APOSTILA DIREITO DE FAMILIA Comentários ao Artigo 1647 CC

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  1 MAT E RIAL DEAPOIO DIRETO CVIL DIRETO DEFAMÍLIA Apostila 03 Prof. Pablo Stolze Gagliano 1.  Comentários ao art. 1647, CC  O art, 1647 do Código Civil merece referência especial: Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (grifos nossos) I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - plei tear, como autor ou réu, acerca desses bens ou dir eit os; III - prestar fiança ou aval; (i novaç ão legal) IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. Note-se que, mesmo casados no regime de participação final nos aquestos, a anuência do outro cônjuge faz- se necessária (ressalvado, claro, suprimento judicial ou se os cônjuges houverem dispensado a necessidade de outorga, no pacto antenupcial art. 1.656, C C ). eve ser entendido como separação convencional, ou seja, escolhida no pact o ant enupci al (nesse sent i do, NE LS O N NER Y J R. e R O S A MAR IA DE ANDR ADENE R Y , Novo C ódi go C ivil e Legislação Extravagante Anotados, SP, RT, 2002). Isso porque, na obrigatória, é mais razoável exigir-se a outorga, considerando-se a necessidade de se beneficiar ou proteger o outro cônjuge, por conta da aplicação da S. 377, STF, estudada na apostila anterior.

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MATERIAL DEAPOIO

DIRETO CVIL

DIRETO DEFAMÍLIA

Apostila 03

Prof. Pablo Stolze Gagliano

1.  Comentários ao art. 1647, CC 

O art, 1647 do Código Civil merece referência especial:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto

no regime da separação absoluta: (grifos nossos)

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval; (inovação legal)

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia

separada.

Note-se que, mesmo casados no regime de participação final nos aquestos, a anuência do outro cônjuge faz-

se necessária (ressalvado, claro, suprimento judicial ou se os cônjuges houverem dispensado a necessidade de

outorga, no pacto antenupcial art. 1.656, CC).

eve ser entendido como separação convencional, ou seja, escolhida

no pacto antenupcial (nesse sentido, NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DEANDRADENERY, Novo Código Civil e

Legislação Extravagante Anotados, SP, RT, 2002).

Isso porque, na obrigatória, é mais razoável exigir-se a outorga, considerando-se a necessidade de se

beneficiar ou proteger o outro cônjuge, por conta da aplicação da S. 377, STF, estudada na apostila anterior.

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Nesse sentido, recente acórdão do STJ:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ANULATÓRIA DE AVAL - OUTORGA CONJUGAL PARA CÔNJUGES CASADOS SOB O REGIME

DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DEBENS - NECESSIDADE- RECURSO PROVIDO.

1. É necessária a vênia conjugal para a prestação de aval por pessoa casada sob o regime da separação

obrigatória de bens, à luz do artigo 1647, III, do Código Civil.

2. A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão

econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis)

decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em

vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens

adquiridos onerosamente na constância do casamento.

3. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n.

377/ STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é

de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/ marital para os negócios jurídicos previstos

no artigo 1647 da lei civil.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1163074/ PB, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/ 12/ 2009, DJe

04/ 02/ 2010)

doutrina.

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a

denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato

praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedadeconjugal.

Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular,

autenticado.

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Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem

suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.

Em conclusão, vale transcrever a S. 332 do STJ, referente à fiança prestada pelo cônjuge:

A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

(CORTEESPECIAL, julgado em 05.03.2008, DJ13.03.2008 p. 1)

2.  União Homoafetiva1 

Correntes existentes no Brasil:

a)  trata-se de entidade familiar O art. 226 da CF é uma norma geral de inclusão, não sendo admissível

excluir-se uma relação estável calcada na afetividade (PAULO LOBO). Deve-se reconhecer direitos de

família (alimentos) e sucessórios (herança)2;

b)  trata-se de mera sociedade de fato, regida pela Direito Obrigacional (S. 380, STF).

Os ministros do Supremo Tribunal Federal, em 2011, reconheceram a união homoafetiva como forma de

família:

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável paracasais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral daRepública e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou nosentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723do Código Civi l que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

1

Ver DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: 2005, Livraria doAdvogado, págs. 191 e ss. IMPORTANTE: O tema “união homoafetiva” é visto em outragrade do Curso.2 O próprio TSE consagrou entendimento avançado: Registro de candidato. Candidatura aocargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município.Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, àsemelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento,submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal.Recurso a que se dá provimento. (TSE – Resp Eleitoral 24564 – Viseu/PA – Rel. Min. GilmarMendes – j. 01/10/2004).

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O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtudede sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua

observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto,com o inciso IV do artigo 3º da CF.

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello eCezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam oentendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de darinterpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civilque impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações o procurador-geral daRepública e o governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu representante , o advogado-geral daUnião e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae  (amigos da Corte).

Ações 

A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração dereconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que osmesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nasuniões entre pessoas do mesmo sexo.

Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, o governo do Estado do Rio deJaneiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais comoigualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana,todos da Constituição Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniõesestáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Riode Janeiro.

Fonte: http:/ / www.stf.jus.br/ portal/ geral/ verImpressao.asp acessado em 22 de junho de 2011. Vale anotar

ainda que o STJ, julgando o Recurso Especial 1183378/ RS, aceitou a habilitação de um casamentohomoafetivo, o que aponta possível tendência futura.

Por fim, lembrando MARIA BRAUNER (in Direitos Fundamentais do Direito de Família, coordenado por Belmiro

Welter e Rolf Madaleno, Livraria do Advogado, 2004, págs. 267-268):

do conceito de cidadania, transpondo a barreira do interdito, buscando a afirmação da diferença a partir da

3.  Parentesco

Com base no pensamento de MARIA HELENA DINIZ, poderíamos dizer que o parentesco é a relação vinculatória

não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o

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cônjuge ou companheiro e os parentes do outro e entre adotante a adotado (Curso de Direito Civil Brasileiro

Direito de Família, Ed. Saraiva). Na mesma linha, poderá haver parentesco nas relações nascidas da

socioafetividade no campo da filiação.

O parentesco poderá ser:

a)  natural ou consangüíneo;

b)  por afinidade e

c)  civil.

Em sala de aula, desenvolveremos esses conceitos.3 

Entendemos, finalmente, ainda ser atual o entendimento do STJque não reconhece dever de alimentar entre

parentes por afinidade:

ALIMENTOS A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORREDA LEI, NÃO SE PODENDO AMPLIAR A PESSOAS POR ELA NÃO

CONTEMPLADOS. INEXISTEESSEDEVER EM RELAÇÃO A NORA.

(RMS .957/ BA, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09.08.1993, DJ23.08.1993 p.

16575)

11.924 de 2009:

LE Nº 11.924, DE17 DEABRIL DE2009. 

Altera o art. 57 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de1973, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar onome da família do padrasto ou da madrasta.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinteLei:

Art. 1o Esta Lei modifica a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 Lei de Registros Públicos, paraautorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta, em todo oterritório nacional.

Art. 2o O art 57 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar acrescido do seguinte §8o:

.....................................................................

3 Lembramos, no entanto, que a adoção é tratada em outra grade do curso, dedicada aoestudo do Direito da Criança e do Adolescente.

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.............................................................................................

§ 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá

requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seupadrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos deNR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 17 de abril de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVATarso Genro  

4.  Poder Familiar

Trata-se de um verdadeiro munus, consistente em um conjunto de poderes (direitos e deveres), exercitáveis

em prol do interesse existencial dos filhos.

Este poder familiar não se mantém em face de filhos maiores e capazes.

A esse respeito, leia-se interessante julgado do STJ:

Habeas Corpus. Internação involuntária em clínica psiquiátrica. Ato de particular. Ausência de provas e/ ou

indícios de perturbação mental. Constrangimento ilegal delineado. Binômio poder-dever familiar. Dever de

cuidado e proteção. Limites. Extinção do poder familiar. Filha maior e civilmente capaz. Direitos de

personalidade afetados.

- Éincabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável

para a constrição da paciente.

- Ainda que se reconheça o legítimo dever de cuidado e proteção dos pais em relação aos filhos, a internação

compulsória de filha maior e capaz, em clínica para tratamento psiquiátrico, sem que haja efetivamente

diagnóstico nesse sentido, configura constrangimento ilegal.Ordem concedida.

(HC 35.301/ RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.08.2004, DJ13.09.2004 p.

231)

Familiar.

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Éa nossa recomendação no seu estudo para concurso.

5.  Responsabilidade Civil nas Relações Afetivas

Trata-se de tema bastante polêmico, e que ganhou fôlego com a disciplina dos direitos da personalidade,

inaugurada pelo CCde 2002.

Sem pretender esgotar o raio da abrangência da matéria, poderíamos centrar o nosso esforço analítico na:

a)  resp. civil no casamento e na união estável;b)  resp. civil por abandono afetivo na filiação.

Sobre a primeira situação, o STJjá se pronunciou a respeito:

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento.

1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução

que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a

situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do

menor.2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral.

Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo

pela separação.

3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu

provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos

morais.

(RESP 37.051/ SP, Rel. Ministro NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.04.2001, DJ25.06.2001 p. 167)

Já o abandono afetivo na filiação, poderá, em nosso sentir, autorizar a aplicação dos princípios da

responsabilidade civil, s

Assim pensamos desde que se entenda que a indenização imposta ao pai ou mãe que abandona o seu filho,

em franco desrespeito ao dever legal de educação (que pressupõe amor) consiste em uma resposta que o

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novo Direito Civil dá, manifestando repulsa a este tipo de comportamento, violador do princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana.

Trata-se, em nosso sentir, de especial aplicação da teoria do desestímulo.

A função da indenização, pois, teria condão eminentemente pedagógico.

HIRONAKA a respeito do tema.

Infelizmente, no entanto, o STJnegou a aplicação da teoria, no campo da filiação:

RESPONSABILIDADECIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS.

IMPOSSIBILIDADE.

1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da

norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 757.411/ MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29.11.2005, DJ

27.03.2006 p. 299)

DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO AFETIVO.

POSSIBILIDADE. ART. 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/ CART. 22 DO ECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA.

- Caracterizado o abandono efetivo, cancela-se o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do Art. 395, II

do Código Bevilacqua, em conjunto com o Art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Se a mãe abandonou o filho, na própria maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio

poder.

(REsp 275.568/ RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DEBARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.05.2004, DJ

09.08.2004 p. 267)

E, no STF, a Min. Ellen Gracie, julgando o RE567164 (referente à responsabilidade civil por abandono afetivo),

negou-lhe seguimento:

Quarta-feira, 27 de Maio de 2009

Ministra arquiva recurso sobre abandono afetivo por não existir ofensa direta à Constituição 

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A ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou Recurso Extraordinário (RE 567164) em

que A.B.F. pedia ressarcimento por danos morais em razão de abandono familiar. Ele alegava ofensa aos

artigos 1º, 5º, incisos V e X, e 229 da Constituição Federal.

O autor questionava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que ao dar provimento a um recurso especial

concluiu, com base no artigo 159 do Código Civil de 1916, a inviabilidade do reconhecimento de indenização

por danos morais decorrente de abandono afetivo.

indenização por danos morais limita-se ao âmbito de interpretação de matéria infraconstitucional, inatacável

pertinente prevê punição específica, ou seja, perda do poder familiar, nos casos de abandono do dever de

guarda e educação dos filhos.

Assim, Ellen Gracie afastou a possibilidade de analisar o pedido de reparação pecuniária por abandono moral,

pois isto demandaria a análise dos fatos e das provas contidas nos autos, bem como da legislação

infraconstitucional que disciplina a matéria (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente), o que é

recursal considerados, respectivamente, o óbice da Súmula 279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta de

Ao citar parecer da Procuradoria Geral da República, a ministra asseverou que conforme o Código Civil e o ECA,daria a reavaliação do

seguimento (arquivou) ao recurso extraordinário.

EC/ LF

Fonte: http:/ / www.stf.jus.br/ portal/ cms/ verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=108739  acessado em 05 de

 julho de 2009

Nesse contexto, apenas sob o prisma teórico, e aprofundando a pesquisa: a perda do poder familiar imposta

ao pai que ignora moral e espiritualmente a sua prole seria, para ele, uma sanção ou um favor?...

Não seria o caso de o nosso Direito, no futuro, admitir a função social da responsabilidade civil em casos como

esse?

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Vale a pena refletir...

Eacompanhar o debate em torno do tema...

Em conclusão, vale registrar que o professor GUILHERMEDEOLIVEIRA, autoridade internacional em Direito de

Família, analisando o tema, conclui:

o

abandono afet ivo quer se traduza em descumprimento dos deveres jurídicos, quer integrados no poder

parental e que provoque danos não-patrimoniais na pessoa do filho pode dar lugar à obrigação de indenizar.

