Apostila Circuito Universitario de Cinema

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    CIRCUITO UNIVERSITRIO DE CINEMA - 2014

    SUMRIO

    1. Princpios gerais e proposta de metodologia de trabalho 2. Filmes do Circuito Universitrio de Cinema

    2.1. Setenta

    2.1.1. Ficha tcnica

    2.1.2. Sinopse e elementos do contexto histrico 2.1.3. Questes para debate 2.1.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    2.2. Duas Histrias

    2.2.1. Ficha tcnica

    2.2.2. Sinopse e elementos do contexto histrico 2.2.3. Questes para debate 2.2.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    2.3. 500 Os bebs roubados pela Ditadura Militar

    2.3.1. Ficha tcnica 2.3.2. Sinopse e elementos do contexto histrico 2.3.3. Questes para debate 2.3.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    3. Informaes biogrficas de personagens dos filmes

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    1. Princpios gerais e proposta de metodologia de trabalho

    O Circuito Universitrio de Cinema parte da ideia de que o cinema, mais do que entretenimento, uma forma de arte que pode, e deve, gerar debates sobre a nossa histria e a nossa sociedade. Portanto, assistir a um filme tambm um ato poltico. No entanto, tal potencialidade poltica no espontnea. Para se realizar ela precisa que o que se v na tela possa ser confrontado com informaes e contedos crticos que dialoguem com o filme. necessrio, portanto, que o espectador no seja um ser passivo, que se relaciona de modo superficial com o que se passa na tela, mas sim um agente que constri conhecimento confrontando suas leituras de mundo com as leituras do filme. Em resumo: o objetivo dos debates ser buscar despertar nos espectadores essa atitude crtica, transformando as sesses em atos polticos.

    Quando falamos em atos polticos queremos dizer que ser preciso sensibilizar as plateias para questes fundamentais da histria do pas, envolvendo a ditadura civil-militar instaurada com o Golpe de 1964 e seus desdobramentos, bem como a relao com as ditaduras contemporneas do Cone Sul. Estas so questes que ainda hoje permanecem em aberto. A Lei da Anistia, por exemplo, alvo de debates no presente, pois no anistiou somente presos polticos da ditadura, mas tambm torturadores e assassinos que agiam em nome do Estado e que ficaram impunes. Muitas histrias desse passado recente permanecem ocultas: pessoas desaparecidas, documentos destrudos ou inacessveis consulta pblica. A verdade sobre a histria desse perodo, portanto, no foi totalmente revelada, impedindo que reparaes sejam feitas e que se conhea de fato essa histria.

    Outro princpio importante o da recusa da neutralidade. O Circuito Universitrio de Cinema se coloca ao lado da defesa dos Direitos Humanos, da denncia das barbaridades cometidas pelas ditaduras civis-militares no Brasil e na Amrica Latina e da afirmao do direito de toda sociedade brasileira, sobretudo das vtimas diretas do regime, de terem acesso a todas as informaes que ajudem a conhecer e compreender essa histria. Portanto, da responsabilidade dos agentes mobilizadores do debate explicitarem sua posio crtica em relao ao perodo ditatorial, o seu lugar de fala.

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    Mas como fazer isso e, ao mesmo tempo, garantir que o debate seja democrtico, assegurando espao para o dilogo, inclusive conflituoso, entre posies e opinies diversas? Faremos algumas sugestes aqui, mas sempre lembrando que no se trata de uma receita de bolo. As dinmicas dos debates podem variar, as reaes do pblico podem ir desde a apatia at o debate acalorado e no h como prever o desenrolar dos acontecimentos. Nossas sugestes vo no sentido de buscar garantir ampla participao da plateia e, ao mesmo tempo, de evitar a preponderncia de vises que relativizem a ditadura civil-militar como ditabranda ou outras mximas conservadoras em voga atualmente (ex. mas a ditadura fez o pas crescer economicamente, no havia essa corrupo de hoje, mas os terroristas tambm eram perigosos e queriam fazer uma ditadura comunista, era uma guerra de iguais, era um perodo de ordem e com menos violncia etc). Da a importncia dos agentes se posicionarem de modo claro, convidarem debatedores afinados com essa perspectiva e se instrurem atravs de leituras e outros meios para fundamentarem suas posies na conduo dos debates.

    A principal referncia intelectual dessas sugestes que sero feitas aqui o educador Paulo Freire. Em um relato no livro Pedagogia da Autonomia, Freire resume o que imaginamos ser essa tomada de posicionamento em forma dialgica:

    Recentemente, num encontro pblico, um jovem recm-entrado na universidade me disse cortesmente:

    No entendo como o senhor defende os sem-terra, no fundo, uns baderneiros, criadores de problemas.

    Pode haver baderneiros entre os sem-terra, disse, mas sua luta legtima e tica. Baderneira a resistncia reacionria de quem se ope ferro e fogo reforma agrria. A imoralidade e a desordem esto na manuteno de uma ordem injusta.

    A conversa aparentemente morreu a. O moo apertou minha mo em silncio.

    No sei como ter tratado a questo depois, mas foi importante que tivesse dito o que pensava e que tivesse ouvido de mim o que me parece justo que devesse ser dito. (Freire, 1996: 71)

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    Percebam: Paulo Freire deixou o rapaz falar e ouviu o que ele tinha a dizer, mesmo que as opinies dele fossem frontalmente contrrias as suas. Pode ser que sua argumentao no tenha mudado a forma de pensar do rapaz. Mas algo se construiu nesse momento. Nos dois dialogantes, a necessidade de buscar argumentos para sustentar suas afirmaes. E, nas outras pessoas presentes, a percepo de que havia posicionamentos contrrios e em conflito, obrigando a uma tomada de posio por parte de todos.

    Ainda seguindo os princpios de Freire, sabemos que todo ser humano traz consigo um conjunto de conhecimentos e vises de mundo que aciona no processo de produo de novos conhecimentos. importante que essas opinies e ideias possam ser ouvidas e faam parte do debate, para que ele seja de fato um dilogo e no um monlogo. Assim, sugerimos que o debate seja sempre iniciado com a fala dos espectadores, que isso seja estimulado com perguntas: O que vocs acharam?, Algum gostaria de comentar algo?. Por vezes, tais questes encontram como resposta um silncio angustiante por parte da plateia. Deixe esse silncio ecoar por alguns instantes. Como diz Paulo Freire, o silncio tem importncia fundamental no espao da comunicao, pois ele parte do movimento que transforma conhecimento em linguagem e enseja a escuta como prtica necessria troca de saberes. Se o silncio persistir, busque intervenes mais diretas: O que vocs acharam daquele trecho em que fulano diz isso ou em que acontece aquilo?. Na parte correspondente a cada filme sugeriremos alguns temas e questes que podero ser desenvolvidos.

    E se, ao invs do silncio, houver uma plateia muito participativa, todo mundo querendo falar? Neste caso, ser importante o agente conduzir firmemente a ordem das falas, fazendo inscries e determinando um tempo mximo para cada interveno. Esta atitude pode parecer antiptica, mas necessria para garantir democraticamente o espao da fala da maior quantidade possvel de pessoas. A disciplina e o exerccio da autoridade no so contrrios liberdade e no podem ser confundidos com autoritarismo.

