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i SORAIA DA SILVA ROCHA “ATUAÇÃO DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO: IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOFRIMENTO NO TRABALHO” CAMPINAS 2014

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SORAIA DA SILVA ROCHA

“ATUAÇÃO DOS COORDENADORES

PEDAGÓGICOS DA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE SÃO PAULO: IMPLICAÇÕES

POLÍTICAS E SOFRIMENTO NO TRABALHO”

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

SORAIA DA SILVA ROCHA

“ATUAÇÃO DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS DA

REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO:

IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOFRIMENTO NO

TRABALHO”

Orientador: Prof. Dr. Evaldo Piolli

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de

Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de

Políticas, Administração e Sistemas Educacionais.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA Soraia da Silva Rocha E ORIENTADA PELO PROF.DR. Evaldo Piolli

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Procedure of the pedagogic coordinators of the municipal schools

of São Paulo : political implications and suffering at work Palavras-chave em inglês: Pedagogical coordinator Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora: Evaldo Piolli [Orientador] José Roberto Montes Heloani Eduardo Pinto e Silva Data de defesa: 18-12-2014 Programa de Pós-Graduação: Educação

Rocha, Soraia da Silva, 1972-

R582a Atuação dos coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo : implicações políticas e sofrimento no trabalho / Soraia da Silva Rocha. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

Orientador: Evaldo Piolli. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação. 1. Coordenador pedagógico. I. Piolli, Evaldo,1963-. II. Universidade Estadual

de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

“ATUAÇÃO DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS DA REDE MUNICIPAL DE

ENSINO DE SÃO PAULO: IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOFRIMENTO NO

TRABALHO”

Autor: Soraia da Silva Rocha

Orientador: Prof. Dr. Evaldo Piolli

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação

defendida por Soraia da Silva Rocha e aprovada pela Comissão

Julgadora.

2014

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RESUMO

Este trabalho analisa a atuação dos coordenadores pedagógicos considerando as políticas

educacionais estabelecidas para a rede de ensino do município de São Paulo. O recorte

histórico escolhido para o desenvolvimento da pesquisa compreende o período de criação do

cargo de coordenador pedagógico, em 1985, interligado ao contexto de abertura política vivida

no país, com o fim da ditadura militar, ressoando expectativas para a efetivação da gestão

democrática na escola, e segue até os dias atuais. São analisados documentos da Memória

Técnica Documental da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, publicados durante a

gestão do prefeito Paulo Maluf e que, nos anos 1990, contribuíram de modo significativo para

a implementação da política de ‘qualidade total na educação’, interferindo no trabalho

desenvolvido pelos coordenadores pedagógicos. Para compreender melhor o lugar ocupado

por estes profissionais também são analisadas as atribuições prescritas aos mesmos, constantes

no edital de concurso de acesso, realizado em 2011, levando-se em conta a transferência do

modelo de organização empresarial para o campo educacional, presente nas diretrizes das

políticas educacionais vigentes. A realização de entrevistas semiestruturadas permite conhecer

o cotidiano dos coordenadores pedagógicos, constituído por desafios, obstáculos e sofrimento

no trabalho. É possível constatar que os princípios de caráter gerencial, presentes nas políticas

educacionais implementadas na rede de ensino do município de São Paulo, interferem de

modo significativo não só no trabalho desenvolvido pelos coordenadores pedagógicos, como

também contribuem para o comprometimento da saúde destes profissionais. Para reconstituir a

relação com o trabalho um dos entrevistados relata a importância de falar e ser ouvido por

outros coordenadores pedagógicos, capazes de entender as especificidades e dilemas próprios

da atuação. A pesquisa revela ainda que a palavra ‘falada e ouvida’ é imprescindível na

renegociação da organização do trabalho, mas, para tanto, deve concretizar-se prioritariamente

no espaço de atuação do coordenador pedagógico e não fora dele.

Palavras-chave: coordenador pedagógico – política educacional – trabalho

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ABSTRACT

This work analyses the procedure of the pedagogic coordinators regarding the educational

policies established for the municipal schools of São Paulo. The historical period chosen for

the development of research covers the period of creation of the post of pedagogical

coordinator, in 1985, linked to the context of political openness lived in the country, with the

end of military dictatorship, resonating expectations for effective democratic management in

school and continues until de present day. Documents of ‘Memória Técnica Documental’ from

the Department of Education of São Paulo published during the administration of Mayor Paulo

Maluf that, in the 1990s, contributed significantly to the implementation of ‘total quality in

education’, interfering with the work done by pedagogical coordinators, are analyzed. To

better understand the role played by these professionals are also analyzed assignments

prescribed to them, contained in the announcement of entrance test, conducted in 2011, taking

into account the transfer of the business organization model for the educational field, present

the guidelines of current educational policies.Conducting semi-structured interviews allows to

know the daily life of the pedagogical coordinators, consisting of challenges, obstacles and

suffering at work. It can be seen that the principles of managerial character, present in the

educational policies implemented in education network in the city of São Paulo, interfere

significantly not only in work done by pedagogical coordinators, but also contribute to the

impairment of health of these professionals. To reconstruct the relationship to work one of the

respondents reported the importance of speaking and being heard by other pedagogical

coordinators, able to understand the specifics and dilemmas of own activity. The research also

reveals that the word ‘spoken and heard’ is essential in the renegotiation of the organization of

work, but, for this, should be realized primarily in the space of action of the pedagogical

coordinator and not outside it.

Keywords: pedagogical coordinator – educational policy – work

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 21

CAPÍTULO 1. Coordenador pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo: criação do

cargo, definição de atribuições e implicações políticas, 29.

1.1. A criação do cargo nos governos Mario Covas (1983-1985) e Jânio Quadros (1986 -

1988): indefinições e descontinuidades entre o modelo democrático e o autoritário, 31.

1.2. A atuação do coordenador pedagógico na gestão de Luiza Erundina (1989-1992), 40.

CAPÍTULO 2. A política de qualidade total e o foco nos resultados: influência na atuação dos

coordenadores pedagógicos, 47.

2.1. A formação dos coordenadores pedagógicos na década de 1990: da qualidade total à

carícia essencial, 49.

2.2. O aprimoramento gerencial e a busca desenfreada pelos resultados, 60.

CAPÍTULO 3. Entre a produtividade e a inteligibilidade: desafios e contribuições no trabalho

dos coordenadores pedagógicos, 73.

3.1. Do desempenho à bonificação: a proposta de (des) valorização dos profissionais da

educação, 75.

3.2. As atribuições do coordenador pedagógico: organização prescrita & organização real do

trabalho, 85.

3.3. ‘Eu não sou bombeiro’: engenhosidade e superação do sofrimento, 88.

3.4. ‘A coisa tem que acontecer, a coisa tem que funcionar’: cooperação, 90.

CAPÍTULO 4. A saúde dos coordenadores pedagógicos: o sofrimento e o espaço da palavra,

93.

4.1. A subjetividade dos profissionais da educação sob a lógica empreendedora, 95.

4.2. ‘Fazer, fazer, fazer, não dou conta, não dou conta, não dou conta’: trabalho intensificado e

saúde mental, 97.

4.3. ‘O coordenador pedagógico não é o recheio do sanduíche’: isolamento e reconhecimento

no trabalho, 100.

4.4. ‘Eu tinha que tratar a cabeça’: sofrimento e adoecimento no trabalho, 104.

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4.5. ‘Hoje eu consigo falar, mas ninguém percebeu’: a negação do sofrimento e o espaço da

palavra, 108.

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 113.

BIBLIOGRAFIA, 119.

ANEXO I (Roteiro de entrevista), 127.

ANEXO II (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), 131.

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Para Helena e Luana

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Evaldo Piolli, pela confiança depositada e por estar

sempre pronto a me ouvir. Sua dedicação e competência foram imprescindíveis para que este

trabalho fosse concluído.

Aos membros da banca de qualificação, professores José Roberto Montes Heloani e

Eduardo Pinto e Silva. Seus apontamentos foram importantíssimos na definição dos rumos da

pesquisa.

Aos colegas da pós-graduação da FE/UNICAMP por partilharem diferentes

experiências e anseios acadêmicos.

Aos coordenadores pedagógicos entrevistados, pela generosidade com que expuseram

os dilemas vividos no trabalho.

Ao Getúlio pela paciência e companheirismo.

À Helena, que trouxe outras perspectivas para minha vida.

Aos meus pais, Gilson e Joselita, minha irmã Luciana e minha sobrinha Luana, pelo

exemplo de luta.

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LISTA DE SIGLA E ABREVIATURA

AD Assistente de Diretor

AVE Auxiliar de Vida Escolar

CEE Conselho Estadual de Educação

CEI Centro de Educação Infantil

CEPAL Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe

CEU Centro Educacional Unificado

CONAE Coordenadoria Geral dos Núcleos de Ação Educativa

CP Coordenador pedagógico

DOT-G Diretoria de Orientação Técnica - Gabinete

DRE Diretoria Regional de Educação

EMEDA Escola Municipal de Educação para Deficientes Auditivos

EMEI Escola Municipal de Educação Infantil

EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental

EMEFM Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio

EMEPG Escola Municipal de Ensino de Primeiro Grau

EMEPSG Escola Municipal de Ensino de Primeiro e Segundo Grau

FMI Fundo Monetário Internacional

GDE Gratificação por Desenvolvimento Educacional

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INDIQUE Índice de Qualidade da Educação

JEIF Jornada Especial Integral de Formação

MEC Ministério da Educação

PDE Prêmio de Desempenho Educacional

PEA Projeto Especial de Ação

PP Projeto Pedagógico

RME-SP Rede Municipal de Ensino de São Paulo

SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica

SME-SP Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

USP Universidade de São Paulo

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“Com o tempo, você vai empurrando a coisa com a barriga, meio pesadão. Sem qualquer alegria, garra ou crença,

cutucado pela necessidade da sobrevivência. Apenas. O pior, se existe um, é que esta ocupação sovina e instável

acaba como que atraindo azares, vícios, mortificações e levantando desejos de destruição, pespegando

sentimentos culposos”.

(JoãoAntônio)

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INTRODUÇÃO

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Esta pesquisa propõe uma análise da atuação dos coordenadores pedagógicos da rede

municipal de ensino de São Paulo que caracterize o lugar ocupado por estes profissionais,

tendo em vista as políticas educacionais que norteiam a organização da rede de ensino no

município de São Paulo desde a criação do cargo de CP até os dias atuais. Desta proposta de

investigação foram definidos os seguintes objetivos específicos:

Resgatar o cotidiano dos coordenadores pedagógicos, a partir da narrativa feita

por estes profissionais, a respeito das intervenções que promovem no desenvolvimento de suas

atividades, inclusive em função das normas e prescrições das politicas educacionais.

Compreender a relação subjetiva estabelecida pelos coordenadores pedagógicos

com o trabalho, considerando-se as relações de trabalho, a saúde desses profissionais e a

influência sobre eles das políticas educacionais vigentes.

Analisar as políticas educacionais que culminaram na criação do cargo em 1985

e que deram suporte à atuação e trajetória profissional, na década de 1990, seguindo até os

dias atuais.

É importante ressaltar que o campo educacional brasileiro, nas últimas décadas, vem

passando por mudanças, alterando significativamente o trabalho escolar. Cabe então, indagar,

em que condições e de que maneira os profissionais da educação vem desenvolvendo seu

trabalho, levando em conta as demandas a eles atribuídas, pelas políticas educacionais

vigentes.

Um fator que merece destaque diz respeito ao período histórico definido para

realização da pesquisa, que se inicia com a criação do cargo de coordenador pedagógico em

1985 e segue até dos dias atuais. Há que se levar em conta as influências dos marcos legais e o

contexto político e econômico que tem contribuído para definir o lugar estabelecido para os

coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo.

Na década de 1980, quando o cargo de coordenador pedagógico da RME-SP foi criado,

existia uma expectativa latente de que rumos mais democráticos fossem vivenciados pelos

profissionais que atuavam nas unidades escolares, daí a importância de retomar o contexto de

criação e definição das primeiras atribuições do CP, levando em conta os anseios de uma

gestão democrática do ensino público, tão almejados naquele momento histórico.

Cabe ressaltar que, nesta mesma década, a democratização do ensino tomou

significativa importância, ao ser elencada como um dos princípios contidos na Constituição

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Federal de 1988. Tal fato refletia diretamente na expectativa de atuação do coordenador

pedagógico, como membro da equipe gestora da escola.

A partir da década de 1990, o que se verifica é a proposição de políticas educacionais

supostamente preocupadas com aspectos qualitativos e de resultados, que vão gradativamente

dominando o campo educacional, com discussões de caráter gerencial e meritocrático. Neste

cenário, uma ideia ressignificada de autonomia ganha destaque e valorização, e o aspecto

técnico fica sobreposto ao contexto escolar, remetendo a um processo de exagerada

responsabilização dos trabalhadores da educação por tudo que ocorre nas unidades em que

atuam.

Para aqueles que trabalham nas escolas públicas, evidencia-se, de modo cada vez mais

crescente, a árdua tarefa de melhorar os níveis de aprendizado dos alunos, convertidos em

índices de rendimento e qualidade, que são definidos externamente ao ambiente escolar, mas

interferem diretamente no trabalho aí desenvolvido.

Através de políticas de avaliação/responsabilização, que atribuem aos profissionais da

educação a culpa pelo fracasso escolar dos alunos, o que frequentemente se observa é o

posicionamento exclusivamente avaliador assumido pela máquina estatal. O cotidiano dos

profissionais da educação, na rede pública de ensino, fica submetido a condições precárias de

trabalho e deles se exige a obtenção do máximo aproveitamento dos alunos, a custos mínimos.

Influenciados pelas políticas educacionais vigentes, os profissionais da escola pública

têm suas atribuições e desempenho definidos e regulados por metas e princípios de caráter

econômico; e que se apresentam em constante conflito com o contexto político e social em que

os mesmos atuam.

Ao considerar a relevância dessas mudanças para o campo da educação e, em especial,

para o trabalho organizado e desenvolvido na escola, foi definido o seguinte problema de

pesquisa: as políticas educacionais promovem interferências significativas na atuação dos

coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo, que remetem à

reestruturação da natureza de sua atividade laborativa e comprometem a relação subjetiva que

estes profissionais estabelecem com o trabalho?

Após a delimitação do problema, a formulação da hipótese se faz necessária, pois

sugere uma orientação ao estudo e permite que, ao final da pesquisa, a mesma seja confirmada

ou refutada.

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Entendendo que a atuação do coordenador pedagógico na rede municipal de ensino na

cidade São Paulo tem relevante importância quando analisada no contexto de implantação das

políticas educacionais, que orientam e viabilizam o cotidiano escolar, a seguinte hipótese se

apresenta:

Elementos fundamentais das mudanças ocorridas, no campo educacional, no

período que compreende a criação do cargo de CP e segue até os dias atuais, influenciam o

trabalho da coordenação pedagógica e talvez tenham até redefinido a atuação deste

profissional na unidade escolar.

Procedimentos Metodológicos

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que atende, sob o aspecto metodológico, três fases

distintas: a exploração de campo, as etapas do trabalho de campo e os procedimentos para

análise (Minayo, 2012).

Na fase de exploração de campo, a busca de dados para a pesquisa foi realizada no

acervo da Memória Técnica Documental da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo e

nos sites que possibilitam o acesso à legislação relacionada ao objeto estudado. Foram

selecionados textos de leis, decretos e portarias, diretamente ligados à criação do cargo de

coordenador e que venham contribuindo para nortear a atuação destes profissionais, bem como

documentos da SME-SP, que esclarecem as medidas adotadas pela administração municipal

para os coordenadores pedagógicos, desde a criação do referido cargo.

No trabalho de campo também foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com

perguntas abertas e fechadas, organizadas num roteiro previamente elaborado (anexo I), que

permitiu ao entrevistado realizar o relato sem precisar ficar preso rigidamente à pergunta

formulada pelo entrevistador. A opção por esta técnica buscou identificar elementos subjetivos

trazidos à tona pelos coordenadores pedagógicos ao expressar opiniões, sentimentos e

maneiras de atuar, expondo ideias a respeito do trabalho que desenvolvem (Minayo). Os

sujeitos entrevistados, e incluídos na pesquisa, são coordenadores pedagógicos que atuam na

rede municipal de ensino da cidade de São Paulo e que possuem, pelo menos, cinco anos de

atuação no referido cargo.

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Realizadas entre 2012 e 2013, as entrevistas foram gravadas, de modo a garantir o

registro fidedigno de seu conteúdo, sendo posteriormente transcritas para facilitar a fase de

análise do material coletado. Aos entrevistados foi dada a garantia do anonimato e de sigilo

sobre os dados e informações expostas. Os trechos dos depoimentos, incluídos neste trabalho,

e retirados das entrevistas, não apresentam os nomes dos coordenadores pedagógicos, citados

apenas como CP (1), CP (2) e CP (3); de modo a preservar a identidade dos mesmos,

respeitando inclusive o que consta no termo de consentimento livre e esclarecido, que foi lido

e assinado por estes profissionais, no momento da entrevista (anexo II). Cabe ressaltar que aos

entrevistados foram oferecidas informações a respeito da pesquisa, salientando-se aos mesmos

a importante contribuição dos depoimentos para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Coletados os documentos oficiais e transcritas as entrevistas, iniciou-se então a análise

de conteúdo do material, realizada através do procedimento metodológico de categorização,

que obedeceu a uma sucessão de fases: decomposição; divisão por categorias e análise

realizada com o auxílio do referencial teórico adotado. No conteúdo da pesquisa foram

identificadas as seguintes categorias: atribuições do coordenador pedagógico, organização do

trabalho, sofrimento, reconhecimento, comunicação/diálogo. Com isso, buscou-se ampliar o

sentido atribuído ao objeto da pesquisa, estabelecendo um diálogo entre o material coletado e

a fundamentação teórica selecionada (Minayo, 2012).

Assim, o presente trabalho é apresentado em quatro partes. No primeiro capítulo, faz-

se um resgate dos textos legais que ampararam a criação do cargo de coordenador pedagógico

na rede municipal de ensino de São Paulo, bem como definiram suas primeiras atribuições.

Para esta análise, realizou-se um recorte histórico que compreendeu as administrações dos

prefeitos Mário Covas, Jânio Quadros e Luiza Erundina; donde foi possível evidenciar que as

mudanças de gestão são acompanhadas da descontinuidade de políticas educacionais.

O segundo capítulo busca analisar princípios e formas de atuação dos coordenadores

pedagógicos a partir dos anos 1990. Na primeira parte deste estudo realiza-se a análise de

documentos da Memória Técnica Documental da Secretaria Municipal de Educação de São

Paulo, que garantem algum esclarecimento a respeito dos princípios que nortearam a educação

na cidade, no que concerne à política de ‘qualidade total na educação’ (durante a gestão de

Paulo Maluf), e que interferiram no trabalho desenvolvido por estes profissionais. Na segunda

parte, buscou-se inferir sobre as possíveis formas de atuação dos coordenadores pedagógicos,

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a partir das atribuições prescritas no edital de concurso de acesso, para este cargo, publicadas

no diário oficial da cidade em 22 de março de 2011.

No terceiro capítulo são abordados elementos das políticas gerencialistas que definem

a organização das unidades escolares da rede municipal de ensino de São Paulo; destacando-se

o modo como essas políticas têm influenciado o trabalho, a subjetividade e a saúde dos

coordenadores pedagógicos. São analisados alguns excertos de entrevistas realizadas com

estes profissionais, procurando identificar o lugar prescrito aos mesmos, bem como destacar

suas contribuições para a organização do trabalho na escola.

O quarto capítulo analisa o tratamento dado pela administração pública à saúde do

trabalhador, considerando a manipulação de sua subjetividade. Para tanto, são apresentados

alguns trechos das entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos da rede municipal

de ensino de São Paulo, que esbarram nas questões de sofrimento, reconhecimento e

adoecimento no trabalho.

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CAPÍTULO 1

COORDENADOR PEDAGÓGICO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO

PAULO: CRIAÇÃO DO CARGO, DEFINIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES E

IMPLICAÇÕES POLÍTICAS

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Neste capítulo faz-se um resgate dos textos legais que ampararam a criação do cargo de

coordenador pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo, bem como definiram suas

primeiras atribuições. Considera-se aí o contexto político e social vivido no país, destacando-

se a abertura democrática tão almejada, com o fim da ditatura militar. Para analisar a criação

do cargo de CP e a definição de suas primeiras atribuições, na administração municipal de São

Paulo, realizou-se um recorte histórico que abarca as gestões dos prefeitos Mario Covas, Jânio

Quadros e Luiza Erundina. Este estudo revela que as mudanças de gestão são acompanhadas

da descontinuidade de prioridades e ações definidas pelas políticas educacionais, a curto,

médio e longo prazo; o que remete à chamada ‘administração zig-zag’.

1.1. A criação do cargo nos governos Mario Covas (1983-1985) e Jânio Quadros

(1986-1988): indefinições e descontinuidades entre o modelo democrático e o

autoritário

Criado pela lei nº 9874 de 18 de janeiro de 1985, o cargo de coordenador pedagógico

destaca uma busca pela perspectiva democrática e compartilhada da administração escolar, nas

escolas da rede municipal de ensino de São Paulo. Refletindo um momento de abertura

política vivida no país, marcado pelo fim da ditadura militar, a lei 9874 foi assinada por Mario

Covas, prefeito nomeado pelo governo estadual e sua secretária municipal de educação

Guiomar Namo de Mello, no primeiro mês de seu último ano de governo.

A referida legislação não só reestruturou a carreira do magistério, incluindo – se aí a

criação do cargo de coordenador pedagógico, como também instituiu a evolução funcional

para os profissionais da educação da rede municipal de ensino.

De uma administração escolar focada na figura do diretor de escola, a criação do cargo

de coordenador pedagógico contribuía para o surgimento de um profissional da educação que

cuidaria, prioritariamente, da articulação e participação de todos os segmentos da escola:

funcionários, professores, alunos, pais e comunidade em geral; no que dizia respeito à tomada

de decisões, elaboração e desenvolvimento de projetos e ações da escola. De acordo com

PARO (1986, p. 160):

“uma teoria e prática de administração escolar que se preocupe com a superação da atual

ordem autoritária na sociedade precisa propor como horizonte a organização da escola em

bases democráticas. E para a Administração Escolar ser verdadeiramente democrática é

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preciso que todos os que estão direta ou indiretamente envolvidos no processo escolar

possam participar das decisões que dizem respeito à organização e funcionamento da

escola. Em termos práticos, isso implica que a forma de administrar deverá abandonar seu

tradicional modelo de concentração da autoridade nas mãos de uma só pessoa, o diretor –

que se constitui, assim, no responsável último por tudo o que acontece na unidade escolar

-, evoluindo para formas coletivas que propiciem a distribuição de autoridade de maneira

adequada a atingir os objetivos identificados com a transformação social”.

A atuação do coordenador pedagógico nasce no contexto de mobilização e participação

política do país e, mais especificamente, de abertura educacional para estimular um processo

decisório democrático, na escola. Seria este profissional um parceiro da equipe gestora da

escola que, juntamente com o diretor, buscaria novas formas de organização e atuação no

espaço educacional.

Seguindo as determinações do anexo III da lei 9874 de 18 de janeiro de 1985, foram

criados setecentos e dois cargos de coordenador pedagógico, para as escolas de 1º e 2º graus.

Desses, trezentos já exerciam a função de assistente pedagógico de 1º grau, trezentos atuavam

como orientadores educacionais e outros dois exerciam, respectivamente, as atividades de

orientador educacional de deficientes auditivos e assistente pedagógico de deficientes

auditivos. Desta maneira, cem cargos foram originariamente criados para novos

coordenadores pedagógicos, a serem ocupados por professores já atuantes na rede municipal

de ensino.

Ainda, de acordo com o anexo III, foram criados trezentos e cinquenta cargos de

coordenador pedagógico para a educação infantil, o que se traduz num avanço para esta etapa

da educação, quando verifica-se que o número de assistentes pedagógicos que aí atuavam não

chegava a dez.

Se a legislação em análise apresenta um ganho considerável para os profissionais da

educação, com a reestruturação da carreira do magistério de São Paulo, também evidencia um

fracionamento da rede municipal de ensino, no que diz respeito aos profissionais que atuam na

educação infantil e no 1º e 2º Graus. Conforme mostra o anexo III da lei 9874 de 19 de janeiro

de 1985, o trânsito para atuação, de uma modalidade de ensino a outra, não era permitido a

nenhum profissional: Supervisor de Ensino, Diretor de Escola, Coordenador pedagógico,

Professor. Notória é, portanto, a visualização de três sub-redes (educação infantil, ensino de 1º

grau e ensino de 2º grau) dentro da rede de ensino, organizada de modo estanque e isolada.

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Vale ressaltar ainda, entre os requisitos para provimento do cargo de coordenador

pedagógico, a experiência mínima de três anos na carreira do magistério municipal. Este

critério define um perfil profissional, aos ocupantes do referido cargo, de modo que os

mesmos construam um histórico de atuação na sala de aula, antes de assumir a coordenação.

Esse requisito, de experiência anterior como docente, também se fez válida para os

orientadores educacionais, assistentes pedagógicos, supervisores de ensino, bem como para os

diretores de escola, conforme determina o anexo III, da lei 9874, de 19 de janeiro de 1985.

Essa característica profissional já se constitui matéria de estudo e amplo debate, destinado a

contribuir com os profissionais que atuam na administração escolar, das escolas brasileiras.

A escolha por cargos de gestão educacional, de acordo com a lei 9874, não se faz em

início de carreira, mas a partir de uma história profissional vivenciada, primeiramente, em sala

de aula. Nesse sentido, defendeu Anísio Teixeira, 1968, p.14 apud OLIVEIRA, 2010, p.137, a

respeito do diretor de escola: “[...] somente o educador ou o professor pode fazer

Administração Escolar. Administração de ensino ou de escola não é carreira especial para que

alguém se prepare desde o início, por meio de curso especializado, mas opção posterior que

faz o professor ou educador já formado e com razoável experiência de trabalho”.

Mergulhado num contexto político e social demarcado pela abertura, luta e construção

da democracia no Brasil, destacando-se, por exemplo, a eleição de Tancredo Neves para

presidente da república em janeiro de 1985, o cargo de coordenador pedagógico nasce com

todas as potencialidades para cultivar, no espaço educacional, as discussões, reflexões e

encaminhamentos definidos por todos os segmentos da escola. Para OLIVEIRA (2010, pp.

137 – 138):

“A década de 80, no Brasil, apresentou-se como um período muito fecundo de conquistas

democráticas para a sociedade brasileira e especificamente para a educação pública. Após

vinte e um anos de ditadura militar, os anos 80 representaram o momento da abertura

política, o que veio acompanhado de manifestações de luta dos trabalhadores muito

diversas nas suas formas e conteúdos”.

A autonomia da escola, nesse contexto político, brotava das promessas de uma

administração escolar que dirigiria suas demandas administrativas, pedagógicas e financeiras,

levando em conta a realidade local; e o coordenador pedagógico parecia ter papel central nesse

novo cenário. Conforme OLIVEIRA, 2010, p 138:“A possibilidade de cada estabelecimento

de ensino elaborar seu projeto pedagógico, definir seu calendário, eleger diretamente seu

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diretor, constituir colegiados, entre outras possibilidades criadas a partir das reformas iniciadas

nos anos 80 e aprofundadas nos 90, representa grandes conquistas”.

Afirma OLIVEIRA (2010, p 139):

“Os anos 80 foram singulares para os trabalhadores da educação no

reconhecimento de sua condição profissional e na redefinição de sua identidade

como trabalhadores. As pesquisas da época revelam os movimentos desses

trabalhadores em busca de uma escola pública democrática que contemplasse as

condições de trabalho como fator indispensável à realização de um ensino de

qualidade. Contudo, esses movimentos não foram suficientes para forjar condições

de trabalho que correspondessem às necessidades de uma educação pública,

democrática e para todos”.

Esse momento de mudança e redefinição profissional é uma questão central vivida, nos

anos 80, pelos orientadores educacionais, assistentes pedagógicos e professores que passariam

a ocupar os setecentos e dois cargos de coordenador pedagógico no ensino de 1º e 2º graus; e

trezentos e cinquenta cargos na educação infantil, definidos pela lei 9874 de janeiro de 1985.

Essa legislação, no entanto, não esclarece as atribuições desses profissionais, sua atuação não

se define aí.