Como em qualquer outra ação de responsabilidade civil, é preciso provar o descumprimento, a culpa, o dano e

(Boletim iBDFAM 4 Setembro/ Outubro de 2006)

6. TEXTOS COMPLEMENTARES

6.1. DO PODER FAMILIAR 

Paulo Lôbo* (www.ibdfam.com.br) 

1. Poder familiar ou autoridade parental? 2. Conteúdo básico do poder familiar 3. Regulação do poder

familiar no novo Código Civil comparada com a do Código de 1916 4. A interpretação conforme com a

Constituição 6.

Titulares do poder familiar 7. Exercício do poder familiar 8. Suspensão do poder familiar 9. Extinção do

poder familiar

1. PODER FAMILIAR OU AUTORIDADEPARENTAL?

O poder familiar é a denominação que adotou o novo Código para o pátrio poder, tratado no Código de 1916.

Ao longo do século XX, mudou substancialmente o instituto, acompanhando a evolução das relações

famil iares, distanciando-se de sua função originária voltada ao exercício de poder dos pais sobre os fi lhos

para constituir um múnus, em que ressaltam os deveres.

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A denominação ainda não é a mais adequada, porque mantém a ênfase no poder. Todavia, é melhor que a

Adolescente (Lei n. 8.069/ 90),

somente derrogada com o novo Código Civil. Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos

últimos estertores deram-se antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído

o instituto apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar), pois a

mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do

filho, ou melhor, no interesse de sua realização como pessoa em formação.

Desafortunadamente, o novo Código não apreendeu a natureza transformada do instituto, mantendo

praticamente intacta a disciplina normativa do Código de 1916, com adaptações tópicas.

Ainda com relação à terminologia, ressalte-se que as legislações estrangeiras mais recentes optaram por

Direito de Família1, com as alterações substanciais promovidas pela Lei de 4 de março de 2002. O Direito de

Família americano tende a preferi-lo, como anota Harry D. Krause.2 Com efeito, parece-me que o conceito de

autoridade, nas relações privadas, traduz melhor o exercício de função ou de múnus, em espaço delimitado,

fundado na legitimidade e n

excelência que há entre pais e filhos, o grupo familiar, de onde deve ser haurida a legitimidade que

rmo tradicional.

A discussão terminológica é oportuna, pois expressa a mudança radical operada no instituto.4 Contudo, para

que se possa avançar na exposição do conteúdo, valer-me-ei, doravante, dos termos empregados pelo novo

Código.

2. CONTEÚDO BÁSICO DO PODER FAMILIAR

As vicissitudes por que passou a família, no mundo ocidental, repercutiram no conteúdo do poder familiar.

Quanto maiores foram a desigualdade, a hierarquização e a supressão de direitos, entre os membros da

família, tanto maior foi o pátrio poder e o poder marital. À medida que se deu a emancipação da mulher

casada, deixando de ser alieni juris, à medida que os filhos foram emergindo em dignidade e obtendo

tratamento legal isonômico, independentemente de sua origem, houve redução do quantum despótico,

restringindo esses poderes domésticos. No Brasil, foram necessários 462 anos, desde o início da colonização

portuguesa, para a mulher casada deixar de ser considerada relativamente incapaz (Estatuto da Mulher

Casada, Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962); foram necessários mais 26 anos para consumar a igualdade

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de direitos e deveres na família (Constituição de 1988), pondo fim, em definitivo, ao antigo pátrio poder e ao

poder marital.

A redução do quantum despótico do antigo pátrio poder foi uma constante, na história do Direito. O patria

potestas dos romanos antigos era muito extenso, ao início, pois abrangia o poder de vida ou morte, mas

gradativamente restringiu-se, como se vê em antigo aforismo, enunciando que o pátrio poder deve ser

exercido com afeição e não com atrocidade.5

A evolução gradativa deu-se no sentido da transformação de um poder sobre os outros em autoridade natural

com relação aos filhos, como pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e da convivência

familiar. Essa é sua atual natureza.

Assim, o poder familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus, concebido como encargo

legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a que se não pode fugir. O poder familiar

dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui, em virtude da circunstância da parentalidade, no

interesse dos filhos.6 O exercício do múnus não é livre, mas necessário no interesse de outrem. É, como diz

a situação de direito-dever; como fundamento da atribuição dos

poderes existe o dever de exercê-

Extrai-se do artigo 227 da Constituição o conjunto mínimo de deveres cometidos à família, a fortiori ao poder

familiar, em benefício do filho, enquanto criança e adolescente, a saber: o direito à vida, à saúde, à

alimentação (sustento), à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar. Evidentemente, tal conjunto de deveres deixa pouco espaço ao poder. São

deveres jurídicos correspectivos a direitos cujo titular é o filho.

3. REGULAÇÃO DO PODER FAMILIAR NO NOVO CÓDIGO CIVIL COMPARADA COM A DO CÓDIGO DE1916

O novo Código, nos arts. 1.630 a 1.638, manteve a disciplina normativa do Código anterior, adaptando-a aos

princípios determinantes na Constituição, notadamente quanto ao exercício conjunto do poder familiar pelo

pai e pela mãe, conforme já tinha antecipado o Estatuto da Criança e do Adolescente. O enunciado deficiente

da Lei do D

apenas atenuando a desigualdade entre os gêneros, foi expurgado de vez, na linha do estabelecido pelo ECA.

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13

Do confronto entre os dois textos (o antigo e o novo Códigos), chega-se à surpreendente conclusão de que a

estrutura legal do antigo pátrio poder foi mantida intacta, com modificações tópicas de redação. A ordem, a

seqüência e o conteúdo dos artigos permaneceram, como se a mudança da denominação e dos titulares (do

pai para o pai e a mãe) e a exclusão das referências a filhos ilegítimos fossem suficientes.

Houve, apenas, duas inclusões ao texto de 1916: a) outro tipo de extinção do poder familiar (por decisão

 judicial); b) outro tipo de perda do poder familiar, por ato judicial (incidir, reiteradamente, em falta aos

deveres inerentes aos pais).

Manteve-se o que já estava previsto com relação aos titulares do poder familiar, ao exercício e à

suspensão e extinção.

A alteração de monta foi a exclusão de toda a Seção III do Código de 1916, relativa ao pátrio poder quanto aos

bens dos filhos, transferida para o Título destinado ao Direito Patrimonial, na forma de Subtítulo II deste, com

matéria, todavia, diz respeito ao poder familiar. O novo Código mantém o usufruto legal dos bens dos filhos

em favor dos pais. A inclusão de artigo prevendo a representação dos filhos menores de 16 anos e a

assistência aos filhos entre 16 e 18 anos é de natureza pessoal, não se atendo apenas às questões de cunho

adquirir em virtude de qualquer atividade

profissional que desenvolva (art. 1.693).

4. A INTERPRETAÇÃO CONFORMECOM A CONSTITUIÇÃO

O princípio da interpretação conforme com a Constituição é uma das mais importantes contribuições dos

constitucionalistas nas últimas décadas. Consiste, basicamente, em explorar ao máximo a compatibi lidade

com a Consti tuição das normas infraconsti tucionais a ela anteriores ou supervenientes, e a partir dela. Apenas

deve ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma quando a incompatibilidade dela com a Constituição

for insuperável. Essa diretriz hermenêutica harmoniza-se com os princípios da presunção de

constitucionalidade das normas infraconstitucionais e da força normativa própria da Constituição. Mais

importante é a função que desempenha na interpretação do conteúdo das leis, que há de ser conformado,

delimitado e densificado pelos princípios e normas constitucionais. Assim, o Código há de ser interpretado,

sempre, a partir da Constituição. No passado e, infelizmente, na atitude de muitos aplicadores do Direito, a

operação hermenêutica encontrava-se invertida, pois a Consti tuição era t ida apenas como uma moldura, cujo

conteúdo era preenchido pelas leis e códigos. No que concerne aos princípios, a regra do art. 4.º da Lei de

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14

pois os princípios foram tidos como s

estes não são supletivos, mas conformadores da lei.

O advento do novo Código traz à baila essas demarcações conceituais, imprescindíveis à sua interpretação

adequada. Significa dizer que suas normas hão de ser interpretadas em conformidade com os princípios e

regras que a Constituição estabeleceu para a família no ordenamento jurídico nacional, animados de valores

inteiramente diferentes dos que predominavam na sociedade brasileira, na época em que se deu a redação

do capítulo relativo ao pátrio poder do Código de 1916, que, em grande medida, manteve-se no capítulo

destinado ao poder familiar para a família do século XXI. As palavras utilizadas pelo legislador de 1916,

reaproveitadas pelo legislador do novo Código, são apenas signos, cujos conteúdos deverão ser hauridos dos

princípios e regras estabelecidos pela Constituição.

5. REG

O ECA trata do poder familiar em duas passagens, a saber: a) no capítulo dedicado ao direito à convivência

familiar e comunitária, arts. 21 a 24; b) no capítulo dedicado aos procedimentos, relativamente à perda e à

suspensão do pátrio poder, arts. 155 a 163, que estabelecem regras próprias, uma vez que a legislação

processual é apenas supletiva.

As regras procedimentais do ECA permanecerão, pois o novo Código delas não trata nem é com elas

incompatível. No ECA são legitimados para a ação de perda ou suspensão do poder familiar o Ministério

 

-se a possibilidade de decretação liminar ou incidental da

suspensão do poder familiar, ficando o menor confiado a pessoa idônea (art. 157). A sentença que decretar a

perda ou suspensão será registrada à margem do registro de nascimento do menor (art. 163).

Quanto ao direito material, há convergência entre o novo Código e o ECA sobre o exercício conjunto pelo pai e

pela mãe, com recurso à autoridade judiciária para resolver as divergências. O Estatuto ressalta os deveres dos

pais, enquanto o novo Código, repetindo o anterior, opta pelas dimensões do exercício dos poderes, como

será demonstrado abaixo. No ECA há previsão de hipótese de perda do poder familiar não prevista no novo

Código, justamente voltada ao descumprimento dos deveres de guarda, sustento e educação dos filhos (arts.

22 e 24). Em suma, não se vislumbra antinomia (cronológica ou de especialidade) entre os dois textos legais,

não se podendo alvitrar a derrogação da lei anterior (ECA), salvo quanto à denominação pátrio poder,

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substituída por poder familiar. Como a menoridade, no novo Código, foi reduzida para até os 18 anos deixou

de haver divergência com o que o ECA denomina de criança (até 12 anos) e adolescente (até 18 anos) para

fins do poder familiar, passa a ser a denominação comum aos campos de aplicação de ambas as leis.

6. TITULARES DO PODER FAMILIAR

O novo Código es

à interpretação ligeira de serem os pais os únicos titulares ativos e os filhos os sujeitos passivos dele. Para o

cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar, os filhos são titulares dos direitos correspectivos.

Portanto, o poder familiar é integrado por titulares recíprocos de direitos.

O novo Código refere-se apenas à titularidade dos pais, durante o casamento ou a união

estável, restando silente quanto às demais entidades familiares tuteladas explícita ou implicitamente pela

Constituição. Ante o princípio da interpretação em conformidade com a Consti tuição, a norma deve ser

entendida como abrangente de todas as entidades familiares, onde houver quem exerça o múnus, de fato ou

de direito, na ausência de tutela regular, como se dá com irmão mais velho que sustenta os demais irmãos,

na ausência de pais, ou de tios em relação a sobrinhos que com ele vivem.8

O poder familiar, concebido como múnus, é um complexo de direitos e deveres. O poder familiar não é mais o

âmbito de competência delegada ou reconhecida pelo Estado para exercício de poder. Assim, a cada dever do

filho corresponde um direito do pai ou da mãe; a cada dever do pai ou da mãe corresponde um direito do

filho.

A convivência dos pais, entre si, não é requisito para a titularidade do poder familiar, que apenas se suspende

ou se perde, por decisão judicial, nos casos previstos em lei. Do mesmo modo, a convivência dos pais com os

filhos. Pode ocorrer variação de grau do poder familiar, máxime quanto ao que cumpre o dever de guarda,

mas isso diz respeito apenas ao seu exercício e não à titularidade.

O novo Código estabelece que havendo separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, o poder

familiar permanece íntegro, exceto quanto ao direito de terem os filhos em sua companhia (art. 1.631). No

art. 1.589, quando tratou da dissolução da sociedade conjugal, estabelece que o pai ou a mãe que não for

guardião poderá não apenas visitar os filhos mas os ter em suas companhias, bem como fiscalizar sua

manutenção e educação, que são características do poder familiar. Do mesmo modo, o art. 1.579 prescreve

que o divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. O direito (e dever) à

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companhia dos filhos, daquele que o reteve na separação, não exclui o do outro, na forma em que tiver sido

decidido, amigável ou judicialmente, no tocante ao chamado direito de visita. A tendência mundial, que

consulta o princípio do melhor interesse da criança, recomenda a máxima utilização da guarda compartilhada,

da manutenção da coparentalidade,9 de modo a que o filho sinta a presença constante de ambos os pais,

contrariamente ao interesse do filho, que deve ter assegurado o direito à companhia do pai ou mãe que não

seja o guardião. Em suma, o direito de um não exclui o direito do outro e o filho tem direito à companhia de

ambos. No caso da guarda compartilhada,10 por ser modo de preservação das relações familiares, entre pais

e fi lhos, tendo ambos os pais direitos/ deveres equivalentes, a regra de exclusão do novo Código não pode ser

aplicada.