    Se possvel, faa com que as prprias pessoas presentes dialoguem entre si, expondo seus diferentes posicionamentos. Mas no se esquea de tomar posio e no buscar ser neutro ou omisso no debate. Lembre-se do exemplo do Paulo Freire citado acima. Exponha sua posio de modo direto e sem ambiguidades.

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    possvel que surjam grupos defendendo a ditadura, com argumentos variados, podendo ser mais ou menos organizados. importante deix-los falar, respeitando as mesmas regras de tempo e de garantia da fala da maioria, mas deixando claro qual o posicionamento dos agentes e do circuito que representam, preferencialmente usando os prprios filmes para apoiar essa perspectiva crtica em relao a todo processo da ditadura civil-militar. Provavelmente, surgiro da prpria audincia argumentaes contrrias e ser importante permitir que o debate acontea. preciso agir para que a construo desse conhecimento se faa naquele espao coletivo, valorizando as interaes que os filmes e a interveno de vocs podem despertar. Afinal, para ficarmos mais uma vez com Paulo Freire,

    Ningum liberta ningum. Ningum se liberta sozinho. Os homens s se libertam em comunho.

    2. Circuito Universitrio de Cinema

    Apresentaremos agora algumas informaes e materiais com o objetivo de apoiar a discusso dos filmes selecionados para o projeto. Proporemos ainda questes que os filmes suscitam e que podem ser discutidas durante os debates. Lembrando que no necessrio abordar todas elas e muitas vezes no haver tempo para tal. preciso levar em conta tambm que outras questes no mencionadas aqui podem surgir nos debates. Portanto, apresentamos uma guia, uma referncia e no uma camisa-de-fora ou uma moldura rgida para a conduo das sesses.

    2.1.Setenta

    2.1.1. Ficha tcnica

    Durao: 96 min Gnero: Documentrio Direo: Emilia Silveira

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    2.1.2. Sinopse e elementos do contexto histrico

    O Brasil vive o pice da represso promovida pelo regime militar. Prises, torturas, desparecimentos e mortes so cada vez mais constantes. Com todas as vidas democrticas fechadas grupos de esquerda armada organizam sequestros de embaixadores para pressionarem o governo a negociar e a libertar companheiros presos. O documentrio reencontra 18 personagens, que faziam parte de uma lista de setenta presos polticos libertos em troca do embaixador suo Giovanni Enrico Burcher. Passados 40 anos do ocorrido o filme narra a emocionante visitao s memrias do perodo por parte destes sobreviventes, alternando histrias dramticas, curiosidades e at mesmo momentos bem humorados de quem enfrentou a represso e a violncia.

    O sequestro de embaixadores e outras autoridades estrangeiras foi um recurso utilizado por grupos da esquerda armada para libertar presos polticos torturados nos crceres da ditadura. Como resposta ao recrudescimento da represso aps a edio do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, uma srie de organizaes polticas de oposio ao regime optou pela luta armada com o objetivo de derrubar a ditadura. Com o fechamento dos canais institucionais para expresso da oposio poltica (cerceamento das eleies, censura etc), a opo pela luta armada ganha fora entre militantes da esquerda de diversas tendncias. O termo esquerda era utilizado na poca como sinnimo de projetos polticos que tinham como finalidade uma transformao radical da sociedade. Direita e esquerda podem ser entendidos como categorias nativas, para utilizarmos a denominao cara aos antroplogos, pois definiam boa parte dos enfretamentos polticos no contexto da Guerra Fria e, especificamente no Brasil, no perodo da ditadura denominado anos de chumbo (1968-1974). Embora em nenhum momento esses grupos da esquerda armada sequer tenham chegado perto de tomar o poder, as aes espetaculares de assalto a bancos (expropriaes), o assassinato do capito do exrcito dos EUA Charles Chandler em 1968, o sequestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick em 1969, e dos embaixadores alemo e suo e do cnsul japons em 1970 deram visibilidade guerrilha urbana. Tal visibilidade era utilizada pelo prprio regime militar para

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    amedrontar o empresariado e garantir gordas quantias para o financiamento do aparato repressivo.

    Alm da ameaa comunista, esquemas de corrupo, favorecimento em licitaes, contratos vantajosos, influncia poltica na definio dos investimentos estatais eram apelos convincentes para os que participavam da orquestrao da represso. E isso num contexto de milagre econmico, forjado com ajuda estrangeira e compresso dos salrios da classe trabalhadora nacional (arrocho salarial), num momento de prosperidade geral do capitalismo que se encerraria j na primeira metade dos anos 1970 com a crise do petrleo. Entre 1968 e 1973, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa mdia superior a 10% ao ano. Era uma grande oportunidade de negcios para o empresariado nacional e estrangeiro.

    O perodo imediatamente aps o AI-5 foi de crescimento da luta armada, pois os canais de expresso da oposio poltica estavam fechados ou extremamente cerceados. Ao recrudescer a censura e fazer da tortura e do extermnio prticas legitimadas para eliminao da oposio, o regime perdia sua capa de legalidade. Foi um momento em que a esquerda legalista foi duramente questionada, at mesmo porque seus membros foram to perseguidos quanto os da esquerda armada, demonstrando como o objetivo final do regime era exterminar a oposio e no simplesmente reprimi-la.

    O AI-5 foi uma resposta da ditadura civil-militar, dirigida no perodo pela chamada linha-dura e tendo a frente do governo o general Arthur da Costa e Silva, ao crescimento da oposio poltica que marcou o ano de 1968. O ano foi de rebelies no mundo todo, sendo a mais conhecida dela o Maio de 68 francs, cujo movimento, liderado por estudantes, esteve perto de derrubar o governo do Marechal Charles De Gaulle. No Brasil, em maro de 1968, milhares de manifestantes tomaram as ruas do Rio de Janeiro durante o enterro do estudante secundarista Edson Lus, assassinado pela Polcia Militar que reprimia uma manifestao de estudantes no restaurante estudantil Calabouo. Em junho houve a passeata dos Cem Mil, no centro do Rio de Janeiro, reunindo no somente a esquerda mais organizada, mas tambm segmentos mdios que, a princpio, haviam apoiado o golpe. O ano tambm foi marcado pelas grandes greves de Contagem e Osasco, com ocupaes de fbrica que deram visibilidade ao sindicalismo mais combativo na oposio ditadura. Todos esses movimentos foram intensamente reprimidos, culminando com a invaso do XX

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    Congresso da UNE, realizado de modo clandestino em Ibina, por foras da represso, ocasio em que as principais lideranas estudantis foram presas. Toda essa represso contribui para fornecer quadros para a luta armada.

    preciso lembrar que esse tambm era o contexto em que a Revoluo Cubana, ocorrida em 1959, era tomada como modelo de ao revolucionria bem sucedida e inspirava tanto a luta armada urbana quanto as perspectivas foquistas. Estas visavam estabelecer focos revolucionrios no interior do pas e, assim, criar condies necessrias para a derrubada da ditadura e para um processo revolucionrio. A frase de Che Guevara que resume o foquismo diz preciso criar um, dois, trs, muitos Vietns. Em 1968, a Guerra do Vietn comeou a virar a favor dos guerrilheiros liderados por Hoh Chi Minh, acendendo ainda mais o sonho revolucionrio pela via armada.

