ANTOINE, André. Conversas sobre a encenação & Conferência do Rio de Janeiro

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coleçã o dra maturgias André Antoine CONVERSAS SOBRE .... A ENCENAÇAO ( i903) Tradução, Introdução e Notas Wa/ter Lima Torres

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Texto do considerado primeiro encenador mordeno.

Transcript of ANTOINE, André. Conversas sobre a encenação & Conferência do Rio de Janeiro

  • coleo dra maturgias

    Andr Antoine

    CONVERSAS SOBRE ....

    A ENCENAAO ( i903)

    Traduo, Introduo e Notas Wa/ter Lima Torres

  • Andr Antoi ne

    Ttulo origina l: Causerie sur la mise en scene I Confrence de Rio de Janeiro

    Projeto editorial Jorge Viveiros de Castro

    Editoras-assistentes

    Valeska de Aguirre Marlia Garcia

    Fernanda Costa e Silva

    Preparao de originais e copidesque

    Jorge Mourinho

    Capa Jorge e Angel a

    ANTOINE, Andr

    Conversas sobre a encenao I Andr Anroine (rra-

    d uo de Wal rer Lima Torres) - Rio de Janeiro: 7Lerras,

    200 1.

    66 p. (Coleo Dramarurgias)

    ISBN 85-7388-28 7-5

    I. Teatro. I. Ttulo. 11. Srie

    2001

    CDD 842

    Viveiros de Castro Editora Ltda.

    Rua Jardim Botnio 674 sala 417-Jardim Botnico

    Rio de Janeiro - R] - 22461-000 www. 7letras.com.br- editora@7le

    tras.com.br

    2 1-2540-0037 I 2540-0130

    Sumrio

    Apresentao .......... ....... ... ...... .. ...........

    . ..... ...... ... ...

    ...... .......... 7

    Introduo .. .... .... .... ........ ........ .. ............

    .............. ... .

    .. .... ........ 9

    . Conversa sobre a Encenao .. .. .... .......... .

    ..... .............

    ........... 23

    Conferncia do Rio de Janeiro .. .... ........

    .......... ........

    .......... .. 43

    Referncias Bibliogrficas ......................

    ..................

    ............ 60

  • Apresentao

    Este livro um dos primeiros resultados da pesquisa "A no-o de encenao e sua aplicabilidade no teatro brasileiro: do pr-encenador aos nossos dias", que desenvolvo, como professor do Curso de Direo Teatral da ECO/UFRJ, no Ncleo de Estudo e Pesquisa em Artes Cnicas (Nepac) da UFRJ, que conta com o apoio da Fundao Universitria Jos Bonifcio (FUJB) e do CNPq.

    Foi fundamental para a realizao deste trabalho o Prmio Antnio Lus Vianna, que recebi, em 1999, do Conselho de Ensi-no para Graduados (CEPG) da UFRJ e da FUJB.

    Gostaria de agradecer a Jorge Mourinho, Angela Leite Lopes e Andra Dor.

    Dedico este livro aos alunos do Curso de Direo Teatral da Escola de Comunicao da UFRJ.

    Walter Lima Torres Rio de janeiro, novembro de 2001

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  • Introduo

    Andr Antoine e seu trabalho teatral foram, durante muito tempo, negligenciados pelos historiadores do teatro - ficando sombra das realizaes, primeiramente, do fundador do Vieux Colombier, Jacques Copeau, e em seguida de seus seguidores, os encenadores do Cartel. 1 A pesquisa naturalista desenvolvida por Antoine em suas montagens ao longo d tempo foi tradicional-mente colocada em oposio poetizao da cena moderna, tanto pelos simbolistas quanto pela esttica idealizada por Copeau, para quem alguns estudiosos franceses reivindicam a paternidade da moderna encenao na Frana.

    Entre~anto, por consenso em torno de seu ambicioso empreen-dimento, costuma-se atribuir a Antoine, na verdade um modesto funcionrio da Companhia de Gs de P~~ls, a p~ima~ia d~ moder: na encenao e o surgimento da figura do moderno encenador como a conhecemos atualmente- o qual, ao interpretar uma obr:a, transpondo-a cenicamente, coordena e dirige os trabalhos de ou-tros artistas na busca de uma unidade esttica. Autodidata, artista amador, trabalhando de dia e freqentando cursos de arte dram-tica noite, aos 20 anos, em 1878, ele fs>i recusado no tradicional Conservatrio de Teaq() g~ Paris. Sua formao se deu, portanto, no mbito das instituies republicanas: exposies, museus, bi-

    1 O Teatro do Yieux Colombier foi criado por Jacqu es Copea u (! 879-194 ')) em 1913. Preconizando uma renovao da linguagem cnica, o trabalho teatral de Copeau tinha por base a renovao dos valores ticos e artsticos em relao aos atore!i e uma reforma de cunho moral e esttico em relao ao oficio do diretor teatral. J; n Carrel designa a associao de quatro direrores teatrais, expoentes da cena francesa du pero-do entre guerras: Gaston Bary ( 1885-1952}; Charles Dullin ( 1885-1949}; Lou is jouvet (1887-1951}; e Georges Piroeff(1884-1939). Fundado em 1927, o Carrel baseava-se {!uma forre solidari edade, na es tima profissional e no respeiro que os di rctores nutriam uns pelos outros. Num momento em que a subveno estarall imitav;l-se aos chamados teatros nacionais, um dos objetivos do Carrel era o de possibilitar meios de produo e discusses estticas visan do realizao de um teatro de arte em oposio ao dito teatro comercial.

  • blio tecas e teatros, alm da prpria prtica teatral, como figurante ou chefe de daque.

    Motivado por um olhar investigativo acerca de novas form as cnicas possveis de serem transpostas para o palco, ele se torno u na virada do sculo XX o animador de um grupo de artistas semi-p rofissionais q ue, com base nos princpios que mile Zola h avia aplicado ao romance, revolucionou a ordem estabelecida referente es~rita ~ encenao de uma pea de teatro . De talento mltiplo , sua mqwerao e sua sinceridade de propsitos relativas prtica teatral no o limitaram atividade de diretor teatral. Alm de grande ator de composio/ exerceu a funo de diretor artstico (Thtre Libre, em 1887; Thtre Antoine, em 1897; e Thtre National de l'Odon, de 1906 a 1914), tendo ainda se dedicado crtica cine-matogrfica e teatral. Antoine foi tambm cineasta de vanguarda, destacando-se como um dos primeiros a filmar cenas de exterior, si tuando-se como um dos precursores do cinema realista Trancs d~s anos 1930, como se constatou na retrospectiva, exibida pela Cmemateca Francesa em 1990, dos seus nove filmes realizados no perodo de 191 4 a 1921.

    Dez anos separam a. fundao do Thtre Libre, em 1887, numa pequena sala em Montmartre, da empresa comercial Thtre Amaine, instalada em 1897 num boulevard da capital francesa. De

    2 A noo de ator de composio se consolida com o advento do naturalismo no r~atro. Concomi tanremenre ao surgimenro da figura do encenador, o aror de compo-SIo, por oposio ao arar tipo, seria capaz. de inrerpretar os mais vari ados papis compondo suas criaes por mei o de um esforo "camalenico", na tentari va de se diferenciar o mximo poss vel do personagem . Ao conrrrio, o aror ripo empresra sua figura e seu jogo especializado galeri a de personagens tipos . Com relao ao rearro brasileiro, a classificao por tipos foi uma realidade d a prtica teatral como atesram as classificaes para os tipos femininos. Exemplos: Tipo de Ingnua- 15 a 20 anos, mulher muito jovem de carter tmido, romntico , sonhado r; Tipo de D ama Galanre - 20 a 30 anos, normalmente os tipos de mulh eres fatai s, seduto ras, n o id entificad as com o tip o da me de famlia. Figura ro m ntica de tipo tenrado r; T ipo de D am a Cenrral - 30 a 50 anos, mulher de mei a- idade. O ripo da me de fa mlli a. Mulher madura e di srinra; Tipo d e Dama Caricara- 50 an os em dianre, rip o da mulher J e modos caricaturais ou ridlculos; Tipo da Soubrette - idade vari ada. T ipo de mulh er inrr iganrc, aia, cri ada, empregad a, se rvial, co nfld enre, pa ul ar in am enre subsriruda pe lo cipo da M ul ara Pern s rica.

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    1906 a 1914, An toine di rigiu um dos mais prestigiOsos tea tros subvencionados pelo Estado francs, ?. T~ tre de J'Odo n, sendo imerrompido apenas por causa da Primeira Guerra Mundi al. An-tecedendo esse perodo de oito anos , observa-se a circul ao da trupe do Thrre Antoine em turns, primeiram ente por algum as cidades europias e depois pelas principais capitais da Amrica Latina.

    A presena de companhias francesas nas principais cidades da Amrica Latina uma realidade que, com certeza, remonta pri-meira metade do sculo XIX, sobretudo em nosso caso, aps a chegada ao Brasil da famlia real portuguesa em 1808. Enrretanto, possvel que trupes estrangeiras j tivessem visitado algumas ci-dades brasileiras duranre o perodo do Vice-Reinado. A este res-peito , a crnica e o testemunho de viajantes es trange iros de passa-gem pelo Brasil tm muito a nos informar sobre a circulao e a atividade dessas crupes. 3

    Na virada do sculo XlX para o XX, sabe-se que o movimen-to dessas companhias - no s francesas - se intensificou. A pri-meira turn de S.arah Bernhardt, por exemplo, data de 1886, pre-cedida por Eleonora Ouse, em 1885. Joo Caetano , na sua co ndi-o de empresrio, j havia trazido artistas estrangeiros p ara os palcos cariocas, e tambm Monsieur Arnaud, do legendrio Alcazar da Rua da Vala, contratou numerosas companhias lricas que por aqui abalaram os costumes e lanaram moda . O Thtre Antoine , portamo , foi uma dessas companhias que visitaram o Brasil na famosa temporada francesa de 1903. O esprito que animava essas companhias estrangeiras era o "de fazer a Amrica" , ou "conquistar e civilizar", como se dizia no Velho Mundo. Como se a Amrica do Sul conrinuasse a ser, em 1903, uma selva repleta de seres pri-mitivos e fantsticos. E Antoine reconheceu essa prti ca -j assi-milada pelos artistas europeus, franceses e so bretudo itali anos, com exceo dos portugueses- quando afirmou, na sua conferncia no

    .I So bre as rurn s de companhi as fran cesas, co nsulrar Werneck (s.d.) e Lima Tor res ( 19%).

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  • ~~' que "essas excurses Amrica do Sul gozam de grande pres-tlgw em nosso pas. Todos vem com bons olhos esses eldorados maravilhosos, de onde nos chega roda sorte de douradas. lendas ... " ( Confirncia do Rio de janeiro).

    Para as companhias estrangeiras desse perodo, a turn era 0 espao de consagrao ardstica mundial associada discutvel idia

    . d~ ir~adiao de uma cultura, no sentido de que elas estariam con-rnbuJndo para a civilizao e a formao cultural das jovens naes do no~o mundo. Por detrs desse discurso, de fato, verifica-se que a turne, quando bem gerenciada, era um negcio altamente rent-v.el, um empreendimento atraente para quem ento quisesse se ar-ns~ar a atravessar o Atlntico. Somente mais tarde, num perodo ma1s recente, sobretudo entre 1940 e 1970, a turn de companhias europias passaria a desfrutar realmente do estatuto de misso di-plom.tica e de i~ter~mbio cultural. Podemos dizer que a vinda de Anto:ne ao ~rasd se mscreve, portanto, na perspectiva de uma com-panhia par~tcul.ar que empresariada e trazida aos palcos brasilei-ro~ com o Intuito de buscar entre ns sua consagrao no estran-getro e o favor de um benefcio econmico.

