “criador” de animais. Ele viria de uma raiz quesignifica “marcar, assinalar” e designaria uma atividade superior a de um simples pastor. in AMSLER, S. - Os Profetas e oslivros proféticos - págs. 44.    4As características de sua mensagem são: denúncia da iniqüidade que reina no Estado de Jeroboão II (5.7;10.17); a interpretaçãodo “Dia de Yahweh” que, ao contrário da esperança tradicional dos interlocutores, torna-se dia de trevas e não de luz, dia dedesgraça e não de felicidade (5.18-20); a rejeição, em nome do Deus de Israel, do culto oferecido pelos israelitas (5.21-27).    5Os 1.1.    6Hoshea poderia ser diminutivo de Hoshaya (Ne 12.32;Jr 42.1; 32.2). Em Israel muitos nomes próprios são formados com amesma raiz Yasha..    7Os 1.2; 3.1.

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Essa ação simbólica é extremamente forte! Significa que Javé já está enfadado com opecado de seu povo e deseja puni-lo severamente.

É inquestionável que Oséias está no lugar de Deus. E nessa condição percebemos neleum amor profundo, que se dispõe ao diálogo, ao perdão, à reconstrução de uma nova relação defidelidade, integridade e, conseqüentemente, de bênção e prosperidade para o seu povo.

Ele critica os reis1 , os costumes de seu tempo e censura fortemente os sacerdotes,responsabilizando-os pela situação de degradação, pois os mesmos não ensinaram a Lei, nãoproporcionaram conhecimento de Deus, mas transformaram a religião de Javé numa meraobservância litúrgica e ritual2 . É o Rito em crise!

3. Isaías.

Comumente, por causa do grande livro, confundimos o profeta com o texto, perdendo devista que a mensagem contida nele se refere a três momentos da história teológica de Israel3 .

O profeta Isaías4 exerceu sua atividade na segunda metade do século VIII a.C., emJerusalém. A mensagem e o estilo dos textos de 1-39 nos deixam clara sua condição de membroda nobreza. Provavelmente seja oriundo dos círculos sapienciais e dos funcionários do estadoaos quais, no entanto, não se vende e enfrenta todas as vezes que precisa salientar o seupecado!

O texto nos informa que ele era casado5 e que sua esposa também era profetisa,provavelmente ligada ao culto. Teve filhos (dois) com ela e deu-lhes nomes simbólicos (Shear-Yashub: “um resto voltará”; e Maher-Shalal-Hash-Baz: “Pronto-saque-próxima-pilhagem).

Seu destino não deve ter sido muito agradável visto que, depois de sua atividade,desaparece e nele não se fala mais. Uma tradição rabínica diz que ele foi martirizado sobManassés, que teria mandado executá-lo com uma serra de árvore; outra lenda diz que ele

    1Os 1.4-5.    2Os 4; 6.6.    3 O livro de Isaías está dividido pelos especialistas em três, quais sejam:a) Isaías (1-39); contém os oráculos do profeta e é provavelmente seu contemporâneo. Não devemos perder de vista o fato de queesses homens não escreveram suas palavras, mas as proferiram; essas subsistiram graças à intervenção de discípulos ou admiradoresque as guardaram na forma de escrita. Essa é a razão de percebermos na leitura do texto as rupturas de linguagem e de assunto,demonstrando que foram agrupados os oráculos obedecendo a uma ordem redacional com a finalidade de proporcionar coerênciadas diversas mensagens proferidas. Para comprovar o que foi dito basta comparar as narrativas sobre a doença de Ezequias, porexemplo, com o restante do texto;b) Deutero-Isaías (40-55); de natureza, conteúdo, estilo e época diferentes, seu contexto histórico está ligado à segunda metade doexílio babilônico e sobre ele, mais à frente, teceremos outras considerações. Seu autor foi um profeta provavelmente do círculo dosdiscípulos de Isaías;c) Trito-Isaías (56-66); texto proveniente da Palestina dos tempos do retorno do exílio babilônico e da dominação grega sobreIsrael; sua mensagem e conteúdo serão tratados posteriormente; seu autor viveu em um contexto do apocalipsismo e desenvolveusua pregação baseando-se no Isaías e no Deutero-Isaías.

    4Seu nome vem da raiz Yasha’ que significa “ajudar, socorrer, salvar” e pode significar “Iahweh salvou”.    5Is 8.3.

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teria sido desmembrado por quatro cavalos amarrados cada um em seus braços e pernas1 !

O Livro é a expressão escrita da mensagem do profeta. Ele nos fala de como Israel e Judáromperam a Aliança e deverão, com isso, viver a experiência do cativeiro e do Novo Êxodo2 .Naturalmente, não deixa de profetizar contra as nações, notadamente Babilônia, falando de suadestruição, fruto do juízo de Javé3 . Conseqüentemente, dirige oráculos de juízo sobre o mundo4 ,não deixando de lado a mensagem da possibilidade da conversão e do perdão ou de julgamentopara que venha a libertação5 .