    O sequestro do embaixador dos EUA se insere, portanto, nesse contexto mais amplo e foi o primeiro de uma srie. considerado ao mesmo tempo o auge da luta armada e o incio de seu fim, pois a represso que se desencadeou a partir da se tornou avassaladora. O sequestro do embaixador suo foi o ltimo, realizado em 1970, sob comando da Vanguarda Popular Revolucionrio (VPR) e de Carlos Lamarca. Ele resultou na liberdade de 70 presos que, exilados, ajudaram a divulgar pelo mundo o que acontecia no Brasil da ditadura.

    O filme, ao relatar as histrias desses 70 exilados, recupera a memria das dificuldades da vida no exlio, o drama de dar a vida pela militncia, os efeitos psicolgicos e existenciais dessas escolhas polticas e suas consequncias. Isso faz com que essas pessoas se sintam sobreviventes.

    2.1.3. Questes para debate

    a) Se a ditadura um regime de exceo e, como tal, age ao arrepio da lei, terroristas so os que a combatem ou os que, em seu nome, praticam torturas e outros crimes contra a vida humana? O que crime num estado terrorista?

    b) Vemos no filme que a esquerda, ao contrrio do que faz crer o discurso anticomunista veiculado pelo regime e seus apoiadores, no era

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    unificada. Essa diversidade de posies e estratgias de luta das vrias organizaes polticas do perodo demonstrava tambm sua fragilidade. Por que, ento, a propaganda poltica da ditadura apresentava a esquerda como fora organizada e ameaadora? Havia realmente uma guerra no perodo?

    c) Em diversas passagens do filme os entrevistados explicam como planejavam minuciosamente suas aes, falam de suas ideias polticas e suas estratgias de sobrevivncia. Pode-se perceber que a imagem comum da esquerda armada como sendo formada por indivduos inconsequentes e irracionais um esteretipo que no corresponde realidade. Como podemos, ento, refletir sobre os significados dessa opo pela guerrilha naquele contexto?

    2.1.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    a) Relato de um dos 70 presos libertados no aniversrio dos 40 anos desse episdio:

    2011- 40 ANOS DO VO DA LIBERDADE

    14 de janeiro de 1971 14 de janeiro de 2011

    Umberto Trigueiros Lima (Mazine)

    Fazia um calor insuportvel no Rio, naqueles dias de janeiro de 1971, 40 sombra. Lembro que no dia 13, fomos levados para a Base Area do Galeo, espremidos em 2 ou 3 cambures pequenos, desde o quartel do Batalho de Guardas, no bairro de So Cristvo, onde estvamos recolhidos aguardando o desenlace das negociaes do sequestro. ramos: eu (Umberto), Antonio Rogrio, Aluzio Palmar, Pedro Alves, Marco, Ubiratan Vatutin, Irani Costa, Afonso, Afonso Celso Lana, Bretas, Julinho, Mara, Carmela, Dora e Conceio. Fazia sol a pino e os caras pararam os cambures em algum ptio descampado da Base e deixaram a gente l torrando dentro daqueles verdadeiros fornos e de puro sadismo e sacanagem riam e gritavam uns para os outros, olha a cara, os rapazes esto com calor, voc esqueceu de ligar o ar, eles vo ficar suadinhos. Um outro dizia, deixa esses filhos da puta esturricarem a dentro, pode ser que algum deles v logo para o inferno. A viagem ao inferno no era possvel, pois j estvamos nele, ou seja nos crceres da ditadura, h

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    algum tempo. A temperatura dentro dos carros era altssima, mal conseguamos respirar pelas poucas frestas de ventilao, os miolos pareciam que iam estourar. Foi um horror!

    Ficamos na Base durante todo o dia 13, onde j estavam muitos outros companheiros vindos de outras prises e de outros estados e l nos mantiveram o tempo todo algemados em duplas. Nos deram comida podre, tiraram mais impresses digitais, nos obrigaram a tirar fotos nus em diferentes posies. Alguns deles diziam que era para o futuro reconhecimento dos cadveres Perto da meia noite nos levaram para o embarque, nos agruparam do lado do avio, frente a um batalho de fotgrafos postados h uns50 metrosde distncia, atrs de uma corda. ramos 70, mais as filhas do Bruno e da Geny Piola, as menininhas Tatiana, Ktia e Bruna. Os flashes espocavam e muitos de ns levantamos os punhos, outros fizeram o V da vitria, enquanto os caras da aeronutica por trs davam socos nas costas de alguns companheiros. Nosso voo da liberdade para o Chile decolou aos 2 minutos de 14 de janeiro. Durante o voo, amos algemados e os policiais da escolta nos provocavam. Olha a malandro, se voltar vai virar presunto, nome de rua. A tripulao da Varig, mesmo discreta, foi simptica e afvel conosco e quando chegamos a Santiago um comissrio de bordo veio correndo me contar que havia uma faixa na sacada do aeroporto que dizia Marighella Presente.

    Foram 2 longos dias, cheios de tenso, de expectativa, de esperana, todos os sentidos em ateno. Talvez, alguns dos mais longos dias das nossas vidas. Tenho a certeza de que nenhum de ns jamais se esquecer daqueles momentos. Nas ltimas horas da madrugada do dia 14 chegamos ao Chile. Depois de 38 dias de negociaes muito difceis, de risco extremo, mas com muita firmeza e equilbrio por parte do Comandante Carlos Lamarca e dos companheiros da VPR que realizaram a operao de captura do embaixador suo, aquela que seria a ltima grande ao armada da guerrilha urbana brasileira terminava vitoriosa. Comeava um novo tempo nas nossas vidas.

    Fomos descendo do avio, j sem algemas (os policiais brasileiros da escolta foram impedidos de desembarcar), nos abraando emocionados, rindo, chorando, cantando a Internacional, acenando para os companheiros brasileiros e chilenos que faziam uma carinhosa manifestao para nos recepcionar.

    Um general de Carabineros nos reuniu no saguo do aeroporto e fez uma preleo sobre tudo que estvamos proibidos de fazer no pas. Logo em seguida, funcionrios do governo da UP e companheiros dos vrios partidos da coalizo nos disseram ali mesmo para no levar a srio nada do discurso do tal general. Era o Chile de Salvador Allende que amos viver e conhecer to intensamente.

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    Amanhecia o dia 14 de janeiro de 1971 quando samos do aeroporto de Pudahuel em nibus, escoltados por Carabineros. Amanhecia tambm aquele novo tempo das nossas vidas e amanhecia o Chile da Unidade Popular, da imensa liberdade, das grandes mobilizaes populares, da luta de classes ao vivo e a cores saltando diante dos nossos olhos todos os dias. Pelas ruas de Santiago, a caminho do Parque Cousio onde ficaramos alojados, os operrios que trabalhavam nas obras do Metr acenavam para a gente, outros aplaudiam, alguns levantavam os punhos cerrados. Imagens que ficariam para sempre na memria, fotografias de um tempo.

    Aquele dia parecia infindo, ningum conseguia pregar um olho, foi um dia enorme, cheio de encontros, de descobertas, de luz. Estvamos bbados de liberdade e ao mesmo tempo ainda marcados pela sombra da priso, pelas tristes notcias de mais companheiros covardemente assassinados pelos ces da ditadura. Na nossa primeira refeio no Hogar Pedro Aguirre Cerda a maioria deixou os garfos e facas sobre a mesa e comeu de colher, como fazamos na priso. Quando amos para os quartos de alojamento, alguns cometiam o ato falho de dizer vou para a cela. Na nossa primeira sada, um grupo se perdeu na cidade e voltou para o Hogar de carona num camburo dos Carabineros, motivo de gozao geral. Lembro da imensa solidariedade e carinho com que fomos recebidos pelos companheiros chilenos e tambm por estudantes, intelectuais, artistas, operrios, pessoas do povo enfim que iam nos visitar, que fizeram coletas para nos arranjar algum dinheiro e roupas, que nos queriam levar para suas casas.