Éimportante frisar que o novo Código revogou a norma contida no art. 10 da Lei n. 6.515/ 77, que atribuía a

guarda dos filhos ao cônjuge que não tivesse dado causa à separação judicial. Consequentemente, o filho

ficará sob a guarda de quem revelar melhores condições para exercê-la, afastando-se a odiosa regra da culpa

do pai ou da mãe.

capítulo

entendido como criança ou adolescente, segundo a distinção que o ECA faz.

O art. 1.633 do novo Código determina, repetindo essencialmente o Código anterior, que o filho não

que prevaleceu na Câmara dos Deputados. Se a mãe for desconhecida, diz a lei, o menor ficará sob autoridade

de tutor. Para haver tutela, todavia, ambos os pais devem ser desconhecidos. O disciplinamento do ECA sobre

desconhecimento dos pais, que permanece aplicável, é mais abrangente, pois não apenas se refere à tutela,

mas à colocação do menor em família substituta, mediante guarda, tutela ou adoção (art. 28).

Por ser dever, o poder familiar assegura ao menor o direito imprescritível ao reconhecimento do estado de

filiação (art. 27), exercitável contra os pais.

7. EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR

Conferindo ao instituto o atributo preferencial de poder, o novo Código reproduz, quase literalmente, as sete

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atribuídas aos pais, a saber: a) dirigir a educação e criação; b) ter direito de companhia e guarda; c) dar

consentimento para casar; d) nomear tutor; e) representar e assistir o filho nos atos da vida civil; f) retomar o

A leitura das hipóteses de exercício do poder familiar está a demonstrar que significam expressão do poder

doméstico, sem referência expressa aos deveres, que passaram à frente na configuração do instituto. O novo

Código é omisso quanto aos deveres que a Constituição cometeu à família, como acima foram destacados.

to, guarda e educação

permanece aplicável, pois aos poderes assegurados pelo novo Código somam-se os deveres fixados na

legislação especial e na própria Constituição. O dever de guarda não é inerente ao poder familiar, pois pode

ser atribuído a outrem.

Tenho por incompatível com a Constituição, principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa

humana (arts. 1.º, III, e 227), a exploração da vulnerabilidade dos filhos menores para submetê-

histórico diferente, no qual a família era considerada, também, unidade produtiva e era tolerada pela

sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados, com fins econômicos. A

interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicá-la em situações de colaboração nos

serviços domésticos, sem fins econômicos, e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos.

O induzimento ao menor para fugir do lugar em que se exercite o poder familiar constitui crime, sujeito a

pena de detenção de um mês a um ano, previsto no artigo 248 do Código Penal. Também constitui crime

subtrair o menor à autoridade de quem detém o poder familiar, sujeito à pena de detenção de dois meses a

dois anos (art. 248 do Código Penal). O crime considera-se agravado, com pena de reclusão de dois a seis

anos, se a subtração do menor, de quem detém o poder familiar, se der com intuito de colocá-lo

forçosamente em lar substituto.

8. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

O novo Código manteve, praticamente intactas, as hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar, salvo

o acréscimo de normas de remissão a outras de mesma natureza. A suspensão impede, temporariamente, o

exercício do poder familiar.

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São três as hipóteses de suspensão do poder familiar dos pais, a saber (art. 1.637): a) descumprimento dos

exceda a dois anos de prisão. As duas primeiras hipóteses caracterizam abuso do poder familiar.

Os deveres inerentes aos pais, ainda que não explicitados, são os previstos na Constituição, no ECA e no

próprio Código Civil, em artigos dispersos, sobretudo no que diz respeito ao sustento, guarda e educação dos

filhos. De modo mais amplo, além dos referidos, a Constituição impõe os deveres de assegurarem aos filhos

(deveres positivos ou comissivos) a vida, a saúde, a alimentação, o lazer, a profissionalização, a dignidade, o

respeito, a liberdade, a convivência familiar e comunitária, e de não submetê-los (deveres negativos ou de

abstenção) a discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A suspensão pode ser sempre revista, quando superados os fatores que a provocaram. No interesse dos filhos

e da convivência familiar, apenas deve ser adotada pelo juiz quando outra medida não possa produzir o efeito

desejado, no interesse da segurança do menor e de seus haveres.

9. EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

A extinção é a interrupção definitiva do poder familiar.

São hipóteses exclusivas: a) morte dos pais ou do filho; b) emancipação do filho; c) maioridade do filho; d)

adoção do filho, por terceiros; e) perda em virtude de decisão judicial.

A morte de um dos pais faz concentrar, no sobrevivente, o poder familiar. A emancipação dá-se por concessão

dos pais, mediante instrumento público, dispensando-se homologação judicial, se o filho contar mais de 16

anos. A natureza da adoção, que imita a natureza e impõe o corte definitivo com o parentesco original, leva

ao desaparecimento do poder familiar.

A perda por decisão judicial, por sua vez, depende da configuração das seguintes hipóteses: a) castigo

imoderado do filho; b) abandono do filho; c) prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; d)

reiteração de faltas aos deveres inerentes ao poder familiar. A quarta hipótese não existia no Código anterior.

Quanto ao castigo imoderado, por sua relevância, merece ser destacado abaixo. A moral e os bons costumes

são aferidos objetivamente, segundo standards valorativos predominantes na comunidade, no tempo e no

espaço, incluindo as condutas que o Direito considera ilícitas. Não podem prevalecer os juízos de valor

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subjetivos do juiz, pois constituiriam abuso de autoridade. Em qualquer circunstância, o supremo valor é o

melhor interesse do menor, não podendo a perda do poder familiar orientar-se, exclusivamente, no sentido

de pena ao pai faltoso.

Por sua gravidade, a perda do poder familiar somente deve ser decidida quando o fato que a ensejar for de

tal magnitude que ponha em perigo permanente a segurança e a dignidade do filho. A suspensão do poder

familiar deve ser preferida à perda, quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de

afetividade.

Como resquício do antigo pátrio poder, persiste na doutrina e na legislação a tolerância ao que se denomina

implicitamente o castigo moderado. O castigo pode ser físico ou psíquico ou de privação de situações de

prazer.

Deixando de lado as discussões havidas em outros campos, sob o ponto de vista estritamente constitucional

consistir violência à integridade física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa humana,

também oponível aos pais. O artigo 227 da Constituição determina que é dever da família colocar o filho

(criança ou adolescente) a salvo de toda violência. Todo castigo físico configura violência. Note-se que a

Constituição (art. 5.º, XLIX) assegura a integridade física do preso. Se assim é com o adulto, com maior razão

não se pode admitir violação da integridade física da criança ou adolescente, sob pretexto de castigá-lo.

Portanto, na dimensão do tradicional pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente o filho; na

dimensão do poder familiar fundado nos princípios constitucionais, máxime o da dignidade da pessoa

humana, não há como admiti-lo. O poder disciplinar, contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a

aplicação de castigos que violem a integridade do filho.

NOTA DERODAPÉ

1 Com influência no recente Código Civil da província canadense de Québec (1994), arts. 597 a 612. O artigo

699 refere-

francesa de 4 de março de 2002, cf. Claude Lienhard, Les Nouveaux Droits du Père, Paris: Delmas, 2002,

passim.

2 Family Law. St. Paul: West Publishing, 1991, p. 191.

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20

Rio de Janeiro: Fundação

Getúlio Vargas, 1986), forte em Max Weber, autoridade não se confunde com poder, que é a coação física ou

psíquica exercida sobre grupos ou indivíduos que a ela são forçados a se submeter. A autoridade pode ser

chamada de poder legítimo, pois é a ascendência sobre outros indivíduos, fundada na legitimidade.

4 Registre-

 

sugerida por Luiz Edson Fachin. FACHIN, Luiz Edson. Em nome do pai, estudo sobre o sentido e alcance do lugar

  jurídico ocupado no pátrio dever, na tutela e na curatela. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Direito de

família contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 585-604.

5 Patria potestas in pietate debet, non in atrocitate, consistere.

6 Orlando Gomes (Direito de Família, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 389) considera o múnus um ministério

correspondente a um cargo privado, que deve ser exercido no interesse do filho.

7 Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro:

Renovar, 1997, p. 129.

8 Aqui não é o espaço adequado para discorrer, mais largamente, sobre tese que tenho sustentado de não

constituírem numerus clausus os três tipos de entidades familiares, pois todas as uniões de pessoas com

finalidades afetivas, com intenções sexuais ou não, e que assim se comportam socialmente, enquadram-se no

rtigo 226 da Constituição, não sendo necessário nem constitucionalmente

sustentável equipará-

9 Sobre a experiência francesa da mediação para promoção da guarda compartilhada, v. GANANCIA, Danièle.

Justiça e mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade. Revista do Advogado, AASP, n. 62,

mar. 2001, p. 7-15.

10 Ainda sobre a guarda compartilhada, na perspectiva da psicanálise, cf. NICK, Sergio Eduardo. Guarda

compartilhada: um novo enfoque no cuidado dos filhos de pais separados ou divorciados. In: BARRETO, Vicente

(Org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 127-168.

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21

(*) Doutor em Direito Civil (USP), professor da UFAL e da UFPE(Pós-graduação).

6.2. Responsabilidade Cvil na Relação Paterno-Flial

Gselda Hironaka (www.ibdfam.com.br)

1. Primeiras palavras

O enfrentamento do presente tema que me foi especialmente deferido, neste conclave, pela conhecidíssima

e eterna gentileza de nosso Presidente, o Dr. Rodrigo da Cunha Pereira descortinou para mim, ao tempo em

que me dediquei a imaginar como construir esta exposição, um panorama tão variado e rico, que não tenho

hoje nenhuma dúvida de que se trata de mais um daqueles assuntos que não se esgotam, que não auto-desenham os seus próprios limites, mas, ao contrário, oferecem de modo contínuo e incessante, ao

pesquisador, ao estudioso e ao operador do direito, um fabuloso manancial de aspectos que podem ser

sempre e sempre percorridos, sem o risco do esgotamento da seiva profícua que o vivifica.

Pessoalmente, na minha atividade acadêmica, tenho dedicado muita atenção e grande esforço de pesquisa à

volta da temática da responsabilidade civil, mormente esta conhecida como indireta, da qual se diz ora ser

uma responsabilidade subjet iva por culpa presumida ora se tende a dizer ser uma responsabilidade

objetiva, por se lhe conferir cada vez menos o ônus probatório da culpa. Estou a me referir à responsabilidade

dos pais pelos danos causados pelos seus filhos menores, conforme é a regra da Lei Civil que ainda vige, oCódigo de 1916, em seu art. 1521, especialmente.

Tem me sensibilizado, igualmente, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a

responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação

indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria,

especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a

referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade

humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a

reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Mas, dizia-lhes antes, o descortinamento do tema, conforme minha concepção, permitiu-me logo verificar que

havia um estreitamento na temática que me fora presenteada, de sorte que a preocupação com a

responsabilidade deveria cingir-se à civil e, sob este viés, deveria decorrer dos laços familiares que matizam a

relação paterno-fil ial.

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Ora, assim visualizado o tema, impôs-se, prontamente, para mim, esta idéia de que deveria tratá-lo sob as

tintas da responsabilidade civil propriamente dita, costurando os conceitos tão conhecidos, para mim e para

tantos dos senhores da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima, do

interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos

 juridicamente inimputáveis...

Enão me satisfiz com esta idealização estrutural, já bem formatada na minha mente.

Pensei ainda mais e concluí que a insatisfação vinha de um fato muito simples: se íamos nos reunir em

Congresso de Direito de Família, certamente a pujança do tema deveria como o sadio ramo de trigo que se

enverga ao ritmo do vento, mas não se quebra inclinar-se para um outro lado e suscitar outra ordem de

inquietações, além daquelas (importantíssimas igualmente, não resta dúvida) que se condensa na

preocupação com a vítima quer a vítima de danos produzidos por filhos menores e indenizáveis pelos seus

pais, quer a vítima consolidada na pessoa do próprio filho, pela violação de seus direitos de personalidade,

principalmente na recuperação de sua normalidade patrimonial ou moral, como instrumento de superior

categoria e valoração, endereçado à mantença da dignidade da pessoa humana.

