Apostila 4 evapotranspiração

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ALGUNS FUNDAMENTOS DE HIDROLOGIA Evapotranspiração . retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração permeneceu mal-compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, como precipitação. A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração. Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha. Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a evapotranspiração tem um interesse muito específico nas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que regularizam a vazão para as usinas por evaporação direta da superfície líquida. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia, portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água. Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação. Ca p ítul o 4 O

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A L G U N S F U N D A M E N T O S D E H I D R O L O G I A

Evapotranspiração .

retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração permeneceu mal-compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a água que evaporava da

terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, como precipitação.

A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração. Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha.

Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a evapotranspiração tem um interesse muito específico nas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que regularizam a vazão para as usinas por evaporação direta da superfície líquida. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia, portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água.

Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação.

Capítulo

4

O

31

As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de atração intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que na água líquida, e a força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de evaporação a separação média entre as moléculas aumenta muito, o que significa que é realizado trabalho em sentido contrário ao da força intermolecular, exigindo grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molécula de água líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de água, como na equação 4.1:

Ts002361,0501,2 ⋅−=λ em MJ.kg-1 (4.1)

onde Ts é a temperatura da superfície da água em oC.

Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na natureza, é provido pela radiação solar.

O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada

concentração de saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostra a figura 3.1. Quando o ar acima de um corpo d’água está saturado de vapor

o fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar esteja fornecendo a energia do calor latente de evaporação.

Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições:

1. que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de evaporação;

2. que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água.

Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa de evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar acima da superfície, maior a taxa de evaporação.

A concentração máxima de vapor de água no ar a 20 oC é de, aproximadamente, 20 g.m-3.

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Figura 4. 1: Relação entre o conteúdo de água no ar no ponto de saturação e a temperatura do ar.

A umidade relativa é a medida do conteúdo de vapor de água do ar em relação ao conteúdo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equação 4.2). Assim, ar com umidade relativa de 100% está saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% está completamente isento de vapor.

sww100UR ⋅= em % (4.2)

onde UR é a umidade relativa; w é a massa de vapor pela massa de ar e ws é a massa de vapor por massa de ar no ponto de saturação.

A umidade relativa também pode ser expressa em termos de pressão parcial de vapor. De acordo com lei de Dalton cada gás que compõe uma mistura exerce uma pressão parcial, independente da pressão dos outros gases, igual à pressão que exerceria se fosse o único gás a ocupar o volume. No ponto de saturação a pressão parcial do vapor corresponde à pressão de saturação do vapor no ar, e a equação 4.2 pode ser reescrita como:

see100UR ⋅= em % (4.3)

onde UR é a umidade relativa; e é a pressão parcial de vapor no ar e es é pressão de saturação.

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Fatores que afetam a evaporação

Os principais fatores que afetam a evaporação são a temperatura, a umidade do ar, a velocidade do vento e a radiação solar.

Radiação solar A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre transformações, de acordo com a Figura 4. 2.

Parte da energia incidente é refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de volta para o espaço ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de enegia incidente no topo da atmosfera).

A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das superfícies contribuem para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de calor sensível (ar quente), e o fluxo de calor latente (evaporação).

Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor latente e sensível retorna ao espaço na forma de radiação de onda longa, fechando o balanço de energia.

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Espaço

Atmosfera

Superfície (Terra + Oceanos)

Rad

iaçã

oS

olar

inci

dent

e

6

refle

tida

pelo

ar

20

refle

tida

pela

snu

vens

refle

tida

pela

supe

rfíci

e

4

Absorvida nasuperfície

51

3

Absorvida pelasnuvens

Absorvida peloar e poeira 16

ondascurtas

21

15

Emitida pelasuperfície

6 2638

ondaslongas

Absorvida pelovapor de H2O

e CO2

Fluxo de calorsensível

7 23

Fluxo de calorlatente

Emitida pelasnuvens

Emitida pelovapor de H2O

e CO2

100

Figura 4. 2: Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra.

O processo de fluxo de calor sensível é onde ocorre a evaporação. A intensidade desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Os valores apresentados na Figura 4. 2 referem-se às médias globais, o que significa que a energia utilizada para evaporação pode ser maior ou menor, dependendo principalmente da latitude e da época do ano. Regiões mais próximas ao Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de evapotranspiração.

Temperatura A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporação.

Umidade do ar Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor.