4. Miquéias.

O Ministério do profeta Miquéias6 é contemporâneo de Isaías e sua mensagem estáestreitamente relacionada com seus vaticínios. O livro nos traz poucas informações a seu respeito.Acredita-se que esse seja apenas um resumo de sua atividade como profeta, visto que seuministério se estendeu por quatro reinados, perfazendo a significativa marca de quase quarentaanos de atividade7 !

Sua época foi particularmente dramática para Judá8 . A invasão dos assírios na sua regiãode origem, fazendo com que ele fosse para a capital do Reino, transforma-o no crítico ácido daelite dirigente de Judá, em Jerusalém. Lá, passa a exercer a atividade de “testemunha de Javé”contra seu povo. Denuncia a classe nobre9 ; profere juízos condenatórios sobre os sacerdotes,que são denunciados como mercenários, que somente exercem sua função por dinheiro10 ; ou afalsidade dos profetas, que proferem oráculos se têm o que beber11 .

Tais investidas; a pregação da salvação somente de um resto; o chamado dos gentios eseu anúncio do Messias, fazem-no semelhante a Isaías quanto ao conteúdo de sua mensagem.

Seus oráculos possuem uma grande lucidez em relação a seu tempo e às causas dasdificuldades de Samaria e Jerusalém. A esperança no rei que “vem de Belém”12 se torna o

    1Livro da Ascensão de Isaías. Deve-se comparar com o texto de Hb 11.37!    2Is 1-13.    3Is 13-23.    4Is 24-27.    5Is 28-35.    6O nome vem de Mika ou Mikaya, que significa “Quem é como Yahweh?”, uma exclamação de origem cultual para exaltar agrandeza de Javé (Sl 113.5).    7Mq 1.1; Jr 26.17-19.    82 Rs 17-20.    9Mq 3.1-3.    10Mq 3.    11Mq 2.6-11.    12Mq 5.1-5a.

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tema da misericórdia de Yahweh, que “... perdoas a iniqüidade, e ... esqueces da transgressão...”1 !

5. Naum século VII a.C.

O século VII e o princípio do VI a.C. ficaram marcados como o tempo da queda de Judá.No plano internacional, Babilônia substitui a Assíria pois o Egito está muito fraco para resistir aosinvasores do Leste. No ano 605 a.C., Babilônia assume o poder e o garante, no Oriente Próximo.No ano 587 a.C., Jerusalém cai, o Templo é incendiado e os nobres são deportados.

O profeta Naum é vocacionado para atuar nesse momento histórico. Sua mensagem giraem torno de Nínive, capital da Assíria, que é destruída pelos babilônios, acontecimentograndemente celebrado pelo “nabî”!

O livro é anterior a 612 a.C., ano da queda de Nínive. Esse profeta é o único com o nomede Naum em todo o texto bíblico2 . Sua localidade de origem é desconhecida atualmente, emborase aceite que deva pertencer a Judá. Outra curiosidade é a designação de “livro” dada ao textodo profeta, inédita na Bíblia3 .

Sua mensagem produz um misto de felicidade e de desconfiança, visto que profetiza omal e a desgraça para Nínive e todo o bem estar para Israel/Judá, nada falando sobre a condiçãoespiritual de seu povo.

Judá é vassalo da Assíria. Esse fardo é carregado a mais de um século, trazendoconseqüências desastrosas. Mas a dominação está para terminar com o advento da destruiçãode Nínive. Tal fato ocorrerá pela mão de Javé pois que Ele é soberano.

O profeta deve ter enfrentado muita oposição, pois revela seus oráculos ainda no tempoda dominação assíria, com a classe nobre beneficiando-se da opressão! Não deve ter sido fácilinsurgir-se e pronunciar juízo.

6. Sofonias4 .

Anos 604-609 a.C! Nesse período, Josias é o rei de Judá e, na primeira parte do seureinado, promove a reforma deuteronômica. Esse é o ambiente da atuação de Sofonias5 , oprofeta.

Sua mensagem está, portanto, vinculada à Reforma. Desenvolve temas como apresença de Javé em Jerusalém6 , lugar onde ainda habita a iniqüidade, mas que será

    1Mq 7.18.    2A raiz “nhm” significa “consolar”.    3Naum 1.1.    4Tçephanyah: significa “Javé escondeu”.    5Uma das curiosidades desse profeta é a preocupação de remontar sua genealogia até ao reinado de Ezequias. Provavelmente,dado o nome de seu pai, Cusi, que lembra a Etiópia, tenha havido a necessidade de provar sua genuína condição de profetaisraelita!    6"...meu santo monte.” 3.11!

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purificado. O “dia do Senhor”, que não é originário do profeta, visto que Amós e Isaías já falaramdeste “terrível dia”1 !

Mas o que chama a atenção nesse Livro é o texto de 3.8-20 no qual o profeta trabalha acondição para ser povo de Javé: humildade e pobreza. Está por trás desse verso 12 a condenaçãoexplícita dos ricos e orgulhosos cidadãos do reino de Judá; a teologia do “resto”, uma pequeninaparte do povo que será depositária da misericórdia de Javé, de onde procederá a uma naçãopurificada, destinatária da salvação de Deus.

