António Aleixo

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Dia Mundial da filosofia 2014 António Aleixo - Poeta - 1899- 1949Porque ha uma filosofia popular… António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente em seus versos. Também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX. No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, imigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia, servente de pedreiro, trabalho este, que emigrado, também exerceu em França. De regresso ao seu país natal, restabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de "poeta-cauteleiro". http://www.cgalgarve.com/poema s.htm

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Poesia /Filosofia Popular

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Page 1: António Aleixo

Dia Mundial da filosofia 2014

António Aleixo - Poeta - 1899-

1949… Porque ha

uma filosofia

popular…

António Fernandes Aleixo (Vila

Real de Santo António, 18 de

Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de

Novembro de 1949) foi um dos

poetas populares algarvios de

maior relevo, famoso pela sua

ironia e pela crítica social sempre

presente em seus versos. Também

é recordado por ter sido simples,

humilde e semi-analfabeto, e

ainda assim ter deixado como

legado uma obra poética singular

no panorama literário português

da primeira metade do século XX.

No emaranhado de uma vida

recheada de pobreza, mudanças de

emprego, imigração, tragédias

familiares e doenças, na sua figura

de homem humilde e simples,

havia o perfil de uma

personalidade rica, vincada e

conhecedora das diversas

realidades da cultura e sociedade

do seu tempo. Do seu percurso de

vida fazem parte profissões como

tecelão, guarda de polícia,

servente de pedreiro, trabalho

este, que emigrado, também

exerceu em França.

De regresso ao seu país natal,

restabeleceu-se novamente em

Loulé, onde passou a vender

cautelas e a cantar as suas

produções pelas feiras

portuguesas, actividades que se

juntaram às suas muitas profissões

e que lhe renderia a alcunha de

"poeta-cauteleiro".

http://www.cgalgarve.com/poema

s.htm

Page 2: António Aleixo

Nunca gostei de mentir,

Mas faço bem quando minto,

Fazendo a outros sentir

Esp'ranças que já não sinto.

Para não fazeres ofensas

E teres dias felizes,

Não digas tudo o que pensas,

Mas pensa tudo o que dizes.

O mundo só pode ser

Melhor que até aqui,

- Quando consigas fazer

Mais p'los outros que por ti!

Uma mosca sem valor

poisa c’o a mesma alegria

na careca de um doutor

como em qualquer porcaria

P'ra a mentira ser segura

e atingir profundidade,

tem de trazer à mistura

qualquer coisa de verdade

Sei que pareço um ladrão...

mas há muitos que eu conheço

que, sem parecer o que são,

são aquilo que eu pareço.

Eu não tenho vistas largas

nem grande sabedoria,

mas dão-me as horas amargas

Lições de Filosofia.

Ser artista é ser alguém!

Que bonito é ser artista...

Ver as coisas mais além

do que alcança a nossa vista!

Vós que lá do vosso império

Prometeis um mundo novo,

Calai-vos, que pode o povo

Querer um mundo novo a sério.

Casado que arrasta a asa

À mulher deste e daquele,

Merece que tenha em casa

Outro homem em lugar dele.

Page 3: António Aleixo

A ninguém faltava o pão,

Se este dever se cumprisse:

- Ganharmos em relação

Com o que se produzisse

Tu, que tanto prometeste

Enquanto nada podias,

Hoje que podes – esqueceste

Tudo quanto prometias

Não sou esperto nem bruto,

Nem bem nem mal educado:

Sou simplesmente o produto

Do meio em que fui criado.

A arte é força imanente,

Não se ensina, não se aprende,

Não se compra, não se vende,

Nasce e morre com a gente.

A arte é dom de quem cria;

Portanto não é artista

Aquele que só copia

As coisas que tem à vista.

Tu não vais à procissão

Para rezar à Virgem-Mãe,

Vais para aqueles que lá vão

Verem que tu vais também

Que o mundo está mal, dizemos,

E vai de mal a pior;

E, afinal, nada fazemos

Para que ele seja melhor.

Só quando a hipocrisia

Cair do seu pedestal,

Nascerá, dia após dia,

Um sol para todos igual

Como és vil, humanidade!...

Não olhas para as desventuras:

As chagas da sociedade,

Podes curar, e não curas

Não vês? Onde um pardal poisa,

Poisam todos os pardais;

Nós somos a mesma coisa:

Onde um vai, vão os demais

Page 4: António Aleixo

A começar pelo «urso»

De Coimbra, a estudantada,

Só quando acaba o curso,

Sabe que não sabe nada.

Riem d´outras com desdém

Certas damas bem vestidas;

Quantas para vestir bem,

Se despem às escondidas.

A rica tem nome fino,

A pobre tem nome grosso;

A rica teve um menino,

A pobre pariu um moço!