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Velocidade do vento O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar úmido diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando. O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por difusão, isto é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência causada pelo vento.

Medição de evaporação A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o Evaporímetro de Piche.

O tanque Classe A é um recipiente metálico que tem forma circular com um diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior.

A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente numa régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

Figura 4. 3: Tanque Classe A para medição de evaporação.

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O evaporímetro de Piche é constituído por um tubo cilíndrico, de vidro, de aproximadamente 30 cm de comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada, depois do tubo estar cheio com água destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de diâmetro, que deve ser previamente molhado com água. Este disco é fixo depois com uma mola. A seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão.

Em geral, as medições de evaporação do Tanque Classe A são consideradas mais confiáveis do que as do evaporímetro de Piche.

Transpiração A transpiração é a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através das plantas até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha.

A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela umidade relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso intervém outras variáveis, como o tipo de vegetação e o tipo de solo.

Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das variáveis mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as plantas transpiram livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis atmosféricas. Porém, quando o solo começa a secar o fluxo de transpiração começa a diminuir. As próprias plantas tem um certo controle ativo sobre a transpiração ao fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na superfície das folhas por onde ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.

Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que ocorre em condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condições reais de umidade do solo é a Evapotranspiração Real. A evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à evapotranspiração potencial.

Medição da evapotranspiração A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a medição da evaporação. Existem dois métodos principais de medição de evapotranspiração: os lisímetros e as medições micrometeorológicas.

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Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os quais são preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja medir a evapotranspiração (Figura 4. 4). O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo do aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente, assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por orifícios no fundo do lisímetro. A evapotranspiração é calculada por balanço hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a equação 4.4, onde ∆V é a variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida num pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e Qb é o escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque).

E = P - Qs – Qb - ∆V (4.4)

Figura 4. 4: Lisímetros para medição de evapotranspiração.

A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a medição das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta freqüência. Próximo à superfície a velocidade do vento é paralela à superfície, o que significa que o movimento médio na vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar em movimento causa flutuações na velocidade vertical, que na média permanece zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade ascendente pode ser dada por w’.

A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido para próximo da superfície.

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De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e é pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto sensores de resposta muito rápida para a velocidade do ae e para sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo.

Estimativa da evapotranspiração por balanço hídrico A evapotranspiração pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante ao apresentado na equação 4.4, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de sair escoando pelo exutório.

Para estimar a evapotranspiração por balanço hídrico de uma bacia é necessário considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível considerar que a variação de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equação de balanço hídrico se reduz à equação 4.5.

E = P – Q (4.5)

E X E M P L O

1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 700 mm. Qual é a evapotranspiração anual?

A evapotranspiração pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do armazenamento na bacia E = 1600 – 700 = 900 mm.

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Equações para estimativa da evapotranspiração As equações para cálculo da evapotranspiração são do tipo empírico ou de base física. A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de Penman-Monteith (equação 4.6).

( ) ( )

W

a

s

a

dspAL 1

rr

1

ree

cGRE

ρ⋅λ⋅

+⋅γ+∆

−⋅⋅ρ+−⋅∆

= (4.6)

onde E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água; λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; ∆ [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com a temperatura do ar; RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida que incide na superfície; G [MJ.m-

2.s-1] é o fluxo de energia para o solo; ρA [kg.m-3] é a massa específica do ar; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; cp [MJ.kg-1.ºC-1] é o calor específico do ar úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1);es [kPa] é a pressão de saturação do vapor ; ed [kPa] é a pressão real de vapor de água no ar; γ [kPa.ºC-1] é a constante psicrométrica (γ = 0,66); rs [s.m-1] é a resistência superficial da vegetação; e ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica.

Os valores das variáeis podem ser obtidos pelas seguintes equações: ( )T002361,0501,2 ⋅−=λ (4.7)

T275P486,3 A

A +⋅=ρ (4.8)

( )2s

T3,237e4098

+

⋅=∆ (4.9)

+⋅

⋅=T3,237T27,17exp6108,0es (4.10)

100U

ee Rsd ⋅= (4.11)

λ⋅=γ AP0016286,0 (4.12)

onde UR [%] é a umidade relativa do ar; PA [kPa] é a pressão atmosférica; e T [ºC] é a temperatura do ar a 2 m da superfície.