O discurso de Sofonias é claramente favorável à Reforma de Josias, ainda que o profetaperceba sua inutilidade em relação ao juízo determinado por Javé.

7. Habacuque2 .

Este profeta não relaciona nenhuma informação sobre sua pessoa, sua genealogia ou seutempo de atuação. Nada sabemos sobre ele. Mas, pelo fato de mencionar no cap. 1.6 a vinda doscaldeus, pressupõe-se que sua profecia tenha tido lugar no período da tomada pelos babilônios,do império assírio. Assim, suas palavras estariam dirigidas aos cidadãos de Judá que haviam sevendido para a Assíria e, agora, teriam que enfrentar a ira e a destruição promovida pelos novosdonos do poder mundial.

O livro apresenta-se na forma de queixa feita pelo profeta e a conseqüente exigência derespostas divinas. O primeiro questionamento pela constatação da violência, da opressão e dasinjustiças que são cometidas e que, aparentemente, não produzem a intervenção divina3 . Aresposta divina é o anúncio do juízo que será realizado por um povo poderoso, cujo deus é aforça e que porá fim a toda essa situação4 .

Existe dificuldade para que o profeta compreenda a mensagem de Javé. Assim, pelasegunda vez ele pergunta, na forma de queixa, querendo saber por que Deus não intervém5 .Javé ensina a paciência e a confiança, determinando que as palavras sejam registradas de talforma que até quem passe correndo possa ler6 , pois seus atos não acontecem fora da história!

As dificuldades do profeta Habacuque são, de certa forma, as nossas. O iníquo prospera eo justo não é vingado. Porém, aprendemos, através dele, que é preciso ter paciência para ouvire entender a mensagem de Javé.

8. Jeremias.

    1Am 5.18-20; Is 2.12.    2 Habaquq: Significa “abraço amoroso”.    3Hc 1.2-4.    4Hc 1.5-11.    5Hc 1.12-13.    6Hc 2.3-5.

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Este homem viveu um dos maiores dramas da história dos servos de Deus. Consciente daação judicial de Javé, vê a destruição aproximar-se e não pode intervir nem interceder1 para quenão ocorra.

Jeremias é chamado ainda muito jovem para profetizar. Exerce seu ministério durante 40anos (627/587). Seu trabalho foi, principalmente, afrontar a classe nobre de Judá, os sacerdotes,os profetas cultuais e o rei! Por causa disso, é lançado na cisterna2 e só não morre por benevolênciade um etíope.

Quem era Jeremias3? Natural de um lugar chamado Anatot, que distava 6 km de Jerusalém.Hoje, essa vilazinha chama-se Anâtâ. Por se tratar, seus habitantes, de trabalhadores em pedra,conjectura-se se pedreiros de Anatote não se encontrariam entre os operários que foram forçadosa trabalhar na construção do palácio de Jeoaquim e posteriormente lesados em seu salário4 .

Outra peculiaridade, essa ligada a sua família, pode ter influenciado o clero contra ele: ofato de ser descendente de Abiatar, sacerdote rejeitado por Salomão5 .

Jeremias é um apaixonado pelo Norte. Suas simpatias se exprimem nas expressões sobreRaquel e na lamentação sobre Efraim6 . Sempre houve problemas em Benjamim para aceitar adinastia de Davi7 .

O livro do profeta não foi, como está hoje, redigido por ele. Esses grandes servos de Deuspossuíam discípulos que iam registrando suas palavras e depois compunham o texto. No própriolivro, vemos Jeremias utilizando-se de Baruque como seu escriba com a finalidade de mandarpara o rei suas profecias8 .

Seu livro divide-se da seguinte forma: as profecias dirigidas a Judá e Israel, 1-25; asnarrações biográficas, 26-45; os oráculos contra as nações, 46-51; o apêndice de Jr 52 é umaduplicata de 2 Rs 24.18-25,30.

9. Joel9 .

    1Jr 14.7-11: A primeira intercessão rejeitada por Javé. O fim já está determinado! Ao total, foram três tentativas do profeta: Jr14.13 e 19. As respostas terríveis de Javé demonstram que Deus tem misericórdia, mas sua justiça não fica sem se cumprir(14.14-18; 15.1-6).    2Jr 38.6. Esse é apenas um dos casos de ataque à sua pessoa. Foi preso, perseguido, ameaçado de morte e suas palavras negadase seus escritos rasgados.    3Seu nome, Yirmeyah tem uma significação incerta: “Iahweh erguerá”.    4Jr 22.13ss. A informação sobre Anatote está relacionada no texto de John Skinner - Jeremias - Profecia e religião - ASTE -São Paulo - 1961 - págs.29, na nota de rodapé nº1.    51 Rs 2.26s. Provavelmente havia um santuário em Anatote onde serviam os parentes de Jeremias, ocasionando um mal estar naCapital, de culto centralizado.    6Jr 31.15-22.    72 Sm 16.5-14;20.1.    8Jr 36.2 e 27,28.    9Yo’el: Significa “Javé é El (Deus)”.