Em dezembro de 1985, com a publicação do Decreto nº 21.811, as atribuições do cargo

de coordenador pedagógico começam a se delinear. Se da criação do cargo à definição de suas

atribuições passaram-se onze meses (19 de janeiro de 1985 – 27 de dezembro de 1985); o que

se revelaria, para este profissional, no decreto publicado na última semana de gestão do

governo Mario Covas, são retrocessos e não avanços.

A começar pelo caráter de implementação política verticalizada e imediatista, o decreto

nº 21.811 passa a depender, por conta de seu período de publicação e vigência, do próximo

mandato municipal. Na semana seguinte a essa publicação assumiria a administração da

cidade de São Paulo o prefeito eleito Jânio Quadros, que toma posse em 01/01/1986 - data em

que a referida legislação entra em vigor.

Com a publicação de 27 de dezembro de 1985, o governo Mario Covas institui, assim,

o Regimento Comum das Escolas Municipais de São Paulo. No capítulo I, denominado Da

Equipe Escolar, o decreto 21.811, apresenta em seu artigo 9º, inciso I, a Equipe Técnica das

escolas municipais, da qual fazem parte: o diretor de escola, o assistente de direção e os

coordenadores pedagógicos.

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A partir da Seção II, denominada Da Coordenação Pedagógica, artigos 16, 17 e 18, a

atuação do coordenador pedagógico começa a ser definida na rede municipal de ensino de São

Paulo, através do decreto 21.811 de 27 de dezembro de 1985:

“Seção II

Da Coordenação Pedagógica

Artigo 16 – A Coordenação Pedagógica deve ser entendida como o processo integrador

das ações pedagógicas e didáticas desenvolvidas na escola.

Artigo 17 – A Coordenação pedagógica é exercida pelo ocupante do cargo de

Coordenador Pedagógico, de provimento efetivo, de acordo com a legislação em vigor e

na seguinte conformidade:

I – As EMPG’s e a EMPSG’s terão 02 (dois) Coordenadores Pedagógicos que atuarão

segundo um plano único e integrado para toda a unidade, estabelecendo uma divisão de

trabalho que garante obrigatoriamente a presença e o atendimento pelos coordenadores, a

todos os turnos e modalidades de ensino;

II – As EMEI’s terão 01 (hum) Coordenador Pedagógico que deverá atender,

alternadamente, todos os turnos de funcionamento;

III – Nas EMEI’s a coordenação pedagógica ficará a cargo do Diretor de Escola;

IIII – A EMEDA terá 02 (dois) Coordenadores Pedagógicos que deverão atender a todas

as modalidades de ensino da escola, cuja ação se regerá pelos mesmos princípios

estabelecidos no inciso I deste artigo”.

De acordo com essa legislação, este profissional é articulador das ações desenvolvidas

no espaço escolar, tendo como foco de atuação, coordenar as ações pedagógicas e didáticas,

caracterizando-se, de certo modo, sua atribuição.

O artigo 17 do Regimento Comum das Escolas Municipais determina que o exercício

da coordenação pedagógica seja ocupado por provimento de cargo efetivo. Em seus incisos, I

e II, esse artigo define, respectivamente, dois coordenadores pedagógicos para atuação em

cada uma das escolas municipais de primeiro e segundo graus (EMPG e EMPSG) e um para

cada uma das escolas de educação infantil (EMEI).

É no inciso III, artigo 17, do decreto 21.811 de 27 de dezembro de 1985, que se

verificará uma mudança substancial, em relação ao que se propôs no anexo III, da lei 9874 de

19 de janeiro de 1985. Enquanto esta última determinou a criação de trezentos e cinquenta

cargos de coordenador pedagógico de educação infantil, ocupados por concurso de acesso

dentre os professores titulares de educação infantil, com experiência mínima de três anos na

carreira do magistério municipal, com habilitação em orientação educacional ou supervisão

escolar, correspondente à licenciatura plena em pedagogia ou complementação pedagógica; a

primeira retrocedeu passando para as mãos do diretor de escola de educação infantil a

incumbência de realizar a coordenação pedagógica, nas EMEIs.

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Verifica-se que, passado quase um ano, de janeiro a dezembro de 1985, as definições

estabelecidas na lei 9874 não ganharam força e materialização no Regimento Comum das

Escolas Municipais, publicado pelo decreto 21.811. Se esta legislação traz a possibilidade de

prescrever as primeiras atribuições do coordenador pedagógico, é ela também que repassa esse

tenro ofício para as mãos do diretor de escola da educação infantil.

Cabe pensar, a partir do que determina o inciso III, artigo 17 do decreto 21.811 de 27

de dezembro de 1985, se não haveria aí uma intensificação de trabalho para o diretor de escola

de educação infantil, bem como o abortamento do trabalho do coordenador pedagógico que aí

atuaria.

Ainda no decreto 21.811, o artigo 18 definirá as atribuições do coordenador

pedagógico, prescritas por três eixos principais: participação do planejamento escolar,

acompanhamento da execução do plano escolar, acompanhamento do processo de avaliação e

aproveitamento nos diferentes componentes curriculares ou atividades de cada série, estágio,

classe ou turno. Assim propõe o referido decreto:

“Artigo 18 – Cabe ao Coordenador Pedagógico:

I – Participar do Planejamento Escolar;

II – Acompanhar a execução do Plano Escolar:

(a) Coordenando e avaliando as propostas pedagógicas da escola, com base na

programação estabelecida pelo órgão competente da Secretaria Municipal de Educação, de

modo a promover a integração horizontal e vertical, consideradas todas as séries, estágios,

termos, turnos e modalidades de ensino em funcionamento na unidade escolar;

(b) Coordenando e avaliando projetos específicos da escola nos vários estágios, séries,

classes, termos ou turnos;

(c) Organizando, juntamente com a direção, as reuniões pedagógicas;

III – Acompanhar o processo de avaliação do aproveitamento nos diferentes componentes

curriculares ou atividades de cada série, estágio, termo, classe ou turno, com o objetivo

de:

(a) Obter uma visão geral do desempenho docente e discente;

(b) Detectar possíveis inadequações da proposta pedagógica;

(c) Discutir com o professor ou com a Equipe Escolar, quando necessário,

possíveis soluções alternativas;

(d) Detectar, junto com os professores casos de alunos que apresentem problemas

específicos, orientando decisões que proporcionem encaminhamento e/ou atendimento

adequado, pela escola, família e outras instituições;

(e) Assumir pessoalmente a orientação da família e / ou o contato com outras instituições

nos casos dos alunos mencionados no ítem (d), ou orientar esses contatos caso os mesmos

sejam realizados pelo (s) professor(es);

(f) Acompanhar e manter-se informado a respeito do atendimento dos alunos

mencionados no ítem d, nos casos em que os mesmos tenham sido encaminhados para

outras instituições, transmitindo essas informações à Equipe Técnica e ao (s) professor(es)

responsáveis, quando necessário”.

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O primeiro eixo de atribuição do coordenador – participação do planejamento escolar –

não está detalhado no corpo da lei. O artigo 18 não deixa claro como essa participação se

efetivará. Se por um lado a ação profissional prescrita torna-se vaga e indefinida, colocando-o

numa posição de ‘possível faz-tudo’; por outro, a legislação parece garantir um foco de

atuação para este profissional, que permanece mais centrada nos aspectos pedagógicos da

organização da escola.

No segundo eixo de atribuições – acompanhamento da execução do plano escolar – são

evidenciados os limites políticos de atuação do coordenador pedagógico, que parecem

confrontar os anseios de autonomia da escola, tão presentes nos debates educacionais da

década de 80, no contexto de construção democrática vivida no Brasil.

Cabe verificar que esse texto de lei não só limita, mas caracteriza um aspecto de

execução, de cumprimento de tarefas para o trabalho a ser desenvolvido pelo coordenador

pedagógico. A utilização dos termos ‘integração horizontal e vertical’ (artigo 18, inciso II,

alínea a) remonta a propostas educacionais autoritárias e, mais uma vez, herdadas de regimes

políticos caracterizados pela imposição e homogeneização de programas educacionais.

O descompasso entre o período de efervescência política vivido no país e as

determinações do artigo 18, do decreto 21.811 de 27 de dezembro de 1985, parece apontar

para contradições criadas no cotidiano das escolas, demarcando o campo da educação

municipal de São Paulo, por uma sequência de avanços e retrocessos. Nos anos 80, segundo

OLIVEIRA (2010, p. 138):

“A gestão democrática da educação passa a representar a luta pelo reconhecimento da

escola como espaço de política e trabalho, onde diferentes interesses podem se confrontar

e, ao mesmo tempo, dialogar em busca de conquistas maiores. A defesa da autonomia,

entendida como o espaço de explicitação da política, da possibilidade da própria escola

refletir sobre si mesma e adequar-se à realidade local, como exercício de

autodeterminação, vai resultar na busca de novas formas de gestão escolar”.

No terceiro eixo de atribuições do coordenador pedagógico – acompanhamento do

processo de avaliação do aproveitamento nos diferentes componentes curriculares ou

atividades de cada série, estágio, termo, classe ou turno - o foco avaliativo não se encontra no

processo ensino – aprendizagem, mas no desempenho de professores e alunos.

Nas alíneas (a), (b) e (c), inciso III, do artigo 18, do decreto 21.811, o uso dos termos

‘desempenho’, ‘inadequações da proposta pedagógica’ e ‘soluções alternativas’ acenam para

a organização do trabalho do coordenador pedagógico, voltada para o controle do trabalho

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docente e marcada pela presença da burocracia. Ao abordar a questão das relações de poder e

suas implicações na manutenção da estrutura escolar, afirma TRAGTENBERG (2010, p. 14):

“Dessa forma, a escola se constitui num observatório político, um aparelho que permite o

conhecimento e o controle perpétuo de sua população por meio da burocracia escolar, do

orientador educacional, do psicólogo educacional, do professor ou até dos próprios alunos.

É a estrutura escolar que legitima o poder de punir, que passa a ser visto como natural. Ela

faz com que as pessoas aceitem tal situação. É dentro dessa estrutura que se relacionam os

professores, os funcionários técnicos e administrativos e o diretor”.

Importante destacar ainda, que fica definida como atribuição do coordenador

pedagógico a orientação, acompanhamento e encaminhamento a outras instituições dos casos

de alunos que apresentem problemas específicos, conforme apontam as alíneas (d), (e) e (f) da

legislação em estudo. Não se esclarecem, pelo texto da lei, quais são os problemas específicos

aí abarcados. A prescrição do trabalho do coordenador encontra-se pouco definida, quando se

leva em conta a especificidade dos problemas enfrentados nas escolas. É no cotidiano das

escolas, na rotina vivenciada de trabalho, que o coordenador pedagógico se defrontará com

esses problemas específicos. De acordo com DEJOURS (1999, p. 28):

“Já vimos que o ajustamento da organização do trabalho para construir a chamada

organização real do trabalho supõe a mobilização do zelo individual, ou seja, da

inteligência, da imaginação e da iniciativa. Mas mesmo dessa forma o problema está

sendo muito simplificado. A dificuldade principal, na verdade, é externa a isso, situa-se no

nível da coordenação dos quebra-galhos, entre as pessoas do coletivo do trabalho ou da

equipe. O problema colocado aqui é o da cooperação”.

Definidas as atribuições do coordenador pedagógico para atuação nas escolas de 1º e 2º

graus, lembrando que na educação infantil as mesmas seriam desenvolvidas pelo diretor de

escola, caberia então aguardar o início da vigência do Regimento Comum das Escolas

Municipais, em 01/01/1986.

Verifica-se, no entanto, que a mudança de gestão municipal, nessa data, trouxe

consequências diretas para o cumprimento dessa legislação, na rede de ensino de São Paulo,

pois em 04 de janeiro de 1986, o prefeito Jânio Quadros publica, juntamente com seu

secretário municipal de educação Paulo Zingg, o decreto nº 21.839 de 03 de janeiro de 1986,

revogando, na íntegra, o decreto 21.8111, de 27 de dezembro de 1985.

Além do caráter autoritário apresentado pelo conteúdo e formato da legislação

(decreto), a decisão do prefeito recém-chegado revela um seccionamento na implementação de

políticas educacionais, na rede municipal de ensino. Para CUNHA (2009, pp. 474- 475):

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“Os padrões de gestão da rede pública que prevalecem são os que, à falta de melhor

denominação, chamo de administração “zig-zag”: as mais diferentes razões fazem com

que cada secretário de educação tenha o seu plano de carreira, a sua proposta curricular, o

seu tipo de arquitetura escolar, as suas prioridades. Assim os planos de carreira, as

propostas curriculares, a arquitetura escolar e as prioridades mudam a cada quatro anos,

frequentemente até mais rápido, já que nem todos permanecem à frente da secretaria

durante todo o mandato do governador ou do prefeito”.

Foram quatro os argumentos apresentados para a revogação do Regimento Comum das

Escolas Municipais e os mesmos aparecem logo no início do decreto nº 21.839:

“Decreto nº 21.839, de 03 de janeiro de 1986.

Revoga em todos os seus termos, o Decreto nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985, e dá

outras providências.

Jânio da Silva Quadros, Prefeito do Município de são Paulo, usando das atribuições legais

que lhe são conferidas por lei, e

Considerando que o Regimento Comum das Escolas Municipais, instituído pelo Decreto

nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985, não reflete as diretrizes a serem traçadas pela atual

Administração na área do Ensino Municipal;

Considerando que o aludido Regimento não foi, na fase dos estudos que o antecederam,

submetido a uma apreciação mais ampla por parte da comunidade escolar;

Considerando que, do seu exame pelo Egrégio Conselho Estadual de Educação,

questionou-se a legalidade de alguns de seus dispositivos;

Considerando finalmente, a necessidade de uma melhor avaliação de seu conteúdo,

visando à sua plena adequação às exigências e interesses do Ensino Municipal em todos

os seus níveis,

DECRETA:

Art. 1º - Fica revogado, em todos os seus termos, o Decreto nº 21.811, de 27 de dezembro

de 1985, que instituiu o Regimento Comum das Escolas Municipais, para vigência a partir

de 1º janeiro de 1986”.

Os quatro argumentos, apresentados para sustentar a revogação do Regimento Comum

das Escolas Municipais de São Paulo, evidenciam o estancamento das políticas educacionais

definidas na gestão anterior, bem como promovem uma desorganização no trabalho

desenvolvido pelos profissionais da rede municipal de ensino de São Paulo, tendo como

característica central a descontinuidade de prioridades e ações definidas pelas políticas

educacionais, a curto, médio e longo prazo. É a chamada administração ‘zig-zag’, que segundo

CUNHA (2009, p. 475) traz consequências prejudiciais para as escolas de 1º e 2º graus:

“A primeira consequência é a impossibilidade de se avaliarem as políticas educacionais, o

que só se pode fazer após um certo tempo de maturação, nem sempre curto. Outras

políticas públicas podem ser avaliadas em pouco tempo, como a política habitacional e até

a política de saúde. A política educacional, não, pois seus efeitos só se materializam

muitos anos depois do ato pedagógico. Além da impossibilidade de se avaliar, a

administração “zig-zagueante” impede que os efeitos positivos das políticas educacionais

se somem umas às outras, pois nem bem uma começa a fazer valer seus efeitos, já se

muda para outra direção”.

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Tendo em vista a revogação do Regimento Comum, estabelecida pelo decreto 21.839

de 03 de janeiro de 1986, voltam a vigorar, conforme artigo 2º deste mesmo decreto, as

portarias nº 9399, de 28 de dezembro de 1982 (Regimento Comum das Escolas Municipais de

Educação Infantil); 9517, de 30 de dezembro de 1982 (Regimento Comum das Escolas

Municipais de 1º grau) e 6979, de 09 de novembro de 1976 (Regimento Comum das Escolas

Municipais de Ensino Supletivo).

Nesta perspectiva, verifica-se que as atribuições do coordenador pedagógico que

constavam na legislação revogada, deixam de ser contempladas na legislação que passa a

vigorar, já que as portarias, reestabelecidas pelo decreto nº 21.839, são anteriores inclusive à

lei de criação do cargo de CP, que foi publicada em 19 de janeiro de 1985.

A atuação do coordenador pedagógico inexiste para as legislações em vigor, durante

toda a gestão do prefeito Jânio Quadros. Esses profissionais continuam nas escolas, pois a lei

de criação do cargo os respalda, mas nenhum texto legal ampara e formata a atuação dos

mesmos, o que se traduz noutra consequência danosa, apontada por CUNHA (2009, p. 475):

“A segunda consequência é ainda mais grave do que a primeira: é a desconfiança que os

professores desenvolvem diante das mudanças que lhes acenam a cada início de gestão.

Os docentes e os especialistas em educação desenvolvem uma sadia resistência diante dos

intentos mudancistas, já que não sabem quanto tempo vão durar. Uma consequência

derivada é que esse hábito de resistir às mudanças inconsequentes acaba por se fixar e

fazer com que não se aceite até mesmo as políticas educacionais mais sadias e

apropriadas”.

Onze meses após a criação de seu cargo, o coordenador pedagógico da rede municipal

de ensino de São Paulo, passa a ter suas atribuições oficialmente definidas, pelo período de

três dias – 01/01/1986 a 03/01/1986; interrompidas pela revogação da legislação que amparava

a sua atuação. Este profissional parece tornar-se invisível aos olhos da própria gestão da

educação municipal de São Paulo. Conforme aponta CUNHA (2009, pp. 482 – 483):

“Se a democratização da educação brasileira vem a muito custo ocorrendo por força da

participação popular, principalmente pelo voto, o recuo também tem acontecido por efeito

dessa mesma força. Do mesmo modo que os governantes (prefeitos e governadores)

fizeram avançar a reorganização da educação segundo parâmetros democráticos, também

foram eleitos pelo voto popular direto aqueles que levaram ao retrocesso”.

1.2. A atuação do coordenador pedagógico na gestão de Luiza Erundina (1989-1992)

Na gestão da prefeita Luiza Erundina, o Regimento Comum das Escolas Municipais,

contemplado pelo decreto 21.811, de 27 de dezembro de 1985, volta a vigorar. Isto significa

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que, do período de criação de seu cargo - em janeiro de 1985 até janeiro de 1989, os

coordenadores pedagógicos atuavam nas escolas municipais de 1º e 2º graus de São Paulo,

sem que suas atribuições estivessem definidas e reconhecidas pela legislação municipal.

A partir da análise aqui desenvolvida, verifica-se uma rotina de trabalho do

coordenador pedagógico pouco amparada, no que diz respeito à sua atuação, sua função. Há

que se considerar que estes profissionais iniciaram uma trajetória de trabalho demarcada pela

precariedade e sofrimento. Em sua pesquisa, afirma CHRISTOV (2004, p. 62): “Ao sair de

algumas escolas, senti muitas vezes que as coordenadoras, diante da interrupção de sua

função, estavam sendo levadas a um estresse e a acreditar que são impotentes e nada podem

fazer contra um sistema que desvaloriza cotidiana e pertinazmente sua função essencial”.

A constituição do trabalho da coordenação pedagógica na rede pública de ensino da

cidade de São Paulo tem relevante importância e entendimento, quando analisada no contexto

de implantação de políticas públicas, que orientam e viabilizam o cotidiano escolar.

A caracterização do trabalho do coordenador pedagógico deve ser realizada numa

constante relação com as políticas públicas educacionais e seus reflexos no cotidiano escolar,

pois elementos fundamentais das mudanças ocorridas desde o ato de criação deste cargo

influenciam o trabalho da coordenação pedagógica e, talvez, tenham até redefinido a atuação

deste profissional na unidade escolar, fato que já se comprovou na rede estadual de ensino de

São Paulo, conforme relata a professora CHRISTOV (2008, p. 124):

“No cotidiano das escolas da rede estadual, os coordenadores auxiliam a direção a

organizar dados sobre a infraestrutura, a cuidar de questões disciplinares, permanecendo

inclusive nos portões em momentos de entrada e saída de estudantes. Metáforas como

bombeiros, polvos e Bombril associadas ao coordenador pedagógico sugerem seu papel de

apagador de incêndios ou de animal de muitos braços ou, ainda, agente de mil e uma

utilidades”.

Em 03 de janeiro de 1989, logo após assumir a prefeitura de São Paulo, Luiza

Erundina publica, juntamente com seu secretário municipal de educação Paulo Reglus Neves

Freire, o decreto nº 27.614, de 01 de janeiro de 1989, revogando o decreto nº 21.839, de 03 de

janeiro de 1986, publicado pelo prefeito Jânio Quadros no início de seu mandato. Desse modo,

o Regimento Comum das Escolas Municipais, publicado durante o governo Mario Covas,

volta a vigorar.

Mais uma vez, durante outra troca de mandato, da gestão de Jânio Quadros para a

gestão de Luiza Erundina, a administração denominada por CUNHA, como ‘zig-zag’, ganha

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destaque. Os argumentos utilizados pela recém-chegada prefeita para revogar o decreto

publicado por Jânio Quadros apontam exatamente o inverso daquilo que o referido prefeito

expôs, quando de sua publicação:

“Decreto nº 27.614 de 1º de janeiro de 1989

Revoga o Decreto nº 21.839, de 03 de janeiro de 1986, e revigora o Decreto nº 21.811, de

27 de dezembro de 1985, referentes ao Regime Comum das Escolas Municipais.

Luiza Erundina de Sousa, Prefeita do Município de São Paulo, usando das atribuições que

lhe são conferidas por lei e,

Considerando que o Regimento Comum das Escolas Municipais, estabelecido pelo

Decreto nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985, foi amplamente discutido por toda Rede

Municipal de Ensino, bem como aprovado pelo Conselho Estadual de Educação, sendo,

por esta razão, um documento que sintetiza as expectativas de professores, alunos, pais e

servidores das Escolas do Município;

Considerando que a revogação do referido decreto, pelo Decreto nº 21.839, de 03 de

janeiro de 1986, ao contrário de se revelar uma medida oportuna, representou abrupta e

arbitrária interrupção do processo de discussões, então em andamento,

Decreta:

Art. 1º - Fica revogado, em seu inteiro teor, o Decreto nº 21.839, de 03 de janeiro de 1986,

e revigorado, em todos os seus termos, o Decreto nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985”.

Nestas condições, os coordenadores pedagógicos voltam a ter, passados quatro anos de

criação de seu cargo, as suas atribuições definidas, através do decreto 21.811, de 27 de

dezembro de 1985. Durante esse período de ausência de legislação que amparasse sua atuação,

muitas ações foram desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos que já atuavam nas

escolas da rede municipal de ensino.

A revogação do decreto 21.839 de 03 de janeiro de 1986 não pode ser considerada um

significativo avanço para a atuação dos coordenadores pedagógicos, pois a legislação que

volta a vigorar já demonstra fragilidades, no que diz respeito à realidade da escola, naquele

momento.

A necessidade de modificação, correção e adequação do Regimento Comum das

Escolas Municipais de São Paulo, publicado pelo decreto 21.811 de 27 de dezembro de 1985,

era urgente. Havia um nítido descompasso entre as demandas trazidas pela rede municipal de

ensino e a legislação que a respaldava.

A carência de um novo Regimento fomentou, durante o mandato da prefeita Luiza

Erundina, um processo de discussão e construção de um novo documento que (re) organizasse

as escolas da rede municipal de ensino de São Paulo. Daí nasceu, em 1992, o novo Regimento

Comum das Escolas Municipais de São Paulo.

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Cabe destacar que a gestão da prefeita Erundina ocorreu, na cidade de São Paulo, no

período de janeiro de 1989 a dezembro de 1992. Ao assumir a referida administração, o

quadro geral da rede municipal de ensino era precário, principalmente quando levado em conta

o baixo investimento realizado pela gestão anterior, no campo da educação.

No período de janeiro de 1989 a maio de 1991, o secretário de educação Paulo Freire

defendeu a implementação de proposta político-pedagógica nas escolas municipais de São

Paulo, buscando privilegiar seu caráter público, popular, democrático e de qualidade.

O que se verificou, na área da educação, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina,

foi a consolidação da organização das escolas por colegiados. O Conselho de Escola foi

valorizado como órgão deliberativo, o que favoreceu a representatividade dos diferentes

segmentos da escola; além da garantia dada à mesma para a realização de projetos, que

remetiam ao reconhecimento de sua autonomia. É o que podemos constatar, ao realizar a

leitura do Regimento Comum das Escolas Municipais, instituído pelo decreto 32.892/92,

artigos 7º, 8º e 9º:

“Título II

DA GESTÃO DA ESCOLA

Artigo 7º A gestão da escola deve ser entendida como um processo que rege o seu

funcionamento, compreendendo a tomada de decisão, planejamento, execução,

acompanhamento e avaliação referentes à política educacional no âmbito da unidade

escolar, com base na legislação em vigor e de acordo com as diretrizes fixadas pela

Secretaria Municipal de Educação.

Artigo 8º A gestão da escola será desenvolvido de modo coletivo, sendo o Conselho de

Escola a instância de elaboração, deliberação, acompanhamento e avaliação do

planejamento e do funcionamento da Unidade Escolar.

CAPÍTULO I

DO CONSELHO DE ESCOLA

Artigo 9º O Conselho de Escola é um colegiado constituído, de acordo com as normas

traçadas neste Regimento, por membro nato, por representantes das demais categorias de

servidores em exercício nas escolas municipais, por representantes dos pais e por

representantes dos alunos.

Parágrafo Único – A atuação e representação de qualquer dos integrantes do Conselho de

Escola visará ao interesse maior dos educandos, inspiradas nas finalidades e objetivos da

educação pública e popular da Rede Municipal de São Paulo”.

Durante toda gestão (1989 – 1992), foram organizados grupos de discussão que

priorizavam a escuta das necessidades apontadas pela própria rede municipal, fomentando

assim a construção do documento intitulado “Regimento Comum das Escolas Municipais”,

aprovado em 05/08/1992 pelo Parecer CEE 934/92.

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Em 23 de dezembro de 1992, a prefeita Luiza Erundina publicou o decreto nº 32.892,

através do qual instituiu o Regimento Comum das Escolas Municipais. Cabe aqui realizar uma

breve análise deste documento, considerando as contribuições trazidas pelo mesmo para a

atuação do coordenador pedagógico da rede municipal de ensino de São Paulo.

Utilizando o decreto nº 21811, de 27 de dezembro de 1985, como parâmetro

comparativo para a análise do Regimento Comum das Escolas Municipais, constatou-se que

nos dois documentos o entendimento a respeito do trabalho da coordenação pedagógica

permaneceu inalterado, sendo o mesmo “entendido como processo integrador das ações

pedagógicas e didáticas desenvolvidas na escola”. O que se verificará, no entanto, é uma

mudança nas atribuições definidas para o coordenador pedagógico.

Com o Regimento Comum das Escolas Municipais, aprovado durante a gestão da

prefeita Luiza Erundina, coube ao coordenador pedagógico não só acompanhar a execução do

Plano Escolar, mas participar da elaboração do mesmo, juntamente com a equipe escolar e o

Conselho de Escola. Se tal tarefa lhe era atribuída no decreto nº 21.811/85 de modo isolado,

com o Regimento aprovado em 1992, essa atribuição passa a ser compartilhada com outras

instâncias da escola.

Outro aspecto que trouxe um diferencial para atuação dos coordenadores pedagógicos

da rede municipal de ensino de São Paulo, a partir da legislação aprovada durante a gestão da

prefeita Luiza Erundina, diz respeito à eliminação das propostas trazidas pelo decreto nº

21811/85, no que tange ao monitoramento a ser realizado por estes profissionais, ao considerar

o desempenho discente e docente e as possíveis inadequações da proposta pedagógica. O

Regimento Comum das Escolas Municipais suprimiu esse tipo de acompanhamento elencado,

até então, nas atribuições dos coordenadores pedagógicos, passando a propor aos referidos

profissionais a “participação, juntamente com a Equipe Escolar e o Conselho de Escola, da

proposição, definição e elaboração de proposta para o processo de formação permanente,

tendo em vista as diretrizes fixadas pela política da Secretaria Municipal de Educação,

assumindo os encaminhamentos de sua competência; além de garantir os registros do processo

pedagógico”.

Nesta perspectiva, o Regimento Comum das Escolas Municipais contribuiu para

fortalecer a atuação do coordenador pedagógico numa perspectiva de garantia da formação em

serviço dos profissionais da educação, no âmbito da unidade escolar; além disso, o referido

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documento resgata uma característica de trabalho para este profissional, mais voltada à

construção democrática do trabalho da escola.

