Apostila direito constitucional

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Unidade 1 – Conhecendo o Direito Constitucional: definição, origem e evolução Pág. 1 - Direito Constitucional: definição, origem e evolução Vamos começar nosso curso a partir da própria definição do tema. Tradicionalmente, costuma-se dizer que o Direito Constitucional é o ramo do direito público que tem por objeto de estudo as normas da Constituição de um Estado. Dessa maneira, é a parte do direito que analisa, sistematiza e interpreta as normas fundamentais de certo país. E a Constituição é o documento que congrega tais normas, estabelecendo os princípios e as regras que organizam o funcionamento do Estado e delimitam as garantias e os direitos do cidadão. Em resumo, o Direito Constitucional é a disciplina que se dedica ao direito fundamental de uma sociedade. Essa definição ainda é satisfatória nos dias atuais? Isto é: podemos dizer que o Direito se divide em dois grandes ramos, público e privado, e que o Direito Constitucional pertence àquele primeiro ramo, isoladamente? Essa clássica divisão do direito, ora atribuída aos romanos, ora associada ao jurista francês Jean Domat, enxergava uma distinção entre leis civis e leis públicas. Estas cuidavam dos assuntos estatais, enquanto aquelas tratavam de matérias da vida privada, como as regras contratuais, a capacidade civil e o direito de família. O Direito Civil era a “Constituição Privada”, e regulava a vida do indivíduo sob o ponto de vista de seu patrimônio. Pág. 2 - Mudanças sociais que refletiram no pensamento jurídico No entanto, recentemente, passamos por mudanças sociais que refletiram diretamente no pensamento jurídico. A crise do

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Direito constitucional

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Unidade 1 Conhecendo o Direito Constitucional: definio, origem e evoluo

Pg. 1 - Direito Constitucional: definio, origem e evoluo

Vamos comear nosso curso a partir da prpria definio do tema. Tradicionalmente, costuma-se dizer que o Direito Constitucional o ramo do direito pblico que tem por objeto de estudo as normas da Constituio de um Estado.

Dessa maneira, a parte do direito que analisa, sistematiza e interpreta as normas fundamentais de certo pas. E a Constituio o documento que congrega tais normas, estabelecendo os princpios e as regras que organizam o funcionamento do Estado e delimitam as garantias e os direitos do cidado.

Em resumo, o Direito Constitucional a disciplina que se dedica ao direito fundamental de uma sociedade.

Essa definio ainda satisfatria nos dias atuais? Isto : podemos dizer que o Direito se divide em dois grandes ramos, pblico e privado, e que o Direito Constitucional pertence quele primeiro ramo, isoladamente?

Essa clssica diviso do direito, ora atribuda aos romanos, ora associada ao jurista francs Jean Domat, enxergava uma distino entre leis civis e leis pblicas. Estas cuidavam dos assuntos estatais, enquanto aquelas tratavam de matrias da vida privada, como as regras contratuais, a capacidade civil e o direito de famlia. O Direito Civil era a Constituio Privada, e regulava a vida do indivduo sob o ponto de vista de seu patrimnio.

Pg. 2 - Mudanas sociais que refletiram no pensamento jurdico

No entanto, recentemente, passamos por mudanas sociais que refletiram diretamente no pensamento jurdico. A crise do chamado liberalismo de mercado, nitidamente excludente, fez com que o Estado marcasse maior presena nas questes individuais. O Direito Civil, por sua vez, no poderia se importar apenas com o lado patrimonial do indivduo. Era preciso que ele se mostrasse hbil para realizar os valores da pessoa humana como titular de interesses existenciais.

As Constituies pblicas, outrora dedicadas somente a assuntos estatais, passaram a influenciar a vida cotidiana das pessoas, conformando valores e princpios, como o da dignidade da pessoa humana, que contagiaram o Direito Civil. Vivenciamos a publicizao do Direito Civil.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que houve constitucionalizao de direitos, houve tambm superao da dicotomia pblico-privado, que reinava no sculo XIX.

Ento, como podemos compreender o Direito Constitucional atualmente?

Pg. 3 - Direito Constitucional: antes e depois

Levando-se em conta esse novo quadro jurdico e social, que ser detalhado mais adiante, o Direito Constitucional ocupa, hoje, o centro do ordenamento jurdico, e o influencia por completo, tanto na esfera privada quanto na pblica. Ele filtro de todo o sistema jurdico e tem, no princpio da dignidade da pessoa humana, o seu principal valor.

Alocao do Direito Constitucional

a) VISO TRADICIONAL

Pg. 3 - Direito Constitucional: antes e depois

Levando-se em conta esse novo quadro jurdico e social, que ser detalhado mais adiante, o Direito Constitucional ocupa, hoje, o centro do ordenamento jurdico, e o influencia por completo, tanto na esfera privada quanto na pblica. Ele filtro de todo o sistema jurdico e tem, no princpio da dignidade da pessoa humana, o seu principal valor.

Alocao do Direito Constitucional

a) VISO TRADICIONAL

Pg. 4 - Direito Constitucional: antes e depois

b) VISO CONTEMPORNEA

Essa mudana fez nascer a possibilidade de aplicao dos direitos fundamentais constitucionais tambm nas relaes privadas, paralelamente j consolidada aplicao na relao vertical Estado-particular.

Pg. 5 - Exemplo

Para exemplificar: na relao Estado-particular, o direito fundamental da igualdade ou isonomia nos diz que as regras do concurso pblico tm que ser iguais para todos. Mas esse princpio deve ser seguido na relao particular-particular? Por exemplo, uma empresa deve seguir o princpio da igualdade na hora da contratao ou da demisso de um empregado?

O STF vem se posicionando no sentido de haver, sim, a possibilidade de se aplicar os direitos fundamentais nas relaes privadas, sobretudo quando se tratar de matria com relevncia pblica. Essa nova viso ficou conhecida como "eficcia horizontal dos direitos fundamentais", pois envolve duas pessoas que esto, em tese, na mesma hierarquia.

Observe o seguinte exemplo, que ilustra essa nova tendncia e mostra a eficcia vertical e horizontal dos Direitos Fundamentais:

a) EFICCIA VERTICAL

Pg. 6 - Direito Constitucional: antes e depois

b) EFICCIA HORIZONTAL

O STF decidiu ser inconstitucional a discriminao que se baseia em atributo, qualidade, nota intrnseca ou extrnseca do indivduo, como o sexo, a raa, a nacionalidade, o credo religioso (...). O caso concreto o da empresa AIR FRANCE, que no aplicava o Estatuto do Pessoal da Empresa, mais vantajoso, a brasileiro empregado da companhia, pelo fato de ele no ser francs. O tribunal resolveu a questo dizendo que o princpio da igualdade, estampado no art. 5 da CF/88, aplicvel nas relaes entre particulares e assentou que o brasileiro faria jus s mesmas condies dos empregados franceses. (RE 161.243-6)

Unidade 1 Conhecendo o Direito Constitucional: definio, origem e evoluo

Pg. 7 - Movimentos constitucionais

Feita essa breve reflexo, cabe indagar: qual a origem do Direito Constitucional? Por que ele apareceu e onde?

Essas questes nos levam a pensar, sem dvida, num fenmeno chamado constitucionalismo. E, aqui, preciso ressaltar que ele no possui um sentido nico nem universal. Como aponta Gomes Canotilho, melhor dizer que existiram e existem movimentos constitucionais ao longo da histria. O que se passou na Inglaterra no se reproduziunos Estados Unidos da Amrica, nem tampouco na Frana. Da mesmamaneira, o Brasil teve sua prpria verso de constitucionalismo.

Todavia, podemos apontar algumas caractersticas comuns que, reunidas, nos do o ncleo da ideia de constitucionalismo. Assim, a busca pela limitao do poder do governante e a luta pela garantia de direitos fundamentais do indivduo integram o conceito dos movimentos constitucionais.

Pg. 8 - O Constitucionalismo

Em outras palavras: o constitucionalismo , no plano poltico e social, a luta da sociedade para regrar a atuao do governante, impondo-lhe limites e deveres, e fixar os direitos bsicos do homem em face do Estado. Paralelamente, no plano jurdico, traduz-se na necessidade de condensar essas regras numa Constituio escrita. No entanto, esta ideia foi mais desenvolvida a partir do sculo XVIII, com as Revolues Liberais da Inglaterra e da Frana.

Para exemplificar: no mundo antigo o constitucionalismo se mostrava na possibilidade de os profetas, entre os hebreus, fiscalizarem os atos governamentais que ultrapassassem os ditames bblicos. Tambm nas cidades-Estados gregas v-se um relevante exemplo com a democracia direta, exercida pelos cidados, que determinavam o rumo da poltica de sua cidade.

Na Idade Mdia, a Carta Magna de 1215, tambm denominada Carta do Rei Joo sem Terra, foi o grande marco do constitucionalismo medieval ingls. Outros documentos tambm tiveram sua importncia, como o Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; o Bill of Rights, de 1689; e o Act of Sttlement, de 1701.

Pg. 9 - Importncia

Esses pactos tinham como fundamento o acordo de vontades entre o monarca e os sditos, no qual se estabeleciam convenes em relao ao modo de governo e s garantias dos direitos individuais. Nos Estados Unidos, ficaram conhecidos os contratos de colonizao, de que so exemplos as Fundamental Orders of Connecticut; na Frana, as leis fundamentais do reino impuseram limitaes ao prprio rei.

No entanto, foi no constitucionalismo moderno que as constituies ganharam importncia central. A constituio passou a ser o local onde se consagrava o triunfo do constitucionalismo. Era a arma ideolgica contra o Antigo Regime absolutista. Ao mesmo tempo, nela deveriam estar consignados a limitao estatal e os direitos fundamentais, sob pena de no existir.

isso que disps a Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1789: toda sociedade na qual no est assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separao dos poderes, no tem Constituio. As principais Cartas Constitucionais foram a dos EUA, de 1789, fruto do movimento de independncia do pas, e a da Frana, de 1791, que sintetizou os ideais da Revoluo Francesa.

Curiosidade: A Constituio da Polnia anterior francesa, tendo sido publicada em 3 de maio de 1791.

Pg. 10 - Direitos sociais

Esses documentos so marcos histricos da transio da sociedade para a idade contempornea e foram inspirados pelos valores do liberalismo clssico. Neles, previa-se que todos eram livres e iguais perante a lei, abandonando-se os privilgios do absolutismo, e que o Estado no intervinha nas leis do mercado, que se regia livremente. Alm disso, o direito de propriedade era garantido, e o governante sofria limitao constitucional.

Nessa poca ficaram consagrados os direitos de primeira gerao, como o direito vida, liberdade, propriedade, manifestao de pensamento e ao voto.

Esse modelo foi colocado em xeque no fim do sculo XIX e comeo do sculo XX, pois a autorregulao do mercado no permitiu o enriquecimento de todos. Na verdade, gerou concentrao de renda e grande excluso social. Direitos bsicos, como sade, trabalho e educao, no faziam parte da vida da maioria das pessoas.