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Nada se sabe sobre este profeta, apenas que viveu em Jerusalém e que deveria sercontemporâneo de Jeremias. Possui íntimas ligações com o Templo e, além disso, conhece asnações ao redor, fato depreendido de suas palavras1 . Sua mensagem gira basicamente sobre otema do “Dia de Javé” que ocorrerá com grande sofrimento para aqueles que não se arrependeramde suas faltas. Termina com uma descrição da restauração de Israel como o povo escolhido deDeus.

II - OS PROFETAS EXÍLICOS (Século VI a.C.)

Nesta fase, encontraremos os profetas na segunda metade do exílio babilônico. Israel eJudá já não existem! Toda a classe nobre foi deportada e só o que ficou na terra é o povo pobree desinteressante para o Império.

Por outro lado, os deportados começam a perder de vista o desejo de voltar para a Palestina.Existe um sentimento de que Javé foi injusto destruindo a nação! Muitos abandonam a fé dospais e se tornam cada vez mais absorvidos pela cultura, economia e religião do exílio. É assim,nessa condição, que surgem os profetas exílicos ou escatológicos! Sua pregação é a da restauraçãode Israel e do culto a Javé! Tal pregação se evidencia com uma mensagem de esclarecimento dasrazões de ter acontecido o exílio. E esse momento é difícil, pois que é preciso lembrar à sociedadeexílica do pecado dos reis e das gerações anteriores.

O que difere os profetas desta época dos seus colegas dos séculos VIII e VII a.C. ? É quesua mensagem já não é primeiro proferida e depois registrada: é o contrário! Eles escrevem edepois pregam. Atestam isso o estilo, a coerência do texto e sua uniformidade, característicasausentes nos “nabî” anteriores!

Sua mensagem não é só de lembrança do passado; é de estímulo e de reformulação daesperança! Voltar significa colocar-se debaixo da vontade de Javé, é dar seqüência ao seu Plano.Atender a voz de Deus é confirmar o Seu amor para com Israel, pois que ele deseja restaurar oreino de Davi, e ter para si um povo mais santo e dócil.

Reconstruir é reencenar a história de Israel como o escolhido de Javé. Seu povo é chamadopara honrar o Nome na terra onde deverá perpetuar sua mensagem! É com esse sentimento queo povo parte da Babilônia para reconstruir Jerusalém e o Templo: Reeditar a Monarquia de Israel.Para tanto, é preciso uma releitura da história da mesma, o que é feito por meio das composiçõesde 1 e 2 Crônicas, bem como Esdras e Neemias. É o período da mensagem escatológica, doMessias, que reunirá em si somente as melhores qualidades de Davi, seu pai, e será mesmo umser perfeito, bom juiz, bom rei e líder de seu povo.

Os homens de Deus, chamados para exercer seu ministério nesse tempo, deixaram suasmensagens escritas e foram bem sucedidos em restabelecer a esperança. São eles:

1. Ezequiel.

    1Jl 3.

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Sua atividade profética estendeu-se de 593, data de sua vocação1 , até 571, último textodatado de seu livro2 . Ele esteve na primeira leva de deportados, em 597 a.C., como um sacerdotede Jerusalém. Assim, o profeta representou entre os exilados uma ligação com elementosinstitucionais, o profetismo e o sacerdócio. Aliás, os sacerdotes, sem o templo e a possibilidadede praticar culto, exerceram atuação decisiva no aprofundamento da fé de Israel no Exílio.

O nome Ezequiel3 aparece em 1 Cr 24.16 como o cabeça de uma das ordens sacerdotais.O profeta era homem casado e teve que passar pelo drama da perda de sua esposa4 não devendopor ela derramar nenhuma lágrima, contrariando o costume de chorar os mortos e simbolizandocomo deveria Israel agir quando da morte dos entes queridos que permaneceram em Jerusalém.

Seu livro denuncia uma mente teológica bastante aprofundada. Vários termos utilizadospelo profeta são, pela primeira vez, trabalhados recebendo destaque e se tornando base para ateologia cristã. É preciso dizer que, por causa disso, os judeus relutaram muito em reconhecer olivro como canônico, sob a acusação de ser um livro demasiadamente “cristão”.

Um dos seus temas mais controvertidos é o uso da palavra “rûah”. Traduzido por “espírito”,encontra-se no livro citada 52 vezes porém, nem sempre com o mesmo sentido. Pode ser vistocomo “vento”5 , “sopro da vida”6 , centro espiritual do homem (paralelo ao coração)7 , espírito domal8 ou “meu espírito”9 . Ezequiel relaciona seu ministério com o Espírito, instrumento de Deusque lhe permite exercer sua vocação10 !

Outro tema específico do Livro de Ezequiel é a expressão “Filho do Homem”11 , semprecolocada na boca de Deus quando se dirige ao profeta. Ocorre cerca de 93 vezes no livro, sendoum quarto do emprego do termo “homem” em todo o Antigo Testamento!