Cabe aqui destacar que o Regimento Comum das Escolas Municipais, apesar de

contribuir com significativos avanços para a construção de uma escola pública democrática,

popular e de qualidade, só foi finalizado e instituído no último ano da gestão da prefeita Luiza

Erundina, através do decreto 32.892 de 23 de dezembro de 1992. Nestas condições, a

continuidade de suas propostas dependia do respaldo dado pelo governo do prefeito Paulo

Maluf que assumiu a administração municipal da cidade de São Paulo no ano seguinte, em 01

de janeiro de 1993.

Durante a gestão do prefeito Paulo Maluf, que ocorre no período de 01 de janeiro de

1993 a 31 de dezembro de 1996, o que se verificará é a implementação de um modelo

organizacional transferido da área empresarial para a educação, com base nos princípios do

programa de “Qualidade Total na Educação”. Essa proposta e suas consequentes influências

para atuação dos coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo serão

analisadas no 2º capítulo deste trabalho.

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CAPÍTULO 2

A POLÍTICA DE QUALIDADE TOTAL E O FOCO NOS

RESULTADOS: INFLUÊNCIA NA ATUAÇÃO DOS

COORDENADORES PEDAGÓGICOS

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Neste capítulo busca-se analisar a atuação dos coordenadores pedagógicos da rede

municipal de ensino de São Paulo, a partir dos anos 1990. Na primeira parte deste estudo

realiza-se a análise de documentos da Memória Técnica Documental da SME-SP, que

garantem algum esclarecimento a respeito dos princípios que nortearam a educação na cidade

de São Paulo, durante a década de 1990 (na gestão de Paulo Maluf: 1993-1996), interferindo

no trabalho desenvolvido pelos coordenadores pedagógicos, no que concerne à política de

‘qualidade total na educação’. Na segunda parte, este estudo busca analisar a atuação dos

coordenadores pedagógicos, considerando a transferência do modelo de organização

empresarial para o campo da educação; para tanto, buscou-se caracterizar o trabalho do CP, a

partir das atribuições prescritas no edital de concurso de acesso para o cargo, publicadas no

diário oficial da cidade de São Paulo, em 22 de março de 2011.

2.1. A formação dos coordenadores pedagógicos na década de 1990: da qualidade total à

carícia essencial.

No primeiro capítulo verificou-se que a atuação do coordenador pedagógico nasce no

contexto de mobilização e participação política vivida no país e, mais especificamente, de

abertura educacional para estimular um processo decisório de cunho democrático, na escola.

Este profissional seria um parceiro da equipe gestora da escola que, juntamente com o diretor,

buscaria novas formas de organização e atuação no espaço educacional. De acordo com

KRAWCZYK (2012, pp. 53 – 54):

“Nessa década lutava-se pela democratização das instituições políticas e pela liberdade de

organização partidária. O senso crítico, profundamente represado durante a ditadura,

ressurgiu com a reorganização das forças sociais, dentre as quais se destacavam as

organizações sindicais que, juntamente com os intelectuais, formaram um partido político

de esquerda, denominado Partido dos Trabalhadores”.

Mas, de modo geral, o que se identificou na administração municipal da cidade de São

Paulo, nas décadas de 1980 e 1990, foi um movimento permanente de avanços e retrocessos

que ocorreu periodicamente, e principalmente em função da descontinuidade de propostas e

programas de governo, a cada troca de gestão.

Com as sucessivas mudanças, o que se constata é uma série desconexa de tentativas de

implementação de políticas educacionais, contribuindo, por conseguinte, para uma oscilação

constante da atuação dos coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São

Paulo.

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Nesta perspectiva, este estudo pretende identificar o lugar formatado para atuação do

coordenador pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo, a partir das políticas

educacionais que orientam e estruturam a educação nesta cidade. Para tanto, realizou-se uma

pesquisa nos arquivos da Memória Técnica Documental da Secretaria Municipal de Educação

de São Paulo, que pudesse garantir algum esclarecimento a respeito dos princípios que

nortearam a educação nesta cidade e sua influência no trabalho desenvolvido pelos

coordenadores pedagógicos. O marco temporal utilizado para esta análise é:

A Reforma Educacional que se iniciou no Brasil na década de 1990,

prioritariamente no que concerne à política de ‘Qualidade Total na Educação’.

Acredita-se que o resgate das funções da escola pública, através de uma análise

conjuntural das políticas educacionais que alimentam o contexto das unidades escolares, se faz

necessária; principalmente quando se foca o estudo sobre o cotidiano de um dos profissionais

que aí atuam e, no seu fazer diário, constituem e/ou desconstituem suas trajetórias, demarcadas

por indicadores políticos, sociais e econômicos.

Desse modo, este texto propõe a seguinte indagação: ao pensar sobre a atuação do

coordenador pedagógico, teria a “máquina estatal” o interesse em manter, nos seus quadros

funcionais, um profissional que promova a reflexão e o enfrentamento de mudanças

necessárias a uma educação mais democrática?

A partir de janeiro de 1993, o que se verifica nas propostas políticas para a rede

municipal de ensino de São Paulo, é o forte apelo a uma educação pública de conteúdo

empresarial, norteada por uma perspectiva gerencial e voltada para aspectos de resultados.

A ideia de um Estado que precisa reduzir / reconduzir gastos e apresentar um saldo

final mais satisfatório se dissemina, fortalecendo-se nos termos eficiência, eficácia e

produtividade, entre outros que ganham força neste período. Conforme afirma OLIVEIRA

(1996, p. 78) são os chamados programas de ‘qualidade total’ que sustentarão essas propostas:

“Essa constatação de que o Estado gasta mal seus recursos com a educação é explicada

tanto pela demora em se fazer chegar os fundos até seu destino – a escola -, quanto pela

mencionada “cultura da repetência” que faz com que o Estado gaste duas, três, quatro e

até mesmo cinco vezes mais com o mesmo aluno em uma série. Esse é o argumento dos

defensores desses programas”.

O discurso que destacava a necessidade de busca da qualidade na educação ganha

força, não só pelo contexto brasileiro neste período, mas principalmente pelas influências

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internacionais que refletiam diretamente na organização política deste país. Conforme aponta

ENGUITA (2001, p. 99):

“O movimento começou nos Estados Unidos, onde, em 1981, a National Commission for

Excellence in Education, lançava o grito de socorro no título de seu relatório à

administração Reagan, “Uma nação em perigo”, e a palavra de ordem em seu próprio

nome. Não era a primeira vez que os Estados Unidos se convertiam em cenário de uma

cruzada desse tipo pela melhoria, ao menos suposta, da educação. Aquele país levou a

cabo outras cruzadas desse tipo no segundo decênio deste século e no final dos anos

cinquenta e início dos anos sessenta”.

A reforma educacional proposta na década de 1990 destaca-se ainda por uma intensa

mudança na forma de gestão da educação e da escola, caracterizada por uma redução da

responsabilidade do Estado e uma generalização de proposições que apontam a escola como

única responsável pela resolução dos problemas.

Um bom exemplo a ser apresentado para este contexto é a formação oferecida aos

coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo, no ano de 1995,

denominada “Subsidiando a ação do coordenador pedagógico – Capacitação Inicial” que

apresenta em seus objetivos (geral e específico):

“Iniciar o processo de apoio e acompanhamento ao trabalho do CP inserindo-o no

processo de implementação da política educacional.

Reforçar e esclarecer as orientações já dadas pelos Supervisores.

Proporcionar a reflexão sobre o papel do Coordenador Pedagógico como um dos líderes

no processo na escola.

Ressaltar, junto ao CP, a importância de momentos de reflexão sobre sua prática tendo em

vista a viabilização e a otimização do trabalho pedagógico”.

A liderança, mencionada num dos objetivos acima descritos, revela-se como

importante aspecto para a atuação do coordenador pedagógico. Neste mesmo material de

formação um texto de José Vicente Bernardo, publicado no Jornal Folha de São Paulo, em

04/12/1994, é utilizado para tal abordagem:

“20 QUESTÕES PARA PENSAR SOBRE O LÍDER

1-Ele dá atenção a suas opiniões e ideias?

2-Dá a liberdade necessária para que você faça bem seu trabalho?

3-Encoraja-o a assumir responsabilidades?

4-Trata as pessoas na escola como colegas, não como competidores?

5-Inclui outras pessoas em decisões que podem afetá-las?

6-Encoraja, aceita críticas construtivas?

7-Encoraja a discussão de temas polêmicos?

8-Evita falar mal dos outros?

9-Remove barreiras para aperfeiçoar o trabalho em equipe?

10-Discute posições franca e objetivamente?

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11-Agradece seu apoio e contribuições?

12-Pergunta o que você precisa para fazer melhor o seu trabalho?

13-Dá o devido crédito por suas realizações?

14-Fornece orientação efetiva quando ocorrem mudanças?

15-Dá margem para que se cometam erros?

16-Ajuda os subordinados a atingir seus objetivos de carreira?

17-Faz aquilo que prega?

18- Admite seus próprios erros prontamente?

19-Reconhece e recompensa a criatividade e a inovação?

20-Demonstra comportamento honesto e ético?”

Neste cenário, a ideia de autonomia ganha destaque e se traduz na responsabilização da

escola por seu próprio fracasso ou sucesso, conforme esclarece KRAWCZYK (2012, p. 68):

“Na década de 1990, foram várias as estratégias visando, segundo o discurso oficial, a

concretizar a autonomia escolar demandada pelos movimentos de educadores. Dentre as

estratégias, destacam-se a transferência de recursos diretamente às escolas (mediante a

apresentação de um projeto), a normatização da gestão colegiada da escola e o

fortalecimento do papel do diretor. Apostando na liderança da figura deste último, a

proposta era habilitá-lo para executar, controlar e avaliar as ações desenvolvidas no

espaço da organização escolar. Paralelamente a isto, introduziu-se um forte controle

externo de avaliação institucional, centralizado no MEC, por meio dos sistemas SAEB e

SIIED”.

Se a criação do cargo de coordenador pedagógico, em 1985, esteve mergulhada no

contexto político de democratização da educação, a década de 1990 aponta, para este

profissional, um movimento de transferência do modelo de organização empresarial para

redefinição da estrutura do trabalho no campo escolar, respaldada pela retórica da qualidade,

assim definida por GENTILI (2001, p. 116):

“A retórica conservadora da qualidade no campo educativo presume uma dinâmica que

chamaremos ‘duplo processo de transposição’. A primeira dimensão deste processo

remete ao mencionado deslocamento do problema da democratização ao da qualidade; a

segunda, à transferência dos conteúdos que caracterizam a discussão sobre a qualidade no

campo produtivo – empresarial para o campo das políticas educativas e para a análise dos

processos pedagógicos”.

Desse modo, o que se espera do coordenador pedagógico não é mais a construção de

uma gestão democrática na escola, mas a busca desenfreada por melhores resultados, através

de mecanismos de controle e avaliação interna e externa. Os anseios por uma gestão

democrática, durante a década de 1980, parecem distanciar-se das atribuições deste

profissional logo na primeira década, após a sua criação; já que aqueles anseios são

silenciados nos anos de 1990, conforme aponta GENTILI (2001, p. 121):

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“Foi neste contexto que começaram a expandir-se – no começo dos anos 80 – as

demandas democratizadoras no campo educacional. E, na verdade, elas tiveram vida curta.

Foi como se, ao dissipar-se a euforia democratizadora do primeiro período pós-ditatorial,

houvessem sido anuladas todas aquelas referências à necessária democratização de nossos

sistemas de ensino. Em questão de uma década, ‘democratizar a educação’ deixou de ser o

eixo que devia nortear as políticas públicas do setor para constituir um tema ausente,

esquecido ou – se pretendemos ser mais precisos – silenciado, no cenário político latino –

americano”.

Nesta perspectiva, o uso contínuo do termo ‘qualidade’ não é feito de modo ingênuo,

pois carrega uma mudança de sentido e propósito educacional, que desconsidera o percurso

político e social que vivia o Brasil, no período pós-ditadura militar. Para ENGUITA (2001, p.

96):

“O predomínio de uma expressão nunca é ocioso ou neutro. A problemática da qualidade

esteve sempre presente no mundo da educação e do ensino, mas nunca havia alcançado

antes esse grau de centralidade. Ela vem substituir a problemática da igualdade e a da

igualdade de oportunidades, que eram então os coringas desse jogo”.

Considerando a situação do país, naquele período, é possível constatar que o insistente

discurso da ‘qualidade da educação’, nos termos em que se apresenta, parece esvaziar-se de

sentido, diante da realidade educacional brasileira, além de fortalecer um processo de

‘desobrigação do Estado’, da responsabilidade pelas demandas deste setor. Conforme aponta

ENGUITA (2001, p. 104):

“As ideias-força que imperam já não são o descrédito do mercado, a confiança no setor

público como remédio para os desequilíbrios produzidos por aquele e a busca, ao menos

nominal, da igualdade, mas a volta à ideologia do mercado, à rejeição da intervenção

pública na economia ou o neodarwinismo social. Um neodarwinismo no qual as cartas

estão antecipadamente marcadas, devido às profundas desigualdades sociais de origem,

mas ao qual isso não impede justificar as desigualdades finais de riqueza, poder, prestígio,

autonomia no trabalho, etc., em função de supostas diferenças individuais. No campo da

educação, tudo isso se traduz em uma ofensiva contra as políticas igualitárias do passado,

às quais se culpa da suposta “queda geral do nível”, do nivelamento de todos por baixo, da

crise de valores da juventude, etc.”

A educação no Brasil e, mais especificamente, no município de São Paulo, parece

mergulhar na proposta trazida pelo programa de ‘Qualidade Total na Educação’, que teve em

Cosete Ramos sua principal representante. Este programa caracteriza-se por ações

sistematizadas, que consistem em transferir do campo empresarial a forma de organização que

a escola deve adotar; apostando de modo veemente no aprimoramento e a obtenção de uma

melhor qualidade na educação, dependendo exclusivamente das ações daqueles que atuam

diretamente nas escolas.

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Durante os anos de 1990 e, em particular, a partir de 1993, o programa de ‘Qualidade

Total na Educação’ passa a ser o norteador do lugar formatado para a atuação dos

coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo. No que diz respeito ao

programa de “QUALIDADE TOTAL NA EDUCAÇÃO”, afirma GENTILI (2001, p. 142):

“O programa “Escola de Qualidade Total” (EQT) tem sido desenvolvido no Brasil por

Cosete Ramos, coordenadora adjunta do Núcleo Central de Qualidade e Produtividade

subordinado ao Ministério da Educação. Mesmo em se tratando de uma proposta que

ainda não possui ampla difusão no Brasil, ela resume grande parte das características

centrais dos programas de Total Quality Control (TQC) aplicados em algumas instituições

educativas norte – americanas. Deste modo, a Escola de Qualidade Total começa a

evidenciar-se como a tentativa mais séria de aplicar os princípios empresariais de controle

de qualidade no campo pedagógico. A autora da proposta supõe que “uma solução

possível para a crise educacional do país reside na concepção de um modelo brasileiro de

Escola de Qualidade Total. E que “esta proposta traz consigo uma estratégia inovadora de

transformação de baixo para cima, de cada escola, de cada instituição de ensino, para a

melhoria global do sistema educativo nacional” [87, grifado no original]. Na perspectiva

de Cosete Ramos, isto acontecerá à medida que se defina – entre outros fatores – um Pacto

para a Qualidade estabelecido entre alunos, professores, dirigentes, técnicos, pessoal

administrativo do setor educacional, pais e a sociedade como um todo”.

Cosete Ramos esclarece o que significa o programa de qualidade para a escola e suas

implicações no campo educacional. Segundo GENTILI (2001, pp. 143-144):

“A partir dos ensinamentos de W. Edwards Deming, e do desenvolvimento de uma série

de estratégias fundadas na aplicação de seu célebre “Método de 14 Pontos”, é possível

analisar e repensar as estruturas da escola. As ideias de Deming, de grande aceitação no

mundo dos negócios, podem (e devem) ser aplicadas ao campo educacional já que,

segundo a autora, “este ideário, inicialmente utilizado para empresas privadas, pode ser

extrapolado para qualquer tipo de organização humana, independentemente de seu

vínculo, caráter, tamanho, localização, área de atuação ou razão de ser”. Toda a proposta

da Escola de Qualidade Total baseia-se em uma tradução escolar dos citados “pontos” de

Deming:

1. Filosofia da Qualidade.

2. Constância de Propósitos.

3. Avaliação do Processo.

4. Transações de Longo Prazo.

5. Melhoria Constante.

6. Treinamento em Serviço.

7. Liderança.

8. Distanciamento do Medo.

9. Eliminação de Barreiras.

10. Comunicação Produtiva.

11. Abandono das Quotas Numéricas.

12. Orgulho na Execução.

13. Educação e Aperfeiçoamento.

14. Ação para a Transformação.

Todos estes aspectos se complementam com os princípios apresentados por quem foi o

difusor das ideias de W. E. Deming no campo escolar, William Glasser:

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1. Gestão democrática ou por liderança da escola e das salas de aula.

2. O diretor como Líder da comunidade educativa.

3. O professor como Líder dos alunos.

4. A escola como ambiente de satisfação das necessidades de seus membros.

5. Ensino baseado no aprendizado cooperativo.

6. Participação do aluno na avaliação de seu próprio trabalho.

7. Trabalho escolar de alta qualidade como produto de uma Escola de Qualidade.”

Uma análise mais detalhada deste programa permite verificar que apesar de sua

principal propositora ocupar a função de coordenadora do Núcleo Central de Qualidade e

Produtividade subordinada ao Ministério da Educação, as referências ao contexto político são

inexistentes.

O programa de qualidade total propõe mais eficiência no trabalho, atrelando-a

diretamente às capacidades individuais, potencialidades e habilidades que o trabalhador deve

oferecer. Nestas condições, os recursos humanos devem atuar de acordo com metas

estabelecidas e resultados necessários, a partir de diagnósticos e indicadores que apontam os

objetivos a serem assumidos. Trata-se do chamado ‘planejamento estratégico’, apontado por

Deming que, já em 1940, alertava para a necessidade de que os indicadores de eficiência

fossem definidos, de modo a possibilitar não só o controle dos objetivos do planejamento,

como também as práticas na organização do trabalho (RISCAL, 2012).

Os indicadores defendidos por Deming revelam que a aferição da qualidade está

relacionada ao controle, por meio de variáveis de eficiência, identificadas como ferramentas

de racionalização, que favorecem não só a crescente burocratização como também fortalece e

acena para a gestão por resultados.

Na formação oferecida pela Secretaria Municipal de Educação aos coordenadores

pedagógicos, em 1995, e já mencionada anteriormente, chama a atenção o texto que constou

em pauta, intitulado ‘Tempo, Precioso Tempo’, de autoria de Fátima Ali e retirado do livro

‘Um momento de felicidade’, da mesma autora. Ao relatar o cotidiano de uma funcionária que

possui uma demanda infindável de trabalho, a autora aponta para a necessidade de administrar

o aparente caos dessa rotina profissional, com respostas sempre buscadas dentro de si,

acompanhadas de um conformismo quase que estático diante da realidade profissional e das

condições de trabalho enfrentadas pela mesma. Desse modo, afirma Fatima Ali no último

parágrafo do texto ‘Tempo, Precioso Tempo’:

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“Temos a possibilidade de conquistar um mínimo de calma dentro do nosso ritmo louco.

Acho que é preciso ter coragem de diminuir as expectativas, querer menos, estabelecer

limites, diminuir a voracidade e o desejo de agarrar o mundo com as mãos, podemos nos

utilizar das vantagens que o mundo moderno nos oferece, em vez de nos submetermos à

sua tirania. Este é o tempo que nos coube viver”.

Logo em seguida, o material formativo propõe a transferência das situações apontadas

no texto de Fátima Ali para o cotidiano da escola, dando aos coordenadores pedagógicos

algumas indicações para a organização de sua rotina:

“*Use uma agenda para planejar seus dias e semanas futuros e para acompanhamento do

seu trabalho e tempo.

*Estabeleça metas associadas a prazos.

*Atribua prioridades.

*Liste suas tarefas numerando-as pela ordem de importância.

*Comece a realizar as tarefas pela ordem determinada.

*Caso não consiga, não desanime, continue investindo no seu trabalho.

*Se você alcançou facilmente suas propostas, pode estar exigindo muito pouco de si

mesma, ou evitando desafios maiores.

*Também a aceitação dos erros, a prática da tolerância e o saber ouvir podem ser

aprimorados melhorando sua qualidade de liderança. (Sem tolerância, você pode queimar

etapas importantes!)

*Defina com clareza quem vai fazer o quê... Muitas vezes, você dispende muito tempo

com pequenas tarefas, em detrimento de resoluções dos grandes problemas. Delegue!

Mas, não se esqueça. Tudo isso, de nada adiantará se você não começar sua AÇÃO.

É necessário preparar seu planejamento que deve ser flexível. (Não se coloque numa

camisa de força!)

Planeje semanalmente”.

Como é possível verificar, o programa de qualidade total na educação não menciona os

aspectos políticos, sociais e econômicos como determinantes do cenário educacional, já que a

responsabilidade pelo sucesso ou fracasso pelos resultados nessa área são transferidos para os

profissionais que atuam diretamente nas escolas.

A cobrança e exigência de resultados dirigidas aos trabalhadores da educação ocorrem

de modo sistemático e claro, desde a década de 1990. É o que mais uma vez constatamos ao

analisar o material colhido na Memória Técnica Documental da Secretaria Municipal de

Educação de São Paulo, referente ao conteúdo de formação em serviço oferecido aos

coordenadores pedagógicos em 1995, tendo como exemplo o texto “NOIVA 90%VIRGEM

FRUSTRA CASÓRIO”:

“Aconteceu a algum tempo, provavelmente num país mediterrâneo...Pois não é que os

pais se reuniram para tratar do futuro casamento de seus filhos? A conversa ia indo bem

até que, após alguns canecões de vinho, o pai do noivo dispara, incisivo:

-Mais afinal, a noiva é realmente virgem, não é?

Ao que o pai da noiva responde:

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-Bem... digamos que ela é mais ou menos – 90 a 95% virgem, tá?

Adivinhem o que aconteceu com o casamento...

É que nessa área, como em tantas outras de caráter estritamente pessoal, nossa exigência é

sempre 100%, nunca menos! Exigimos que nosso dentista obture o dente certo – imagine

se ele tratasse o canal errado, uma em cada dez consultas? E o que diríamos de alguém

que botasse um sapato azul e outro marrom 5% das vezes? Ou que voltasse para casa,

após o trabalho enganando-se de endereço duas vezes em cada cinco meses? (Não mais de

2% de enganos, faça as contas...)

(Jacobsen, Paulo – Jornal “O Estado de São Paulo”)

A exigência de que tudo seja 100% deveria valer também na vida da Escola.

No entanto, quando chega a vez dela, parece que nossos padrões ficam mais elásticos.

Desde a parte legal: - os conceitos - quem tem S (satisfatório) como conceito, está

promovido. Frequência: - se o aluno faltar até 25% das aulas também não terá problemas

quanto à promoção.

Se a sala de aula não está muito limpa... tudo bem. Vamos dar aula assim mesmo.

Se o professor falta demais, e o aluno perde em conteúdo, também não tem importância.

Se uma classe tem 20% de retenção, é considerada boa. (Em 40 alunos, 20% são apenas 8

alunos). Se numa avaliação, a classe inteira “rodou”, dizemos: “Este professor é exigente,

com ele ninguém brinca”.

Ele exige 100% apenas dos alunos, nunca dele mesmo.

O oposto também acontece. O professor facilita a obtenção de conceitos, todos são

promovidos. A aprendizagem real, não importa muito.

Se preenchermos um documento errado, não tem importância, enchemos de “branquinho”

e pronto. O visual não ficou muito bom, mas passa.

Se programamos uma reunião para uma determinada hora, e começamos uma hora depois

porque as pessoas não chegaram a tempo...tudo bem.

Se preparo uma atividade para os alunos e, ao passar no mimeógrafo, as cópias saem

defeituosas, apagadas, também não importa. Os alunos fazem um esforço e leem.

E assim vai, em nome da falta de compromisso profissional, abrimos uma concessão aqui,

outra ali, e teremos tudo funcionando mais ou menos. Uma Escola, uma Cidade, um

Estado, um País... tudo mais ou menos...”

As propostas apresentadas para a melhoria da qualidade no campo da educação se

mostram, exclusivamente, sob a responsabilidade daqueles que atuam diretamente na escola e

o contexto político, social e econômico em que a mesma está inserida parece não fazer

diferença considerável para o desenvolvimento e o resultado do trabalho que ali se desenvolve.

As dificuldades e dilemas enfrentados pelos profissionais da educação carecem, sob essa ótica,

apenas de soluções encontradas no campo pessoal, particular; o que se traduz num forte apelo

ao chamado ‘equilíbrio emocional’ no trabalho. Segundo GENTILI (2001, p. 145):

“Tudo se resume na boa vontade dos “atores” (estudantes, professores e diretores) para

instalar, criar e reproduzir as condições institucionais da qualidade em suas próprias

escolas. Em tal sentido, a proposta brasileira supõe um certo grau de privatização da

política educacional, orientada pela necessidade de transferir qualquer decisão de reforma

no interior de cada escola. É neste quadro endógeno que os “atores” negociam as

mudanças citadas no seu próprio cotidiano e na especificidade de suas próprias funções”.

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Durante o ano de 1994, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo ofereceu aos

professores, diretores de escola, coordenadores pedagógicos e supervisores de ensino o curso

‘Relações Humanas’. Nas primeiras páginas do referido material de formação há um texto que

explicita a missão da Diretoria de Orientação Técnica – Gabinete (DOT – G), órgão

responsável pela realização deste curso. Vale mencionar dois dos sete princípios ali contidos:

“- filosofia da Qualidade Total, adotada como pressuposto do trabalho a ser desenvolvido ; -

respeito à vivência e construção da Qualidade Total pela própria Escola”.

De apelo estritamente psicológico, este curso foi organizado pelo Instituto Gente e pela

ABREVIDA (Associação Afro-Brasileira de Educação, Cultura e Preservação da Vida),

apoiados pela Secretaria Municipal de Educação. A apostila elaborada para esta formação foi

constituída de conceitos básicos de ‘Análise Transacional’, sendo parte de um projeto

intitulado ‘Psicologia das Relações Humanas’. De acordo com os apontamentos feitos no

próprio material, “a escolha do referencial teórico recaiu sobre a Análise Transacional, por ser

uma teoria simples (utiliza o vocabulário do cotidiano), objetiva (detém-se sobre

comportamentos observáveis e registráveis) e eficaz (permite uma compreensão imediata)”.

Conforme mencionado no documento da Secretaria Municipal de Educação, o projeto

‘Psicologia das Relações Humanas’, que deu origem ao curso em 1994, foi realizado

inicialmente em 1993, com o objetivo de “criar condições para que os educadores conheçam

melhor o comportamento humano e a importância deste no processo de interação social,

proporcionando melhores condições de apoiar os alunos e os pais, no tocante ao processo

educacional”; contando ainda com a participação de quinhentos educadores, que atuavam na

rede municipal de ensino: professores, diretores de escola, coordenadores pedagógicos e

supervisores de ensino.

Outro aspecto que merece destaque, a partir da análise do material de formação

oferecido por SME em 1994 – denominado ‘Relações Humanas’ - é a referência bibliográfica

utilizada para a organização do mesmo, pois exemplifica de modo veemente a transferência da

responsabilidade pela qualidade da educação para os profissionais que atuam diretamente nas

escolas, com ênfase nos encaminhamentos de caráter pessoal e afetivo, como forma de

solucionar os problemas do cotidiano escolar: LANDHEER, PAMELA LEVIN – Como

Desenvolver Seus Poderes Pessoais – apostila; SHINYASHIKI, ROBERTO – Pais + Filhos –

Companheiros de Viagem (82-92) – Ed. Gente 1992.

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Verifica-se ainda que o texto utilizado junto aos educadores da rede municipal de

ensino de São Paulo, na formação ‘Relações Humanas’ apresenta, em seus tópicos principais,

os seguintes temas:

1 – Carícias: Conceitos de Carícias; Uma História de Carícias; Filtro de Carícias; Formas;

Regras.

2 – Estados do Ego: Análise Funcional

3 – Contrato: Importância do Contrato; Áreas e Papéis; Exemplos de Contrato.

4 – Transações: Complementares; Cruzadas; Ulteriores; Angulares; Duplex; Regras da

Comunicação.