    Nas semanas e meses seguintes, pouco a pouco fomos nos dispersando, construindo nossas opes de militncia, de vida.

    Viveramos intensamente aquele processo chileno e tambm nossos vnculos com a luta no Brasil. Nos encharcaramos com o aprendizado daquela magistral aula de histria e de poltica em carne viva. Paixes, alegrias, nostalgias, saudade, amores, amizade, solidariedade, companheirismo, tudo junto, ao mesmo tempo.

    Muitos de ns estivemos no Chile at o fim, vivendo e testemunhando os horrores do golpe de 11 de setembro de 1973. Em muitos casos, mais uma vez, escapando por pouco, por muito pouco.

    Outros companheiros, por diferentes razes de militncia e pessoais foram viver em outros pases. Alguns trataram de organizar suas voltas clandestinas ao Brasil, na esperana de continuar a luta armada. Uns poucos conseguiram manter-se, mas infelizmente, nessa empreitada de luta, vrios companheiros foram assassinados. Honro as suas memrias e me orgulho de termos compartido aqueles momentos to significativos das nossas vidas.

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    Foi o tempo que nos tocou viver. Era um tempo de guerra, mas tambm de uma enorme esperana.

    Na passagem dos 40 anos da nossa libertao, acho que deveramos dedicar a memria desse encontro fraterno, em primeiro lugar aos companheiros do nosso grupo chacinados pelas ditaduras brasileira e chilena, como tambm aqueles que marcados por sequelas e feridas psicolgicas insuportveis no conseguiram continuar suas vidas : Daniel Jos de Carvalho, Edmur Pricles Camargo, Joo Batista Rita, Joel Jos de Carvalho, Wnio Jos de Matos, Tito de Alencar Lima, , Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Gustavo Buarque Schiller. Em segundo lugar, com saudade, a todos os companheiros daquela viagem para a liberdade de 14 de janeiro de 1971, que j nos deixaram. Com eterna gratido e reconhecimento ao Comandante Carlos Lamarca e aos combatentes da VPR que realizaram aquela ao revolucionria audaz e vitoriosa. E tambm a todos os brasileiros da nossa gerao (e aqui no falo em idade, que pode ter ido dos 12 aos 80) que no se acovardaram, que foram capazes de enfrentar aqueles duros e difceis tempos, quando dizer no poderia significar a morte, quando falar em rvores era quase um crime.

    Enfim, a todos os que OUSARAM LUTAR!

    b) Ato Institucional n. 5 (AI-5)

    ATO INSTITUCIONAL N 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968

    O PRESIDENTE DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurana Nacional, e

    CONSIDERANDO que a Revoluo Brasileira de 31 de maro de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou fundamentos e propsitos que visavam a dar ao Pas um regime que, atendendo s exigncias de um sistema jurdico e poltico, assegurasse autntica ordem democrtica, baseada na liberdade, no respeito dignidade da pessoa humana, no combate subverso e s ideologias contrrias s tradies de nosso povo, na luta contra a corrupo, buscando, deste modo, "os meios indispensveis obra de reconstruo econmica, financeira, poltica e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restaurao da ordem interna e do prestgio internacional da nossa ptria" (Prembulo do Ato Institucional n 1, de 9 de abril de 1964);

    CONSIDERANDO que o Governo da Repblica, responsvel pela execuo daqueles objetivos e pela ordem e segurana internas, no s no pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionrios contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionrio, ao editar o Ato Institucional n 2, afirmou, categoricamente, que "no se disse que a Revoluo

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    foi, mas que e continuar" e, portanto, o processo revolucionrio em desenvolvimento no pode ser detido;

    CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionrio, exercido pelo Presidente da Repblica, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituio, estabeleceu que esta, alm de representar "a institucionalizao dos ideais e princpios da Revoluo", deveria "assegurar a continuidade da obra revolucionria" (Ato Institucional n 4, de 7 de dezembro de 1966);

    CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores polticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurdicos, que a Revoluo vitoriosa outorgou Nao para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, esto servindo de meios para combat-la e destru-la;

    CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoo de medidas que impeam que sejam frustrados os ideais superiores da Revoluo, preservando a ordem, a segurana, a tranquilidade, o desenvolvimento econmico e cultural e a harmonia poltica e social do Pas comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionria;

    CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores da ordem so contrrios aos ideais e consolidao do Movimento de maro de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defend-lo, a adotarem as providncias necessrias, que evitem sua destruio,

    Resolve editar o seguinte ATO INSTITUCIONAL

    Art. 1 - So mantidas a Constituio de 24 de janeiro de 1967 e as Constituies estaduais, com as modificaes constantes deste Ato Institucional.

    Art. 2 - O Presidente da Repblica poder decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assemblias Legislativas e das Cmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, s voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da Repblica.

    1 - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matrias e exercer as atribuies previstas nas Constituies ou na Lei Orgnica dos Municpios.

    2 - Durante o perodo de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores s percebero a parte fixa de seus subsdios.

    3 - Em caso de recesso da Cmara Municipal, a fiscalizao financeira e oramentria dos Municpios que no possuam Tribunal de Contas, ser exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ao s funes de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsveis por bens e valores pblicos.

    Art. 3 - O Presidente da Repblica, no interesse nacional, poder decretar a interveno nos Estados e Municpios, sem as limitaes previstas na Constituio.

    Pargrafo nico - Os interventores nos Estados e Municpios sero nomeados pelo Presidente da Repblica e exercero todas as funes e

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    atribuies que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozaro das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.

    Art. 4 - No interesse de preservar a Revoluo, o Presidente da Repblica, ouvido o Conselho de Segurana Nacional, e sem as limitaes previstas na Constituio, poder suspender os direitos polticos de quaisquer cidados pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

    Pargrafo nico - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, no sero dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em funo dos lugares efetivamente preenchidos.

    Art. 5 - A suspenso dos direitos polticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

    I - cessao de privilgio de foro por prerrogativa de funo; II - suspenso do direito de votar e de ser votado nas eleies sindicais; III - proibio de atividades ou manifestao sobre assunto de natureza

    poltica; IV - aplicao, quando necessria, das seguintes medidas de segurana: a) liberdade vigiada; b) proibio de freqentar determinados lugares; c) domiclio determinado, 1 - O ato que decretar a suspenso dos direitos polticos poder fixar

    restries ou proibies relativamente ao exerccio de quaisquer outros direitos pblicos ou privados.

    2 - As medidas de segurana de que trata o item IV deste artigo sero aplicadas pelo Ministro de Estado da Justia, defesa a apreciao de seu ato pelo Poder Judicirio.

    Art. 6 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exerccio em funes por prazo certo.

    1 - O Presidente da Repblica poder mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas pblicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polcias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de servio.

    2 - O disposto neste artigo e seu 1 aplica-se, tambm, nos Estados, Municpios, Distrito Federal e Territrios.

    Art. 7 - O Presidente da Repblica, em qualquer dos casos previstos na Constituio, poder decretar o estado de stio e prorrog-lo, fixando o respectivo prazo.