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Há uma analogia de parte da equação 4.6 com um circuito elétrico, em que o fluxo evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no ar (pressão de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é uma combinação de resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. Mudanças na temperatura do ar e velocidade do vento vão afetar a resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são enfrentadas pelas plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou superficial.

O valor de E, calculado pela B.1, é convertido para as unidades de lâmina diária pela equação a seguir.

fcEEa ⋅= (4.13)

onde Ea [mm.dia-1] é a lâmina de evapotranspiração; E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água e fc [mm.s.dia-1.m-1] é um fator de conversão de unidades (fc = 8,64.107).

A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao solo.

Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível.

A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo RL da equação de Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que desconta a parte da radiação refletida.

( )α−⋅= 1SR SUPL (4.14)

onde RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida na superfície; SSUP [MJ.m-2.s-1] é a radiação que atinge a superfície (valor medido); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo).

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo.

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A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

s24N ω⋅π

= (4.15)

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer (depende da latitude e da época do ano), e é dado por:

( )δ⋅ϕ−=ω tantanarccoss (4.16)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul); ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar, dada por:

−⋅

π⋅⋅=δ 405,1J

3652sin4093,0 (4.17)

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a partir de 1˚ de janeiro).

A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do ano:

( )ssrW

TOP sencoscossensend1000

392,15S ω⋅δ⋅ϕ+δ⋅ϕ⋅ω⋅⋅λ⋅ρ

⋅= (4.18)

onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a declinação solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr [-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por:

π⋅⋅+= J

3652cos033,01dr (4.19)

onde J é o dia do calendário Juliano.

A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

TOPssSUP SNnbaS ⋅

⋅+= (4.20)

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onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N).

Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs (Shuttleworth, 1993).

Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é utilizada com n medido e N estimado pela equação 4.15. Quando a estação dispõe de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente.

Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm.

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre.

( )4n 2,273TfL +⋅σ⋅ε⋅= (4.21)

onde Ln [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura média do ar a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.

( )de14,034,0 ⋅−=ε (4.22)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa].

O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode ser estimado com base na equação a seguir:

Nn9,01,0f ⋅+= (4.23)

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Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman-Monteith – pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo é relativamente grande (1 dia).

Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido, dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera.

A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência.

2

010,ma z

10lnu25,6r

⋅= para h < 10 metros

10,ma u

94r = para h > 10 metros

onde ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica; um,10 [m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície; h [m] é altura média da cobertura vegetal.

A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da vegetação.

As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de 10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998).

⋅=

0

02,m10,m

z2ln

z10ln

uu

onde um,10[m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; um,2 [m.s-1] é a velocidade do vento a 2 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície.

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A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e, portanto, pode controlar a resistência superficial.

A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de resistência superficial são mínimos.

A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade. Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de umidade do solo.

Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada por evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a evapotranspiração diminui. A redução da evapotranspiração não ocorre imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspiração não é afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração é diminuída, atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente. Neste ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve tender ao infinito).

Evaporação em reservatórios A evaporação da água de reservatório é de especial interesse para a geração de energia. Reservatórios são criados para regularizar a vazão dos rios, aumentando a disponibilidade de água e de energia nos períodos de escassez. A criação de um reservatório, entretanto, cria uma vasta superfície líquida que disponibiliza água para evaporação, o que pode ser considerado uma perda de água e de energia.

A evaporação da água em reservatórios pode ser estimada a partir de medições de Tanques Classe A, entretanto é necessário aplicar um coeficiente de redução em relação às medições de tanque. Isto ocorre porque a água do reservatório normalmente está mais fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno e está completamente exposta à radiação solar.

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Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em Tanque Classe A na mesma região, isto é:

Elago = Etanque . Ft

Onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8.

O reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem uma área superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do mundo, está numa das regiões mais secas do Brasil. Em conseqüência disso, a evaporação direta deste reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a 10% da vazão regularizada do rio São Francisco. Esta perda de água por evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de transposição do rio São Francisco, idealizado pelo governo federal.

Exercícios 1) Um rio cuja vazão média é de 34 m3.s-1 foi represado por uma barragem para

geração de energia elétrica. A área superficial do lago criado é de 5000 hectares. Considerando que a evaporação direta do lago corresponde a 970 mm por ano, qual é a nova vazão média a jusante da barragem?

2) Uma bacia de 2300 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 14 m3/s. Calcule a evapotranspiração total desta bacia. Calcule o coeficiente de escoamento anual desta bacia.