    * * *

    Causerie sur ia Mise en Scene, traduzido por Conversa sobre a Encenao e aqui, pela primeira vez, publicado na sua ntegra em

    portugus, u~- ~~_x:~()- ~1_2~_~g_l1!~. E.?~ ~bordar os princpios da mo-. ?e~.nae~_cer:a~o e ~() q 11.?.-l _ .Arl~oin_e n_~o - e.sc~~d~ ~~~ li~~ ~s

    td~~as de Zola. Datando de ~ -~?._?, com Antoine j dirigindo pro-fisswnalmente desde 1897 a companhia que leva seu nome, este texto aspira menos a ser uma teoria sobre a esttica naturalista e mais a uma reflexo sincera, ao balano de um conhecimento, a uma experincia aferida no dia-a~dia sobre u'm ofcio que, como An~oine mesmo d~:ia,. acab~v~ de nascer. Essa l:?reocupao em dec1frar uma expenenCJa arnsttca por meio de um olhar crtico e de uma auto-reflexo passou a ser, como se verificou mais tarde, prtica corrente no discurso produzido por outros diretores.

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    Antoin j havia demonstrado intimidade com a matria quan-do redigiu, em 1890, um opsculo apresentando o relatrio das temporadas do Thtre Libre direcionado ao crculo, a princpio restrito, dos ass inantes de seus espetculos. 4 Nesta obra ele ;pre-sentava, com minucioso detalhameruo:vrios aspectos da sua pr-tica teatral, desde as condies sociais e econmicas at as conside-raes estticas e culturais que o levaram a fundar e animar a ativi-dade do Thtre Libre, em 1887. Podemos encontrar, por exem-plo, um belo histrico sobre a criao desse crculo de amadores que, do pequeno teatro da colina de Montmanre, iria revoluci o-

    nar a cena panstense. Antoine expe a ne:s;es_si~Cl:de de _ ~-11:1 novo repertrio , procu-

    rando revelar jovens autores i uem com suas 1e as o ornem segundo a influncia do ambie.nr~e_nde--s.ncoiura. Ele ~ambm reivindica uma renwqy;;-o o ~ogo dos o.res$ promovendo uma Interpretao mais sbria e contida, mais naturaL evitando as ) r.iscadelas dos arrjsras com a inteno de seduzir os espectadores. Antoine aborda ainda a necessidade de uma reformulao do e0i-fcio teatral, questionando a disposio palco e platia- pois, ao mesmo tempo que mergulhava _a platia no escuro, rompia com a hierarquia do olhar, deixando-se influenciar claramente pelo tea-tro construdo em Bayreuth por Wagner, em 1877. Sua proposta antev, na verdade; -- -cri;~ - d;s ~tuai~- c~nrros culturais ou das casas de cultura implementadas na Frana por Andr Malraux, anos mais tarde .

    Fica evidente a preocupao de Antoine em expor- a expres-so moderna, mas no h outra- seu projeto artstico, esttico e cultural, no s dando visibilidade sua luta mas tambm demons-t;ando como este projeto, ao prestar suas contas comunidade, reclama sua inscrio dentro de uma poltica cultural mais ampla, fato que prenuncia a consolidao da atividade teatral como servi-o pblico, objeto de discusses futuras.

    Cf. Anroine (1979).

  • Rewmando as mesmas questes de 1890, a conferncia de Antone no deixa de traduzir um certo espri to positivista e cien-tfico ineren te poca, com o qual procura explicar a sociedade ao aplic-lo ao fazer teatral, na tentativa de orden-lo e sistematiz-lo . De fato , Anto ine_ assiste ao debate em torno de uma sociologia nascente, j que ~m.ile Durkheim publicava em 1894 suas Regras do Mtodo Sociolgico. Atribuindo-se importncia a seg~eni:.s menos favo recidos da sociedade, no momento de se pensar a divi-so do trabalho social, percebe-se a. transposio para os palcos de espaos e personagens at ento estranhos esttica realista roma-,!:lesca: aougues, al~ergues, lavanderias, cortios ... Desloca-se do espao pr-codificado do sal;~ ;u da safa ' ci~ ' visitas para se revelar em espa~s i.nauditos, responsveis por uma construo espacial ~paz de InCitar a_~olreao relativa ao mio que determina 0 com ortamento dos personagens. E o momento em qu~ -;5 estu~ dos psicolgicos se intens1 1cam, sendo um bom exemplo a apre-sentao de Freud em 1916 das Lies, que esto na origem da sua obra Introduo Psicandlise.

    Em _Conversa sobre f! :!c_e'!qo, Antoine nos traa um pano-rama apaixonado - no sem uma grande dose de austeridade- de suas opes estticas, ticas e morais com um olhar muito preciso sobre a cena teatraLf:_JI10uncia de Zola determinante, posto que , desde a publicao de ,-Nturclismo no Teatro, em 1881, ele reclamava uma. reforma geral da representao- que inclu~, ~ntre outros aspectos, o jog~ dos atores~ os figurinos e acessrios e, so-bretudo, como apontava Zola, o trmino de uma cenografia ba-seada em teles pintados, sob o reino do papelo e da tinta. A reproduo dos objetos que deveriam compor a cena necessitava ser real , tridimensional. Aproveitando as crticas ao realismo ro-manesco de Zola , Antoine polariza a discusso no mbito teatral e empreende sua reforma segundo seu mestre .

    "N a minha opinio", afirma Antoine, "a encenao moderna deveria tomar no teatro o _lugar gue as descries tomam no ;~ mance. A encenao deveria- e na verdade o caso mais freq Li en te hoje - no somente fornecer ao sua justa m oldu ra, mas tam-

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    bm determinar o seu car4ter verdadeiroe constituir sua atmosfe-ra" (Conversa sobre a Encenao) . ~ Essa necessidade percebida por Antoine encontra-se perfeita-

    mente adeq uada aos princpios dessa esttica que passa a balizar a transposio do texto para a cena reclamando a noo de m e.Q.. _o aparecimento de um~ que, ao examinar~m

    _ caso lmina, _c~l!?-,

  • zes. ~las se vestem _menos_ para determinar suas personagens do que para servir de manequins vivos aos costureiros, s modistas. Arrumam-se para entrar em cena com o mesmo cuidado e~ mes-ma coqueteria de quem vai s compra~. Vejam a toi!ette de nossas soubrettes, 5 cobertas de diamantes, caladas com botinas de cinco luses. Vejam a repugnncia de nossos artistas de deixar o ambiente teatral onde eles se pavoneiam e n.otem em nossos cenrios as por-tas se abrirem majestosamente, de par em par, como no Louvre ou em Versalhes. Todo mundo est em traje de gala e quer aparecer da forma mais vantajosa possvel diante do pblico. O velho instinto sobrevive e se transmite de gerao em gerao ... " (Conversa sobre a Encenao).

    A batalha de Amaine deu-se dentro e fora do palco. Por um lado, foi uma luta por uma reforma tica que se refletisse no com-e_ortamento dos atores tanto em cena quanto fora dela, recup~do uma dignidade e um sentido moral para investir o ator de um senso profissional e tentar consolidar sua presena numa sociedade que se moderniza. Por outro lado, a luta foi dentro de cena, cha-mando a ateno para a coerncia da atuao e a adequao dos figurinos a() comporca.J11e~ro e condio sqcial dos pe~son~gens. O esforo de Antoine foi no sentido de fomentar o i~i:~~esse nos atores ~elo .uabalho em conjunto,_ consolidando a:SFiao em equiee e erradJcando o estatuto de vedete ou de "monstro sagrado" reivin-dicado pelos expoentes da cena.

    Quanto ao jogo do ator propriamente dito, Antoine encami-nhava sua investigao na b~sca por uma interpretao mais s--~ria~-.:~.~-~~~-~--~.~~~l:lt~, determinada por movime~tos que expres-sassem a "realidade humana do papel", e no o esteretipo do per-sonagem forjado na expresso facial e vocal sublinhada por "caras e bocas" pr-codificadas. Ele asseverava que, "para traduzir 0 indiv-duo que representam, eles [os ator~s] lana~ -~a-pt'l~~ c~- dois Jn~trymentos: .a vo_z ~ _o -~9.S.t

  • Anterior a Amaine, somente .Becq de Fouq uieres, com sua obra D 4.rt de la Mise en Scene, de 1884 - quase vinte anos antes, ponanro - , defendia o ponto de vista de que todo o valor da repre-

    1entao residiria excl'l~ivamente na obra do poeta, ao discutir a $J1Cenao de 11m a pea .. Assim, o carter subjetivo, a possibilidade de um espectro investigativo acerca da interpretao da obra, um avano significativo demonstrado por Antoine - mesmo que essa interpretao seja pelas lentes de uma esttica naturalista eterna devedora da sociologia e da psicologia nascentes.

    com a valorizao da participao do diretor teatral como autor da representao que se constata a tra~sformaiio de campos de atuao na prtica teatral, saindo-se do mbito do ensaiador (rgisseur, em francs)- este agenciador do bom funcionamento de uma pea sobre o palco - ou do campo da atuao de . autores-ensaiadores para o campo da _verdadeira criao nma p;rspectiva autoral, que passa a ser atribuda ao moderno diretor teatral- fi-g\.rra que escolhe, julga, estabelece e _coordena uma linguagem pr-pria representao, emar1cipando-a do texto.

    * * *

    O segundo texto, posterior em questo de meses Conversa sobre rz Encenao, intitula-se Conferncia do Rio de janeiro e foi proferido durante a turn do Thtre Antoine pelas capitais da Amrica Latina em 1903. A realizao de conferncias em cada local por onde se passava era uma prtica recorrente muito difun-dida. Nessas comunicaes, Antoine tentava expor seus princpios, suas idias e o teor de suas pesquisas a um pblico estrangeiro sua trajetria, apesar de se constituir como um pblico francfilo, re-lativo conhecedor do movimento teatral francs. 7

    7 Esra co nferncia, pelo que indicam as crnicas publicadas na imprensa carioca do perodo , ~e ria uma respos ra de Anroine s crfricas de Arrhur Azevedo aos seus esper-cu l o~. Deralhes sobre a querela entre Andr Antoine e Arrhur Azevedo podem ser verit ic1dns consultand o-s e , respectivamente, Sussekind ( 1993: 53-90) e Far ia (200 I :24 5-26 I ).

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    N a fala de Antoine, constata-se que ele buscava relacionar sua pesquisa teatral, no mbito da cena naturali sta , s mani fes taes artsticas- em sua opinio- transformadoras que ocorreram sua volta, tais como omovimento impressionista n a pintura, com Manet; a modernizao da escultura, com~; ~s urgimento do romance naturalista, com Zola; no deixando de perceber os avan-os das cincias sociais, com Tai!1!! e Renan. Em relao Conversa ~ Encenao, sua caracterstica outra, pois quem fala aqui o chefe de uma trupe, o diretor arts-tico e coordenador desse projeto cultural gue vai da escolha pre-parao do repertrio para a turn. Trata-se, portanto, de um texto expositivo sobre os autores, suas obras e os critrios adotados na escolha desse mesmo repertrio. No est em questo a consolida-o de um novo ofcio ou a exposio de seu perfil, como fica claro na leitura da Cqnversa, mas sim o_panorama de uma prtica tea-

    .. trai, suas influncias erelae_~ co111 _.a l~~eratl1ra dramtica produzi-da so?_ o si~no do~_aturalisiT1

  • A opinio de Azevedo t:ra fortemente influenciada pelas lei-turas das crticas de Sarcey que por aqui chegavam. Neste sentido, a noo basilar que nortea~a -a atribuio de valor representao de um texto por Sarcey - e largamente empregada pelo autor e crtico brasileiro- era a de 'pea bem-feita". Ao que Antoine re-truca na conferncia: "Que ser. me11 De11s, uma pea bem-feita? ( ... ) H peas interessantes e peas fastidiosas. O objetivo do escri-tor no ser interessar, comover ou divertir? E no ser bem-feita toda pea cujo autor conseguir tal resultado?" (Conferncia do Rio de janeiro).

    Esse foi um dos grandes debates do incio do sculo XX den-tro da prtica teatral, pois estava em questo, dividindo os gostos e as opinies, a primazia de um repertrio constitudo segundo uma normalizao formal muito clara, abordando temas ideais, o rea-lismo romanesco; e outra corrente procurando revelar no de for-ma ideal mas_exacerbando o real, valorizando-o por meio de uma pesquisa de situaes dramticas extradas de problemas oriundos dos segmencos menos favorecidos da sociedade e at ento banidos dos palcos. Ou como prefere Antoine: "As modestas histrias de camponeses, soldados, operrios, marafonas que aqui lhes apre-sentamos correspondem todas a um problema social, a uma tara, a um abuso ou a uma iniqidade" (Conferncia do Rio de janeiro).

