Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento...

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MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria Apostila de Administração do Capital de Giro Professor: Murilo Castellano, Msc

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MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria

Apostila de

Administração do

Capital de Giro

Professor: Murilo Castellano, Msc

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I. Introdução

As principais teorias financeiras, desde a publicação do artigo Portfolio Selection de Harry

Markowitz, consideram um mercado ideal líquido por natureza e postulam que o agente

econômico pode tomar ou emprestar recursos à taxa livre de risco. Por mais sofisticadas que

sejam estas teorias (e são sofisticadas e mereceram as premiações que receberam!) não

conseguem explicar na prática, sobretudo com relação à nossa realidade brasileira, como que

um Empresário ou Gestor deveriam lidar com a questão dos fundos ou recursos de curto

prazo. E sabemos, da prática, que a empresa tem que se preocupar com o seu lado econômico

(lucro, patrimônio) e com o seu lado financeiro (suficiência dos fundos de curto prazo para

fazer frente às necessidades correntes). E os recursos de curto prazo não forem bem geridos

talvez ela não experimente o longo prazo. Neste texto abordamos os recursos de curto prazo

bem como a sua interação com a liquidez e a rentabilidade da empresa. Indicamos um método

para se administrar a solvência da empresa bem como de suas contas a receber e a pagar.

I. Ativo Circulante (Capital de Giro) e Capital Circulante Líquido (Capital de Giro Líquido)

Ativo Circulante:

Disponibilidades (caixa, bancos, títulos para negociação imediata); Valores a receber no curto

prazo (duplicatas, contas e aplicações no curto prazo); estoques (material em geral,

embalagens, produtos em fabricação e produtos acabados) e despesas diferidas (valores já

pagos mas ainda não apropriados como despesas porque os serviços ainda não foram

prestados).

Esses itens são facilmente conversíveis em dinheiro e normalmente tem o prazo de até um

ano. Entretanto, para algumas empresas com ciclo operacional mais longo do que um ano, o

ativo circulante tem a maturidade do ciclo operacional. Exemplo: estaleiro de navios.

O disponível é o ponto de partida para todo o fluxo do ativo circulante. Regra geral, é com as

disponibilidades que se compram as matérias primas, que manufaturadas se transformam em

produto acabado que são estocados para, em seguida, serem vendidos à vista ou prazo. A

venda a gera uma disponibilidade imediata e as vendas a prazo serão disponíveis em breve.

Este é o ciclo ininterrupto ao qual se dá o nome de GIRO.

Tipicamente, a empresa financia-se no seu lado esquerdo do balanço por recursos próprios

(patrimônio líquido) ou de terceiros (duplicatas a pagar, fornecedores e empréstimos

bancários). Em geral, procura-se tomar recursos de curto prazo para financiar os ativos,

também, de curto prazo. Caso contrário, a empresa incorre em riscos de liquidez uma vez que

o financiamento de ativos de longo prazo a partir de recursos de curto prazo impõe um

descasamento ou gap perigoso para a empresa. Quando não há recursos de curto prazo

suficientes para financiar os ativos de longo prazo é preciso sustentar parte do ativo circulante

por recursos (próprios ou de terceiros) de longo prazo. Assim, definimos:

Capital Circulante Líquido = Capital de Giro Líquido = Ativo Circulante – Passivo Circulante

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Ou ainda, o Capital Circulante Líquido pode ser definido como sendo o excedente dos recursos

permanentes (Exigível a longo prazo + Patrimônio Líquido) sobre os ativos alocados a longo

prazo (Ativo Permanente + Realizável a Longo Prazo)

Capital Circulante Líquido = (Patrimônio Líquido + Exigível a Longo Prazo) – (Ativo Permanente

+ Realizável a Longo Prazo)

Nas figuras 1 e 2 abaixo representamos os balanço de empresas hipotéticas, a primeira tendo

um capital circulante líquido positivo e a segundo com capital circulante líquido negativo. No

primeiro caso a situação de liquidez é melhor, mais tranqüila pois há uma parte de recursos

permanentes financiando o ativo circulante (capital de giro). No segundo, dizemos que a

empresa tem uma situação pior no que diz respeito a solvência pois os recursos passivos de

curto prazo financiam parte dos ativos permanentes da empresa.

Figura 1: Baixo Risco de Solvência

Figura 2: Elevado Risco de Solvência

Ativo

Circulante

(AC)

Passivo

Circulante

(PC)

Exigível

Longo Prazo

(ELP)

Patrimonio

Líquido (PL)

Real.Longo

Prazo (RLP)

Ativo

Permanent

e (AP)

Ativo

Circulante

(AC)

Passivo

Circulante

(PC)

Exigível

Longo Prazo

(ELP)

Patrimonio

Líquido (PL)

Real.Longo

Prazo (RLP)

Ativo

Permanent

e (AP)

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De maneira que o balanço da Figura 1 apresenta Capital Circulante Líquido (ou capital de giro

líquido) positivo pois AC > PC e na figura 2, o Capital Circulante Líquido é negativo.

II. Ciclo Operacional, Financeiro e econômico

Considere a figura 3 abaixo onde apresentamos os intervalos de tempo típicos ocorridos

numa indústria.

Compra de Início da Fim da Venda Recebimento Matéria Prima Fabricação Fabricação de venda

|----------------------------|----------------------------|-----------------------------|-----------------------------| PME PMF PMV PMC

PME Prazo médio de Estocagem de matérias primas

PMF Prazo médio de fabricação

PMV Prazo médio de venda (prazo médio de estocagem de produtos acabados)

PMC Prazo médio de cobrança

Figura 3 – Prazos médios dentro do ciclo operacional

Os prazos variam de indústria para indústria e irá demandar investimento de recursos,

próprios ou de terceiros, em grau mais elevado ou não e isto irá configurar a necessidade de

capital de giro de uma empresa e, também, a necessidade média de um determinado setor

econômico. O ciclo operacional, portanto, vai desde o momento da aquisição da matéria prima

até o recebimento das vendas. Tipicamente, a maior parte das empresas tem um ciclo

operacional com prazo menor do que um ano de maneira que, dentro de um ano, o ciclo

repete-se várias vezes. Entretanto, algumas empresas, como construtoras e empresas que

exercem atividade agrícola demandam mais do que um ano para completar o seu ciclo

operacional.

Figura 4 – Valor do Capital de Giro acumulado ao longo do ciclo operacional

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Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta

até o momento do recebimento. Isto varia de empresa para empresa e de setor econômico

para setor econômico. Entretanto, há espaço para a gestão produzir economias seja pela

diminuição de tempos, pelo barateamento da estocagem, pela substituição de fontes onerosas

(como os empréstimos bancários) pela extensão dos prazos de financiamentos de

fornecedores, pela diminuição dos estoques de produto acabado, aumentando a produção

Just in time. Aliás, estes são exemplos de coisas que pretendemos ver neste curso de

Administração do Capital de Giro. A partir do ciclo operacional podemos identificar o ciclo

financeiro e o ciclo econômico conforme figura 5 abaixo.

Compra de Início da Fim da Venda Recebimento Matéria Prima Fabricação Fabricação de venda

|----------------------------|----------------------------|-----------------------------|-----------------------------| PME PMF PMV PMC

PMPF (pgto fornecedor)

Ciclo econômico

Ciclo Financeiro

Figura 6 – Ciclo Operacional, Econômico e Financeiro

Podemos montar as seguintes equações para obtermos os tempos médios de cada ciclo, a

partir do ciclo operacional:

Ciclo Operacional = PME (MP) + PMF + PMV + PMC (conforme definido na figura 3)

Ciclo Financeiro = Ciclo operacional – PMPF (pgto fornec) – PMDD (desconto duplic)

Ciclo Econômico = Ciclo Operacional – PMC

O investimento em capital de giro acompanha o princípio do conflito histórico entre risco e

retorno. Uma empresa que tenha um maior nível de CCL (capital circulante líquido ou capital

de giro líquido) terá um menor risco de insolvência, entretanto, isso não se dá gratuitamente,

mas à custa de sacrifícios no retorno empresarial. Uma empresa que enfrenta dificuldades em

função de lhe ser exigido pelo mercado prazos maiores de financiamento das vendas e prazos

menores de financiamento de suas compras terá que aportar mais recursos permanentes (e,

na maioria dos casos, próprios) para garantir o funcionamento do negócio. Tal exigência não

necessariamente virá acompanhada de maiores retornos. Não exige um nível ótimo (único)

para no nível de capital circulante líquido, este dependerá da característica do setor de

atuação da empresa e, também, do nível de aversão a risco do empresário. Um aspecto

interessante para o equilíbrio financeiro da empresa é perceber o volume de capital de giro

(ativo circulante) permanente, ou seja, aquele volume minimamente demandado e que não se

altera com os meses ao longo do ano. Este conceito se opõe ao capital de giro sazonal que

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surge em função de períodos nos quais a empresa é mais demandada, por exemplo no final do

ano para aquelas empresas de bebidas e alimentos. Como regra geral a empresa deveria

procurar financiar o capital de giro permanente com recursos permanentes (longo prazo) e o

capital de giro sazonal com recursos de curto prazo. Isto traria um equilíbrio financeiro. Veja a

figura 7, onde apresentamos graficamente a idéia dos dois tipos de capital de giro,

permanente e sazonal.

Figura 7 – Evolução do Capital de Giro permanente e total ao longo dos trimestres

Note que a distância entre o valor permanente e o valor total é exatamente o capital de giro

sazonal que, em tese, deveria ser financiado com recursos de curto prazo, enquanto o valor da

linha pontilhada, também em tese, deveria ser financiado por recursos permanentes.