5 – Emoções e Disfarces: Disfarce; Emoção Autêntica.

6 – Fases do Desenvolvimento (Pamela Levin): Tempo de Ser (0 a 6 meses); Tempo de

Fazer (06 a 12 meses); Tempo de Pensar (12 meses – 03 anos); Tempo de Criar uma

Identidade (03 a 06 anos); Tempo de Desenvolver Habilidades (06 a 12 anos); Tempo de

Regenerar (13 a 18 anos).

A análise de tais tópicos remete ao que esclarece LIMA (2001, p. 133):

“Na senda da escola das relações humanas, o conflito é atribuído a dificuldades de

comunicação e a desentendimentos interpessoais, e não a posições e interesses divergentes

e a assimetrias de poder. Neste sentido, uma participação de tipo “sócio técnico” é

indispensável à evacuação dos conflitos, e não à negociação política e à gestão dos

conflitos nessa base, como frequentemente se afirma. Participação significa, assim,

integração e colaboração, e não representação e intervenção política”.

Para finalizar o estudo do programa de ‘Qualidade Total na Educação’ e sua influência

na atuação dos profissionais da educação, cabe destacar a valorização dada aos desempenhos

individuais e inovações, como caminho para obtenção de resultados mais positivos. Tais

proposições são justificadas pela própria natureza do programa ao qual pertencem, que

defende a busca contínua da qualidade total, enquanto possibilidade de garantir o

aprimoramento da educação.

Durante a realização de pesquisa na ‘Memória Técnica Documental’ constatou-se a

realização de curso de formação, oferecido em 1994, pela Secretaria Municipal de Educação

de São Paulo, que tinha como público – alvo: Supervisores, Assistente Técnico-Educacional,

Diretores e Coordenadores Pedagógicos. Denominada “BENCHMARKING –

APRENDENDO COM VENCEDORES”, esta formação tinha como objetivo geral:

“instrumentalizar as lideranças de nossas escolas para o aperfeiçoamento dos métodos de

gestão na Rede Municipal de Ensino”.

Nesta perspectiva, a formação das lideranças da escola realizou-se, visando à busca da

qualidade total, as inovações e a melhoria dos desempenhos, mas principalmente

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estabelecendo como foco de análise os bons modelos de atuação, o que nos remete à ideia

central do ‘Benchmarking’.

Para LIMA (2001, p. 122):

“Ao eleger a racionalidade econômica, a optimização, a eficácia e a eficiência, como

elementos nucleares, os programas de modernização têm tomado por referência

privilegiada a atividade econômica, a organização produtiva e o mercado, exportando a

ideia de empresa para o seio da administração pública. A empresa significa, neste

contexto, um modelo a seguir em termos de capacidade de inovação; mesmo as empresas

mal sucedidas constituem um bom exemplo, a reter, para as organizações públicas não

produtivas, no sentido em que fica mais claro que quem não é eficaz não sobrevive”.

2.2. O aprimoramento gerencial e a busca desenfreada pelos resultados

Nos anos que se seguiram à transferência do modelo de organização empresarial para o

campo da educação, o que se constata, na rede municipal de ensino de São Paulo, é um

processo gradual de incremento dessas práticas, tornando cada vez mais distante o ideário

democrático de organização escolar, tão defendido na década de 1980 no Brasil.

Em janeiro de 2002, durante o governo da prefeita Marta Suplicy, a publicação da lei

nº 13274 de 04/01/2002, aponta para o fortalecimento das políticas de resultados, fortemente

entrelaçadas à concepção de qualidade total que se estabeleceu nos anos 1990 (durante o

governo do prefeito Paulo Maluf), na rede municipal de ensino de São Paulo.

A lei nº 13274 de 04 de janeiro de 2002 institui a Gratificação por Desenvolvimento

Educacional (GDE), a ser concedida anualmente aos servidores lotados nas escolas municipais

da RME-SP, sendo calculada e paga individualmente, conforme o desempenho da unidade

escolar e a frequência de cada funcionário. De acordo com a referida legislação, a GDE não

tem natureza salarial ou remuneratória, não é computada para efeito de décimo terceiro

salário, assim como não constitui base de contribuição previdenciária ou de assistência à

saúde.

Importante ressaltar que, ainda em 2002, através do decreto nº 42628 a administração

municipal estabeleceu que a Gratificação por Desenvolvimento Educacional fosse concedida

aos servidores que não tivessem faltas justificadas e injustificadas durante aquele ano,

incluindo ainda, neste cálculo, o desempenho da unidade escolar, aferido a partir dos seguintes

critérios: a permanência do professor na escola, a permanência do aluno na escola, a

assiduidade dos servidores lotados e em exercício na unidade escolar, as ações de

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democratização da gestão da unidade escolar e o número de professores optantes pela jornada

especial integral.

Cabe destacar que a GDE foi mantida e concedida aos servidores municipais do ensino

na cidade de São Paulo até 2008 e substituída, através da lei nº 14938 de 30 de junho de 2009,

pelo Prêmio de Desempenho Educacional, durante a administração do prefeito Gilberto

Kassab. O PDE é analisado no terceiro capítulo deste trabalho.

Outro exemplo do rebuscamento que as práticas empresariais vêm assumindo no

campo educacional, em tempos mais recentes, refere-se à publicação “Novo Indicador de

Educação vai avaliar professores e estratégias pedagógicas”. Trata-se do título da matéria de

capa do Diário Oficial da cidade de São Paulo, do dia 28/07/2011, anunciando um novo

índice, criado pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Fundação Itaú Social:

o Indique – Índice de Qualidade da Educação.

Durante a leitura da referida matéria, chama a atenção o fato de que o professor

ganha destaque e excessiva responsabilidade, já que os resultados dos seus alunos nas

avaliações externas serão determinantes na construção do Índice de Qualidade da Educação.

Evidencia-se uma tendência desta política pública em classificar o trabalho do professor como

adequado ou não, apenas sob a ótica de números apresentados nas avaliações externas,

tornando - o assim o principal responsável pelos sucessos e / ou fracassos de seus alunos.

Cabe ressaltar que, de maneira mais discreta, todos os funcionários da educação são

responsabilizados por resultados dos alunos em avaliações externas, já que o Indique será

utilizado para definir o pagamento (ou não) de bônus a todos os servidores da educação.

Resulta daí a forte impressão de que tal Índice estimulará a busca permanente e viciosa por

“perdedores” ou “vencedores” dentro da própria escola pública.

De acordo com o Secretário Municipal da Educação, o Indique teve como premissa,

para sua criação, o direito à educação de qualidade. Importante salientar que a questão da

qualidade da educação é apresentada pela Secretaria Municipal, a partir de uma mudança de

foco do problema da democratização da escola pública para o da qualidade de ensino. Além

disso, o viés adotado para o tratamento da questão da qualidade da educação está influenciado

por conceitos do setor produtivo e empresarial; pois estes passaram a contaminar, nos últimos

anos, as políticas públicas educacionais e seus respectivos processos pedagógicos e escolares,

na rede de ensino municipal de São Paulo. De acordo com LIMA (2001, p. 125):

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“A organização e a administração escolares surgem progressivamente despolitizadas e

desideologizadas, naturalizadas enquanto instrumentos técnico-educacionais, (auto)

justificadas e legitimadas na base dos imperativos de modernização e de reforma

educativa. As exigências de modernização e as pressões econômicas e de mercado são

intencionalmente desarticuladas dos contextos políticos e sociais concretos e dos

enquadramentos institucionais precisos; a eficácia, porque assente na mono –

racionalidade, impõe-se de forma independente dos contextos institucionais e

organizacionais; a “empresarialização” da educação configura-se como the one best way

para a consecução de opções políticas e sociais que são apresentadas como determinismos

macroeconômicos à escala europeia ou mundial, impossíveis por isso mesmo de ignorar, e

de equacionar fora do quadro dos grandes desafios consensualmente definidos”.

O anúncio da elaboração do Indique revela ainda um estímulo à diferenciação entre

as escolas da rede municipal, já que a própria Secretaria da Educação promete, com ele,

mapear com mais precisão os problemas que as escolas enfrentam; identificar boas práticas

que podem ser reproduzidas em escolas semelhantes e propor intervenções adequadas às

necessidades dos alunos. Disto se define uma notória inclinação ao estabelecimento de

acirrada disputa entre as escolas, no que diz respeito aos resultados obtidos pelos alunos, bem

como o incentivo à competição entre os profissionais que nelas atuam.

Nesta perspectiva, é importante considerar que no campo educacional nem sempre a

‘qualidade’ é abordada sob o mesmo significado. Se, em princípio, essa questão destaca a

necessidade de ampliar os recursos humanos e materiais da escola; o que remete ao período de

força do Estado de Bem-Estar, onde se entendia que maior custo e/ou volume de recurso era

igual a maior qualidade de serviços prestados; noutro momento o foco se volta para a eficácia

e eficiência do processo educacional, com a abordagem mais incisiva sobre os resultados dos

alunos e das escolas, sem deixar de exigir custos mínimos. Sobre esta mudança de foco, no

trato das questões educacionais, afirma GENTILI (2001, pp. 155-156):

“Esta lógica – derivada da necessidade de ajustar a educação ao mercado - pressupõe a

alegação de três premissas, que se têm imposto como o novo senso comum dominante a

partir do qual se faz sempre referência aos processos educacionais:

a. Que a educação (nas atuais condições) não responde às demandas e às exigências do

mercado;

b. Que a educação ( em condições ideais de desenvolvimento) deve ajustar-se a elas;

c. Que certos instrumentos (científicos) de medição nos permitem indagar acerca do grau

de ajuste educação-mercado e propor os mecanismos corretivos apropriados”.

O que se revela, a partir deste modelo, é uma busca desenfreada pelos números,

verdadeira proposta de subordinação do campo educacional ao mercado, acerca do que

comenta GAULEJAC (2007, p.97):

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“A doença da medida não é nova. Ela se desenvolve de modo recorrente nos meios que

aplicam a qualquer coisa uma linguagem inspirada nas matemáticas. Ela repousa sobre a

crença de que a objetividade consiste em traduzir a realidade em termos matemáticos. O

cálculo dá uma ilusão de domínio sobre o mundo. Os “calculócratas” preferem a ilusão de

garantia, em vez de uma realidade cheia de incertezas, que dá medo”.

Diante deste contexto, o que se propõe, a partir daqui é uma análise das atribuições do

coordenador pedagógico prescritas no edital de concurso de acesso, realizado em 2011,

buscando assim caracterizar o que se espera da atuação deste profissional.

O edital para concurso de acesso – classe dos gestores educacionais da carreira do

magistério municipal, publicado no diário oficial da cidade de São Paulo no dia 22 de março

de 2011, páginas 404 a 407, apresenta no anexo I, a síntese de atribuições dos profissionais

que atuarão na coordenação pedagógica, nos segmentos da educação infantil – centro de

educação infantil (CEI) ou escola municipal de educação infantil (EMEI) – e ensino

fundamental - escola municipal de ensino fundamental (EMEF), da rede municipal de ensino

de São Paulo. O referido documento apresenta uma lista de dezoito atribuições, em forma de

síntese, conforme menciona o próprio título:

“ANEXO I – SÍNTESE DA ATRIBUIÇÃO DO CARGO

Do Coordenador pedagógico:

I - Coordenar a elaboração, implementação e avaliação do Projeto Pedagógico da Unidade

Educacional, tendo em vista dos desafios do cotidiano escolar, as modalidades e turnos em

funcionamento, visando à melhoria da qualidade da educação, em consonância com as

diretrizes educacionais do município;

II - Elaborar o plano de trabalho da coordenação pedagógica indicando metas, estratégias

de formação, acompanhamento e avaliação dos impactos da formação continuada e

cronograma de reuniões com a equipe docente para a gestão pedagógica da unidade

educacional;

III - Coordenar a elaboração e implementação dos planos de ensino dos professores,

garantindo a consonância com as diretrizes curriculares da Secretaria Municipal de

Educação;

IV - Promover a análise dos resultados das avaliações internas e externas da aprendizagem

dos alunos, estabelecendo conexões com a elaboração do PP, plano de ensino e do plano

de trabalho da coordenação pedagógica.

V - Identificar, junto com a equipe escolar, casos de educandos que apresentem

dificuldades escolares e necessitem de atendimento diferenciado, orientando as decisões

que proporcionem encaminhamentos adequados, especialmente no que se refere a

recuperação e reforço.

VI - Planejar ações para a garantia do trabalho coletivo docente e para a promoção da

integração dos profissionais que compõem a equipe técnica da unidade educacional.

VII - Participar da elaboração de critérios de avaliação e acompanhamento das atividades

pedagógicas desenvolvidas na unidade educacional, bem como na organização e

remanejamento de educandos em turmas e grupos.

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VIII - Acompanhar e avaliar junto com a equipe docente o processo contínuo de

avaliação, nas diferentes atividades e componentes curriculares, bem como garantir os

registros do processo pedagógico.

IX - Analisar os dados obtidos referentes às dificuldades nos processos de ensino e

aprendizagem, expressos nas avaliações internas e externas da unidade educacional

garantindo a implementação de ações voltadas para sua superação.

X - Organizar e sistematizar a comunicação de informações sobre o trabalho pedagógico

junto aos responsáveis dos alunos.

XI - Garantir a implementação e avaliação dos programas e projetos que assegurem a

implementação da educação inclusiva e da educação de jovens e adultos.

XII - Desenvolver estudos e pesquisas que permitam ressignificar e atualizar práticas

pedagógicas em busca de adequá-las a necessidade de aprendizagem dos alunos.

XIII - Possibilitar acesso e conhecimento de diferentes recursos pedagógicos e

tecnológicos disponíveis, garantindo a instrumentalização dos educadores quanto à

organização e uso dos mesmos.

XIV - Participar na elaboração, articulação e implementação de ações integrando a

unidade educacional à comunidade e às organizações sociais voltadas para as práticas

educacionais.

XV - Promover a implementação dos programas e projetos da secretaria municipal de

educação por meio da formação dos professores da unidade educacional, bem como do

acompanhamento da aprendizagem dos alunos (avanços, dificuldades, necessidades

específicas, etc.)

XVI - Participar das diferentes instâncias de tomada de decisão quanto à destinação de

recursos financeiros, materiais e humanos da unidade educacional.

XVII - Promover o estabelecimento de relações que favoreçam o significado do papel

docente, do discente, da instituição educativa e da família, respeitando a autoria, a

autonomia e a diversidade dos envolvidos.

XVIII - Participar dos diferentes momentos de avaliação dos alunos com necessidades

educacionais especiais, promovendo estudos de caso e estabelecendo junto com os

professores critérios de encaminhamentos de alunos com dificuldades de aprendizagem.

Uma primeira leitura das atribuições propostas neste edital merece especial atenção no

que diz respeito ao número de vezes em que a palavra avaliação aparece; mencionada em sete

das dezoito atribuições. Ela marca presença nos diferentes âmbitos da organização escolar: na

atribuição I – o projeto pedagógico, na II – os impactos da formação continuada, na IV – as

aprendizagens dos alunos, na VII – as atividades pedagógicas desenvolvidas, na VIII – o

próprio processo de avaliação das atividades e componentes curriculares, na XI – os

programas e projetos relacionados à educação inclusiva e de jovens e adultos, na XVII – os

alunos com necessidades educacionais especiais.

Caberia então considerar que o ato de avaliar ocupa espaço significativo no trabalho a

ser desenvolvido pelo coordenador pedagógico e mais, relendo cada uma das atribuições em

que a avaliação é mencionada nota-se que a mesma é proposta no intuito de garantir a

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verificação de que aquilo que foi planejado inicialmente esteja sendo realizado ou, melhor

dizendo, cumprido. Conforme aponta LIMA (2001, p. 131):

“A ideologia organizativa de tipo neo-tayloriano penetra profundamente nas matérias

avaliativas, as quais, de resto, ganham súbita e redobrada importância política. A

avaliação neo-tayloriana concentra-se nos resultados obtidos, assume os objetivos como

consensuais e definidos a priori, e as tecnologias pedagógicas e de avaliação como

processos certos, estáveis e objetivos. Conforme se chamou à atenção em outro lugar

(Afonso & Lima, 1992: 4) então a propósito do Despacho 162/ME/91 (Despacho da

Avaliação, como ficou conhecido até ter sido substituído), este tipo de avaliação revela

“[...]de um projecto de controlo da subjectividade e de esbatimento da imperfeição

humana, centrado nos resultados obtidos e no rigor das formas de tradução/quantificação

desses resultados – ‘critérios de objectividade’, ‘medição’, ‘validação externa’,

‘verificação da qualidade’, ‘aferição’, ‘validade e fidedignidade’, etc. Convoca-se uma

mono – racionalidade de tipo técnico e uma perspectiva gestionária – utilitária (neo –

tayloriana), decompõe-se e fragmenta-se o processo de avaliação, quantificando,

mensurando, formalizando; adopta-se uma visão mecanicista da organização escolar,

centrada nas operações técnicas, na eficácia e na eficiência”.

Desse modo, a perspectiva da inserção da avaliação na rotina do coordenador

pedagógico parece reforçar uma proposta de trabalho a este profissional caracterizada pelo

constante controle da unidade escolar. De acordo com FAYOL (1989, p. 130):

“Numa empresa, o controle consiste em verificar se tudo corre de acordo com o programa

adotado, as ordens dadas e os princípios admitidos. Tem por objetivo assinalar as faltas e

os erros, a fim de que se possa repará-los e evitar a sua repetição. Aplica – se a tudo: às

coisas, às pessoas, aos atos. Sob o ponto de vista administração, é preciso assegurar – se

de que o programa existe, é aplicado e está em dia, e de que o organismo social está

completo, os quadros sinópticos do pessoal são usados, o comando é exercido segundo os

princípios adotados, as conferências de coordenação se realizam etc”.

Atrelada à ideia de controle, estas atribuições trazem ainda uma dimensão de

circulação e monitoramento por parte do coordenador pedagógico, nos diferentes âmbitos da

organização escolar. Este profissional é chamado a acompanhar o projeto pedagógico, a

formação continuada, os planos de ensino, os resultados das avaliações internas e externas, os

alunos com dificuldades, o trabalho coletivo dos professores, a integração dos diferentes

profissionais que compõem a equipe técnica, a elaboração de atividades pedagógicas, a

comunicação junto às famílias dos alunos, o acesso aos recursos pedagógicos e tecnológicos, a

integração junto à comunidade, a implementação de programas de governo. Dessa lista que, se

não é inesgotável, se apresenta bastante exaustiva, nem mesmo a destinação dos recursos

financeiros, materiais e humanos lhe escapam.

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Cabe ressaltar que esta forma de prescrever e formatar o lugar de atuação do

coordenador pedagógico não é aleatória, mas está diretamente atrelada a um modelo de

educação que, mesmo desprovido de reflexão em suas origens, está instituído. A respeito do

modo como esse modelo penetra em diferentes espaços educacionais, buscamos apoio nas

ideias de GAULEJAC (2007, pp.100-101):

“Os instrumentos de gestão não são neutros, contrariamente ao que pretende a maioria dos

manuais que os apresenta como técnicas a serviço de uma abordagem racional da

realidade. Eles são construídos sobre pressupostos raramente explicitados, lógicas

implícitas que se impõem por meio de regras, de procedimentos, de ratios e de indicadores

que se aplicam sem que haja possibilidade de discutir sua pertinência. As direções da

empresa se referem constantemente a esses instrumentos para legitimar suas decisões e

torna-las indiscutíveis, como se a racionalidade aparente de que são portadores ocultasse a

própria decisão”.

A coordenação, nesta perspectiva, pode ser identificada como um dos elementos da

administração industrial e geral. Segundo FAYOL (1989, p. 126):

“Coordenar é estabelecer a harmonia entre todos os atos de uma empresa de maneira a

facilitar o seu funcionamento e o seu sucesso. É dar ao organismo material e social de

cada função as proporções convenientes para que ele possa desempenhar seu papel segura

e economicamente. É considerar, em uma operação – técnica, comercial, financeira ou

outra -, as obrigações e as consequências que essa operação acarreta para todas as funções

da empresa”.

Com a tarefa de garantir a implementação e organização da unidade escolar, de acordo

com tudo aquilo que for prescrito pelos órgãos centrais da Secretaria Municipal de Educação

e/ou planejado pelos profissionais que nela atuam, é possível compreender que o trabalho de

articulação e construção de cunho democrático da gestão escolar, tão almejados na década de

80, quando o cargo de coordenador pedagógico foi criado, parece desaparecer do horizonte

deste profissional.

Se o que se observou no Brasil, no período pós-ditadura militar, foi um clamor pela

democratização da educação, o que se constatou no decorrer das décadas seguintes,

principalmente a partir dos anos 1990, foi o fortalecimento do discurso da ‘qualidade da

educação’; aprimorado pela introdução de instrumentos de medição dos resultados e análise

dos índices educacionais, que se coadunam perfeitamente com o modelo empresarial vigente

nas sociedades capitalistas.

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A lógica de mercado, atravessando o campo educacional, provoca, neste último, a

absorção de regras de organização como: mensuração, competição, produtividade, eficácia e

eficiência. A este respeito, comenta GENTILI (2001, p. 158):

“Políticos, empresários, intelectuais e sindicalistas conservadores não hesitam em

transformar qualquer debate sobre educação em um problema de “custos”. Até os

sacrossantos homens da fé cristã têm começado a se deixar seduzir pelo discurso do

mercado, fundindo-o com seu favorito sermão da transcendência. A esta altura dos

acontecimentos, ninguém duvida que temos de educar “para a cultura do trabalho”; o que,

em bom português, quer dizer “educar para a cultura do mercado”. Os termos “eficiência”,

“produtividade”, “produto educativo”, “rentabilidade”, “custos da educação”, “competição

efetiva”, “excelência”, “soberania do consumidor”, “cliente-aluno”, etc. não são um

produto alucinado de nossa exagerada crítica ao mundo dos negócios. Trata-se

simplesmente do vocabulário que compartilham aqueles que professam sua fé nesta nova

retórica”.

A necessidade de garantir o controle da organização da unidade escolar exige que cada

situação enfrentada pelo coordenador pedagógico seja acompanhada de um encaminhamento

imediato, de uma constante adaptação dos meios ao fim. É o que pode ser constatado na

atribuição V; quando a recuperação e reforço são propostos como possibilidade para o

atendimento aos alunos que apresentam dificuldades escolares. Numa analogia empresarial,

esse encaminhamento se assemelha ao processo de recuperação de produtos que apresentaram

falhas durante o seu processo de produção.

A respeito da educação a serviço da economia, afirma GAULEJAC (2007, p. 267) “o

sistema educativo deve produzir, conforme esse programa, alunos empregáveis, adaptados ao

mercado do trabalho e às necessidades da economia. Em um a sociedade de mercado, cada

aluno deve assimilar desde muito cedo os cânones da ideologia gerencialista”.

Considerando ainda a síntese apresentada no anexo I do edital de concurso, merece

destaque o que propõe a atribuição XII, quando vincula o desenvolvimento de estudos e

pesquisas à finalidade imediata de garantir a atualização de práticas pedagógicas e a

adequação destas às necessidades dos alunos; verifica-se que uma proposição de caráter

utilitarista passa a acompanhar o conhecimento, desconsiderando seu aspecto histórico e

processual, já que o interesse da modernização reside na eficácia e no progresso.

Se ao coordenador pedagógico cabe o acompanhamento e a garantia de manutenção da

organização escolar, nos seus diferentes aspectos, não se pode deixar de considerar, então, que

essa atuação caracteriza-se por uma perspectiva utilitarista do ato educativo. A organização

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dos meios a serviço de um fim provoca neste profissional a chamada reflexão a serviço da

eficácia, conforme afirma GAULEJAC (2007, p. 74):

“Mais profundamente, tudo aquilo que não for útil é considerado como não tendo sentido.

O único critério reconhecido como dando sentido é o critério de utilidade. A questão não é

mais, então, produzir conhecimento em função de critérios de verdade, mas segundo

critérios de eficiência e rentabilidade dos objetivos fixados pelo sistema. É um outro

aspecto da racionalidade instrumental, que tende a considerar como irracional tudo aquilo

que não entra em sua lógica”.

Na atribuição IX, do edital de concurso, é possível identificar outra faceta importante

da atuação dos coordenadores pedagógicos na rede municipal de ensino de São Paulo, a

relevância dada aos resultados das avaliações internas e externas, sempre atreladas à ideia de

que, através destas, é possível buscar e/ou garantir maior qualidade no campo da educação.

Sobre as avaliações padronizadas, afirma GENTILI (2001, p. 157):

“Seja como for, atualmente quase todos os leais seguidores desta retórica concordam em

que as provas padronizadas para a medição dos êxitos cognitivos aplicados à população

estudantil constituem um dos métodos mais confiáveis para o controle da qualidade da

educação oferecida pelas escolas. Nesta concepção reducionista, é a partir da aplicação de

tais instrumentos que se pode medir o grau de eficiência de uma instituição escolar e –

consequentemente – do conjunto do sistema educacional”.

A preocupação com a produtividade dos alunos e os resultados apresentados pelos

mesmos nestes instrumentos padronizados teve origem nos Estados Unidos, na década de

1980, conforme aponta na nota 45, GENTILI (2001, p. 154):

“Esta problemática começou a difundir-se nos anos 80 devido ao grande impacto que

tiveram os relatórios Nation at Risk (1983) da National Comissiono n Excellence in

Education e Action for Excellence (1983) da Education Commission of the States. Apesar

de ambos os documentos refletirem a preocupante situação da educação nos Estados

Unidos, eles começaram a ser considerados reflexo da situação mundial da educação. A

partir da aparição destes relatórios, a sucessão de documentos e reuniões internacionais

sobre a questão da qualidade na educação tem sido interminável. Entre os mais

significativos deve-se mencionar a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, do

Banco Mundial – FMI – UNESCO, ocorrida em março de 1990 em Bangkok e, no caso

latino-americano, o recente relatório da CEPAL – UNESCO: Educación y consocimiento:

eje de la transformación productiva em equidade, Santiago do Chile, Nações Unidas,

1992”.

É importante destacar que no período de 2009 a 2012, os coordenadores pedagógicos

da cidade de São Paulo participaram anualmente do preenchimento de um documento

denominado ‘Auto Avaliação da Unidade’.

Para se auto retratar, o coordenador pedagógico deveria atribuir pontos a cada descritor

indicado no instrumento de auto avaliação. A valoração atribuída aos descritores variava de 01

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a 05, de acordo com a frequência e a quantidade de ocorrências. Dessa maneira, o instrumento

de auto avaliação propunha um valor para cada item, que era transformado numa média geral

para balizar a atuação de cada coordenador pedagógico. Tal situação remete àquilo que se

denomina quantofrenia ou doença da medida. Para GAULEJAC (2007, p. 95 e 96):

“é uma expressão caricatural da ilusão que consiste em crer que a realidade possa ser

compreendida e dominada com a condição de que se possa medi-la. Para fazer isso,

recortamos essa realidade em partículas que pretenderíamos serem elementares, às quais

atribuímos um coeficiente. Feito o recorte e a cifração, todos os cálculos se tornam

possíveis. Podemos resolver equações, estabelecer estatísticas, efetuar comparações.

Acreditamos dessa forma estamos construindo uma representação objetiva dos

fenômenos”.

Nesta perspectiva, o instrumento de auto avaliação propunha aos coordenadores da

rede municipal de ensino de São Paulo uma organização do trabalho, estruturado em duas

dimensões: planejamento e monitoramento.

Caberia então uma análise das atribuições do último concurso para coordenador

pedagógico que levasse em conta os aspectos de planejamento e monitoramento. Arriscando

uma simplificada divisão das dezoito atribuições que constam no anexo I do edital, cinco delas

parecem enquadrar-se no ato de planejar: I, II, III, VI e XIV. As outras treze atribuições

pertenceriam então ao campo do monitoramento: IV, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XV,

XVI, XVII, XVIII.

Importante destacar que esta divisão ratifica o aspecto de monitoramento presente na

atuação do coordenador pedagógico, a partir da análise da função da avaliação, no controle da

organização da unidade escolar, sob a responsabilidade deste profissional.