    Como lembra Patrice Pavis em seu Dictionnaire de Thtre, a esq uematizao da~ assemelha-se a ut:na pardia da estrutura da tragdia clsica, com sua exposio da situao e dos personagens; seu desenvolvimento logicamente encadeado; seu pice, na famosa scene foire; e,_ conseqentemente, sua s:oncluso de fim moralizante, tida por um longo perodo como a receita do sucesso econmico em termos autorais.

    Assim sendo, a "arte" do autor dramtico, facilitada por essa "frmula", trabalha em funo da descoberta de um tema, de si-tuaes e de personagens que se adaptem ao modelo. j\ piece bien foite apresenca-se, portamo, como uma tcnica de composio, a qual apreendida e desenvolvida pelo autor qu~ acrescenta ala o seu estilo. Desta maneira, suaJ?roliferao, de forma irrestrita, dever

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    se a sua eficcia entre o grande pblico. Por conseguinte, ela estaria associada capacidade de reproduo da obra de arte, conseqen-temente abrindo caminho para a vulgarizao da escrita dramti-ca. Ou seja, esse "~o~de p~rodHie" da estrutura da tragdia grega foi responsvel pelo estmulo e pela proliferao de autores dram-ticos, propiciando o florescimento de um nmero infinito de pe-as teatrais, em todos os gneros, que sustentaram a indstria cea-va! francesa eo longo de todo o sculo XIX, durando ainda at a primeira metade do sculo XX.

    A essa. condio de reprodutibilidade da estrutura do texto , com variao somente temtica, soma-se o temperamento histrinico e a excelncia do jogo teamil das vedetes e dos mons-tros sagrados, que passam a trabalhar suas condies de atores so-ciais segundo a encomenda de peas a determinados autores . Nes-se aspecto, as vedetes e os monstros sagrados do teatro do final do sculo XIX j prenunciavam as estrelas da televiso e do cinema.

    Defendendo uma escrita livre da camisa-de-fora que era a pea bem-feita, Antoine afirmava a posio de seus autores de re-jeitar as regras: " ... desdenhando das frmulas correntes, trabalhando pelo exclusivo regozijo e com a proba satisfao de obedecerem a si prprios, sem a preocupao do xito, esses artistas alargaram os horizontes do teatro, conquistaram o direito de tratar de todos os assuntos e obrigaram o pblico a ouvi-los sem hipocrisias" ( Confe-rncia do Rio de janeiro). Ou seja: Antoine projetava-se numa posi-s;o de vanguarda ao fomentar a experimentao e a aqsncja _9e regras para uma escrita tambm, no caso. experimental. necess-rio recuperar o aspecto de pesquisa tanto na concepo da escrita dramtica, na escolha de temas, personagens, situaes, ambientes etc. quanto na esrruturao da narrativa cnica, ancorada na busca por uma teatraliClade gerada pela profuso de objetos reais como um motor do sentido da cena.

    Antoine finaliza sua conferncia desculpando-se pelo faro de( o imenso Teatro Lyrico no ser o espao adequado s suas apresen-taes, ~s quais neAces~itari~m d~ um ~mbiente mais intimisra , alian-do-se a 1sso a ausenc1a da dummao conveniente.

  • Verifica-se, portanto , na lei tura d os do is rextos, um a com pleme!1taridade, isto : se n aConversa sobre a Encenao trata-se da nova viso da cena, buscando delinear o perfil do m oderno

    _ encenador, apresentando um Anroine austero e sbrio, na Confe-rncia do Rio de janeiro constata-se um discurso mais descontrado e bern-h umorado, dedicado a apresentar os autores que possibili-taram a ele defender sua bandeira.

    O trabalho de pesquisa promovido por Antoine, tanto no plano da escrita dramtica quanto no da escrita cnica, gera a au-tonomia da cena em relao literatura dramtica, abrindo o ca-minho para a modernidade- a qual consagra a figura do encenador como artista demimga.e distingue a cena como lugar da obra de arte teatral por excelncia, agora livre do peso de uma normaliza-o que lhe garanta a notoriedade diante da crtica e do pblico.

    Antoine abre o caminho para ~~Hl 1 qire' rearraL part indo iQ materialismo cientfico. se estabelea como arte conceitual, at -absrrara m as sobrewdo au t n?.ma, possJJidora da sm prpria histria.

    ~'(l/ter Lima Torres

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    Conversa sobre a Encena o 1

    Tive o prazer de ser convidado para expor minhas idias acer-ca da encenao. conhecida a vida laboriosa e agitada do pessoal de teatro: agimos mais do que refletimos; e se p orventura, entre profissionais, nos acontece, num momento de lazer, discutir sobre qualquer ponto de nosso mtier, essas conversas, em que cada um se exprime por meias palavras, so bem rudimentares e me prepa-raram muito mal para a doutrina. Sem dvida, j aconteceu com vocs de, numa viagem ou num passeio, se deparar com um bravo operrio diante de sua obra, a talhar sua pedra ou a serrar uma pea de madeira; e se vocs so tomados pela fantasia de question-lo sobre a casa, a parede ou a ponte que ele est construindo, o homem, interrompendo seu trabalho, lhes conta o que ele faz, por que o faz e para que aquilo servir. Hoje, tenho claramente a sen-sao de ser este companheiro desajeitado e iletrado; vou, como ele , lhes falar o melhor que eu puder sobre a profisso que exero, e espero que perdoem minha insuficincia em nome da minha boa vontade.

    * * *

    Em primeiro lugar, o que a encenao~ Um dos homens de teatro mais abalizados da atual idade, Paul

    PoreJ,2 no Congresso da Exposio Teatral em 1900, definiu nossa arte de maneira to exata e to feliz que nosso dever e nossa satisfao citar seu texto:

    .Sem a encenao, sem esta cincia respeitosa e precisa, sem esta arte poderosa e delicada, muitos dramas no teriam completado seus

    1 O texto original inrirula-se Causerie sur la Mise en Scene e es t pu bli cado na Revt.te de Paris, 2eme anne, r.II, mar./abr. l903 . p. 596-612. 2 Paul Pore! fo i o di re ror d o Thcre de l'Odon de 1884 a 1892 .

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  • ce ntenr ios , muitas comdias no teri am sido compreendidas, mui-tas peas no at ingiriam o sucesso. Perceber claramente num manuscrito a idia do autor, indic-la com pacincia, com preciso, aos atores hesitantes, ver a pea surgir a cada minuto, tomar corpo. Super~isionar a sua execuo nos seus mnimos detalhes, nos seus jogos de cena. a r nos seus silncios, s

    . vezes to eloglienres guanto o texto escrito. Colocar os figurantes inexperientes ou desastrados no local adequado, dar-lhes estilo, mis-turar ato res menores e maiores. Colocar em concordncia_ rodas es-~s vozes, rodos esses gestos. rodos esses diversos movimentos, rod as ~as coisas dspares gj m de ohrer a hga jmerpreraso da obra q11e lhe confiada. Concluda essa etapa e terminados os preparativos, feitos com m-todo e calma.. ocupar-se do lado material. Comandar, com pacin-cia, com preciso. os maquinistas. os cengrafos, as figurinistas. os tapeceiros. os elerricisras Esta segunda parte da obra terminada, amalgam-la primeira, de-purar a interpretao, colocando-a nos eixos. Enfim, olhar do alto, em conjunto, com cuidado, o trabalho acabado. Levar em conta o gosto, o hbito do pblico na medida justa, afastar aquilo que pode ser perigoso sem razo, cortar aquilo que esr longo, apagar os erros de detalhe, conseqncias inevitveis de todo trabalho feito rapida-mente.

    Escutar as opinies das pessoas interessadas, pes-las no seu esprito, segui-las ou afast-las segundo seu livre julgamento. Enfim, com o corao palpitante, abrir a mo, dar o sinal , deixar a obra aparecer diante de tantas pessoas reunidas! f uma profisso admirvel, no ? Uma das mais curiosas, uma das mais apaixonantes, uma das mais delicadas do mundo 3

    Certamente, eu no me darei ao trabalho de procurar uma frmula mais clara ou mais ardstica ... Na minha opinio, ,& encena-o moderna deveria tomar no teatro o lugar que as descriss tomam no romance. A encenao deveria - e na verdade o caso mais freqente hoje- no somente fornecer ao _sua jt:st~_ .. .r:noJ-3 A fonte deste texto empregado por Antoine para sua exposio no foi localizada.

    dura, mas tambm determinar o seu carter verdadeiro e constituir ~ua atmosfera. uma tarefa importante, e tambm muito nova,

    -visi:o que o nos~o teatro clssico francs no nos preparou de forma alguma para tal. E sucede que, apesar do considervel esfo ro des-tes ltimos vinte anos, no descobrimos ainda nenhum princpio, no estabelecemos nenhuma base, no iniciamos nenhum treina-mento , no formamos ningum .

    Alguns homens de teatro, originais e de esprito independen-te, como Monrigny, Perrin e Pore!,4 sob o imprio da necessidade que reduzia cada vez mais a produo contempornea, tom:lram a iniciativa, comeando por romper as velhas frmulas; mas o efeito foi lento- paralisado, tanto neles mesmos quanto nas pessoas com as quais eles contavam, pelo atavismo clssico.

    seguindo essa escola, sob sua influncia direta, que temos continuado o j iniciado. Quanto a mim, me submetia s condi-es, s novas necessidades das obras mais vivazes, mais livres, trazidas por meus companheiros do Thrre Libre. 5

    Comecei bastante tarde na carreira- eu tinha ento perto de trinta anos-, aps ser rejeitado pelo Conservatrio, para onde fu guiado pelo instinto de beber na fonte de mestres como Got ou Coquelin,6 cujo gnio me maravilhava. Mas tive, para compensar

    4 Diretores artsticos de teatro, isto : na poca, empresrios e/o u administradores de casas de espetculos. Agindo algumas vezes como encenadorcs, cabia a eles sobrl' rud o programar a tempo rada em seus teatros. Montigny foi o clebre diretor do Thrre Gymnase Dramatique, palco da dramaturgia realista que in spirou o teatro de mesmo nome no Brasil , a qual abrigava os "dramas de casaca"; Perrin foi o diretor da Comdie-Franaise; e Paul Porei, citado em nota anterior, era o diretor do Odon. ~ O Thtre Libre foi fundado por Anroine em 1887. Inicialmente , tratava-se de urna empresa semiprofissinnal, cujos objetivos bsicos eram a reeducao dq arar acnsw-mado ao culro do vdetismo, em funco de uma preocupao com o trabalh o d_. conjunto da trURe e o compromisso com a transposio da "realidade" para o palcg por meio da dramaturgia naturalista. 1' Coquelin ain ( 184 1-1909) e Coquelin cadet (I 848- 1 909) fo ram dois irmm :1rores herdeiros da concepo realista romanesca da interpretao teatral . Eles so exemplos de arores vedetes que atuaram at a virada do sculo XIX. Foi a pedido de Coquelin ain que Edmond Rostand (1868- I 9 18) escreveu seu Cyrano de Bergerac. ]: Got (1822- I 90 I) destacava-se na interpretao de personagens tipos como valetes.

  • minha inexperinc a, a sorte de .o esrar enrijecido por uma ve ha bag:1gem .em incomodado pela ro tin a. Aprendi teatro deixando-~e gu ar pelo bom senso e a lgica . com o se devia Fazer outrora nil ongem .

    .J h mui to tempo, faz quinze anos, no meu lazer de modesto funcion rio singularmente curioso das coisas teatrais , eu havia per-ceb ido que o mtier dos atores e a complacncia do pblico acaba-vam por sufocar a simplicidade, a vida e o natural, tanto observan-do-se a encenao quanto a interpretao.

    A prtica faz o mestre. Como todo mundo ao meu redor-autores ou artistas- era novo, sem idias preconcebidas, sem falsas tradies, fizemos o melhor que estava ao nosso alcance, aquilo que nos parecia o mais verdadeiro, o m_ais claro, e foi assim que a experincia e a prtica precederam a teoria.