Muitas são as preocupações teológicas do autor, mas a centralidade do Templo ocupa boaparte de seu discurso, havendo mesmo a descrição do local de culto restaurado na nova Jerusalém,conforme os textos do capítulo 40 ao 43.

    1Ez 1.1-2. Essa observação do livro nos faz datar o evento da vocação no dia 31 de julho de 593 a.C.    2Ez 29.17.O texto nos aponta para o dia 26 de abril de 571.    3Yehezeqe’l significa “Elohim fortalecerá”.    4Ez 24.15-27.    5Ez 1.4;13.11.    6Ez 37.5,6,8,10. Comparar com 37.8.    7Ez 11.5;20.32;14.4,7.    8Ez 13.3.    9Ez 37.14 e 36.27.    10Ez 3.12,14,24; 8.3; 11.1,24; 37.1; 43.5.    11Essa expressão serve para manifestar o contraste entre o esplendor da majestade divina e a pequenez da criatura humana.

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Seu ministério se reveste de importância, visto que o conhecimento da história e dateologia vai ajudar a fundamentar uma religião de exílio, favorecendo mais tarde a outros profetaspara que tenham a possibilidade de falar e de serem ouvidos a respeito da condição de Israelcomo o povo escolhido de Javé.

2. Obadias1 .

Deste profeta não se possui muita informação. Seu texto está francamente dirigido contraEdom que, aliando-se aos babilônios, aproveita-se da queda de Jerusalém para dilatar seu território.Esse livro ataca com veemência a traição dos edomitas, lembrando que um dia Javé restauraráa sorte dos exilados e estes recuperarão suas terras. É a confiança de que Javé é soberano.

3. Deutero-Isaías (caps. 40-55).

Nomeiam-se Deutero-Isaías ou Segundo Isaías os capítulos 40-55 do Livro de Isaías.Essa divisão se faz tendo em vista que as preocupações e o tema diferem radicalmente um dooutro. Os estudiosos têm afirmado existir uma lacuna de mais ou menos 200 anos2 entre aprimeira e a segunda parte.

O trabalho desse profeta anônimo é datado geralmente pela metade do exílio babilônico.Seu conteúdo é marcadamente escatológico3 pois seus temas estão diretamente voltados para areconstrução de Jerusalém e na reedição da Monarquia de Davi.

Sua mensagem procura, em primeiro lugar, explicar as razões do cativeiro, que ele entendeser por causa da iniqüidade de Israel; foi juízo de Javé contra seu povo.

Seu contexto histórico é difícil. Já decorrem cerca de 35 anos de cativeiro e os exiladosestão assimilando os costumes e a religião dos babilônios. Assim, poucos são os que queremabandonar a situação em que se encontram para se aventurar novamente pela Palestina no NovoÊxodo. Sua pregação, portanto, é para um povo descrente e desiludido. Sua mensagem precisaresgatar a esperança e reavivar a identidade histórica de Israel.

No que difere o Deutero-Isaías dos outros profetas antes dele? Primeiro, ele escrevesua mensagem antes de proferi-la; atestam isso a coerência e a unidade literária. Emsegundo lugar, apresenta com mais detalhes a figura do Messias, o rei segundo a dinastia deDavi, que será perfeito, coisa que nos profetas anteriores ficou apenas esboçado. Em terceiro,sua compreensão da fé e da história é universal. Javé é o Deus de toda a terra, que possui opoder de fazer a paz e a guerra e que chama os reis babilônios e persas de seus servos. Não émais um Deus apenas da Palestina, senão que é Senhor do Universo.

    1’obadyah significa “servo de Iahweh”.    2HOMBURG, Klaus - Introdução Antigo Testamento - Editora Sinodal - São Leopoldo/RS - 1975 - pág. 167.    3Quando falamos de escatologia entre os profetas não estamos usando o termo com o mesmo significado que possui na TeologiaSistemática, de Estudo das Últimas Coisas. Apenas identificamos um profeta escatológico quando ele está firmemente convictode que a nação como era deva ser restaurada e, para isso, usa de mensagens sobre o Messias, sobre a ressurreição da Monarquiade Davi e sonha com um novo Reino poderoso, livre das potências mundiais de sua época. Este tipo de mensagem acredita na suarealização neste tempo e nesta terra, dos eventos desejados. Desconhece o conteúdo cósmico introduzido pela apocalíptica e pelocristianismo.

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Por último, nos apresenta o Servo-Sofredor, por meio de hinos que nos descrevem com detalhessuas vicissitudes1 e sua Missão.

III - PROFETAS PÓS-EXÍLICOS (ÉPOCA PERSA: 539-332 a.C.)

Babilônia cai em 539 a.C.! Ciro, rei dos persas, entra na cidade praticamente sem luta ea toma. Esse fato se reveste de importância para Israel porque os persas, no desejo de seremreconhecidos como o novo poder, mudam sua política com os dominados, restituindo-lhes osobjetos de culto, os altares dos deuses e, no caso judeu, é autorizada a reconstrução do Templopelo Edito de Ciro2 no ano 538 a.C., financiada pelo tesouro persa, com a devolução dos utensílioslevados por Nabucodonosor.

