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186 O.CASTELBRANCO ETAL GEVol.13 CasoClínico/ClinicalCase APENDICITE AGUDA COMO MANIFESTAÇÃO INAUGURAL DE NEOPLASIA GÁSTRICA O.CASTELBRANCO 1 ,M.FORTUNATO 2 ,M.SMIT 3 ,H.L.DASILVA 1 ,L.COSTA 4 ,P.COSTA 1 Resumo Apropósitodeumcasoclínicodeapendiciteagudacomo manifestaçãoinauguraldeneoplasiagástrica,faz-seuma revisãosobretumoresdoapêndice.Asmetástasesapendi- cularessãoentidadesclínicasparticularmenteraras,oque condicionadificuldadenamarchadiagnósticaeestratégia terapêuticaaadoptar.Arevisãobibliográficadecasossim- ilares permitiu sugerir uma abordagem diagnóstica de doentescomapresentaçõesclínicasanálogas. Abaixaprevalênciademetástasesapendicularescomori- gem num adenocarcinoma gástrico e cuja apresentação inicialsejaumquadrodeapendiciteagudajustificaapre- sençadeapenasquatrocasosidênticosregistadosnalite- raturamédica.Estefactonãodeve,porém,obviarasus- peiçãodeneoplasiasubjacenteemdoentesoncológicoscom apendiciteaguda. Summary Acasestudyongastriccancer,initiallypresentedasacute appendicitis,madeusexaminetumoursontheappendix. Casesofappendicularmetastasisareveryrarewhichgives rise to difficult diagnostic and therapeutic management. Comparisonsofothercasereportsallowedustoequatethe diagnosticinvestigationsthatcouldbedoneinsimilarca- ses,eventhoughwefoundonlyfourreportsofgastriccan- cerpresentingasacuteappendicitisinmedicalliterature. Therarityofthiscasestudyshouldn´tprecludesuspicions ofmetastasisinpatientswithacuteappendicitisandapre- vioushistoryofcancer. GE-JPortGastrenterol2006,13:186-190 Recebidoparapublicação:08/07/2005 Aceiteparapublicação:11/11/2005 (1)ServiçodeCirurgiaIII. (2)ServiçodeRadioterapia. (3)ServiçodeAnatomiaPatológica. (4)ServiçodeOncologiaMédica. Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal/Faculdade de Medicina de Lisboa. INTRODUÇÃO Ocancrodoapêndicececaléumaentidadeclínicarara. Corresponde a 0,2-0,5% de todos os tumores gastro- intestinais (1)esomente0,5%daspeçasdeapendicecto- miacontémneoplasia (2). Aapresentaçãoclínicamaishabitualésobaformade apendiciteaguda,oquecondicionaelevadadificuldade na detecção pré/intra-operatória e justifica que o dia- gnóstico, habitualmente, seja realizado pelo anátomo- patologista. Os três tipos histológicos predominantes, por ordem decrescente de frequência, são: tumor carcinóide, cis- tadenocarcinomaeadenocarcinoma(primáriooumetas- tático)(2). CASOCLÍNICO Doentedosexofeminino,58anosdeidade,querecorre aoServiçodeUrgênciadoH.S.M.pordorabdominalna regiãoumbilicalefossailíacadireitaassociadaavómi- toseanorexia,com24horasdeevolução.Antecedentes pessoais:histerectomiatotalporfibromioma,há13anos, cirurgiaconservadoradamamadireita(quadrantectomia supero-externacomesvaziamentoaxilar)eradioterapia porcarcinomaductalinvasivo,há3anos(dosetotal60Gy). Apirética.ApalpaçãoabdominaldaFIDehipogastro eram muito dolorosas com Bloomberg positivo. Analiticamente, apresentava leucocitose (11,500) com neutrofilia (87,7%). A ecografia abdominal mostrava: "zonadolorosaàpassagemdasondanafossailíacadirei- ta, com hiperecogenicidade da gordura nessa zona. Presença de algumas ansas intestinais com conteúdo líquido.Ausênciadelíquidolivreintra-peritoneal." Diagnósticoprovável:apendiciteaguda. LaparotomiadeMcBurney:apêndicehiperemiado,sem outrasalterações.Apendicectomia.Pós-operatóriosem intercorrências.Altaaosegundodia. Resultado histológico da peça operatória: "Apêndice ileo-cecalemquesereconhecenaespessuradetodaa extensão da parede, ninhos e cordões de células epiteliais atípicas produtoras de muco, cujo estudo imunohistoquímico revelou positividade para citoque-