    * * *

    preciso repetir que a encenao uma arte que acaba de nascer; e que nada, absolutamente nada, antes do sculo passado, antes do teatro de intriga e de situaes, tinha determinado sua ecloso.

    Sem remontar s primeiras manifestaes de nossa literatura dramtica- cerimnias vindas da igreja e que continuaram sendo solenidades a cu aberto-, pode-se dizer que o. teatro clssico fran-cs, durante vrios sculos, no teve necessidade de "encenao", no sentido que damos palavra.

    Um simples telo de fundo, para demarcar o palcio, a praa pblica ou o salo, era suficiente.

    O ator, por sua vez, a quem o rei ou o grande senhor sempre dava um figurino de corte (lembrem-se de Richelieu7 dando um

    7 O Ca rdeal de Richeli eu (I 585-1 642) foi ministro de Lus XIII, alcanando o cargo de primeiro-ministro em 1624. Incentivado r das artes e das letras e apaixonado pelo tea tro, ele fundou a Academia Francesa em 1634, fazendo construir no seu palcio, em l 64 l , uma sala de espetcul os que mais ca rde deu origem Comdie- Franaise.

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    traje de cavaleiro a Bellencour8 para criar o Cid), se dedicava uni-camente a aparecer com traje de gala diante da p latia e a decla-mar seu papel, no lugar de interpret-lo ou de viv-lo.

    Ao lembrar que os dois lados do palco estavam atravancados pelos espectadores de prestgio, observa-se, ento, a impossibilida-de de qualquer evoluo. Quando Voltaire9 fez com que essa gente qescesse do palco para assegurar a peripcia material de uma de suas tragdias, ele estava iniciando 11m trabalho salmar Mas o ator, ainda completamente impregnado do velho esprito , no seguia em nada o movimento, limitando-se, como Lekain, 10 a se desfazer dos capacetes, das perucas e dos demais apetrechos inconvenientes que o uso prolongado tornara abusivo . Do mesmo modo, ao seu redor, esses primeiros intrusos que eram tolerados sobre o palco acabaram se tornando a multido de fidalgos desatentos ou baru-lhentos que se agitavam, 11 lo interpelaes com a platia. Vrios de nossos teatros ainda '- ~u1 camarotes pblicos sobre o pal -co, e a alguns passos de mim, cada noite, instalado num pequeno canto, devido a exigncias administrativas, um destemido bom-beiro nem se d conta de que deve esse seu lugar a algum marqus fanfarro de. outrora. Que felicidade se ns no encontrssemos entre os nossos encenadores e atores os traos menos saudveis des-ses antigos costumes!

    Lembrem-se ainda do "endomingamento" de nossas atrizes. Elas se vestem menos para determinar suas personagens do que para servir de manequins vivos aos costureiros , s modistas. Arru-mam-se para entrar em cena com o mesmo cuidado e a mesma

    " Possivelmente, trara-se de um lapso de Antoine, pois o a ror que criou pela pri mei ra vez o papel de Rodrigo, Le Cid, de Corneille, na m onragem de I 637; foi de faro Monrdory (1594-1653). '' Voltaire ( l 694-1778), idelogo do Iluminismo, filsofo, humanista e poe ta , foi um autor de teatro dedicado s tragdi as neoclssicas , as quai s co rrespondem aos critrios da regra das trs unidades : ao, lugar e tempo. '" Lekain, pseudnimo de Henri Louis Cain (1729-1778), foi considerado o mais clebre ator trgico francs do sculo XVIII. Formado por Voltaire, atribu iu- se a ele, anres do advento da moderna encenao, uma parte da refo rmul ao em relao aos figurinos e aos acessrios, numa busca de fidelidade h istrica ao tex to.

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  • coqueteria de quem va1 as compras. Vejam a toi!ette de nossas soubrettes, cobertas de diamantes, caladas com botinas de cinco luses. Vejam a repugnncia de nossos artistas de deixar o ambiente rearral onde eles se pavoneiam e notem em nossos cenrios as por-ras se abrirem m ajestosamente, de par em par, como no Louvre ou em Versalhes. Todo mundo est em t~aje de gala e quer aparecer da forma mais vantajosa possvel diante do pblico. O velho instinto

    . sobrevive e se transmite de gerao em gerao ... No entanto, a evoluo literria foi realizada. O teatro de in-

    triga. o teatro de situaes materiais surge, o teatro onde se desta-cam a posio social e a vida cotidiana dos personagens. A unidade cje lt1gar estremecida. Fgaro pula pelas janelas e o Conde arrom-ba as portas. Hugo publica o prefcio a Cromwe!!, 11 o grande Du-mas se junta a ele. A Idade Mdia expulsa a Antigidade: no se contam mais em cena os epis6dios trgicos e os combates her6.icos. Hernani brande sua espada; Sainc-Mgrin olha os astros antes de ir casa da Duquesa de Guise e Ruy Blas empurra os m6veis diante das porcas de sua sala para morrer em paz. Gronte, Climene e Sganarelo do lugar a Marguerite Gautier, a Giboyer, ao pai Poirier; come-se em cena, dorme-se e senta-se~ como Chatterton, sobre sua cama para sonhar. A encenao acaba de nascer e, dcil, vai da(

    d. . -d _ d , . v-o,.....,~wt'6....,....o em1ante segwr a pro uao ramattca. A interpretao propriamente dita, sempre em atraso, se mo-

    difica. Frderick 12 j no interpreta mais como Talma, 13 mas a ele 11 Para a pea de mesmo nome, Yicror Hugo (I 802-1885) escreveu um prefcio (I 827) guisa de esclarecimemo sobre a realizao do texto, que se tornou uma reflexo sobre o Romanrismo no teatro. O prefcio ultrapassa a condio de uma simples reflexo de autor para atingir a dimenso de uma teoria da esttica romntica contrria aos cnones das tragdias neoclssicas. 12 Frderick Lemairre ( 1800-1876) tornou-se famoso graas a sua criao do papel de Robert Maca ire no m elodrama L'Auberge des Adrets, de Pixrecourr. Foi para Lemairre qu e Alexandre Dumas, pai, escreveu o seu Kean, em 1836. 1.1 Frano is Jose ph Tal ma (I 763-1826) foi um ator engajado politicamente durante o perfodo revolucionrio. Sob o imprio napolenico, ele se tornou o ator preferido do imperador e da esposa deste. Grande ator trgico , Talma era considerado o primeiro ato r vedete dentro da perspectiva de uma era liberal , como preconiza Jean Ouvignaud na sua Sociologia do Comediante (L 'acteur. Esquisse d 'une Sociologie du Comdien).

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    I I

    I

    se iguala; sua verve romntica - um esforo tanto na direo da verdade quanto na direo da vida- faz esquecer a declam a'o , .....

    trgica . Mas ora! Se temos em mente o quadro, traado pelo Sr. Pore] ,

    sobre os trabalhos necessrios preparao de uma pea de remo, imaginemos quantos esforos repetidos e que incansvel paci ncia no so necessrios para alcanar a verdade, a vida!

    * * *

    Aparentemente, o pblico no tem a menor idia do trabalho que representa o espetculo o qual acaba de aplaudir. Numa pla-tia de teatro, a partir da quinta ou da sexta representao, muitas pessoas imaginam que a disr' ;,-;;o material das cenas, os movi-mentos das personagens sv .Jos ao acaso ou abandonados iniciativa dos atores.

    E quanto melhor a pea representada , mais ela d a impres-so da vida, e mais esta hiptese parece provvel ao espectador ingnuo. Ele no suspeita o rrabalho lento e complexo dos ensaios. Uma noite, no Ambigu, 14 quando representava-se uma pantomi-ma, Courceline 15 escutou de uma senhora que dizia ao seu marido: "Voc v: eles no esto falando, porque hoje o ensaio geral! " Sem ser to ingnua talvez, nem to engenhosa, a massa do pt'tbli-co ignora os rudimentos de nosso ofcio.

    14 O Teatro Ambigu Comi que funcionava no famoso Boetlfvard dtt C.rimt. Esra deno-minao, arribufda ao Bouf( vard de1 Tt:mpft' em 1825, deveu-se a uma srie de c rimes perpetrados nesse Iof al. Nele concentrava-se urna srie de ediffci os rea rra is especializados nos di versos gneros populares: panromim :~, tJrmdeville, melodrama, mgicas e vrias outras formas de espetculos qu e recorriam ao fa nrs rico e ao ma ra-vilhoso , de forre apelo popular. 15 Georges Courreline (18 58- 1929), jornalista e romancista. Auror teatral, se u e.s rilo de direo acentuava m enos o drama do que o cmi co. Colabo rand o v rias vezes com Anro ine, forneceu algu ns rexros pa ra o se u Th tre Libre, co m des taque para Lt Bouborouche e O Artigo 330.

  • Comecemos pelo princ1p10. O diretor do teatro. depois de ter distri budo os papis aos atores. confia o man!lscriro da obra ao encenador, gue se torna, a paair desse momento, o chefe dos estudos.

    de propsi to que separo nitidamente estes dois persona-gens: o diretor e o encenador. Geralmente, nossos diretores assu-m em estas duas funes. Elas so, entretanto, bem distintas e exi-gem habilidades quase sempre incompatveis.

    Ser diretor, em primeiro lugar, uma profisso. Ser encenador -ou ensaiador- uma arte.

    Hoje, a profisso de diretor exige antes de tudo as qualidades de um administrador, de um homem de negcios. Se acrescentar-mos a um pouco de audcia e, por acaso, a vontade de procurar obras interessantes; se a experincia lhe fez adquirir esse instinto especial de quem intui os grandes sucessos, as vinte e quatro horas de um dia no sero suficientes para uma jornada de trabalho do nosso diretor.

    Ao contrrio, o encenador e o ensaiador 16 deveriam manter-se longe de todo clculo, de toda preocupao financeira . Muitos diretores, absorvidos, como eu lhes disse h pouco, tm um ~nsa i ador, quase sempre um ator mais velho ou que pouco sucesso obteve na sua carreira, ao qual ele paga um cach. Eles o empre-. gam para destrinchar a pea, para fazer o trabalho preliminar gue julgam, sem dvida, de pouco interesse. Eles se enganam. No percebem que essas primeiras haras so decisjyas. Posteriormente, quando eles quiserem intervir, ser tarde demais: a obra dramtica j ter sofrido seu contorno definitivo. Um pintor confiaria a outro pin-tor o cuidado de estabelecer o esboo de um quadro projetado?

    Em outros lugares, na Comdie-Franaise, por exemplo, dei-xa-se a um dos atores que devem interpretar a pea, ao mais "talentoso" ou mais renomado, o cuidado de dirigir os estudos sobre ela. Procedimento igualmente inoportuno : um ator de ta-lento no necessariamente dotado das qualidades reguisitada;5

    11' Traduzi aqui, indistintamente, rgisseur por ensaiador. Apesa r de a correspondncia

    no se r absolu(amente exata na prt ica teatral brasileira, es ta pareceu-me a mai s pre-cisa, rc ndo em vis ta o perodo em questo.

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    para encenar. Muitos grandes artistas so s vezes inaptos para esse trabalho; o temperamento pessoal, o instinto de criao que os move, impede que eles possuam uma das faculdades essenciais de um verdadeiro ensaiador; a viso de conjunto. Um ator s v o seu papel, no importa o esforo que faa, e aumentar, se deixarmos que ele o domine, inconscientemente mas seguramente, seu signi -ficado e sua importncia, em detrimento de todos. ~docre, ue no atua na e a sem re su erior, do o utro lado da

    !ta, ao arti ta clebre e inter reta diante dele. A dificuldade est em encontrar homens de teatro artistas e

    que se restrinjam a essa ocupao apaixonante, mas obscura. Em alguns pases, onde mais rpido do que no nosso reconheceu-se o valor dessa engrenagem, o nome do encenador figura no cartaz.

    Notem que esse homem eve o atores s s s os os quais tornam-se, como diz Mo \:ere, "estranhos animais a serem conduzidos". Para obter deles f> m ximo, no somente de esforo, mas de resultado, necessrio conhec-los, conviver com eles . Os mtodos de trabalho, os meios de ao diferem para cada artista, segundo seu temperamento ou seu carter. todo um pequeno mundo, impressionvel e nervoso, que quer ser sacudido sucessi-vamente e afagado.