Essa reconstrução vai sofrer uma descontinuidade por causa da sucessão de Cambises3

ao trono persa, em 522-520 a.C., que termina com Dario I sagrando-se rei em 522, reinando até486 a.C.

A reconstrução do Templo é retomada em 520 a.C. Durante todo o século V a.C. acomunidade está se reestruturando, oficializando novamente a Lei de Moisés, celebrando a Páscoae reconstruindo o muro de Jerusalém. Nesse período, os exilados vão se fixando na cidade ereconstruindo suas casas, havendo um franco desenvolvimento da comunidade que, além doTemplo, passa a utilizar um elemento novo na educação das crianças: a Sinagoga! Este períodoé comumente conhecido como o tempo de Esdras.

Naturalmente, ainda temos a presença dos profetas. Esses atuam no sentido de reforçara confiança do povo em Javé e reconstituir as instituições para novamente ser um povo livre.

1. Ageu.

Sua atuação está vinculada ao final da crise política de Dario, no ano de 520 a.C., quenaturalmente provocou incertezas e desconfianças na comunidade de Jerusalém, quanto ao seudestino.

Seu livro se compõe de cinco oráculos. Nada se sabe sobre a origem de Ageu4 , embora seconjecture que ele tenha permanecido em Jerusalém e tenha visto a glória do Templo de Salomão.

O cerne da profecia de Ageu e de Zacarias, como veremos, está centrado no Templo, emsua importância para a vida tanto cultual como econômica e social da comunidade. Sem areconstrução do Templo não haverá bênção nem prosperidade!

2. Zacarias5 .

    1Is 42.1-8; 49.1-6; 50.1-9; 52.13 a 53.12.    2Esse Edito está preservado em Ed 6.3ss.    3Sob o reinado de Cambises (529-522), sucessor de Ciro, houve um movimento intenso de exilados voltando para a Palestina ese reinstalando na antiga capital, sem problemas! Somente com sua morte as coisas se interromperão até que se defina o novo rei.    4Seu nome, Haggai vem da raiz HaG que significa “festa”. Outra proposta para o significado é “Hagarya” ou seja, “Yahwehcingiu”.    5 Zekaryah: Significa “Javé se lembrou”.

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Esse profeta possui várias autobiografias, mas, apesar disso, continua sendo uma incógnita,pois muitas pessoas no Antigo Testamento tem seu nome e, não raro, há confusão até comrelação à sua filiação1 .

Também é um profeta interessado na reconstrução do Templo de Jerusalém, assim comoAgeu. Profetiza por meio de visões e seu livro contém elementos apocalípticos que posteriormenteserão a tendência do povo de Israel.

Trabalha com realce a questão do Messias, identificando-o com Zorobabel e, assim,legitimando sua condição de líder político sobre Jerusalém.

Aspecto interessante é a menção de Satanás, pela primeira vez, entre os profetas! Vê-se,já aí, a influência marcante que a teologia zoroastrista exerce sobre o pensamento teológicojudaico pós-exílico. Suas temáticas são a comunidade que deve ser renovada; os tempos novosestão próximos; a importância da cidade santa e do Templo para a vida do novo Israel.

3. Trito-Isaías (caps. 56-66).

Esse texto é significativo porque testemunha um momento crucial da comunidade israelita,que é a perda de confiança nas profecias do Deutero-Isaías de uma restauração da Monarquia deDavi.

Assim, o autor (ou autores) procura lembrar que as distâncias entre a promessa e seucumprimento devem reafirmar a fé, pois a “mão de Javé não é curta que não possa salvar”2 e Eleé fiel à sua Aliança3 ; Javé ainda não realizou sua salvação, mas está muito próxima. A realizaçãode suas promessas depende também de que seu povo cultive e viva a justiça e a piedade.

Essa condição da comunidade se vê negada na injustiça para com os mais pobres4 . Oculto deve ser “em espírito e em verdade”5 , não apenas um formalismo. Deve haver boa vontadee disposição de estender a salvação também aos gentios, pois a nação está inserida em outrocontexto mundial.

O tempo deste livro é o mesmo da comunidade pós-exílica que se estabeleceu emJerusalém. Sua preocupação está centrada na manutenção da esperança, mas fundamentadanas pregações do Deutero-Isaías, de um Israel redivivo, na pessoa do Messias!

4. Malaquias.

    1O título do Livro sobrecarrega a filiação direta de seu pai Ido, atestada em Ed 5.1 e 6.14, dando-lhe como pai, o pai de outroZacarias (Zekarja: “Iahweh lembrou-se de sua promessa”) da época de Isaías (Is 8.2; 2 Rs 18.2). É provável que a referência“filho de Ido” deseje ligá-lo a uma família sacerdotal.    2Is 59.1.    3Is 59.21; 61.8.    4Is 57.1-5.    5Jo 4.23.

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A coleção desse profeta não dá nenhuma indicação sobre sua pessoa. Seu nome, Maleaki(“Meu mensageiro”) diz pouco ou quase nada sobre ele, a não ser o fato de ser um enviado deJavé.

