ANTUNES FILHO, José Alves. Antunes Filho e suas obsessões recorrentes

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    AAAAA ntune s F i l ho e sua s obse s se s rn tune s F i l ho e sua s obse s se s rn tune s F i l ho e sua s obse s se s rn tune s F i l ho e sua s obse s se s rn tune s F i l ho e sua s obse s se s re c o r re c o r re c o r re c o r re c o r re n t e se n t e se n t e se n t e se n t e s

    colocar em cena, quer dizer, o ato de voc en-saiar e colocar os atores fazendo j uma ence-nao. Aqui, no caso, j uma teatralizao por-que um romance que no mais romance, quepassa a ser teatro. Se eu no colocasse teatra-lizao seria mais uma pea do Suassuna, masno . Guimares Rosa no precisaria disso, por-que a colocaramos adaptao e acabou.

    Sala Preta: O pblico que acompanha seutrabalho desde o incio do CPT teve a surpresa

    em Pedra do Reino de reconhec-lo como umespetculo muito prximo da linguagem e daestrutura de Macunama . Seria possvel dizerque esse espetculo, que tinha chegado a ser fi-nalizado e apresentado para o Suassuna h vin-te anos, ficou no congelador esse tempo todo evoc o tirou de l como estava? Como foi revi-vificar o espetculo depois de tanto tempo?

    Antunes Filho: Em primeiro lugar eu que-ro dizer que eu gosto de personagens picares-

    cos. Eu adoro, porque eles so visionrios, tmum pouco de Dom Quixote. Eu gosto das coi-sas exacerbadas. Eu gosto do Herzog, do Ibsen.So viagens de quem acredita em utopias, em-bora na maioria das vezes desemboquem na tra-gdia. Sempre se precisa tomar cuidado com autopia porque a grande verdade tambm tr-gica, leva grande tragdia. Ento, eu tinha uma

    Sala Preta: Voc definiu seu trabalho, na fi-cha tcnica de Pedra do Reino, como tea-tralizao. No me lembro de voc ter uti-lizado o termo em qualquer outra dasprodues do CPT. Por que essa mudana?

    Antunes Filho: Eu sempre fiz adaptaes,quer dizer, quando voc pega uma pea de tea-tro e voc adapta. Agora no, peguei um roman-ce. Na poca, se fosse possvel, eu poderia terutilizado o termo paraMacunama. Poderia

    tambm ter servido ao Augusto Matraga. Euachei legal esse termo porque d a idia perfeitade que voc pegou uma obra literria, respei-tou-a ao mximo e a teatralizou. Ento aquiloque no saiu bem do Antunes, o que saiu bom do Suassuna. uma maneira tambm de vocproteger o autor, no ? Isso porque ele umautor de teatro tambm, mas ele no escreveucomo teatro. E teatralizao define que ele noescreveu como pea, mas que um romance

    dele. Ento me pareceu que a palavra mais exa-ta era mesmo essa. Poderia haver outras, eviden-temente, mas foi essa que eu pensei e adotei, eeu gosto.

    Sala Preta: No fim, uma variante do ter-mo encenao...

    Antunes Filho: Mas encenao diferen-te. quando voc pega um texto e encena. s

    EEEEE ntrevista comAntunes Fi lho*

    * Antunes Filho encenador e Diretor do Centro de Pesquisa Teatral do Secs-SP. Entrevista concedidaa Luiz Fernando Ramos em novembro de 2006.

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    fixao no Quaderna e precisava dar vazo a essempeto que eu tenho ainda, meio moleque,meio acreditando em coisas, em fantasmas, em

    osis, achando que o osis o prprio paraso,o que me leva sempre a me estrepar, mas nofaz mal. Ento, esperar foi legal, porque eu achoque no estava maduro para fazer naquela po-ca. Eu estava ainda muito empolgado com o

    Macunamae no teria sido legal. Agora assen-tou a poeira, passou o tempo e deu para perce-ber melhor o Suassuna, no o Quaderna. Naprimeira montagem eu tomei liberdades quehoje eu vejo eu no podia ter tomado. Eu avan-cei o sinal no cotidiano do Ariano, o que nopodia. Falei certas coisas que deveriam ser res-guardadas e eu no tive muito cuidado, eu acho.Porque eu utilizei duas obras dele: A Pedra doReino e o Rei degolado. Uma a biografia doQuaderna e a outra tem a ver com a vida do