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CasoClínico/ClinicalCase

APENDICITE AGUDA COMO MANIFESTAÇÃO INAUGURALDE NEOPLASIA GÁSTRICA

O.CASTELBRANCO1,M.FORTUNATO2,M.SMIT3,H.L.DASILVA1,L.COSTA4,P.COSTA1

Resumo

Apropósitodeumcasoclínicodeapendiciteagudacomomanifestaçãoinauguraldeneoplasiagástrica,faz-seumarevisãosobretumoresdoapêndice.Asmetástasesapendi-cularessãoentidadesclínicasparticularmenteraras,oquecondicionadificuldadenamarchadiagnósticaeestratégiaterapêuticaaadoptar.Arevisãobibliográficadecasossim-ilares permitiu sugerir uma abordagem diagnóstica dedoentescomapresentaçõesclínicasanálogas.Abaixaprevalênciademetástasesapendicularescomori-gemnumadenocarcinomagástrico e cujaapresentaçãoinicialsejaumquadrodeapendiciteagudajustificaapre-sençadeapenasquatrocasosidênticosregistadosnalite-raturamédica.Estefactonãodeve,porém,obviarasus-peiçãodeneoplasiasubjacenteemdoentesoncológicoscomapendiciteaguda.

Summary

Acasestudyongastriccancer,initiallypresentedasacuteappendicitis,madeusexaminetumoursontheappendix.Casesofappendicularmetastasisareveryrarewhichgivesrise todifficultdiagnosticand therapeuticmanagement.Comparisonsofothercasereportsallowedustoequatethediagnosticinvestigationsthatcouldbedoneinsimilarca-ses,eventhoughwefoundonlyfourreportsofgastriccan-cerpresentingasacuteappendicitisinmedicalliterature.Therarityofthiscasestudyshouldn´tprecludesuspicionsofmetastasisinpatientswithacuteappendicitisandapre-vioushistoryofcancer.

GE-JPortGastrenterol2006,13:186-190

Recebidoparapublicação:08/07/2005Aceiteparapublicação:11/11/2005

(1)ServiçodeCirurgiaIII.(2)ServiçodeRadioterapia.(3)ServiçodeAnatomiaPatológica.(4)ServiçodeOncologiaMédica.Hospital de SantaMaria, Lisboa, Portugal/Faculdade deMedicina deLisboa.

INTRODUÇÃO

Ocancrodoapêndicececaléumaentidadeclínicarara.Corresponde a0,2-0,5%de todosos tumoresgastro-intestinais (1)esomente0,5%daspeçasdeapendicecto-miacontémneoplasia (2).Aapresentaçãoclínicamaishabitualésobaformadeapendiciteaguda,oquecondicionaelevadadificuldadenadetecçãopré/intra-operatóriae justificaqueodia-gnóstico,habitualmente,seja realizadopeloanátomo-patologista.Os três tipos histológicos predominantes, por ordemdecrescentede frequência,são: tumorcarcinóide,cis-tadenocarcinomaeadenocarcinoma(primáriooumetas-tático)(2).