Esse profeta é posterior a Ageu e Zacarias, pois o Templo já está funcionando. O queexiste é um afrouxamento da religião e do exercício do culto sacrificial, bem como um relaxamentona vida social, notadamente com relação ao matrimônio, grandemente atacado pelo divórciosem causa1 . A justiça de Deus, aparentemente tardia, com a prosperidade dos maus, leva a umdistanciamento da prática religiosa, pois, que benefício existe em ser obediente?2 Diante disso,Malaquias pronuncia o julgamento de Deus3 , que ocorrerá como que por meio de uma fornalhapara purificar e consumir.

5. Jonas. 4

A única informação bíblica que se tem de Jonas5 não sintoniza com o Livro de Jonas. Osestudiosos acham que o personagem aludido nos livros históricos bíblicos não seja o autor danarrativa. Dificulta a identificação o fato de que em nenhum lugar do livro encontrarmos o termo“Profeta” ou “profetizar”; por outra, as palavras proferidas são a menor porção do livro, havendomais espaço às situações vivenciadas, como que para nos ensinar verdades sobre a naturezahumana. Está mais para um escrito de natureza sapiencial do que profético.

O livro se divide em duas partes. A primeira com Jonas recebendo a ordem de anunciarem Nínive a reprovação de Javé. Esquiva-se e foge de sua obrigação, vivendo as dificuldades datempestade, o temor de Deus, por parte dos marinheiros, o peixe e a conseqüente chegada napraia, de onde parte finalmente para o seu destino.

A segunda parte está ligada à pregação de Jonas. Anuncia a destruição, provocandoconversão. Sua reação é surpreendente, pois deseja ver a destruição, não a salvação, outra coisadiferente dos profetas bíblicos! Após uma ação de Javé, aprendemos algo sobre a misericórdiadivina.

Esse livro já figurava no Cânon hebraico pelo século III a.C6 .

IV - A APOCALÍPTICA.

    1Ml 2.10-16.    2Ml 2.17; 3.14.    3Ml 4.1-6.    4Yonah: Significa “pomba”.    52 Rs 14.25.    6Eclesiástico assim nos informa: “Reverdeçam também os ossos dos doze profetas, nos seus túmulos; porque eles fortificaramJacó, e salvaram-no por uma fé corajosa” Eclo.49.11. Eclesiástico é um livro seguramente datado do II século a.C. Se ele jáconhecia o rolo dos doze profetas, certamente sabia da existência de Jonas, já nesta data!

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Essa fase do pensamento judaico dá origem a um novo estilo literário que se inicia apóso exílio babilônico, estimulado pelas necessidades religiosas e sociais de Israel.

A situação está da seguinte forma: o Segundo Êxodo não realiza a expectativa do povo,pois as coisas não saíram do jeito que imaginaram. O Império Persa foi subjugado por Alexandre,o Grande! A Palestina passa a ser domínio grego e sofre as influências da helenização promovidapor Alexandre e depois de sua morte, continuada por seus generais. Estátuas gregas são colocadasem Jerusalém; deuses do Olimpo são introduzidos no Templo e isso provoca uma reação terrívelda comunidade mais conservadora de Israel, ocasionando as chamadas guerras de guerrilhascom Judas Macabeus e seus irmãos, livrando-se, por fim, da dominação!

Num contexto assim, não dá para pensar mais em ressurreição do estado davídico, nosmoldes dos textos antigos da monarquia. O panorama mundial não é mais favorável. Mas, o quefazer com as promessas de Javé? É preciso reinterpretá-las! De que forma? Lançando mão deum recurso conhecido mais tarde como gênero literário apocalíptico.

O que vem a ser Gênero Literário Apocalíptico? O termo apocalipse1 , do grego “revelação,descoberta, tirar o véu” é usado convencionalmente para um tipo de literatura revelatória, surgidano horizonte judaico por volta de 200 a.C a 300 d.C.

Possui como características a revelação por meio de visão ou por uma declaração falada(audição). Pode-se expandir a revelação por meio de uma viagem de além-túmulo. O mediadoré sempre um ser angélico.

A revelação se dá em dois planos. O primeiro mostra as dificuldades e crises do mundoespiritual interferindo no mundo físico e causando o fim da história, por meio de julgamento esalvação. Esses são sempre pessoais, em que o fiel salva-se através da ressurreição corporal.

No segundo plano, o recebedor da mensagem conhece a geografia do céu ou do inferno,geralmente por meio de uma viagem, presenciando as batalhas entre seres angélicos bons emaus.

A história caminha para um tempo do fim. Não é possível realizar a vontade de Deus notempo presente, pois que tudo está contaminado. É preciso que haja novo céu e nova terra.Assim, deverá haver a destruição da presente ordem, o julgamento dos homens e a inauguraçãoda ordem futura somente com os que foram fiéis.

Desse modo, o destinatário da revelação deve permanecer firme e precisa instar para queaqueles que são fiéis continuem assim até o dia final, pois somente os escolhidos serão agraciadoscom a vida futura na ordem porvir.