III. Estruturas de financiamento do capital de giro

Já dissemos e aqui repetimos que a escolha do nível de capital de giro (capital circulante)

que será financiada com recursos de curto prazo ou com recursos permanentes depende do

tipo de indústria (setor econômico) e do nível de aversão a risco dos gestores/empresários.

Acrescentamos o fato de dependerá também do poder que a empresa tenha em sua cadeia

produtiva. Se ela detiver poder de barganha ela poderá, por exemplo, alargar os seus prazos

de pagamento das compras e reduzir o prazo de financiamento das vendas, reduzindo o capital

de giro. Veja na figura 8 uma estrutura arriscada para o financiamento do capital de giro. Os

recursos passivos de longo prazo são menores do que os ativos permanentes (de longo prazo).

Logo, é preciso financiar uma parte dos ativos de longo prazo com recursos de curto prazo,

situação que configura elevado risco de insolvência. Neste caso o capital circulante líquido é

negativo dado que o passivo circulante é maior do que o ativo circulante. Na figura 9 percebe-

se uma situação muito mais tranqüila onde os recursos passivos de longo prazo (permanentes)

chegam a financiar, inclusive, uma parte do capital de giro sazonal. Em suma, na figura 9,

temos uma situação tal que todo o capital de giro permanente e alguma parte do capital de

giro sazonal é financiada por recursos de longo prazo.

Capital de Giro

sazonal

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Figura 8: estrutura arriscada para financiamento do capital de giro

Figura 9: estrutura de baixo risco para financiamento do capital de giro

Ativos circ. + parcela de ativo

de longo prazo financiados

com passivos de curto prazo

Capital circulante

líquido negativo

Capital circulante

líquido positivo

financiando até

mesmo capital de giro

sazonal.

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IV. Indicadores de Liquidez

O capital de giro líquido ou capital circulante líquido embora seja um importante indicador

do grau de solvência da empresa, no curto prazo, não esgota totalmente o assunto. Mais à

frente estudaremos a dinâmica do giro e perceberemos que é preciso mais informação para se

avaliar se a empresa está, de fato, otimizando o seu investimento em giro, sobretudo quando

comparada com os seus pares no mesmo setor de atuação. Desde já enunciamos que é

possível encontrar empresas com volume elevado de CCL mas com dificuldades de caixa e, ao

contrário, empresas com volume baixo de CCL mas com aperto de caixa. É só lembrar que

algumas contas que compõe o ativo e o passivo circulante tem natureza diferente de

disponibilidade. Basta imaginar uma empresa que tem baixo poder de barganha na sua cadeia

produtiva e que se vê obrigada a conceder bastante prazo para vender e, ao contrário, não

consegue prazo equivalente para as suas compras. A empresa acaba tendo necessidade de

muito caixa ou de financiamento bancário para conseguir sobreviver. Isto denota uma situação

de aperto de caixa.

CirculantePassivo

DisponivelediataLiquidez Im

CirculantePassivo

sAntecipadaDespesasEstoquesCirculanteAtivoSecaLiquidez

CirculantePassivo

CirculanteAtivoCorrenteLiquidez

Empresa FOLGADONA S.A. EMPRESA APERTADONA S.A.

ATIVO

PASSIVO

ATIVO

PASSIVO

Ativo Circulante 310.000,00 Passivo

Circulante 110.000,00

Ativo Circulante

310.000,00

Passivo Circulante

450.000,00

Caixa e Bancos 200.000,00 Fornecedores 110.000,00 Caixa e Bancos

20.000,00 Fornecedores

200.000,00

Dupl.a Receb. 0,00 PL 500.000,00 Dupl.a Receb.

180.000,00 Bancos

250.000,00

Estoques 50.000,00

Estoques 110.000,00 PL

160.000,00

Alug. Antecip. 60.000,00

Ativo Permanente 300.000,00

Ativo Permanente

300.000,00

Total 610.000,00 Total 610.000,00 Total

610.000,00 Total

610.000,00

CCL 160.000,00

CCL - 140.000,00

Liquidez Imediata 1,82

Liquidez Imediata

0,04

Liquidez Seca 1,82

Liquidez Seca

0,44

Liquidez Corrente 2,82

Liquidez Corrente

0,69

Figura 10 – Exemplo de cálculo dos índices de liquidez.

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V. Análise dinâmica do capital de giro

Uma metodologia bastante útil para aprofundarmos a análise da solvência da empresa

no curto prazo bem como para avaliarmos com maior precisão o investimento necessário

em giro é a análise da necessidade de capital de giro, introduzida no Brasil pelo Professor

Michel Fleuriet, através da obra A dinâmica financeira das empresas brasileiras, 1980. Ao

calcular os índices de liquidez apresentados nos capítulos anteriores o leitor deve ter

percebido a falta de algum outro instrumento que detalhasse mais o problema. No caso

das empresas folgadona e apertadona, mostradas na figura 10, fica clara esta necessidade.

A metodologia da necessidade de capital de giro separa os ativos em cíclicos (ou

operacionais) e financeiros (ou erráticos). Veja na Figura 11 a estrutura básica na qual os

elementos do balanço são colocados para efeito de aplicação desta metodologia.

Ativo Passivo

Circulante

Caixa e Bancos Empréstimos Bancários

Circulante

Financeiro Aplicações Financeiras Financiamentos Financeiro

Duplicatas Descontadas

Dividendos e IR

Duplicatas a Receber Fornecedores

Operacional Estoques Salários e encargos Operacional

Adiantamentos e Despesas Impostos e taxas

de competência exerc. Seguiinte Adiantamentos de clientes

Realizável a Longo Prazo Exigível a Longo Prazo

Permanente Investimento Fixo Patrimônio Líquido Permanente

Figura 11 – Classificação de contas utilizada pela metodologia de análise dinâmica do

capital de giro

O ativo financeiro, de natureza aleatória, não guarda uma relação direta com ciclo

operacional da empresa. Varia, sobretudo, em função do nível de aversão a risco dos

proprietários ou gestores. De outro lado, o ativo e o passivo circulante operacional ou

cíclico mantém relação direta com o ciclo operacional. O prazo concedido aos clientes, o

nível de estoque necessário para manter o bom atendimento, o prazo conseguido de

fornecedores, tudo isso irá influenciar na determinação do volume mínimo necessário de

capital próprio destinado ao giro. O Investimento fixo é representado pelos direitos da

empresa no longo prazo, incluindo aqui o ativo permanente. De forma análoga, o passivo

financeiro não guarda relação direta com o ciclo operacional. O fato de um fornecedor não

conceder mais prazo para pagamento de compras irá repercutir diretamente sobre o

passivo operacional ou cíclico mas não sobre o passivo financeiro, a não ser por vias

indiretas. O passivo permanente constitui as fontes de financiamentos de longo prazo, que

deve corresponder, sobretudo, ao investimento fixo, de forma a permitir o equilíbrio

financeiro da empresa.

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Uma vez já apresentada a classificação das contas, indicamos abaixo a fórmula para cálculo

da Necessidade de Investimento em Capital de Giro (NIG).

NIG = Ativo Circulante Operacional – Passivo Circulante Operacional

De uma maneira geral, quando a atividade operacional produzir mais saídas de caixa do

que entrada, ou seja, o dispêndio com compras, estocagem e fabricação, ocorrer antes do

recebimento das vendas isto irá produzir uma necessidade de investimento permanente

em giro.

Note, por exemplo, que a empresa folgadona, indicada na figura 10, não tem uma

necessidade de capital de giro pois o seu NIG é nulo:

NIG (empresa folgadona) = 110.000 (estoques + desp. Antec.) – 110.000 (fornec.) = 0

Seria até mesmo o caso de se analisar, do ponto de vista do dilema rentabilidade x

liquidez, porque o gestor da folgadona mantém tanto dinheiro em caixa e em bancos. De

outro lado o NIG da apertadona é positivo evidenciando a necessidade que a mesma tem

de manter um capital fixo (próprio ou de terceiro) para financiar o seu giro.

NIG (empresa apertadona) = 290.000 (estoques + desp. Antec.) – 200.000 (estoques) = 90

mil.

Ora, esta segunda empresa não conseguiu uma fonte natural, não onerosa, para financiar

o seu ciclo operacional e, então, precisa manter recursos permanentes, de longo prazo, no

valor de $ 90.000,00 para financiar o seu giro.

Numa época de elevada inflação ficou famosa no mercado a estratégia de algumas

empresas de varejo que vendiam rapidamente as mercadorias, muito antes do prazo que

tinham para pagar as suas compras e, em alguns casos, conseguiam vender a preços

abaixo do custo porque se davam ao luxo de aplicar os recursos em aplicações financeiras

de curto prazo muito rentáveis. De uma maneira geral o investimento em giro tem a ver

com o ciclo financeiro da empresa. Aquelas empresas, semelhantes ao caso citado para

empresas de varejo, quase não precisavam de investimento em giro pois conseguia prazos

maiores para pagamento de suas compras. De outro lado um ciclo financeiro mais longo

irá pressionar a necessidade de investimento em giro, fazendo com que a empresa invista

recursos permanentes, próprios ou de terceiros, no seu giro.

Alterações nas fases operacionais, como aumento dos prazos de cobranças, diminuição do

prazo de fornecedores, aumento de estoques implicam em aumento da necessidade de

investimento em giro. Claro que, para movimentos contrários das variáveis citadas

implicarão em redução da necessidade de investimento em giro.