Em tempo, esta possível divisão de atribuições do edital de concurso, que obedece às

dimensões apresentadas no instrumento de auto avaliação da unidade escolar, revela o

planejamento como outro aspecto de constituição do trabalho do coordenador pedagógico. De

acordo com RIBEIRO (1978, p. 121):

“Designamos por planejamento o primeiro grupo de atividades específicas da

Administração, envolvendo uma sucessão de fatos, desde a ideação do empreendimento

até a fixação de seu projeto definitivo, isto é, a criação de condições que permitem ao

administrador passar imediatamente às providências de organização. É o planejamento, na

ordem lógica das considerações, a primeira das tarefas que a administração realiza; ocorre,

portanto, antes da execução das operações de base a que o empreendimento se propõe”.

Se o planejamento e o monitoramento estruturam as atribuições do coordenador

pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo e, ao mesmo tempo, estas funções são

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identificadas como específicas de um modelo de administração empresarial, seria possível

afirmar que a prescrição da atuação destes profissionais encontra-se, cada vez mais,

distanciada de uma prática escolar de caráter mais político e humanizado?

Ainda que o modelo empresarial adotado pelo setor público tenha a ‘participação dos

profissionais da educação na construção do projeto escolar’, como um de seus princípios, cabe

destacar que esta proposta está revestida de uma intenção imediata de obter a cooperação, por

parte dos trabalhadores em educação, para a implementação do projeto de modernização da

escola.

No caso do trabalho desenvolvido pelos coordenadores pedagógicos da rede municipal

de ensino de São Paulo, é possível notar que a atuação deste profissional transfere-se da base

de construção da gestão democrática da escola para o da gestão participada, como técnica.

Nesta perspectiva, afirma LIMA (2001, pp. 132 – 133): “A participação “alargada” dos

“interessados” assenta numa estratégia de delegação política para reduzir os conflitos

institucionais, uma estratégia neo-conservadora, na terminologia de Tyler (1991: 189-90), e

não numa descentralização/devolução de poderes ( embora frequentemente numa

descentralização de encargos)”.

Chamado a atuar em todos os espaços, numa perspectiva controladora e de

monitoramento, poderia o coordenador pedagógico ser definido como o profissional

responsável pela árdua tarefa de conferir, ordenar, organizar e garantir a manutenção da

unidade escolar, de acordo com o que foi planejado e prescrito para o seu funcionamento,

tendo como referência os aspectos de eficiência, eficácia e apresentação de resultados, sempre

mensurados por índices, previamente estabelecidos. Conforme esclarece LIMA (2001, p. 128):

“A obsessão pela eficácia, pela eficiência e pela qualidade, ainda que recente no universo

educativo, é uma obsessão tipicamente tayloriana, presente por diversas formas na teoria

da burocracia, na escola das relações humanas, nas perspectivas sistemáticas e

contingenciais etc. A novidade residirá, apenas, na insistência com que é referida no setor

educativo, ganhando foros de inovação. A reedição de programas, de métodos e de

técnicas, que têm feito carreira na administração de empresas, sobretudo a partir da década

de sessenta, agora no contexto educativo, é mais um sinal a confirmar a adopção de um

modo de racionalidade econômica”.

Desse modo, levantamos a hipótese de que a lógica de funcionamento da escola,

organizada pelos princípios empresariais, direciona o trabalho do coordenador pedagógico

para o estímulo à competição e a amostragem dos bons modelos, além da constante

manipulação de índices e resultados que norteiam a escola para um aprimoramento ilusório.

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Com as questões e desafios expostos até aqui, faz-se pertinente, dar voz aos

coordenadores pedagógicos que atuam na rede municipal de ensino de São Paulo, de modo a

garantir que os mesmos apresentem suas próprias considerações a respeito do trabalho que

desenvolvem e que podem, significativamente, contribuir para definir o lugar formatado para

estes profissionais, na construção de sua rotina. É o que veremos a partir do capítulo 3, deste

trabalho.

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CAPÍTULO 3

ENTRE A PRODUTIVIDADE E A INTELIGIBILIDADE: DESAFIOS E

CONTRIBUIÇÕES NO TRABALHO DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS

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Neste capítulo faz-se uma retomada das políticas gerencialistas, que estão definindo a

organização das unidades escolares da rede municipal de ensino de São Paulo. Apresenta-se, a

título de exemplo dessas políticas, a instituição do Prêmio de Desempenho Educacional, que

ocorreu durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab, enfatizando os critérios utilizados no

calculo do referido prêmio. Em seguida, busca-se destacar o modo como essas políticas têm

influenciado o trabalho, a subjetividade e a saúde dos profissionais da educação; para tanto,

foram elencados alguns excertos das entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos

que atuam na rede de ensino de São Paulo e que, de alguma maneira, revelam os desafios

enfrentados pelos mesmos, diante da organização de trabalho que se constitui a partir dos

princípios gerencialistas. Desse modo, este estudo procura lançar atenção especial aos

elementos que podem ajudar a identificar o lugar prescrito para estes profissionais, bem como

demonstrar as contribuições oferecidas pelos mesmos para a realização do trabalho a que se

propõem.

3.1. Do desempenho à bonificação: a proposta de (des) valorização dos profissionais da

educação

Conforme estudo realizado no capítulo anterior, desde a década de 1990, a educação

brasileira vem sofrendo, de modo mais sistemático, a influência de valores transferidos do

campo empresarial, que passaram a interferir diretamente na organização das unidades

escolares. É sabido que, sob o argumento de garantir a melhoria da qualidade da educação, tais

propostas instituem condições de trabalho aos seus profissionais, demarcadas por processos de

precarização, que levam ao adoecimento, de modo cada vez mais frequente (Oliveira, 2004).

Assim, os profissionais da educação, imersos nesta lógica empreendedora, são

conclamados a assumir princípios taylorianos no exercício de suas funções como, por

exemplo, trabalhar em equipe e cooperar, no intuito de construir um clima favorável para

encontrar as soluções dos problemas enfrentados no cotidiano das escolas (Lima, 2001). São

princípios que favorecem a transferência aos trabalhadores da responsabilidade pelo que

ocorre no ambiente laborativo, sob o esquema de controle centralizado; identificado através da

implementação das avaliações em larga escala, que vem ditando não só o currículo escolar,

como também tem contribuindo para o fortalecimento de propostas educacionais de cunho

meritocrático. A respeito dessas mudanças, esclarece PIOLLI (2013, p. 9):

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“[...] foram amparadas por uma orientação ideológica que utilizava como argumento

principal o combate à burocracia, à morosidade e à ineficiência dos serviços no setor

público. A produtividade e a qualidade passaram a orientar o conjunto dos serviços

públicos submetendo-os a critérios quantitativos, indicadores e rankeamento. A avaliação

e o desempenho constituíram-se como elementos centrais na orientação das políticas tendo

a melhoria da qualidade do serviço público como enunciado fundamental para legitimar a

adoção de práticas gerencialistas oriundas do setor privado. Essas práticas emergem,

portanto, como componente essencial do processo de racionalização do Estado e,

consequentemente, da concepção e implantação das políticas públicas”.

Assim, as políticas educacionais, travestidas de uma preocupação modernizadora,

propõe a busca da qualidade, através da crença nas capacidades reguladoras do mercado, na

concorrência e na competitividade, nas ideologias meritocráticas e no racionalismo

econômico, dando ênfase aos resultados quantificáveis (Lima, 2001).

Na perspectiva do entendimento numérico, que avança para o campo educacional, só

pode ser compreendido e valorizado aquilo que é mensurável. E a proposta de medir para

compreender a realidade fica então descartada, já que esta última é que necessita adequar-se

aos índices previamente estabelecidos, definidos por metas e resultados a serem alcançados. A

este respeito, afirma GAULEJAC (2007, p. 67):

“Nessa lógica de pensamento, excluímos da análise tudo aquilo que é considerado como

irracional, porque não objetivável, não mensurável, não calculável. Os registros afetivos,

emocionais, imaginários e subjetivos são considerados como não confiáveis e não

pertinentes. No limite, eles não existem porque não sabemos atingi-los, analisa-los ou

traduzi-los em números”.

Seguindo a lógica mercadológica que atravessa o campo educacional, a Secretaria

Municipal de Educação instituiu, através da Lei nº 14.938 de 30 de junho de 2009, o Prêmio

de Desempenho Educacional. Esse prêmio, atendendo a legislação que o cria, é concedido

anualmente aos servidores que atuam nas unidades da SME, em razão da avaliação de

desempenho das mesmas.

Em 2012, último ano de gestão do prefeito Gilberto Kassab, a proposta era de que o

Prêmio de Desempenho Educacional – PDE - fosse calculado a partir do INDIQUE – Índice

de Qualidade da Educação. Segundo o Decreto nº 53.226 de 20 de junho de 2012, artigo 5º, o

pagamento da segunda parcela do PDE, referente ao exercício de 2012, a ser paga em janeiro

de 2013, seria feito com base em dois critérios. O primeiro refere-se ao tempo de exercício

real do profissional no cargo ou função, no período de 06/02/2012 a 30/11/2012; neste item é

considerado como efetivo comparecimento do servidor ao trabalho: as férias e recessos

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escolares, o afastamento por licença nojo, a convocação para júri, a licença por acidente de

trabalho ou por doença profissional ou do trabalho. O segundo critério refere-se ao

desempenho das unidades da Secretaria Municipal da Educação: nas unidades de ensino

fundamental – o INDIQUE; nas unidades de educação infantil – o Índice de Qualidade na

Educação Infantil e nas Diretorias Regionais de Educação – o valor médio das suas unidades

educacionais.

No início de 2013, com o término da gestão do prefeito Gilberto Kassab e o início da

gestão do prefeito Fernando Haddad, foi publicado o decreto nº 53.702 de 22 de janeiro de

2013. Esta legislação, além de fixar o valor total do Prêmio de Desempenho Educacional,

conferiu nova redação ao artigo 7º do decreto nº 53.226 de 20 de junho de 2012.

Com a publicação do decreto nº 53.702 de 22 de janeiro de 2013, o prefeito Fernando

Haddad altera o critério utilizado para medir o desempenho das unidades educacionais. Para

mensurar o valor do Prêmio de Desempenho Educacional, o INDIQUE deixa de ser utilizado

para o referido calculo. Ao apurar o desempenho das unidades educacionais, a Gestão do

Prefeito Fernando Haddad utilizou, no cálculo da segunda parcela do PDE de 2012, o índice

de ocupação escolar determinado pela relação percentual existente entre a capacidade de

atendimento da unidade e o número de alunos efetivamente atendidos, tanto nas escolas de

ensino fundamental, quanto nas unidades de educação infantil. Nas Diretorias Regionais de

Educação, foi utilizada a média dos índices das unidades a elas vinculadas.

Ainda em 2013, um novo decreto é publicado pelo prefeito Fernando Haddad,

dispondo sobre o pagamento do Prêmio de Desempenho Educacional para os anos de 2013 e

2014. Trata-se do decreto nº 53.946 de 28 de maio de 2013 e nesta legislação também são

apontados dois critérios para o calculo individual do PDE aos profissionais da educação. O

primeiro critério é o de desempenho das unidades da Secretaria Municipal da Educação. No

ano de 2013, excepcionalmente, são utilizados nas unidades educacionais – o índice de

ocupação escolar determinado pela relação existente entre a capacidade de atendimento da

unidade e o número de alunos atendidos; nas Diretorias Regionais de Educação – o valor

médio de suas unidades educacionais. No ano de 2014, o critério de desempenho das unidades

da SME será calculado: nas escolas de ensino fundamental – pelos resultados do IDEB; nas

unidades de educação infantil – pelo indicador oficial de avaliação da qualidade que será

implantado; nas Diretorias Regionais de Educação – pelo valor médio de suas unidades

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educacionais. O segundo critério, que trata do tempo de exercício real do profissional no

cargo; no período entre 01/02 e 31/12 do ano a que se refere o prêmio; permanece o mesmo

tanto para 2013, quanto para 2014. Vale destacar que este período foi estendido de novembro

para dezembro, em relação ao que propunha o decreto nº 53.226 de 20 de junho de 2012,

aferido durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab. De acordo com o critério de tempo de

exercício real, proposto pelo decreto nº 53.946 de 28 de maio de 2013, são considerados como

efetivo comparecimento: as férias e recesso, o afastamento por licença nojo, convocação para

júri, licença por acidente de trabalho ou doença profissional, licença maternidade, licença

adoção e licença paternidade, licença compulsória.

É possível verificar que as políticas de bonificação, efetivadas através do pagamento,

ora da gratificação de desempenho educacional, ora através do prêmio de desempenho

educacional, apresentaram um progressivo arrocho, no que diz respeito às exigências impostas

aos profissionais da educação, na cidade de São Paulo. Importante destacar que em 2002, a

GDE tolerava as faltas abonadas e justificadas dos servidores, no cálculo do pagamento. Nos

anos seguintes, até mesmo a licença médica, para tratar da própria saúde, passou a ser

computada para o desconto e consequente perda da ‘premiação’ de desempenho educacional,

seguindo a lógica de pressão para o aumento da produtividade, conforme apontaram os

critérios analisados anteriormente.

Cabe observar que o PDE está diretamente ligado a uma política educacional que se

apresenta com a preocupação de garantir a melhoria da qualidade, buscando tal

aprimoramento através do pagamento de bônus pelo cumprimento de metas. Ao atentar para

os critérios utilizados na aferição do Prêmio de Desempenho Educacional, é possível

identificar que o cálculo do desempenho das unidades da Secretaria Municipal de Educação é

feito por média. É importante considerar que a utilização deste tipo de índice pode contribuir

para a ocultação da má qualidade da educação, ao invés de promovê-la, já que o aumento da

média nem sempre traduz a melhora significativa da aprendizagem para todos os alunos.

Desse modo, esclarece FREITAS (2009, p. 982):

“[...] há o risco da ocultação da má qualidade pelo uso da média como referência. O IDEB

não deixa de ser baseado em uma proficiência média da escola ou da rede. O uso da média

como referência e sua variação ao longo do tempo não significam que houve melhoria

para todos. Se um grupo de bons alunos for melhor ainda, a média subirá, mesmo que os

piores continuem onde sempre estiveram”.

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As particularidades de cada contexto escolar são renegadas em nome da modernização

que recomenda a necessidade de que o trabalhador da educação preste um serviço de

qualidade, passando este último a depender exclusivamente da capacidade profissional do

primeiro, incluindo aí o seu potencial para a adaptação e flexibilidade; o que remete ao

necessário aumento da produtividade e dos resultados obtidos. Daí a Secretaria Municipal de

Educação de São Paulo propor que, para o pagamento do Prêmio de Desempenho

Educacional, sejam utilizados os resultados de desempenho das unidades educacionais, bem

como a frequência dos seus profissionais, traduzida em esforço, dedicação / adesão.

Nestas condições, a modernização da educação, atravessada por uma perspectiva neo-

tayloriana, propaga a importância da participação dos profissionais, considerando-a elemento

essencial para o sucesso de suas equipes. E quanto aos conflitos existentes no espaço escolar,

estes são atribuídos, de modo geral, à falta de comunicação adequada ou a desentendimentos

de caráter pessoal. Assim, a participação é assumida como estratégia para a promoção da

eficácia e da qualidade da educação; denominada participação-colaboração ou participação-

coesão (Lima, 2001).

Sobre a participação como técnica de gestão, afirma LIMA (2001, p. 132):

“A construção de “culturas” de empresa e as experiências de “participação” nos resultados

como prática salarial (participações financeiras, individualização de salários, partilha de

ações, prêmios e bônus, etc.) terão produzido resultados considerados interessantes na

pacificação das relações de trabalho, no reforço do controle interno e do consenso

(obrigatório ou imposto)”.

Diante disso, a melhoria da qualidade da educação, sob a lógica gerencialista, não

depende prioritariamente de investimentos da administração pública, já que o enfrentamento

deste desafio recai sobre o desempenho dos profissionais que atuam nas unidades escolares e

diretorias de ensino. Para promover mudanças nesse tipo de visão, a respeito da educação, faz-

se necessário repensar a concepção de avaliação e a atribuição de responsabilidades para todos

os envolvidos no processo educacional (poder público, profissionais da educação, pais e

alunos). A este respeito, FREITAS (2009, p.975) alerta para a importância da

responsabilização bilateral:

“Há de se reconhecer as falhas nas escolas, mas há de se reconhecer igualmente, que há

falhas nas políticas públicas, no sistema econômico etc. Portanto, esta é uma situação que,

à espera de soluções mais abrangentes e profundas, só pode ser resolvida por negociação e

responsabilização bilateral: escola e sistema. Os governos não podem “posar” de grandes

avaliadores, sem olhar para seus pés de barro, para suas políticas, como se não tivessem

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nada a ver com a realidade educacional do país de ontem e hoje. A estratégia liberal é

insuficiente porque responsabiliza apenas um dos polos: a escola. E o faz com a intenção

de desresponsabilizar o Estado de suas políticas, pela responsabilização da escola, o que

prepara para a privatização. Para a escola, todo o rigor; para o Estado, a relativização “do

que é possível fazer”. Em nossa opinião, uma melhor relação implica criar uma parceria

entre escola e governo local (municípios), por meio de um processo que chamamos de

qualidade negociada, via avaliação institucional”.

É preciso ressaltar que a política de responsabilização, de caráter unilateral, atribui aos

profissionais da educação a incumbência de alcançar metas e atingir resultados, através do

binômio desempenho – bônus.

Ao analisar o segundo critério utilizado para o pagamento do Prêmio de Desempenho

Educacional, qual seja o tempo de exercício real do profissional no cargo, faz-se necessário

atentar para os eventos que deixam de ser considerados como efetivo exercício para o cálculo

individual do PDE, tanto na gestão de Gilberto Kassab, quanto na gestão de Fernando Haddad.

Uma breve observação permite constatar que as faltas abonadas, justificadas e injustificadas e

outros licenciamentos são computados como ausência para fins de cálculo do Prêmio. Quando

adoece e afasta-se de suas atividades profissionais, o trabalhador da educação perde

gradativamente o direito ao recebimento do Prêmio de Desempenho Educacional. Essa faceta

da política meritocrática revela o distanciamento que se abre entre a organização do trabalho e

a condição (des) humana a que são submetidos os profissionais que atuam nas unidades

escolares.

As exigências feitas ao trabalhador, o empenho e a produtividade que se espera do

mesmo, fazem com que cada profissional seja também reduzido a números. No que diz

respeito a essa cobrança desmedida, indaga GAULEJAC (2007, p. 192):

“Se o desempenho é medido apenas com o metro de sua lucratividade financeira, ele deixa

na sombra suas repercussões humanas e sociais. Ele, principalmente, põe em

funcionamento um ciclo infernal: a melhoria contínua e acelerada da produtividade gera

uma espiral que pode ter consequências destrutivas. Essa “parte maldita” é consequência

de um sistema de poder que procura impor sua lógica seja qual for o custo humano e

social?”

Dessa maneira, o contexto educacional revela a urgência de dar voz aos seus

profissionais e, neste caso específico, aos coordenadores pedagógicos; de modo a analisar a

atuação dos mesmos, à luz de todas as mudanças que enfrentam, fortemente influenciadas

pelas propostas educacionais até aqui apresentadas, principalmente no que diz respeito aos

projetos gerencialistas que ganharam força nos últimos anos.

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Aos entrevistados foi perguntado o que pensam a respeito do pagamento por

desempenho, numa referência direta ao PDE:

CP (1): “Com relação a atrelar pagamento de servidor, eu acho que ainda não é adequado,

até porque a gente precisaria ter uma infraestrutura e apoio muito maior, pra dizer assim

olha professor você não tá trabalhando direito, então eu vou reduzir o seu salário. Tá, o

que eu ofereço pra ele colocar o trabalho dele em ordem? E acho que eu não sei se eu fui

clara na minha resposta, eu vou cobrar financeiramente do professor que o trabalho dele

não está adequado, mas eu tenho que em contrapartida oferecer uma formação mais

adequada a esse professor no sentido de permitir a ele ter um tempo dentro do seu horário

de trabalho pra participar de um curso de formação adequado pra poder subsidiar o

trabalho dele então não se trata só de cobrar o professor, ou a instituição ou as equipes.

Não tá fazendo o trabalho direito eu acho que a prefeitura também tem que oferecer essa

formação”.

No relato do entrevistado - CP (1) - é possível identificar o posicionamento contrário

que o mesmo assume quando o pagamento é atrelado a resultados, a índices de produtividade e

metas a serem cumpridas pelo servidor. Sua posição é ratificada, quando afirma que falta, aos

profissionais da educação, o apoio e a infraestrutura necessária ao desenvolvimento de um

trabalho mais aprimorado. Sustenta a ideia de que para cobrar, a administração pública, no

caso a prefeitura, também deve oferecer condições mais favoráveis. Dessa maneira, o

coordenador pedagógico alerta para o fato de que as políticas de premiação por desempenho

sobrecarregam a responsabilidade dos profissionais que atuam na escola e minimizam as

obrigações que caberiam ao poder público. Seu relato aponta para o afastamento da

administração pública, no que diz respeito à responsabilidade que lhe cabe sobre a educação; o

que remete a uma sensação de abandono sentido por aqueles que estão atuando nas unidades

escolares. É o que, neste sentido, esclarece AGUILAR (2000, p. 47) sobre o estado desertor:

“[...] a qualidade de desertar não significa privatizar o público como imperativo imediato,

mas a omissão, com o efeito moral e jurídico de algo que devia ser feito pelo Estado,

provoca a degradação do público. Assim, o público não é resguardado e a concessão

assume o caráter de privatização do público. A deserção do Estado tornaria inviável o

acesso a esses espaços públicos, por serem progressivamente reduzidos e até inexistentes,

ou por serem inatingíveis. Desertar significa abandonar, e neste caso é abandono do que é

público”.

Ainda sobre o pagamento por desempenho, assim respondeu outro entrevistado:

CP (2): “Eu acho sofrível. Eu acho sofrível. Ainda mais quando eu escuto um professor

me falar assim [...] ‘poxa vida, a gente vai receber menos abono’. Por que? Por que

jogaram lá crianças com necessidades especiais. Porque JOGARAM. Então essa política,

eu vou começar pelo abono, pela questão da meritocracia, isso não acrescenta o trabalho

em grupo, nunca. A gente vai ter uma classe diferenciada, uma classe que vai brigar então

por bônus, colocando não o papel do professor enquanto transformador, mas um

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proletariado. E outra questão é a do curso. Eu vou fazer uma pós não porque eu gosto, não

porque eu quero, mas porque eu preciso, eu preciso, eu preciso fazer uma pós. Aí, em

qualquer lugar tem pós, virou uma indústria do conhecimento, venda de diplomas. Então

bate na porta ali é pós, na outra porta é pós também. E cadê a consciência? O professor

não vai mais atrás de formações que acrescentam. Isso até esqueci de colocar, isso me

incomoda. Quando eu pergunto aqui: e aí professor, que tá fazendo na pós, que tá

achando? Nada. A gente só vai lá uma vez por mês, a gente se encontra e não tem nada,

nada. Estou copiando os trabalhos e pronto. Isso me entristece, de saber que a educação

brasileira tá tomando esse rumo. É a questão da meritocracia, então não acrescenta e

digamos que ela vai dividir ainda o grupo, o grupo da docência. E a questão do IDEB, a

questão do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, eu penso que criar uma

escola de ranking, qual a diferença de uma escola? Como eu vou comparar escolas que

tem o IDEB menor, eu posso dizer que aquela escola é melhor? Mas se aquela escola não

foi melhor, por quê? Por que aquela escola não foi melhor? O que eu tenho visto de

escolas que tem um bom andamento, são escolas de 600 alunos; e vai querer comparar o

IDEB de uma escola de 600 alunos, com o IDEB de uma escola que tem 1800 alunos?

Enquanto nós estivermos, assim, pautados em avaliações externas, que estejam vinculadas

a Prova Brasil, a Prova São Paulo, a IDEB, e a gente tiver essa questão do ranking, a

gente não vai conseguir a melhoria da qualidade de ensino. Então eu penso assim,

avaliação externa, como é que eu posso aproveitar isso pra escola? Aí é um outro foco, eu

posso trabalhar a Prova Brasil, a Prova São Paulo, o IDEB, como um referencial de

expectativa de aprendizagem pra escola, mas não pra dizer que aquela escola é a melhor

ou é a pior. Isso eu não concordo. Também não concordava como o projeto de escola

padrão por isso. Padrão de quê? Escola padrão de quê?”

No início de seu relato, o coordenador – CP (2) - demonstra seu descontentamento, ou

até mesmo indignação, com as relações estabelecidas na escola, influenciadas pela política

meritocrática. Comenta ter ouvido de um professor a reclamação de que receberia menos

abono, por terem ‘JOGADO’ crianças com necessidades especiais em sua sala. Disto, é

possível perceber que a padronização de rendimentos, imposta pela política de resultados e

atrelada ao pagamento de bônus, contamina não só a relação professor / aluno, como também

contribui para a exclusão do diferente e a desvalorização da diversidade na escola.

Ao comentar sobre a bonificação, o entrevistado – CP (2) - verbaliza o sofrimento

vivido por ele e também pelos demais professores que atuam na escola. Afirma que, ao

contrário do que defendem as políticas de cunho gerencial, a bonificação e, por conseguinte, o

estabelecimento de metas não fortalece o trabalho em equipe das unidades escolares. O

coordenador pedagógico menciona ainda a reconfiguração do papel do professor (o que pode

ser estendido aos demais profissionais da escola), que está cada vez mais distante do exercício

e construção de uma educação democrática e quiçá transformadora; pois, no desenvolvimento

de seu trabalho, cabe prioritariamente a adaptação aos imperativos econômicos, na busca da

eficiência e eficácia, que garanta a melhoria dos índices de avaliação.

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A respeito das profundas mudanças vividas na educação, a partir da política

empreendedora que a organiza, afirma LIMA (2012, p. 18):

“Ora é exatamente o reducionismo que marca os objetivos da educação e da escolarização,

concentrando-os de forma estreita na esfera econômica capitalista, que revela as

concepções subordinadas de educação e aprendizagem: todo-poderosas na promoção de

adaptação ao mundo e no desenvolvimento de um certo tipo de sociedade, mas

aparentemente incapazes de se engajarem na transformação do mundo, e de contribuírem

para mudanças sociais não apenas funcionais e cirúrgicas”.

Se as políticas educacionais, apoiadas nos ditames empresariais, insistem na ideia de

que a premiação por desempenho é um bom incentivo para melhoria da qualidade da

educação; é no relato do entrevistado – CP (2) – que podemos constatar a predominância da

precariedade e desumanização das relações entre alunos e professores. Estas têm se tornando

cada vez mais vulneráveis, diante da falta de investimento do poder público nas condições de

trabalho dos profissionais da educação e no respaldo estrutural das unidades escolares, entre

outros. Para LIMA (2012, p. 25):

“Subjugados ao modelo econômico dominante, funcionalmente adaptados e promotores

da reprodução eficaz desse modelo, a educação, a aprendizagem e o conhecimento mais

dificilmente poderão, e ousarão, comprometer-se com a promoção da humanização dos

seres humanos, da compreensão empática e crítica da nossa condição, da transformação

social e da revitalização da democracia”.

Quando aborda os desafios vividos na escola, o entrevistado – CP (2) - comenta o

quanto se sente incomodado com o aspecto utilitarista atribuído à formação, pelos professores.

A oferta de cursos de má qualidade, que em nada acrescentam aos profissionais da educação,

parece contribuir para um trabalho que se distancia cada vez mais de perspectivas reflexivas e

transformadoras da sociedade. Em seu relato, o coordenador pedagógico afirma que os cursos

frequentados pelos professores não oferecem contribuições significativas ao trabalho que

poderia ser desenvolvido na escola, de modo a transformá-la. Tal formação atende apenas as

necessidades ditadas pelas políticas meritocráticas, favorecendo inclusive a adaptação e

conformismo diante das mesmas. A esse respeito, afirma GAULEJAC (2007, p. 74):

“A pertinência do conhecimento é medida pelo metro de sua utilidade para a organização.

É difícil, nesse contexto, desenvolver um pensamento crítico, salvo se a crítica for

“construtiva”. Podemos exercer a liberdade de pensamento e de palavra, com a condição

de que essa liberdade sirva para melhorar os desempenhos. Aquele que levanta um

problema sem trazer sua solução é percebido como alguém que perturba, um ser negativo,

ou até um contestador, que é melhor eliminar. O conformismo é a contrapartida do

utilitarismo”.

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Outro aspecto a ser considerado no relato do coordenador pedagógico – CP (2) –

refere-se ao seu posicionamento a respeito da utilização das avaliações em larga escala. O

entrevistado esclarece que é contra o rankeamento das unidades escolares, feito a partir das

avaliações como Prova Brasil e Prova São Paulo, bem como salienta a inadequação do uso de

índices como o IDEB, para comparar escolas com características completamente diferentes.