    Art. 8 - O Presidente da Repblica poder, aps investigao, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no

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    exerccio de cargo ou funo pblica, inclusive de autarquias, empresas pblicas e sociedades de economia mista, sem prejuzo das sanes penais cabveis.

    Pargrafo nico - Provada a legitimidade da aquisio dos bens, far-se- sua restituio.

    Art. 9 - O Presidente da Repblica poder baixar Atos Complementares para a execuo deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessrio defesa da Revoluo, as medidas previstas nas alneas d e e do 2 do art. 152 da Constituio.

    Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes polticos, contra a segurana nacional, a ordem econmica e social e a economia popular.

    Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciao judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.

    Art. 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposies em contrrio.

    Braslia, 13 de dezembro de 1968; 147 da Independncia e 80 da Repblica.

    A. COSTA E SILVA Lus Antnio da Gama e

    Silva Augusto Hamann Rademaker

    Grnewald Aurlio de Lyra Tavares Jos de Magalhes Pinto Antnio Delfim Netto Mrio David Andreazza Ivo Arzua Pereira Tarso Dutra Jarbas G. Passarinho Mrcio de Souza e Mello Leonel Miranda Jos Costa Cavalcanti Edmundo de Macedo Soares Hlio Beltro Afonso A. Lima Carlos F. de Simas

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    c) Filmografia complementar:

    Hrcules 56, de Silvio Da-Rin (Brasil, 2006)

    Lamarca, de Srgio Rezende (Brasil, 1994)

    Marighella, de Isa Grinspum Ferraz (Brasil, 2011)

    2.2. Duas Histrias

    2.2.1. Ficha tcnica

    Durao: 52 minutos Gnero: Documentrio Direo: Angela Zoe

    2.2.2.Sinopse e elementos do contexto histrico

    Duas Histrias foi produzido com o apoio do projeto Marcas da Memria, da Comisso da Anistia do Ministrio da Justia, tendo como linha condutora a trajetria de dois militantes socialistas na luta contra a ditadura civil-militar brasileira. O filme narra duas experincias diferentes, pois diferentes eram as concepes polticas que orientavam a resistncia ditadura. Mas so iguais na coragem, na dor, na sobrevivncia e superao.

    So as histrias de Irles Coutinho Carvalho de Souza e de Marco Antonio Meyer. A primeira, militante da Ao Popular (AP) que foi para o exlio clandestinamente com o filho, Daniel de Souza. Boa parte de sua narrativa se volta para as dificuldades da viagem clandestina com uma criana pequena. Suas memrias se cruzam com as memrias de seu filho e ambos falam das dificuldades de lembrarem dos eventos num momento em que suas vidas eram marcadas pela necessidade permanente de mudarem de um lugar ao outro.

    A segunda histria a de Marco Antonio Meyer, lder estudantil em Belo Horizonte que foi preso e torturado. Trocado pelo embaixador alemo, Meyer tambm passou pela experincia do exlio e da permanente mudana.

    Muitas vezes se tem uma imagem idealizada do exlio como um perodo de viagens e conhecimento de pases estrangeiros. O que surge dos relatos dos exilados

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    algo bem diferente disso: desenraizamento, saudades, dificuldades de adaptao, angstia por no estar combatendo a ditadura em seu pas e, como aparece no filme, a dificuldade em lembrar e narrar esse perodo de intensa mobilidade. Longe de ser um prmio, o exlio foi percebido como pena e castigo para os exilados.

    2.2.3. Questes para debate

    a) Como era viver na clandestinidade? O que significa viver em um regime poltico onde a pessoa pode ser presa e torturada por causa de suas idias e opes polticas?

    b) A questo de gnero aparece fortemente no filme. Irles relata o sofrimento fsico e psquico como mulher e me na sua fuga do Brasil e no exlio. No por acaso foram tambm mulheres a capitanear a luta pela anistia por meio dos Comits da Anistia fundados por todo o pas a partir do final da dcada de 1970. Comente a participao das mulheres nas lutas polticas durante a ditadura civil-militar.

    2.2.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    a) Sites recomendados

    Aqui se pode baixar toda a documentao que consta no projeto Brasil Nunca Mais, sobre as violaes de direitos humanos durante a ditadura civil-militar: http://www.dhnet.org.br/memoria/nuncamais/index.htm

    Site do Grupo Tortura Nunca Mais: http://www.torturanuncamais-rj.org.br/ Site organizado pelo historiador e militante de Direitos Humanos Aluizio

    Palmar, com documentos inditos descobertos pelo autor: http://www.documentosrevelados.com.br/

    Site no Ministrio da Justia com informaes sobre a Comisso de Anistia, incluindo a revista Anistia: http://portal.mj.gov.br/anistia/data/Pages/MJ20BF8FDBPTBRNN.htm

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    b) Filmografia complementar:

    Memria Para Uso Dirio, de Beth Formaggini (Brasil, 2007) O Dia que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares (Brasil, 2013) Eu me lembro, de Maria de Medeiros (Portugal/Brasil, 2012)

    c) Livro recomendado:

    BENJAMIN, Cid. Gracias a la vida. Memrias de um militante. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 2013.

    2.3. 500 Os bebs roubados pela Ditadura Militar

    2.3.1. Ficha tcnica

    Durao: 100 minutos Gnero: Documentrio Direo: Alexandre Valenti

    2.3.2. Sinopse e elementos do contexto histrico

    Entre 1976 e 1983, a Argentina viveu sombrios anos de ditadura militar. Neste perodo, famlias inteiras foram despedaadas pela represso clandestina empreendida por um estado terrorista que ceifou a vida de cerca de 30 mil argentinos. Dentre as prticas mais aterradoras deste regime estava o sequestro sistemtico de bebs e crianas, filhos de presos e desaparecidos polticos, que eram apropriados por seus algozes com esplio de guerra. A partir da iniciativa das Avs da Praa de Maio criou-se o Banco dos 500, com amostras de seu prprio sangue, o que possibilitou a descoberta de 110 das 500 crianas sequestradas. Reunidos s suas famlias reais e s suas verdadeiras identidades, os jovens nascidos nas maternidades dos campos da morte, juntamente com as Avs da Praa de Maio, confrontam, em 2011, perante o

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    Tribunal de Buenos Aires, os dignitrios da mais sangrenta ditadura argentina, acusados de genocdio e crimes contra a Humanidade: um caso histrico, nico e universal. O documentrio 500 Os bebs roubados pela Ditadura Argentina narra esta incansvel luta das avs e seus netos que continua, diariamente, at que o ltimo dos 500 seja encontrado.

    O passado sempre conflituoso. A ele se referem, em concorrncia, a memria, e a Histria, porque nem sempre a Histria consegue acreditar na memria, e a memria desconfia de uma reconstituio que no coloquem em seu centro os direitos da lembrana (direitos de vida, de justia, de subjetividade). (...) Alm de toda a deciso pblica ou privada, alm da justia e da responsabilidade, h algo inabordvel no passado. S a patologia psicolgica, intelectual ou moral capaz de reprimi-la; mas ele continua ali, longe e perto, espreitando o presente como a lembrana que irrompe no momento em que menos se espera ou como a nuvem insidiosa que ronda o fato do qual no se quer ou no se pode lembrar (Beatriz Sarlo).