    Muitos atores, por indolncia, sobretudo por timidez, se re-cusam a trabalhar sob todos os pretextos possveis, como um puro-sangue se recusa algumas vezes a pular o obstculo. toda uma arte e um prazer tambm, o de conduzi-los, visto que eles so qua-se sempre os, mais bem dotados e os mais interessantes. Outros, suscetveis 'e vaidosos, devem ser guiados, aconselhados, sugestionados, sem que percebam isso.

    Enfim, existe a um mtier completo, urna diplomada diver-tida, mas delicada. E se refletirmos bem que necessrio enfim compreendera amor, ~emir s11a obra. transcrev-la. rpnsp-La, coloc-la ao alcance de cada um dos intrpretes por meio das P-!5 tes que lhes cabem . CJltpreen,dtr-se- p.o.r qw ej,i&fesejopofa v~mente que se crie entre ns esse mtier especial e esse pessoal q .. e no existe. Os grandes diretores no foram os q ue ganharam mi-

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  • lhes , mas aqueles que eu citava ainda h pouco, e que saudarei mais precisamente com o ttulo de grandes ensaiadores, visto que formaram artistas, desenvolveram talentos, criaram novos modos de expresso.

    * * *

    Quando, pela primeira vez, tive que encenar uma obra, per-c:,ebi c! aram e ore qt1e o trabalho se dividia em duas partes distintas: uma inteiramente material, isto . a consrir;Jio do cen~rio ser-vindo de meio par a ao, amarca e o agwpamento das perso-nagens; outra imaterial, ou seja, a interpretao e o movimento do gilogo.

    Ento me pareceu primeiro til, indispensvel, criar com cui-dado, e sem nenhuma preocupao com os acontecimentos que deviam ali se desenrolar, o cenrio, o meio. Eorque o meio qu~ determina os movimentos das personagens, - :Oci .. o-s m-ovi~entos das personagens que determinam o meio.

    . ------- Esta simples f~ase tem ar de no dizer nada de novo; a est, portanto, rodo o segredo da impresso de novidade que deram, n~ princpio, as tentativas do Thtre Libre .

    Como se tem o mau hbito de marcar os primeiros agrupa-mentos de artistas no palco vazio, com a cena nua, antes da cons-truo do cenrio, somos levados sem cessar s quatro ou cinco disposies clssicas, mais ou menos ornadas segundo o gosto dos diretores ou o talento dos cengrafos, mas sempre as mesmas.

    Para um cenrio mostrar-se ori inal en enhoso e caracters-tico , seria necessrio esta e ec- o, inicialmente, segun o a go Ja visto, paisagem ou interior; no caso de um interior, com suas quf-

    . tro faces, suas quatro paredes, ~em se preocupar com aquela que desaparecer mais tarde, para deixar penetrar o olhar do espectador.

    Seria necessrio, em seguida:, dispor as sadas naturais obser-vando as verossimilhanas arguiteturais; indicar exatamente, tra-ando fora desse cenriO, as peas, os vestbulos nos quais se do

    essas sadas; mobiliar no papel esses apartamentos destinados a ser percebidos unicamente em parte, pelo espao entreaberto das por-tas. Numa p.alavra, estabelecer a casa completa que envolve o local da ao .

    D para sentir o quanto esse primeiro trabalho, depois de efetuado, se tornar cmodo e interessante , aps ter examinado essa paisagem ou esse apartamento sob rodas as suas faces, escolhi-do o_ponto exato onde deved ser feito o corte que nos permitir ~P.!'i_l!llr a f.amosa'luana. P.Jede, mantendo no cenrio seu aspec-

    to ma~s caracterstico e mais adequado ao? E muito simples, no? Muito bem. Ns nem sempre proce-

    demos assim, seja por negligncia, seja por falta de tempo, seja enfim porque nos servimos de antigos cenrios. No entanto , cer-to que nunca se faz uma boa encenao num velho cenrio.

    No traado dos quatro! ' tJ.ma vez terminado, seguindo o mtodo que acabamos de desrcvcr, pode acontecer que nem rodo o apartamento seja absolutamente necessrio ao. Na vida mo-derna, em nossas salas, nossos quartos de dormir, gabinetes de tra-balho, a disposio dos lugares, assim como a natureza de nossas-ocupaes, nos leva insensivelmente a viver, a trabalhar em cerras lugares menos do que em outros. No inverno, nos acomodamos com prazer perto do fogo, ao p da lareira; no vero, ao contrrio, a janela ensolarada que nos atrai; vamos a ela por instinto, para ler ou para respirar.

    Voc_ compreende que importncia ganham, pouco a po uco, estas consideraes quando se trata de fixar um cenrio. Os ale-mes e os ingleses no hesitam: eles combinam , cortam, traam obliq~ame~te, de form~ as~ apresentar na parte central do qu~dro a.larelfa, a Janela, a. escnvanmha, o canto de interior do qual neces-Sitam.

    Es~as ~is_rosies to pitorescas, to vivazes, cheias de surp re-sas e de mt1m1dade, so por demais negligenciadas na Frana, por-que nossos encenadores continuam influenciados, apesar de tudo, pelas lembranas de nossas eternas disposies clssicas. Uma falta de simetria lhes pareceria insustentvel viso. Sua timidez rori-

  • nei ra to imperdovel quanto o pouco espao concedido aos nossos arq ui retos. O corre sinuoso, as linhas quebradas de nossas casas modernas fornecem ao encenador fontes inesgotveis de pitoresco e de variedades.

    Passo ao largo da fabricao propriamente dita de nosso ce-n ri o. Seramos levados muito longe pelo exame detalhado das diversas q uestes que se ligam a isso: o emprego de diferentes ma-deiras, tecidos, papis ou ferro, revestimentos em relevo dos quais os ingleses se servem freqentemente.

    Quero, no entanto, declarar que vrias tentativas realizadas por mim ficaram sem resultado aprecivel. Assim , os verdadeiros papis de forrao, as estopas revestindo o cenrio, os couros, os papeles custosos e frgeis modificam pouco o aspecto geral e, cons-tantemente mal iluminados, parecem simplesmente pintados.

    Entre tanto, os retos trabalhados em relevo, as vigas de susten-!ao aparentes do uma solidez, um peso, gue no se conhecia -com o trompe-!'oeil das antigas decoraes. H tambm muito a ganhar em justeza e verdade, marcando-se as vigas de sustentao das portas, os umbrais e recortando-se completamente as janelas.

    Eu chamaria a ateno finalmente para a imperfeio de nos-sos instrumentos. Se, depois de ter visitado um de nossos palcos, vocs consultarem as pranchas do artigo "teatros" na Enciclopdia, ficariam estupefatos ao constatar que, aps rodos os projetos reali-zados em mecnica, nossos utenslios, mastros, chassis, roldanas, tambores, suportes ou contrapesos so ainda do mesmo modelo daqueles representados nessa famosa obra, datada de mais de cem anos.

    Mas essa acusao no se dirige aos artistas de teatro. Somos as primeiras vtimas de um estado de coisas que se perpetua, a despeito de nossas queixas . Nossos arquitetos, nossos engenheiros , so os culpados; e os mais clebres, os mais consagrados entre eles acab:un de dar o exemplo desse proverbial desleixo . O Estado , nes-tes dez lrimos anos, fez reconstruir dois de seus teatros, incendia-dos h

  • felizmente desaparece, dia a dia, de todos os teatros: o funesto e.roscnio! Logo ele no ser mais do que uma triste lembrana, o pesadelo dos encenadores.

    necessrio, no emprego do mobilirio, encontrar expedien-tes para tirar essa estranha impresso. de vazio que as bocas de cena muito largas deixam. Nesse aspecto, pelo menos com os meios atuais, j fizemos muito. As reminiscncias clssicas no nos para-lisam mais: no estamos mais no tempo da mesa nica de Tartufo.

    A questo dos acessrios pintados tambm vitoriosamente resolvida. Um objeto pintado sobre um cenrio, hoje em dia, cha-ma a ateno e atrapalha a viso do espectador menos prevenido. Acontece ainda, algumas vezes, aos nossos cengrafos de paisagem ou de arquitetura, deixar passar sorrateiramente trepadeiras, flores inverossmeis ou ervas daninhas prejudiciais; mas estamos vigilan-tes e atentos, e quantas vezes, num bonito cenrio, gernios ou parreiras de vinho so suprimidas to logo descobertas!

    Seria necessrio, nas decoraes de interior, no temer a pro-fuso de pequenos objetos, a diversidade dos pequenos acessrios. Nada melhor do que isto para dar a um interior um aspecto habi-tvel. So essas coisas imperceptveis que fazem o sentido ntimo, o carter profundo do meio que se quis reconstituir.

    O jogo dos atores, em meio a tantos objetos, no mobilirio complicado de nossos interiores modernos, torna-se, apesar deles e tambm graas a eles, mais humano, mais intenso, mais vivo de atitudes e de gestos.

    * * *

    E agora, vamos luz! Aqui a batalha continua sempre viva, e o esprito de Sarceyl 7

    ainda se agita. A maioria dos encenadores- com exceo de alguns

    17 Francisque Sarcey (1827-1899), formado pela fcole Normale, foi o incansvel crtico do jornal Le Temps, defensor da piece bien foite e do realismo romanesco, caro a autores como Alexandre Dumas, filho, Emile Augier, Ocrave Feuiller, Vicrorien Sardou, Ludovique Halvy e Henri Meilhac, enrre ourros menos clebres.

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    efeitos de noite evidentemente indicados no texto - Srve-se ainda da IIIZ brutal e crua da ribalta e das lmpadas no mximo de suas .Jl,Qtncias..

    Entretanto, os equipamentos disponveis vm sendo aperfei-oados admiravelmente a cada dia. Encontramo-nos aqui longe dos tristes candelabros, velas, candeeiros e do gs, visto que aps sua origem o ro resso foi constante e ininterrupto.

    . ue a luz. ' a vi o a alma de uma encenao. Somente ela. inteli~enremente manipula-da. d a atmosfera, a cor de 'lm cec~rio, :

  • * * *

    Agora comea a segunda parte do trabalho. Podemos fazer entrar os personagens; sua habitao est preparada, cheia de vida e de claridade.

    Mas a vamos encontrar, sob o preceito da tradio , todos os expedientes , todas as resistncias, toda a herana nefasta de outro-ra. Prepararam-nos esttuas, e precisamos de cr iatl! ras humanas capazes de agir. Devemos fazer viver os personagens dentro de suas existncias cotidianas e chegam a n6s homens e mulheres a quem ensinaram que no teatro nunca se deve, como na vida, falar andan-do . Eles no cessaro, assim como h duzentos e cinqenta anos, de se dirigir ao pblico, sair de seus personagens para comentar ou sublinhar aquilo que o autor colocou em suas bocas. Ensinaram-lhes (sempre o gnero pomposo!) que preciso acentuar correta-meme, gritar segundo as regras, articular todas as palavras, sob

    _pena de parecer comum e familiar. Eles aprenderam a procurar efeitos de detalhes, sem interesse e sem significado dentro do con-texto geral, a solicitar a todo custo a aprovao do pblico por meio de macetes e truques do mtier.

    Para traduzir o indivduo que representam, eles laoam mo apenas de dois instrumentos: a voz e o ..E.illE2:, O resto do corpo no participa da ao. Eles es1o eol11vadas, sempre em traJ-es de galai e, no dispondo mais dos vesturios J1!.ajestosos ou el~ntes de Qlltrora, trazem 11ma flor na lapela e anis .

    Rigorosamente moldados pelos movimentos rudimentares e primitivos de nosso teatro clssico, deformados para sempre pela

    d "fi' . , d " h , . l 'd cena e una ou e son o , esses atores tgnoram a comp ext a-~ a variedade, as pmnas. a vida do dilogo moderno, seus~dros, suas frases, suas entonaes indiretas, seus subtextos, 18 seus silncios eloqentes.