Aponta o quão importante seria o oferecimento dos resultados das avaliações externas à

escola, para que cada uma delas pudesse aproveitá-los, considerando suas especificidades. Tal

proposição remete a uma mudança no uso das avaliações externas, que ficariam a serviço da

unidade escolar e não mais subordinadas aos índices e metas propagadas pelo viés

empresarial, instalado no campo educacional, com o objetivo de padroniza-lo. Sobre a função

da avaliação em larga escala, esclarece FREITAS (2009, p. 978):

“A avaliação em larga escala de redes de ensino precisa ser articulada com a avaliação

institucional e de sala de aula. Nossa opinião é que a avaliação de sistema é um

instrumento importante para monitoramento das políticas públicas e seus resultados

devem ser encaminhados, como subsídio, à escola para que, dentro de um processo de

avaliação institucional, ela possa usar estes dados, validá-los e encontrar formas de

melhoria. A avaliação institucional fará a mediação e dará, então, subsídios para a

avaliação em sala de aula, conduzida pelo professor. Entretanto, sem criar este mecanismo

de mediação, o simples envio ou a disponibilização de dados em um site ou relatório não

encontrará um mecanismo seguro de reflexão sobre estes. Os dados podem até ter

legitimidade técnica, mas lhes faltará legitimidade política. Vamos, novamente, esquecer

de “combinar” com as professoras os acordos entre o MEC e os municípios, afastando-as

do processo?”

Ao abordar a política de bonificação da rede municipal de ensino de São Paulo,

consolidada através do Prêmio de Desempenho Educacional, o tema da avaliação assume

lugar central no posicionamento apresentado pelos entrevistados; haja vista que o pagamento

do bônus está atrelado também ao desempenho das unidades educacionais em avaliações de

larga escala. Vale ressaltar que a abordagem feita pelos entrevistados não defende o fim das

avaliações, mas sinaliza a necessidade de que a função ocupada pela mesma, no contexto de

uma educação meritocrática e rankeadora, seja revista. É o que esclarece FREITAS (2009, p.

981):

“Em resumo, não somos contra a existência da avaliação externa. Não somos contra,

igualmente, a existência de índices. Mas somos contra o uso da avaliação externa tendo

como pano de fundo a “teoria da responsabilização” liberal. A responsabilização

pressupõe uma linha direta de pressão sobre os municípios, o que poderá levar a toda sorte

de armadilhas para se obter recursos. Prova Brasil, SAEB e IDEB devem ser instrumentos

de monitoramento de tendências e não instrumentos de pressão”.

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Constata-se que, por trás da ‘política de valorização do magistério’, concretizada pelo

pagamento da bonificação e enraizada nos princípios do empreendedorismo educacional, está

a manipulação e o envolvimento compulsório do trabalhador, que vivencia um sofrimento

constante, no que diz respeito ao cumprimento de metas e resultados. As exigências

profissionais exacerbadas expõem os profissionais da educação a situações de angústia, medo

e sofrimento no trabalho.

Cabe considerar, no entanto, que a realidade encontrada no ambiente laborativo não se

configura de modo estático e absolutamente impositivo ao trabalhador, pois se assim o fosse,

caberia ao profissional da educação, por exemplo, ocupar apenas o lugar de executor, vítima

das prescrições previamente definidas. Com frequência, verifica-se que o sentido atribuído ao

trabalho, pelo trabalhador, não reside numa adesão aos instrumentos de gestão, que o mantém

cego diante das exigências formais; permanecendo totalmente submisso aos parâmetros com

os quais será avaliado (Gaulejac, 2007).

O trabalhador oferece, constantemente, contribuições para o desenvolvimento do seu

trabalho, promovendo ajustes e mudanças que se fazem necessárias e/ou possíveis, e que estão

imbricadas no processo de autonomia controlada, que exige do trabalhador dedicação aos

princípios e metas preestabelecidos (Piolli, 2010-2011).

Nesta perspectiva, são apresentados, a seguir, alguns excertos das entrevistas realizadas

com coordenadores pedagógicos, que buscam identificar o lugar ocupado pelos mesmos,

destacando-se a relação estabelecida por estes profissionais com o real e o prescrito no espaço

laborativo, identificando atitudes e ações que lhes permitem atribuir sentido ao trabalho,

burlando, ainda que temporariamente, o caráter meramente instrumental e utilitário que o

gerencialismo lhes impõe.

3.2. As atribuições do coordenador pedagógico: organização prescrita & organização

real do trabalho

A partir das entrevistas realizadas, verificou-se que o cotidiano dos coordenadores

pedagógicos está demarcado pelo ajuste constante entre a organização prescrita e real do

trabalho, exigindo que, na relação com este, os profissionais empreguem uma inteligibilidade

que lhes permita aprimorar o trabalho a ser desenvolvido.

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Ao enfrentar as exigências do trabalho, os coordenadores pedagógicos estabelecem

uma relação com o mesmo, constituído não só de sofrimento, mas demarcado também pelo

envolvimento subjetivo que pode lhes garantir o uso da engenhosidade e da cooperação para o

desenvolvimento de suas atividades profissionais.

Ao ouvir os coordenadores pedagógicos, torna-se possível confrontar a organização

prescrita e a organização do real do trabalho, bem como revelar as escolhas feitas por estes

profissionais para adequar as demandas surgidas daí. Quando solicitado, durante a entrevista,

para que elencassem suas principais atribuições, a resposta esteve predominantemente

relacionada à formação.

Vale destacar que a referência à ‘formação docente’ está diretamente ligada à

organização e acompanhamento dos horários coletivos de formação em serviço, que fazem

parte da jornada de trabalho dos professores da rede municipal de ensino de São Paulo. No

cumprimento destes horários coletivos de formação, é atribuída à coordenação pedagógica,

através de legislação própria, a responsabilidade pelo andamento dos trabalhos aí

desenvolvidos:

CP (1): “Hoje a formação docente é uma das mais difíceis no meu entender e umas das

mais complexas mesmo sabe, o acompanhar o trabalho pedagógico da sala, subsidiar esse

professor, orientar esse professor naquilo que ele está fazendo eu acho que é uma das

principais tarefas do coordenador. É claro que a gente não tem só isso e que as outras

coisas atrapalham e muito a desenvolver essa primeira que eu falei, mas eu acho que a

principal é a formação”.

CP (3): “A formação. Eu acho que é a que comanda. É a que comanda sim, é a que

comanda”.

É possível perceber que a formação docente, elencada como principal atribuição pelos

entrevistados, parece indicar até mesmo um consenso entre estes profissionais a respeito de

seu ofício. Mas ao indagar sobre a rotina que os mesmos desenvolvem nas escolas, a formação

docente ocupa um espaço de menor proporção, principalmente quando se observa a descrição

da organização real do trabalho. Desse modo, as ações formativas, a serem desenvolvidas pelo

coordenador pedagógico, permanecem no campo do imaginário ou numa dimensão idealizada

por estes profissionais que, diante das reais condições de trabalho, encontram-se impedidos de

realiza-las. Para estes profissionais cabe enfrentar não só o sofrimento vivido pelo confronto

entre o desejo e a possibilidade de realização do trabalho, como também retomar o sentido

atribuído ao mesmo, diante das limitações que lhes são impostas.

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Ao realizar a leitura das dezenove atribuições da coordenação pedagógica, prescritas

no artigo 11, do decreto nº 54.453 de 11 de outubro de 2013, verifica-se que apenas uma delas

estabelece relação entre a atuação do coordenador pedagógico e a formação dos professores,

sendo esta atrelada aos programas e projetos da secretaria municipal de educação. As demais

atribuições, deste mesmo decreto, indicam outras tarefas, a serem realizadas pelo CP, que

passam, entre outros, pela análise de resultados de avaliações externas à implementação de

ações que contribuam para a superação dos mesmos.

Ao perguntar sobre sua rotina, assim se colocam os coordenadores pedagógicos:

CP (1): “Que loucura você tem certeza que quer ouvir isso. Ó, eu planejo tá eu tenho um

plano de trabalho do que eu vou fazer na 2ª, na 3ª, na 4ª. Foge a tudo que eu planejei

normalmente, mas assim o meu plano de trabalho na 2ª feira é mais o acompanhamento do

planejamento das professoras e o meu planejamento. Na 3ª e na 4ª eu trabalho

especificamente a formação das professoras com o PEA de formação. Na 5ª os registros e

avaliação e na 6ª eu tento segurar o dia para o atendimento de pais enfim, mas isso não

segue a regra, a gente acaba enquanto coordenador pedagógico trabalhando em cima de

prioridades, infelizmente, o que é prioridade nesse momento: fazer os encaminhamentos

das crianças? Acompanhar o trabalho da professora X na sala tal? Organizar algum

projeto? Então a gente vai trabalhando em cima das prioridades”.

CP (3): “Então a minha rotina, meu horário é das 10h30min às 19h. Então eu já chego na

unidade, a primeira coisa que eu faço é guardar a bolsa, pegar o caderno e sentar com a

diretora, antes de fazer qualquer coisa, então eu tomo pé do que aconteceu durante a

manhã, então eu vejo a unidade pelos olhos dela, na parte da manhã. E aí a gente troca, eu

passo pra ela o que aconteceu no período da tarde, que é quando ela já foi embora, então a

gente troca, então a gente sempre faz isso, todos os dias, então isso é rotineiro. Então a

gente senta, a gente troca, depois que a gente fez as trocas, a gente faz algumas

observações, coisas que a gente tem que retomar depois, decisões que a gente tiver que

decidir, a gente troca muito bilhete, e aí eu volto meu caderno e vou acompanhar o

almoço, todos os dias. Quando nossa reunião se estende um pouco, não dá, mas é uma

coisa que eu procuro fazer, termina a reunião já vou acompanhar o almoço, então eu

acompanho o almoço. O berçário não dá pra acompanhar porque o horário já se foi, então

eu já acabo fazendo algumas observações que já tiver pra fazer naquele momento.

Terminando o almoço que é 11h30min, eu volto pra minha sala e vou preparar a

formação, terminar de organizar, organizar a sala, porque meio dia tem a formação: das

12h até 13h. Eu paro pra almoçar, depois é o momento que eu passo nas salas,

acompanhando o trabalho, então isso é rotineiro”.

Conforme afirma DEJOURS (1999, p. 26), a respeito da organização prescrita do

trabalho, “na verdade, quaisquer que sejam as qualidades da organização do trabalho e da

concepção, é impossível, nas situações comuns, atingir os objetivos da tarefa, respeitando

rigorosamente as prescrições, as instruções e os processos”.

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A importância atribuída pelos entrevistados - CP (1) e CP (3) - para a formação

docente e o lugar que esta ocupa diante de todas as outras atividades exercidas pelos

coordenadores pedagógicos, no cumprimento de suas rotinas, aponta para o que DEJOURS

(1999, p.26) esclarece a respeito da organização prescrita do trabalho:

“Se nos ativéssemos à estrita execução, encontrar-nos-íamos na situação bem conhecida

da chamada ‘operação-padrão’, equivalente a operação ‘sem-zelo’. O zelo é,

precisamente, tudo o que os operadores adicionam à organização prescrita, para torná-la

eficaz. Tudo o que eles empregam, individual e coletivamente, e que não depende da

execução. A gestão concreta da distância entre o prescrito e o real depende totalmente da

concepção”.

3.3 ‘Eu não sou bombeiro’: engenhosidade e superação do sofrimento

Se, para psicodinâmica do trabalho, o sofrimento configura-se como um estado

permanente de luta do trabalhador para superar as dificuldades encontradas no confronto entre

o real e o prescrito, é na organização do trabalho que o trabalhador poderá elaborar as

adaptações necessárias para o seu funcionamento aprimorado. Nesta perspectiva, tomamos o

conceito de trabalho elaborado por DEJOURS (2011, p. 161): “O trabalho é a atividade

coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que não poderia ser realizado pela simples

execução prescrita de uma tarefa de caráter utilitário com as recomendações estabelecidas pela

organização do trabalho”.

O trabalho constitui-se, dessa maneira, por uma característica intrinsicamente humana,

já que sua caracterização fundamenta-se na aplicação de uma ação criativa e inteligente do

homem. É com base nessa mobilização da criatividade que um dos coordenadores

entrevistados afirma já manter sua rotina com foco na formação, fazendo valer seu plano de

trabalho:

CP (2): “Então, eu acho essencial que o coordenador tenha um plano de trabalho, primeiro

que eu não sou bombeiro pra ficar apagando incêndio. Na hora que você começa a apagar

incêndio, você deixa o foco, o meu foco é formação, e se meu foco é relacional,

profissional, não é! Se eu tenho esses focos, e articular o projeto pedagógico, então eu

tenho que fazer um plano de trabalho que atenda essas especificidades [...]”.

Nesta perspectiva, evidencia-se a necessidade de que as demandas do cotidiano da

escola sejam repensadas, inclusive para que o plano de trabalho do coordenador pedagógico

não se torne apenas mais um documento a ser arquivado:

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CP (2): “Então o coordenador precisa do plano de trabalho, se estou sentada aqui, há

várias pessoas na escola, aí estourou a água ali e eu ouvi que estourou a água, aí vem

alguém de lá, diz estourou a água ali, o que eu posso fazer se estou no meu horário de

JEIF, de jornada? Vá procurar quem tem a responsabilidade, não eu. Ah! Porque tem uma

mãe gritando lá no corredor! Estou no meu horário de JEIF, quem está lá, que pode estar

resolvendo? Há várias pessoas que são também competentes, não só o coordenador,

porque senão eles vão achar que o coordenador é a árvore frutífera para todas as estações,

não é?

Ao fazer este relato, o entrevistado esclarece o modo como vai desconstruindo uma

rotina de ‘bombeiro’ ou até mesmo de ‘árvore frutífera para todas as estações’. Tais

colocações remetem a uma das três dimensões de negação da realidade, causada pela

dificuldade da distância entre a organização real e a organização prescrita do trabalho: a

engenhosidade. Segundo DEJOURS (2011, p. 155):

“A tarefa é o que deveria ser feito segundo as especificações dadas. A atividade é o que se

faz realmente. Entre a tarefa e a atividade há, assim, um ajuste, que leva a uma redefinição

dos objetivos inicialmente fixados. Estes reajustamentos, bem como os requisitos físicos e

psíquicos, compõem uma parte enigmática do trabalho, aquela que fica irredutivelmente

ao cargo dos operadores. Para enfrentar a realidade do trabalho, é necessário mobilizar

uma forma de inteligência que convoca o corpo todo – inteligência do corpo – e não

apenas o funcionamento cognitivo”.

Considerando as situações vividas na escola, pelo CP (2), evidencia-se um cotidiano

organizado por muitas demandas, que precisam ser dispensadas pelo mesmo, ou até mesmo

redirecionadas para outros profissionais da escola, para que possa exercer suas funções de

modo mais regulado, ajustando tarefa e atividade. O entrevistado alerta que só conseguiu fazer

valer o seu plano de trabalho depois de vivenciar certo sofrimento:

CP (2): “Horário de almoço, eu saio, eu lá vou cumprir meus trinta minutos fora. Porque

se eu fico aqui, CP telefone, não é? Seu eu estou no banheiro, CP telefone. Então como eu

já vivi tudo isso, eu acabei percebendo que você precisa dividir muito bem os seus

horários [...] Sofrimento. Não, porque antes, a gente não tinha essa visão. E é muito

natural isso, que a gente vá construindo, de divisão. Na EMEF era tudo eu, tudo era eu: ah

um brigou na sala, eu subia; ah um aluno brigou no pátio, eu ia lá. Sendo que há outras

pessoas que podem gerenciar esses conflitos também”.

Para a superação do sofrimento, o coordenador pedagógico engendrou ajustes entre o

prescrito e o real, de modo a transitar entre essas duas dimensões, realizando assim o trabalho

a que se propõe: a formação docente. Enfrentar as dificuldades encontradas no real, persistir e

solucionar os desafios que se apresentam, através do trabalho, é fazer deste não só uma fonte

de sofrimento, mas também de prazer.

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Quando o entrevistado – CP (2) afirma que a mudança de postura foi construída à base

de sofrimento, evidencia-se a busca do sujeito para constituir uma perspectiva estruturante do

trabalho, como fonte de prazer, aprimoramento, realização e preservação da saúde mental.

Ao ‘sair para almoçar’, ao ‘dividir bem os seus horários’ o entrevistado – CP (2) –

utilizou-se de uma estratégia de defesa que ultrapassa o campo da mera execução de atividades

prescritas e presentes na organização real do trabalho. Sob a condição de sofrimento, a

estratégia de defesa pode ser caracterizada como ato criativo do trabalhador e, neste caso, uma

saída individual que o entrevistado encontrou para diminuir o sofrimento, diante de uma

jornada intensificada de trabalho. De acordo com DEJOURS (2011, p. 155):

“A resistência do real, que se manifesta pelo fracasso, cria um sofrimento, que, quanto

mais negado, mais doloroso se torna. O sofrimento pressupõe, para ser superado,

criatividade e subversão dos procedimentos em uma atividade que pode ser considerada

como bricolagem e que seria da esfera da métis. Requer a mobilização de capacidades

especificamente humanas, o que significa, em última instância, que é alheia à ordem do

maquinal, mesmo que, periodicamente, essas capacidades possam ser objeto de uma

“extração” de conhecimentos, o que permite padronizar e, eventualmente, robotizar certas

operações”.

3.4. ‘A coisa tem que acontecer, a coisa tem que funcionar’: cooperação

Ao analisar as contribuições dos agentes para diminuir a distância entre o prescrito e o

real, no âmbito da estruturação do trabalho, é possível constatar que a cooperação não está

revestida de um ato mecânico do trabalhador, mas é composta de uma vontade dos agentes e

influenciada pelos vínculos estabelecidos no local de trabalho. A cooperação, assim como a

engenhosidade, se apresenta como possibilidade de superação do sofrimento vivenciado pelo

trabalhador, que no cotidiano precisa enfrentar o distanciamento entre o real e o prescrito,

repleto de contradições. Essas duas dimensões proporcionam ao trabalhador um lugar de

destaque, diante da organização prescrita do trabalho, já que ao deparar-se com o real, ele

oferece possibilidades para que este aconteça, superando as insuficiências identificadas no

ambiente laborativo (Dejours, 2011).

A respeito das contribuições oferecidas pelos coordenadores pedagógicos no trabalho

que desenvolvem e que estão diretamente ligadas à organização de rotina e ao modo como

estes profissionais têm enfrentado os desafios postos pelo real, buscou-se, durante a entrevista,

conhecer a rotina destes profissionais.

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Foi perguntado aos entrevistados, por exemplo, se havia alguma tarefa que eles

executam, mas que não consideram como sendo atribuição do coordenador pedagógico:

CP (3): “Muitas (risos). O tempo todo, mas que por outro lado, a gente até estava hoje

nesse grupo de coordenadores conversando. Muitas vezes a gente tem que ter esse

exercício de falar: não, isso não é meu. Mas eu acho que quando você tem uma equipe

muito pequena, principalmente de gestão, e a coisa tem que funcionar, a coisa tem que

acontecer, e muitas vezes não dá tempo de você esperar o outro decidir, eu acho que tem

que ser naquele momento mesmo. Então vem aqui o pessoal da limpeza e fala olha não

tem pano pra passar no chão por que uma criança sujou. Então naquele momento você tem

que tentar resolver. Eu acho que tudo que acontece é pra benefício da criança, mas não. É

complicado isso não é? Mas eu acho que, é que eu não vejo separação. E não se trata de

assumir o papel do outro, mas ser um colaborador, um facilitador do trabalho”.

Mais importante que atentar para a situação apresentada, a título de exemplo dado pelo

coordenador pedagógico, é identificar os motivos que o fazem realiza-la: ‘a coisa tem que

funcionar’, ‘a coisa tem que acontecer’, ‘ser um colaborador, um facilitador do trabalho’.

Ao discorrer sobre sua rotina, o coordenador pedagógico não se limita a apontar aquilo

que lhe pertence ou não, mas explicita um desejo de que no seu ambiente de trabalho as

demandas sejam contempladas, revelando uma disposição para colaborar.

Deste depoimento é possível verificar que o CP (3) assume uma perspectiva de

colaboração diante daquilo que foge ao que está prescrito inicialmente para a organização do

trabalho, demonstrando uma vontade de colaborar para a superação das dificuldades

encontradas no ambiente escolar e que são provenientes da insuficiência da organização

prescrita do trabalho.

O entrevistado – CP (3) - afirma resolver as situações surgidas no cotidiano escolar e,

muitas vezes, entende não ser possível esperar pelo outro decidir. No entanto, deixa

transparecer que esta colaboração, de caráter individual, soluciona instantaneamente as

demandas, mas está distante da prática de diálogo que garanta à organização do trabalho, a

constituição do coletivo e do pertencimento. Em tempo, é possível inferir que as relações entre

os membros da equipe escolar encontram-se esgarçadas, quando a organização do trabalho é

geralmente equacionada por ações isoladas.

Importante destacar que a confiança estabelecida entre os trabalhadores, assim como a

visibilidade dada aos ajustes feitos para suplantar as deficiências do campo prescrito do

trabalho são fundamentais para que a colaboração dos trabalhadores seja efetiva, na

organização do trabalho (Dejours, 2011).

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Desse modo, as contribuições trazidas pelos coordenadores pedagógicos, para ajustar o

distanciamento entre a organização real e a organização prescrita do trabalho, não podem ser

efetivadas apenas no campo individual, mas precisam ser colocadas em espaços de discussão,

a serem debatidas coletivamente, garantindo o reconhecimento da necessidade desses ajustes,

do zelo que o trabalhador emprega para a realização de seu trabalho. Sobre a importância do

‘espaço de discussão’, afirma DEJOURS (1999, p. 170):

“O ponto capital da organização do trabalho é a qualidade da discussão entre as pessoas.

O sofrimento está sempre ligado à degradação das condições de discussão e de

intercompreensão. Quando as pessoas não se compreendem mais, quando não conseguem

mais se comunicar e construir uma inteligibilidade comum das relações do trabalho, elas

não ficam só decepcionadas: elas se defendem”.

A preservação, ou desestruturação, das relações interpessoais está diretamente ligada à

forma como as políticas de educação interferem na organização das unidades escolares. O

espaço dado para as discussões e escuta dos profissionais influencia diretamente na

normalidade mantida pelos mesmos, ainda que se verifique a nocividade do ambiente de

trabalho. Daí o desafio do trabalhador de preservar sua subjetividade, diante das constantes

ameaças e instabilidades trazidas pelos imperativos econômicos no trabalho.

Quando aborda as mudanças no campo educacional, ocorridas desde a década de 1990

e que, por consequência, interferem diretamente na saúde dos profissionais que aí atuam,

afirma PIOLLI (2013, p. 8):

Esse processo vem produzindo mudanças significativas na configuração do trabalho e

exigindo de todos os trabalhadores uma nova atitude mental. Essas novas regulações no

âmbito dos sistemas e das escolas, introduzidas pelos programas e políticas de governo,

tem elevado as tensões e conflitos no espaço de trabalho, afetando a saúde e a qualidade

de vida do trabalhador”.

A respeito dos prejuízos causados à saúde dos trabalhadores, pelas propostas políticas

de cunho gerencialista, no quarto capítulo realiza-se um estudo do comprometimento da

subjetividade dos profissionais da educação, considerando os desafios assumidos pelos

coordenadores pedagógicos para o enfrentamento de aspectos relacionados ao sofrimento,

reconhecimento e adoecimento no trabalho.

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CAPÍTULO 4

A SAÚDE DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS: O SOFRIMENTO E O

ESPAÇO DA PALAVRA

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Neste capítulo faz-se uma análise do tratamento dado à saúde do trabalhador, sob a

lógica empreendedora, considerando o comprometimento de sua subjetividade. A matéria

publicada no jornal ‘SME informa’, intitulada “Valorizando a Saúde do Educador”, é

mencionada, a título de ilustração para o tema abordado neste estudo. Em seguida, são

apresentados excertos de entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos da rede

municipal de ensino de São Paulo, que revelam o modo como esses profissionais estão

enfrentando as questões de sofrimento, reconhecimento e adoecimento no trabalho.

4.1. A subjetividade dos profissionais da educação sob a lógica empreendedora

Nos capítulos anteriores foi possível constatar que a organização escolar é fortemente

influenciada por imperativos adotados do campo empresarial. Desse modo, os profissionais da

educação são, cada vez mais, submetidos a políticas de caráter mercantil, que valorizam o

conhecimento prático e útil. As práticas educacionais rentáveis são incentivadas, pois a lógica

que as sustenta baseia-se na minimização de custos e na maximização da eficiência daqueles

que aí atuam (Heloani & Silva, 2009).

É na perspectiva do menor custo, com maior eficiência que as políticas educacionais

promovem verdadeira apologia ao modelo empreendedor de atuação, cobrando de seus

profissionais criatividade, perspicácia, participação, inovação, etc. Já a faceta do investimento

nulo, ou máxima redução de custos, revela as péssimas condições de salário e trabalho, em que

se encontram estes profissionais.

A subjetividade do trabalhador da educação fica cada vez mais comprometida pelas

condições de precariedade em que suas atividades são desenvolvidas. Conforme esclarece

HELOANI & SILVA (2009, p. 212):

“Alguns aspectos relacionados à subjetividade do professor da rede pública são bastante

distintos do professor-pesquisador. O trabalho intenso, o estresse e a redução do tempo

disponível para o lazer e família são acompanhados por aspectos subjetivos

diametralmente opostos aos do orgulho, prestígio e poder dos professores pesquisadores”.

A busca desenfreada pelo cumprimento de metas e resultados, quando atrelada às

exigências (des) humanas de produtividade e melhoria do desempenho, mostra que a dureza

das condições de trabalho apontam para o aumento significativo do sofrimento e do

adoecimento no espaço laborativo.

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Vale ressaltar que as políticas educacionais de caráter gerencialista abordam a questão

do sofrimento e do adoecimento no trabalho, combinando dois aspectos que devolvem

exclusivamente ao trabalhador a responsabilidade por seu ‘bem estar’.

O primeiro aspecto relaciona-se ao papel atribuído ao estresse. Na cultura do

desempenho, ele é considerado quase que natural. Sua banalização está associada ao caráter

estimulante que lhe é conferido, diante dos desafios impostos pela organização do trabalho.

Assim, o estresse é considerado um elemento que pode contribuir para a melhoria do

desempenho profissional; pois as condições de trabalho que o provocam não são levadas em

conta (Gaulejac, 2007).

O segundo aspecto diz respeito à constituição da resistência, como qualidade

necessária para o sucesso. Mais do que naturalizar o estresse, o que as políticas gerencialistas

defendem é a adaptação ao mesmo. Desse modo, as propostas empreendedoras que

predominam no campo da educação incentivam a prática de exercícios e truques que ajudam o

trabalhador a acostumar-se com o estresse e, por conseguinte com o sofrimento e adoecimento

vivido no trabalho (Gaulejac, 2007).

“Valorizando a Saúde do Educador” é o título da matéria publicada no Jornal ‘SME

informa’, que teve sua primeira edição em março de 2014. Segundo a Secretaria Municipal de

Educação, trata-se de importante instrumento de comunicação, que contribuirá com toda a

rede de ensino para o compartilhamento de ações e projetos necessários à melhoria da

qualidade de ensino e aprendizagem.

A referida matéria anuncia o ‘Programa de Promoção e Atenção à Saúde do

Profissional da Educação’, que realiza oficinas e atendimentos diagnósticos e preventivos nos

CEUS, bem como oferece práticas corporais, que vão de meditação a auto massagem,

objetivando a preservação e recuperação da saúde, com a eliminação da tensão e o aumento da

resistência imunológica. Segundo informações que constam nesta publicação, o programa foi

criado, tendo em vista o elevado número de ausências por motivo de saúde dos profissionais

da educação.