Nessa etapa, o constitucionalismo marchou para o Estado Social de Direito, em que o Estado passou a garantir condies mnimas de existncia ao indivduo. Surgiram os direitos de segunda gerao, marcadamente garantidores de direitos sociais (trabalho, sade, educao etc.), econmicos (o Estado passou a intervir no mercado, sobretudo depois da crise da Bolsa de Valores, em 1929) e culturais.

Pg. 11 - Influncias

Fala-se, aqui, que a Constituio comeou a ser dirigente, j que passou a obrigar o governo a elaborar e executar polticas que alcanassem os objetivos programados em seu texto.

As principais constituies sociais foram a Mexicana, de 1917, e a Alem, de 1919, tambm conhecida como Constituio de Weimar.

Elas influenciaram, inclusive, a nossa Constituio de 1934, que era claramente uma constituio social.

Mas elas foram realmente efetivas?

Principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, esse modelo de Constituio se mostrou ineficaz, pois no passou de um convite atuao dos governantes. Por estar sujeito s vontades do administrador, diz-se que o texto no possua fora normativa para realizar suas promessas. Em alguns casos, como no estado nazista de Hitler e na Itlia fascista de Mussolini, a Lei Maior serviu para proteger e justificar um estado de barbrie. O Judicirio tinha pouca importncia na realizao dos direitos fundamentais.

Pg. 12 - Marcos

Nesse passo, o Direito Constitucional entra em mais uma importante fase de sua evoluo. Conforme muito bem tratado pelo jurista Lus Roberto Barroso, deu-se incio ao "novo direito constitucional" ou "neoconstitucionalismo".

Ateno

O pensador aponta trs marcos determinantes para isso:

a)marco histrico:o constitucionalismo do ps-guerra, que "redefiniu o lugar da Constituio e a influncia do direito

constitucional nas instituies contemporneas". As principais referncias so: a Lei Fundamental de Bonn, de 1949

(Alemanha), e a Constituio da Itlia, de 1947. No Brasil, cita-se a Constituio de 1988.

b)marco filosfico:o ps-positivismo. Explicando melhor o que se entende por ps-positivimo, podemos dizer que a

juno das ideias no jusnaturalismo do sculo XVIII com as do positivismo do sculo XIX, criando uma nova forma de

entender o direito. A corrente jusnaturalista fundou-se na crena de que existem princpios de justia universalmente

vlidos para todos os seres humanos. Ela impulsionou as revolues liberais do sculo XVIII, mas, por ter sido

considerada "abstrata" ou metafsica, foi substituda pelas ideias do positivismo. Este igualou o Direito lei, retirando

toda carga valorativa e filosfica da norma. Era a Cincia pura do Direito. Com a crise desse sistema em meados do

sculo XX, era preciso repensar a filosofia jurdica. Como esclarece Barroso: "o ps-positivismo busca ir alm da

legalidade estrita, mas no despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer

a categorias metafsicas."

c)marco terico:primeiramente, a constituio passou a ser dotada de fora normativa. Isso quer dizer que o texto

constitucional deixa de ser um convite atuao do governante, uma mera carta poltica, e reconhece o papel do

Judicirio na concretizao de direitos. Em segundo lugar, consequentemente, h uma expanso da jurisdio

constitucional, criando-se Tribunais Constitucionais com o objetivo de efetivar o texto constitucional, na perspectiva da

Supremacia da Constituio. Por fim, em terceiro lugar, houve uma mudana em relao forma de se interpretar a

norma constitucional. A nova interpretao constitucional passou a ter que lidar com a existncia de princpios e

conceitos abertos, a serem concretizados pelo intrprete, a exemplo do princpio da dignidade da pessoa humana. Alm

disso, a tcnica da ponderao de interesses e a argumentao jurdica se tornam fundamentais para a soluo de colises entre direitos.

Pg. 13 - Evoluo do Constitucionalismo

ESQUEMA GERAL DA EVOLUO DO CONSTITUCIONALISMO

Histrico do Constitucionalismo

Exemplos

Constitucionalismo Antigo

Hebreus, gregos e romanos.

Institucionalismo Medieval

Carta Magna de 1215, Petition of Rights, Bill of Rights, Habeas Corpus Act, Fundamental Orders of Connecticut.

Constitucionalismo Moderno

Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1789, Constituio Americana de 1789, Constituio Francesa de 1791.

Constitucionalismo Social (sc. XX)

Constituio Mexicana de 1917 e Constituio de Weimar de 1919.

Novo Direito Constitucional Neoconstitucionalismo

Constituies do ps-guerra. Destaques: Lei Fundamental de Bonn de 1949 (Alemanha) e a Constituio da Itlia de 1947. No Brasil, Constituio de 1988.

Direito Constitucional Alm das Fronteiras Transconstitucionalismo

Caso da Princesa de Mnaco, que teve fotos ntimas publicadas na internet. O que deve prevalecer: o direito fundamental da liberdade de imprensa ou o da intimidade?

Portanto, vemos que o Direito Constitucional vem se transformando no decorrer dos tempos. E, nos dias atuais, coloca-se um novo problema a ser enfrentado por essa cincia jurdica: como resolver uma determinada questo que envolve mais de uma esfera constitucional? Ou melhor: o que fazer quando dois rgos no hierrquicos enfrentam um problema com fundamento constitucional e que ultrapassa os interesses de um pas?

Para ilustrar, trazemos a lio do professor Marcelo Neves, que desenvolveu a ideia do transconstitucionalismo. Conforme palavras dele: o transconstitucionalismo o entrelaamento de ordens jurdicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional.

Unidade 2 A Constituio Imperial de 1824 e a Constituio Republicana de 1891

Pg. 1 - Introduo

Nas prximas duas unidades, falaremos das experincias constitucionais brasileiras. Abordaremos, brevemente, o contexto histrico de criao de cada Constituio e suas principais caractersticas.

Tambm forneceremos os dados necessrios para que o aluno possa compreender o que se passou com cada diploma constitucional ptrio.Alertamos que este assunto extenso e profundo.

Por isso, este curso no esgotar o tema. Na verdade, temos o interesse de despertar a curiosidade do estudante para que ele possa, posteriormente, buscar mais informaes e realizar novas pesquisas.

Introduzido o assunto, sigamos.

Pg. 2 - Constituies brasileiras

O Brasil teve sete constituies, a saber:

Constituio Imperial de 1824 (a primeira do Brasil)

Constituio de 1891 (inaugurou a Repblica)

Constituio de 1934 (ps fim Repblica Velha)

Constituio de 1937 (incio do Estado Novo, de Getlio Vargas)

Constituio de 1946 (redemocratizou o pas)

Constituio de 1967 (emendada pela EC n. 1/69, vigorou na Ditadura Militar)

Constituio de 1988 (Constituio Cidad, trouxe de volta o Estado Democrtico)

Apesar de alguns juristas considerarem a EC n. 1/69 como mais uma carta constitucional brasileira, analisaremos seu texto em conjunto com a Constituio de 1967. Reconhecemos o carter revolucionrio do diploma e trataremos desse tpico na Unidade 4.

Sendo assim, passemos ao estudo das nossas duas primeiras Constituies.

Pg. 3 - Constituio de 1824

A Constituio de 1824 foi a que por mais tempo vigorou em nosso pas: 65 anos. Ela fruto de acontecimentos que se iniciam com a vinda da Famlia Real Portuguesa, no ano de 1808. Devido ocupao das terras portuguesas pelas tropas napolenicas, a monarquia teve que se retirar de Portugal, estabelecendo-se no Brasil, ainda colnia.

Pertencendo, agora, ao Reino Unido de Portugal e Algarves, cujo Rei era D. Joo VI, o Brasil era a sede da metrpole portuguesa, tendo como capital a cidade do Rio de Janeiro. Alguns historiadores denominam esse fato de inverso metropolitana, pois Portugal era governado a partir da antiga colnia.

Muitas coisas mudaram com a chegada da corte portuguesa. Fundou-se o Banco do Brasil, criaram-se a Biblioteca Real, o Jardim Botnico, a Academia Real Militar e duas escolas de Medicina, uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro, dentre outras instituies.

Alm disso, foi assinado o Decreto de Abertura dos Portos s Naes Amigas, em cumprimento ao apoio dado pelos ingleses aos portugueses na viagem at o Brasil. Ele marcou o fim do pacto colonial e trouxe vrios privilgios aos britnicos, que poderiam negociar diretamente com o Brasil, sem ter que passar pelas alfndegas de Portugal.

Pg. 4 - Constituio da Mandioca

Com a derrota de Napoleo e o crescente poderio britnico sobre os portugueses, deu-se incio, em 1820, Revoluo do Porto. Esse movimento reivindicava a volta da Famlia Real para restabelecer a colonizao das terras brasileiras e expulsar os ingleses do controle militar.

Assim, D. Joo VI retorna a Portugal, mas deixa no Brasil seu filho, D. Pedro de Alcntara, na condio de Prncipe Regente.

Sob presso dos liberais, D. Pedro, desrespeitando as ordens da corte portuguesa, fica no Pas (Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822) e declara a independncia em 7 de setembro de 1822, tornando-se D. Pedro I, imperador do Brasil.

Convocada uma Assembleia Nacional Constituinte, deu-se incio aos trabalhos para elaborar a primeira Constituio da nao independente. Havia dois partidos que integravam a Constituinte: o partido Luso e o partido Brasileiro. D. Pedro, obviamente, apoiava o partido Luso, pois no queria perder o poder. O partido brasileiro era liderado pelos irmos Andrada (Jos Bonifcio de Andrada e Silva, Antnio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada), que elaboraram o primeiro anteprojeto de constituio, conhecido como Constituio da Mandioca.

Por que Constituio da Mandioca?

Foi em virtude desse projeto que a Assembleia Nacional Constituinte foi dissolvida pelo Imperador D. Pedro I. Ele previa o voto indireto e censitrio, levando-se em considerao a quantidade de terras cultivadas com mandioca. Paralelamente, para ser eleito, tambm era necessrio ser proprietrio de grande quantidade de terras com plantio de mandioca.

Pg. 5 - Assembleia Nacional Constituinte

Uma vez que a maioria dos proprietrios de terra era brasileira, os portugueses seriam excludos do poder, tanto como eleitores quanto como representantes. Vendo essa jogada jurdica dos liberais, o imperador dissolveu a Assembleia (esse episdio ficou conhecido como Noite da Agonia, que aconteceu do dia 11 para o dia 12 de novembro de 1823) e nomeou somente portugueses para redigir a Constituio, que seria imposta ou outorgada em 25 de maro de 1824.

Cliqueaquipara saber o que foi a "Noite da Agonia"

Com a outorga da Constituio, passamos a ser uma monarquia hereditria, cujo Imperador e Defensor Perptuo do Brasil era D. Pedro I.

Pg. 6 - Provncias

As capitanias hereditrias foram transformadas em provncias, as quais eram administradas por presidentes nomeados pelo Imperador. Elas integravam os Estados Unidos do Brasil, cuja capital era a cidade do Rio de Janeiro. Foram os embries das atuais unidades da Federao.

Nosso Estado detinha a forma unitria, ou seja, o poder era centralizado em um nico rgo, a Coroa, no havendo autonomia poltica das provncias. Essa condio s foi modificada com a Constituio de 1891, quando se adotou o federalismo.