    O trecho destacado acima da autoria da filsofa e ensasta argentina Beatriz Sarlo, presente na coletnea de ensaios Tempo passado cultura da memria e guinada subjetiva. A pertinncia do fragmento destacado serve para nos ilustrar o que representa, desde o fim da ditadura militar de 1976-1983 os esforos da sociedade argentina em resgatar suas memrias e rever a formao de suas identidades a partir das lembranas de um passado ditatorial recente que negou ao conjunto da sociedade o direito da liberdade, da justia e, com suas violaes e arbitrariedades, do direito vida. Uma ditadura que se esforou muito para no deixar nenhum vestgio de seus crimes.

    A Junta Militar que tomou o poder em 24 Maro de 1976 empreendeu, atravs de suas medidas repressivas, um processo de falseamento da Histria e, por conseguinte, o silenciamento de determinadas memrias. A sociedade argentina organizada viu-se na necessidade e obrigao de debruar-se sobre os testemunhos daqueles que sobreviveram famigerada Guerra Suja para promover o resgate desse passado to recente e sanguinrio. Precisou se apoiar na lembrana dos sobreviventes, de quem tambm testemunhou as atrocidades, para buscar vestgios,

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    reconstituir itinerrios, confrontar nomes e datas com vistas a compor o mural mais amplo possvel, capaz de indicar responsveis no para se executar uma vingana, mas para que fosse feita a justia e o direito a memria.

    A ditadura militar argentina est inserida em um contexto de golpes civis-militares que levaram a estados de exceo em toda a parte sul do continente americano, principalmente entre as dcadas de 1960 e meados de 70. A Doutrina de Segurana Nacional (DNS)1 cunhada em Washington por militares e analistas de poltica externa do governo estadunidense, formam o arcabouo terico que os militares latino americanos, com seu longo histrico de tentativas de usurpao de poder, consumadas em sua maioria das vezes, necessitavam para perpetrar seus golpes e tambm norteava sua suposta poltica de combate ao terrorismo.

    A Argentina j passara um por estado de exceo recente, no perodo 1966-1973. Todavia o Processo de Reorganizao Nacional ou O Processo, como ficou conhecido, o golpe perpetrado pela Junta Militar encabeada pelo General Jorge Rafael Videla marca uma radicalizao da retrica da violncia at ento sem precedentes na histria do pas e do prprio continente. O golpe militar de 1976 evitava repetir o que os militares consideraram erros no golpe militar anterior, que terminou por abrir brechas para uma redemocratizao onde os opositores ao regime encontraram vias para o indiciamento dos militares e seu afastamento da vida poltica, alm do retorno ao poder de seu inimigo histrico, o Peronismo. Para evitar que novas aes dessa natureza encontrassem espao, os militares declararam a Guerra Suja, com isso suas aes no poderiam passar por julgamentos posteriores, pois foram tomadas em um suposto perodo de guerra e exceo. Com essa medida suas aes no se limitavam somente a atingir os grupos radicais de esquerda que atuavam no pas, como era o caso dos Montoneros e do Exrcito Revolucionrio Popular (ERP) -este ltimo havia estabelecido um foco de guerrilha em Tucuman, duramente reprimido ainda no governo democrtico de Isabelita Pern. A ao da Junta ambicionava ser mais ampla e irrestrita: silenciar todo e qualquer tipo de voz

    1 Nascida durante a Guerra Fria, a Doutrina de Segurana Nacional, fora criada e aplicada com o

    intuito de se combater um inimigo to poderoso quanto intangvel, o comunismo internacional

    (EUA X URSS), um inimigo interno subversivo alimentado pelas ideologias estranhas

    provenientes do comunismo (como o antinacionalismo e o questionamento da ordem vigente).

    Em nome desse combate as foras armadas so outorgadas o pleno direito de intervir na vida

    poltica, suspenso das liberdades democrticas e individuais, violao dos direitos humanos

    como uma necessidade de tempos de guerra, no contra um exrcito inimigo especifico e sim

    contra uma ideia.

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    dissonante/oposicionista no pas. Ou, nas palavras de Ibrico Saint Jean, governador nomeado pela Junta Militar em 1977: Primeiro mataremos os subversivos, depois seus colaboradores, e ento os que continuam indiferentes, at, finalmente, matarmos os tmidos.

    O teor da declarao de Ibrico nos d a real e tenebrosa dimenso do que foi a Guerra Suja durante o regime militar na Argentina. O Estado se convertera em um Estado terrorista, abolindo liberdades individuais, procedimentos jurdicos e legais para investigao e deteno alm de desrespeitar todas as convenes que visam garantir os Direitos Humanos. Assim o Estado terrorista que se instalara pretendia, atravs das muitas pessoas que vitimizou diretamente, espalhar o medo e o terror entre os vivos, atingir o conjunto da sociedade de modo que no houvesse oposio. Era um Estado dual: de um lado a represso clandestina institucionalizada, sem rostos, nomes e por isso sem responsveis a quem culpar (sequestrando pessoas que eles alegam no existirem civilmente em seus processos de investigao) e do outro a face pblica da represso que usurpa o poder judicirio, prtica a legalidade autoritria2, silenciando qualquer protesto, negando habeas corpus aos presos3.

    Os militares que comandavam o processo viam-se investidos de um esprito messinico com fortes cores fascistas, que pregavam uma suposta ordem baseada no terror e no medo. Em sua estreita viso essa ordem imposta a qualquer preo, era necessria para sanar a desordem cultivada durante dcadas por um estado interventor e benfeitor que favorecia a proliferao de grupos subversivos que se valiam dos instrumentos do Estado em proveito prprio (uma aluso causal direta influncia do Peronismo). Para extirpar esse suposto problema o Estado converte-se em um agente liberalizante, levando o pas bancarrota, entregando-o por completo ao capital financeiro internacional especulativo, liquidando, literalmente, grande parte do patrimnio pblico em beneficio de uns poucos grupos econmicos internos, que concentraram a atividade comercial e industrial em determinados ramos em

    2 Tal conceito visa medir o grau de manobras jurdicas permitido pelos regimes autoritrios a

    partir dos rompimentos com as formas jurdicas existentes pr-golpe, e como ser sua

    repercusso no raio de ao das manobras jurdicas ps golpe, no tratamento dispensado a

    prisioneiros polticos por fora da regulamentao da lei (judicializao da represso) em

    regimes de facto autoritrios. Essa tese trabalhada por Anthony W.Pereira em seu livro

    Ditadura e represso: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina. So

    Paulo. Paz e Terra. 2010

    3 Luis Albeto. Histria Contempornea da Argentina. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2006. Pgina

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    detrimento de outros, levando ao colapso da indstria e do mercado interno, e tambm distribuindo o patrimnio pblico para os grupos internacionais que apoiavam os militares.

    Em 1981 movimentos sociais comeam a dar mostras de que amplos setores da sociedade no mais se calariam perante aos desmandos do regime militar e assim comeam a serem expostos os primeiros sinais de seus esgotamentos. O movimento internacionalmente reconhecido as Mes e Avs da Praa de Maio rompe com a indiferena da sociedade, quando comea a reivindicar o direito sagrado maternidade, que nenhuma lei poderia enquadrar como subversiva, o direito a saberem do paradeiro de seus entes queridos, filhos e netos. As rondas realizadas na Praa de Maio ocorriam em um dos perodos mais intensos da represso. E estas prprias mes e avs foram vitimas do Estado terrorista e de sua Guerra Suja. Nesse ponto podemos retomar ao texto introdutrio de Beatriz Sarlo, pois quando da emergncia das memrias oriundas da represso, que h tempos estiveram mergulhadas na clandestinidade, a lembrana que espreitava pela janela do passado para o presente, torna-se uma das foras motriz da Histria a partir do momento em que contrape uma dita Histria oficial, sem organicidade, para uma memria orgnica, vivida, sofrida e cheia de ressentimentos, que clama por encontrar seu espao, expressar sua identidade junto a coletividade.