Trata-se de uma abordagem à saúde que preconiza as práticas que garantam a

resistência do profissional, para que o mesmo mantenha-se produtivo. As condições de

trabalho nas unidades educacionais, submetidas à lógica empreendedora, não são

mencionadas, na apresentação do ‘Programa de Promoção e Atenção à Saúde do Profissional

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da Educação’, publicado no jornal ‘SME informa’. O enfoque dado à saúde do trabalhador, no

mundo dos gestionários, consolida-se pela valorização da gestão de si mesmo, concretizando a

cobrança constante da subjetividade enquanto objeto, conforme esclarece GAULEJAC (2007,

pp. 186 e 187):

“[...] o indivíduo deve afirmar sua autonomia e responder à injunção de estar “bem em sua

pele”, equilibrado, desabrochado, excelente em todos os domínios da existência, capaz de

fazer frutificar a diversidade de seus talentos. É proposta a ele uma panóplia de

instrumentos para ajuda-lo a bem gerenciar sua subjetividade, e daí uma floração de

técnicas de desenvolvimento pessoal como a análise transacional (AT), a programação

neurolinguística (PNL) ou a inteligência emocional. Especialistas em aconselhamento vão

ajudar aqueles que têm seus meios para melhor gerenciar sua carreira, sua vida, suas

emoções, seu tempo, seu estresse...”

Para melhor compreender o modo como os trabalhadores da educação, em especial os

coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo, lidam com a questão da

saúde, alguns excertos das entrevistas com esses profissionais foram selecionados e são

apresentados a seguir, de modo a favorecer o estudo de aspectos como sofrimento,

reconhecimento e adoecimento no trabalho; que se mostram cada vez mais frequentes nos

espaços laborativos subordinados ao modelo gerencial.

4.2. ‘Fazer, fazer, fazer, não dou conta, não dou conta, não dou conta’: trabalho

intensificado e saúde mental

Um aspecto que merece destaque, durante a análise das entrevistas, diz respeito à sobrecarga

de trabalho, apontada pelos coordenadores. Segundo eles, a rotina da coordenação pedagógica é

extensa e intensificada. Essa característica é reforçada por um modelo de escola que valoriza o

desempenho individual de seus profissionais, responsabilizando-os por resultados escolares, gerando

uma pressão constante para que o cumprimento de metas estabelecidas para a escola (e não pela escola)

seja alcançado.

O trabalho intensificado dos coordenadores pedagógicos está diretamente ligado a uma política

educacional que submete as unidades escolares e os seus profissionais a um projeto de caráter

gerencialista, baseado na produtividade e cobrança de resultados; estando estes últimos inclusive

atrelados a pagamento de bônus.

Cabe destacar que as metas estabelecidas, na maioria das vezes, não são passíveis de serem

alcançadas, o que só faz aumentar ainda mais a pressão e a responsabilização dos profissionais que

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atuam na escola, provocando-lhes uma angústia constante pelo ‘dever não cumprido’. Nisto,

concordamos com GAULEJAC (2007, p. 121) ao tratar do gerencialismo:

“O universo gerencialista promete um ideal sem limites: zero de atraso, zero de falha, zero

de papel, qualidade total etc. Nesse contexto, não é mais normal ser limitado. É pedido o

crescimento permanente dos desempenhos e ao mesmo tempo a diminuição dos custos.

Criam-se exigências cada vez mais elevadas, além daquilo que se sabe poder fazer. O

ideal se torna a norma. Os procedimentos não são estabelecidos a partir de uma análise

concreta dos processos de produção e das atividades reais, mas para clientes perfeitos,

trabalhadores sempre no auge de sua forma, jamais doentes, em um contexto sem

obstáculo. A fraqueza, o erro, o contratempo, a imperfeição, a dúvida, tudo aquilo que

caracteriza o humano “normal”, não tem mais lugar de ser. A gestão preconiza o ideal em

um mundo sem contradição. O ideal não é mais um horizonte a atingir, mas uma norma a

aplicar”.

Desse modo, a perspectiva competitiva e empreendedora assumida no campo da

educação impõe aos coordenadores pedagógicos uma série de mudanças, sustentadas pela

apologia à eficiência nos serviços prestados na escola, aumentando as exigências de

qualificação, o que também se traduz numa faceta do processo de culpabilização dos

profissionais da educação pelos resultados obtidos em avaliações atreladas ao cumprimento de

metas idealizadas.

Mais uma vez é importante considerar que, ao estabelecer as mesmas metas para todas

as escolas da rede de ensino, não são levadas em conta as peculiaridades de cada unidade

escolar, incluindo-se aí as particularidades dos profissionais que nela atuam. Nestas condições,

a imposição de medidas de caráter produtivo, na organização interna das escolas, fomenta a

competitividade, evidencia a exposição de seus profissionais, além de promover um

comprometimento dos mesmos com os resultados, tendo em contrapartida a desobrigação do

Estado.

Identificamos durante a entrevista com os coordenadores pedagógicos, o modo como

alguns aspectos do trabalho destes profissionais tem sido influenciado pelo modelo gerencial

de organização, que vem predominando nos contextos das unidades escolares. O aumento

significativo de demandas atreladas a resultados e bonificação reduzem as relações

estabelecidas entre os diferentes atores da escola à aspectos meramente numéricos e

mensuráveis.

Considerando ainda a rotina intensificada dos coordenadores pedagógicos,

anteriormente abordada, foi perguntado aos mesmos se o trabalho já havia interferido na sua

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vida pessoal. Segundo o relato feito pelo CP (1), o ritmo de trabalho intensificado já interferiu

na sua vida pessoal:

“Interferiu mais, ainda interfere, interferiu mais. Eu acho assim que é até engraçado,

porque quem trabalha nessa função de coordenador pedagógico gente tem que saber

separar muito as coisas. Não adianta você chegar em casa cansado, estressado, ou falar:

olha agora não dá pra sair com vocês porque eu tenho que preparar tal coisa pra escola. Já

teve época de eu fazer isso, mas hoje eu me policio. Eu prefiro sair com a minha família e

ter que trabalhar de madrugada, do que ter que fazer o contrario. Se você for pensar

interfere, se você não se policiar, vai interferir. Se o seu filho quiser sentar com você e

você tá na frente de um livro lendo porque você tem que terminar e preparar material pra

2ª feira, sei lá entendeu. Eu tenho tentado me organizar pra: poxa eu tenho que sentar com

meu filho, esquece, esquece escola. Mas que interfere, interfere porque você fica dividido.

Internamente eu acho que o coordenador pedagógico ele vive um conflito eterno que é

querer fazer o melhor possível pra escola, mas lembrar que ele tem família, que ele é um

ser humano, que ele é um individuo que precisa aprender a dividir o tempo, que ele não

pode se angustiar se o tempo que ele tem na escola não é suficiente pra ele atender a

demanda da escola entendeu? Acho que isso dai pode gerar inclusive depressão no

individuo, porque o coordenador pedagógico entra num processo de fazer, fazer, fazer,

não dou conta, não dou conta, não dou conta, e é impossível que isso não afete

internamente o individuo se ele não tiver o mínimo de equilíbrio”.

Quando aborda o dilema vivido pela rotina intensa, o desejo de fazer o seu trabalho da

melhor maneira possível e ainda atender às suas demandas no campo pessoal e familiar, o CP

(1) não só verbaliza a importância de enfrentar esse dilema, mas segue apontando, como

possível solução, a melhor divisão do tempo para atender às demandas pessoais e

profissionais. Dessa maneira, assume o próprio sofrimento, numa perspectiva desafiadora e

novamente o que se verifica é a utilização da estratégia individual de defesa do coordenador

pedagógico diante do trabalho, assumida como possibilidade de garantir, ainda que

temporariamente, o atendimento às exigências cotidianas, tanto no campo pessoal, quanto no

profissional.

A necessidade de confrontar o real apresenta-se de maneira tão evidente para o

entrevistado – CP (1) - que o mesmo chega a indicar a consequência negativa de uma possível

inércia ou postura de vitimização assumida pelo coordenador pedagógico diante das

exigências postas para o desenvolvimento do seu trabalho, qual seja: o adoecimento.

De acordo com o relato do coordenador, é preciso pensar na organização do tempo e

sua respectiva divisão, alcançando um equilíbrio, de modo que a angústia e até mesmo a

depressão sejam afastadas de seu cotidiano. Segundo DEJOURS (1999, pp. 18-19):

“A normalidade é hoje interpretada como o resultado de um compromisso entre o

sofrimento e as estratégias de defesa individuais e coletivas. A normalidade não supõe,

portanto, ausência de sofrimento. Ao contrário, é preciso manter um conceito de

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normalidade ‘com sofrimento’, não como efeito de condicionamento passivo, vindo da

sociedade, nem de conformismo nem de alguma ‘normalização pejorativa’ mas, sim,

como resultado conquistado mediante uma luta feroz entre as exigências do trabalho e a

ameaça de desestabilização psíquica e somática”.

O enfrentamento de exigências e pressões no trabalho também é mencionado por outro

entrevistado, quando questionado a respeito das interferências do trabalho em sua vida

pessoal. E, mais uma vez, a aprendizagem da divisão do tempo para o cumprimento das

demandas surgidas tanto do campo pessoal, quanto do campo profissional, aparece como

possibilidade de estabilização psíquica:

CP (2): “Hoje em dia não, mas já interferiu sim, eu não sabia dividir. É. Eu levava tudo

pra casa, assim como professor, eu levava tudo pra casa, depois eu aprendi a dividir. Hoje

em dia eu divido muito bem, eu divido tudo. Eu divido meus horários em casa, eu divido

meu horário de estudo. Eu faço duas faculdades, então eu divido meu horário de mestrado,

as leituras do mestrado e as leituras da pós-graduação. Eu divido, eu estudo”.

4.3. ‘O coordenador pedagógico não é o recheio do sanduíche’: isolamento e

reconhecimento no trabalho

As consequências negativas para saúde, identificadas no trabalho dos coordenadores

pedagógicos e elencadas durante as entrevistas, permite verificar que a rotina intensificada dos

mesmos pode muitas vezes levar ao isolamento. Cabe ressaltar que este é um aspecto muito

comum, principalmente para profissionais que enfrentam rotinas intensificadas de trabalho;

comprometendo os relacionamentos interpessoais e favorecendo a predominância de um

isolamento que não se dá apenas no trabalho, mas que passa a permear outros espaços de

convivência social, familiar.

Quando os vínculos de confiança estão esgarçados, as condições de trabalho se

revelam, por conseguinte, precárias e oferecem poucas oportunidades para que haja um

aprimoramento das atividades profissionais que precisam ser desenvolvidas.

A rotina intensificada aproxima o trabalhador da coisificação de seus compromissos e

necessidades, afastando-o do que há de mais elementar para o reconhecimento de sua condição

humana. Assim, o trabalhador convive, por um lado, com a necessidade de trabalhar para

sobreviver e, por outro, com uma jornada de trabalho exaustiva, que traz prejuízos diretos para

saúde. Dessa maneira, necessidades básicas como alimentação, parecem ocupar uma

importância de pequena monta, diante das cobranças trazidas pelo trabalho. É o que revela um

dos entrevistados – CP (3) - que chegava a permanecer oito horas na escola, sem comer:

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“É, ás vezes com um café. Porque não dava, não dava tempo. Saía da turma da manhã, na

turma da tarde, não tem professor, você tem que correr, aquela loucura e criança doente,

mãe pra atender, diretor foi pra uma reunião, era uma loucura, comia quando dava pra

comer, quando não dava, não comia. Mas eu acho assim, nem tanto o físico agora, eu acho

que no percurso da função, eu acho que é mais o emocional, eu vou falar do geral, que

isso é geral, foi até uma das questões da pauta de hoje, o emocional, o mental ele fica

muito prejudicado, porque o coordenador ele é cobrado e muito. Ele não é reconhecido na

sua função, porque ele não é nem do lado da gestão, nem do lado dos professores, e não é

recheio do sanduíche, porque é a parte mais gostosa, então não é (risos). Então não é

nada. Ele fica no meio termo ali, ele é muito só, o coordenador é muito só. E eu acho

assim que, das oportunidades que eu tive de conversar com pessoas que tem contato assim

com grupos maiores, que são responsáveis até pela formação geral, eu sempre levantei

essa questão, tem que olhar sim pra saúde mental dos coordenadores, porque a quantidade

de coordenadores com depressão é muito grande, é muito grande. Por conta até de não

conseguir ver no outro o parceiro, mesmo que seja de outra escola, porque a parceria não

precisa ser só na escola. Então tem gente que tem essa dificuldade e aí vai acabando,

adoecendo. Eu tenho uma amiga maravilhosa, muito boa, chegou a ser formadora aqui na

rede, e hoje ela é readaptada por conta de problemas de relações, uma depressão que já

está há uns três anos e isso é comum. Então pode ser que as pessoas não tenham coragem

de verbalizar e quando acontece já dá readaptação. Hoje mesmo, ouvindo os relatos, você

fica assim, meu Deus, olha o perigo. A gente tem que se juntar, a gente tem que se unir, a

gente não deixar, ver que o outro está mais isolado e ir atrás e saber, mas nem todo mundo

consegue, nem todo mundo tem um grupo assim, nem todo mundo tem um colega que

possa compartilhar o que está acontecendo, não é?

Cabe destacar, o que esclarece GAULEJAC (2007, pp. 78-79), a respeito do lugar dado

ao humano, nas organizações contaminadas pelo poder gerencialista, tendo em vista a forma

como o tempo deve então ser ocupado:

“A temporalidade do trabalho leva a impor ritmos, cadências, rupturas que se afastam do

tempo biológico, do tempo das estações, do tempo da vida humana. A medida abstrata do

tempo permite desliga-lo das necessidades fisiológicas ou psicológicas: o sono, o

alimento, a procriação, o envelhecimento, etc. O indivíduo submetido à gestão deve

adaptar-se ao “tempo do trabalho”, às necessidades produtivas e financeiras. A

adaptabilidade e a flexibilidade são exigidas em mão única: cabe ao homem adaptar-se ao

tempo da empresa e não o inverso”.

Ainda no que se refere ao trecho da entrevista acima mencionado, é possível verificar

que o coordenador atribui grande importância para o aspecto emocional e as influências

sofridas pelas condições de seu trabalho. Revela um prejuízo emocional em função das

cobranças profissionais vividas, complementado por uma falta de reconhecimento no exercício

de sua função.

Ao mencionar a falta de reconhecimento no trabalho, o coordenador explicita o

sofrimento causado pelo sentimento de não pertencimento a um grupo específico no ambiente

escolar, onde se vê de um lado a equipe gestora e de outro os professores; pois não acredita

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que seja possível atrelar as atividades da coordenação pedagógica a um deles, o que lhe

provoca a sensação de isolamento profissional.

Para o entrevistado – CP (3) – a falta de reconhecimento e o consequente isolamento é

um aspecto alarmante, quando se atenta para a saúde mental dos coordenadores pedagógicos,

exemplificando a depressão como doença de grande incidência entre estes profissionais. É a

subjetividade que se apresenta vulnerável diante da instabilidade trazida pela falta de

reconhecimento no trabalho, produtora de sofrimento, angústia e insegurança. Desse modo,

afirma PIOLLI (2010-2011, p.181):

“A psicodinâmica do reconhecimento desempenha um papel fundamental no destino do

sofrimento dos trabalhadores e na possibilidade de transformar o sofrimento em prazer. É

do reconhecimento que depende, na verdade, o sentido do sofrimento. Quando a qualidade

do trabalho e os esforços são reconhecidos, as angústias, as dúvidas, as decepções, os

desânimos adquirem sentido. O reconhecimento é central na atribuição do sentido de

pertencimento, na relação com o grupo, e na autorrealização do trabalhador”.

O reconhecimento possui então um caráter de gratidão por todos os ajustes e

contribuições feitas pelo trabalhador para o aprimoramento da organização do trabalho. Nesta

perspectiva é o reconhecimento que possibilita ao trabalhador dar um novo destino ao

sofrimento vivido, atribuindo ao trabalho inclusive um sentido mais renovado. A busca pelo

reconhecimento é tão relevante, que anuncia um caráter estruturante não só na constituição da

identidade dos coordenadores pedagógicos, como também promove influência direta e

recíproca na organização do trabalho.

É preciso ressaltar que a psicodinâmica do trabalho considera o reconhecimento para

além do aspecto de gratidão, pois é ele quem traz à tona a necessidade contínua de mudanças

na organização do trabalho e, por conseguinte, revela tudo aquilo que o trabalhador cria para

diminuir a distância entre o prescrito e o real. Dessa maneira, afirma DEJOURS (2011, pp.

308 – 309):

“O reconhecimento significa, neste caso, o inverso da recusa ou do descrédito à realidade.

O reconhecimento passa por julgamentos específicos [...]. Há dois tipos de julgamento: 1.

O julgamento de utilidade; e 2. O julgamento de beleza. O julgamento de utilidade diz

respeito ao valor utilitário da contribuição do sujeito ao reajuste da organização prescrita

do trabalho para alcançar a organização real do trabalho. [...]. Esse julgamento de

utilidade é essencialmente proferido pela hierarquia – ou seja, pelos superiores, os chefes

e a diretoria, por um lado, e eventualmente pelos subordinados ou pelos clientes [...]. O

julgamento de beleza está, por sua vez, subdividido em dois julgamentos: o julgamento

sobre a conformidade do trabalho com as regras da arte. Este julgamento confere a

individualidade, em outros termos, o que tem em comum um sujeito com os demais

integrantes do coletivo ou da profissão. É também o julgamento que confere ao sujeito a

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condição de pertencente a uma comunidade específica. Além do julgamento de

conformidade, há também o julgamento sobre a singularidade [...]. Esse julgamento

confere ao sujeito sua originalidade, mais exatamente sua identidade stricto sensu, em

outros termos porque ele não é idêntico a qualquer outro sujeito”.

É fundamental observar que ao final do relato, o entrevistado – CP (3) - aponta uma

saída diante do sofrimento vivido, pelo não reconhecimento de todo empenho e esforço

empregado no trabalho desenvolvido. Ao mencionar ‘por isso que a gente tem que se juntar, a

gente tem que se unir’, ele faz referência a um grupo de coordenadores pedagógicos da região

em que atua, que se reúnem periodicamente para conversar sobre os problemas, desafios e

possibilidades enfrentadas no dia a dia da coordenação pedagógica.

Numa perspectiva dejouriana, cabe dizer, esses encontros de coordenadores

pedagógicos, mencionados pelo entrevistado – CP (3) – podem contribuir para a constituição e

o fortalecimento da identidade destes profissionais, na condição de trabalhadores pertencentes

a uma rede de ensino e que desempenham a mesma função, ainda que em unidades

educacionais diferentes. Já as negociações necessárias às mudanças na organização do

trabalho do coordenador, só estão em condições de efetivação, quando ocorrem no espaço de

atuação deste profissional, qual seja, a escola. O espaço de discussão da organização do

trabalho não deve, portanto, diferir de onde o mesmo é desenvolvido.

De caráter informal, a iniciativa para se reunir surgiu dos próprios coordenadores

pedagógicos que sentiam a necessidade de partilhar experiências, angústias e sofrimentos

vividos no trabalho desenvolvido nas unidades escolares. Sobre essa iniciativa, o CP (3) relata

sua participação no grupo formado apenas por coordenadores pedagógicos, comentando

inclusive que, no dia da entrevista, havia participado de uma reunião com os mesmos:

“Tem quinze coordenadores. Hoje tinha doze coordenadores [...]. (Risos). A gente

começou no ano passado. No finalzinho do ano passado a gente começou a se juntar. Mas

a gente sempre teve a prática, nesses dez anos, a gente sempre teve a prática, é que esse

grupo é novo, mas a gente sempre teve grupo de estudo, de trocar material, de trocar e-

mail e aquilo que deu certo compartilhar. Então isso sempre aconteceu. Tenho no meu e-

mail o grupo ‘cp’, então tudo que eu vou fazer, o que já preparei, a gente troca [...]”.

Por fim, merecem destaque as respostas dadas pelos entrevistados, quando perguntado

aos mesmos se sentiam-se reconhecidos no trabalho:

CP (1): “Sim, aqui sim. Aqui o pessoal valoriza o trabalho do coordenador. Existe uma

boa relação. Tá certo que de vez em quando o pessoal monta nas costas: poxa preciso

disso, preciso daquilo. E eu digo: calma lá. Mas eu acho que o pessoal reconhece bastante.

Professores e diretor. Os dois. Professor e equipe gestora, eu acho que a gente tem uma

boa relação, boa relação. Eu não vejo problemas aqui não”.

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CP (3): “Não, não (risos). Não. São duas situações. Internamente, pelos professores, é uma

relação muito difícil, então não. Eu não ouço uma coisa assim que é falada. Externamente

sim, então eu tenho já sim, as pessoas conhecem o meu trabalho, sabem o quanto eu

invisto nesse trabalho, as pessoas conhecem. Eu vejo que há um reconhecimento sim. Eu

não tenho mais a ilusão desse reconhecimento interno, e acho que ele só vai acontecer no

dia que eu não estiver mais aqui [...]. Por conta das relações, então assim, acho que é dar

muita bandeira pro outro: ah eu vou admitir? ah eu não vou admitir” Mas externamente

sim, eu sinto que as pessoas têm uma referência, vem muitas pessoas aqui, querem

conhecer, querem saber. Eu faço com vontade mesmo, não faço pela metade, mesmo que

não saia 100%, mas eu faço com muita dedicação. Não é perfeito, mas de saber o que está

fazendo, onde está andando, qual é o caminho que você tá trilhando e saber falar disso e

compartilhar. Acho que é uma coisa que eu aprendi muito em CEI e era uma coisa que eu

tinha muita dificuldade enquanto professora [...] ”.

É o reconhecimento que permite ao sujeito dar sentido ao seu sofrimento no trabalho. Quando

reconhecido, o trabalhador experimenta a sensação de ter valido a pena empreender esforços e dedicar-

se. Em tempo, o reconhecimento do trabalho ainda pode contribuir na constituição e / ou

fortalecimento da identidade do trabalhador, considerando-se a sensação de leveza e prazer que o

acompanha (Dejours, 2012).

No sentido contrário, é comum verificar que o não reconhecimento do trabalho propicia não só

o desgaste dos vínculos de confiança, como também provoca a angústia e a permanente recondução ao

sofrimento já existente. Nestas condições, o trabalhador fica permanentemente vulnerável, submetido à

instabilidade constante, o que pode favorecer o surgimento de um quadro de doença mental, com

prejuízos enormes à sua subjetividade.

4.4. ‘Eu tinha que tratar a cabeça’: sofrimento e adoecimento no trabalho

Quando a psicodinâmica do trabalho confere ao sofrimento um lugar central na luta

que o trabalhador assume diante da organização do trabalho, o que se verifica é a característica

estruturante do mesmo, contribuindo de modo significativo para que o sujeito permaneça no

seu estado de normalidade, utilizando-se de ajustes ou mecanismos reguladores que o mantém

resguardado de uma possível doença mental.

Desse modo é importante constatar que o estado de normalidade não exclui o

sofrimento, mas a ele deve ser atribuída uma característica de criação, que permite ao

trabalhador transformá-lo e até mesmo vivenciar o prazer no trabalho.

É no processo dinâmico de interação com a organização do trabalho que o homem vai

construir ‘estratégias de defesa’, buscando proteger-se do sofrimento patogênico, da doença

mental descompensada. Esclarece DEJOURS (1999, p. 18) a esse respeito:

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“Se o sofrimento não é sempre seguido de uma descompensação, é porque o sujeito

desenvolve defesas suficientemente eficazes contra o sofrimento. Investigações clínicas

mostraram que, no campo da clínica do trabalho, há defesas construídas e sustentadas

pelos trabalhadores, coletivamente, além dos mecanismos de defesa clássicos descritos

pela psicanálise. São as denominadas estratégias coletivas de defesa, especificamente

marcadas pelas exigências reais do trabalho, ao contrário das doenças mentais, que não

são específicas do trabalho”.

Na impossibilidade de empregar o zelo na organização do trabalho, o sofrimento pode

assumir uma dimensão patogênica, resultando no adoecimento do trabalhador que, diante das

insuficiências da organização prescrita, não consegue promover adaptações necessárias ao

melhor andamento de suas atividades profissionais. Desse modo, a respeito do sofrimento

patogênico, esclarece CAPITÃO & HELOANI (2003, p. 107): “[...] surge quando todas as

possibilidades de transformação, aperfeiçoamento e gestão da forma de organizar o trabalho já

foram tentadas, ou melhor, quando somente pressões fixas, rígidas, repetitivas e frustrantes,

configuram uma sensação generalizada de incapacidade”.

Cabe considerar que a organização do trabalho não promove diretamente doenças

mentais. Ocorre que ela pode favorecer o aparecimento destas; todavia é preciso levar em

conta que os transtornos mentais se relacionam prioritariamente com a personalidade

desenvolvida pela pessoa, antes mesmo de tornar-se uma trabalhadora. Neste sentido,

concordamos com DEJOURS (1999, p. 20), ao afirmar que o sofrimento é preexistente às

situações vividas no trabalho:

“O sofrimento de uma pessoa, por exemplo, é herdeiro do sofrimento de seus pais. As

marcas que cada pessoa carrega testemunham a incapacidade de seus pais para fazê-la

transpor obstáculos que os próprios pais não conseguiram ultrapassar, devido à sua própria

psiconeurose. O sofrimento do sujeito é herdado do sofrimento dos pais. O sofrimento,

resultado da inconclusão do desenvolvimento e da imaturidade inata do ser humano é,

portanto, ontologicamente primeiro e anterior ao trabalho. Mas, assim, o sofrimento é

também expectativa. De certa forma, ele direciona o sujeito para o mundo, na esperança

de encontrar no mundo, alívio e quietude. Dizemos que o sofrimento no trabalho é

expectativa com relação à auto-realização, ou seja, para ultrapassar os obstáculos que

nossos pais não conseguiram nos fazer transpor”.

Ao abordar a relação estabelecida entre o homem e a organização do trabalho, três

elementos devem ser considerados para maior compreensão das análises feitas pela

psicopatologia do trabalho, que vem se ocupando do estudo clínico e teórico da patologia

mental relacionada ao trabalho. O primeiro é a fadiga, que retira o potencial criativo do

trabalhador, o segundo é o sistema frustração-agressividade reativa, que desestabiliza a

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energia pulsional e o terceiro é a própria organização do trabalho, funcionando como

impositora de uma vontade externa (Dejours, 1992).

O sofrimento, para a psicodinâmica do trabalho, apresenta-se sob uma perspectiva

particular, opondo – se à ideia de coletivo; assumindo o caráter individual e único para cada

trabalhador. A vivência do sofrimento está, portanto, atrelada ao corpo, não se desligando

deste justamente por seu caráter singular; possibilitando ao trabalhador a experiência de um

movimento reflexivo sobre sua própria condição (DEJOURS, 1999).

Ao relatar o adoecimento vivido, um dos entrevistados – CP (1) - acena para a

necessidade de tratar o sofrimento no trabalho, em todos os seus aspectos. Cabe ressaltar que o

coordenador pedagógico admite ter conseguido ‘um equilíbrio de saúde física melhor’ quando

passou a trabalhar em uma escola de educação infantil. Apesar de atribuir um caráter precário

às condições de trabalho na EMEI, o entrevistado afirma que nesta modalidade de ensino é

possível visualizar melhor os resultados do trabalho desenvolvido. Desse modo, a mudança de

local de trabalho é assumida pelo coordenador como uma estratégia de defesa individual:

CP (1): “Eu já adoeci dentro da escola, eu já adoeci na época que eu era de EMEF. Eu tive

um ano de EMEF, especificamente, uma EMEF muito difícil, com uma equipe que não

era equipe, porque não trabalhava junto eu acho que cada um ia pra um lado e naquela

época eu desenvolvi pressão alta, eu tive problema de coluna, então eu adoeci dentro de

escola, adoeci. Ai eu fui tratar, tive licenças médicas, tratei pressão alta, tratei coluna, mas

eu percebi que eu tinha que tratar cabeça. Antes de tratar a coluna e a pressão alta, eu

tinha que tratar a cabeça, porque se a gente não trabalha com a coisa dentro do que é

possível, e você trabalha só com o que é impossível, você não dá conta. Adoeci sim, eu

acho que eu consegui um equilíbrio de saúde física melhor, na época que eu vim pra

EMEI. É diferente, eu acho que uma das respostas que eu dei foi que você vê mais

respostas no trabalho na educação infantil. O coordenador pedagógico tem que ter tempo

pra cuidar de si, cuidar de si em todos os aspectos, no aspecto físico, no aspecto

emocional, no aspecto social, no aspecto cultural. É difícil pra você administrar frustração.