Pensei então que seria adorável e certamente oportuno revirar os alicerces mais profundos do assunto para

trazer à tona as inquietações, as dúvidas, as questões que nem sempre são do interesse imediato do direito,

mas que são, indubitavelmente, a sua raiz mediata. Melhor de tudo, pensei, esta busca, ainda que

significativamente difícil para mim, revelaria aquela nova maneira de se procurar desvendar e descrever o

fenômeno jurídico a partir de sua interface com os fenômenos não-jurídicos que o antecedem.

Este é, senhores, o rico caminho da interdisciplinaridade, que admite a um agrupamento de pessoas como

este nosso de hoje, sob as dobras da diversidade de pensamento, de linhas e de construções científicas,

dobras essas que caracterizam e personificam o IBDFAM que nos sentemos uns ao lado dos demais,

sociólogos, antropólogos, psicólogos, filósofos e homens do direito. Sem castelos ou prisões. Sem moldes pré-

estruturados e estratificados. Mas absolutamente abertos à contemplação da vida como ela é, e atentos aos

contornos do caminho que leva à realização pessoal e plena de cada um dos homens, enquanto membro do

grupo familiar que o abriga e guarda.

Ea inquietação intrigante que se encontrava presa dentro de mim, emergiu e expandiu-se, desdobrando-se

na mais singela das perguntas: Por que impõe-se e repercute no Direito de Família a responsabilidade

advinda da relação paterno-filial?

Em que bases extra-jurídicas estariam assentadas as razões, as justificativas e os fundamentos da imposição

de tal dever?

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23

Poderia, acaso, a filosofia fornecer alguma base para a discussão da responsabilidade civil na relação paterno-

filial?

Poderia, acaso, a psicologia adequadamente explicar qual o liame existente entre pais e filhos, que seja capaz

de gerar e de justificar a concretude desta responsabilização, à face de terceiros, mas e principalmente à

face deles próprios, um em ralação ao outro?

Sim, certamente sim, do mesmo modo como outros segmentos de apreciação e formulação do conhecimento

humano, como a antropologia, como a sociologia, e como todas as demais persecuções científicas que

tenham por objeto de interesse imediato o homem e sua circunstância relacional humana.

E assim, sob este desenho pré-jurídico, sob esse matiz fundante, sob esta inquietação acerca da raiz, decidi

mudar o curso de minha apreciação, a qual lhes trago hoje, deixando-a sob suas mais que competentesconsiderações e críticas.

2. O arco filosófico da circunstância relacional humana, entre pais e filhos.

Levando o conceito de responsabilidade civil para suas bases mais longínquas, que o confundem com o termo

genérico da responsabilidade, e o dever clássico da prestação do devido, a filosofia, por exemplo, tem sim,

muito que dizer.

Basicamente, ela tem muito que dizer sobre essa responsabilidade na relação entre pais ou só o pai, ou só a

mãe e filhos, sempre que a idéia de família estiver presente ou for o centro das suas questões.

Há, a propósito, uma longa história do conceito de família na própria história da filosofia, além da história das

instituições civis. E essa é uma história que vem desde os gregos portanto, desde o início da fi losofia

ocidental e que se confunde muitas vezes com a própria filosofia política, com o próprio pensamento em

torno do direito e das sociedades.

Já de uma forma muito sofisticada, o tema da família aparece nessa ligação com a política justamente no

pensamento político de Aristóteles, quando, em sua Política, apresenta uma explicação da pólis (cidade) como

sendo uma associação de várias associações menores, das quais a originária é a família.

A cidade, antes de ser uma reunião de poderes, de instituições, de leis, é uma associação de famílias. Essa

concepção aristotélica da cidade como uma reunião de famílias, célebre na história da filosofia política, não

prosseguiu, todavia, com grande repercussão desde a Idade Média.

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A partir do longo período medieval, a concepção da vida política se verá derivada, em especial, das próprias

instituições e da presença efetiva de certos poderes ou autoridades, perdendo-se de certa forma a idéia grega

de que a cidade é uma grande família. Mais do que isso, quer no período medieval, quer nos períodos

subseqüentes (em especial naquele em que se desenvolve o jus-naturalismo moderno), será possível

encontrar longas considerações jurídicas a respeito do que a família é ou deva ser.

Mas há algo na concepção aristotélica que é fundamental, que talvez não convenha esquecer, mesmo quando

se desviar a atenção para as concepções mais modernas. Trata-se do seguinte, resumindo este aspecto: Por

que a cidade é uma associação máxima que resulta da reunião de outras associações que resultam, por sua

vez, da reunião de associações menores que são, enfim, as famílias? Porque, justamente, a família é uma

associação natural humana (como a cidade, de certa forma, será de maneira mais complexa), onde as

relações dentro dessa associação são naturalmente determinadas. O que permitiria, assim, conceber não só a

família, não só a cidade, mas qualquer associação, é a sua condição de elo de ligações naturais.

Há, bem sabe e lembra Aristóteles, vários tipos diferentes de associações, e conseqüentemente vários tipos

diferentes de cidades, de famílias e de comunidades de toda ordem. A conseqüência é que, se for o caso de

tentar uma classificação dos tipos de cidade ou dos tipos de família, isso só será possível se for definido um

critério para a tipologia.

Esse critério é buscado por Aristóteles para a classificação das cidades; e é encontrado não como critério único,

mas como critério duplo: primeiro, uma cidade pode ser governada por um só, por poucos ou por muitos;

segundo, o governo pode ser puro ou corrompido. Conseqüência: há seis tipos de cidades três tipos puros(monarquia, o governo de um só; aristocracia, o governo de poucos; politéia, o governo de muitos) e três

tipos impuros, corrompidos, que são correspondentes às três formas puras (respectivamente: tirania,

oligarquia e democracia).

E para a família? Diferentemente do que ocorre com a cidade, para o caso da família não há critério que

permita sua classificação em vários modelos puros; existem, certamente, vários tipos de família, no sentido de

que há famílias com diferenciados números de componentes, que se beneficiam ou não de servos,

propriedades, etc. Mas, diferente do que ocorre com a cidade (onde o poder pode estar na mão de um só, ou

não), no caso da família o comando familiar está sempre nas mãos dos pais, e para certas funções estáexclusivamente em poder do pai. Em outras palavras: em Aristóteles, assim como em toda a tradição grega, é

um consenso entre os autores a idéia de que são os pais que têm autoridade sobre seus filhos, e que é o

marido que tem autoridade sobre sua esposa (ou suas esposas).

Por que essa autoridade masculina, paterna e marital? Porque ela é, como toda autoridade, uma autoridade

natural, segundo a visão filosófica de Aristóteles.

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Ora, segundo a concepção clássica, então, será por uma necessidade natural humana que os filhos devam

obedecer aos pais e a mulher deva obediência ao marido. Se a família antiga, assim, é patriarcal, é porque a

natureza inteira o é.

Essa concepção clássica, que obviamente se encontra em completo descompasso com a contemporaneidade,

é a concepção que, como se sabe, mais dominou as teorias ou doutrinas em torno da família, por toda a

história da humanidade. De fato, Aristóteles está mais presente do que distante em certos aspectos: ainda

que nunca mais se tivesse desenvolvido a idéia de que a cidade é uma reunião de famílias, por praticamente

toda a história da humanidade se manteve a idéia de que a família é a mais originária das associações

naturais, e que sua composição envolve uma autoridade natural dos pais sobre os filhos e do marido sobre a

mulher.

Por isso mesmo, pressinto que a análise do tema, a partir de Aristóteles seja relevante, na medida em que

deixa claro o que sempre estará em questão, na composição da família: a família é uma associação na qual

alguém tem poder sobre outrem, restando saber, primeiro, a quem e por que se deve esse poder e, segundo,

se a família não pode ser uma associação baseada em outra coisa que não a dominação ou a dependência.

Sempre que se tratar das relações de família e da responsabilidade envolvida nas relações de família,

fundamental será que se trate, também, da base dessa relação.

A inquietação tipicamente pós-moderna assenta-se em buscar a resposta à pergunta: no seio da família da

contemporaneidade desenvolve-se ainda, e tipicamente, uma relação de poder ou é possível afirmar, porexemplo, que a ênfase relacional se encontra deslocada para a afetividade?

O tema da responsabilidade nas relações de família envolve necessariamente essa visão clássica da

autoridade, para bem ou para mal.

O olhar histórico de contemplação pretérita sobre o assunto admite afirmar que é marcante essa significação

da família do passado mais como uma relação de poder do que como uma relação de afeto. Por

conseqüência, a família aparece tradicionalmente como uma associação cujos benefícios se dirigem mais para

os pais (e mais ainda para o pai ou o marido) do que para os filhos (ou para a mulher).

A tradição patriarcal, de índole francamente autoritária, na concepção das relações de família, pretendeu

muitas vezes, e na intenção de justificar-se como instituição civil, fazê-lo por vieses imaginados racionais ou

científicos.

Emesmo que uma tal justificação fosse ideológica e impossível, o principal argumento utilizado para a defesa

da autoridade do patriarca foi, desde os gregos, a existência de uma hierarquia ou de uma dependência

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natural. Essa idéia que está na base das concepções antigas e clássicas de famíl ia e que se faz notar

principalmente na imposição da autoridade nas relações familiares curiosamente aparecerá também como

índice, no pólo oposto dessa relação, vale dizer, aparecerá como o fator de consagração da responsabilidade

dos pais diante dos filhos, assim como do marido diante da mulher.

O que a tradição mostra, enfim, é que a concepção da autoridade é baseada numa idéia de natureza, mas ao

mesmo tempo essa idéia de natureza traz uma concepção de responsabilidade muito equivalente.

A primeira explicação para a idéia de que a associação mais primitiva é a família, pode ser vista, ainda em

Aristóteles, por meio de sua afirmação de que a família é o resultado da associação daqueles seres que "não

podem, por natureza, ficar separados um do outro". Refere-se, o filósofo grego, ao homem e à mulher.

Ou seja: Aristóteles até concebe que as famílias tenham ou não posses, que tenham ou não filhos, mas nãoconcebe uma família sem a idéia de casamento, e muito menos concebe as famílias homoafetivas. A

concepção corrente da família brasileira até muito pouco tempo era vulgarmente aristotélica, ainda que a

prática da família brasileira fosse muitas vezes o inverso da sua imagem...

Eporque o novo Código Civil não incluiu as uniões homoafetivas entre as entidades familiares, talvez seja o

caso de dizer que, em termos oficiais, ainda estamos na visão aristotélica de família, onde essa associação

originária só é legítima se obedecer ao que a sociedade patriarcal considera normalidade sexual e moral.

Mas enfim, a idéia original é a de que a família é uma associação que decorre da natureza humana, namedida em que decorre de uma necessidade de vida em comum, que Aristóteles, e novamente a tradição

posterior a ele, atribuirá à relação entre homem e mulher.

Eque relação é essa? Uma relação física, apenas, ou uma relação de dependência?

Aristóteles coloca que é uma relação de dependência, especialmente da mulher em relação ao homem: esta,

sozinha, não apenas não é capaz de procriar, como não seria capaz de subsistir, e muito menos comandar

uma cidade ou um exército. E não seria capaz por quê? Porque, por sua consti tuição natural, ela seria mais

fraca que o homem, incapaz, enquanto só ele seria capaz, para a prática de certas ações que demandam força

e prudência.

Aristóteles quer apontar, portanto, uma deficiência, uma debilidade natural na mulher, visível seja por sua

comparação ao homem, seja por sua própria compleição.

Ora, sob o preconceito dessa idéia de que a mulher é fisicamente, mas também racionalmente, inferior ao

homem, Aristóteles sequer foi um dos primeiros: a idéia já estivera colocada com todas as letras por

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Demócrito de Abdera, quando recomendou que a mulher não se exercite na palavra, porque isso é coisa

perigosa, ou que ser governado por uma mulher é, para o homem, a suprema violência.

Esse argumento pretensamente naturalista de que a mulher é inferior ao homem hoje nos assusta com sua

brutalidade? Pois foi o principal argumento utilizado em quase toda a história da humanidade para tentar

 justificar o poder patriarcal ou masculista sobre as mulheres. Éesse o principal argumento utilizado hoje em

dia para justificar a violência doméstica contra as mulheres e meninas no Brasil, assim como a violência

generalizada contra as mulheres e meninas em regimes fundamentalistas como o do Taleban, que por uma

certa e infeliz contingência tem sido constantemente focado e criticado em nossos dias.

Numa palavra, o argumento da debilidade ou incapacidade natural da mulher é o argumento mais utilizado

para tentar justificar a autoridade do homem em relação à mulher dentro da estrutura familiar, ao mesmo

tempo que a dependência da mulher em relação ao homem, nessa mesma estrutura.

O nosso tema aqui não é, diretamente, essa relação patriarcalista entre homens e mulheres, entre maridos e

esposas, entre pais e filhas, e por isso não é o caso de levar adiante a análise e a crítica dessa concepção

irracional que sempre insiste em se manifestar até hoje na concepção dos papéis do homem e da mulher na

família.

Mas é fundamental que tenhamos começado por apontá-la, pois ela é a base para aquela outra relação que

constitui, aqui, o nosso tema principal: a relação entre pais e filhos.