    Ariano Suassuna. Embora ainda se mantenhaisso no espetculo atual, dessa vez eu tomei maiscuidado e tive muito respeito com o Ariano.Naquela poca eu via o Ariano como um bomartista que tinha escrito um bom romance, mas

    no o colocava no pedestal que eu o colocohoje, como um dos maiores artistas de todos ostempos no Brasil. Eu acho que essas pessoasmaravilhosas que nascem e vivem no Brasil agente deve sempre ajoelhar e beijar a mo. En-to eu tive tempo de perceber melhor o Arianoe falar. Puxa vida ainda bem que tem gentecomo voc nesse pas, como o Ferreira Gullar,Guimares Rosa, Mrio de Andrade. Gente deboa cepa. , portanto, uma homenagem que eu

    fao arte dos brasileiros, e no, simplesmente,um fazer coisas dos brasileiros. Eu tenho querespeitar aqueles que realmente so artistas.Hoje como est tudo muito catico, como ocaos to grande, a gente deve nesse momento,por oposio, elogiar muito, muito, pessoascomo o Ariano. Naquele tempo eu no precisa-va elogiar tanto porque o mundo era melhor.

    Sala Preta: Mas de qualquer maneira ofato da primeira montagem ter sido feita logo

    aps Macunamatorna ela muito prxima emtermos das solues cnicas. Na verdade um

    dilogo direto. Para quem assistiu ao espetculonaquela poca ver agora interessante porquereaparece um Antunes inaugural. H, sem d-

    vida, esses aspectos do contedo dos romances,que voc abrandou na aproximao entre osdois romances, mas um reencontro com aque-la forma.

    Antunes Filho: Eu no abro mo da mole-cagem. Sou sapeca, esprito de porco. E isso meaproxima de personagens como Quaderna,Macunama, Policarpo Quaresma, o Bacamarte.Ento so personagens que me fascinam. Quan-do eu fui fazer os gregos e outras peas, era umaespcie de universidade que eu tinha que fazer.Eu sempre achei muito ruim como se faziam osgregos por aqui e pensei que ns tnhamos queaprender a fazer os gregos. Porque a gente noconsegue fazer? Porque quando eu vou ver achouma porcaria e todo mundo fala que bom?Ento eu tentei me aproximar para fazer a mi-nha formao, para enfrentar o desafio e apren-der. Quando voc pega um bom lutador pelafrente voc aprende, quando voc pega um maulutador voc perde. Voc vai jogar ping-pong

    com quem no sabe voc perde, e se voc jogacom quem sabe voc joga melhor. Ento voctem que pegar bons antagonistas para crescer eaprender com eles.

    Sala Preta: Mas so vinte anos, quer di-zer, aconteceu um monte de coisas na sua cabe-a, voc fez mil espetculos e, de repente, vocreencontra esse Antunes anterior. H a a sensa-o de chegar de novo a um lugar em que voc

    j esteve?

    Antunes Filho: Sempre volta, a gente sem-pre volta ao lar paterno, ou materno.

    Sala Preta: Mas h uma coisa com ginga,prazer, solar...

    Antunes Filho: Eu sou apolneo, sousagitariano.

    Sala Preta: Mas voc andou sombrio...Antunes Filho: Exato, eu acho que eu pre-

    cisava saber lidar com isso. Eu no descarto olado moleque, o capeta dionisaco que eu tenho.

    Que me alimenta. Conseguir esse equilbrioentre o apolneo e o dionisaco que legal.

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    Sala Preta: H um outro aspecto impor-tante que o trabalho de dramaturgia que vocfez, que tambm uma novidade em termos de

    Antunes. Voc nunca tinha feito um trabalhoto forte como dramaturgista.Antunes Filho: Realmente, um desafio

    como esse foi a primeira vez. um livro de se-tecentas pginas e um outro de duzentas. Preci-sa de muita pacincia. Ns brasileiros no gos-tamos de perder muito tempo com uma coisas. Ns gostamos de variar. Ento, talvez tenhasido bom demorar vinte anos porque a vocpode retomar noutras. Assim eu no enjoei. Seeu ficasse s adaptando sem parar, acho que euno agentaria, ficaria insuportvel. Ficariaaquela mesmice. De vez em quando eu voltavae, gozado, lia a adaptao e achava que no dava.De repente, agora em dois mil e pouco li e acheique dava. Na dcada de noventa, em 95, eupeguei e achei que no dava, pensei que isso ano dava teatro no. De repente deu de novo,que legal!

    Sala Preta: Ento voc ia mexendo?Antunes Filho: No, ficava aqui na cabea

    flutuando.Sala Preta: Mas voc disse que abrandou..