Para o individuo, que é educador, administrar a coisa: putz não deu certo, puxa não

consegui, não dei conta de fazer tal coisa, não é fácil. Então essa é uma preocupação que

passa pela minha cabeça hoje. Eu falo: vou tentar, quem sabe eu consiga fazer um trabalho

diferente, numa estrutura menor, não é? Numa estrutura menor, numa escola menor. Ah,

você quer pôr seu burro na sombra? Não eu quero trabalhar, quero trabalhar direito, quero

trabalhar numa escola que exija de mim, mas exija dentro daquilo que eu possa fornecer”.

As estratégias de defesa constituem-se considerando a possibilidade de aceite daquilo

que estaria no campo do inadmissível do trabalho. São as estratégias de defesa, coletivas e

individuais, que permitem ao trabalhador continuar exercendo seu ofício, pois elas afastam

assim o risco de que o sofrimento alcance proporções que desencadeiem a crise psíquica ou a

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doença mental. Nestas condições, as estratégias de defesa são indispensáveis para a relação

estabelecida entre o trabalhador e o trabalho.

Ao revelar as dificuldades encontradas para a realização do trabalho, de modo a sentir-

se satisfeito no e com o mesmo, o coordenador pedagógico – CP (1) destaca as pressões aí

vividas. Esclarece que, ao contrário do que imaginam alguns colegas, o desejo de mudar para

uma unidade escolar de menor porte não está atrelado à expectativa de não trabalhar, mas

revela a esperança de encontrar, neste novo local de trabalho, condições mais satisfatórias para

realiza-lo.

Para abordar a questão do sofrimento no trabalho é importante considerar que as

pressões vividas no ambiente laboral se destacam como causa frequente para sua ocorrência.

Segundo DEJOURS (2012, p. 31):

“[...] mesmo quando o trabalhador sabe o que deve fazer, não pode fazê-lo porque o

impedem as pressões sociais do trabalho. Colegas criam obstáculos, o ambiente social é

péssimo, cada qual trabalha por si, enquanto todos sonegam informações, prejudicando

assim a cooperação etc. Nas tarefas ditas de execução sobeja esse tipo de contradições em

que o trabalhador se vê de algum modo impedido de fazer corretamente seu trabalho,

constrangido por métodos e regulamentos incompatíveis entre si”.

A pressão para trabalhar mal e o sofrimento causado ao trabalhador podem ser

identificados nos relatos feitos por um dos entrevistados – CP (3) - ao descrever o ambiente de

trabalho e as relações interpessoais aí estabelecidas, como um dos obstáculos enfrentados por

ele:

CP (3): “Eu vou voltar assim, pro pessoal. Eu acho que é (referindo-se ao obstáculo)

administrar conflitos, de maneira que a gente não perca o profissionalismo, porque muitas

vezes o pessoal acaba invadindo. Eu acho a parte mais difícil: separar e administrar os

conflitos. Eu acho que a mediação de conflitos é bem complicada, porque você acaba

tendo o lado pessoal envolvido. Eu tenho a minha rotina e quando você vê no final, deixei

de fazer isso e aquilo. Então é obstáculo. Não é um obstáculo é uma dificuldade.

Obstáculo mesmo são as relações”.

Quando se propõe à tarefa de mediação do conflito, o entrevistado não se reconhece

como parte dele, o que pode contribuir ainda mais para o distanciamento de uma efetiva

negociação e superação dos obstáculos apontados.

Noutro momento da entrevista, o mesmo coordenador pedagógico – CP (3) – atribui à

falta de parceria e estabelecimento de vínculo de confiança o motivo de seu adoecimento no

trabalho: “Já adoeci, já tive que tomar antidepressivo, de não conseguir dormir, de acordar de

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madrugada e lembrar poxa tenho que dar aquela devolutiva para o professor, que naquele momento eu

não dei, de uma situação com criança”.

E completa, a respeito do adoecimento no trabalho:

CP (3): “Sim. Isso eu vou falar por mim e pelo contato que eu tenho com outros

coordenadores, o ponto crucial dessa situação que eu acho que desencadeia mais: quando

você não consegue ter uma parceria sincera com o diretor. Então se é uma relação de

parceria mesmo [...] de vínculo de confiança, e de você dizer: poxa tá acontecendo isso,

mas o outro tá ali para me apoiar. Daí a coisa pode ser muito ruim, mas minimiza; e

quando você não tem esse apoio, você fica só, e o isolamento ele traz consequências

negativas [...] Adoecimento é uma delas, ou as pessoas ficam doentes, ou elas ficam

apáticas, ou elas desistem, que é a síndrome de burnout, ficam alheias a tudo que está

acontecendo. Portanto, têm vários caminhos e o adoecimento é um, acho que é o pior, ou

o último estágio, vamos dizer, porque eu acho que são estágios, não é?”

É importante perceber que o prejuízo causado por relações interpessoais tão esgarçadas

reflete diretamente na saúde do trabalhador, considerando ainda que o primeiro deve ser

encarado como empecilho para a constituição da identidade profissional do segundo, já que o

trabalhador passa a maior parte do seu tempo no trabalho, fazendo com que essas relações

assumam importância extrema (Capitão & Heloani, 2003).

Ao analisar o modo como o mundo do trabalho é organizado e estruturado pelo capital

na contemporaneidade, afirmam CAPITÃO & HELOANI (2003, p. 104): “[...] o que encontra-

se são pessoas isoladas, esquizoides, que olham o colega como alguém não confiável, não só

pelo fato do que o outro realmente é, mas, muito mais, pelo que representa: sofrimento e dor”.

4.5.‘Hoje eu consigo falar, mas ninguém percebeu’: a negação do sofrimento e o espaço

da palavra

Na proposta de análise do sofrimento no trabalho, Dejours (2012) ressalta o risco de

indiferença atribuído ao tema, diante do exército de desempregados que sofrem pela falta de

trabalho. Ao exemplificar o ocorrido na França, o autor faz um alerta para a proposta perigosa

de desqualificar o sofrimento no trabalho.

É imprescindível considerar que, ao escapar do sofrimento causado pelo desemprego,

aqueles que se ocupam das atividades laborativas vivenciam, cada vez mais, tarefas de risco à

saúde, condições degradantes e ritmos intensificados de trabalho.

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Cabe ressaltar ainda que a negação do sofrimento no trabalho também encontra campo

fértil no ambiente laborativo, onde predominam relações interpessoais demarcadas pelo

individualismo e desconfiança, sendo praticamente impossível encontrar aí soluções de caráter

coletivo, que possam transformá-lo.

De um lado as pressões externas convencem o trabalhador a aceitar o inaceitável,

diante dos muitos desempregados que gostariam de ‘estar no seu lugar’; de outro, é o próprio

ambiente, competitivo e individualista, que impele o trabalhador a ocultar o sofrimento vivido.

É o que se constata no relato do coordenador pedagógico – CP (3) - quando menciona o uso de

medicamentos e afirma que a persistência o manteve trabalhando, mesmo doente. Sobre a

necessidade de licença médica, afirma o CP (3): “Não, não, porque eu sou muito (silêncio)

persistente. Hoje eu consigo falar. Sim hoje eu consigo falar, mas ninguém percebeu. Não contava,

porque você é só, você vai falar pra quem? A fragilidade te deixa exposto”.

Para entender melhor a dificuldade apresentada pelo coordenador em expor a sua

condição frágil, no processo de adoecimento, é imprescindível levar em conta o lugar dado ao

sofrimento no trabalho, nas últimas décadas. O que se constata, de antemão, é o papel

negligenciador assumido pelos sindicatos no tratamento deste tema. Desde os anos 70, tal

postura se justificava pela relação estabelecida entre o sofrimento e a subjetividade, sendo esta

última interpretada sob uma perspectiva individualista, egocêntrica e reacionária (Dejours,

2012).

Dessa maneira os sindicatos deram, desde então, pouca importância à questão do

sofrimento no trabalho por considerar que, estando as preocupações voltadas para a saúde

mental do trabalhador, ocorreria uma desmobilização coletiva e a consequente perda da

consciência de classe. É neste contexto que a desqualificação do sofrimento no trabalho

ganhou força, bem como favoreceu a naturalização da tolerância ao mesmo (Dejours, 2012).

A negligência dos sindicatos diante do sofrimento no trabalho contribuiu para que o

ambiente laborativo fosse progressivamente contaminado pelos princípios gerencialistas, que

sequestram a subjetividade do trabalhador, tendo como referência uma organização de

trabalho que se pauta prioritariamente pelo viés econômico. É o que pode ser verificado em

GAULEJAC (2007, p. 201):

“O sofrimento gerado não entra nas preocupações da gestão. Os responsáveis pensam que

os assalariados devem adaptar-se à modernização, que essas mudanças têm um caráter

inevitável e que os estados de ânimo não contam. Apenas a ação é importante. Os dramas

pessoais, as consequências subjetivas devem apagar-se diante das necessidades

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econômicas. Encontramos aqui uma contradição maior do gerenciamento. De um lado um

discurso que valoriza os recursos humanos, celebra a consideração pelas pessoas e insiste

sobre as implicações subjetivas dos trabalhadores para o bom funcionamento da empresa.

Do outro, uma incapacidade de levar em conta essa subjetividade quando ela se exprime

fora das figuras impostas pela empresa”.

Desse modo, expor a própria fragilidade, numa situação de adoecimento originado pelo

sofrimento no trabalho, seria inconcebível, pois revelaria não só a fraqueza do trabalhador,

atributo pouco valorizado no desenvolvimento da atividade profissional que realiza, como

também se mostraria incompatível no ambiente de trabalho pouco (ou nada) acolhedor, que

não está preparado para esse tipo de demanda.

Outro aspecto relevante é o da invisibilidade atribuída ao sofrimento psíquico no

trabalho.

É numa perspectiva histórica que se verifica a falta de atenção oferecida ao sofrimento

psíquico no espaço laborativo. Foram as doenças profissionais, causadoras do sofrimento

físico e mais frequentemente ligadas a acidentes de trabalho e saúde do corpo que receberam

especial atenção das organizações políticas (Dejours, 2012).

Nestas condições, a invisibilidade do sofrimento no trabalho pode ser atribuída ao bom

ou ao mau funcionamento das estratégias defensivas, que impedem o mesmo de configurar-se

como patogênico. Sendo o sofrimento mental desqualificado na organização do trabalho,

apenas a doença pode ser manifestada. É o que esclarece DEJOURS (1992, p. 121):

“Só a doença é admissível. Por isso, o trabalhador deverá apresentar um atestado médico,

geralmente acompanhado de uma receita de psicoestimulantes ou analgésicos. A consulta

médica termina por disfarçar o sofrimento mental: é o processo de medicalização, que se

distingue bastante do processo de psiquiatrização, na medida em que se procura não

somente o deslocamento do conflito homem-trabalho para um terreno mais neutro, mas a

medicalização visa, além disso, a desqualificação do sofrimento, no que este pode ter de

mental”.

Cabe considerar que a negação e invisibilidade do sofrimento no trabalho são

identificadas não só quando o coordenador pedagógico – CP (3) - relata seu adoecimento, mas

também quando comenta o modo como conseguiu recuperar-se do isolamento vivido dentro da

unidade escolar em que atua. Já que é fora deste espaço que ele encontra respaldo para dar um

novo sentido ao sofrimento:

CP (3): “Eu acho que justamente assim de perceber que sozinha eu não ia sair dessa; por

mais que eu tentasse. E eu sempre acreditei no trabalho em equipe, sempre, sempre

acreditei, eu nunca acreditei no trabalho isolado. E aí você busca dentro das pessoas que

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estão próximas de você, profissionalmente falando, aquelas para confiar, trocar e ouvir. E

eu acho que isso te dá força”.

Deste depoimento é possível constatar quão importantes são a fala e a escuta de

profissionais que pertencem à mesma rede de ensino, de modo que o sofrimento seja

canalizado para a reflexão da experiência vivida no espaço laboral. Ser ouvido e acolhido, com

seu sofrimento, possibilitou ao coordenador sair de seu isolamento, buscando novas formas de

intervir na organização do trabalho. No entanto, é preciso lembrar que a experiência da palavra

deve ocorrer no espaço de atuação do coordenador pedagógico, na escola em que trabalha.

Dessa maneira, é necessário considerar que a qualidade da discussão entre as pessoas é

indispensável para a evolução da organização do trabalho, bem como para a saúde mental

daqueles que nela atuam. Quando o ambiente laborativo está dominado pela falta de

comunicação e pela degradação dos espaços de discussão, apenas as estratégias de defesa

podem permitir aos trabalhadores que continuem sobrevivendo ali (Dejours, 1999).

Ao ser ouvido por colegas, também coordenadores pedagógicos, que atuam em outras

unidades escolares da mesma rede de ensino, o entrevistado – CP (3) - demonstra reconstituir

a segurança necessária para voltar ao seu local de trabalho, realizando intervenções pertinentes

e necessárias para aprimorar as atividades profissionais que desenvolve.

Sobre o apoio que recebeu de outros coordenadores pedagógicos, o CP (3) comenta:

“Foi, foi, foi de dividir, de ouvir, de trocar, de vamos fazer, vamos sentar pra fazer pauta

juntos, fazer reunião, de me ouve um pouco que eu preciso chorar, fecha a porta, sabe coisa

assim?”

A fala e a escuta, a respeito da relação estabelecida com o trabalho, deve apoiar-se no

diálogo comprometido dos trabalhadores, garantindo a importância de igualdade entre a

palavra e a escuta, donde poderão nascer as coisas que não existiam antes da palavra (Dejours,

1999).

Portanto, é a palavra, falada e ouvida, que permite ao trabalhador refletir sobre sua

experiência, retomando-a com proposições de mudança, que favoreçam novas intervenções na

organização do trabalho. É através dessa reflexão que o trabalhador toma iniciativas de caráter

mais pertinente e aplica a inteligibilidade para providenciar ajustes necessários.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Através da análise da legislação que amparou a criação do cargo de coordenador

pedagógico, considerada no contexto histórico em que estava inserida, foi possível identificar

as expectativas depositadas na atuação do CP, como profissional que contribuiria

significativamente para a consolidação dos espaços de diálogo e democratização da gestão

escolar. Tais anseios, apesar de determinantes do lugar que se pretendia conferir a estes

profissionais, tiveram vida curta.

A pesquisa revela que, nos anos que seguiram à criação do cargo de CP, a

descontinuidade de políticas educacionais alteravam os caminhos trilhados para a rede de

ensino no município de São Paulo, a cada troca de gestão, submetendo a definição das

primeiras atribuições dos coordenadores pedagógicos aos caprichos da administração ‘zig-

zag’.

Apoiado na análise de Cunha (2009) este estudo identificou as dificuldades que a

coordenação pedagógica enfrenta, desde a criação do cargo em 1985 até os dias atuais.

Relacionadas às mudanças implementadas pelas diferentes gestões que assumiram a

administração municipal, essas dificuldades aparecem como consequência de políticas

educacionais que buscam apenas impactar o eleitor na hora do voto, mas em nada contribuem

para a melhoria das condições de trabalho dos profissionais da educação.

Verifica-se que as primeiras atribuições dos coordenadores pedagógicos apresentaram-

se de modo vago ou, melhor dizendo, pouco esclarecedor, no que concerne à natureza da

atividade que deveria ser desenvolvida por este profissional. Seria possível afirmar que tal

feito prenunciava o lugar, muitas vezes, ocupado por esses profissionais ao longo de sua

trajetória profissional; o que remete a algumas das referências feitas ao CP e identificadas

durante esta pesquisa: ‘faz-tudo’; ‘árvore frutífera para todas as estações’; ‘bombeiro’;

‘Bombril’, entre outras.

Com os programas de qualidade total, visíveis a partir dos anos 1990 e aprimorados na

década de 2000, as expectativas de uma educação emancipadora e, por conseguinte, de uma

atuação minimamente transformadora, se mostraram cada vez mais distantes dos horizontes a

serem alcançados pelos coordenadores pedagógicos. A transposição do modelo de organização

empresarial para o espaço escolar interferiu de modo direto na atuação do coordenador

pedagógico, que passou a ocupar-se de demandas de cunho empreendedor, tornando-se mais

uma liderança da equipe gestora da escola, incentivando o corpo docente para o cumprimento

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de metas e aprimoramento de resultados, do que propriamente mediador de um trabalho

coletivo, de cunho ético e de um ideal político transformador.

Na atualidade, os aspectos políticos e organizativos da educação pública, atravessados

por princípios de caráter gerencial, fazem com que o trabalho seja tomado de novos sentidos e

alimentado pelas modificações ocorridas no interior da escola. Inovação, criação e

flexibilidade são atributos cada vez mais exigidos dos trabalhadores, valorizados pela lógica

empreendedora que tem contaminado as políticas educacionais atuais. Estes se veem

obrigados a reorganizar o seu trabalho, dominando novas práticas e novos saberes no exercício

de suas funções (Oliveira, 2004).

Ao analisar a atuação dos coordenadores pedagógicos, é importante considerar que a

apologia à individualização das relações de trabalho se apresenta, a esses profissionais, ora

como demanda de trabalho, ora como determinante de um estado de isolamento vivenciado no

ambiente laborativo. Fortalecida pelas políticas de incentivo e valorização das ‘boas práticas’,

as propostas de individualização propagam, em seus discursos, a ideia de que a melhoria dos

resultados da escola só depende de esforço pessoal dos trabalhadores da educação, reforçando

ainda que a qualidade, nesta área, pode ser alcançada pelo aumento da produtividade destes

profissionais.

Outra faceta da individualização profissional, respaldada no modelo empreendedor de

educação, que vem provocando significativas alterações na natureza do trabalho desenvolvido

pelos coordenadores pedagógicos, está atrelada à proposta de pagamento de prêmio por

desempenho educacional; estimulando a comparação, o ‘rankeamento’ e a competitividade

entre trabalhadores que pertencem à mesma rede de ensino público.

A rotina intensificada e as exigências do aumento da produtividade estão vinculadas à

cobrança constante por melhor desempenho profissional, tornando possível a identificação dos

prejuízos trazidos por esse modelo de organização de trabalho, vivenciado pelos

coordenadores pedagógicos, comprometendo não só a saúde desses profissionais, mas também

a relação que os mesmos estabelecem com a atividade laborativa.

Sufocados pelos imperativos gerencialistas, os coordenadores pedagógicos

experimentam, de modo cada vez mais frequente, o isolamento no trabalho, traduzido pelo

sentimento de não pertencimento ao grupo de educadores que atuam na mesma unidade

escolar, sejam eles da equipe gestora ou docente.

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Ao assumir o sofrimento vivido no trabalho, estes profissionais relatam experiências

que, muitas vezes, desembocam no adoecimento. Para reconstituir a relação com o trabalho,

de modo a torná-la melhor estruturada, os entrevistados afirmam a importância de ‘falar e ser

ouvido’ por outros coordenadores pedagógicos, capazes de compreender as especificidades, os

desafios e as demandas do trabalho desenvolvido e/ou esperado do CP, no cotidiano da escola.

Desse modo, os coordenadores pedagógicos ratificam a importância de renegociar a

organização do trabalho, considerando a experiência, a iniciativa e a inteligibilidade que eles

trazem, na constituição da trajetória profissional. Tal posicionamento revelou o papel de

destaque dado à palavra, por estes profissionais. Assim, reafirmam a importância da discussão

sobre os problemas enfrentados no trabalho como condição para sua evolução.

Cabe considerar então, que a palavra, falada e ouvida, pode contribuir

significativamente para a reflexão e o aprimoramento da organização do trabalho. Faz-se

necessário, no entanto, cavar oportunidades que favoreçam a construção do espaço público da

palavra no interior de cada escola.

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BIBLIOGRAFIA

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SÃO PAULO. Decreto nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985. Institui o Regimento Comum

das Escolas Municipais, e dá outras providências. Diário Oficial do Município, 28 de dez.

1985.

______. Decreto nº 21.839, de 03 de janeiro de 1986. Revoga, em todos os seus termos, o

Decreto nº 21811, de 27 de dezembro de 1985, e dá outras providências. Diário Oficial do

Município, 04 de jan. 1986.

______. Decreto nº 27.614 de 01 de janeiro de 1989. Revoga o Decreto nº 21.839, de 03 de

janeiro de 1986 e revigora o decreto nº 21.811, de 27 de dezembro de 1985, referentes ao

Regimento Comum das Escolas Municipais. Diário Oficial do Município, 03 de jan. 1989.

______. Decreto nº 32.892 de 23 de dezembro de 1992. Dispõe sobre o regimento comum

das escolas municipais, e dá outras providências.

______. Decreto nº 42.628 de 19 de novembro de 2002. Dispõe sobre a gratificação por

desenvolvimento educacional concedida aos servidores lotados nas unidades escolares da rede

municipal de ensino e nas sedes dos núcleos de ação educação – nae.

______. Decreto nº 53226 de 20 de junho de 2012. Dispõe sobre o pagamento do prêmio de

desempenho educacional, instituído pela lei nº 14.938 de 30 de junho de 2009, relativo ao

exercício de 2012.

______. Decreto nº 53.702 de 22 de janeiro de 2013. Fixa o valor total do prêmio de

desempenho educacional relativo ao exercício de 2012 e confere nova redação ao artigo 7º do

decreto nº 53.226, de 20 de junho de 2012.

______. Decreto nº 53.946 de 28 de maio de 2013. Dispõe sobre o pagamento do prêmio de

desempenho educacional instituído pela lei nº 14.938, de 30 de junho de 2009, para os

exercícios de 2013 e 2014.

______. Decreto nº 54.453 de 10 de outubro de 2013. Fixa as atribuições dos profissionais

de educação que integram as equipes escolares das unidades educacionais da rede municipal

de ensino.

______. Lei nº 9874 de 18 de janeiro de 1985. Reestrutura a carreira do magistério

municipal, institui a evolução funcional e dá outras providências. Diário Oficial do Município,

19 de jan. 1985.

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______. Lei nº 13.274 de 04 de janeiro de 2002. Institui a gratificação por desempenho

educacional, a ser concedida anualmente, nas condições que especifica, aos servidores lotados

nas unidades escolares da rede municipal de ensino e nas sedes dos núcleos de ação educativa.

______. Lei nº 14.938 de 30 de junho de 2009. Institui o prêmio de desempenho educacional

e revoga as leis e os dispositivos legais que especifica.

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ANEXO I

Roteiro de entrevista

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1. Fale um pouco de você, seu percurso pessoal e profissional até agora.

2. Que expectativas e/ou circunstâncias te levaram a assumir o cargo de coordenador

pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo?

3. Levando em conta seu tempo de atuação na coordenação pedagógica, explicite as

principais atribuições de seu cargo.

4. Relate um pouco da sua rotina, na coordenação pedagógica, considerando para isso a

sua experiência na rede municipal de ensino de São Paulo.

5. Quais as tarefas que executa e quais delas, no seu entendimento, não seriam atribuições

de um coordenador?

6. Na condição de membro da equipe gestora, quais as principais contribuições da

coordenação pedagógica para a unidade escolar?

7. Que obstáculos você identifica no cotidiano escolar, que afetam diretamente o trabalho

da coordenação pedagógica?

8. Consegue realizar tudo que planeja?

9. O que mais lhe incomoda?

10. Como você avalia suas condições de trabalho? Consegue realizar tudo que lhe é

demandado?

11. Sente-se cobrado (a)? (Se sim, por quem?)

12. Você sente que tem autonomia para tomada de decisão correspondente à sua função?

13. Do ponto de vista da organização do sistema educacional, das estruturas e regras da

escola, como fica a rotina do coordenador pedagógico?

14. Seria possível pensar que a sua rotina de trabalho revela uma transgressão a aquilo que

é proposto, prescrito para o coordenador pedagógico?

15. Considerando o seu tempo de atuação como CP, você já participou de alguma

discussão, elaboração, consulta a respeito de implementação de políticas para a escola,

para a organização do seu trabalho? Se sim, em que espaços, em que instâncias?

16. Pensando na escola, submetida a uma administração central (SME), você considera o

seu local de trabalho e o seu ofício: produtor ou reprodutor de regras?

17. O trabalho interfere na sua vida pessoal e familiar?

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18. Como você descreveria o ambiente de trabalho na escola? Relações interpessoais com

a direção, professores e demais membros do corpo funcional da escola. Acha bom? Em

que aspecto poderia ser melhorado?

19. Quais os fatores que mais interferem nesse ambiente de trabalho (escola)?

20. Fale-me um pouco sobre o papel das instâncias superiores no seu trabalho:

contribuições da supervisão escolar, DOT, DRE, SME para a sua atuação.

21. Como você vê o modelo de avaliação externa que vem sendo implantado na Rede

Municipal de Ensino (tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental),

inclusive para o cálculo do INDIQUE?

22. Sente-se realizado (a) no trabalho?

23. Sente-se reconhecido (a)?

24. Sente-se motivado e com “energia” para trabalhar (a)?

25. Fale-me um pouco sobre sua saúde hoje.

26. Quais as suas expectativas em torno da carreira e da profissão?

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ANEXO II

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Decreto nº 93.933 de 14/01/1987 – Resolução CNS nº 196/96)

Este formulário de consentimento tem por objetivo informar-lhe sobre o que trata a pesquisa, bem

como obter sua autorização explícita para realiza-la. Espera-se, através deste, dar-lhe uma idéia básica

sobre a pesquisa e o que sua participação envolverá. Se você deseja mais detalhes sobre algo

mencionado aqui ou informações não incluídas, sinta-se à vontade para perguntar. Por favor, leia

cuidadosamente este formulário e as informações aqui contidas.

Título provisório: “Atuação do Coordenador Pedagógico da Rede Municipal de Ensino de São Paulo”.

Objetivos: Identificar o lugar formatado para o coordenador pedagógico, a partir das políticas públicas

que orientam a organização da educação municipal de São Paulo.

Analisar a atuação do coordenador pedagógico na rede municipal de ensino de São Paulo.

Pesquisadora Responsável: Soraia da Silva Rocha

Orientador: Professor Doutor Evaldo Piolli

Instituição: Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas

Procedimentos a serem utilizados: Terá como recurso metodológico o uso de entrevistas

semiestruturadas com os coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de São Paulo,

atuantes nas diferentes modalidades de ensino (infantil, fundamental e EJA), com experiência mínima

de 05 (cinco anos) na função. Será realizada uma análise do conteúdo dessas entrevistas, buscando um

desmembramento do texto em unidades categóricas, segundo reagrupamentos analíticos e de acordo

com a frequência com que surgem nos depoimentos.

Riscos ou desconfortos: A participação não envolverá a identificação dos participantes. Estes poderão

deixar de participar do processo caso apresentem qualquer discordância.

Sigilo: O nome e dados de identificação dos participantes da pesquisa serão mantidos em absoluto

sigilo, bem como o da instituição à qual pertencem. Todas as informações obtidas na pesquisa serão

utilizadas apenas para análise científica dos dados e, em caso algum, os nomes dos participantes

constarão das eventuais publicações.

Consentimento: A assinatura neste formulário indica que você leu e entendeu as informações aqui

contidas, que você concorda com a divulgação / publicação dos resultados da pesquisa em congressos,

publicações científicas, livros, etc. Neste caso serão tomados cuidados éticos em relação ao sigilo de

sua identidade, bem como dos demais dados confidenciais. Comprometemo-nos a divulgar-lhe os

resultados da pesquisa.

Você é livre para recusar-se a responder a itens específicos ou questões durante a entrevista. Sinta-se

livre para pedir explicações ou esclarecimentos a qualquer momento durante a pesquisa. Se você tem

outras questões, dúvidas com relação a esta pesquisa, por favor, pergunte-nos.

Assinaturas:

_____________________ _______________________

Pesquisadora Responsável Participante

Soraia da Silva Rocha Nome:

RG: 22342626-X RG:

Tel: (11) 98456-4182

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CONSENTIMENTO

Eu,_____________________________________ RG__________________________

Abaixo assinado, concordo livremente em participar da pesquisa: “Atuação do Coordenador

Pedagógico da Rede Municipal de Ensino de São Paulo”.

Fui devidamente informado (a) e esclarecido (a) pela pesquisadora Soraia da Silva Rocha, da

Faculdade de Educação da UNICAMP, sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim

como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação.

Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a

qualquer penalidade.

Autorizo que dados possam ser utilizados na elaboração de textos para publicação.

Declaro que recebi uma cópia do presente termo de consentimento.

_______________________, ______de ________________de 2013.

Nome completo:__________________________________________

Assinatura: ______________________________________________

Telefone para eventuais contatos: ____________________________

Data: ____/____/____

____________________ ________________

Pesquisadora Responsável Participante

Soraia da Silva Rocha Nome:

RG: 22342626-X RG:

Tel: (11) 98456-4182