O que a história mostra, e as histórias do pensamento e das instituições mostram junto, é que, se a relação

entre homens e mulheres, em família, foi sempre baseada numa concepção naturalista de dependência e

subordinação da mulher, com muito mais razão será apontada uma dependência e subordinação dos filhos em

relação aos pais.

Se a própria subordinação da mulher era vista como necessária, mesmo sendo a mulher um indivíduo adulto e

experiente, o que dizer então, e sempre, de pessoas que tinham pouca experiência ou não tinham

experiência nenhuma? Pessoas que não tinham condições de se manterem sozinhos? Dir-se-á não apenas que

dependiam muito mais dos adultos na relação familiar, mas, conseqüentemente, que deviam, na mesma

proporção, muito mais obediência.

Se a família, nessa concepção clássica e reiteradamente patriarcal, foi tida como uma relação de poder

praticamente despótico, cujo pater era o detentor exclusivo ou principal de todo o poder de decisão quanto à

liberdade e o destino dos integrantes da família, então os filhos estiveram, certamente, numa posição muito

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próxima à escravidão: sua dependência física, material e moral foi eternamente a causa do seu dever

incessante de obediência.

Se assim é, o que dizer, então, de uma concepção de família que a vê como uma associação daqueles que

não podem deixar de estar unidos (Aristóteles), ao mesmo tempo em que o homem é, naturalmente, o

cabeça de sua família (cultura grega, teologia judaico-cristã, direito romano...)?

Nessa associação, o elo de ligação e o índice dos deveres não se indicam pelo amor, não se matizam pela

recíproca generosidade, não se caracterizam pela mútua proteção, mas sim se realizam por meio da

dominação. Ese trata de dominação porque, na concepção patriarcal clássica, jamais haverá um espaço para

que a mulher e os filhos assumam, contra a vontade do pai, o posto que deveria lhes corresponder.

O correr histórico desnudará a certeza de que, para se vislumbrar a igualdade de direitos entre homem emulher e também entre pais e fi lhos na condução da família, serão necessários milênios.

Mas esse longo tempo, necessário certamente para a concepção dessa igualdade de direitos, de certa forma

seria necessário, também, para a concretude da própria responsabilidade paterna como um dever dos pais,

em lugar de um poder dos pais.

A idéia de responsabilidade paterna que existe hoje não encontra grandes referências nas concepções antigas

de natureza humana e de família. É verdade que o mundo antigo concebeu deveres dos pais, dos chefes de

família; mas a concepção de responsabilidades civis é muito mais recente. Por quê? Porque, se a simplesresponsabilidade envolvida no dever de assistência é classicamente determinada pelo poder do pai sobre sua

família, a responsabilidade envolvida nos danos decorrentes da má gestão dessa chefia de família não

decorre mais do arbítrio desse mesmo pai de família.

Vale dizer: na concepção antiga e tradicional de família, o pater tinha obrigações, mas tinha também poder

suficiente para arbitrar quais seriam essas obrigações, já que era senhor de suas mulheres e de seus filhos.

Ao contrário, em concepções mais recentes de família e que remontam, no máximo, ao início do período

moderno os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os

determina é o Estado.

3. A concepção jus-naturalista de família e a distinta visualização do pátrio poder.

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A partir do Renascimento e da modernidade, ser chefe de família continuou significando deter um poder

privilegiado e amplo, mas que já não é mais um poder superior à capacidade cada vez mais visível dos

outros integrantes da família. A modernidade abre espaço para uma transformação lenta, mas radical, na

concepção de família, já que investe pela primeira vez (especialmente no âmbito do jus-naturalismo) na idéia

de igualdade entre homem e mulher quanto à capacidade para chefiar a família.

Quem mostra isso com muita ênfase desde a década de 1970 é um dos maiores historiadores do jus-

naturalismo, Alfred Dufour. Num ótimo estudo publicado originalmente em 1975, mas retomado e

desenvolvido anos mais tarde, denominado Autoridade marital e autoridade paterna na escola do direito

natural moderno, Dufour mostra que uma das maiores contribuições do jus-naturalismo foi inovar na

concepção dos direitos entre os integrantes da família.

Neste estudo, Dufour mostra que tanto a relação entre homem e mulher recebeu inovações importantes no

ambiente jus-naturalista, como também as recebeu a relação entre pais e filhos, ainda que em menor

medida. No que diz respeito à relação entre homens e mulheres, autores como John Locke no século XVII, mas

também como Christian Wolff, e seu discípulo Daniel Nettelbladt, no século XVIII, investiram na idéia de que a

mulher, como o homem, detém uma autoridade natural sobre os filhos, e efetivamente equivalente à do

homem.

No que respeitasse, pois, à autoridade sobre os filhos, a mulher teria os mesmos direitos que o homem, e por

razões naturais diferentes daquelas que eram alegadas por Aristóteles ou por toda a tradição medieval cristã:

a mulher, como o homem, é causa da existência dos filhos, e isso torna a sua autoridade natural. Esta lógica émenos restritiva do que a concepção anterior, mas é ainda, sem dúvida, um reconhecimento tímido do

potencial racional da mulher, já que ela não é desenhada, ainda, como uma possível autoridade equivalente à

de seu próprio marido.

No que respeita à relação paterno-filial, por outra parte, nota-se que as mudanças serão também visíveis,

embora se mostrem menores do que a relativa equalização de direitos ou de autoridade entre homem e

mulher. Todavia, apesar do seu menor peso, dar-se-á igualmente, nesta circunstância relacional, uma

mudança suficiente para caracterizar, enfim, a concepção da relação entre pais e filhos como uma relação na

qual sempre haverá uma responsabilidade dos pais em relação às necessidades dos filhos, a ponto de sepoder dizer que é aí que nasce, propriamente, uma concepção articulada de responsabilidade civil na relação

paterno-filial.

Esta interferência do jus-naturalismo moderno na reformulação da concepção em tela, ocorrida nos séculos

XVII e XVIII, fez com que se realizasse, aos poucos, a noção propriamente jurídica de responsabilidade que se

desenvolve até se tornar responsabilidade civil , no início do século XIX e também porque é aí, na

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modernidade, que a condição jurídica dos filhos dentro da família passa a ser apresentada segundo critérios

que se pretendem racionais ou científicos, para além dos antigos critérios do costume.

Écerto que esta concepção jus-naturalista, assim como traçada, guarda uma grande distância com respeito à

concepção contemporânea ou pós-moderna. Contudo, penso que dedicar uma certa atenção à maneira como

os autores modernos trabalharam o assunto, pode dizer muito à contemporaneidade, quando somos

convidados a considerar a família como uma entidade real, concreta, cuja significação e cujas necessidades

talvez não estejam mais definidas unicamente pela lei ou pelo arbítrio do juiz.

4. O desafio da modernidade para demonstrar, racionalmente, os fundamentos da autoridade e da

dependência entre os seus componentes.

Ao tratar da família, os autores modernos tinham, então, o desafio de demonstrar racionalmente quais osfundamentos da autoridade e da dependência entre os seus componentes. É claro que o tema desta

autoridade em família era (como sempre é) um princípio corrente; mas, por mais consensual que fosse a idéia

de autoridade marital e paterna, no plano da teoria jurídica havia sempre a necessidade de evidenciar os seus

fundamentos. Um dos paradoxos originados dessa tarefa, todavia, foi a revelação, por vezes, de que uma

certa prática por quase todos aceita não tinha fundamentos tão racionais, como se poderia imaginar.

Qual efetivamente seria a razão e o fundamento da existência perenizada de um pátrio poder, a significar

uma autoridade dos pais sobre os filhos, garantida pelo Estado, e que permite àqueles determinar a vida

destes. O que é que, enfim, impulsiona o Estado a conceder e garantir um tal poder?

A argumentação original é, novamente, a que se aperfeiçoa na noção da natureza.

Os filhos vêm ao mundo na dependência completa dos pais, e assim permanecem enquanto não se tornam,

eles mesmos, adultos ou emancipados. A dependência natural é tão certa e inegável, que sequer pode ser

recusada pelos pais. Perfeitamente compreensível e aceitável.

Mas a questão que insiste em não calar, e que decorre desta singela verdade versa sobre a dúvida de qual

seria a origem da autoridade dos pais?

Ou, em outros termos, por que a dependência dos filhos equivale a uma dominação por parte dos pais, a uma

autoridade destes sobre aqueles, enfim?

O pátrio poder, justamente, não é um poder acidental, involuntário. Ele é exercido pelos pais como dominação

sobre os filhos. Já que é uma dominação, talvez o pátrio poder não envolva nenhum componente afetivo. Ao

menos, nenhum componente positivamente afetivo, como a generosidade com respeito aos filhos.

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Ao contrário, talvez o seu sentido seja sempre, ou prioritariamente, negativo, no sentido de um

s filhos, um exercício desenvolvido talvez mais em benefício dos próprios

pais, do que para a alegria ou proveito dos filhos. Por que isso? Porque, de ponta a ponta, na relação entre

pais e filhos simbolizada pelo pátrio poder, os filhos não têm poder nenhum.

A idéia de pátrio poder, assim, pressupõe algo semelhante à antiga concepção da subordinação da mulher ao

homem: ela é devida segundo a natureza. Ela é devida porque a parte dominada na relação é mais fraca, é

mais débil... Numa palavra, é dependente da outra.

Talvez.

Mas o que causa esta dependência, de fato? A natureza, como se fosse uma condição sem conserto ou

mudança? Ou as circunstâncias, como se fosse uma condição determinada unicamente pela maior força dodominador?

Se a reflexão nos fizer passear os olhos para a história da condição feminina, facilmente observar-se-á que a

causa da dependência reside exatamente na segunda opção: o que historicamente determinou, às mulheres,

a ausência de direitos e a submissão ao patriarcado foi uma circunstância de imposição pela força, reiterada

pelos costumes e pelas instituições, ao mesmo tempo que endossada pelo próprio direito.

Desde a Antigüidade, o homem é caput de sua mulher e das mulheres de sua família. Não porque tenha sido

um desejo das mulheres. Mas elas sempre viveram em um mundo dominado por instituições patriarcais, cujaestrutura não permitia a própria modificação.

O mesmo pode ser descrito para a situação dos filhos.

Desde sempre, e com mais forte razão, os pais mas principalmente o pai são caput dos infantes. Em parte,

por causa de uma concreta dependência dos filhos, que não têm nem forças, nem meios, nem principalmente

experiência para emancipar-se na vida. Mas, em parte porque a família foi sempre constituída como um

domínio particular de quem o instaurou. O círculo familiar, no qual o chefe de família é senhor dos membros

da família, funciona como uma monarquia particular, como bem lembraria Cesare Beccaria, no capítulo 26 de

seu tratado Dos delitos e das penas.

A definição tradicional e jurídica de família, então, e por todos os motivos, está muito longe da definição de

uma relação afetiva. Ela define diretamente uma espécie muito particular de domínio e dominação.

Na família marcada pelo pátrio poder, como compreender, assim, algum fundamento natural ou racional para

a responsabilidade dos pais diante dos filhos?

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Se esta responsabilidade, desde o início, diz respeito a uma dependência dos filhos em relação aos pais, então

ela é determinada mais pelos filhos do que pelos pais?

Ou determinada mais pelo Estado do que pelos filhos?

Num ou noutro caso, não é, certamente, uma responsabilidade determinada pelos próprios pais, porque não

cabe a eles decidir a sua validade ou não. Se lhes coubesse, não seria, então, responsabilidade. Seria assunção

volitiva de obrigação.

Há, concretamente, uma condição de dependência dos filhos em relação aos pais que é, sim, uma

dependência natural, em dois sentidos: primeiro, porque os pais são causa dos filhos; segundo, porque os

filhos, para se manterem, precisam do auxílio dos adultos; e como só existem porque seus pais os deram à

existência, são estes que devem ser encarregados da sua subsistência.

A obrigação primeira dos pais em relação aos filhos é, certamente, a transmissão da cultura. Lévi-Strauss

esclarece que, para que se passe da natureza (os meros impulsos, o simples biológico, nossa parte mais

animal) para a cultura (o humano, o criado), para que se passe do individual para o social, são necessárias

três interditos básicos: canibalismo, parricídio e incesto. Dada a condição humana de indefensão, para que os

filhos sobrevivam, as suas necessidades vitais primeiras serão satisfeitas pela mãe, por um período

relativamente prolongado em relação às outras espécies animais.

Os filhos, assim, são um encargo natural trazido pela união dos pais: o nascimento dos filhos obriga os pais amanterem os próprios filhos, como se os filhos fossem, de certa forma, uma culpa deles próprios, que não

incumbe ao Estado assumir. Ou seja, mesmo nos termos em que os filhos dependem dos pais para sobreviver

e se desenvolver, não cabe, à luz do viés da Antigüidade que está em foco, tentar enxergar, aí, nenhuma

relação afetiva.