CASOCLÍNICO

Doentedosexofeminino,58anosdeidade,querecorreaoServiçodeUrgênciadoH.S.M.pordorabdominalnaregiãoumbilicalefossailíacadireitaassociadaavómi-

toseanorexia,com24horasdeevolução.Antecedentespessoais:histerectomiatotalporfibromioma,há13anos,cirurgiaconservadoradamamadireita(quadrantectomiasupero-externacomesvaziamentoaxilar)eradioterapiaporcarcinomaductalinvasivo,há3anos(dosetotal60Gy).Apirética.ApalpaçãoabdominaldaFIDehipogastroeram muito dolorosas com Bloomberg positivo.Analiticamente,apresentava leucocitose (11,500)comneutrofilia (87,7%).Aecografiaabdominalmostrava:"zonadolorosaàpassagemdasondanafossailíacadirei-ta, com hiperecogenicidade da gordura nessa zona.Presença de algumas ansas intestinais com conteúdolíquido.Ausênciadelíquidolivreintra-peritoneal."Diagnósticoprovável:apendiciteaguda.LaparotomiadeMcBurney:apêndicehiperemiado,semoutrasalterações.Apendicectomia.Pós-operatóriosemintercorrências.Altaaosegundodia.Resultado histológico da peça operatória: "Apêndiceileo-cecalemquesereconhecenaespessuradetodaaextensão da parede, ninhos e cordões de célulasepiteliais atípicas produtoras de muco, cujo estudoimunohistoquímico reveloupositividadeparacitoque-

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ratinas7e20enegatividadeparacromograninaAesinaptofisina.Conclusão:Infiltraçãoportecidodeade-nocarcinomapoucodiferenciado(Primitivo?Secundá-rio?)"(Figura1).Opadrãoimuno-histoquímicoerasu-gestivodetumorprimáriodoestômagonãosendopos-síveleliminarashipótesesdiagnósticasdemamaepul-mão.Aanamnesecolhidaapósresoluçãodadoençaaguda,revelouastenia,emagrecimento(perdaponderal10Kgnumano),dornohipocôndriodireitoeenfartamentocomseismesesdeevoluçãoequetiveramremissãopar-cialcominibidordabombadeprotões.Aoexameobjec-tivo,bomestadogeraledenutrição(IMC=24,7)semoutrasalterações.Nosantecedentesfamiliareshaviaarealçarhistóriafamiliardeneoplasiadamamaedigesti-va(estômagoecólon).Noúltimocontroloimagiológicodamama,efectuadopor rotinaquatromesesantesdointernamento actual, não havia imagens suspeitas derecidivaounovalesãomaligna.Requisitou-seTACtorácicaeabdómino-pélvica,endos-copiadigestivaalta(EDA),colonoscopiaeanálisescommarcadorestumorais(CA19.9eCEA).ATACtorácica,abdómino-pélvica,acolonoscopiatotaleasanálisesnãomostraramalterações.Areavaliaçãodaslâminas,comnovosexamesimuno-citoquímicos,mostrou:"...positividadeparacitoquerati-nas7e20eHMFG-1enegatividadeparaTTF1,oquesugereorigemprimárianamama".AEDA(Figura2)mostrou:"mucosadofundo,corpoeantrocomeritemamosqueadointenso.Nafaceanteriordoestômago,natransiçãodocorpoparaoantro,lesãovegetanteulceradanaporçãocentral,desuperfícieirre-gular, mole à pinça de biopsia, friável ao toque.Conclusão:neoplasiagástrica."Resultadohistológico:"adenocarcinomapoucodiferenciadocomcélulasemaneldesinete".Demodoaavaliaraextensãodadoençaneoplásicare-

Figura1-Imagemhistológicadoapêndiceemampliaçãopequena.