    '" Anroine no emprega a palavra soustexte; ele usa a palavra dessous, m as pode-se dedu zir, den tro do jargo tea tral atual. que o encenador francs refere-se a esta conhe-cida noo vulgarizada com base nas pesquisas de Stanislavski .

    38

    Eis a um balano de quase todos os nossos inician tes; daque-les que completaram seus estudos, que vemos a cada ano partir para o interior do pas com suas bagagens antiquadas que os inco-modaro durante toda a sua carreira.

    O melhor do nosso pessoal teatral (excetuo evidentemente a Comdie-Franaise, cujos artistas so unicamente e com razo pre-parados para a interpretao dos clssicos) recrutado entre os atores que se fizeram por si mesmos, no contato com o pblico e no trabalho srio dos ensaios minuciosos. Eles balbuciam, talvez como Dupuis, 19 Rjane20 ou Huguenet; 2 1 no "dizem", mas vivem seus papis, e so os maravilhosos intrpretes da literatura dram-tica contempornea.

    Eles sabem do seguinte: que o uwvimenro ~ o meio de expresso mais imenso de um

    ator; que todo o seu fsico faz t;~tne de cada personagem represen-~ado e que, em certos momentos da ao, suas mos sqas costas, seus ps podem ser majs eloqents;_~ do que um longo moologo;

    - que a cada vez que o ator percebido sob o personagem, a fbula dramtica interrompida;

    e que, sublinhando uma palavra, destruiriam o efeito. Eles sabem ainda que cada cena de uma pea tem seu movi-

    mento p rprio, subordinado ao movimento geral da obra, e gue o ; entido de conjunto no deve ser entravado por nada, nem pela espera do ponto, nem por uma preocupao de efeitos pessoais.

    '" Jos Dupuis (1833-1900), arar e canror dotado de uma voz de teno r bastante apreciada e um a verve histrinica acentuada, torna-se o principal intrprete das pe-ras cmicas de Jacques Offenbach. 2" Rjane, pseudnimo de Gabrielle Rju (1856-1920), parrindo de um repertr io romntico, evoluiu arristicam enre dentro da escola naturalista, cumprindo assim o programa de Anroine. Ela representou ao lado de Antoine na Amorosa el e Porto Riche, em 189 1. Rjane criou tambm o principal personagem de La Parien ne, de Becque, em 1893. Deve-se a ela a primeira interpretao de Nora de Casa de Bonecas, de Ibsen, na Frana, em 1894. 21 Flix Huguenet (1858-?), ator e empresrio, segundo Lafayete Silva ( 1938), esteve no Brasil em 1890, 1913 e 191 8.

    39

  • Enfim. eles yiyem seus Rersonagens sob nossos olbgs, nos apresentam docilmente todos os aspectos, tanto materiais quanto mora1s.

    O gnero nobre, essa eterna praga de todas as artes que sem-pre esteve em luta com a verdade e a vida, desapareceu de suas preocupaes, e o teatro de costumes, as comdias de carter, 22 as peas sotiais de nosso tempo encontram neles seus intrpretes in-dispensveis.

    Esse ensinamento cristalizado do Conservat6rio, aplicado indistintamente a geraes inteiras de jovens, em vista de um ni-co teatro , que no utilizar mais do que um entre dez, fa~ um nmero incalculvel de vtimas. A Escola escamoteia e falseia, ni-velando os temperamentos; ela derrama, ao acaso, no molde de seus heris clssicos, todos os jovens talentos dos quais o teatro moderno teria uma urgente necessidade.

    * * *

    Eu queria ainda falar sobre muitas outras coisas: Q.as multi-des, de seus meios de expresso, de seus gritos, de seus agrupa-mentos .. . Mas eu devo me limitar, e esta "conversa" j durou de-mais.

    Gostaria de manifestar toda a minha admira~o pelo teatro clssico e a surpresa que experimento vendo que se examina seria-mente a possibilidade de renov-lo, de moderniz-lo em sua ence-.uao. Eu gostaria, em contrapartida, se tivesse um dia a honra de dirigir um teatro do Estado, 23 de voltar no tempo e restituir s nossas obras-primas o seu verdadeiro enquadramento, aquele de

    22 At ribui-se a Moliere o formato deste gnero de comdia, cuja nfase est no retrato, por vezes exagerado mas no menos minucioso, das propriedades morais e psicolgi-cas de um caractere, entendido aqui como um perfil psicolgico, um comporramenro .especfico, atri bu do a um personagem. Exemplos deste procedimento podem ser verificados em textos como Tartufo; O Misantropo; O Avarento e Don juan. 23 Andr Amaine dirigiu o Thtre de I'Odon, em Paris, de 1906 a 1914.

    4n

    sua poca. Gostaria de representar Racine com as roupas de cone de sua poca, com cenrios simples e harmoniosos, sem a parafer-nlia exterior que possa atenuar o efeito de seu gnio.

    Visto que Nero fala a respeito de vir algumas vezes respirar aos ps deJuno, visto que Orestes suspira, eu gostaria de reconstituir para eles os figurinos majestosos que se casam to bem com seus furores e suas adoraes.

    Toda procura de cor local ou de ye rdade bisrrica me p'lCea: v para rajs obras-primas. Aos olhos de um contemporneo de Pricles, Lekain ou Talma, teriam parecido to pouco gregos q uanro Baron. 24 Acredito firmemente que alterar o significado dessas maravilhosas tragdias "situ-las", a no ser no tempo e no pas onde nasceram. No concebo o delicioso templo da Victoire Aptre arrancado por um sacrilgio augusta paisagem que ele domina . E preferiria ter visto a Ronde 1 ' 'tit na sala enfumaada onde ela resplandeceu magnificamenli .. ~.u yue sob esse drapeado de veludo vermelho do museu de Amsterd.

    Ns, que no tivemos a grande sorre de sermos chamados nem preparados para a interpretao e o culto da arte teatral do. passado, nos contentamos em empenhar nossas foras a seu servi-o. Devemos simplesmente procurar o melhor, fazendo o mximo possvel de experincias.

    Se descobrirmos alguma coisa de verdadeiramente slido e durvel, teremos colaborado com o patrimnio comum . La Parisienne- com o marido que fala de seu aluguel, das calas de suas crianas e de um posto de fiscal de finanas - no deve ser encenada e representada como O Misantropo. Mas acredito que ela nunca ser uma pea menor na histria do teatro e espero, pelo contrrio, que sej uma obra rara tambm , um glorioso anel da cadeia de ouro sem fim.

    Traduo e notas de Walter Lima Torres

    24 Baron (1 653- I 729) foi aro r e autor dramtico que participou da trupe de Moliere de 1670 a 1673.

  • Conferncia do Rio de Janeiro1

    Senhoras e senhores, Para um homem que preza apaixonadamente a sua arte, no

    h nada mais agradvel e mais interessante do que entreter com ela o pblico, ainda que este o tome por enfadonho. por isso que, apesar de todas as razes legtimas que poderiam, neste momento, me inspirar um certo receio, ainda assim experimento uma grande satisfao em falar dos artistas que admiro e das obras que aprecio perante um auditrio como esse, evidentemente simptico, uma vez que todos se deram ao incmodo de vir at aqui.

    E a despeito da contrariedade que sofri no dia em que chega-mos ao Rio, forado como fui a apresentar as minhas desculpas e a manifestar a minha mgoa, ausa de um mal-entendido cuja responsabilidade no me cab1a, 1dicito-me agora pelas circunstn-cias que me levaram a reservar para mais tarde a honra de lhes dirigir a palavra.

    E, realmente, eu que ento mal aportara a uma terra para mim desconhecida, trazendo o esprito impregnado e cheio das preocupaes e das atualidades teatrais da Europa, estava crente de que apenas tinha de expor a vocs apanhados tcnicos relativos encenao, interpretao, luz ou decorao- a tudo, em suma, quanto ainda na Frana constitui o tema das nossas discusses e dos nossos trabalhos dramticos.

    Ademais, ho.uve quem me dissesse no momento da partida: voc vai encontrar um pblico muito mais instrudo do que su-pe, e no somente voc como tambm os seus companh

  • ro surpresos ao verificar o seu conhecimento. Deve, sobretudo, temer que as obras que vai mostrar a eles, o repert6rio do Thtre Antoine e at o do an tigo Thtre Libre, j no lhe paream ultra-passadas, muito fora de moda.

    Diziam outros que vnhamos para uma reg1ao de florestas virgens, um pas inteiramente inexplorado, primitivo, ainda co-berto de vegetao; onde os colibris voltejavam ao sol pelas ruas, perseguidos por bandos de macacos; onde os camalees despenca-riam sobre as nossas cabeas em pleno meio-dia e onde, nos corre-dores do hotel , encontraramos, ao despertar, serpentes enrodilhadas em nossas botinas.

    A conseqncia que eu nada ficara sabendo ao certo e, como razoavelmente se deve prever em rodas as coisas humanas, havia lugar para um justo meio-termo entre as duas verses.

    A imprensa daqui , com um cuidado digno de nota e espanto-so empenho de documentao, fez com todo o acerto a nossa apre-sentao ao pblico ; e logo em seguida, observando o nosso audi-t6rio habitual, bem depressa rareado, desde que a curiosidade do primeiro instante ficou satisfeita, reconheci perfeitamente a elite cultural benevolente e esclarecida que se encontra quase sempre em todas as grandes capitais. Mas a grande massa do pblico con-tinuou a nos ignorar depois de nossa chegada, como igualmente nos ignorava antes. A verdade, porm, que encontramos um belo pas, em pleno desabrochar, uma cidade maravilhosamente situa-da num dos mais lindos pontos do universo . Nas suas ruas, todas as elegncias; nas suas casas, rodos os apuros da mais requintada civilizao, apresentando um contraste singular com a natureza potente e vigorosa, sobre a qual o homem daqui evidentemente es t prestes a conquistar para si um largo e formoso domnio.

    Admiramos uma vegetao imprevista e floraes de rara be-leza, um clima deli cioso, mas absolutamente no vimos os anun-ciados macacos e os papagaios. guisa de serpente, o que encon-tramos foi to-somente o velho esprito de Sarcey, que eu supunha adormecido no paraso dos folhetinistas, e que descobri agachado sob as flores de um dos crticos principais daqui.

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    certo que eu havia rido de tudo isso um vago pressentimen-to e, quando um empresrio corajoso, o Sr. Visconde Lus de Braga, 2 honrosamente nos props esta excurso bastante longnqua para as nossas g16rias pequeninas, no lhe ocultei de forma alguma que isso, a m eu ver, significava uma estranha aventura. Tratava-se, po-rm, de um homem gentilssimo e, alm do m ais, sumamente h-bil nas coisas de sua profisso. Esprito inquieto e amigo de novi-dades, depois de ter apresentado a vocs quase rodas as celebrida-des dos teatros da Frana e de outros pases, parecia-lhe atraente trazer-lhes o pequeno grupo dos audaciosos obreiros da evoluo teatral levada a efeito na Frana durante esses ltimos anos, e que hoje em dia j ningum contesta.

    E eu deixei me dominar, apesar de antiga repugnnci a por essas longas viagens. Instalado em Paris, na minha casa, havia sete anos que dali no me afastav:, d..,sorvido de todo pela labuta coti-diana.

    Evidentemente no deixava de causar uma certa atrao para os meus autores, para os meus artistas e para mim pr6prio essa exi~io da nossa obra com.um perante outros pblicos e em novo~ mews.

    Talvez essas representaes longnquas das peas de nosso re-pert6rio nos permitisse avaliar-lhes melhor o justo valor, conhec-las mais a fundo ; e seria curioso ver desprender-se delas, no correr dessas representaes, a poro de humanidade geral que el as com -portam , conforme a maior ou menor ao gue exeram nos audi-t6rios estrangeiros. Isso consti rua uma tentativa de carter inst ru-tivo para n6s; e quaisquer que sejam os resultados materiais, a que somos bastante indiferentes, no teremos absolutamente perdido o nosso tempo se, de regresso, principiando de novo a trabalhar, enxergarmos um pouco mais claro as coisas que se prendem s tarefas que desempenhamos.