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Não é só as alterações no ciclo operacional que modificam a necessidade de investimento

em giro. O aumento das vendas, quando acompanhado do aumento de duplicatas a

receber (vendas a prazo) e de estoques irá exigir mais investimento no giro. Claro que a

empresa pode gerir o negócio no sentido de conseguir aumento de prazo de fornecedores

e mesmo aumento de impostos e salários a pagar de maneira a atenuar um pouco essa

necessidade.

Resumindo, as características do ciclo operacional e do volume de vendas vão definir a

necessidade de investimento em giro, valor este que, regra geral, para o bem do equilíbrio

financeiro da empresa, deve ser mantido por recursos permanentes. Assim, a empresa que

vem aumentando fortemente as suas vendas deve procurar gerar caixa a partir de suas

operações (vendas a vista) para financiar esta expansão e, nos casos em que não é

possível, deve procurar recursos de longo prazo para garantir o equilíbrio financeiro da

empresa.

Definimos agora as métricas abaixo que podem ajudar na compreensão e na gestão dos

ativos e passivos de curto prazo da empresa:

NTFP (Necessidade Total de Financiamento Permanente) = NIG + Investimento

Permanente (Realizável a Longo Prazo + Ativos Permanentes)

Saldo de Disponível (SD) = Passivo Permanente – NTFP = Ativo Financeiro – Passivo

Financeiro

O saldo de disponível funciona como uma reserva de liquidez para fazer frente a eventuais

expansões da necessidade de investimento operacional em giro, em particular, aquelas de

caráter sazonal. Claro que se a necessidade de investimento persistir aí a empresa terá que

buscar uma fonte de longo prazo.

V.1 Exemplos de estruturas patrimoniais e de necessidade de investimento em giro

Veja na figura 12 duas estruturas distintas de necessidade de giro. A empresa tranqüila

ltda à esquerda e a empresa aflita ltda à direita. Vamos calcular os indicadores vistos até aqui

para ambas as empresas:

Empresa Tranquila LTDA Empresa Aflita LTDA Ativo Circulante Operacional = 60.000

Passivo Circulante Operac. = 40.000

NIG = 20.000

Ativo Permanente = 50.000

NIG = 20.000

NTFP = 70.000

Saldo de Disponível = Ativo Financeiro – Passivo Financeiro =

30.000 – 20.000 = 10.000

Saldo de Disponível = Capital de Giro Líquido – Necessidade de

Capital de Giro = (90.000-60.000) – 20.000 = 10.000

Saldo de Disponível = Passivo Permanente – NTFP = 80.000 –

70.000 = 10.000

Ativo Circulante Operacional = 35.000

Passivo Circulante Operac. = 30.000

NIG = 5.000

Ativo Permanente = 75.000

NIG = 5.000

NTFP = 80.000

Saldo de Disponível = Ativo Financeiro – Passivo Financeiro =

30.000 – 50.000 = -20.000

Saldo de Disponível = Capital de Giro Líquido – Necessidade

de Capital de Giro = (65.000-80.000) – 5.000 = -20.000

Saldo de Disponível = Passivo Permanente – NTFP = 60.000 –

80.000 = -20.000

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Empresa Tranquila ltda

Empresa Aflita ltda

Ativo Passivo

Ativo Passivo

Cir

cula

nte

Financeiro Financeiro

Cir

cula

nte

Cir

cula

nte

Financeiro Financeiro

Cir

cula

nte

30.000,00

20.000,00

30.000,00

50.000,00

Operacional

Operacional Operacional

35.000,00 Operacional

60.000,00

40.000,00

30.000,00

Permanente Permanente

Permanente Permanente

50.000,00

80.000,00

75.000,00

60.000,00

Figura 12: duas estruturas patrimoniais básicas, duas exigências distintas de NIG

A estrutura patrimonial da empresa Aflita ltda é bem diferente da empresa Tranquila Ltda. A

primeira está financiando parte de sua necessidade total de financiamento com recursos de

curto prazo. Note que a NTFP da Aflita é de 80.000 enquanto os seus recursos (passivo)

permanentes montam a 60.000. Esta é uma situação de risco que indica potenciais problemas

de solvência. De outro lado a empresa Tranquila ltda tem uma NTFP de 70 para um passivo

permanente (recurso fixo) de 80.000. É de fato uma situação bastante tranqüila pois o recurso

permanente consegue financiar o ativo permanente, o investimento necessário em giro (NIG

de 20.000) e ainda sobram 10.000 na forma de disponível ou saldo de tesouraria. Note,

também, que se a empresa Aflita ltda não conseguir renovar (rolar) o seu passivo financeiro

(não cíclico) de curto prazo ela estará em dificuldade financeira e até mesmo risco de

insolvência.

V.2 Necessidade de capital de giro (NIG) e Capital de Giro Líquido (CCL)

É fácil perceber que temos:

Capital de Giro Líquido (CCL) = NIG + SD

Como o CCL engloba as contas financeiras e cíclicas, o NIG trata somente das contas cíclicas.

Vamos considerar um balanço extraído de Assaf Neto e Silva (1) e representado na figura 13

para fixarmos o sentido da equação apresentada acima. Note que apuramos facilmente:

Ativo Circulante = Ativo Circulante Operacional + Ativo Circulante Financeiro

377.000 = 297.000 + 80.000

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Ativo

Passivo Disponível 30.000,00 Empréstimos Bancários 60.000,00

Aplicações Financeiras 50.000,00 Duplicatas descontadas 40.000,00

Ativo Circulante Financeiro 80.000,00 Passivo Circulante Financeiro 100.000,00

Duplicatas a Receber 140.000,00 Fornecedores 90.000,00

(-) PDD - 5.000,00 Encargos sociais e fiscais 20.000,00

Adiantamento a Fornecedores 6.000,00 Adiantamento de Clientes 10.000,00

Estoques 104.000,00 Dividendos propostos 8.000,00

Despesas Antecipadas 7.000,00 Outros Valores Circulantes 32.000,00

Outros Valores Circulantes 45.000,00

Ativo Circulante Operacional 297.000,00 Passivo Circulante Operacional 160.000,00

Ativo Circulante 377.000,00 Passivo Circulante 260.000,00

Realizável a Longo Prazo 123.000,00 Exigível a Longo Prazo 340.000,00

Ativo Permanente 500.000,00 Patrimônio Líquido 400.000,00

Total do Ativo 1.000.000,00 Total do Ativo 1.000.000,00

Figura 13 – Exemplo de um balanço para avaliação de NIG e SD

Passivo Circulante = Passivo Circulante Operacional + Passivo Circulante Financeiro

260.000 160.000 100.000

CCL = NIG + SD

117.000 137.000 + (20.000)

NTFP = NIG + Ativo Permanente + Realizável Longo Prazo

760.000 137.000 + 500.000 + 123.000

SD = Passivo Permanente - NTFP

(20.000) 740.000 - 760.000

Note que existem passivos circulantes (20.000) financiando ativos fixos (ou permanentes) na

empresa da figura 13. Não chega a se configurar como algo crítico mas já sinaliza a

necessidade de se administrar melhor as operações da empresa, analisando reduções nos

prazos concedidos aos clientes, aumento dos prazos dos fornecedores, diminuição de estoques

e assim por diante.

V.3 Volatilidade e Financiamento do Investimento Necessário em Capital de Giro

Tal e qual o apresentado nas figuras 8 e 9 o NIG varia ao longo do tempo e apresenta

sazonalidades. Uma idéia razoável para financiamento do giro da empresa é apresentada na

Figura 14 a seguir, onde o NIG e o ativo permanente, em outras palavras, a NTFP, a

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Necessidade Total de Financiamento Permanente é coberta por Passivos permanentes e as

necessidades sazonais de capital de giro são financiadas com passivos financeiros de curto

prazo.

Tempo

Figura 14 – Volatilidade do NIG e estrutura ideal de financiamento

Vamos a um exemplo extraído de Assaf Neto e Silva (1):

Ativo Passivo

Ativo Circulante Financeiro 100,00 Passivo Circulante Financeiro 120,00

Ativo Circulante Operacional 400,00 Passivo Circulante Operacional 280,00

Ativo Permanente 500,00 Passivo Permanente 600,00

Total do Ativo 1.000,00 Total do Passivo 1.000,00

Indicadores:

NIG 120,00

SD

- 20,00

NTFP

620,00

Figura 15: exemplo de NTFP com elemento sazonal incluído

Suponha que além dos dados apresentados na Figura 15 você saiba também que, do total de

120,00 do NIG, cerca de 70,00 sejam devidos à sazonalidade. E, mais, que dos 100,00 de Ativo

Circulante Financeiro, cerca de 10,00 precisam estar sempre ali para atender a necessidades

constantes e cíclicas de caixa. Ora, podemos, portanto, recalcular a NTFP conforme abaixo:

Verdadeira NTFP = NTFP + caixa mínimo – NIG sazonal = 620,00 + 20,00 – 70,00 = 570,00

$

NTFP

Fonte de Financiamento:

Passiv

os Financeiros

Fonte de Financiamento:

Passivos Permanentes

(Patrim.Liq+Ex.L.Prazo) Ativo

Permanente

NIG

Permanente

Page 15: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

14

Neste caso, note que o Passivo Permanente cobre toda a necessidade de capital de giro

permanente, ficando o sazonal para ser financiado com recursos de curto prazo, recaindo

naquela situação que já reputamos como sendo cômoda ou tranqüila.

Uma situação de desequilíbrio financeiro, onde passivos correntes financiam ativos

permanentes é uma situação que também tende a produzir maiores retornos dado que, regra

geral, os ativos de mais longo prazo custam mais caro. Esta é uma lógica válida nos mercados

de países de primeiro mundo e, para situações de normalidade. Mas, pode se ter, em

determinadas ocasiões, inversões desta lógica onde os recursos de curto prazo custam mais do

que os de longo prazo. Em países em desenvolvimento é comum não se ter volume suficiente

de recursos de longo prazo no mercado, exceto nos órgãos governamentais de fomento como

BNDES e Fundos Constitucionais.