Se ela ocorrer também, tanto melhor, é um excedente. Aos olhos do Estado, a relação entre pais e filhos é a

de uma sociedade causada por vontades completamente particulares, que não têm poder nem legitimidade

para transferir sua causalidade ao Estado, se este não o desejar. Porque causam os filhos, os pais causam,

conjuntamente, todos os gastos envolvidos na sua manutenção e desenvolvimento.

Se assim é, raciocine-se: por qual motivo o Estado ou outra entidade que não os próprios pais, poderia ou

deveria ser considerado co-responsável nessa criação? Se e somente se considerarmos que por nenhum

motivo, então, de fato, a relação paterno-filial pode ser avaliada como uma relação de um senhor com seus

próprios bens. Apenas isso.

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Assim entendida, contudo, a relação paterno-filial não envolve, é claro, o poder paterno de decidir pela vida

ou morte dos filhos (isto era coisa dos déspotas antigos), mas envolve, sim, uma precedência na

determinação externa da vida dos filhos.

Quem deve decidir o destino e as preferências dos fi lhos, seria o caso de se perguntar o Estado ou os pais?

Ou, ao menos, quem tem precedência nessa decisão o Estado ou os pais? Não importa qual seja a resposta

que se dê, se a opção for por um dos dois o Estado ou os pais se estará, com isso, aceitando a idéia de que

os filhos são coisa...

Na verdade, saindo enfim desse plano que concebe a autoridade paterna como pátrio poder, encontra-se o

verdadeiro desafio de definir quem deve ter precedência para decidir sobre os destinos da criança ou do

 jovem atrelado, ainda, à vida em família.

Sem dúvida, a essência da pós-modernidade responde e estampa a concepção contemporânea mundializada,

ao menos em sociedades assemelhadas à nossa: é a própria criança ou jovem, sempre, que deve ter

precedência na determinação do seu destino. Sempre. Ainda que esteja sob o pátrio poder, ou sob o poder

familiar, como prefere a nova Lei Civil Brasileira , ou ainda que esteja sob a dependência dos pais ou do

Estado.

Pais e Estado assim como toda a sociedade, afinal não podem, em momento nenhum, tratar a criança

como coisa só pelo fato de ser ela sem experiência ou sem atividade produtiva, sem maturidade espiritual ou

sem autonomia material. A criança, apesar de seu estado de extrema e concreta dependência, é um serhumano como qualquer outro, é um ser desejante e emotivo como qualquer outro, que sente dor diante da

crueldade alheia e revolta por não lhe ser concedida a liberdade que é capaz de administrar sozinha. Eé por

ser dotada desse desejo e dessa necessidade que a criança, enfim, é dotada de dignidade e assim deve ser

respeitada. Não respeitar essas necessidades e negar a relevância do desejo é tratar a criança como coisa, é

efetivamente ser violento com ela, o que afasta, em definitivo, qualquer relação ética com a criança.

Senhores.

Se é o caso de pensar a responsabilidade na relação entre pais e filhos, vale a pena pensá-la apenas pelo viés

do direito ou é o caso de pensá-la a partir especialmente da ética? Éo caso de pensá-la em ambos os planos,

necessariamente, inclusive porque nenhum deles é válido sem o outro, na consideração da responsabilidade.

Qualquer que seja o tema proposto, a respeito da responsabilidade, ele será um tema tanto jurídico quanto

ético. Numa perspectiva ética, como fica essa responsabilidade? Ela não pode, de forma alguma, negar

validade ao desejo da criança. O contrário demonstrará a vida em família como uma relação de violência,

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  justamente porque é uma relação de neutralização e de dominação apenas, o que é muito bem mostrado,

entre outros autores, por Michel Foucault, em seus vários estudos sobre as relações de poder, mas

especialmente a Microfísica do poder e, mais ainda, na sua última obra, a História da sexualidade.

Importante também é verificar que as considerações acerca da responsabilidade na relação entre pais e filhos

não devem se reduzir ao fato de se averiguar quais são as obrigações que já existem, ou que decorrem desta

relação por sua própria condição e estrutura natural, nem de se averiguar quais são os meios de compensação

de danos na má gestão dessa autoridade paterna, por vez patriarcal.

Éclaro que envolve estes aspectos também, mas de forma alguma deve se restringir a eles, pois, se ficarem,

as considerações, restritas a essa perspectiva técnica, talvez não se ampliem satisfatoriamente os horizontes.

Talvez seja necessário e até imprescindível ir a um ponto outro, de estranha inversão, e verificar que é

preciso conhecer o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais.

Questão muito curiosa, essa, porque parece inverter a própria idéia de autoridade. Afinal, se alguém tem

autoridade sobre um outro, que coisa mais extravagante haveria do que a idéia de que a autoridade é medida

por quem está a ela subordinado?

De fato, a questão é extravagante.

Mas será que pode ser garantido algum resultado positivo à questão oposta, que é mesmo a questão clássica,

de saber qual é o poder que a autoridade tem por sua própria vontade ou potência? Ao que parece, elasempre foi útil para conceber a relação dos pais com os filhos como um pátrio poder, como uma relação de

dominação dos filhos pelos pais. E sendo apenas isso, os benefícios ou as garantias desta relação, para os

filhos, são mais produto da sorte do que das necessidades dos filhos. Ou não?

Deixo essa questão em aberto, porque o mais importante, segundo me parece, é o enfrentamento da outra

questão: o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais?

5. Os critérios para a definição da autoridade e, conseqüentemente, da responsabilidade paterno-filial, sob o

enfoque do jus-naturalismo moderno: o fundamento, a titularidade e a extensão.

Esta questão é, de certa forma, esboçada pelo jus-naturalismo, como mostra Alfred Dufour, no estudo antes

mencionado, sendo certo que a partir de então ocorreram algumas inovações de peso na concepção jurídica

da relação entre pais e filhos.

Pela primeira vez, provavelmente, apareceu no pensamento jurídico moderno a idéia de que os filhos não são

propriedade dos pais, ainda que estejam necessariamente sob sua custódia e autoridade. Não há, entre esses

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autores do pensamento jurídico moderno, um perfeito consenso em todos os aspectos, mas há pontos em

comum que permitem, imagino, uma visão sistemática do conjunto.

O que Dufour mostra em seu estudo é que há três critérios distintos para a definição da autoridade paterna,

todos inovadores no sentido de superarem a antiga concepção de que a autoridade paterna é algo

inquestionável, ou decididamente arbitrário. Esses três critérios, por terem uma significação moderna, podem

soar estranhos à compreensão contemporânea; mas contêm elementos únicos para que a mesma autoridade

paterna, e a responsabilidade nessa relação, seja repensada hoje em dia. Os critérios para a definição dessa

autoridade, e conseqüentemente das condições da sua responsabilidade, são: o fundamento; a titularidade; a

extensão.

A respeito do critério relativo ao fundamento da autoridade paterna, há três formas de expressá-la, segundo o

  jus-naturalismo moderno: uma fundamentação hierárquica, uma fundamentação convencionalista e uma

fundamentação funcional.

A fundamentação hierárquica lembra, em parte, as concepções antigas e consiste na concepção de que a

autoridade dos pais sobre os filhos no quadro da sociedade familiar tem como fundamento a natureza. Essa é

a posição, por exemplo, de Hugo Grotius (autor do tratado Do direito de guerra e de paz, de 1625), que

considera que os pais, por gerarem os filhos, têm direito sobre suas pessoas como quem tem direitos sobre

qualquer coisa de que seja o criador. É, na verdade, a primeira das concepções da autoridade paterna

desenvolvida dentro do jus-naturalismo e será, em conseqüência, muito combatida mesmo dentro de seus

domínios, especialmente porque carrega ainda algo das concepções pré-jus-naturalistas.

Mas ela é inovadora na medida em que coloca como base para a concepção da autoridade a necessidade de

um critério que seja racional. Para Grotius, esse critério racional é a natureza, mas a natureza que ele vê é

semelhante à que a teologia via quando analisava a relação entre o homem e Deus: já que Deus é o criador

dos homens, os homens são como objetos que pertencem a Deus; identicamente, já que os filhos são criação

original dos pais, são como que objetos que lhes pertencem, ou cuja liberdade depende diretamente dos pais.

A linha jus-naturalista de pensamento manterá, nos dois séculos seguintes, a idéia de natureza como base

para se pensar a liberdade e os direitos; mas trabalhará uma outra idéia de natureza, ou verá, a partir damesma natureza, outras necessidades e outros direitos, seja para os pais, seja para os filhos.

A fundamentação convencionalista consiste numa idéia que se assemelha muito à concepção jus-naturalista

do contrato social, e está presente, por exemplo, no Leviatã (1651) de Hobbes: da mesma forma como a vida

em sociedade só existe porque os cidadãos consentem com sua existência, a vida em família também só

existe porque os filhos assim o consentem. Mesmo que a família seja uma associação onde há uma certa

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relação de poder, não à toa muito assemelhada com a relação que um monarca tem com seus súditos, o que

ocorre é que esse poder só existe porque os súditos, isto é, os filhos, o aceitam.

A idéia ainda que bastante curiosa é reveladora de um certo poder por parte dos filhos, coisa que talvez

não se visse em Grotius, e que certamente não se via antes do jus-naturalismo. É uma ousadia gigantesca, em

termos teóricos, conceber que há algo na vontade dos filhos que determina o poder dos próprios pais, ainda

mais porque se trata de algo que não está sob o poder dos pais: a razão dos filhos, a vontade dos filhos.

Os pais, de fato, podem obrigar as ações dos filhos, mas não podem obrigar sua vontade, seu desejo. Da

mesma forma como é inútil legislar a consciência na vida civil, na vida familiar essa tentativa também é

completamente inútil. Isso significa, do ponto de vista de Hobbes que, se a sociedade familiar está

estabelecida (e ela certamente vem de fatores naturais), é igualmente verdade que a sua continuidade e

perpetuidade depende diretamente do arbítrio de quem está abaixo do poder. Ora, este é um modo de

análise absolutamente novo na história do pensamento jurídico.

Na mesma linha, um outro autor do século XVII, Samuel Pufendorf, em seu tratado Do direito de natureza e

das gentes (1672), dirá que a autoridade paterna é a autoridade mais antiga e a mais sagrada que se acha

entre os homens. Ou seja, o que marca a validade dessa autoridade é um valor moral que Pufendorf atribui à

autoridade paterna, porque, para ele, o sagrado não é aquilo que decorre do divino, mas é aquilo que é tido

como moralmente válido.

Éum passo que vai além da simples geração dos filhos como sendo base para a autoridade paterna (como eraem Grotius), porque, segundo Pufendorf, o que determina a autoridade dos pais sobre os filhos não é a

simples geração, mas a semelhança: há validade na autoridade desde que os filhos sejam semelhantes a nós

e estejam, como nós, igualmente dotados daqueles direitos naturais comuns a todos os homens.

Vale dizer, a autoridade paterna tem um fundamento natural que envolve, agora, a moral. Num certo sentido,

a autoridade depende, também, dos filhos, porque ela só é válida na medida em que os pais cumprem

obrigações perante os filhos. Essas obrigações, se não são impostas pela vontade dos filhos (como talvez fosse

o caso em Hobbes), ao menos são moralmente necessárias, e nenhuma autoridade pode ser concebida se não

houver, reciprocamente, o cumprimento das obrigações por parte dos próprios pais.

Assim, segundo Pufendorf, a condição paterna envolve moralmente um encargo, do qual os pais não têm

como escapar moralmente (ainda que possam dele escapar materialmente).

O que se extrai de Hobbes e de Pufendorf, se tomados em conjunto, é a revelação de que a paternidade,

mesmo que envolva um poder sobre os filhos, envolve necessariamente um dever quanto aos filhos. Não

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importa se em função da vontade dos filhos (concepção de Hobbes) ou se em função da moralidade da

própria relação (como em Pufendorf).

Em qualquer caso, não está mais nas mãos dos pais, apenas, todo o arbítrio sobre o valor dessa autoridade e a

sua correspondente responsabilidade. Essa idéia é extremamente reveladora, porque mostra a fragilidade a

que se pode expor a idéia de domínio dos filhos pelos pais. Esse domínio, sempre que os filhos não o

desejarem porque é violento, ou sempre que for contrário à necessidade moral da relação, não pode ser

legítimo.

Por seu turno, a fundamentação funcional consiste numa concepção do final do jus-naturalismo que tenderá a

ser continuada após o jus-naturalismo moderno: ela considera que a sociedade familiar tem uma finalidade

o sustento e educação ou formação dos fi lhos e que a autoridade é válida em função de cumprir essa

finalidade.

Se a finalidade é natural ou voluntária, pouco importa; o que importa é que ela é irrecusável, e que nenhuma

família poderia ser concebida sem que tivesse como finalidade conjunta a formação dos seus integrantes. Na

divisão de poderes e funções dentro da própria família, aos pais cabe, como adultos e ainda como geradores,

proverem a formação dos filhos, e a estes cabe obediência na medida em que recebem a formação ou

dependem dela.