    Antunes Filho: Sim, eu tinha avanado osinal em relao me dele e agora tomei maiscuidado. O meu cuidado durante a encenaofoi perguntar para as pessoas se eu no estavadesrespeitando o Ariano.

    Sala Preta: Isso acabou sendo um par-metro [...].

    Antunes Filho: Sim muito cuidado, mui-

    to cuidado. Eu no queria aborrecer o Arianode modo algum.

    Sala Preta: Nos espetculos gregos, voctrabalhava os atores investindo muito na respi-rao e na voz. Era uma pesquisa sofisticada.

    Agora naPedra do Reino, talvez at pela caracte-rstica solar que lhe intrnseca, h uma coisamais solta. Retoma-se uma leveza que os atoresdo Macunama trabalhavam, e remete fase ini-cial do CPT. Essa uma tendncia para um tra-

    balho mais aberto com os atores?

    Antunes Filho: Primeiro vamos falar devoz. Pedra do Reino um dos raros espetculosno Brasil que voc vem assistir e no perde ne-

    nhuma palavra. Ento aquele mtodo que vocviu que eu atravessei atravs dos gregos foi umaprendizado que eu estava desenvolvendo, ummtodo que era na projeo e sem ressonncia.Porque h uma diferena extraordinria entre aressonncia e a projeo. Ento eu cheguei nofundo do poo e hoje em dia eu conheo bemo problema e sei como resolver. Evidentemen-te, voc no consegue resolver em uma pea ouem duas peas. Isso um trabalho rduo queexige a tenacidade de cada ator atravs dos anos.Hoje em dia tem uma questo que est desqua-lificando o prprio teatro, o microfone: os ato-res usando o microfone. E o grave que elesesto usando o microfone, mas eu no os enten-do mesmo com o microfone. O que est acon-tecendo? O teatro est virando uma espcie deterreno baldio, cada um faz o que quer. No sepede mais para uma pessoa ter talento ou no.Ela vai l e diz: posso fazer. Coloca o microfonee faz. Quando, ao contrrio, eu acho que o es-

    tudo vocal que voc faz uma experincia quevoc tem que focar, que se tem que passar, que da maior importncia. uma espcie de uni-versidade que voc faz. No somente voz quevoc aprende, voc vai aprender eufonia, estti-ca, so uma poro de coisas. Voc vai melho-rar, em termos de civilidade, para fazer teatro.Na medida em que voc comea a colocar mi-crofone, tudo isso, vira um terreno baldio mes-mo. Quando precisava estudar a voz, mesmo

    que fosse ruim, havia uma preocupao, do ator,pelo menos, de avano cultural. Agora no temmais isso, est uma coisa terrvel e se no to-marmos cuidado, vai virar terreno baldio mes-mo. Ou seja, vai cada vez mais o teatro ir para obelelu. uma casa abismo abaixo. uma for-ma respeitosa que voc tem que ter com o esp-rito humano, com o conhecimento humano.Eu sei que h esse problema do ps-modernis-mo. Mas importante voc ter, no digo uma

    especializao, mas que quando voc comea a

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    estudar voz voc no fique se especializando emvoz. um leque amplo de esttica, de filosofiae de cultura que voc comea a adquirir. Eu no

    admito, por exemplo, um ator no saber umpouco de filosofia e de esttica. O que acontececom a crtica hoje em dia. As pessoas so jovens,s vezes, no tiveram um curso, falta um poucoda especializao na filosofia, falta um pouco daesttica, que os antigos tinham. Ento erabalizado. Hoje no, palpite. Mas o mundo estassim, o ps-moderno.

    Sala Preta: Mas voltando diferena en-tre a projeo e a ressonncia?

    Antunes Filho: Pois , Macunama foi fei-to s na projeo. Agora eu estou na ressonn-cia. Mesmo quando ns falamos agora na pro-

    jeo, diferenciamos o falar baixo em que aprojeo no atrapalha, mas se voc falar altovoc se perde todo. Voc perde o encaminharda personagem.

    Sala Preta: Ento h uma continuidade navoz, mas ela est aparecendo mais relaxada?