V.4 Dimensionamento do NIG em termos de dias de vendas

Vamos observar os dados da empresa CAGIR extraída de Assaf Neto e Silva (1)

representado na figura 16 a seguir.

Ativos Circulantes Operacionais $ Passivos Circulantes Operacionais $

Duplicatas a Receber 7.500,00 Fornecedores a Pagar

4.000,00

Estoques

Despesas Operacionais a Pagar 400,00

Matérias Primas 400,00

Produtos em Processo 700,00

Produtos Acabados 1.050,00

Informações Adicionais do Quadrimestre

- Vendas = $ 15.000

- Custo do Produto Vendido (CPV) = $ 7.000

- MP consumida no quadrimestre = $ 1.600

- Compras no quadrimestre = $ 6.000

- Desp. Oper.Incorridas no quadrim. = $ 2.400

Figura 16: Dados do cliclo operacional e financeiro

Page 16: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

15

A partir destas informações podemos avaliar o NIG em termos de dias e não em termos

monetários:

NIG = (PME + PMF + PMV + PMC) – Máximo{PMPF,PMPD)

Prazo Médio de Estocagem (PME)

diasxximaMatériadeConsumo

imaMatériaPME 30120

600.1

400120

Pr

Pr

Prazo Médio de Fabricação – PMF

diasxxElaboradosodutosdosCusto

ocessoemodutoPMF 12120

000.7

700120

Pr

PrPr

Prazo Médio de Venda – PMV

diasxxElaboradosodutosdosCusto

acabadosodutosPMV 18120

000.7

050.1120

Pr

Pr

Prazo Médio de Cobrança – PMC

diasxxVendas

ceberaDuplicatasPMC 60120

000.15

500.7120

Re

Prazo Médio de Pagamento a Fornecedores – PMPF

diasxxCompras

PagaraesFornecedorPMPF 80120

000.6

000.4120

Prazo Médio de Pagamento de Despesas Operacionais – PMPD

diasxxIncorridasDespesas

PagaraDespesasPMPD 20120

400.2

400120

Logo, temos:

NIG = (PME + PMF + PMV + PMC) – (PMPF)

NIG = (30 + 12 + 18 + 60 ) - (80)

NIG = 40 dias

Isto pode ser interpretado da seguinte maneira: ao longo dos 120 dias do ciclo operacional, a

empresa tem financiamento natural (passivo cíclico) para 80 dias, que é o tempo médio que

ela consegue paga pagar os seus fornecedores. Entretanto, como o ciclo operacional dura 120

Page 17: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

16

dias, ela precisará investir capital de giro por 40 dias, para fazer frente a este gap no

financiamento natural.

PMC

PME PMF PMV

| | | | | | | 30 42 60 80 100 120 (dias)

Prazo Médio de Pagamento a Fornecedores Necessidade de Investim.

Figura 17: ilustração da necessidade de investimento em dias

Os cálculos que fizemos expressam os indicadores em dias, mas dias de que? Ora, é possível

relativizar os indicadores em termos das vendas e, então, teríamos os números expressos

como dias de venda e isso seria mais palpável e mais lógico. Para tanto, utilizaríamos as

fórmulas abaixo:

Indicadores de Estoque:

Vendas

imaMateriadeConsumoxx

imaMateriaConsumo

primaMateriaPME

Pr120

Pr

Vendas

CPVxx

CPV

ElaboraçãoemodutosPMF 120

Pr

Vendas

CPVxx

CPV

AcabadosemodutosPMV 120

Pr

Podemos também utilizar a fórmula de Prazo Médio de Estocagem Total, onde:

Vendas

CPVxx

CPV

TotalEstoquePMET 120

Fornecedores:

Vendas

Comprasxx

Compras

esFornecedorPMPF 120

Despesas a Pagar

Vendas

IncorridasDespesasxx

IncorridasDespesas

PagaraDespesasPMPD 120

Page 18: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

17

No exemplo da empresa CAGIR da figura 16 temos:

Duplicatas a Receber-------------------------------------60 dias (este indicador já é relativo a vendas)

Estoques:

Matéria Prima ------30 x (1.600/15.000).................3,2

Prod.em Processo...12x(7.000/15.000)................ 5,6

Prod.acabados.......18 x (7.000/15.000)................. 8,4

Ativo Operacional..........................................77,2 dias

Fornecedores: 80 x (6.000/15.000)......................32,0

Despesas a pagar: 20 x (2.400/15.000)..................3,2

Passivo Operacional........................................35,2 dias

NIG (em dias de vendas)........................................42 dias

V.5 Overtrading

Caracteriza-se como uma rápida e forte expansão das atividades da empresa sem que

haja recursos disponíveis para financiar as suas necessidades de giro. Ou seja, a empresa

possui recurso financeiro capaz de suportar um volume máximo de vendas, quando este

máximo é superado os problemas começam a aparecer na forma de dívidas bancárias e

elevado nível de despesa com juros. Tipicamente, no overtrading, a NIG cresce bastante e

supera o CCL da empresa.

Nas figuras 18-a e 18-b notamos os efeitos de uma expansão em dois casos distintos.

No primeiro caso os recursos permanentes foram crescendo para acompanhar a demanda do

giro. Notamos que o novo volume de vendas foi financiado por mais PL e também por mais

passivo cíclico. No segundo caso, notamos que a expansão das vendas não foi acompanhada

de uma expansão nos recursos permanentes e nem mesmo de passivos cíclicos, pressionando

o caixa da empresa. Note também que o PL da empresa, na figura 17-b, que representa a única

fonte de recursos de longo prazo ou permanentes, aumentou proporcionalmente menos do

que a dívida bancária, enquanto, de outro lado, a NIG aumentava mais do que

proporcionalmente ao aumento do CCL. Uma boa sugestão para a empresa do caso b seria

arranjar novo capital próprio (sócios, abertura de capital) ou conseguir exigíveis de longo prazo

para financiar a sua expansão. Se ainda não fosse possível, poder-se-ia tentar vender mais à

vista ou mesmo conseguir mais prazo de fornecedores. Todas seriam medidas válidas para

diminuir a NIG. Se esboçássemos o gráfico Vendas x NIG x CCL teríamos uma figura parecida

com uma tesoura com as vendas crescendo e formando uma curva com concavidade para cima

e o NIG crescendo com a concavidade para baixo, daí o overtrading é chamado efeito tesoura.

Page 19: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

18

Ano I

Ano II

Ano III

Ativo

Passivo

Ativo

Passivo

Ativo

Passivo

Caixa/Bancos

5.000,00 Bancos

5.000,00

Caixa/Bancos

6.000,00 Bancos

6.000,00

Caixa/Bancos

7.200,00 Bancos 7.200,00

Dupl.a receber 10.000,00 Fornec. 10.000,00

Dupl.a receber 12.000,00 Fornec. 12.000,00

Dupl.a receber 14.400,00 Fornec. 14.400,00

Estoques 10.000,00 PL 50.000,00

Estoques 12.000,00 PL 52.000,00

Estoques 14.400,00 PL 54.400,00

Ativo Perman. 40.000,00

Ativo Perman. 40.000,00

Ativo Perman. 40.000,00

Totais 65.000,00 65.000,00

Totais 70.000,00 70.000,00

Totais 76.000,00 76.000,00

CCL 10.000,00

CCL 12.000,00

CCL 14.400,00

NIG 10.000,00

NIG 12.000,00

NIG 14.400,00 Figura 18-a : NIG crescendo proporcionalmente ao CCL

Ano I

Ano II

Ano III

Ativo

Passivo

Ativo

Passivo

Ativo

Passivo

Caixa/Bancos

5.000,00 Bancos

5.000,00

Caixa/Bancos

6.000,00 Bancos

9.000,00

Caixa/Bancos

7.200,00 Bancos 13.000,00

Dupl.a receber 10.000,00 Fornec. 10.000,00

Dupl.a receber 14.000,00 Fornec. 12.000,00

Dupl.a receber 18.000,00 Fornec. 14.400,00

Estoques 10.000,00 PL 50.000,00

Estoques 12.000,00 PL 51.000,00

Estoques 14.400,00 PL 52.200,00

Ativo Perman. 40.000,00

Ativo Perman. 40.000,00

Ativo Perman. 40.000,00

Totais 65.000,00 65.000,00

Totais 72.000,00 72.000,00

Totais 79.600,00 79.600,00

CCL 10.000,00

CCL 11.000,00

CCL 12.200,00

NIG 10.000,00

NIG 14.000,00

NIG 18.000,00 Figura 18-b: NIG crescendo mais do que proporcionalmente ao CCL

Page 20: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

19

VI. Administração do Disponível

Segundo Assaf Neto e Silva (1), são três os motivos pelos quais uma empresa mantém

dinheiro em caixa: transação, precaução e especulação. Se todos os fluxos ativos e passivos

fossem perfeitamente casados não haveria necessidade de se manter recursos em caixa,

entretanto, como não há o sincronismo perfeito uma empresa precisa manter recursos para

honrar os seus compromissos e realizar as suas transações do dia a dia. O outro motivo é

bastante óbvio, uma empresa que tem uma atividade mais arriscada onde vendas podem ser

devolvidas, canceladas, precisa ter um recurso para suprir uma necessidade eventual de caixa.