Caso não mais dependam, todavia, seja da formação, seja dos pais para receber a formação, nada mais de

potestativo resta como elo para essa estrutura familiar. Quem formula bases teóricas para uma tal concepção,por exemplo, são jus-naturalistas do final do século XIX, como o inglês John Locke, e outros do correr do século

XVIII, como Christian Wolff, Thomasius, Burlamaqui e Barbeyrac.

Uma passagem de Locke, nesse sentido, é esclarecedora: Os filhos, confesso, não nascem [em] estado pleno

de igualdade, embora nasçam para ele. Quando vêm ao mundo, e por algum tempo depois, seus pais têm

sobre eles uma espécie de domínio e jurisdição, mas apenas temporários. Os laços dessa sujeição

assemelham-se aos cueiros em que são envoltos e que os sustentam durante a fraqueza da infância. Quando

crescem, a idade e a razão os vão afrouxando até caírem finalmente de todo, deixando o homem à sua

própria e livre disposição.

Talvez esta seja, dentre as concepções elementares do jus-naturalismo em torno da relação paterno-filial, a

mais próxima da contemporaneidade, mas é importante notar o que ela ainda mantém de essencialmente

moderno: a relação de obediência e de autoridade se mantém na medida em que se mantém, antes de tudo,

a relação de segurança e formação.

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O que há de novo e importante nessa concepção, buscando compará-la, inclusive, com as demais que já eram

esboçadas pela século XVII é o fato de que ela diz algo radical: a relação entre pais e filhos deve ser pensada

em benefício, principalmente, dos filhos. Eé a primeira vez em que isso é dito. Eé porque a relação entre pais

e filhos deve ser pensada sempre tendo em vista prioritariamente o benefício dos filhos, que aos pais cabe a

educação deles, e a estes está legitimada a desobediência em caso de irresponsabilidade ou incapacidade dos

pais.

Além da concepção da autoridade paterna a respeito da sua fundamentação, há ainda as concepções a

respeito da titularidade e a respeito da extensão:

A respeito da ti tularidade, a vertente precípua de indagação quer verif icar quem é titular do pátrio poder o

pai ou a mãe? Com esta questão, dá-se o retorno ao papel da mulher na família. Como aqui a referência,

ainda que temporariamente, está sendo o pensamento moderno, ou seja, os séculos XVII e XVIII, é claro que

não se encontrará uma defesa entusiasmada de uma igualdade de direitos para o homem e a mulher no que

respeita a esse título. Pelo contrário, para a maioria dos pensadores modernos, o pai tem uma autoridade

maior que a mãe, inclusive porque a mulher está sob sua autoridade, na mesma família.

Ainda assim, haveria uma defesa de igual titularidade entre homem e mulher na direção da família, entre os

modernos? Sim, houve e ela está, por exemplo, em autores como John Locke e Thomasius, quer dizer, aqueles

mesmos autores que, diante da indagação sobre o fundamento da autoridade, fixaram-no na obrigação que

têm os pais para com a educação dos filhos. De modo semelhante, eles reconhecerão um igual direito entre o

pai e a mãe, quanto à detenção da autoridade sobre os filhos, em função justamente desse igual poder, ouigual obrigação, para educar.

Épossível assim concluir, de uma forma curiosa, acerca da finalidade da autoridade dos pais: esta autoridade

serve, segundo este pensamento, para indicar a obrigação, dos pais ou de um dos pais, de prover a educação

dos filhos. Épara isso que se forma a sociedade familiar e, talvez mesmo, a sociedade conjugal. De forma que

a titularidade de nada vale se não for exercida como cumprimento de certas finalidades as quais, segundo tais

autores, são naturais tanto do ponto de vista dos filhos quanto do ponto de vista dos pais. A educação,

portanto, é o índice principal tanto da autoridade quanto da responsabilidade dos pais, que somente nessa

hipótese se confundem evidentemente.

A respeito da extensão, como elemento identificador e qualificador da autoridade paterna, caberia indagar até

onde e até quando ela se impõe sobre os filhos?

Éuma questão delicada, na medida em que envolve a concepção dos filhos como sendo ou não propriedade

dos pais. No pensamento jus-naturalista, essa idéia tende a se enfraquecer pela primeira vez, mas é ainda um

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referencial para sustentar a idéia de dependência dos filhos em relação aos pais. Não importa qual seja a

fundamentação da autoridade paterna, ela sempre tem uma necessidade de justificação racional.

Mesmo no caso da idéia de uma fundamentação natural (que era a concepção de Grotius), em que os pais

têm autoridade simplesmente por gerarem os filhos, já existe uma certa restrição do poder paterno, na

medida em que esse poder necessita, mesmo aí, abandonar o arbitrarismo.

Existe, no pensamento moderno, sempre a idéia de uma finalidade, ou de uma necessidade, a governar a

ação humana, e em especial a ação potestativa. Isso vale diretamente para a autoridade paterna, na medida

em que o pai não pode ir contra as necessidades dos filhos, ou as finalidades coletivas dessa relação (como a

educação).

Ora, mesmo no caso em que se considera, como em Grotius no início do século XVII, que só o pai é t itular dopoder paterno e que este lhe é devido tão somente por ser genitor, isso ainda não é suficiente para dar, a ele,

direito de vida ou morte sobre os filhos. Essa restrição ao arbítrio paterno é constante na figura do pai.

Assim, na definição do direito equivalente, ou seja, do que está em poder do pai ou dos pais para arbitrar a

respeito dos filhos, há uma tendência nesse pensamento moderno a desenvolver a idéia de que podem fazer

o que não prejudicar a finalidade original da relação de família. Ou seja, os pais podem fazer o que quiserem

com os filhos e com seus os bens, desde que não signifique isso uma diminuição de segurança dos próprios

filhos. Ao contrário, o que cabe aos pais em termos de segurança dos filhos é justamente a sua formação em

conjunto com a preservação de seus bens. Isso quando não significar, como em Locke, que a própria formaçãoenvolve ensinar aos filhos a preservar os próprios bens.

A extensão dessa autoridade dos pais equivale, portanto, a considerar que a autoridade continua enquanto

continua o processo de formação dos filhos. A partir do momento em que os filhos já são dotados de

experiência suficiente para se manterem sozinhos em suas próprias vidas, cessa concretamente a missão

original e natural dos pais com respeito à sua formação e, também, com respeito à tutela dos seus bens.

Mas o resultado desse encerramento, em vez de significar uma libertação de um poder opressivo, pode

significar, como coroação de toda a história familiar, a fundação de uma identidade entre pais formadores e

filhos já formados, eqüalizados agora não só em seus direitos naturais, mas no que lhes cabe como direitos

civis: ao final do processo de autoridade paterna, de formação familiar, de dependência dos filhos em relação

aos pais, o que temos é uma outra associação, cujos laços mais fortes que os laços determinados pela vida

civil a todos os cidadãos são justamente os laços do afeto, quando tais laços tenham tido a devida

oportunidade de se formarem, ao longo de todo esse percurso.

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A história das concepções de autoridade paterna não começara no pensamento moderno e não terminará com

ele. E a história propriamente dita da responsabilidade envolvida nessa autoridade, se aparece com clareza

nos modernos, tenderá a continuar.

De modo que seria possível estender essa história da concepção do poder paterno, cada vez mais distinto da

concepção clássica e mais ainda da concepção antiga de pátrio poder, para os tempos atuais. Mas não é o

objetivo desta palestra.

A intenção desta referência aos modernos é encontrar, na história do pensamento jurídico, uma fonte racional

para se pensar a responsabilidade paterna fora daqueles moldes que vinham, desde os gregos, fixando a idéia

de que os pais têm um poder equivalente à sua vontade ou seu arbítrio, sem medidas estabelecidas seja pela

natureza, seja pela moral, seja pela razão, seja pelo desejo.

Ea modernidade nos apresenta esta medida, certamente pela primeira vez.

A autoridade paterna existe somente enquanto corresponde a uma obrigação, obrigação fundamentalmente

de prover o sustento e a formação; mas essa obrigação é definida cada vez mais pelas necessidades dos filhos

e cada vez menos pelos arbítrios dos pais ou do pai.

A grande prova de que os filhos deixam de ser coisas nas mãos despóticas dos próprios pais é a existência

crescente de sua liberdade para interferir na determinação dos rumos de toda a família. Quando o mundo

moderno se conclui na passagem do século XVIII para o XIX, os filhos já tinham, dentro do pensamento políticoe pedagógico, uma importância nunca antes vista.

Ainda que a prática pedagógica e a prática social, assim como a própria dogmática civilista, se demorem a

absorver essas concepções, elas são uma conquista estabelecida no interior da modernidade. Como diz Alfred

Dufour: "Ao substituir um universo de hierarquias naturais por um universo de autoridades consentidas em

favor de aplicação, no domínio das ciências sócio-morais, do método das ciências físicas e matemáticas, os

teóricos do Direito natural moderno não se contentaram em lançar as bases de uma nova ordem moral e

política emancipada da tutela da teológica."

O que os filósofos jus-naturalistas causaram, com sua revolução metodológica no tratamento do assunto, foi a

necessidade de dar ao pensamento em torno da autoridade e da responsabilidade paterna bases

exclusivamente racionais, bases necessariamente científicas. Écom esse pensamento moderno, enfim, que o

cálculo e a definição dos papéis em família exige ser pensado fora de modelos, mas unicamente dentro da

observação das relações humanas como elas concretamente se dão.

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Tendo isso em vista, podemos passar para um outro registro, que é o de considerar a validade dessa

fundamentação racional da autoridade e da responsabilidade paterna. A questão é válida desde que se

mantenha válido o princípio de que aos pais não cabe qualquer arbítrio contrário à necessidade dos filhos.

Essa é uma lição dos modernos, que cabe diretamente a nós, hoje.

Retomemos algo que foi perguntado mais atrás: o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais?

Essa questão é mais ousada do que parece à primeira vista, porque pressupõe o questionamento de algo que

o costume usa considerar inquestionável, a autoridade paterna.

Ora, se os pais detêm alguma autoridade sobre os filhos, o que determina a legitimidade das suas decisões?

À luz dos modernos, poderíamos dizer que é o benefício dos filhos, sempre. A julgar pelo que nos esclarece afilosofia jurídica moderna, jamais, não importa qual seja a fundamentação da autoridade, os pais estão livres

de atender às necessidades dos filhos.

Os pais que têm aquele poder quase absoluto sobre os filhos porque são genitores e estão, na verdade,

subordinados a uma necessidade da natureza inteira, que é a de preservação de todos os seus elementos

constituintes.

O direito quase divino dado aos pais, segundo Grotius, sobre seus filhos (porque estes vieram daqueles) não

significa, jamais, o direito de retirar-lhes a vida. Pense-se nisto a partir do ponto de vista do filho, por outro

lado. É claro que não há nada na sua estrutura natural que peça a sua morte, a sua própria destruição, o seu

aprisionamento ou seu suplício. Mas tudo na sua natureza pede proteção e orientação.

Exatamente como na vida civil. Não há nada no súdito ou no cidadão que peça a extinção da sua liberdade. Ao

contrário, a sua natureza em sociedade pede liberdades, direitos, segurança da parte do poder soberano.

Parece-me correto, então, dizer que a relação de obediência e orientação só é válida na medida em que

ofereça segurança aos atores aí envolvidos, e prioritariamente aos que mais dependem dessa segurança, na

família, isto é, os filhos.

Talvez toda a autoridade dos pais possa, por isso mesmo, ser reduzida a esse único princípio sua potência,

ou sua responsabilidade, para garantir segurança aos filhos.

Essa redução, completamente legítima e reveladora do essencial, dá à idéia de poder paterno um significado

que retira qualquer pontificação negativa. Com ela, o poder paterno não desaparece, mas se torna uma

atividade voltada para o benefício do receptor, portanto para um benefício que é público e não privado. É essa

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publicidade do poder paterno, dentro da sociedade familiar, que permite chamar a esse poder, na verdade a

essa generosidade, uma autoridade em certa medida.

Quando a autoridade se apresenta não como entidade castradora ou opressora, mas formadora e protetora, a

criança se vê continuada nos próprios pais. Ao contrário, quando ela se vê explorada ou de alguma forma

neutralizada, o que ela vê não são os seus protetores, mas os seus inimigos mais diretos.

O índice a determinar se a relação entre pais e filhos é uma relação entre formadores mútuos ou entre

inimigos mútuos é, especialmente, a necessidade dos filhos.

Essa idéia não estaria, em contrapartida, dando aos filhos um poder que eles não têm ou não deveriam ter? A

saber: o poder de, pelo próprio desejo, quando não pela própria birra, recusar a orientação e proteção dos

pais?

A idéia de natureza, de certa maneira, se preserva aí, sem, todavia, deixar uma reserva para a violência agora

pelo lado da parte mais fraca, ou inferior na antiga hierarquia.