    Vieram-se ainda somar para a longa agonia do regime o atoleiro econmico no qual o pas estava imergido, o fracasso da aventura beligerante que culminou na Guerra das Malvinas e a reorganizao da sociedade civil que encurralava cada vez mais os militares, em busca de respostas. Estudantes, trabalhadores, a sociedade civil como um todo, ganham as ruas exigindo a redemocratizao e o respeito aos direitos humanos. Os militares, a despeito de todas as reivindicaes, tentam orquestrar uma sada que no parecesse com uma debandada. Tentaram articular meios para que seus crimes decorrentes da represso fossem anistiados bem como as acusaes de corrupo no fossem investigadas, alm da garantirem sua participao no governo de transio e no vindouro governo. Mas ao contrrio do que aconteceu por exemplo no Brasil, na Argentina no houve uma transio tutelada pelos militares, ocorreu uma verdadeira ruptura.

    Findo o regime militar com a eleio para presidente do advogado Raul Alfonsin e embalados no clima da redemocratizao, o presidente cria uma comisso encarregada de investigar os crimes cometidos em decorrncia da ao repressiva

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    perpetrada pelo regime militar, receber denncias de pessoas sequestradas e desaparecidas durante o perodo e produzir informes e um relatrio final acerca do trabalho. Essa ao resulta na criao do CONADEP (Comisso Nacional de Pessoas Desaparecidas), em 15 de Dezembro de 1983, presidida pelo escritor Ernesto Sbato e com participao de outros notveis das mais diversas reas. Em 20 de setembro de 1984 entregue ao presidente Alfonsin o relatrio Sbato, como ficou conhecido o relatrio final do CONADEP que aps ouvir inmeros testemunhos e analisar mais de 50 mil documentos, apresentou o saldo de sete anos de terror: estarrecedor nmero de maios de 30 mil mortos e desaparecidos e de mais de 340 centros de represso clandestinos.

    O relatrio final do CONADEP foi o documento base para o indiciamento judicial de militares e seus colaboradores, uma vez que o trabalho da comisso era apenas investigar e no julgar e sentenciar. Cabe ressaltar que o novo impulso democrtico que surgia no pas estava para alm do simples estabelecimento dos parmetros para participao popular e normalizao das instituies democrticas ou a liberdade de critica a gesto pblica. Ela estava assentada em bases mais amplas e profundas, para alm das polticas partidrias, tais como o respeito aos direitos humanos, compromisso tico em torno da poltica, incorporao dos novos atores sociais que emergiam no cenrio poltico, bem como a incorporao de sua memria e sua demanda por fazer parte da memria coletiva nacional4.

    O cinema argentino foi parte desse processo. No bojo da redemocratizao, ocorrida em 1983, produziram-se diversos filmes sobre a ditadura, sejam documentrios ou fices (esta ltima categoria produzida mais maciamente), abordando diversos aspectos, desde a questo das crianas sequestradas dos pais perseguidos polticos, os desaparecidos, torturas, crimes no resolvidos, seja com abordagens diretas ou mais alegricas. Michael Pollack nos diz sobre o cinema usado como suporte ao enquadramento da memria: O filme o melhor suporte para faz-lo, donde seu papel crescente na formao e reorganizao, portanto no enquadramento da memria.

    A ebulio das memrias clandestinas trazem tona tambm diferentes percepes e representaes acerca da ditadura. Isso afetar diretamente a prpria Histria com suas verses. O cinema colabora com essa leitura do passado ditatorial 4 BORON, Atilio A. Estado, Capitalismo e Democracia na Amrica Latina. Rio de Janeiro. Paz e

    Terra. 1994. Pgina 07

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    na medida em que d vazo as disputas pela memria articulando as diversas formas de representao do perodo, baseadas nas memrias que estiveram a margem da sociedade e agora se contrapem as memrias oficiais. O cinema o ponto de tenso e interseco de uma srie de vises que podem se contradizer de alguma forma, porm, muitos mais, se complementam em outros tantos pontos a partir do momento em que promovem um resgate de identidades, percepes e o entendimento dos processos capazes de interferir no processo de constituio e formalizao de memrias.

    Voltando ao exemplo as Mes e Avs da Praa de Maio: viam no direito a memria de seus entes queridos, seja encontrando seus restos mortais ou seus netos dados a adoo ilegal, uma forma de reparao, a uma vida, uma memria. Uma reparao no s para elas. Mas uma oportunidade para o Estado e parte da sociedade argentina que se calou ou colaborou diretamente faam sua reparao ao que fizeram ao pas e seus cidados.

    2.3.3. Questes para debate

    a) Qual o significado do sequestro sistemtico de filhos de desaparecidos polticos para a caracterizao da ditadura argentina? b) A condenao dos militares argentinos contrasta com a impunidade dos que cometeram crimes semelhantes no Brasil aps o golpe de 1964. O que isso representa para a construo da memria desse passado recente? c) Que tipo de simbolismo as lutas das Mes e Avs da Praa de Maio mobilizaram em sua luta poltica e como essa luta se tornou vitoriosa?

    2.3.4. Materiais de apoio (documentos, trechos de livros, filmes)

    a) Uma das mais importantes organizaes de Direitos Humanos que lutam pela memria dos mortos e desaparecidos da ditadura civil-militar argentina so as Mes da Praa de Maio. Seguem abaixo os valores que esse grupo de mes reivindica:

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    ASOCIACION MADRES DE PLAZA DE MAYO

    NUESTRAS CONSIGNAS

    Reivindicamos la lucha revolucionaria de nuestros hijos

    Las Madres de Plaza de Mayo reivindicamos a nuestros 30.000 hijos desaparecidos sin hacer distinciones. Las Madres de Plaza de Mayo reivindicamos el compromiso

    revolucionario de nuestros hijos y levantamos esas mismas banderas de lucha.

    Creemos que slo la revolucin traer una verdadera democracia con justicia social y dignidad para nuestros pueblos.

    Nuestros hijos viven

    Las Madres de Plaza de Mayo sabemos que nuestros hijos no estn muertos; ellos viven en la lucha, los sueos y el compromiso revolucionarios de otros jvenes. Las Madres de Plaza de Mayo encontramos a nuestros hijos en cada hombre o mujer que

    se levanta para liberar a sus pueblos. Los 30.000 desaparecidos viven en cada uno que entrega su vida para que otros vivan.

    Crcel a los genocidas

    Los pueblos tenemos el derecho a rebelarnos contra toda injusticia. No puede existir democracia y libertad sin justicia. Las Madres de Plaza de Mayo luchamos contra la

    impunidad y exigimos "Crcel para los Genocidas". Sabemos que estos jueces corruptos que tenemos jams harn justicia. Pero las Madres creemos que alguna vez

    el pueblo condenar a los asesinos.