    Antunes Filho: A gente est aprendendo,e a pea brasileira, ento mais fcil. Quando

    voc pega um texto mais nobre para falar maisdifcil. Ento a coisa mais importante para oator a respirao. Precisa aprender a respirar.Hoje em dia, todo o curso do CPT baseadoem relaxamento e respirao. E todos aqui den-tro so capazes de discutir a voz de qualquer atorbrasileiro ou estrangeiro. A maioria sabe ler umavoz tanto no teatro como no cinema. Voc po-dia criticar a maneira de se ensinar a voz antiga-mente. Tinha a Maria Jos de Carvalho que eu

    adorava, mas era ainda projeo. A projeo dei-xa voc hirto. Mas voc pode buscar uma es-sncia espiritual que fundamental. Na proje-o o teu fsico vai e voc perde. Na ressonnciavoc conserva a sua integridade espiritual. Naprojeo voc se esvazia. E isso o CPT tem tra-balhado muito e nem sempre d resultado. Por-que os atores tm muita dificuldade hoje emdia, no tem confiana em si. A era do diretortirou a confiana dos atores. Eu estou querendo

    restabelecer isso. Os atores tm que ter confian-a em si para poder criar. Eu no posso ter ato-

    res dependentes. E eu tenho atores interlocu-tores. uma interao formidvel que eu tenhoque ter com o ator.

    Sala Preta: Nesses vinte anos voc se tor-nou uma referncia nacional na formao deatores, um verdadeiro jardineiro que os cultivae os faz desabrocharem. Ao mesmo tempo nes-se perodo mudou muito o parmetro das esco-las de teatro, que foram todas influenciadas porGrotowski e Barba, e passaram a trabalhar maisverticalmente, e talvez o melhor exemplo dissoseja o Lume. Como voc v esse panorama e oCPT dentro dele.

    Antunes Filho: Voc usou a palavra ver-tical, mas eu uso a mesma palavra para outrascoisas.

    Sala Preta: Eu a uso no sentido de apro-fundamento, de pesquisa profunda.

    Antunes Filho: Me parece que isso quevoc est falando horizontalidade. Verticalida-de para mim quando voc mexe com o ho-mem, quando voc vai ao cerne do prpriohomem. Vai ao DNA. Quando voc percorre olongo caminho do primeiro homem das caver-

    nas e vai para os mitos e os arqutipos. E paramim, fundamental isso. Ou voc vai nessa li-nha que aprofunda o homem numa vertical, ouvoc vai horizontalidade, que a medida cer-ta, ou o social. a denncia social, todo ci-nema que est sendo feito no Brasil e todo tea-tro que est sendo feito no Brasil. a denncia.Na verdade so focos, furos jornalsticos que seprocura dar. Por isso que o apoio hoje nos jor-nais a um certo tipo de cinema, a um certo

    tipo de teatro.Sala Preta: Mas eu estou falando de pes-

    quisas profundas sobre o ator. O Lume, porexemplo, trabalha em laboratrio, fazendo trei-namentos exaustivos...

    Antunes Filho: E eu estou falando em fi-losofia. Eu no posso ter uma viso prtica eprofunda se eu no tiver uma viso filosficavertical. Vertical o que, ficar mais tempo en-saiando um negcio? um estilo? Eu no en-

    saio o estilo, eu ensaio o homem. Eu me vejosempre ensaiando o homem. E o homem com

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    Antunes Filho:A maioria das pessoas quese pega, falam que querem fazer teatro, masacho que querem um emprego no teatro. o

    que eu chamo de ator funcionrio e isso ruimpara o teatro. Eu vejo atores maravilhosos afora, mas que falta tcnica. O que acontece. Ocara ganhou um prmio de melhor ator do anoe nunca mais vai sair daquilo. Est travado,porque teve a habilidade de fazer de um jeito,ganhou prmio, e agora vai repetir aquilo inde-finidamente. Diga-me se no assim com amaioria dos atores novos que voc v? a mes-ma coisa sempre. E se tivesse tcnica podia fa-zer mil coisas diferentes. Ento o corpo tem queficar malevel a qualquer coisa. A tcnica no um fim, a tcnica um meio para o ator e suaexpresso. Mas voc no pode ter expresso sevoc no tiver tcnica.

    Sala Preta: Mas, alm da sua tcnica, quetem at um pouco de bruxaria, a sua tcnica,h outras tcnicas sendo buscadas. O Lume apenas um dos exemplos de muitos grupos queesto buscando a tcnica por um lado menosformalista de somar apetrechos tcnicos. Assim,

    h tcnicas e tcnicas, mas h, sobretudo, umapesquisa generalizada de construir novos modosde linguagem.