E o outro, diz respeito ao surgimento de oportunidades repentinas. Entretanto, a empresa

deve ter em mente que quanto mais caixa ela tem, mais recursos ficam parados sem

remuneração, dificultando a rentabilidade dos investidores ou proprietários. O mesmo Assaf

Neto e Silva (1) cita alguns fatores para a determinação de um caixa mínimo:

a) Falta de sincronismo entre pagamentos e recebimentos;

b) Ocorrência de eventos fora do planejado;

c) A existência de um mercado financeiro eficiente e desenvolvido diminui a necessidade

de caixa, permitindo a minimização dos recursos em caixa;

d) Bom relacionamento bancário;

e) Possibilidade de fraudes. Um controle mais acurado pode minimizar este tipo de

ocorrência e determinar um nível menor de caixa mínimo;

f) Existência de um elevado prazo médio de recebimento. A empresa, sempre que puder

deve gestar no sentido de reduzir este prazo;

g) Existência de um prazo médio reduzido de pagamento. A empresa deve gestar para

elevar este prazo médio;

h) Existência de grande investimento em estoque. O estoque deve ser dimensionado de

forma otimizada, ou seja, um estoque que atenda às necessidades dos clientes e que

custe o mínimo possível;

i) Existência de várias contas correntes em diferentes bancos, consumindo saldo mínimo

bancário exagerado para atender aos bancos e não à própria empresa;

j) Política de crédito (ou ausência) insuficiente.

Obviamente que os fatores não esgotam todas as possibilidades mas representam elementos

comuns a maior parte das empresas. Na seção seguinte apresentaremos alguns modelos que

podem ser utilizados para determinar o caixa mínimo de uma empresa.

VI.1 Modelos de administração de Caixa

a) Modelo do caixa mínimo operacional

Este é um modelo bastante simples e prático. Calcula-se o giro de caixa conforme

abaixo:

Page 21: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

20

financeirociclodoDiasCaixadoGiro

360

CaixadoGiro

ExercícionoDesembolsodeevisaoMínimoCaixa

Pr

Vamos a um exemplo. Uma empresa prevê desembolsar $ 2.400.000 nos próximos 360 dias. A

empresa tem os seguintes prazos nos seus ciclos operacional e financeiro: Prazo médio de

estocagem (PME) igual a 20 dias, Prazo Médio de Fabricação igual a 20 dias, Prazo Médio de

Vendas igual a 5 dias, Prazo Médio de Cobrança de 60 dias. O prazo de pagamento a

fornecedores é de 15 dias. Logo teremos:

Ciclo Financeiro = 20 + 20 + 5 + 60 – 15 = 90 dias.

Giro do caixa = 360/90 = 4 vezes.

Caixa Mínimo Operacional = 2.400.000/4 = 600.000

Ora, a empresa deve manter a quarta parte do desembolso, ou ainda, deve manter um caixa

mínimo para um giro. Note que uma pequena redução no ciclo financeiro reflete diretamente

na redução do caixa mínimo. Se a empresa conseguisse aumentar o seu prazo de pagamento a

fornecedores de 15 para 30 dias, o novo tamanho do ciclo financeiro seria de 75 dias. O giro

passaria para 4,8 e o caixa mínimo seria de 500.000, uma redução de 100 mil na necessidade

mínima de caixa.

b) Modelo de Baumol

Este modelo recebe o nome do pesquisador que aplicou o conceito de lote econômico

de compra (logística). O modelo foca uma situação típica de uma empresa que recebe

um valor fixo no início de um período e que faz pagamentos ao longo deste período.

Isto se assemelha inclusive aos gastos de uma família assalariada, onde o salário é

recebido num único ponto e os gastos se dão ao longo dos dias entre um salário e

outro.

b

RiN

..5,0 , onde:

I taxa de juros da aplicação financeira no período em que se recebe o fluxo de

caixa;

R Valor da parcela recebida no início do período; e

b o custo de cada transação, em unidades monetárias.

N o número de movimentação dos recursos, ou seja, o número de partes que o

recurso inicial será dividido, ficando a primeira no caixa e o restante aplicado e

retirado N-1 vezes.

Page 22: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

21

Vamos a um exemplo: vamos supor que uma empresa prestadora de serviços recebe

uma quantia fixa todo início de mês, por exemplo, $ 800.000, num momento em que a

taxa de juros mensal está em 0,80% e o custo de cada transação é de $ 800,00

(envolvendo o custo com controle, impostos, tarifas etc..). Então, calculemos N,

800

000.800%.80,0.5,0N 2

Logo, o modelo sugere que se pegue o valor de $ 800.000 e, de início, deixe no caixa a

quantia de $ 400.000, aplicando os outros $ 400.000. Daí a 15 dias corridos (metade de

um mês), saca-se o restante para fazer frente aos pagamentos diários da empresa.

Aqui está implícito que os pagamentos diários da empresa são uniformes iguais a

800.000/30 = $ 26.667,00. Poderíamos imaginar uma planilha tal e qual a mostrada na

Figura 19 abaixo.

Dia Caixa Inicial Saída de Caixa Entrada de Caixa Caixa Final

1 400.000,00 - 26.666,67 - 373.432,51

2 373.432,51 - 26.666,67 - 346.857,95

3 346.950,09 - 26.666,67 - 320.368,51

4 320.453,61 - 26.666,67 - 293.864,99

5 293.943,05 - 26.666,67 - 267.347,38

6 267.418,40 - 26.666,67 - 240.815,69

7 240.879,66 - 26.666,67 - 214.269,89

8 214.326,81 - 26.666,67 - 187.710,00

9 187.759,86 - 26.666,67 - 161.135,99

10 161.178,79 - 26.666,67 - 134.547,86

11 134.583,60 - 26.666,67 - 107.945,60

12 107.974,27 - 26.666,67 - 81.329,20

13 81.350,81 - 26.666,67 - 54.698,67

14 54.713,20 - 26.666,67 - 28.053,98

15 28.061,43 - 26.666,67 400.000,00 401.501,40

16 401.608,05 - 26.666,67 - 375.040,98

17 375.140,61 - 26.666,67 - 348.566,51

18 348.659,11 - 26.666,67 - 322.077,97

19 322.163,53 - 26.666,67 - 295.575,36

20 295.653,88 - 26.666,67 - 269.058,66

21 269.130,14 - 26.666,67 - 242.527,88

22 242.592,30 - 26.666,67 - 215.983,00

23 216.040,37 - 26.666,67 - 189.424,01

24 189.474,33 - 26.666,67 - 162.850,91

25 162.894,17 - 26.666,67 - 136.263,69

26 136.299,89 - 26.666,67 - 109.662,34

27 109.691,47 - 26.666,67 - 83.046,86

28 83.068,92 - 26.666,67 - 56.417,24

29 56.432,23 - 26.666,67 - 29.773,47

30 29.781,38 - 26.666,67 - 3.115,54

Figura 19: Fluxo mensal de caixa

Page 23: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

22

Note que os pagamentos diários são equivalentes a 800.000/30 e a taxa de juros diária

foi a taxa efetiva diária equivalente à taxa de 0,80% ao mês, ou seja, a taxa de

(1+0,80%)(1/30) – 1.

c) Modelo de Miller e Orr

Os dois primeiros modelos eram determinísticos, ou seja, partiam da premissa que os fluxos

eram certos e sabidos. Agora, apresentaremos um modelo probabilístico muito simples de

aplicar. Como diz a lenda, uma figura vale mais do que mil palavras, então veja na Figura 20 a

idéia contida no modelo de Miller e Orr.

$

h*

z*

m

tempo

Figura 20: gráfico ilustrativo da região aceitável de saldo de caixa no Modelo de Miller e Orr

O modelo utiliza a fórmula abaixo para calcular o Z*, chamado ponto de retorno que é o valor

central em torno do qual o fluxo de caixa deverá retornar após ultrapassar os limites superior

(h*) ou inferior (m).

3

2..75,0*

i

bmz

, onde

m é o valor mínimo admissível para o saldo de caixa, b é o custo de cada transação, i a taxa de

juros diária e σ2 é a variância diária do fluxo de caixa. O m deverá ser determinado pela

gerência da empresa e reflete o nível de aversão a risco da empresa. De posse do m

(arbitrado), do z*, calculamos o h* conforme abaixo:

h* = m + 3.z*

Vejamos um exemplo a partir dos dados da Figura 11, onde listamos uma amostra de fluxos de

caixa e os cálculos da média e da variância. Note que no exemplo dado na figura 21, os valores

de entrada (dados) são os seguintes: caixa mínimo (m) igual a 30.000; taxa de juros diária (i) de

0,0423%; custo unitário da transação financeira (b) igual a 500. Utilizando as fórmulas

calculamos, respectivamente, o ponto de retorno (z*) de 195.596 e o valor máximo (h*) de

616.789. E, como enunciado, a empresa deverá manter o saldo de caixa entre os dois valores

limites. Se ultrapassar o valor superior a empresa aplicará o excesso, de maneira que o saldo

Page 24: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

23

de caixa volte ao ponto de retorno. Caso contrário, a empresa resgatará um valor um valor tal

que o saldo de caixa também voltará ao ponto de retorno.