No apocalipsismo, é dominante a idéia da batalha crescente entre o bem e o mal, auniversalização do julgamento e a transformação do cosmos e da história.

Tal estilo vai se tornar conhecido para nós a partir da literatura de Daniel, Ezequiel eZacarias, além de outros que não se encontram no nosso Cânon e que introduzem elementosdo zoroastrismo na teologia judaica, advindos do período persa de exílio; que reinterpretamprofecias e possibilitam a visão de que Javé não é um Deus circunscrito à Palestina, mas comoDeus do Universo, seu Plano é mais amplo e significa muito mais do

    1"O gênero da apocalíptica é um tipo de literatura revelatória com estruturação narrativa, na qual uma revelação a respeito dejulgamento e salvação do tempo do fim e/ou a respeito dos reinos celestes é dada a um ser humano por mensageiro além-túmulo”.GOTTWALD, Norman K. - Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica - Ed. Paulinas - São Paulo/SP- 1988 - págs.541.

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que apenas a reedição do Israel Monárquico. O povo de Javé tem uma missão no mundo, que épropagar a mensagem de Deus para todos os que porventura possam crer, pois Javé irá destruira presente ordem do mundo e criar uma nova, completamente purificada de todas as dificuldadesque no momento impedem a instauração do Reino de Davi!

1. Daniel1 .

O texto de Daniel foi aqui inserido, mas há muita controvérsia. Além das discussões sobresua autoria e datação, existem questões quanto ao estilo literário. Estudiosos sustentam queDaniel não pode ser visto como Livro Profético, porque é apocalíptico, próprio da época dadominação grega na Palestina, por volta de 165 a.C.

Suas preocupações básicas seriam denunciar e zombar da arrogância dos reis, quepresumem ter o poder de conduzir a história, o que é negado no livro, com a intervenção deJavé. Outro ponto importante é que Daniel é visto, pelo livro, como um protótipo de judeu noestrangeiro, tais como José e Mordecai. Também a libertação recebe um conceito mais amplo:inclui a noção de ressurreição na teologia de Israel, fator ausente nos profetas dos séculos VIIIe VII a.C.! Por último, deixa claro o governo de Deus sobre todas as nações e sobre a história.

V - SINTETIZANDO:

Os profetas do século VIII eram homens chamados para proclamar a mensagem do juízo,da condenação do pecado, mas também do arrependimento e da salvação para a comunidade;não foram bem sucedidos e o julgamento veio na forma do exílio babilônico.

Os profetas exílicos, por sua vez, para reestruturar a comunidade, proclamaram amensagem escatológica da reedição do Estado de Israel, na pessoa do Messias e da ressurreiçãoda Monarquia, o reino restaurado! Também não viram isto acontecer.

Coube à Apocalíptica manter a fé em Javé. Ela demonstra que os profetas antigos viramapenas parte da realidade teológica. Deverá haver um julgamento universal e depois disso é quese instaurará a Era de Justiça, Paz, Prosperidade e Presença de Deus: Novo Céu e Nova Terra!

    1Dany’el: “El é meu juiz”.

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BIBLIOGRAFIA

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2. Introduções ao Antigo Testamento:

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3. Comentários aos Livros do Antigo Testamento:

CROATTO, J. S. - Isaías vol. I: 1-39 - O profeta da justiça e da fidelidade. São Paulo:Imprensa Metodista - Vozes - Sinodal, 1989.

DELITZSCH, F. & KEIL, C.F. - Commentary on the Old Testament in ten volumes. Reprinted.Michigan: Grand Rapids, 1981.

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TERRIEN, S. - Jó. São Paulo: Paulus, 1994.

4. Diversos:

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AMSLER, S. et al - Os Profetas e os livros proféticos. São Paulo: Paulinas, 1992.

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BYSTRINA, I. Semiotik der Kultur. Tübingen: Stauffenburg, 1989.

BRUEGGMANN, W. & WOLFF, H. W. - O Dinamismo das Tradições do Antigo Testamento.São Paulo: Paulinas, 1984.

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CLEMENTS, R. E. - O Mundo do Antigo Israel. São Paulo: Paulus, 1995.

GERSTENBERGER, E. S. - Deus no Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1981.

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WESTERMANN, C. - Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1987.

- Apocalipsismo. São Leopoldo: Sinodal, 1983.

- Profetismo. São Leopoldo: Sinodal, 1985.

VV.AA - Israel e Judá - São Paulo: Paulinas, 1985.

VV.AA - Escritos do Oriente Antigo. São Paulo: Paulinas, 1992.

ÉPICO Sumério - Gilgamesh, rei de Uruk. 2. ed. São Paulo: Ars Poética, 1992.

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5. Dicionários:

KIRST, N. et al - Dicionário Hebraico-Português - Aramaico-Português. São Leopoldo:Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1988.

DORIN, E. - Dicionário de Psicologia. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

DAVIS, J. D. - Dicionário da Bíblia. 5. ed. Rio de Janeiro: Batista, 1977.

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