    Antunes Filho: Mas o problema que vocno v isso. Voc s v a expresso do ator, oseu sentimento. No tempo da EAD voc via atcnica da Maria Jos de Carvalho, da NydiaLcia, que era uma tcnica de falar impostado.Mas a minha tcnica, ela no existe. Existe a ex-presso plena do ator, o sentimento pleno do

    ator, a inteno objetiva e plena do ator. A tc-nica para voc expressar exatamente aquiloque voc sente. Se voc sente uma coisa e notem a tcnica adequada essa coisa que voc sen-te vai chegar deformada para quem est assis-tindo ou usufruindo. A falta de tcnica altera osentido. No Brasil eu vejo espetculos que sofeitos na marra. A gente at gosta, como quan-do a gente vai, na sexta-feira, numa macumba,e acaba se entusiasmando com a percusso, mas

    no legal. Eu gosto muito mais quando vocpode acompanhar racionalmente os sentimen-

    tos e entra na coisa. No gostar do espetculoporque ele muito aquecido. Isso no legalpara o nosso desenvolvimento, para o nosso

    progresso, para o nosso futuro. Porque bons au-tores exigem grandes atores. Porque se voc es-creve uma pea de teatro e d para uns troglo-ditas fazerem o conflito pelo conflito acabapreferindo escrever para a televiso. No ganharnada e ainda no ter nenhuma satisfao... Masse o autor percebe que tem gente que sabe dizerele se entusiasma a escrever para o teatro.

    Sala Preta: Na Universidade temos traba-lhado com a idia do ator pesquisador.

    Antunes Filho: Ns aqui, tambm, discu-timos no CPT como fica o artista na moderni-dade ps-moderna e a comea uma discussoque nunca acaba. Mas eu acredito que o artista um cara que tem privilgios para poder fazercoisas incrveis para a sociedade. E, no entanto,h quem s queira tirar coisas da sociedade. Essecara s quer tirar coisas para ficar numa boa.Quando o artista pode ser s uma fantasia, eletem uma misso com ele. Agora os outros que-rem apenas um lugar ao sol. Por isso que voc

    v muitos desses caras por a, que vo ficar pio-rando, porque eles no tem a cabea. O que oCPT faz encher a cabea das pessoas, de mi-nhocas e do que for possvel, para ter uma di-nmica intelectual e espiritual, para ele poderrealmente caminhar e levar a algum lugar o nos-so pas e a nossa cultura. Porque ns no pode-mos ficar nessa sub cultura, e s ficar fazendoisso a para funcionar. Eu no quero espetculosque s funcionem. Quero muito mais. Quero

    espetculos que vo gerar dividendos espiritu-ais e culturais para o povo. S isso tem senti-do.Se no tiver isso no tem mais porque fazerteatro. Da eu vou pra praia, viver na praia. Masse eu fico porque acredito. E estes caras de queeu estou falando acreditam na confraternizaohumana. Esses artistas acreditam. Quando es-to no palco eles esto numa funo social emrelao platia e no simplesmente extraindocoisas da platia.

    Sala Preta: O ator que faz o Quaderna,o Lee Thaylor, foi aclamado como uma reve-

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    lao. Qual o antdoto para um ator com essapotencialidade no ser atrapalhado por essabadalao?

    Antunes Filho: O Lee precisou apanharmuito de mim, apanhou muito, mas hoje emdia acho que ele est preparado e sabe que tea-tro doao. E sabendo isso ele no vai se per-der. Se ele achar que com o teatro ele s vai lu-crar ele estar perdido. O Lee vai se salvar. Ele

    j considerado por todo mundo como um dosmelhores atores do pas. Ele nem chegou a fa-zer Prt--Porter, ele pulou o Prt--Porter. Que onde eles aprendem alguns princpios do ator.No Prt--Portervoc comea a lidar com o hu-mano. legal isso, lidar com os sentimentos eas sensaes. Porque geralmente as pessoasquando vo fazer teatro no mostram o senti-mento, mostram o esteretipo do sentimento.No Prt--Porteras pessoas so obrigadas a per-ceber como captar o seu sentimento e comocoloc-lo em cena. O Lee um grande ator, donvel dos que eu j tive, que vai ser como o

    Jardel um dia, enfim, tem que trabalhar e con-tinuar trabalhando. Ele tem sido muito estimu-

    lado aqui no CPT para se tornar um grandeator. Quando se tem um grande ator, apesar deleser jovem, voc pode coloc-lo no papel de ve-lho, de bisav que funciona, porque ele ator.