Houve uma tentativa de derrubar esse unitarismo, durante a Regncia Trina Permanente (1831-1835), perodo em que D. Pedro I abdica do trono, deixando D. Pedro II, ainda menor, no poder. A Lei n. 16 de 1834, tambm chamada de Ato Adicional, modificando normas da Constituio, criou as Assembleias Legislativas Provinciais, dando a elas certa autonomia.

No entanto, essa tentativa no foi bem sucedida, tendo sido totalmente extirpada com a Lei n. 105 de 1840, que interpretou as modificaes trazidas pela Lei 16/1834. Alis, a referida lei ficou conhecida como Lei de Interpretao.

Pg. 7 - Revoltas sociais

Mesmo assim, as revoltas sociais eclodiam em vrias partes do territrio nacional, tendo como ponto comum o descontentamento com o poder central. So exemplos: a Cabanagem, no Par (1835); a Farroupilha, no Rio Grande do Sul (1835); a Sabinada, na Bahia (1837); a Balaiada, no Maranho (1838); e a Revoluo Praieira, em Pernambuco (1848).

Outra caracterstica importante de nossa primeira Carta Maior foi o fato de termos uma religio oficial: a Catlica Apostlica Romana. Em virtude disso, todas as outras formas religiosas no podiam ter manifestao pblica. Aceitava-se, apenas, seu culto domstico.

Na nossa primeira experincia constitucional, no adotamos a forma popular e revolucionria de repartio dos poderes. A denominada Tripartio dos Poderes de Montesquieu, em que havia os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, com atribuies complementares, autnomas e independentes, no foi implementada na Carta de 1824.

Pg. 8 - O quarto poder

Na realidade, pelas ideias de Benjamin Constant, a organizao dos Poderes do Imprio abrangia um quarto poder, o Poder Moderador, ao lado daqueles trs. Ele era a chave de todo o complexo poltico e assegurava ao Imperador o controle dos demais poderes.

Estava regulado nos arts. 98, 99, 100 e 101. Veja o que diz, com a grafia da poca, o art. 98:

"O Poder Moderador a chave de toda a organizao Poltica, e delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nao, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manuteno da Independncia, equilbrio, e harmonia dos demais Poderes Polticos."

Ao lado desse centralismo poltico, o Imperador era considerado uma pessoa sagrada e inviolvel. Vigia a teoria da irresponsabilidade total do Estado: o rei no erra (the king can do no wrong). O art. 99 assim o dizia:A Pessoa do Imperador inviolvel, e Sagrada: Ele no est sujeito a responsabilidade alguma.Essa ideia marcou o absolutismo europeu at o sculo XVIII e ainda perdurou no Brasil at a proclamao da Repblica, em 1889.

Pg. 9 - Direitos Fundamentais

No que se refere aos direitos fundamentais, a Constituio de 1824, por influncia da Constituio Francesa de 1789, defendia a liberdade, a segurana e a propriedade. Por essa linha de pensamento, assegurou importantes direitos civis e polticos de primeira dimenso (direitos individuais).

A grande contradio, todavia, foi a permanncia da escravido, que atendia aos interesses de grandes latifundirios monocultores de caf e de cana de acar. Podemos citar, tambm, o fato de o voto ser restrito aos homens e ser censitrio (conforme a renda).

Por fim, a garantia dohabeas corpusno foi constitucionalizada em 1824. Houve sua previso infraconstitucional no Cdigo Criminal de 1830 e no Cdigo de Processo Criminal de Primeira Instncia de 1832. Essa importante garantia s viria a ter status constitucional em 1891, como veremos na sequncia.

Pg. 10 - Constituio de 1891

O surgimento de nossa segunda constituio est ligado ao enfraquecimento da monarquia, que pode ser observado desde 1831, quando houve a tentativa de descentralizar o poder. Como dissemos anteriormente, a Lei n. 16 de 1834 concedeu alguma autonomia s provncias, ao possibilitar que elas legislassem. Porm, tal lei foi interpretada e praticamente revogada em 1840. O poder continuou centralizado, e essa capacidade de legislar foi retirada das provncias.

No entanto, a partir de 1860, o centralismo poltico comeava a ser um problema para algumas classes. Por exemplo, mesmo sendo vitoriosos na Guerra do Paraguai, em 1870, os militares ficaram extremamente descontentes com o fato de terem seu oramento e seu efetivo reduzidos pelo imperador D. Pedro II.

Outro fato que demonstra o descontentamento com a monarquia a publicao do Manifesto do Centro Liberal, em 1869, e do Manifesto Republicano, em 1870. Nesses documentos, reivindicava-se maior legitimidade da representao do Pas, exigindo o fim da vitaliciedade do mandato no Senado e no Conselho de Estado.

Paralelamente, tambm a Igreja se mostrava insatisfeita com o regime, especialmente em razo de ser submissa ao Estado Imperial. Um fato que mostra essa contrariedade a priso dos bispos de Olinda e Belm, em 1874, ao no ter sido aprovada uma bula papal que censurava a maonaria. Alm disso, o Imperador perdeu o apoio dos produtores rurais, ocasionando a libertao dos escravos em 1888.

Pg. 11 - Repblica

Dentro desse contexto, a Repblica proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de novembro de 1889, por meio do Decreto n. 1. Esse decreto foi redigido pelo conhecido jurista Rui Barbosa e previu um Governo Provisrio com o objetivo de consolidar o regime e elaborar a nova Constituio, a qual seria promulgada em 24 de fevereiro de 1891. a primeira constituio promulgada da nossa histria, marcando o fim do absolutismo monrquico.

Embora o Decreto n. 1 de 1889 j tivesse reunido as provncias sob a condio de Estados Unidos do Brasil, a forma federativa foi constitucionalizada em 1891. A capital era o Distrito Federal, com sede na cidade do Rio de Janeiro. aqui que surge a ideia de se levar a capital do pas para o planalto central. O art. 3 assim o disps:Art. 3 - Fica pertencendo Unio, no planalto central da Repblica, uma zona de 14.400 quilmetros quadrados, que ser oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal.

A partir da CF/1891, deixamos de ser um Estado unitrio centralizado. Os estados federados passaram a ter autonomia para legislar e administrar seus territrios. Alguns at adotaram o bicameralismo, como foi o caso de So Paulo e de Pernambuco, que possuam a Cmara dos Deputados Estaduais e o Senado Estadual.

Como se disse, a repblica era a nova forma de governo, e a monarquia foi afastada do poder e banida do territrio brasileiro. Com ela se foi tambm o Poder Moderador e a concepo de Benjamim Constant. Na nossa segunda Constituio, as ideias de Montesquieu prevaleceram, e a tripartio dos Poderes foi adotada.

Curiosidade: A Famlia Real s iria poder retornar ao Brasil em 1920, quando houve a revogao de seu banimento pelo decreto 4.120 de 3 de setembro de 1920.

Pg. 12 - Os trs Poderes

O Poder Executivo era exercido por um Presidente, eleito diretamente pelo povo. Todavia, somente os homens acima de 21 anos votavam.

O Poder Legislativo era comandado pela Cmara dos Deputados e pelo Senado Federal, tendo os parlamentares mandato de 3 e 9 anos, respectivamente. Fixou-se, assim, o bicameralismo federativo, com uma casa iniciadora e outra revisora.

O Poder Judicirio, por sua vez, passou a ter um rgo mximo independente, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Outro detalhe importante que, com a Constituio de 1891, no havia mais religio oficial no Brasil. O Pas, agora, era laico, leigo ou no confessional. Em virtude disso, algumas prticas mudaram: era proibido o ensino religioso nas escolas pblicas; os cemitrios eram administrados pela autoridade municipal e no mais pela Igreja; no existia mais o padroado (direito de o imperador intervir nas nomeaes de bispos e de alguns cargos eclesisticos), bem como o recurso Coroa para atacar as decises dos Tribunais Eclesisticos. Houve, portanto, a separao total entre Igreja e Estado.

Pg. 13 - Direitos Fundamentais

Sobre os direitos fundamentais, podemos dizer que eles foram aprimorados, extinguindo-se algumas penas cruis, como a de gals (trabalhos forados), a de banimento e a de morte. Esta persistiu apenas na legislao militar em tempo de guerra.

A garantia dohabeas corpusfoi constitucionalizada pela primeira vez, no art. 72, 22: Dar-se- ohabeas corpussempre que o indivduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violncia ou coao por ilegalidade ou abuso de poder.

Pela abrangncia do dispositivo, criou-se em nosso pas a denominada Teoria brasileira dohabeas corpus, pois esse remdio constitucional no protegia apenas a liberdade de locomoo, mas qualquer direito fundamental.

Em vista disso, em 1926, por meio da Emenda Constitucional n. 1, ohabeas corpusfoi restringido apenas liberdade de locomoo. Veja como ficou, poca, a nova redao do dispositivo: Dar-se- o habeas corpus sempre que algum sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violncia por meio de priso ou constrangimento ilegal em sualiberdade de locomoo.

Pg. 14 - Concluso da unidade 2

A Constituio de 1891 vigorou at 1930, sofrendo apenas uma reforma em 1926, momento em que as faculdades e direitos do governo central perante os estados foram ampliados. Na prxima unidade do nosso curso estudaremos os fatos que determinaram o fim da Repblica Velha, a revogao desse ordenamento jurdico e a promulgao de um novo texto constitucional, o de 1934.

Unidade 3 A Constituio de 1934, a Carta de 1937 e a Constituio Democrtica de 1946

Pg. 2 - Constituio de 1934

As experincias constitucionais brasileiras A Constituio de 1934, a Carta de 1937 e a Constituio Democrtica de 1946

Chegou a vez de sabermos um pouco sobre as Constituies de 1934, de 1937 e de 1946. A de 34 marca o fim da Primeira Repblica ou Repblica Velha e o incio de um novo perodo, que interrompido pelo golpe de Getlio Vargas, em 1937. O novo regime instaurado por Getlio, o Estado Novo, de cunho autoritrio, se estendeu at 1946, quando houve a redemocratizao do pas. Vamos ao estudo.

Constituio de 1934

As principais causas para a extino da Repblica Velha, que perdurou de 1889 a 1930, podem ser associadas a dois fatores:

1) domnio das oligarquias mineiras e paulistas (o termo oligarquia significa governo de poucos); e

2) ruptura eleitoral do ento presidente Washington Lus, que no respeitou o acordo da poltica do caf com leite.

Pg. 3 - Eleies

Como se sabe, por esse acordo os paulistas e os mineiros se alternavam na presidncia da Repblica. Porm, nas eleies de 1929, ao invs de indicar o candidato mineiro, Antnio Carlos Ribeiro de Andrada, Washington Lus apoiou o governador paulista, Jlio Prestes. Em contrapartida, Antnio Carlos posicionou-se em favor do gacho Getlio Vargas, candidato pela Aliana Liberal, para as eleies de 1930.

Apesar de eleito, Jlio Prestes no tomou posse. A Revoluo de 1930, liderada pelos militares gachos e deflagrada depois do assassinato de Joo Pessoa, fez com que Getlio Vargas assumisse o poder, por meio de um governo provisrio.