    ~O Visconde Lus de Braga, segundo Arrhur Azevedo na sua co lun a "O Teatro" do j~rnaJ A Noticia, de 30.! ~ . 1902, era o empresrio Braga J Lln i o r, originrio do ,R io Gra nd e do Sul. Braga J nJOr foi o empresrio que fomenrnu a vinda de Anrnine ao Brasil.

  • Acontece e essas excurses A.lnrca do Sul gozam de gran-de prestgio em nosso pas . Todos vem com bons olhos esses e dorados maravilhosos, de onde nos chega toda sorte de douradas lendas, e era lisonjei ro para o parisiense e modesto T htre Anroine ser convidado, exatamente como os artistas e os virtuosos ma1s ilusrres, a vir tambm procurar aqui uma consagrao.

    * * *

    Como eu lhes dizia no comeo, no foi de todo intil adiar o momento em que deveria conversar com vocs.

    Esse adiamento permite-me agora ir direito ao fim e deixa-me a esperana de destruir talvez o mal-entendido que acredito ter-se levantado a propsito das nossas representaes no Rio de Janeiro.

    Receio extraordinariamente que tenham .1hes prometido e anunciado alguma coisa que ns no possamos dar.

    De fato, o nico intuito verdadeiramente interessante que nos anima no consiste de modo algum na pretenso, que talvez vocs pudessem nos atribuir, de lhes mostrar uma companhia de atores superior a esta ou quela.

    Mesmo correndo o risco de errar, sonhamos alto e queremos, sobretudo , apresentar aqui um quadro original, sumrio, mas sig-nificativo e completo da atual produo dramtica na Frana. O que mais ambicionamos mostrar a vocs uma obra importante de cada um dos autores dramticos que se revelaram em nosso teatro e se impuseram ao pblico nos ltimos quinze anos.

    Nesta conversa, desejaramos que apreciassem, em mais de um exemplo , a importante evoluo teatral realizada na Frana e que, podemos afirmar com segurana, se fez sentir na quase totali-dade da produo dramtica europia. Por maior que seja, em suma, a indulgncia com que vocs possam nos julgar, cumpre-me dizer-lhes que no so os artistas e sim os autores do Thtre Libre e do Th tre Anroine que aqui se acham em excurso.

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    Apesar das trs mil lguas q ue os separam da Europa, vocs so um povo privilegiado. O Velho M undo lhes manda sucessiva-mente os seus m3;is famosos e mais comoventes arti stas .

    Minha grande amiga Rjane3 trouxe a vocs, no ano passado, a graa, o esprito, a elegncia, o sorriso parisiense; Coquelin4 reve-lou-lhes os tesouros do nosso repertrio clssico e a sua virruosidade magistral de intrprete; Sarah Bernhardt, 5 decerto , deixou todos deslumbrados com o brilho de seu gnio onipotente. Aqui tam-bm esteve a Duse,6 a qual, como na Frana, com certeza foi con-siderada a atriz mais emocionante e mais intensa que existe. Final-mente, Mme. Hading7 para aqui se dirige agora, com a sua beleza triunfal.

    Fiquem certos de que nem aqui nem em outra qualquer pane jamais pensamos em figurar nessa ilustre galeria. Nosso objetivo out.ro; menos brilhante, sim, n " que nos inspira uma paixo muito ma10r.

    Depois das fbulas romanescas, poticas, espirituais e senti-mentais que esses grandes artistas trouxeram para vocs, cabe ago-

    1 Sobre Rjane, cf. nota 20 na ConverJa sobre a Encenao. 4 Sobre Coqueli11, cf. nora 6 na Conversa sobre a Encenao. 1 Sarah Bernhardr (1844-1923) foi a grande atriz francesa da virada do sculo XIX para o XX. Ela no foi somente a vedete mais imporranre, mas um "m onstro sagra-do", s.eg~ndo a expre.sso formulada por Jacques Copeau. Modelo a ser imitado pelas suas nva1s, sua noronedad,e se deu graas a sua clebre voz de ouro, beleza plstica de seus movimentos e sua fisionomia. Ganhou notoriedade mundial dev ido s suas interpretaes do repertrio realista romanesco. Sarah Bernhardt vei o ao Brasil, em turn, nos anos de I88G, I893 e 1905 . '' Eleonora Ouse (I 858-1924) era a rival italiana de Saral1 Bernhard r. Ela di vidi a as atenes das platias internacionais com a atriz francesa . Eleonora se des tacou d entro de um repertrio equivalente ao de Sarah, interpretando ainda os textos de Gabri ell e D'Annunzio escritos especialmente para ela. Represen to u tambm ou tros auto res natur~istas, como Ibsen , de quem criou os principai s papis femi n inos de Casa de Bont'cm e Hedda Gabler. 7 Segundo Lafayere Silva (I 938) , na sua Htria do Teatro Brasileiro, t rata-se de Jeanne Trtou ret H adi ng, m ais co nhecid a como Jane H ading ( 1859-194 1 ), qu e entre I 892 e ~ 8 9? trab~hou na C om di e-Franaise. Visitou o Rio de Janeiro na condio de pnme1ra arnz da companhia de Coquelin ain, quando este veio em turn ao Brasil em 1903.

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  • ra a ns trazer os contos mais humildes, talvez no menos como-ventes, da humanidade palpitante e viva e tambm da sociedade atual.

    Os nossos autores compreenderam e sentiram que aps todo o esplendor, depois de todo o prestgio estril da forma, da imagi-nao e da fantasia, o pblico moderno, j ento mais educado, lhes pedia outras novelas menos pueris, escritas no para embalar e adormecer a sua misria e o seu labor, mas, pelo contrrio , para estimular o seu esforo; para acostumar cada qual ao livre exame de si prprio e dos outros, fazendo nascer no corao do homem a audcia de se aperfeioar e de viver melhor.

    As modestas histrias de camponeses, solados, operrios, m arafonas que aqui lhes apresentamos correspondem todas a um problema social, a uma tara, a um abuso ou a uma iniqidade. E assim que o teatro , por intermdio dos jovens desta escola e desta poca e graas a essas obras, longe de se perder por caminhos tor-tuosos ou por estradas desconhecidas, retorna ao seu ponto de par-tida, a sua funo essencial. Deixa de ser um lugar de distrao e de prazer, quase o mau lugar no qual, entre ns, escapou de se trans-formar com o vaudeville e a opereta. Passa outra vez a constituir um meio de ensinar, a tribuna, a ctedra fecunda em que se discu-tem as verdades eternas.

    um prazer um tanto severo, concordo, mas porventura no ser bom que esse farol seja de quando em quando reaceso para manter a irradiao da arte e da beleza?

    A grande honra do teatro naturalista, assim como o nico merecimento dos integrantes do Thtre Libre, foi justamente este: sentir essa necessidade e tentar restabelecer essa irradiao.

    Depois de 1870, num rude despertar, sobre os sonhos do desastre fatalmente acarretado por cinqenta anos de romantismo, de lirismo e de exaltao potica infantil e incontinente, vimos brilhar um novo sol no firmamento da Frana. J no era possvel que essa gerao a que perteno, tornada m ais consciente e mais austera pela obrigao que tinha de refazer a ptria, ainda se ince-

    ressasse pelas fbulas otimistas com que os artistas haviam alimen-tado a despreocupao dos seus antepassados.

    Por outro lado, Renan8 e Taine9 concluam a sua grande mis-so e comeavam a ganhar credi bilidade. Os homens de cincia e de estudos tomavam a di anteira dos tocadores de flauta.

    Zola, 10 que h muitos anos j se dedicava ao bom combate, triunfa inesperadamente no livro e, com os seus grandes amigos Flauberr, 11 os Goncourt, 12 Daudet 13 e Maupassant, 14 vai preparan-do essa obra formidvel de anlise, de observao e de verdade, que representa de fato a glria literria da Frana na segunda meta-de do sculo XIX.

    Carpeaux 15 e Rodin 16 arrebatavam a escultura no mesm o po-deroso impulso para a vida; a pintura, reformada por Maner 17 e pelos seus companheiros da escola ao ar livre, adquiria um incre-mento talvez nico na histrin de nossa arte. No era acaso neces-srio e lgico que o teatro acul!lpanhasse o movimento?

    ' Ernesr Renan_( 1823- 1892) , escritor francs gue, depois de se desviar de sua voc1o _ sacerdo tal, dedtcou-se histria das ln guas e das religies. Joaquim Nabuco fo i For-tem ente influenciado por ele.

    ''. Hip~olyte Taine ( 1828-1893), historiador e critico literrio, buscava explicar a obra ll(erna de fico e os faros histricos por intermdio de trs influncias: o m eio, a raa e o tempo.

    '" ~mile. Zola (1842~ 1902),. romancista e autor dramtico, preconizava a condio so~JO i gtc~ .na n ~rr~tiva flccJOnal. ~anou as bases de suas idias em duas obras que reunem vanas crontcas: O Naturalmno no Teatro e Nossos Autom Dramticos ( 1 RR 1 ). 11

    Gustave Flaubert ( 1821-1880), romancista, o autor de Madame Bovary. 12

    Os irmos Gonco urr , Edmond (1822-1896) e Jules ( 1830- 1870) , so conhecidos por rerem atl!ado em prol da campanha naruralisra no romance. u Alphonse Daudet ( 1840- 1897), romancista . " Guy de Maupassanr (1850-1893), romancista. 15 Jean Bap riste Carpeaux (1827- 1875 ), escu ltor, autor de v ri os mon um entos par~sienses, como a fonte do Jardim de Luxemburgo, e responsve l po r parre da dccn-raao em escultura do Palais Garnier. 11

    ' Auguste Rodin (1840-1917), principal escultor de sua gerao. Em sua obrn, de,-racam-se O Pensador e A Porta do Inferno. 17 Edouard Manet (1832-1883) , um dos mesrres do Impressionismo na pintura.

  • Quando, porm, os grandes campees do naturalismo, os mestres desde ento incontestveis do livro, cu!Dprida sua primei-ra tarefa, se voltaram para o teatro , viram fechadas e solidamente aferrolhadas todas as portas .

    mis ter que remontemos ao que era a arte dramtica france-sa em 1880.

    Uma trindade formidvel ocupava o horizonte inteiro: Augier, Dumas, Sardou. 18 O s trs dominadores dispunham de todos os teatros, ocupavam todas as estradas. Vinte anos de triunfo haviam concorrido para que os diretores lhes prestassem devota obedin-cia e o Sr. Perrin, administrador da Comdie-Franaise, declarasse que tendo uma pea de Dumas para um ano e outra de Augier para outro, de nada mais precisava. Meilhac e Halvy 19 ocupavam vitoriosamente o teatro tradicional; mais abaixo, Feuillet, 20

    Godinet21 e Pailleron22 incumbiam-se de ocupar sem demora e com xito quase certo os raros lugares que, acidentalmente, permane-cian1 vagos nos cartazes.

    Henri.de Bordier, 25 Ponsard24 burguesamente encadernado, obtivera logo depois da guerra, brandindo suavemente o punhal de Roland, um sucesso formidavelmente patritico, que o consa-grara poeta nacional.

    '" Vicrorien Sardou ( 183 1-1908) era conhecido como o "Napoleo da arte dramti-ca", graas sua vasta produo. Colaborou bastanre para o sucesso de Sarah Bernhardt, escrevendo de encomenda para ela personagens como Tosca, Madame Sans-Gne, Theodora e Clepatra . ,., Henri Meilhac (18 3 1-1897 ) e Ludovique Halvy (183 4-1908), dupla de aurores drandticos e libretistas que, sob o Segundo Imprio , colaboraram para imortalizar as mel odi as de Offenbach . So igualmente os libretistas de Carmen, de Bizet.

    '" Octave Feui llet ( 1820- 1890), autor dramtico. 21 Edmond de Godinet ( 1829-1888), autor dramtico. 22 Edouard Pailleron (! 834-1899), autor dramtico. 2

    1 At onde pudemos apurar, nada foi encontrado acerca do autor, Henri de Bordier, citado po r Anroine. 14 Frano is Ponsard ( 18 14-1 867), autor dramtico, destaco u-se po r se opor ao drama romntico de Victor Hugo. Abordando temas modern os, escrevia sob as regras da tragdia neoclssica.