    Agora voc pega um cara comphisique du role,mas que no ator, no adianta, no vai. Entoo que voc tem que ter no palco ator. a coi-sa fundamental. Eu no consigo mais trabalharsem ator

    Sala Preta: Entre os espetculos mais im-

    portantes desse ano, o seu era um dos poucosque ainda se dava na caixa cnica. Como vocv o futuro da caixa.

    Antunes Filho: O teatro o espetculomas eu no vejo o teatro s como espetculo.Eu vejo o espetculo como retratando a aventu-ra humana. Eu no estou procurando novida-des, nem novas embalagens. Eu quero que vocresolva com as tuas garrafinhas o problema pic-trico e espiritual de uma obra. lgico que eu

    no tenho medo de fazer um espetculo ao arlivre, mas acho que vou fugir daquilo que eu

    quero. Eu tenho at uma idia de fazer ao arlivre, de fazer um espetculo grego. No nosmoldes de Atenas. Mas fazer com helicpteros,

    fazer para valer, com a relao cu e terra. Masfazer ao ar livre por fazer ao ar livre, no. A jornalismo e eu no estou a fim de fazer jorna-lismo. No estou a fim de fazer acontecer umfato. Eu quero saber como um fato acontece,como ele aconteceu, as razes daquele fato, ecomo o homem se comportou na trajetria deum determinado problema. Isso me interessa.Se eu coloco a cena em cu aberto, e se eu estoulidando sempre com os arqutipos, eu queroque venham coisas do cu, que venha o raio queparta do cu, que Zeus faa alguma coisa. Entoquando eu falo do helicptero para fazer usode uma maneira divina, de um disco voador.

    Sala Preta: Nos anos setenta o movimentofoi do Macunama para o Nelson Rodrigues e,agora, voc vai retomar o Nelson. uma coin-cidncia, ou uma retomada daqueles Nelsons?

    Antunes Filho: De uma certa maneira sim.Eu gosto muito do Nelson, eu me reprimi defazer Nelson. Eu no tenho uma nova leitura

    de Nelson, eu entendo Nelson muito bem.Eutenho uma viso clara sobre Shakespeare, eu te-nho uma viso clara sobre Eurpides, eu tenhouma viso clara sobre Nelson. No verdade?Ento eu vou continuar a minha viso. O queaconteceu que eu voltei para casa, para fazertextos brasileiros. Eu estou voltando, por coin-cidncia aos mesmos porque so os grandes au-tores brasileiros.

    Sala Preta: Voc estaria retomando o

    Nelson Rodrigues?Antunes Filho: No sei. Por enquanto es-

    tou trabalhando Senhora dos Afogados. umapea que quase no d pra fazer. Que ningumfaz porque voc l, e fala assim no d pra fazer.E eu quero fazer porque no d para fazer. Etem um lado arquetpico que me interessa, dohomem. E eu gosto muito do Nelson Rodri-gues. Gosto muito do Nelson, gosto muito do

    Jorge Andrade tambm que um grande autor

    de teatro. Ariano Suassuna, Guimares Rosa. Eugosto de literatura. Porque eu acho que se voc

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    faz boa literatura no teatro, esses grandes cls-sicos, voc est estendendo a mo para a coleti-vidade. Ou voc faz o teatro como doao, a

    arte como doao, ou voc faz arte como egos-mo para as pessoas te aplaudirem e voc lucrarcom isso. Ou o pblico lucra ou voc lucra. Omeu teatro o pblico lucrando. Penso naque-la expresso. Tudo o que eu fao para o pbli-co lucrar.

    Sala Preta: Mas no pode haver um em-pate a?

    Antunes Filho: Falo de um princpio. De-pois que haja isto, certo? Porque isso dialticotambm, no unilateral. Ou voc lucra ou opblico lucra. Ento o meu teatro feito comuma condio. No incio no, quando eu co-mecei teatro, no. Depois, o pblico que temque lucrar. Eu no sou nada. essa coisa daaldeia. Eu ainda estou no tempo dos antepassa-dos da aldeia. De Portugal, dos meus pais e dosmeus avs, da aldeia, da festa da uva, sempre.

    Amassar a uva e fazer o vinho. A a gente entratalvez no Baco.

    Sala Preta: Pedra do Reino vem a pblico

    exatamente no momento em que o Oficina estconcluindo a adaptao de Os Sertes. Comovoc v a relao entre esses dois livros e essacoincidncia de montagens? Como voc ascompara?