Nesse perodo, a Constituio de 1891 foi revogada, e o Congresso Nacional dissolvido. Getlio Vargas governava por decretos. Paralelamente, foram nomeados interventores em todos os estados da federao, exceto em Minas Gerais, estado do governador Antnio Carlos, que apoiara Getlio.

Mesmo com avanos em algumas reas na poca do Governo Provisrio, a exemplo do Cdigo Eleitoral, que trouxe o sufrgio universal, direto e secreto, englobando o voto feminino, e vrias garantias trabalhistas (descanso semanal remunerado, frias remuneradas, licena-maternidade e jornada de trabalho mxima de 8 horas dirias), vivamos, na prtica, sob o domnio de uma s pessoa, e no possuamos, ainda, uma Constituio.

Pg. 4 - Assembleia Constituinte

Em virtude disso, um movimento revolucionrio reivindicava a convocao de Assembleia Nacional Constituinte com o intuito de elaborar a nova constituio. Ficou conhecido como Revoluo Constitucionalista de So Paulo. Os conflitos iniciaram-se em 9 de julho de 1932, estendendo-se at outubro desse mesmo ano.

Mesmo tendo massacrado os paulistas, Getlio Vargas se viu obrigado a convocar a Assembleia Constituinte, pois seno perderia sua legitimidade. Fala-se que, embora vitorioso na guerra, Getlio fracassou politicamente.

Dessa forma, a Constituio de 1934 promulgada aps intensos movimentos revolucionrios e num contexto mundial de profunda crise do capitalismo. A quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque evidencia a depresso do modelo

liberal. Ao lado disso, a recente industrializao, surgida com a Primeira Guerra Mundial, deixa uma grande classe de operrios sem emprego.

Diante desse quadro, a nossa terceira Constituio teve grande nfase social, sofrendo influncias da Constituio Alem de 1919 (Constituio de Weimar), que tambm possua a mesma preocupao. A Carta de 1934 marca uma importante transio do nosso constitucionalismo, que passa a garantir os direitos sociais ou direitos de segunda gerao, como por exemplo os direitos trabalhistas, o direito sade e educao e o direito de greve. Alm, claro, dos j consagrados direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos: liberdade, igualdade perante a lei, direito vida e propriedade).

Pg. 5 - Estado Social de Direito

Passamos, assim, do Estado Liberal ou Estado de Direito para o Estado Social de Direito, em que o Estado assume sua responsabilidade perante a sociedade e deve garantir o mnimo para que as pessoas possam viver uma vida digna.

Outras caractersticas podem ser citadas sobre o texto constitucional de 1934:

a) o sufrgio universal, direto e secreto, abrangendo o voto feminino;

b) a forma republicana foi mantida;

c) a capital da Repblica manteve-se no Distrito Federal, com sede no Rio de Janeiro (havia a previso de transferncia da capital para um ponto central do pas).

Continuamos a ser um pas laico, sem religio oficial, mas esta caracterstica foi amenizada, visto que a Constituio de 1891 havia sido muito severa sobre o tema. Dessa maneira, o casamento religioso voltou a produzir efeitos civis, e o ensino religioso em escolas pblicas se tornou facultativo.

Pg. 6 - Justia Eleitoral

Criou-se a Justia Eleitoral, a Justia do Trabalho e as Comisses Parlamentares de Inqurito (CPIs), e previu-se, pela primeira vez, o Mandado de Segurana e a Ao Popular, importantes mecanismos para garantir direitos fundamentais.

Havia a tripartio de Poderes. No entanto, instalou-se no Poder Legislativo Federal o que muitos chamam de bicameralismo desigual ou unicameralismo imperfeito, pois ele era exercido pela Cmara dos Deputados com a colaborao do Senado Federal. Assim, o Senado Federal no detinha o mesmo status da Cmara, sendo um mero colaborador.Apesar de alguns defeitos, o texto de 1934 representou importante avano nas reas da educao e da economia, bem como no campo social. Assista ao vdeo abaixo, que ilustra esse tema.

Pg. 7 - Constituio de 1937

Constituio de 1937

Com a eleio de Getlio Vargas para governar durante o perodo de 1934 a 1938, comeou a haver uma forte disputa entre dois movimentos nacionais. De um lado, o da direita fascista, que defendia um estado autoritrio, inspirado nas ideias de Mussolini, representado pela Ao Integralista Brasileira (AIB); e, de outro, a Aliana Nacional Libertadora (ANL), movimento de esquerda que apoiava ideias socialistas e comunistas e pretendia combater o fascismo nacional.

Em 11 de julho de 1935, quatro meses aps a criao da ANL, o Governo a fechou, sob a alegao de que essa aliana era ilegal em vista da Lei de Segurana Nacional. Paralelamente, para evitar o avano comunista, Getlio Vargas decretou o estado de stio, inviabilizando uma insurreio poltico-militar que objetivava derrub-lo e instalar o comunismo, a denominada Intentona Comunista.

Porm, o estopim desse quadro histrico foi a descoberta do famoso Plano Cohen, que novamente pretendia derrubar Getlio. Foi descoberto pelo Estado-maior do Exrcito e veiculado em rdio nacional. Como pretexto para salvar o Brasil do comunismo, Getlio Vargas decreta o golpe de estado e fecha o Congresso Nacional.

http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/plano-cohen-uma-fraude-para-manter-vargas-no-governo.htm

Pg. 8 - Carta de 1937

Na sequncia, Getlio outorga (impe) a Carta de 1937, iniciando o que chamou de Estado Novo. Essa constituio foi elaborada por Francisco Campos e teve o apelido de Polaca, em virtude da influncia da constituio polonesa fascista e autoritria de 1935.

Apesar de ter estabelecido em seu art. 187 que seria submetida a plebiscito nacional, isso nunca aconteceu. Sua caracterstica principal foi o autoritarismo, tendo sido fechado o Parlamento, e o Judicirio passou a ser controlado pelo Executivo.

Para se ter uma ideia, o art. 170 da Carta de 1937 disps quedurante o estado de emergncia ou o estado de guerra, dos atos praticados em virtude deles no podero conhecer os Juzes e Tribunais.Isso equivalia a dizer que por mais atrozes que fossem as condutas de militares, o cidado no poderia levar isso ao conhecimento de nenhum juiz. Vivamos numa tripartio apenas formal dos Poderes, pois na prtica apenas o Poder Executivo comandava o Pas.

Igualmente, a federao tambm sofreu limitaes. O Governo nomeou interventores nos estados federados, diminuindo sua capacidade de se autogovernar. A forma federativa era apenas nominal, no existia de fato.

Pg. 9 - Modificaes da Constituio de 1934

Houve retrocesso em algumas criaes da Constituio de 1934, como o caso da Justia Eleitoral, que foi extinta. Da mesma forma, os partidos polticos foram dissolvidos pelo Decreto-lei n. 37 de 1937. A eleio para Presidente da Repblica passou a ser indireta.

No entanto, a rea mais afetada foi a dos direitos fundamentais. Veja algumas dessas modificaes:

a) retiraram-se do texto constitucional o Mandado de Segurana e a Ao Popular;

b) o princpio da irretroatividade das leis no mereceu muita ateno;

c) estabeleceu-se a censura prvia, restringindo-se o direito liberdade de manifestao do pensamento, e todos os jornais ficaram obrigados e inserir comunicaes do Governo, quando assim fosse necessrio;

d) previu-se a pena de morte para crimes polticos e quando se tratasse de homicdio cometido por motivo ftil;

e) a greve era proibida.

Ao arrepio da Constituio, a tortura era utilizada como forma de represso, a exemplo do que aconteceu com Olga Benrio, mulher do comunista Lus Carlos Prestes. O filme Olga ilustra bem esse fato. Ela foi entregue e, posteriormente, assassinada em um campo de concentrao nazista, na Alemanha. Est disponvel o trailer:

Pg. 10 - Retrocessos e Avanos

Como se v, esse momento foi muito duro para a histria brasileira, sobretudo sob o ponto de vista dos direitos individuais. Mas em razo da forma populista de governo, podemos dizer que houve avanos nos campos trabalhista e industrial. desse tempo a criao de importantes empresas estatais: a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Companhia Hidroeltrica do So Francisco (1945) e a Companhia Siderrgica Nacional, que comeou a operar em 1946.

O Brasil s viria a ser redemocratizado em 1946, aps uma contradio na politica adotada por Vargas, como veremos a seguir.

Pg. 11 - Constituio de 1946

Constituio de 1946

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O Estado Novo se prolongou de 1937 a 1946, sendo que Vargas governou, efetivamente, desde o Governo Provisrio, instalado em 1930. No total, foram mais de quinze anos de Era Vargas. Como se viu, a poltica interna se baseava em ideias da direita fascista e se norteava pelo autoritarismo, configurando-se como uma verdadeira ditadura.

Porm, com o incio da 2 Guerra Mundial, o Brasil declarou guerra aos pases do Eixo (a Alemanha nazista, a Itlia fascista e o Japo), combatendo, assim, do lado dos Aliados (EUA, URSS, China, Frana e Inglaterra).

Numa clara contradio entre a poltica interna (ditadura Vargas nazifascista) e a poltica externa (apoio aos pases que queriam destruir as ditaduras nazifascistas), foi publicado o Manifesto dos Mineiros, que evidenciava esse quadro controverso.

Tendo perdido apoio e entrado em crise poltica, Getlio Vargas se viu obrigado a convocar eleies para a Presidncia do Brasil. Por meio da Lei Constitucional n. 9, de 1945, ele o faz e comea a corrida das eleies.

Pg. 12 - Nova Carta

Embora tenha surgido o movimento queremismo, que, em sntese, significava queremos Getlio, ele no foi eleito. Alguns fatos, como a substituio do chefe de polcia do Distrito Federal pelo seu irmo, fez com que Getlio Vargas fosse expulso do poder pelas Foras Armadas, mais especificamente pelos Generais Gis Monteiro e Gaspar Dutra. Pensava-se que ele poderia dar um novo golpe e se perpetuar no poder.

O Executivo passou a ser exercido pelo Presidente do STF, Jos Linhares, at que o General Gaspar Dutra foi eleito para chefiar o pas, a partir de 1946. Antes disso, a Lei Constitucional n. 13, de 1945, atribuiu poderes constituintes ao Parlamento, para que este elaborasse outra constituio.

A nova Carta foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e teve o importante papel de redemocratizar o Brasil. Dentre as principais mudanas, destaque-se que os direitos fundamentais voltaram a ter a proteo adequada, sendo que o Mandado de Segurana e a Ao Popular foram recolocados no diploma constitucional. Vedou-se a pena de morte, salvo em tempo de guerra e de acordo com a legislao militar. Reconheceu-se o direito de greve.

Pg. 13 - Nova Capital e concluso da unidade 3

A forma federativa do Estado foi consagrada, afastando-se os interventores dos estados. A capital da Repblica permaneceu no Rio de Janeiro at sua mudana para Braslia, no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), efetivando o disposto no art. 4 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias da CF/46.

Assim dizia o referido dispositivo:

Art. 4 - A Capital da Unio ser transferida para o planalto central do Pais.