Como diria Espinosa, a essência do homem é o desejo, e não há como pretender eliminar o desejo em quem

quer que seja, muito menos na criança, que comumente vive em estado de hilaridade.

O perigo para qualquer ser humano em qualquer relação, e isso vale para pais e filhos na relação de família,

não é o desejo que se manifesta por qualquer das partes, mas a violência que pode decorrer das próprias

ações. A violência é, por definição, a própria ação contrária à natureza de algo ou de alguém. Se o desejo é

natural, um ato violento não decorre necessariamente do desejo humano, mas de uma compreensão

equivocada do que se deseja ou do que se necessita verdadeiramente.

Isso vale para qualquer relação humana, isso vale também para as relações de família: assim como não cabe

aos pais serem violentos com os filhos, não cabe aos filhos serem violentos com os pais. O que não

representar violência, todavia, não representa perigo à natureza de cada uma das partes, e portanto merece

toda concessão, ou, para usarmos a palavra que deve sempre estar presente, merece toda liberdade.

A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos,

consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total,

portanto, da idéia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no

conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento

na prática da coisificação familiar.

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As relações de família, já que se dão no interior de uma sociedade, tendem a atravessar constantemente essa

tensão que ora distancia, ora aproxima, as relações de poder e as relações de afeto. Consideremos que a

relação em família não precise ser uma relação de poder, ainda que haja quem considere isso impossível. Mas

se ela não é uma relação de poder, ou de dominação, o que ela é ou pode ser? Somente uma relação afetiva.

Isso, para o que entendemos por família, faz sentido, mas a concorrência entre afeto e interesses familiares

não é tão evidente quanto deveria, o que exige, do civilista que se dedica hoje ao tema das relações de

família, uma atenção especial à condição dessas pequenas sociedades como ligações mantidas nuclearmente

pelo afeto.

Conceber as famílias como associações determinadas pelo afeto significa necessariamente recusar que sejam

determinadas por uma relação de dominação ou poder.

Paralelamente, signif ica dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos fi lhos em termos, justamente,

de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por

sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva

em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade

paterno-filial.

Uma vida familiar que, ao contrário, é marcada pelas relações de ódio é claramente uma vida na qual se

perdeu qualquer equilíbrio afetivo, porque já não se percebem, aí, identidades, semelhanças, generosidades.

Pior: concebe-se que alguma paz só pode ser conquistada se se impuser, de qualquer das partes, uma tirania

da opressão sobre a parte inimiga. Aí já não se trata mais de responsabilidade numa relação paterno-filial,mas de uma responsabilidade mais apropriada àquilo que Grotius chamava de direito de guerra.

Que contribuição pode dar, assim, a filosofia, e especialmente a filosofia moderna, para a consideração

racional ou ética da responsabilidade nas relações de família? Diria que uma contribuição precisa e

espantosamente necessária hoje em dia: a reflexão sobre o sentido, nas relações de família, dos laços afetivos

como laços inquebrantáveis apesar do próprio desaparecimento dos modelos tradicionais de família.

O que torna esses laços inquebrantáveis é mais que o fracasso ou a natureza nefasta dos laços de poder e

dominação, quando estes infestam a concepção que uma família pode ter de si própria. Os laços afetivos sãoinquebrantáveis porque, como mostrava já Pufendorf, sempre estiveram na origem das relações de família,

porque ela é o lugar natural dessa prática da identidade entre os seus integrantes.

Seria, posteriormente, a excessiva carga institucional dada às relações familiares que voltaria a dificultar a

compreensão da família como campo de liberdade coletiva; mas, como o desejo de identidade e união é mais

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forte do que o desejo de dominação e disputa, nenhuma autoridade ou responsabilidade fora desse interesse

exclusivo na proteção e na formação dos filhos pode ser verdadeiramente válido.

É isso, principalmente, o que os modernos nos mostram a respeito da responsabilidade nas relações de

família: elas só são legítimas enquanto se concentram no interesse pela formação e pela liberdade dos filhos.

* Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e Cidadania: o novo Código Civil

de Família

IBDFAM e pela OAB/ MG, na cidade de Ouro Preto (MG).

1.Registro, com grande honra, que para a elaboração desta palestra, contei com a generosidade da

inteligência de certos colegas de assunto, aos quais sou extremamente grata, e que, com sua colaboração

inestimável, deixaram estas notas mais sofisticadas, com um certo ar interdisciplinar, pelo qual tanto ansiei.

São eles: Fernando Dias Andrade (filósofo e professor), Sandra Olivan Bayer (advogada), Giselle Groeninga

(psicóloga e mediadora), Águida Arruda Barbosa (advogada e mediadora), Maria Berenice Dias

(desembargadora), Rodrigo Cunha Pereira (advogado e professor) e Euclides de Oliveira (advogado e

professor), todos, à exceção do primeiro, membros e/ ou dirigentes do IBDFAM.

2.Dentre a riquíssima bibliografia que pode ser consultada a respeito do assunto, registro em especial a

formidável obra de Albertino Daniel de Melo, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal

de Minas Gerais, denominado A responsabilidade civil pelo fato de outrem, nos direitos francês e brasileiro,

Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1972. E, ainda, como ponto de partida para a visualização desta divergênciaqualificatória da responsabilidade indireta dos pais pelos danos causados por seus filhos menores, recomendo

a leitura das singulares 18 linhas de comentários ao art. 1523 do Código Civil em vigor que a Professora Maria

Helena Diniz registra em seu Código Civil Anotado, Editora Saraiva, São Paulo (minha edição é a de 1995,

gentilmente dedicada pela autora).

3.Respectivamente, fragmentos 110 e 111 dos ditos de Demócrito.

4.A expressão masculista, em lugar de machista, se deve a Marilena Chauí, em Repressão sexual, essa nossa

(des)conhecida.

5. A. Dufour, "Autorité maritale et autorité paternelle dans l'école du droit naturel moderne", Archives de

philosophie du droit, t. 20, Paris, 1975.

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6. A este respeito, leia-se os bem talhados capítulos Poder Familiar, de Paulo Luiz Netto Lobo, e Parentesco e

Filiação, de Rosana Fachin, ambos contidos na obra coletiva coordenada por Rodrigo da Cunha Pereira e Maria

Berenice Dias, denominada Direito de Família e o novo Código Civil, Editora Del Rey, Belo Horizonte: 2001.

7. F.D. Andrade, "Sobre ética e ética jurídica", http:/ / sites.uol.com.br/ grus/ eej.htm

8. Análise do assunto se encontra em F.D. Andrade, Filosofia do direito, parte IV ("Direito e justiça"), previsto

para 2002.

9. Locke, Segundo tratado sobre o governo, cap. VI, § 55.

10. A. Dufour, p. 124.

11. A propósito, é devidamente inovadora a contribuição de Silvana Maria Carbonera, em seu estudo sobre "O

papel jurídico do afeto nas relações de família", em L.E. Fachin (org.) Repensando fundamentos do Direito Civil

brasileiro contemporâneo, Rio de Janeiro, Renovar, pp. 273-315.

Gselda Maria Fernandes Novaes Hironaka é diretora do IBDFAM - Região Sudeste, professora, Doutora e

livre-docente pela USP

7. Fique por Dentro

Texto publicado sábado, dia 5 de junho de 2010 (Ste Consultor Jurídico)

NOTÍCIAS

União homoafetiva é reconhecida pela AGU

A Advocacia-Geral da União reconheceu nesta sexta-feira (4/ 6) que a união homoafet iva estável dá direito ao

recebimento de benefícios previdenciários. Segundo a AGU, o principal motivo para a interpretação é a

Constituição Federal, que não impede a união estável de pessoas do mesmo sexo, por não ser discriminatória.

Pelo contrário, garante a dignidade da pessoa humana, a privacidade, a int imidade e proíbe qualquer

discriminação, seja de sexo, raça, e orientação sexual. Assim, não poderiam normas infraconstitucionais

violarem direitos fundamentais expressos em seu texto. O parecer é valido apenas para os trabalhadores do

setor privado.

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"Numa interpretação sistemática da Constituição da República é possível verificar que o que se pretende é

  justamente proteger a liberdade de opção da pessoa", ressaltou o advogado da União, Rogério Marcos de

Jesus Santos, responsável pela autoria do documento.

Leia a íntegra da matéria no excelente site do Conjur - http:/ / www.conjur.com.br/ 2010-jun-05/ agu-

reconhece-uniao-homoafetiva-pra-fins-previdenciarios?imprimir=1  acessado em 04 de julho de 2010.

STJdiscute questão sobre forma de participação da companheira na sucessão do companheiro

22/ 12/ 2009

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está discutindo o alcance da meação de companheira

que teve sua união estável concretizada quando o seu companheiro contava com mais de 60 anos de idade. O

 julgamento foi interrompido com o pedido de vista do ministro Sidnei Beneti.

No caso, trata-se de ação de inventário de M.G.N.E.H., promovida por M.D.A., sua companheira, que

apresentou as primeiras declarações como se única herdeira fosse. Diante disso, o irmão do falecido e seus

sobrinhos peticionaram nos autos, alegando a condição de herdeiros e requerendo a remoção da companheira

por sonegação de informações.

Em decisão interlocutória, o juiz de primeiro grau de jurisdição determinou a regularização das primeiras

declarações, com a inclusão do irmão do falecido e de seus sobrinhos no inventário.

Inconformado com a decisão, o sobrinho interpôs agravo de instrumento (tipo de recurso), provido pelo

Tribunal de Justiça de São Paulo, para definir o alcance da meação da companheira, assegurando-

iniciada a união estável, ou a título gratuito em qualquer época, será feita a partilha entre a inventariante e os

O relator do recurso, ministro Massami Uyeda, determinou que a meação dos bens, adquiridos na constância

da convivência, deve observar o regime legal da separação dos bens, bem como para que a companheira

participe da sucessão em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência, em

concorrência com os outros parentes sucessíveis, conforme o artigo 1790 do CC/ 02.

A ministra Nancy Andrighi, ao proferir seu voto, divergiu parcialmente do relator. Para ela, mantida a exclusão

da parte relativa à meação com base no artigo 1725 do CC/ 02, a companheira deve part icipar da sucessão em

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relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, em concorrência com os parentes

colaterais do falecido, de acordo com o artigo 1790 do CC/ 02.

Além do ministro Beneti, que pediu vista, faltam julgar os desembargadores convocados Vasco della Giustina

e Paulo Furtado.

Fonte:

http:/ / www.stj.jus.br/ portal_stj/ objeto/ texto/ impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=95374 

 

acessado em 03 de janeiro de 2010.

22/ 12/ 2008 - 10h21

DECISÃO

Épossível alteração de regime de bens a casamentos celebrados na vigência do antigo Código Cvil

Admite-se a alteração do regime de comunhão parcial de bens no casamento, instituído sob o regime do

antigo Código Civil (CC/ 1916), para o de comunhão universal de acordo com o novo Código (CC/ 2002). A

Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu a recurso do Ministério Público do Rio Grande

do Sul (MP) e manteve a decisão de segunda instância que possibilitou a um casal alterar o regime de forma

retroativa.

O Ministério Público (MP) recorreu ao STJapós decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que

entendeu que o artigo 2.039 das Disposições Finais e Transitórias do Código Civil em vigor não impede a

alteração do regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do CC/ 16. Para o TJ, o regime de bens

dos casamentos pela antiga lei é por ele estabelecido, mas somente enquanto não se aplicar a regra geral do

artigo 1.639, parágrafo 2º, do CC/ 02, ou seja, enquanto não optarem os cônjuges pela sua alteração, até

porque o artigo 2.039 não diz que o regime do casamento contraído pelo CC/ 16 é imutável ou irrevogável.

Em sua defesa, o MP argumentou que a decisão violou artigos do novo Código Civil. Além disso, pleiteou a

impossibilidade de alteração de regime de bens de forma retroativa, a alcançar matrimônios contraídos antes

da entrada em vigor do atual Código. Por fim, aduziu que, conforme o regime anterior aplicável ao caso, o

regime de bens é imutável.

Ao analisar a questão, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, destacou que as Turmas de Direito Privado

desta Corte firmaram o entendimento de que o artigo 2.039 do novo Código Civil não impede o pleito de

autorização judicial para mudança de regime de bens no casamento celebrado na vigência do Código de 1916,

conforme a previsão do artigo 1.639, parágrafo 2º, do Código de 2002, respeitados os direitos de terceiros.

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Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Fonte: http:/ / www.stj.jus.br/ portal_stj/ publicacao/ engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=90434,  acessado

em 22 de dezembro de 2008.

Você pode encontrar importantes e atuais textos sobre o Direito de Família no site www.ibdfam.com.br. 

Confira!

Um abraço!

Fiquem com Deus, sempre!

O amigo,

Pablo.

www.pablostolze.com.br 

Revisado.2011.1.ok CD.S.