    Antunes Filho:Acho que uma somatria.So obras diferentes para um mesmo problema,de certa maneira. O Z faz uma coisa maisritualstica e atravs do ritual mostra essas con-tradies e eu mostro essas contradies atravs

    da ao social, da prxis das personagens. Uma ritual, voc descreve os acontecimentos e osfatos. uma coisa que j est no passado. E naPedra do Reino voc est vivendo, como se es-tivesse surgindo a histria naquele momento.Ento so duas posies filosficas antagnicase complementares. Eu fui ver o espetculo doZ. Eu adoro. Mas para mim uma descriode um dos aspectos das contradies da gentebrasileira. E a minha a ao de brincando, e

    brincando, ir revelando as nossas misrias. En-to a ao est ali com o esprito brasileiro, cheio

    de anedotas, e vai falando e vai falando e voccomea a perceber uma coisa profunda, umador profunda. Uma mais da anlise, laborato-

    rial. A outra no, voc vai num determinadolugar e conta um fato. Mas um fato j aconte-cido, e esse aqui no, est acontecendo. Mudao tempo. A questo do tempo fundamental, tudo. No caso do Z o ritual de Baco, maisuma missa e aqui no, outra coisa, maisprofana.Eu respeito muito o Z, a loucura sa-grada dele, essa coisa meio visionria que eletem, mas ainda acho que est muito mais pertodo candombl, est muito mais prximo do ri-tual. Ele no me explica as coisas. Ele d fatosocorridos. Ele faz a missa de fatos ocorridos. Aprpria missa, quando voc vai ver uma missa,conta a histria de Jesus. Ele no conta a hist-ria de Jesus, ele festeja. Ento uma missa queno missa. ritual sem ser missa...Para mim,pegar o Nordeste, o Nordeste um lugar incr-vel, a seca, me fala um negcio profundo. Tema ver com alguma coisa dos meus mitos e dosmeus arqutipos. Tem a ver com esse deserto,essa gente que eu sou, esse homem cavalgando,

    fazendo patifarias para conseguir coisas ou noconseguir. Tem a ver com esse esprito huma-no, com esse lado nosso da vontade, com o nos-so lado animal, agressivo, sexual. Com essa coi-sa do conhecimento, da cultura. uma fbula,uma saga. As peas do Ariano, apesar de serempersonagens isolados, so falanges que saem. Derepente a falange chega numa determinada ci-dade. Dois ou trs caras saem da falange nummomento para fazer alguma coisa l. A d as

    peas do Ariano Suassuna. Da a pouco eles vol-tam para a falange. uma coisa histrica ferra-da que tem na minha cabea a respeito do Aria-no Suassuna e dessas personagens nordestinas.No sei o que . Talvez alguma coisa de ho-mrico, de dantesco, que um trao, um mis-trio e uma neblina. Eu quero mostrar o pro-cesso e o Z j no quer mostrar o processo. Foiassim , fodeu. E eu falo assim, se fode assim,se fode assado. Ele fala : injusto isso, muito

    injusto. Eu j mostro como o homem vai con-tra o homem, como sacaneia o outro homem.

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    E vo se beijando e vo se apunhalando. Com-preende? Eu gosto muito dessa relao do ho-mem com o homem. Mesmo o filho da puta eu

    adoro. Vem, faz, faz, mostra as suas garras. Opassarinho que est querendo fugir, o outro veme ele se entrega, hipnotizado, periga at serengolido. Isso me interessa. Ele no: (elevandoa voz) Esta cobra tem que ser revidada. E eugosto da relao humana. Eu gosto da pequenacoisa, do fascnio que de repente hipnotizadopor alguma coisa. Como que eu sou hipnoti-zado? Como que eu hipnotizo? E tem umaoutra coisa tambm, que complementa isso. Euquero que voc veja com bons olhos isso, e nocomo uma crtica. O Z, ele tinha como dire-tor de atores o Eugnio Kusnet, que morreu. Eleno sabe lidar com os atores no dia a dia, nocoisa a coisa. Ento ele no tinha mais sada pora e teve que ir por outro lugar.

    Sala Preta: Uma das caractersticas de nos-sa poca a perda de fronteiras entre as artescom interseces e imbricaes entre artes pls-ticas, msica, cinema e teatro. Como essa ten-dncia afeta o teu trabalho atual. Como as refe-

    rncias desses outros territrios entram no seuprprio territrio?

    Antunes Filho: Eu sempre, de certa ma-neira, entrei no territrio deles. A vida inteiraeu entrei nas artes plsticas e entrei no cinema.