1 - Promulgado este Ato, o Presidente da Repblica, dentro em sessenta dias, nomear uma Comisso de tcnicos de reconhecido valor para proceder ao estudo da localizao da nova Capital.

2 - O estudo previsto no pargrafo antecedente ser encaminhado ao Congresso Nacional, que deliberar a respeito, em lei especial, e estabelecer o prazo para o incio da delimitao da rea a ser incorporada ao domnio da Unio.

3 - Findos os trabalhos demarcatrios, o Congresso Nacional resolver sobre a data da mudana da Capital.

4 - Efetuada a transferncia, o atual Distrito Federal passar a constituir o Estado da Guanabara.

Assim, a Constituio de 1946 deu ao Brasil as bases necessrias para construir um pas democrtico. Todavia, devido ao conhecido Golpe de 64, mergulhamos num dos perodos mais conturbados de nossa histria. Como veremos na prxima unidade, a Constituio de 1967, emendada pela EC n. 1/69, assemelhou-se em muitos pontos Carta de Vargas, representando um retrocesso poltico e social para os brasileiros.

Unidade 4 A Constituio do perodo militar e a redemocratizao do pas com a Constituio de 1988

Pg. 2 - Constituio de 1967

Estudaremos, agora, as duas ltimas constituies do Brasil. A de 1967, que sofreu uma importante emenda em 1969 e vigorou durante a ditadura militar. E a de 1988, hoje vigente, que simbolizou a volta do Brasil para o Estado Democrtico e, mais do que isso, a evoluo de nosso constitucionalismo para a construo de espao aberto ao debate.

Sendo assim, comecemos pelos fatos que antecederam a criao da CF/1967.

Constituio de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1, de 1969

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou dividido em dois grandes blocos: a parte capitalista, liderada pelos EUA, e a parte socialista, chefiada pela ex-URSS (Unio das Repblicas Socialistas Soviticas). Essas potncias ajudavam na reconstruo dos pases destrudos pela guerra e, paralelamente, exerciam sua influncia para a garantia de poder e comando sobre tais territrios.

Nessa poca, o Brasil se vinculou ao mundo capitalista, tendo, inclusive, recebido algumas multinacionais para explorar o mercado nacional. Alis, especialmente a partir da dcada de 50, que desnacionalizou segmentos importantes da economia nacional, como a rea do petrleo, tal poltica econmica ficou conhecida como entreguismo.

Pg. 3 - Volta do presidencialismo

Nesse passo, havia no Pas um esprito de caa aos comunistas, devido ideologia adotada por nosso governo. Todavia, na presidncia de Jnio Quadros comea a haver um desemparelhamento com o bloco norte-americano. O governo brasileiro comea a travar relaes com a China e com a ex-URSS, expoentes do mundo comunista.

Perdendo apoio tanto da direita quanto do centro, Jnio Quadros renuncia. Em seu lugar, assumiria o vice-presidente Joo Goulart, que no momento da renncia estava na China. As Foras Armadas queriam impedir que Jango, como ficou apelidado, assumisse a presidncia, e tentaram impedir seu retorno ao Brasil.

Para contornar a situao, o Congresso Nacional aprovou um regime parlamentarista, em que Joo Goulart ficaria como chefe de Estado e Tancredo Neves seria o chefe de Governo. Esse sistema, no entanto, foi rejeitado pela populao, que, em plebiscito, escolheu a volta do presidencialismo (6 de janeiro de 1963).

Dessa forma, Joo Goulart voltou a ocupar a chefia do Poder Executivo, sob o sistema presidencialista, e, por ter um vis populista, coordenou as Reformas de base. Nessas reformas, o presidente Jango permitiu que os analfabetos votassem, iniciou a reforma agrria, limitou a remessa de capital ao exterior e deu grande incentivo educao.

Pg. 4 - Atos Institucionais

Apesar de ter ampla aprovao do operariado, a classe mdia, assim como a Igreja, no via com bons olhos essa poltica populista. Nesse contexto, em 31 de maro de 1964, acusado de estar a servio do comunismo internacional, Joo Goulart derrubado do poder pelos militares.

Em seguida, constitudo oSupremo Comando da Revoluopelos militares vitoriosos General Costa e Silva, Brigadeiro Francisco Correa de Melo e Almirante Augusto Rademaker. Esse Supremo Comando, no exerccio do Poder Executivo, baixou os famososAtos Institucionais (AI), que governariam o pas at a imposio da Carta de 1967.

Pg. 5 - Texto de 1967

Em sntese, de 1964, quando houve o golpe de Estado, at 1967, quando a Constituio foi outorgada, o Brasil foi regido por Atos Institucionais. A Constituio de 1946 existia apenas formalmente. Ela foi revogada, em definitivo, no dia 15 de maro de 1967, data em que passou a viger o novo texto constitucional.

Dentre as caractersticas mais marcantes do texto de 1967, podemos destacar o centralismo poltico, que significou o fim do federalismo. Experimentamos, praticamente, um estado unitrio, em que os estados federados no possuam muita autonomia.

A Tripartio dos Poderes tambm no existiu na prtica, pois o Executivo foi extremamente fortalecido, esvaziando a competncia dos demais Poderes. O Presidente governava mediante a edio de Decretos-Lei, fazendo do parlamento um mero coadjuvante. Some-se a isso o fato de que as eleies presidenciais eram indiretas e se davam pelo Colgio Eleitoral.

Pg. 6 - AI-5

Mas foi com o AI-5 que a Ditadura deixou seu maior legado, ao restringir, violentamente, os direitos fundamentais do indivduo. Por ele, o Presidente poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Cmaras dos Vereadores, sendo que, nesse perodo, ele assumiria as funes desses rgos.

O AI-5 tambm permitia ao Presidente intervir nos Estados e nos Municpios, sem as limitaes previstas na Constituio. O chefe do Executivo tambm poderia decretar o confisco de bens de todos aqueles que tivessem enriquecido de maneira ilegal, no exerccio de cargo ou funo pblica, bem como suspender os direitos polticos de quaisquer cidados, pelo prazo de 10 anos.

Conforme o art. 10 do Ato, a garantia dehabeas corpusfoi suspensa nos casos de crimes polticos contra a segurana nacional, a ordem econmica e social e a economia popular. E, de forma mais autoritria, excluiu da apreciao judicial os atos praticados em acordo com seus comandos.

Pg. 7 - Golpe dentro do golpe

Percebe-se, portanto, que o estado autoritrio instalado ofendia os direitos individuais e gerava descontentamento por parte dasociedade civil. Outros setores tambm se mostravam insatisfeitos com o Governo Militar, como foi o caso do Deputado carioca Moreira Alves, que, em 1968, sustentou no haver nada a se comemorar no Dia da Independncia, pois vivamos sob o domnio (e dependncia) dos militares.

Nesse meio tempo, no fim de agosto de 1969, o presidente Costa e Silva adoece e sua substituio se faz necessria. No entanto, seu vice, Pedro Aleixo, que fora contra o AI-5, descartado pelos militares.

Num golpe dentro do golpe, os militares assumem o poder. Eles editam o AI-12, que permite a uma Junta de Militares governar o pas enquanto Costa e Silva estivesse afastado por motivos de sade. Em seguida, editam a EC n 1/69, acrescentando alguns pontos importantes na CF/67. Vejamos alguns detalhes dessa Emenda.

Pg. 8 - Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969

Como dissemos no incio da Unidade 2, discute-se se esta Emenda no configuraria uma nova Constituio, j que ela fruto de um poder revolucionrio, que afasta da presidncia quem deveria assumi-la (o vice-presidente Pedro Aleixo), e outorga um novo diploma constitucional.

Certamente, essa viso pode ser defendida, pois a EC 1/69 constitucionalizou o uso dos Atos Institucionais, que j regulavam o pas, alm de ter mantido em vigor os Atos j baixados. Aumentou, tambm, o mandato do Presidente para 5 anos. No entanto, ela no revogou expressamente a CF/67, mantendo, inclusive, vrios pontos de seu texto.

O estudante precisa ficar atento a essa discusso, sempre lembrando que colocamos o nome Emenda Constitucional para respeitar o que se sucedeu na histria constitucional brasileira.

E como conseguimos superar o estado autoritrio? Como passamos sociedade que atualmente vivemos, sob os princpios de um Estado Democrtico? isso que veremos no tpico adiante.

Pg. 9 - Governos Militares

Durante o regime militar, mais especificamente no governo do General Emlio Mdici, experimentamos o milagre econmico (perodo de 1968 a 1973). Houve um crescimento econmico muito grande, mas custa do endividamento nacional. E por ter sidoa classe mdia a privilegiada,as classes mais pobres no foram beneficiadas com esse milagre.

No governo de Ernesto Geisel (1974-1979), as consequncias da poltica econmica adotada na administrao anterior foram aparecendo e passamos por um perodo de inflao acelerada e crise econmica acentuada. Acrescente-se a isso a crise internacional do petrleo, que tambm atingiu o Brasil.

Mesmo assim, Geisel no modificou seus projetos de desenvolvimento (era preciso mostrar ao povo que o Governo Militar ia bem), deixando o pas com uma dvida externa altssima. Diante disso, os militares foram perdendo apoio e temiam que alguns movimentos de oposio se insurgissem contra eles.

dessa poca a edio da famosa Lei Falco, que reduziu a propaganda poltica, com o intuito de minar as possibilidades da oposio. Houve, tambm, o conhecido Pacote de Abril de 1977, elaborado por Geisel, que, dentre outras coisas, aumentou o mandato do presidente para 6 anos. Ele pretendia fazer um caminho para a democracia, mas seria lento e gradual.

Pg. 10 - Movimentos sociais

Mesmo tentando se manter no poder, os militares no tinham apoio popular. Vivamos sob a censura, a tortura e sequestros de artistas e intelectuais. Nasceram alguns movimentos que criticavam essa estrutura, como o caso da Tropiclia.

H um site que traz informaes interessantes sobre esse movimento. H fotos, vdeos, biografias etc. Vale a pena visit-lo:http://tropicalia.com.br

Em 1978, tentando contornar algumas controvrsias, edita-se o Pacote de Junho, que, em resumo, revoga o famigerado AI-5, suspende as decises que cassaram os direitos polticos de alguns cidados e prev a impossibilidade de o Presidente da Repblica suspender os trabalhos do Congresso Nacional. Era o incio da redemocratizao do pas.

Outros fatos denotam o avano do Brasil para o caminho democrtico. O primeiro deles a Reforma Partidria de 1979 (Lei n. 6.767/1979), que reinstitui o pluripartidarimo. Antes, havia apenas os partidos ARENA (Aliana Renovadora Nacional, de situao) e MDB (Movimento Democrtico Brasileiro, de oposio). Depois da Reforma, a Arena passou a se chamar PDS e o MDB se desmembrou em cinco novos partidos: PMDB, PP, PT, PDT e PTB.