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    Alguns poetas de nom e j feito, o Parnaso inteiro, sucessor de Hugo / 5 cuja herana foi longamente explorad a, Ban ville,2G M d ).. 27 Ri h . 28 c 29 en cs, c epm, opp e outros que ficaram menos cle-bres tentavam inutilmente forar a entrada. Uma grande atriz, Sarah , contempornea e amiga, conquistada por eles, em vo pusera ao seu servio o gnio que possua e o prestgio de que gozava perante o pblico.

    A verdde que eles chegavam demasiadamente tarde. A Fran-a no carecia apenas de frases e rimas de ouro. N o era cobrindo a chaga de reluzentes ouropis que se havia de cur-la. Fazia-se mister um outro regime, o escalpelo e o bisturi dos realistas; era preciso o tnico da verdade, do mtodo; tornava-se imprescindvel o aparecimento de professores de coragem e de energi a.

    Naquele tempo, por conseguinte, nada, nenhum homem de boa vontade com alguma coisa a d?r poderia ter a esperana de, pelo teatro, chegar at o pblico. L .. ..:, de resto, permanecia hostil, e os nomes novos inspiravam-lhe desconfiana. Os atores, estreitamente presos s frmulas e aos meios em que haviam crescido, dedicavam-se, como era natural, aos ,autores que lhe haviam feito a fortuna.

    Um deles, entretanto, sem dvida um dos maiores, o nico talvez que teria o gnio preciso para interpretar Shakespeare dis-tante da Comdie-Franaise, onde faria uma carreira fecunda, era Taillade. 30 Ele procurava representar - alugando a sala da Porte Saint Martin, em parceria com o autor- o Michel Pauper, de Henry Becque. 31 Resultado: uma desgraa, no meio da indiferena geral.

    25 Sobre Victor Hugo, cf. nota li na Conversa sobre a Encenao. u. Thodore de Banville (1823-1 891 ), poeta e autor rom nrico. 27 Cattule Mendes (1 841-1909), poeta parnasiano. 2" Jean Richepin (1849-1926), autor dramtico.

    ''' Franois Copp (1 842-1908), poe ta. Ju Taillade (1 826-1898), ator co nsiderado um especiali sta na inrerpre t

  • Um rapaz cheio de ardor, de iluses e de f, Fernand Samuel, atual diretor do Varits, apresentara La Parisienne no Renaissance. O pblico nem de longe suspeitou da obra-prima que lhe ofere-ciam; e o nmero de representaes e a cifra das receitas foram irrisrios .

    Henry Becque! Estava passando por necessidade antes que visse as 150 representaes da sua pea no Thtre Antoine, que tanto amava e cujo esforo to ardentemente apadrinhava. Se vi-vesse, teri a ago ra vindo conosco e seria ele que contaria, com o seu tresloucado esprito e o seu riso perturbador, a odissia da Parisienne; dessa parisiense que todas as atrizes atualmente encenam pelo mundo, cuja reprise imposta por um ministro artista Comdie-Franaise foi um desastre sabiamente preparado e entretanto para l voltou, para ocupar um luminoso lugar entre os nossos primo-rosos clssicos teatrais.

    L'Arfsienne, de Daudet, naufragara no Vaudeviffe; Flaubert assistira queda do seu Candidat, Therese Raquin no pudera ir avante; e alguns melodramas extrados dos mais clebres romances de Zola e Daudet s triunfaram mais ou menos desfigurados, tor-turados, desnaturados, por adaptadores de baixa categoria. Entre-tanto, os dois mestres a quem violentamente recriminvamos em nosso ardor de nefitos por essas deprimentes concesses sorriam, astutamente; e Zola, de todos o melhor estrategista, dizia-me que sempre era um passo que se avanava para o pblico, dia a dia preparando o terreno da batalha iminente.

    Dois grandes faris se acendiam ento em longnquo hori-zonte; mas , como bons franceses, sempre absorvidos pelo que en-tre ns se agita, no enxergvamos essas claridades nossa frente. Tolstoi32 ainda era conhecido de alguns, por Guerra e Paz; Ibsen, 33

    porm , era completamente ignorado. Devemos mesmo confessar que, at a hora presente, no sou-

    bemos ainda aproveitar, dessas grandes nascentes, todas as foras

    Jl Lon Tolsco i (1828-19 1 0), romancista e autor dramtico russo.

    1

    1 Henrik Ibsen ( 1828-1906), autor dramtico noruegus.

    vivificantes que elas podiam derramar sobre a nossa arte dramti-ca. E quanto a Ibsen, principalmente, apesar do valoroso empenho de um pequeno grupo, no conseguimos ainda conquistar o nosso pJblico para ele.

    * * *

    frente desse inexpugnvel posto teatral, como ele era na Frana h vinte anos e de que h pouco eu lhes dei idia do signi-ficado, achava-se uma sentinela formidvel, todo-poderosa, Sarcey. 14 Solidamente alojada no mais poderoso dos nossos jornais, ele dita-va a opinio.

    Conheci-o de perto , e se a meus amigos e a mim praticamen-te declarou uma guerra, no era que no me apreciasse, mesmo algumas vezes sem o confessar ~> ublicamente. A nossa comum pai-xo pelo teatro era, a despeito de tudo, um lao que existia entre ns; e sem que nunca nos convencssemos um ao outro, nem sem-pre de forma amistosa, pessoalmente ele sempre me tratou de um _ modo quase afetuoso.

    Assim, no iria eu querer faltar ao respeito da sua memria e apresso-me em concordar que nunca um posto foi mais justamen-te e mais dignamente ocupado. De uma competncia nica e in-discutvel, adorava o seu ofcio de crtico e o exercia com juvenil paixo e um terrvel talento de polemista. A sua bonomia, m ais fina e mais sutil do que parecia, e a sua maneira rebuscadamente familiar garantiam-lhe a compreenso do grande pblico.

    Sem o seu beneplcito, nada ia adiante, nada conseguia triun-far. Era o guarda consagrado de nossas instituies teatrais, o cam-peo do teatro francs- que, alis, quase atirou s portas da morre com indulgncias sistemticas -, o conservador ofici al da nossa ar te dramtica. E se insisto um tanto ou quanto longamente sobre esse adversrio morto, que vim encontrar o seu nome e as suas doutrinas na pena de um dos crticos mais autorizados daqui . Reli ,

    1' Sobre Francisque Sarcey, cf. nota 17 na Convrrsa sobr~ a Encenaro.

  • traduzidas para a minha lngua, as suas frases, que entre ns fica-ram famosas sobre as peas bem-feiras.

    Que ser, meu Deus, uma pea bem-feita? Quem me poder dizer por onde isso se reconhece? H peas interessantes e peas fast idiosas. O objetivo do escritor no ser interessar, comover ou divertir? E no ser bem-feira toda pea cujo autor conseguir tal resultado?

    Mas entre ns, atualmente, essa velha questo letra morta. Uma pea bem-feira! Nesse caso, as duas magnas tragdias, dipo Rei e Hamlet, seriam peas malfeitas, uma vez que o espectador sabe, desde o comeo da ao, que o filho de Laio o assassino de seu pai e que rodos os preparativos e circunlquios vm retardar a marcha da pea shakespeariana.

    Quem foi o primeiro a dizer que uma pea deveria ser consti-tuda desta ou daquela maneira? Quem que tinha as precisas qua-lidades para promulgar essa lei formidvel? O Cid, que violou a f~mosa regra das trs unidades, na poca em que elas mais despo-ticamente reinavam no teatro, ser ento uma pea malfeita? Porventura muitas das grandes obras ibsenianas tero exposio, no acanhado sentido que Sarcey e seus adeptos do a esse termo, e no ser preciso esperar as ltimas cenas do quinto ato do Pato Selvagem e o ltimo ato de Casa de Bonecas para perceber comple-tamente, em roda a sua luminosa extenso, a concepo do poeta?

    Cada art ista vem a ser, portanto, o seu prprio mestre e' o nico juiz dos seus processos, e a obra "bem-feita" se impressiona o pblico.

    Sarcey vivia preso quela velha regra, herdeiro das frmulas estreis de seus mestres e predecessores, La Harpe35 e Geoffroy,

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    .15 Jean-Franois Dehar!Je. dito La Harpe ( 1739-1803), autor dramtico e cdtico do peridico Mercure de Frr.mce. Y Julien-Louis Geoffroy (1743-1814), crtico teatral conservador, um dos idealizadores da crnica teatral no formato denominado de folhetim dramtico, aparecendo nos peridicos a cada dois dias. Defendendo em suas crticas o gosto pelo classicismo, a moral e os vaJ.ores humansticos, escreveu no journal des Dbats de 1799 at sua morre.

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    cuj a influncia nefasta deixou o teatro francs reduzido s lamen-tveis obras do sculo XVIII.

    Vocs esto, sem dvida, surpreendidos com a paixo com que, tantos anos passados, venho ainda falar de adversrios que desapareceram. que me pareceu tornar a ver o velho defensor do ~audevi!!e, ao s.urpreender os ecos das suas teorias numa parte da Imprensa daqu1. E eu me consideraria feliz se pudesse contribuir para preveni~ essa mocidade, que sinto ro vibrante e simptica, co~tra doutnnas que entre ns quase fazem abonar um esforo de qumze anos, esterilizando roda uma florao dramtica.

    No h um s autor novo e com idias novas que Sarcey no combatesse, nem um verdadeiro artista cujo valor ele no deixasse de reconhecer. Atacou cruel e perfidamente Becque, que , alis, lhe soube largamente responder a todos os golpes; discutiu , obstina-damente, com Zola e a escola de Mdan; repeliu e excomungou os Goncourt.

    Os Goncourt! As duas maiores e mais nobres figuras contem-~orneas! Os C?oncourr, que a esse tempo faziam 0 que Balzac37 tm~a se esquecido de fazer: meter o povo nos seus livros. Eles que trazi.am ao teatro moderno o pitoresco realista no qual exibiam coraJosamente o hospital, a priso, o circo, o tribunal; os Goncourr que faziam a educao artstica da massa e da indstria francesas, revelando o Japo e o sculo XVIII; que, finalmente, dotavam a nossa lngua de uma sensibilidade, uma finura, um frmito delica-do que ningum, antes deles, jamais adivinhara. C: velho. mestre do Temps esteve, pois, sempre em oposio ao que nos admiramos! E bem se pode dizer que, somente no dia em que a, ~ua exausta mo de bom trabalhador deixou escapar o cetro da cr1t1ca, o teatro fr3;ncs teve a sua liberdade. .

    . . S~, conf~rme me disseram, anima vocs a bela e legtima ambiao de cnar um teatro verdadeiramente so e vivo, uma casa de ~rre nacional, defendam-se dos Sarcey- se que eles existem aqlll- e no os deixem subjugar e esterilizar o seu esforo. " H onor de Balzac (1799- 1850), romancista realista auror da C'ome'dt'a H d ' umana, uma sene e romances revelando um forre poder de observao e crtica social .

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  • * * *

    Entretanto, as coisas iam caminhando. Zola, sempre aprovei-tando uma brecha, tomara posse de um folhetim de crtica teatral e dava-nos poderosas pginas sobre o Naturalismo no Teatro . Os aucores dramticos e ns devorvamos essas pginas. Por mim, posso dizer que lhe devo tudo; nada produzi de bom, de so, de audaz, de benfico que no me houvesse inspirado esse grande educador. Na minha mocidade, eu vivia a respirar a sua palavra fecunda, a admir-la apaixonadamente, e a melhor satisfao da minha vida ser sempre a de ter servido no teatro o seu pensamento como bom e fie! soldado.

    Conservo a preciosa vaidade de ter privado da sua amizade. Nem o dinheiro, nem os lugares oficiais que ambiciono, nada nes-te mundo me dar nunca honra igual de ter possudo a sua esti-ma. Quantas vezes, entrando quase desesperado em sua casa, de l sa outra vez cheio de coragem! Posso falar-lhes assim, to reconhe-cida e emusiasticamente, desse grande homem porque me lembro de uma vez, h cerca de dez anos, em casa de Daudet, t-lo ouvido

    fal ar da Amrica Latina, sensibilizado pelo acolhimento que ela dava s suas obras, e das homenagens que dela recebia.

    Finalmente, o administrado