Dia Fluxo de Caixa FC - média (FC-média)2

1 100.000,00 24.000,00 576.000.000,00

2 - 30.000,00 - 106.000,00 11.236.000.000,00

3 50.000,00 - 26.000,00 676.000.000,00

4 70.000,00 - 6.000,00 36.000.000,00

5 160.000,00 84.000,00 7.056.000.000,00

6 50.000,00 - 26.000,00 676.000.000,00

7 130.000,00 54.000,00 2.916.000.000,00

8 140.000,00 64.000,00 4.096.000.000,00

9 150.000,00 74.000,00 5.476.000.000,00

10 - 60.000,00 - 136.000,00 18.496.000.000,00

Total 760.000,00

Média 76.000,00

Variância

5.124.000.000,00

m 30.000,00

taxa juros 0,0423%

b 500,00

z* 195.596,34

h* 616.789,02 Figura 21: Exemplo de aplicação do modelo de Miller e Orr

d) Modelo da curva normal

Este é um modelo que reflete um elevado nível de precaução. Vamos tomar o mesmo exemplo

da figura 21. A partir dos dados lá fornecidos vamos calcular o desvio-padrão (que é a raiz da

variância) e determinar o maior fluxo com um certo nível de confiança conforme a fórmula

abaixo:

Saldo Mínimo = Fluxo Máximo Previsto = Fluxo Médio + σ.zα

O zα reflete o nível de confiança (conservadorismo) da estimativa. Tipicamente se utilizam os

valores de 90%, 95% e 99% de confiança, correspondendo aos z de 1,281, 1,644 e 2,33,

respectivamente. Determinamos o saldo ideal de caixa como sendo um valor equivalente ao

Fluxo Máximo acima. Se o saldo fica aquém deste valor repomos o caixa via resgate da

aplicação. Qualquer valor acima deste saldo mínimo vai para o investimento. No exemplo da

figura 19 teríamos:

12,582.71000.000.124.5

Saldo Mínimo = 76.000 + 2,33 . 71.582,12 = 242.786

Note que no modelo anterior o limite inferior era de 30 mil, arbitrado pela administração. Aqui

adotamos o valor mínimo de 242.786. Quando o saldo cair abaixo desse valor, uma quantia

Page 25: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

24

deve imediatamente ser resgatada. A quantia que reponha o saldo a 242,786 mil. Note que

neste exemplo aqui utilizamos o nível de confiança de 99%. Isto significa que em 100 dias,

esperamos acertar em 99, ou ainda, não haverá um saldo negativo senão em um dia apenas.

VII. Administração de Valores a Receber

Uma empresa venderá a crédito com a finalidade de aumentar as suas vendas. Isto fará

com que mais pessoas comprem da mesma. Um maior volume de financiamento de clientes

irá gerar mais valores de duplicatas a receber e também provisão para devedores duvidosos.

Muito além dos efeitos contábeis e fiscais a empresa deve ter políticas e procedimentos para

lidar com o crédito, senão o efeito pode ser o contrário, em vez de lucro virão grandes

prejuízos. Portanto, uma empresa deve ter uma Política de Crédito que estabeleça diretrizes

para todos os funcionários envolvidos com ela e não deixe dúvidas sobre quem pode ser

financiado (critérios de concessão), que prazos são praticados, qual a taxa de juros praticada

ou taxas de juros em função do prazo e do tipo de cliente, quais são os instrumentos de

garantia, o que fazer na fase de condução (ou monitoramento), como lidar com as

inadimplências de primeiros dias e com as inadimplências antigas e, por fim, como lidar com a

recuperação de crédito, seja pela via administrativa ou pela via jurídica.

VII.1 Políticas de Concessão de Crédito

Tipicamente, uma empresa que venda muito a crédito estabeleceria as seguintes

diretrizes:

a) Todo cliente será avaliado, analisado e será gerado um score, uma letra que traduza o

nível de risco do mesmo e a sua capacidade de pagamento;

b) Clientes com restrições em órgãos públicos de avaliação de crédito (Serasa, SPC e

outros) não serão merecedores de crédito;

c) Independente da capacidade financeira, sempre existirá um limite máximo de

concentração por cliente. Exemplo: a empresa limita os créditos individuas a $

500.000.

d) Limite de concentração de crédito por setor econômico. A empresa não deixa que o

crédito se concentre em determinados segmentos econômicos e utiliza uma

classificação de setores (por exemplo, o cnae do IBGE) e estabelece valores para cada

um dos setores.

e) Manter banco de dados com valores históricos recebidos, valores inadimplidos em

função dos dias de atraso e valores já dados ou registrados como perdas, para

alimentar modelos quantitativos de determinação da taxa de financiamento, de

valores máximos a financiar e, também, para registro qualitativo do caráter do cliente.

Page 26: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

25

VII.2 Concessão do Crédito

VII.2.1 Precificação do Crédito (determinação da taxa ao cliente)

A variável mais importante para a concessão do crédito é a taxa de inadimplência ou de

perda. Para alguns segmentos e tipos de negócios é importante distinguir entre

inadimplência e perda, uma vez que dada a inadimplência de alguns dias é possível acionar

a justiça e conseguir a recuperação do bem financiado para revenda a terceiro. É o caso,

por exemplo, de automóveis com cláusula de alienação fiduciária, onde se consegue

recuperar o bem em até três meses e, no quarto, revendê-lo a uma terceira pessoa,

recuperando boa parte do crédito concedido. Vamos apresentar abaixo um critério de

concessão e precificação do crédito (determinação da taxa de juros) que atenda aos

múltiplos interesses da empresa concedente de crédito.

Taxa média de Perda = p

(aqui supomos que a empresa considera a inadimplência de X dias como sendo perda ou

que ainda utiliza taxas médias de recuperação dada a inadimplência).

Exemplo:

Valores

Emprestados

no início do

quadrimestre

Valores

Inadimplidos um

mês depois

Valores

Inadimplidos

dois meses

depois

Valores

Inadimplidos

três meses

Depois

Perdas no

quadrimestre

6.000.000,00 500.000/2.000.000 350.000/4.000.000 200.000/6.000.000 3,33%

Note que não há uma única maneira de determinar a taxa de perda. No exemplo acima

enfocamos uma empresa que dividia as vendas em três prestações iguais e que considerou

como situação limite a inadimplência de quatro meses. Outra empresa poderia adotar um

prazo maior (ou menor) e, ainda sim, trabalhar com uma taxa de recuperação de

inadimplências, seja por contratar empresas terceirizadas de cobrança ou mesmo por

manter um departamento jurídico próprio que acione os clientes e, a partir daí, consiga

recuperar alguns valores em juízo. A experiência bancária, entretanto, revela que a justiça

não exerce um grande papel na recuperação dos créditos. O melhor mesmo é acertar na

concessão através de políticas justas e avaliadas periodicamente. E, note, que a empresa

poderia manter um quadro de apuração por quadrimestre móvel, de maneira a ter uma

taxa de perda mais recente, que capture a situação conjuntural. Mas voltando ao caso

acima, entendemos que a empresa perde 3,33% de tudo o que financia.

Neste caso, teríamos o seguinte modelo de precificação da taxa ao cliente:

a) Para financiamentos com vencimento único ao final do prazo:

nn

f

n scpi )1()1()1.()1( , donde apuramos

Page 27: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

26

11

)1).(1(

n

f

p

sci

Onde

n- é o número de meses de prazo;

p taxa de perda em relação ao montante esperado ao final do período;

cf Custo financeiro da empresa (taxa mensal que paga em empréstimos);

s -spread mensal que deseja ganhar. Ou seja, depois de pago o banco, computadas as

perdas, a empresa ganha uma taxa de juros.

i taxa cobrado do cliente.

Vamos a um exemplo numérico:

Uma loja de departamentos financia os seus clientes por 4 meses para pagamento único

ao final do prazo. O custo financeiro da loja é de 25% ao ano, a taxa de perda é de 3,33% e

o spread desejado é de 1,00% ao mês. Vamos calcular a taxa ao cliente:

Custo mensal da loja 1,25(1/12)-1 = 1,88% ao mês.

1

%33,31

%)00,11%).(88,11(

4i 1,028988/0,99156 - 1 = 3,77 % ao mês.

Logo, aplicada esta taxa ao cliente, a empresa, em tese (se a média funcionar) garante uma

aplicação financeira líquida de 1,00% ao mês, depois de pagar ao banco e bancar a perda

de crédito.

b) Financiamento Price por n meses

No modelo de financiamento price (prestações iguais, sucessivas e postecipadas) a

prestação periódica (PMT, do inglês payment) pode ser calculada conforme abaixo:

1)1(

)1.(.

n

n

i

iiPPMT , onde

i é a taxa de juros ao cliente, n é o prazo em meses e P é o valor financiado. Normalmente

temos calculadoras financeiras (HP12CV) e planilhas eletrônicas (EXCEL). No caso de

termos uma perda p sobre todos os valores previstos para recebimento, recalculamos a

taxa líquida com o auxílio da calculadora. Mas, agora, esta não é a taxa final ao cliente e

sim a taxa líquida de ganho da empresa financiadora, mas que pode não cobrir o custo do

empréstimo e o spread desejado pela empresa. Assim, podemos por tentativa e erro, na

calculadora financeira, ou mesmo na planilha eletrônica (que ainda é mais fácil quando

utilizamos ferramenta de atingir meta) determinar uma prestação tal que produz uma taxa

Page 28: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

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interna de retorno igual à desejada pela empresa, a saber, a taxa que cubra o custo

financeiro da própria empresa e lhe garanta um spread mensal. Vamos a um exemplo:

Ora, se o valor financiado é de $100, o valor da prestação, depois da perda, cerca de 3,33%

do previsto, tem que produzir um fluxo de caixa equivalente a uma taxa de 1,88% ao mês

composta com o 1,00% de spread, isto significa uma taxa de (1+1,88%).(1+1%)-1 =2,90%

ao mês. Então, na calculadora financeira colocamos os dados PV= - 100, n =4 (4 parcelas

iguais e sucessivas), i = 2,90%, para encontrar uma prestação (pmt) de $ 26,83. Ora,

sabemos que esta prestação ocorre depois da perda devido ao risco de crédito, então, a

prestação original é de 26,83/0,9667 = 27,75. Ora, para um financiamento de $ 100, na

forma price, com n igual a 4 e prestação de 27,75 encontramos a taxa de juros final ao

cliente: PV= - 100, n=4, PMT = 27,75 4,31% ao mês.