Pg. 11 - Diretas j

Tambm como passo rumo democratizao, podemos citar o estabelecimento de eleies diretas para governador dos Estados e o movimento Diretas J, que pretendia tornar diretas as eleies para Presidente da Repblica. A Proposta de Emenda Constitucional n. 5/83 PEC Dante de Oliveira, como ficou chamada encabeou essa tentativa. Todavia, mesmo tendo imenso apoio popular, ela foi rejeitada.

Nas eleies indiretas de 1985, Tancredo Neves eleito o primeiro civil depois de um longo perodo de governo s de militares. Suas promessas eram de estabelecer a Nova Repblica, baseada num governo democrtico.

Porm, ele adoeceu e faleceu, no chegando a tomar posse como presidente. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, Jos Sarney, que tambm era civil. Ele cumpriu a promessa de Tancredo e instituiu uma Comisso de Notveis (Comisso Afonso Arinos), para elaborar um anteprojeto de Constituio.

Alis, a Emenda Constitucional n. 26 de 1985 determinou que fosse convocada uma Assembleia Nacional Constituinte com o fim de elaborar a nova Constituio do pas. O curioso dessa emenda que ela no pretendia modificar, e sim eliminar, a Constituio a que se refere (a CF/67, emendada pela EC n. 1/69). Por essa razo, no razovel pensarmos que ela configura Emenda Constitucional. Enquadra-se, com maior propriedade, como ato poltico revolucionrio, aos moldes do que acontecera com a EC n. 1/69, s que com vis democrtico.

Pg.12 - Constituio de 1988

O Presidente, no entanto, rejeitou o texto apresentado pela Comisso, sobretudo em razo de ela ter optado pelo regime parlamentarista de governo. Cumprindo o mandamento da EC n. 26, instala-se a Assembleia Constituinte em 1 de fevereiro de 1987, composta por 559 Congressistas, sendo que o grupo majoritrio era do Centro Democrtico, tambm conhecido como Centro, apoiado pelo Executivo e defensor de ideias mais conservadoras.Aps intensas discusses, vrioslobbiese brigas polticas, a recm-elaborada constituio foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, pelo presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimares. Ele a denominou de Constituio Cidad, pois o povo pode contribuir para sua elaborao, por meio de propostas populares. Alm disso, ela inaugurou um novo pas, erguido sob o Estado Democrtico de Direito e que devia respeito sua Lei Maior.A nova Constituio fixou eleies diretas para Presidente da Repblica, cujo mandato ficou estabelecido em 4 anos (por fora da Emenda Constitucional de Reviso n. 5, de 1994, que alterou a previso constitucional original, com mandato de 5 anos para Presidente). Esta regra tambm ficou sendo obrigatria para Estados-membros, Municpios e Distrito Federal. O primeiro presidente eleito segundo a CF/88 foi Fernando Collor de Melo, que, pressionado por denncias de corrupo e j aberto contra ele um processo deimpeachment, renuncia ao cargo em 29 de dezembro de 1992 envolvido em escndalos de corrupo.

Pg. 13 - Redemocratizao

Com a CF/88, a forma republicana e o sistema presidencialista de governo foram consolidados. Isso ocorreu especialmente aps o plebiscito (consulta popular) de 21 de abril de 1993, que confirmou a escolha da populao por esses mecanismos de administrao pblica.

Por sua vez, o federalismo foi reestabelecido e os entes da federao voltaram a ter autonomia poltica, administrativa e financeira. Foi criado o estado de Tocantins e transformados em estados federados os antigos Territrios Federais de Roraima e Amap. Ao lado disso, a ilha de Fernando de Noronha deixou de pertencer Unio (era territrio federal, foi extinto) e passou para o domnio do estado de Pernambuco.

No entanto, devemos ressaltar que ainda h muitos resqucios de centralismo poltico, em que a Unio detm uma ampla gama de competncias administrativas e legislativas, como se pode ver pela leitura dos arts. 20 a 23 do atual texto constitucional.

Continuamos a ser um pas laico, sem religio oficial, e ter a capital do pas em Braslia. A redemocratizao trouxe de volta a tripartio real dos Poderes, que, conforme o art. 2, so independentes e harmnicos entre si. No mbito do Poder Judicirio, criou-se o Superior Tribunal de Justia (STJ), competente para uniformizar o entendimento dos magistrados no tocante s aes que se fundamentem em lei federal. Dessa forma, O STF passou a cuidar das matrias estritamente constitucionais.

Pg. 14 - Direitos fundamentais do indivduo

O Poder Legislativo exercido pelo Congresso Nacional, formado pelo Senado Federal e pela Cmara dos Deputados, representantes dos Estados-membros e do povo, respectivamente. Estabeleceu-se, enfim, o bicameralismo paritrio ou igualitrio, em que uma casa legislativa no se sobrepe outra.

Enfim, no podemos deixar de anotar que foi com a Constituio Cidad que os direitos fundamentais do indivduo foram consolidados em nosso ordenamento. Alguns at de forma indita, como, por exemplo, o fato de o racismo e a tortura terem se tornado crimes inafianveis; e a possibilidade de impetrarhabeas datapara assegurar o conhecimento de informaes relativas pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de carter pblico ou para a retificao de dados, quando no se prefira faz-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo (art. 5, inciso LXXII).

O tema dos direitos fundamentais ser analisado com mais detalhes no Mdulo 3. Por ora, devemos ter em mente que a CF/88 representou uma quebra de paradigma com o sistema anterior (CF/67), pois alou os direitos fundamentais como centro do ordenamento jurdico, tendo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

Pg. 15 - Concluso do Mdulo I

Ao lado dadignidade da pessoa humana, adotamos como fundamentos, ainda, asoberania(internamente, traduz-se na ideia de que ningum superior ao Estado, e, externamente, significa que todos os pases so iguais entre si), acidadania(na qual o sujeito possui o direito e o dever de intervir na ordem poltica em que se insere, tanto elegendo seus representantes como contribuindo para melhorar a sociedade), osvalores sociais do trabalho e da livre iniciativa,e opluralismo poltico(rompendo com a ordem anterior, que se baseava no bipartidarismo e no repdio diversidade poltica).

Esta a redao do art. 1 da CF/88:

Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo poltico.

Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.

Assim, vimos que nossa histria constitucional passou por avanos e retrocessos. Conseguimos superar estados autoritrios e progredir na proteo do indivduo e da coletividade.

preciso levar em considerao que nossa Carta Maior sempre sofrer mudanas, pois a realidade social fluida e est, constantemente, em transformao. Carta atual j se incluram dezenas de Emendas Constitucionais. Mesmo assim, necessrio proteger seus fundamentos, pois so eles que norteiam o esprito democrtico e sustentam a construo de uma sociedade melhor.

MDULO II Elementos de Teoria da Constituio

Pg. 2 - Prembulo, corpo e normas transitrias

Aps termos estudado toda a travessia histrica de nossas constituies, analisaremos a estrutura da atual, a Constituio de 1988. Seu texto dividido em trs partes: prembulo, corpo e normas transitrias. Veja o quadro abaixo:

Prembulo

INTRODUO

Ttulo I Dos Princpios Fundamentais (arts. 1 a 4)

CORPO OU PARTE CENTRAL

Ttulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais (arts. 5 a 17)

Ttulo III Da Organizao do Estado (arts. 18 a 43)

Ttulo IV Da Organizao dos Poderes (arts. 44 a 135)

Ttulo V Da Defesa do Estado e das Instituies Democrticas (arts. 136 a 144)

Ttulo VI Da Tributao e do Oramento (arts. 145 a 169)

Ttulo VII Da Ordem Econmica e Financeira (arts. 170 a 192)

Ttulo VIII Da Ordem Social (arts. 193 a 232)

Ttulo IX Das Disposies Constitucionais Gerais (arts. 233 a 250)

Ato das Disposies Constitucionais Transitrias ADCT (arts. 1 a 97)

NORMAS TRANSITRIAS

Nota-se, inicialmente, uma profunda mudana em relao estrutura da constituio anterior, a de 1967, emendada pela EC n. 1/69. Essa carta constitucional, que vigorou durante o perodo militar, tinha a caracterstica de ser autoritria. Sua estrutura era baseada na organizao do Estado e de suas instituies, havendo uma centralizao de poder nas mos dos militares.

Pg. 3 - Direitos Fundamentais do Cidado

Por sua vez, os Direitos Fundamentais do Cidado localizavam-se aps toda a organizao administrativa do Estado. Somente com a CF/88, os direitos fundamentais foram antepostos Organizao do Estado, significando que so mais importantes que esta.

Observe como era a CF/1967:

Prembulo

INTRODUO

Ttulo I Da Organizao Nacional (arts. 1 a 144)

CORPO OU PARTE CENTRAL

Ttulo II Da Declarao de Direitos (arts. 145 a 159)

Ttulo III Da Ordem Econmica e Social (arts. 160 a 174)

Ttulo IV Da Famlia, da Educao e da Cultura (arts. 175 a 180)

Ttulo V Das Disposies Gerais e Transitrias (arts. 181 a 217)

NORMAS TRANSITRIAS

E por que o legislador de 1988 fez essa opo?

Primeiramente porque, ao instituir um Estado Democrtico de Direito, centrado na dignidade da pessoa humana, como afirma o art. 1, inciso III, os direitos fundamentais tinham que vir em primeiro plano.

Em segundo lugar, podemos afirmar que o constituinte brasileiro de 1988 adotou o pensamento jusnaturalista de Jean-Jacques Rousseau. Para esse pensador, o homem, desde quando vivia isoladamente, possua direitos inseparveis de sua condio humana. Por um instinto de se juntar a outros homens, estabeleceu com eles um contrato hipottico, originando o Estado.

Assim, uma vez que os direitos do indivduo j existiam antes do Estado, funo deste proteger tais direitos e no o contrrio. Por essa razo, a CF/88 posicionou os direitos fundamentais antes dos elementos que o organizam

Pg. 4 - Prembulo

Mas h um item singular e comum entre as duas constituies (de 1967 e de 1988). Ambas apresentam um texto introdutrio, chamado de prembulo. Qual a sua funo, j que ele no integra o corpo normativo da Lei Fundamental?

Muito se discute se esse texto introdutrio teria eficcia jurdica ou seria apenas um texto para inspirar a norma que se inaugura. Vejamos o que diz o prembulo da CF/88:

PREMBULO

Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Embora no seja norma jurdica capaz de disciplinar direitos e deveres, o prembulo possui a importante tarefa de demonstrar a posio ideolgica de um Estado, situando-se na rea da poltica. Na Constituio de 1967, por exemplo, o prembulo era bem curto e se limitava a dizer: O Congresso Nacional, invocando a proteo de Deus, decreta e promulga a seguinte CONSTITUIO DO BRASIL.

Pg. 5 - Constituio promulgada

A Constituio Cidad de 1988, ao romper com o paradigma militar, quis deixar claro, logo de incio, todos os motivos que nortearam a configurao desse novo Estado. Tambm a Constituio Francesa de 1791, elaborada durante a Revoluo Francesa, que pretendia abolir os privilgios do clero e da nobreza, caractersticos do Regime Absolutista (Antigo Regime), tinha um prembulo extenso, contendo a Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado.

O prembulo um elemento natural de Constituies feitas em momento de ruptura histrica ou de grande transformao poltico-social.