Figura2-Mucosadofundo,corpoeantrocomeritemamosquea-dointenso.

quisitou-sePET-scanquenãomostroudoençametaboli-camenteactiva.Desta forma equacionaram-se trêspossibilidadesdia-gnósticas:1.T.primáriodamamaquemetastizouparaoapêndice,comtumorgástricosíncrono;2.T.primáriodamamaquemetastizouparaoestômagoeparaoapêndice;3. T. primário do estômago que metastizou para oapêndice;Dois meses após a apendicectomia, procedeu-se alaparotomiaexploradoracomaintençãodeeventualgas-trectomiatotalehemicolectomiadireita.Intra-operato-riamenteobservou-setumornagrandecurvaturagástri-ca,seminvasãomacroscópicadaserosa;massaanexialdireitaenvolvendooovárioetrompas,heterogéneo,delimitesmaldefinidoseaderenteaopavimentopélvicocomcercade7cmdeØ.Noanexoesquerdo,encontrou-semassadecaracterísticasidênticas,masmenor(cercade4cmdeØ).Verificou-seainda,carcinomatoseperi-tonealeinvasãodomesocólontransversoeraizdomesen-térionotrajectodoeixovascularmesentéricosuperior.Comintençãopaliativaprocedeu-searessecçãogástricaemcunhacomooforosalpingectomiabilateral,omente-ctomiaebiopsiademetástasesperitoneais.Opós-operatórioimediatodecorreusemintercorrências.Altaao9ºdia,bem.Resultado anátomo-patológico das peças operatórias:"Adenocarcinomapoucodiferenciado,comáreasdecar-cinomamucocelularqueinvadetodaaparedegástricaatéàserosaemetástasesemambososovários(tumoresdeKrukenberg);metástases no epiploon e peritoneuparietal".

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Nestecontextoaorigemprimáriadametástaseapendi-cularparecepoderatribuir-seaotumorgástrico.AdoentefoireferenciadaàConsultadeOncologiasendoincluídanumprogramadeterapêuticapaliativacomcis-platinae5-fluouracilo.DezmesesapósacirurgiaadoentemantémbomestadogeralcomTACabdominaldecontroloarevelarapenasmicronodularidadesaníveldomesentério.

DISCUSSÃO

Asprincipaishipótesesdiagnósticasdonossocasoclíni-co,decorrentesdaprimeiraavaliaçãohistológica,foramadenocarcinomaprimáriooumetástase.Adificuldadeinicial na determinação da origem do carcinoma(primário/secundário)teveorigemnofactodetodasascamadasdoapêndiceestaremenvolvidas.Simultaneamentehaviaquedefinir,emcasode tumorprimário,sehaveriaindicaçãoparahemicolectomiadi-reitasuplementarouconsideraraapendicectomiacomoterapêutica. Por outro lado, se a neoplasia fosse se-cundária,qualaorigemdo tumorprimárioequaisosexamessubsidiáriosdediagnósticoarequisitardeformaaobtermosa informaçãocomamelhorrelaçãocusto-benefício.Finalmente,haviaaindaqueequacionarqualaterapêuticamaisadequadanasdiversasopçõespassíveisdeseremconsideradas.Todasestasquestõessurgiramcomoprimeirorelatórioanátomo-patológicoNoadenocarcinomaprimário,quecorrespondea4-6%dasneoplasiasapendiculares(1),aidademédiadeapre-sentaçãositua-senasextadécadadevidaeháumligeiropredomíniodosexomasculino(3).Asalteraçõesneo-plásicasocorremaníveldoepitélioglandulardamucosaeosprincipaissubgruposhistológicossãootipomuci-nosoeotipocólico(2).Esteúltimoémenosfrequentemastempiorprognóstico4.Asobrevivênciaaos5anosé55%4variandocomoestádio tumoral,determinadoatravésdaclassificaçãodeDukes(2).Ataxadesobre-vivência parece aumentar se complementarmente àapendicectomia se efectuar hemicolectomia direita (4)(20%vs58%).Apresença concomitantede lesões síncronas em15-30%doscasos,maisfrequentementeaníveldocólonouovário(2),justificaumaavaliaçãointra-operatóriapar-ticularmentecuidadosa.Asmetástasesimplantam-senaserosadoapêndice,pro-gressivamentevãoinvadindoaparedeecondicionandoum estreitamento do lúmen com eventual obstruçãoluminaleprocessoinflamatórioagudo(5).Assim,ahis-tologia sugere origem secundária da lesão, quando onúcleoda lesãoéextramuralenão seobservamalte-raçõesneoplásicasnamucosaadjacenteàatipia(3).A