Em ambos os casos mostrados nas alíneas “a” e “b” mostramos como se determina uma

taxa de juros ao cliente a partir da premissa do custo financeiro, taxa de perda e spread

desejado pelo financiador. Entretanto, é preciso estabelecer um limite de crédito máximo

para cada cliente.

c) Um modelo probabilístico para precificação do crédito

Nos dois casos anteriores a taxa de perda era dada como certa, determinística.

Entretanto, vamos supor que uma determinada empresa ou loja tenha em banco de dados

as taxas históricas de inadimplência de 90 dias. Supondo aqui que a inadimplência de 90

dias já tem um sabor parecido com o da perda. A idéia é tomar a distribuição histórica de

perda e estabelecer a perda média e a pior perda com um certo nível de confiança. Em

geral, transfere-se as perdas médias para o preço do crédito, entretanto é possível avaliar

se o mercado aceita uma taxa maior que cubra mais do que as perdas médias, cubra até

um certo percentil maior do que o da mediana (qüinquagésimo percentil). Vamos a um

exemplo, tomando-se a distribuição histórica de probabilidades da inadimplência de 90

dias que para nós será equivalente a perda pois muito pouca coisa se recupera a partir daí:

Mês Taxa de Perda Percentil

1 2,20% 8,33%

2 2,25% 16,67%

3 2,30% 25,00%

4 2,40% 33,33%

5 2,60% 41,67%

6 2,90% 50,00%

7 3,40% 58,33%

8 3,45% 66,67%

9 3,60% 75,00%

10 4,35% 83,33%

11 4,70% 91,67%

12 5,20% 100,00%

Figura 22: perdas históricas ordenadas dos últimos 12 meses

Page 29: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

28

Na figura 22, ordenamos de maneira crescente as perdas históricas com crédito. Aqui a

taxa de perda é fruto da razão entre os valores inadimplidos há mais de 90 dias sobre os

valores correspondentes concedidos. Num banco de dados deste tipo, é preciso expurgar

a inadimplência superior a 360 dias, de maneira a não se contaminar a série histórica com

perdas que ocorreram há muito tempo atrás e retirar da série o caráter de atualidade.

Para a apuração não se pode utilizar saldos contábeis que distorcem a informação. O mais

adequado é apurar, dentro de cada mês, os valores inadimplidos há mais de 90 dias, frutos

de concessão há menos de 360 dias. A partir daí promovemos a relação entre estes valores

inadimplidos e os valores concedidos na origem, de preferência sem os juros, mas tão

somente em termos de capital. Uma vez ordenadas as informações encontramos um

determinado percentil com o qual desejamos decidir. O percentil é uma métrica de

posição na estatística descritiva. Assim, o percentil 95 (ou nonagésimo-quinto percentil) é

o número que deixa 95% das informações à sua esquerda e, obviamente, 5% à direita.

Note que o nonagésimo-quinto percentil estará entre 4,70% e 5,20%. Interpolamos o

valor no intervalo citado para encontrar o nonagésimo-quinto percentil via uma simples

regra de três, conforme abaixo:

91,67% --- 4,70%;

95,00% x

100,00% 5,20%

%67,91%100

%70,4%20,5

%67,91%00,95

%70,4x x = 4,90%

Ora, esta é a maior taxa de perda com 95% de confiança. Então, poderíamos voltar a

precificar o crédito conforme os itens a e b utilizando um valor correspondente ao

percentil escolhido. Logo, uma diretoria avessa ao risco poderia repassar esta perda ao

cliente, o que não é usual, mas poderia ser tentado e em seguida avaliar a aceitação do

mercado. Se as vendas fossem para reposição única ao final do prazo poderíamos utilizar a

fórmula vista no item “a” retro e determinar a taxa final ao cliente.

1%90,41

%)11%).(88,11(

4

i = 4,20%.

Caso o mercado (a concorrência) não permitisse operar uma taxa de 4,20%, o a empresa

concedente de crédito poderia repassar a taxa média de perda, 3,33%, cobrando do cliente

a taxa de 3,77%. Entretanto a empresa poderia trabalhar com o conceito de VAR – Value at

Risk. O Valor em risco seria a perda máxima num certo intervalo de tempo. No caso aqui o

período em questão seria de quatro meses. O VAR seria a diferença entre a Perda Máxima

com 95% de confiança e a Perda Média repassada ao cliente. Vamos calcular o VAR e

analisar o que podemos fazer com isso:

Page 30: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

29

Total de Vendas = $ 1.000.000,00

Montante Nominal ao final de 4 meses = 1.000.000.000 x 1,03774 = 1.159.544,00

Perda Esperada = 1.159.544 x 3,33% = 38.613,00

Perda Máxima com 95% de confiança = 1.159.544 x 4,90% = 56.818,00

VAR – Value at Risk quadrimestral = 18.205,00

A empresa poderia ter valores aplicados em recursos líquidos de elevada liquidez (e fora

do risco de crédito considerado) para fazer frente a uma perda inesperada de 18.205,00.

No caso em questão, construímos um exemplo em que o VAR é bastante pequeno.

Entretanto, na prática poderá existir linhas de produtos ou negócios no varejo ou atacado

com VAR elevados. A idéia é que a empresa tenha recursos próprios para fazer frente a

uma perda inesperada (VAR – Value at Risk).

VII.2.2 Seleção de Clientes e atribuição de limite de crédito

É importante saber recusar vendas. Regra geral, com uma venda se ganha margem

operacional e financeira mas pode-se perder todo o capital se ela for mal feita. Portanto, é

importante verificar o caráter do cliente, analisando o seu desempenho anterior em

compras com a própria empresa ou mesmo nos sistemas de registro e proteção ao crédito,

como SPC e SERASA. Tipicamente as empresas podem utilizar modelos estatísticos ou

determinísticos de score para atribuir um grau de risco ao cliente (normalmente utilizam-se

letrinhas como A, B, C, etc...para atribuir o grau de risco do cliente). Os modelos estatísticos

utilizam técnicas como Análise Discriminante, modelo probit ou logit para determinar a

probabilidade de o cliente pagar ou não as suas dívidas. É possível criar um modelo simples

sem utilização de estatística, onde a opinião dos especialistas (ou proprietários) é traduzida

em pontos (score) e logo após estabelece um ponto de corte a partir do qual a empresa não

mais emprestaria ou financiaria. Atribuída a letrinha de risco, obviamente que a empresa

desejará financiar valores compatíveis com a capacidade de pagamento do cliente. Para

aquelas empresas clientes com maior receita líquida operacional (ROL) ou Patrimônio

Líquido (PL) serão direcionados os maiores limites de crédito. Da mesma forma, quando o

cliente for pessoa física, procurar-se-á avaliar a expectativa de renda futura do cliente

(quando for renda assalariada essa tarefa é mais fácil). De qualquer maneira é importante

que se faça uma avaliação do cliente. Claro que, para pequenas vendas e para o varejo esta

tarefa de análise deve ser rápida e automatizada para não empacar o processo.

Um exemplo de modelo de score poderia ser o apresentado por Assaf e Silva (1) e que

reproduzimos a seguir.

Bloco 1: Dados Essenciais (peso 2)

Dados essenciais

Comprovou os dados

Comprovou a renda

Mais de seis meses no mesmo trabalho

Profissão definida

Casado

Bloco 2: Dados Complementares

Imóvel próprio comprovado

Referência comercial

Outras rendas comprovadas

Conjuge com renda comprov.

Mercadoria sem risco de perecibilidade

Page 31: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

30

Prestação dentro do limite

Desconhecido no SPC

Bloco 2: Dados de localização

Endereço certo no país

Endereço para referencia

Conhece funcionário da loja

Pontuação geral Indicação

30 indicado para cartão de crédito

19 a 29 aprovação normal

13 a 18 aprovação só com entrada

9 a 12 aprovação só com avalista

6 a 8 aprovação só com entrada e aval

Até 5 negar o crédito

Figura 23: modelo de score determinístico

Na figura 23 apresentamos um exemplo genérico de score a partir do qual poderiam ser

agregados outros atributos para avaliação a partir da experiência dos analistas de crédito e do

gerente da área pertinente.

VII.3 Condução (monitoramento do crédito) e cobrança

Quando se tem muito volume de vendas financiadas é importante monitorar a

inadimplência e mesmo os principais clientes (maiores valores financiados). Uma empresa que

concede elevado volume de crédito deverá manter um setor de acompanhamento e cobrança

que pesquise algumas informações sobre os principais devedores de forma permitir uma

tempestiva e precisa atualização do limite de crédito do cliente bem como o corte e a

cobrança antecipada quando isso se fizer necessário. A tarefa de cobrança é muito importante

e mostra ao devedor que a empresa está “antenada” com relação aos seus haveres. E, em

muitos casos, uma cobrança rápida pode fazer com que a empresa credora fique bem

posicionada em relação à uma possível fila de credores em caso de falência ou insolvência

iminente. Algumas empresas adotam a terceirização da cobrança com o objetivo de evitar

custos fixos com pessoal de call center e mesmo investimentos em equipamentos de

telecomunicação. Tipicamente, quando a inadimplência está nos seus primeiros dias bastará

uma ligação a partir de call Center para “lembrar” o cliente devedor. Muita habilidade deverá

ser usada para não transformar um inadimplente circunstancial em inimigo da empresa

cobradora. A partir daí seriam utilizadas estratégias de abatimentos e descontos sobre o valor

nominal do crédito. Se estas duas fases não surtiram efeito e, se o cliente tem patrimônio

alcançável judicialmente, pode-se ajuizar a cobrança da dívida. Entretanto, no Brasil, é preciso

dizer que o nosso sistema jurídico não favorece muito o credor e os resultados alcançados com

a cobrança judicial são modestos.