    Rechazamos las exhumaciones

    Las Madres de Plaza de Mayo rechazamos las exhumaciones porque nuestros hijos no son cadveres. Nuestros hijos estn fsicamente desaparecidos pero viven en la lucha, los ideales y el compromiso de todos los que luchan por la justicia y la libertad de sus

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    pueblos. Los restos de nuestros hijos deben quedar all dnde cayeron. No hay tumba que encierre a un revolucionario. Un puado de huesos no los identifica porque ellos

    son sueos, esperanzas y un ejemplo para las generaciones que vendrn.

    No aceptamos que se le ponga precio a la vida

    Nuestros hijos nos ensearon el valor que tiene la vida. Ellos la pusieron al servicio de todos los oprimidos, de los que sufren injusticias.

    Las Madres de Plaza de Mayo rechazamos la reparacin econmica y decimos que la vida slo vale vida. Que la vida slo vale algo cuando la ponemos al servicio del otro.

    La vida de un ser humano no puede valer dinero, y mucho menos la vida de un revolucionario. Lo que hay que reparar con justicia no se puede reparar con dinero. Los radicales y menemistas que perdonaron a los asesinos, ahora quieren tapar sus

    crmenes con dinero. Nadie le va a poner precio a la vida de nuestros hijos. Las Madres de Plaza de Mayo seguiremos afirmando que los que cobran las reparaciones

    econmicas se prostituyen.

    Rechazamos los homenajes pstumos

    Rechazamos las placas y los monumentos porque eso significa enterrar a los muertos.

    El nico homenaje posible es levantar sus banderas de lucha y continuar su camino. Los homenajes pstumos slo sirven para que los que garantizaron la impunidad, hoy

    laven sus culpas. El nico monumento que podemos levantar es un inquebran compromiso con sus ideales.

    La falta de trabajo es un crimen

    La falta de trabajo es un crimen. Son criminales los empresarios que dejan sin trabajo a millones de hombres y mujeres. El terrorismo siempre esta organizado por los

    grupos econmicos. Ellos nos quieren convertir en esclavos. Las Madres de Plaza de Mayo creemos que los desocupados son los nuevos desaparecidos del sistema. El

    trabajo digno es un derecho que nadie nos puede quitar y por el que debemos luchar siempre.

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    Las Madres de Plaza de Mayo no aceptamos candidaturas

    Las Madres de Plaza de Mayo sentimos que vivimos otros tiempos. Hay un nuevo escenario en Amrica Latina y sentimos el deber de acompaar ese cambio en nuestra

    patria. Porque si los pobres no votamos, la oligarqua corrupta crece de la mano de Menem, Macri y Lpez Murphy. Las Madres convocamos al pueblo para que cada

    uno elija su candidato, analice sus propuestas y exija que se cumplan los compromisos electorales

    Las Madres de Plaza de Mayo no aceptamos cargos polticos porque nuestra mejor candidatura nos la dieron nuestros hijos: ser Madres de Revolucionarios.

    La lucha de los pueblos del mundo es nuestra propia lucha

    Las Madres de Plaza de Mayo nos hicimos internacionalistas y apoyamos la lucha revolucionaria de todos los pueblos que buscan la liberacin. Sabemos que estamos en

    el camino correcto y que aunque ninguna de nosotras llegue a ver el resultado, estamos sembrando ideales para que otros cosechen sueos y esperanzas en un mundo

    ms justo y solidario.

    Luchamos por la unidad latinoamericana y contra el imperialismo

    Las Madres de Plaza de Mayo creemos en la necesidad de la unidad latinoamericana. Sabemos que la unidad fraternal y combativa de los pueblos de Amrica Latina, es la

    nica herramienta para enfrentar el imperialismo norteamericano. En estos dos ltimos siglos, la tragedia genocida que el capitalismo descarg sobre nuestros

    pueblos tiene un nombre: el imperialismo norteamericano, rgimen terrorista que intenta someternos a una esclavitud perpetua.

    Creemos y luchamos por el socialismo

    Las Madres de Plaza de Mayo sentimos que la nica solucin para los pueblos del tercer mundo y, en particular para nuestra Amrica Latina, es el socialismo.

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    La revolucin socialista es el nico sendero de construccin de un mundo ms justo y solidario. La lucha contra el capitalismo es la tarea obligada de todos los que suean

    con una humanidad que no se sostenga sobre la explotacin, la esclavitud y la miseria de otros seres humanos.

    b) Sites recomendados: http://www.madres.org http://www.documentosrevelados.com.br/

    c) Filmografia complementar:

    A Histria Oficial, de Luis Puenzo (Argentina, 1985), que retrata o sequestro de crianas filhas de militantes polticos durante a ditadura argentina.

    Condor, de Roberto Mader (Brasil, 2007), que retrata a colaborao entre as ditaduras do Cone Sul e aborda o sequestro de crianas por esses regimes.

    3. Informaes biogrficas de personagens dos filmes

    Augusto Pinochet (1915-2006): general que foi nomeado comandante-em-chefe do Exrcito chileno por Salvador Allende. A despeito disso, foi um dos lderes do golpe de 1973 e ordenou o bombardeamento do palcio presidencial, o que resultou na morte de Allende. Permaneceu no poder at 1990 e comandou uma das ditaduras mais cruis da histria, que resultou em mais de 3 mil mortos, 30 mil torturados e milhares de chilenos exilados. Foi acusado de vrios crimes contra os direitos humanos e de corrupo, mas morreu em 2006 sem ser punido por eles.

    Carlos Lamarca (1937-1971): carioca, criado no Morro de So Carlos. Foi capito do Exrcito e desertou em 1969, passando a integrar a luta armada contra a ditadura civil-militar. Comandou assaltos a bancos (expropriaes) e o sequestro do embaixador suo em 1970, que foi trocado por 70 presos polticos. Foi morto pelo Exrcito no interior da Bahia em 1971. considerado um heri da esquerda brasileira.

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    Joo Goulart (Jango, 1919-1976): presidente do Brasil entre 1961 e 1964, foi derrubado pelo golpe civil-militar ao se aproximar das esquerdas e propor a realizao das reformas de base (agrria, educacional, fiscal, eleitoral, urbana, bancria).

    Jorge Rafael Videla (1925-): militar, foi presidente da Argentina entre 1976 e 1981. Foi preso e condenado priso perptua pelos crimes contra os Direitos Humanos praticados sob seu comando. Em 2012, admitiu em entrevista ter sido o responsvel pela morte e desaparecimento de 7 a 8 mil pessoas durante a ditadura argentina.

    Juan Domingos Pern (1895-1974): militar e poltico argentino que foi presidente entre 1946 a 1955 e 1973 a 1974. Foi um dos principais polticos argentinos do sculo XX e pautou suas propostas polticas pelo nacionalismo e pelo atendimento a demandas histricas da classe trabalhadora. Salvador Allende (1908-1973): mdico e socialista. Foi eleito presidente do Chile em 1970. Em 11 de setembro de 1973, seu governo sofreu um golpe militar e ele morreu resistindo contra a invaso do palcio de governo pelas tropas golpistas.

    Sergio Paranhos Fleury (1933-1979): delegado do DOPS de So Paulo durante a ditadura civil-militar. Reconhecido por suas incontveis vtimas como torturador, foi o principal responsvel pela morte de Marighella em 1969. Tambm foi denunciado por integrar o Esquadro da Morte.