Jorge Miranda

O prembulo, portanto, a antessala das normas constitucionais propriamente ditas. H, ainda, mais um detalhe contido ao final de seu texto que deve ser observado: a palavra promulgamos. Dizer que uma constituio foi promulgada significa, em regra, que houve participao popular em sua elaborao, que ela no fruto da vontade de um governante ou de um grupo detentor do poder. Ela no foi imposta sociedade, mas aprovada por ela, por meio de representantes eleitos para comporem uma Assembleia Nacional Constituinte.

Pg. 6 - Outorgada x Promulgada

Na nossa histria, trs constituies foram impostas ou outorgadas: a imperial de 1824, a getulista de 1937 e a militar de 1967, apesar de nesta ltima conter a palavra promulgamos. As demais foram de fato promulgadas (1891, 1934, 1946 e 1988). Veja que, nestas, a imagem democrtica da Constituio traduzida pela intensa participao popular, enquanto naquelas a figura do constituinte se resume a uma pessoa ou a um pequeno grupo de pessoas.

Aps o prembulo, esto as normas constitucionais. Como se v, elas compem um corpo normativo que no homogneo. Umas tratam dos princpios fundamentais, outras dos direitos e deveres dos cidados. H as que regulam a ordem econmica e financeira e as que disciplinam a defesa do Estado e das Instituies Democrticas.

Por essa razo, diz-se que h normasmaterialmente constitucionais, quando abordam temas ligados estruturao do Estado e aos direitos fundamentais, e normasformalmente constitucionais, que, apesar de estarem inseridas no texto da Constituio, no tratam de temas essencialmente constitucionais. A Constituio de 1988 formal, pois elege como norma constitucional tudo aquilo que compe seu texto e que submetido a uma determinada forma de elaborao, no importando seu contedo.

No entanto, no podemos deixar de alertar o estudante para o fato de que essa diviso entre norma constitucional material e norma constitucional formal discutvel, pois o contedo das constituies vem, naturalmente, sendo ampliado, tornando intil essa fragmentao. As constituies tm adotado como fundamental no somente a estrutura do Estado e os direitos fundamentais, mas tambm, por exemplo, os fins e objetivos que elas perseguem.

Pg. 7 - Concluso da unidade 1

Nesse sentido, vivenciamos um momento de expanso constitucional, isto , cada vez mais h assuntos sendo inseridos no texto constitucional como elemento essencial. A CF/88 , genuinamente, uma Carta extensa, por no se limitar a regular a estrutura do Estado e os direitos fundamentais, ao contrrio de constituies sintticas ou resumidas, como a dos EUA, que se restringem queles assuntos.

Para finalizar esta unidade, cabe uma palavra sobre o ADCT. Embora seja denominado de Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, ele tem o mesmo valor de norma constitucional e se destina a regular as situaes que ficam transitando entre a ordem jurdica passada e a atual. Isso denota o cuidado do constituinte com os fatos j consolidados, sendo mais um fator de legitimao da Constituio perante a sociedade.

Unidade 2 Poder Constituinte: a elaborao da Constituio, sua transformao e a relao com a ordem jurdica anterior

Pg. 2 - Questes

Na unidade passada, vimos como a Constituio estruturada. Agora, precisamos saber quem o responsvel pela sua elaborao. Tentaremos responder algumas perguntas, que inevitavelmente aparecero. Por exemplo:

Como o texto constitucional se mantm atualizado e a quem atribudo o dever de atualizao?

possvel modificar o sentido de uma norma constitucional, sem mudar seu texto?

Os estados federados possuem Constituio? Quem a elabora?

Como ficam as situaes que eram regidas pelo ordenamento jurdico anterior?

Esses e outros questionamentos sero abordados no decorrer desta unidade, que se inicia esclarecendo o que o Poder Constituinte.

Pg. 3 - Poder Constituinte

O Poder Constituinte a fora de se constituir algo. Quando nos referimos a ele na rea do Direito, estamos falando do poder de se formular ou atualizar uma Constituio, que o documento que cria e organiza o Estado. Este, por sua vez, uma pessoa poltica abstrata formada pelo povo de um determinado territrio, que decide se unir de forma organizada para atingir um determinado fim ou bem comum.

Assim, conclumos, primeiramente, que quem tem o poder de constituir um Estado o povo. E ele quem tem a titularidade do poder de elaborar a Constituio que reger o Estado por ele formado.

Mas nem todos os cidados exercem essa titularidade. Quem elabora, realmente, a Constituio uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita pelo povo com o fim nico de escrever o texto. So os primeiros representantes do povo. Nos regimes autoritrios, no entanto, o prprio governante ou os detentores do poder escrevem a Carta Constitucional e a outorgam sociedade, no havendo um colegiado eleito para tanto.

Quando nos referimos ao Poder Constituinte que elabora a Constituio estamos falando do Poder Constituinte Originrio, pois ele d origem a um novo Estado, criando uma nova ordem jurdica.

Pg. 4 - Poder Constituinte Originrio

Seja nos momentos em que o texto constitucional vigente no mais condiz com as realidades sociais, seja nas horas em que a sociedade clama por mudanas mais profundas, o Poder Constituinte Originrio rompe com a ordem anterior e inaugura uma nova.

O Poder Constituinte Originrio possui algumas peculiaridades:

a) inicial e autnomo, na medida em que a nova constituio ser estruturada livremente, de acordo com os anseios de quem exerce este poder;

b) ilimitado juridicamente, pois no precisa respeitar os limites traados pelo direito anterior;

c) um poder de fato e um poder poltico, ao se identificar como verdadeira fora social, na qual a ordem jurdica passa a existir a partir de sua manifestao.

Apesar de o Poder Constituinte Originrio ser autnomo, a correntejusnaturalistadefende que h alguns direitos naturais que so indissociveis do homem e, mesmo o onipotente Poder Constituinte Originrio, no poderia suprimi-los. Na verdade, preciso que os representantes escolhidos pelo povo para elaborar a nova Carta Constitucional se faam identificar com os desejos dos representados, pois somente assim se materializa o legtimo exerccio do Poder Constituinte Originrio.

Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e no obtm a adeso dos cidados, no exerce poder constituinte originrio, mas age como rebelde criminoso.

Gilmar Ferreira Mendes

Caso voc, estudante, tenha interesse em se aprofundar na compreenso do contexto social vigente poca da criao do texto constitucional de 1988, sugerimos a leitura do artigo do Professor Perissinotto (2010), disponvel naBibliotecadeste curso, em 'Textos complementares'.

Pg. 5 - Poderes Constituintes derivados

Elaborada a Constituio, o Poder Constituinte Originrio sai de cena e entram os outros poderes institudos por ele, que estaro presentes durante o perodo em que vigorar o novo texto.

Existem trs poderes constituintes que so derivados do originrio:

Poder Constituinte derivado

reformador;

Poder Constituinte derivado

recorrente; e

Poder Constituinte derivado

revisor.

A seguir, passaremos ao estudo de cada um deles, que possuem, em comum, a caracterstica de estarem limitados e condicionados aos parmetros colocados pelo Poder Constituinte Originrio.

Pg. 6 - Poder Reformador

OPoder Constituinte Derivado de Reforma ou Reformador aquele responsvel por modificar a Constituio, por meio de um procedimento especfico, determinado pelo originrio, sem que seja necessrio abandonar o texto vigente e convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte. O cotidiano da sociedade faz com que ela reveja alguns pontos da Constituio e deseje alter-los, aperfeioando a regulamentao de determinada matria.

O Poder reformador ocorre por meio das Emendas Constitucionais, reguladas no art. 60 da CF/88. A Constituio coloca alguns limites para seu exerccio. H limitaes expressas, como a necessidade de qurum qualificado de 3/5 e votao em dois turnos, em cada Casa do Congresso, assim como iniciativa de, pelo menos, um tero dos membros da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal. Outra limitao expressa refere-se s matrias que no podem ser objeto de modificao, as chamadasclusulas ptreas, que esto no 4 do art. 60.

Pg. 7 - Artigo 60

Para contextualizarmos, leia o art. 60 em sua ntegra:

Art. 60. A Constituio poder ser emendada mediante proposta:

I - de um tero, no mnimo, dos membros da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da Repblica;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federao, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

1 A Constituio no poder ser emendada na vigncia de interveno federal, de estado de defesa ou de estado de stio.

2 A proposta ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, trs quintos dos votos dos respectivos membros.

3 A emenda Constituio ser promulgada pelas Mesas da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo nmero de ordem.

4 No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e peridico;

III - a separao dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

5 - A matria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada no pode ser objeto de nova proposta na mesma sesso legislativa.

Pg. 8 - Modificar normas constitucionais

H, tambm, limitaes implcitas, como a impossibilidade de se violar as limitaes expressas ou alterar o titular do poder constituinte.

Como se v, o Poder Constituinte Originrio enumerou algumas condies para que a Constituio fosse modificada, demonstrando, na ocasio em que foi desenvolvida, a preocupao com a manuteno dos valores democrticos.

Uma questo que se apresenta neste momento a seguinte: o procedimento para se alterar as normas da constituio o mesmo para se alterar as normas de uma lei infraconstitucional? A resposta simples, mas esclarece um ponto interessante para ns.

O constituinte estabeleceu um procedimento mais complexo e difcil para alterar as normas constitucionais porque pretendeu que a Constituio fosse mais estvel que as outras normas, no podendo ser modificada facilmente. Some-se a isso o fato de a Constituio estar no pice do ordenamento jurdico, servindo de fundamento para as demais leis.

Pg. 9 - Reflexo

Por essa razo, dizemos que nossa Constituio, quanto ao critrio da estabilidade, classificada como rgida, pois estabelece um maior grau de dificuldade para mudar as normas constitucionais. No lado oposto, esto as constituies flexveis, em que no h um processo legislativo mais rgido para alterar o texto constitucional. Nesse caso, o mesmo trabalho para se alterar a constituio ou as normas infraconstitucionais. Dessa maneira, no h hierarquia entre normas constitucionais e normas legais (infraconstitucionais). Um exemplo tpico de Constituio flexvel a da Inglaterra.

Para finalizar o estudo do Poder Reformador, cabe refletir sobre uma instigante questo: possvel reduzir a maioridade penal de 18 anos para 16 anos, j que, aparentemente, trata-se de um direito fundamental individual (clusula ptrea)?

A matria controversa e suscita intensos debates. H quem defenda o carter absoluto da norma e, por isso, no se poder restringi-la. Outros dizem que o termo abolir, usado no 4 do art. 60, refere-se situao que extingue por completo um direito, o que no o caso. Ademais, para os que defendem a possibilidade de reduo da maioridade penal, uma pessoa j plenamente capaz de entender seus atos aos dezesseis anos, e tanto assim que est autorizada a votar, nos termos do art. 14, 1, alneac, da CF/88.

Pg. 10 - Poder Decorrente

J oPoder Constituinte Derivado Decorrente aquele conferido aos Estados-membros para que estruturem suas respectivas Constituies Estaduais. Uma vez que vivemos sob a forma federalista de Estado, os entes federados detm capacidade para se auto-organizarem tanto no mbito administrativo quanto nas reas judiciria e legislativa, sendo que o exerccio desse poder foi concedido s Assembleias Legislativas Estaduais. Isso traduz o esprito do art. 1 da CF/88, que estabelece ser o Brasil uma RepblicaFederativa, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal.