VII.4 Análise de mudanças na política de crédito

A decisão de conceder mais prazo e mais vendas a prazo aos clientes irá modificar alguns

números da empresa. Obviamente que se não houver uma contrapartida em fonte não

onerosa (maior prazo de fornecedores, por exemplo), a concessão de mais crédito aos clientes

exigirá mais investimentos em capital de giro. Em compensação espera-se que a rentabilidade

aumente em função da elevação mais do que proporcional das receitas em relação às

despesas de provisão para crédito de liquidação duvidosa. Regra geral, os custos fixos não

serão alterados em função de uma decisão de aumentar o volume de vendas a prazo e isto,

Page 32: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

31

mantida a inadimplência sobre controle, promoverá um aumento no lucro e na rentabilidade.

Claro que na ausência de recursos próprios, uma alavancagem das vendas a prazo por meio de

tomada de empréstimos bancários deverá ser feita com critério face às elevadas taxas ainda

praticadas no mercado financeiro do Brasil.

antes depois

Venda a vista Venda a prazo venda a vista venda a prazo

Receitas 10.000,00 2.000,00 9.000,00 6.000,00

custos e despesas variáveis - 5.000,00 - 1.000,00 - 4.500,00 - 3.000,00

provisão para devedores duvidosos - - 60,00 - - 600,00

= Margem de Contribuição 5.000,00 940,00 4.500,00 2.400,00

Custo Fixo 1.000,00

1.000,00

= Lucro Operacional Total 4.940,00 5.900,00

Figura 24: analisando a decisão de aumento de vendas a prazo

Note no quadro 24 que o lucro operacional total aumentou em $ 960,00, um aumento de

19,43% sobre o lucro anterior. Isto porque a empresa resolveu investir mais vendas a prazo

(duplicatas a receber), com um investimento incremental de $ 4.000. Vamos supor que as

novas vendas tem prazo de dois meses contra um mês antes da decisão de aumentar as

vendas a prazo. Logo, de maneira simplificadora, o investimento incremental em giro é igual a

4.000 x 2 = $ 8.000. E o retorno incremental obtido foi de $ 960,00, produzindo uma

rentabilidade de 12,00% ao ano (supondo replicado o modelo ao longo do ano). Esta taxa deve

ser comparada com o custo de oportunidade (ou taxa mínima de atratividade) da empresa. Se

for maior do que o custo de oportunidade a empresa deve implementar (ou continuar) o

investimento.

Page 33: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

32

VIII. Administração Financeira de Estoques

Saber quanto comprar em cada lote, quando comprar e quantas vezes comprar sempre foi

uma questão evidentemente importante. No final da década de 80 a gestão de estoques

ganhou ainda mais notoriedade em função de as empresas japonesas adotarem a prática do

Just in Time. Isto significa dizer que elas praticamente trabalham sem estoque e afirmam ser

esta uma medida eficiente não só pela redução dos custos mas por permitir descortinar

completamente o processo produtivo e, com isso, descobrir ineficiências porventura

existentes. Os defensores da política do Just in time alegam que essa é a principal vantagem da

medida, ou seja, não permitir que ineficiências do processo produtivo fiquem mascaradas pela

existência de grandes estoques.

No Brasil já possamos por momentos especiais de elevada inflação em que se

compensava comprar e estocar grandes quantidades de mercadorias como forma de se

proteger da instabilidade dos preços. Outros, independentemente de inflação, baseado na

tradição, alegam que é melhor investir em estoques do que em aplicações financeiras. Pode

ser que em determinadas situações isto seja verdadeiro mas não no geral onde o que ocorre é

a mensuração inadequada dos verdadeiros custos de estocagem. Cabe registrar também que a

política de vendas do fornecedor pode influenciar a decisão sobre estoques do comprador, em

especial, no que diz respeito à prática de descontos.

Vamos apresentar na seção seguinte o conceito de lote econômico de compra, um

modelo simples para se administrar os estoques. Claro que, como todo modelo, ele exigirá a

validade de algumas premissas.

VIII.1 Lote Econômico de Compra

Segundo Assaf Neto e Silva (1), o Lote econômico de Compra (LEC) foi desenvolvido em

1915 por F. Harris e ainda hoje é um dos modelos mais utilizados na gestão financeira de

estoques, senão o mais utilizado.

Premissas do LEC:

a) Demanda constante – a empresa pode determinar a procura pelo produto e sabe-se

que é constante por unidade de tempo (dia, quinzena, mês, etc..);

b) Recebimento instantâneo do estoque – quando o estoque atingir o valor zero, novo

pedido é feito. Mais à frente veremos que a coisa não é bem assim pois adotaremos

uma margem de segurança, através do ponto de recompra.

c) Não existe desconto – analisa-se tão somente os incentivos internos à empresa. O

modelo não considera incentivos externos como desconto pela compra de maior

volume.

d) Os preços não se alteram – No caso não consideramos inflação. Se houver basta

utilizar o conceito de moeda forte.

e) Não existe risco – o modelo só trata rentabilidade e não risco.

f) Existem dois tipos de custo – Para o lote econômico de compra existe somente dois

tipos de custos: custo de estocagem e custo do pedido. O custo de estocagem refere-

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33

se a todo e qualquer custo proveniente da atividade de estocagem. Exemplos: custos

de aluguel, segurança, seguros, financiamento de estoques, impostos, obsolecências,

etc.. O custo do pedido refere-se a custos com funcionários que trabalham no setor de

compras, custo de emissão, comunicação, etc..

g) Cada estoque é analisado independentemente – o modelo trata os estoques por

produtos, individualmente.

O lote econômico procura a melhor estratégia para determinar qual será a quantidade que

deve ser mantida em estoque e de quanto em quanto tempo deverá fazer novo pedido. Para

tanto, o LEC ajuda a encontrar a quantidade ótima de cada período (Q*), de modo que os

custos totais, compreendidos pelo custo do pedido e o custo de estocagem, sejam os menores

possível.

Custo de estocagem total = Ce x Estoque Médio

Estoque Médio = Q/2

Custo de estocagem total = Ce x (Q/2)

Q corresponde à metade da quantidade de cada pedido e Ce é o custo unitário de estocagem.

De outro lado, temos:

Custo do Pedido = Cp x Número de Pedidos

Número de Pedidos = (V/Q)

Onde Cp é o custo unitário do pedido, V é o volume de vendas (em quantidades), Q é a

quantidade em cada pedido.

Logo,

CT = Cp . (V/Q) + Ce.(Q/2)

Onde,

CT é o custo total em função de Q para um dado V.

e o Q ótimo é dado por:

e

p

C

CVQ

..2*

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34

Vamos a um exemplo. Vamos supor que o Cp é de $ 5.000,00 por pedido(Toto o custo do

departamento de compras), Ce é igual a $ 2.500,00 por unidade pedida e estocada. Suponha

que as vendas mensais sejam de 50 unidades.

14,14500.2

000.5.502* xx

Q

Serão pedidos a cada vez, 14,14 unidades. O Estoque médio é de 7,07 unidades (Q/2).

Calculemos o número de pedidos no mês.

NP = 50/14,14 = 3,53 pedidos no mês e o intervalo entre os pedidos é de 30 dias/3,53 = 8,50

dias.

Poderíamos representar o Estoque ao longo do tempo pelo gráfico da Figura 23 abaixo:

Figura 23: aplicação metodologia de Lote Econômico

A premissa de entrega instantânea do pedido é muito restritiva. Na prática ao utitlizar a LEC

acabamos fazendo o pedido alguns dias antes, de acordo com o prazo para entrega. Supondo

que se demora três dias para se entregar o pedido calculamos a quantidade que representa o

ponto de recompra: 14,14/3 = 4,71. Quando o estoque baixa a 4,71 é hora de fazer novo

pedido de 14,14.

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IX. Referências Bibliográficas

1. Assaf Neto, Alexandre e Silva, César Augusto Tibúrcio, Administração do Capital de

Giro, Editora Atlas, Segunda edição, 1997;

2. Assaf Neto, Alexandre, Estrutura e Análise de Balanços, Editora Atlas, quinta edição,

2.000;

3. Ross, A. Stephen e outros, Administração Financeira, Editora Atlas, 1995;

4. Yoshitake, Mariano e Hoji, Masakazu, Gestão de Tesouraria, Editora Atlas, 1997.

5. Castellano, Murilo, Notas de Aula de Gestão de Investimentos, 2000.

Page 37: Apostila de Administração do Capital de Giro · 4 Na figura 4 fica claro que o investimento necessário para garantir o ciclo operacional aumenta até o momento do recebimento.

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X. Nota sobre o Autor

Murilo Castellano é professor da FGV-DF desde 1999. Leciona a cadeira de Derivativos e

atualmente é coordenador do MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Possui

Mestrado em Otimização (métodos quantitativos) pela UFRJ/COPPE e Mestrado em Gestão de

Empresas (Finanças) pelo ISCTE-LISBOA, Portugal. Exerceu as funções de Diretor de Controles

Internos do Banco do Brasil, Gerente Executivo na área de Crédito, Gerente de Auditoria

especializada em crédito, Gerente de Divisão em Controladoria e Auditor. Exerceu, também, as

funções de Diretor da BB Securities em Londres.