naturezaintrínsecadasmetástasesapendicularescondi-cionaumaapresentação tardiadoquadroclínicocommaior incidênciadeperfuraçãoeaumentodo riscodemorbi/mortalidade(6).Porém,a infiltraçãosecundáriadoapêndicepor tumoresàdistânciaéextraordinaria-menterara.JonesandMacFarlane(7)numestudoretros-pectivode4107peçasdeapendicectomiaencontraramapenas3metástaseseumdoscasosresultavadeexten-sãodirectadeneoplasiaprimáriadocego.JáSchmutzer,quetemdescritoamaiorincidênciademetástasesencon-trou12neoplasiassecundárias(0,14%)narevisãoefec-tuadade8699peçashistológicasdeapendicectomia(7).Optámosporassumirquese tratavadeumametástaseapendiculare fazerumaavaliaçãocuidadosapréviaaqualqueratitudeterapêuticacomplementar.Osprimeirospassos que demos namarcha diagnóstica tinham porbase excluir como tumores primários o cólon e osovários, pois não é raro que os carcinomas do cegoenvolvam secundariamente abasedo apêndice (8) e,para além das vias de disseminação linfática ehematogénea teríamos tambémaextensãodirectaeainvasãoperineural(cólon)(7).Acaracterísticadissemi-naçãoprecocedocancroepitelialdoovárioatravésdacavidadeperitoneal e epíploon estánabaseda apen-dicectomiaprofilática realizadapor rotinapor algunsginecologistas(9).ApartirdomomentoemqueaTACtorácica,abdómino-pélvicaeacolonoscopiaserevelaraminsuspeitasvoltá-mosaterumdilemadiagnóstico,quejustificouareavali-açãodaslâminasdapeçadeapendicectomia.Asmetástasesàdistânciasãoumacontecimentocomumduranteaevoluçãodocancrodamama.Oslocaismaisfrequentementeenvolvidospeladisseminaçãoconsistemno osso, pulmão, fígado e cérebro. Já asmetástasesdigestivas,eparticularmenteaquelascomsedeapendi-cular,sãoextraordinariamente raras (10).A ressecçãotumoral prévia, sem evidência de recidiva local, nãoinviabilizava esta suspeita diagnóstica, pois os casosclínicos(7)revistosnaliteraturatambémtiverammani-festaçõesdeapendiciteagudaquesurgiramaté3anosapósa terapêuticacirúrgicaeháreferênciasdemetás-tasesque se tornaramclinicamenteevidentesdécadasapósa terapêutica inicial (8).Éaindade referirqueosubtipohistológicoquemaisfrequentementemetastizapara a cavidade abdominal (tubodigestivo,ovários eserosas)éocarcinoma lobular invasivo(8)(nãoeraosubtipodanossadoente)edentrodasmetástasesdigesti-vas,olocalmaisfrequentededisseminaçãoéoestôma-go(8).Oslocaismaisfrequentesdedisseminaçãogástricasãooduodenoeesófagoporextensãodirectae fígado,pul-mão,supra-renaiseováriosporviahematogénica (8).Porém, em 6% dos casos de neoplasias síncronas da