Do mesmo modo que o poder de reforma, o Poder Decorrente est submetido aos princpios adotados pela Constituio Federal. O art. 25 confirma essa ideia, ao dizer que Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituies e leis que adotarem,observados os princpios desta Constituio.

Tais princpios esto espalhados por todo o texto constitucional, mas podemos citar, dentre outros, os seguintes:

as Constituies estaduais devem observar a forma federativa e o princpio republicano do Estado;

no podem suprimir direitos fundamentais enumerados na Constituio Federal;

no esto autorizadas a invadir competncia assegurada Unio, sob pena de inconstitucionalidade;

devem respeitar as regras do processo legislativo federal, adaptando as normas s peculiaridades estaduais;

tm que seguir os princpios oramentrios estabelecidos na CF/88.

Pg. 11 - Estados e municpios

Cabe indagar: somente os Estados podem elaborar suas Constituies? Isto : o Poder Derivado Decorrente foi conferido apenas aos Estados-membros, ou/e o DF ou os Municpios tambm o possuem?

Esta matria tambm polmica e h quem defenda que o DF foi dotado de tal poder, apesar de sua vinculao parcial Unio, pois a formulao de sua Lei Orgnica (Constituio Distrital) est fundamentada diretamente na CF/88, mais especificamente no art. 32, que autoriza o ente a elabor-la. O Ministro Carlos Ayres Britto, do STF, afirmou, alis, que o Distrito Federal est bem mais prximo da estruturao dos Estados-membros do que da arquitetura constitucional dos Municpios, mesmo o DF legislando tanto em matrias estaduais quanto em matrias municipais.

No entanto, em relao aos Municpios, no h que se falar em Poder Derivado Decorrente, porque seu fundamento no decorre direta e exclusivamente da Constituio Federal. Na verdade, o art. 29 nos diz que as Leis Orgnicas Municipais atendero os princpios da CF/88 e das Constituies estaduais que lhe disserem respeito, construindo, dessa forma, um poder decorrente de terceiro grau, o que no configura aquele tipo de Poder.

Pg. 12 - Poder Revisor

Em terceiro lugar, h oPoder Constituinte Derivado Revisor. Esse poder, tambm institudo pelo Poder Originrio, teve o objetivo de revisar a Constituio aps cinco anos de sua promulgao, mediante um procedimento mais simplificado do que aquele estabelecido para se propor Emendas Constitucionais. Assemelha-se ao Poder Reformador em quase tudo, exceto no que se refere ao fato de no mais poder ser exercido, devido eficcia esgotada da norma que o instituiu.

Alm desses trs poderes mencionados, no podemos deixar de citar um outro poder, implcito na sociedade e que pode ser denominado comopoder constituinte difuso. Ele se manifesta por meio das mutaes constitucionais, sendo um poder espontneo e fruto das mudanas sociais. Por meio dele, algumas expresses da Constituio, embora permaneam com o mesmo texto, ganham um novo ou mais amplo significado.

Um bom exemplo seria o termo casa, constante do art. 5, XI, que, no decorrer dos anos, passou a abranger, tambm, outros locais por exemplo: o estabelecimento comercial, o escritrio de contabilidade, o quarto de hotel ocupado, o escritrio de advocacia e o consultrio mdico.

Pg. 13 - Relao: Constituio vigente e Ordem Jurdica anterior

Para encerrarmos esta unidade, preciso analisar a relao que existe entre a Constituio vigente e a Ordem Jurdica anterior. Basicamente, dois fenmenos podem ocorrer:

1) uma determinada norma, publicada antes da Constituio atual, pode ser com ela compatvel e, desta forma, ser recepcionada pela nova ordem jurdica; ou

2) uma outra norma, tambm anterior a Constituio vigente, pode no ser compatvel com os valores da nova ordem jurdica e, por esta razo, dever ser revogada neste caso, no se fala que a lei inconstitucional, pois somente pode-se falar em inconstitucionalidade em relao a atos normativos publicados aps uma determinada Constituio.

Assim, podemos ter arecepode normas compatveis com a nova ordem constitucional e arevogaodas normas que com ela no forem compatveis. A deciso sobre esse assunto cabe aos juzes no julgamento de casos concretos. No entanto, possvel haver uma deciso que valer de maneira uniforme para todos, quando a matria for submetida ao Supremo Tribunal Federal.

Nesse contexto foi que se revogou a Lei de Imprensa. Uma vez que a lei data de 1967, ela deveria ser analisada mediante ao prpria que possibilitasse o exame de sua recepo ou revogao diante da CF/88. O Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a favor, decidiu derrubar a lei diante de sua incompatibilidade com a democracia.

Pg. 14 - Deciso dos Ministros

Dentre as razes que nortearam a deciso dos Ministros, podemos citar: penas mais severas na Lei do que as existentes no Cdigo Penal, denotando seu carter autoritrio (enquanto a Lei de Imprensa previa para o crime de calnia uma pena mxima de trs anos de deteno, o Cdigo Penal prev dois anos; para a injria, a lei previa um ano e o Cdigo, seis meses; e para a difamao, a lei estabelecia 18 meses e o Cdigo, um ano); e restries liberdade de imprensa (a Lei permitia a apreenso de jornais e revistas que ofendessem a moral e os bons costumes e a punio para quem vendesse ou produzisse esses materiais).

No pode haver lei dispondo sobre o tamanho e a durao do exerccio da liberdade de expresso.

"A atual Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num prolongado perodo autoritrio da nossa histria de Estado soberano, conhecido como 'anos de chumbo' ou 'regime de exceo'."

Ministro Carlos Ayres Britto

E como ficam os direitos adquiridos durante a vigncia de uma Constituio que, subitamente, foi substituda por outra? Direitos adquiridos, em resumo, so aqueles que j foram integrados ao patrimnio material ou imaterial de uma pessoa, por esta ter cumprido os requisitos necessrios para tanto, seja legais ou contratuais, podendo exigir a obrigao relacionada dentro de um tempo hbil.

Ultimamente, o Judicirio tem entendido que as novas regras possuem retroatividade mnima, isto , no afetam por completo as obrigaes de um negcio jurdico j consolidado no passado. Influenciam to somente as parcelas que esto por vir, como foi o caso das penses que eram vinculadas ao salrio mnimo. A CF/88 desvinculou, no art. 7, IV, o salrio mnimo para qualquer fim. Sua aplicao foi imediata, mas no modificou as prestaes j vencidas.

Pg. 15 - Concluso da unidade 2

Lembramos, no entanto, que o Poder Constituinte Originrio autnomo e ilimitado juridicamente, podendo superar direitos eventualmente adquiridos, mesmo que isso signifique deslegitimao perante a sociedade. As regras para se aposentar formam um exemplo emblemtico, pois, de tempos em tempos, so modificadas no sentido de atrasar a aposentadoria de um cidado que acaba de ingressar no mercado de trabalho, mas procuram resguardar o direito daqueles que j esto h algum tempo na vida laboral, estabelecendo, para eles, regras especiais.

O mesmo no ocorre com as Emendas Constitucionais (fruto do Poder Constituinte Derivado Reformador) e as leis e atos infraconstitucionais, que devem respeitar a regra dairretroatividade da lei(lei aqui deve ser entendida em sentido amplo, significando toda espcie normativa), segundo a qual a lei s se aplica para os fatos posteriores ao incio de sua vigncia. Caso tais leis usurpem direitos adquiridos, devem ser consideradas inconstitucionais.

Unidade 3 Breves noes sobre controle de constitucionalidade das leis

Pg. 2 - Introduo

Nesta unidade, procuraremos passar ao aluno as noes bsicas sobre o tema do controle de constitucionalidade. No entraremos em detalhes tcnicos e em discusses jurdicas profundas. Todavia, alguns debates importantes no sero deixados de lado.

Pois bem, o controle de constitucionalidade o meio pelo qual as leis e os atos normativos em geral so fiscalizados em relao sua compatibilidade com a Constituio Federal. Vale dizer: a um determinado rgo compete dizer se determinada lei est em consonncia com a Lei Maior de um pas (que no caso do Brasil e de vrios pases do mundo, a Constituio).

Desse conceito simples possvel extrair algumas ideias importantes que justificam a existncia e a necessidade de se proceder a tal controle. Primeiramente, preciso lembrar que a estrutura do nosso ordenamento jurdico foi construda segundo um verdadeiro escalonamento normativo, sendo que as normas superiores servem de fundamento de validade para as normas inferiores.

Nessa verdadeira pirmide normativa, a Constituio Federal ocupa o vrtice e dela emanam os princpios e as regras que devem ser seguidos para a elaborao das demais leis.

Pg. 3 - Hans Kelsen

Mas qual o fundamento de validade da Lei Maior, j que ela norma matriz de todas as outras?

Na viso do jurista Hans Kelsen, que edificou toda essa ideia de Constituio em sentido estritamente jurdico e baseada num escalonamento normativo, a Constituio tira sua validade de uma norma hipottica, situada no no plano do direito posto, mas no mbito do direito suposto, abstrato, hipottico.

Por isso, defende que a norma fundamental hipottica, que oferece os parmetros para norma fundamental concreta, situa-se no planolgico-jurdico, ao passo que a Constituio propriamente dita, situa-se no planojurdico-positivo(do direito posto).

Do fato de a Constituio ocupar o ponto mais alto de um ordenamento, decorre o princpio daSupremacia da Constituio, segundo o qual os atos inferiores devem ser com ela compatveis.Assim, podemos afirmar que, para existir o controle de constitucionalidade, pressupe-se um ordenamento jurdico escalonado, em que um ato normativo superior serve de validade para o inferior, sendo que a Constituio a norma hierarquicamente superior s demais.

Aliados a esses pressupostos, alguns requisitos tambm se fazem presentes para justificar o controle. Nessa linha, preciso que a Constituio seja rgida, vale dizer, possua um processo de alterao mais rduo do que o processo de alterao das normas no constitucionais, e haja um rgo responsvel (competente) para realizar o controle de constitucionalidade.

Pg. 4 - Sistema de controle de constitucionalidade

Como vimos, a nossa Constituio rgida e estabeleceu, no art. 102, inciso I, a competncia para o Supremo Tribunal Federal julgar as aes que pretendam exercer o controle de constitucionalidade. Dentre algumas, h a Ao Direta de Inconstitucionalidade (Adin), e a Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Dessa forma, o Brasil possui hoje um sistema de controle de constitucionalidade moderno e abrangente.

Mas sempre foi assim?

No. Durante todo o perodo do Brasil imperial, que se estendeu de 1822 a 1889, no havia qualquer meio de controle de constitucionalidade das leis pelo Judicirio. Nessa poca, consagrou-se o dogma dasoberania do Parlamento, conforme o qual somente o rgo Legislativo era capaz de compreender o real significado da norma. Some-se a isso o fato de haver o Poder Moderador, conferido ao Monarca, que desempenhava o papel de coordenao e equilbrio entre os demais Poderes.