    A vida inteira eu entrei em tudo que foi poss-vel, misturava, trazia as coisas pro meu teatro.Eu acho isso notvel, esse trans, essas inter ma-trias. Isso para mim no novo, no foi o ps-moderno que me trouxe. Eu j tava nessa. An-

    tes, eu j era louco. L embaixo, l no incio, euj era louco. Porque fui casado com uma artistagrfica, fui amigo de todos os grandes pintoresbrasileiros, de msicos, tambm, o grupo da bi-blioteca. Ento eu sempre fui meio metido nis-so, e no precisei do ps-modernismo para en-trar nessa. Eu como modernista, porque eu soumeio modernista, aceito o ps-moderno comouma espcie de modernismo. No significa es-tabelecer modelos hegemnicos, fascistas. Mas

    so necessrios modelos para orientar, porquese ficar s cegas no d. Se ficar s no Deleuze

    no d. Eu tenho ainda essa porra, objetivos, eobjetivos a gente precisa cuidar. Ento no obrigar as pessoas a pensarem de um jeito, mas

    sugerir. Se no daqui a pouco vamos virar aCasa de Orates, como na pea do Arthur Aze-vedo. Casa de malucos, e vamos cair no anr-quico puro. Para os grandes capitais para osgrandes cartis timo que a gente fique imbe-cil. Mas a gente tem uma obrigao como bra-sileiro de pouco a pouco trabalhar de maneira aajudar, mas no de ser tirnico. O CPT procu-rar ajudar as pessoas. Quantas pessoas estranhasque vieram aqui, no ganharam nada depois,mas esto vivas. um trabalho annimo, de for-miga e acho que o estamos cumprindo.

    Sala Preta: H mais de 40 anos, no Veredada Salvao voc buscava a interpretao brasi-leira e o Raul Cortez esteve com voc nessa pro-cura, que implicava inclusive em matar o pai, oprimeiro TBC. Como voc rev aquela pesqui-sa e a contribuio do Raul para o seu trabalho?

    Antunes Filho: O Raul foi um grandecompanheiro e eu inclusive tirei ele do TeatroOficina. Ele estava l, eu disse vem aqui e ele

    veio, louco. Eu me dava muito bem com o Raul.Eu vi o primeiro espetculo amador que ele fezali no Arena. Ele fazia um aviador e eu adorei.Depois, quando eu fiz Vereda da Salvao, eu ochamei para fazer l no TBC. Ali eu queria che-gar em um Brasil diferente, no sei o que euqueria. Eu era muito intuitivo. Eu fui muitopuxado para fazer aquilo, a terra, o cho. Aomesmo tempo aquilo me dava uma felicidadeenorme. Porque eu no sabia. Eu no tava que-

    rendo destruir nada do que havia. No era ico-noclasta. Destruindo o TBC, matando nin-gum. Eu estava respirando, mas aquele respiromatava todo mundo. Eu assoprava e o ninhoia. No estava com a preocupao de quebrarnada, a coisa se quebrava porque meu mpetoquebrava. Esta coisa Yang da gente, essa coisacriativa. Isso foi legal. Quando eu j fiz aqui noCPT, a j era uma homenagem, ao Jorge An-drade, e tinha a histria do Bispo (Arthur Bis-

    po do Rosrio) que eu peguei para fazer as lou-curas dele. Ento era uma coisa mais sofisticada

  • 7/29/2019 ANTUNES FILHO, Jos Alves. Antunes Filho e suas obsesses recorrentes

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    e l no era. Como se diz, era arte bruta. Foilegal. O Estado de S.Paulo fazia editorial contrao espetculo. E uma das pessoas que defen-

    deram muito o espetculo foi o Abujamra. De-pois fiquei muito amigo do Abujamra quandoestive em Paris com ele. Mas fez bem para oteatro brasileiro. Foi l que o teatro brasileirocomeou a mudar, eu sei que foi l. Mas nofoi pensado.

    Sala Preta: Ento agora Nelson, Senho-ra dos Afogados, e depois Lima Barreto? Nessecaso seria uma teatralizao?

    Antunes Filho: , seria uma teatralizaodo Policarpo Quaresma, mas pegando tambmo Recordao do Escrivo Isaas Caminha, e mis-

    turando com outros textos e com as biografias,para ver se d para fazer conexes desse loucogenial, o Lima Barreto . O Policarpo eu j ve-nho estudando h muito tempo, e estou indodevagar para ver se ser possvel fazer. outropersonagem que embora no seja picaresco ,de alguma maneira, tambm picaresco. Ibsen,Herzog, que um filo do Ibsen. So as coisasque me empolgam.