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mamaeestômagonão seconsegue identificarqualosentidodametastização(8).Como foiexpostoanteriormente,havia trêshipótesesdiagnósticasa seremavaliadase, inclusivamente,eranecessáriodeterminarsehaveriaoutroslocais,aindanãoestudados,sedededoença.Destaforma,tornou-sepre-mente a realização de PET-scan.O PET-scan é ummétododeimagemfuncionalenãoinvasivoqueutilizacomomarcador o 18-F-Fluoro-2-desoxiglicose (18F-FDG).Estasubstânciaéumanálogodaglicoseecomoagrandemaioriadascélulasneoplásicasapresentamummetabolismo intermediáriosuperiorvamosobterumacaracterizaçãofuncionalquesetraduzporumaumentode captação de 18F-FDG pelos tecidos oncológicos.Destaforma,oPET-scantemumimportantepapelnodiagnósticoprecocedaspequenaslesõesinsitu,aindaindetectáveisporoutrosmétodosdeimagem.Apósoresultadohistológicodaspeçasoperatóriasdalaparotomiaexploradora,realizámosumarevisãopor-menorizadadaliteratura(Pubmed)quenosrevelou39casosclínicosdeenvolvimentoapendicularpormetás-tases.O tumorprimáriomaisfrequentementereferidofoiopulmãocom10registos(3,11-18).É importantereferirquedentrodestes,4casos(12,16-18)têmorigememcarcinomadepequenascélulas.O segundoórgãomais frequentemente citado, com registosde8 casos(3,5,10-11)consistenamama.Ocancrodocólonerectoéreferidoseisvezes(7,11,19-20)eporfimoestômagotem4casosclínicosdescritos(11,21-23).Destes,apenasdois registos (11,21) estão em língua inglesa o quecondicionaumdéficeinformativosobreovalordate-rapêuticacitostáticaeprognósticoquepodemosesperarnestecaso.Umestudorealizadoemdoentescomcancrodoováriomostrouque49%dasmulherescomestádioFIGOtipoIIIe IVapresentavamextensãoapendicular,curiosa-mente,nenhumadestasmetástasesserevelousintomáti-casobaformadeapendiciteaguda9.Estesdadosjusti-ficam a existênciadeumúnico caso clínicodescritotendocomotumorprimáriooovário(11).Os restantes10casosdizem respeitoa tumoresmaisraroscomo: sarcomadeKaposi (2) (24),nasofaringe(25),bexiga(26),rim(11),colodoútero(27),ductosbiliares(28),mediastino(29)epâncreas(2)(30).É importante ressalvar que os registos clínicos aquireferidos dizem respeito a casos de apendicite comomanifestaçãodedoençaneoplásicasecundáriaenãoaachados acidentais demetástases em peças de apen-dicectomia(invivo/autópsias).Emvirtudedoexpostosugerimos,pelaordemreferida,osseguintesmeiosauxiliaresdediagnósticonumcasodemetástaseapendicularcomtumorprimáriooculto:"TACtorácica

"TACabdómino-pélvicaecolonoscopia"Mamografia/Ecografiamamária"EDA

Emrelaçãoàterapêuticaproposta,estaapesardepaliati-va,possibilitou,pelomenos,onzemesesdesobrevidaequalidadedevida.Estefactojustificaeincentivaareali-zaçãodeestudosmaisalargadosnestaárea.

CONCLUSÃO

Asmetástasesapendicularessãoentidadesclínicasraras,porém,o aumentode sobrevivênciadosdoentes comneoplasias disseminadas, fruto da terapêuticamédicaanti-neoplásica,podeoriginarumaumentodestapatolo-gia.Odiagnósticoatempadodeapendiciteagudapodepreveniramortee,talcomosucedeunonossocasoclíni-co,acelerarodiagnósticoeconsequenteterapêuticadaneoplasiasubjacente.Écombasenestespressupostos,queasuspeitademetástasenoapêndicedevefazerpartedodiagnósticodiferencialdoquadroclínicodeapen-dicite,numdoenteoncológico

Correspondência:

OrlandaSoaresPereiraCastelbrancoServiçodeCirugiaIII,H.S.M.Av.Prof.EgasMoniz1649-035,LisboaTlm.:919164950e-mail:[email protected]

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